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1 Revista Pensar Gestão e Administração, v.5, n.2, jan. 2017 Consumo Colaborativo: Aspectos Relevantes e Implicações Sobre o Comportamento do Consumidor Collaborative Consumption: Relevant Aspects and Implications on the Consumer Comportment Bruno Rodrigo dos Santos 1 Juliana Cristina de Andrade 1 Lucimar Aparecida da Silva 1 Armando Sérgio de Aguiar Filho 2 Resumo: O consumo colaborativo consiste em um modelo econômico contemporâneo, baseado em premissas que remetem à otimização do uso de recursos, redução dos níveis de produção e descarte, aproveitamento da capacidade ociosa, valorização de experiências e interações interpessoais, e consciência ambiental. Ao participar deste mercado, o consumidor é encorajado a desenvolver uma nova forma de enxergar as relações de consumo, quebrando paradigmas e rebuscando antigos conceitos sociais. Neste contexto, o presente estudo propôs-se a identificar as transformações no comportamento do consumidor promovidas pelo advento do consumo colaborativo. Para tanto, utilizou-se de pesquisas descritiva e bibliográfica na construção de um pano de fundo teórico, bem como, da aplicação de questionários e entrevistas suscitando uma análise de dados quali-quantitativa. Como principais resultados, foram obtidos aspectos conceituais e características básicas e dados estatísticos sobre o tema, além de opiniões e relatos de gestores que vivenciam e atuam neste mercado. Palavras-chave: Consumo; colaborativo; comportamento; consumidor. Abstract: The collaborative consumption consists in a contemporary economic model, based on premises that remit to the resources use optimization, reduction of the production and discard levels, idle capacity exploitation, valorization of experiences and interpessoal interactions, and ambiental conscience.When taking part of this market, the consumer is encouraged to develop a new way to see the consumption relations, breaking paradigms and reviewing old social concepts. In this context, this article proposes to identify the transformations in the consumer comportment promoted by the collaborative consumption advent. For that, were used descriptive and bibliographic researches in the construction of a teoric background, as well as the application of questionnaires and interviews arousing a quali-quantitative data analysis. As main results, were obtained conceptual aspects, basic characteristics and statistics data on the theme, besides opinions and narratives of managers that experiences and work at this market. Keywords: Collaborative; consumption; consumer; comportment. 1 Alunos formandos do curso de graduação em Administração na Faculdade Promove, em Belo Horizonte/MG. E-mails: [email protected]; [email protected]; [email protected]. 2 Doutor em Gestão da Informação e Conhecimento pela Escola de Ciência da Informação da UFMG; Professor Orientador da Faculdade Promove, em Belo Horizonte/MG. E-mail: [email protected]

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Revista Pensar Gestão e Administração, v.5, n.2, jan. 2017

Consumo Colaborativo: Aspectos Relevantes e Implicações Sobre o

Comportamento do Consumidor

Collaborative Consumption: Relevant Aspects and Implications on the

Consumer Comportment

Bruno Rodrigo dos Santos1

Juliana Cristina de Andrade1

Lucimar Aparecida da Silva1

Armando Sérgio de Aguiar Filho2

Resumo: O consumo colaborativo consiste em um modelo econômico contemporâneo, baseado em premissas que remetem à otimização do uso de recursos, redução dos níveis de produção e descarte, aproveitamento da capacidade ociosa, valorização de experiências e interações interpessoais, e consciência ambiental. Ao participar deste mercado, o consumidor é encorajado a desenvolver uma nova forma de enxergar as relações de consumo, quebrando paradigmas e rebuscando antigos conceitos sociais. Neste contexto, o presente estudo propôs-se a identificar as transformações no comportamento do consumidor promovidas pelo advento do consumo colaborativo. Para tanto, utilizou-se de pesquisas descritiva e bibliográfica na construção de um pano de fundo teórico, bem como, da aplicação de questionários e entrevistas suscitando uma análise de dados quali-quantitativa. Como principais resultados, foram obtidos aspectos conceituais e características básicas e dados estatísticos sobre o tema, além de opiniões e relatos de gestores que vivenciam e atuam neste mercado. Palavras-chave: Consumo; colaborativo; comportamento; consumidor.

Abstract: The collaborative consumption consists in a contemporary economic model, based on premises that remit to the resources use optimization, reduction of the production and discard levels, idle capacity exploitation, valorization of experiences and interpessoal interactions, and ambiental conscience.When taking part of this market, the consumer is encouraged to develop a new way to see the consumption relations, breaking paradigms and reviewing old social concepts. In this context, this article proposes to identify the transformations in the consumer comportment promoted by the collaborative consumption advent. For that, were used descriptive and bibliographic researches in the construction of a teoric background, as well as the application of questionnaires and interviews arousing a quali-quantitative data analysis. As main results, were obtained conceptual aspects, basic characteristics and statistics data on the theme, besides opinions and narratives of managers that experiences and work at this market. Keywords: Collaborative; consumption; consumer; comportment.

1 Alunos formandos do curso de graduação em Administração na Faculdade Promove, em Belo Horizonte/MG.

E-mails: [email protected]; [email protected]; [email protected]. 2 Doutor em Gestão da Informação e Conhecimento pela Escola de Ciência da Informação da UFMG; Professor

Orientador da Faculdade Promove, em Belo Horizonte/MG.

E-mail: [email protected]

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1. INTRODUÇÃO

O consumo colaborativo é um modelo econômico contemporâneo, construído em

torno do consumo consciente e do compartilhamento de produtos, serviços e até

mesmo de ativos pouco tangíveis. Pautado por valores como integração e

sustentabilidade, permite que pessoas, comunidades e empresas interajam em um

sistema colaborativo, tanto como provedoras, quanto utilizadoras dos recursos.

Do ponto de vista econômico, o consumo colaborativo em muito se contrapõe ao

capitalismo tradicional, pois valoriza mais as experiências vivenciadas e o acesso

aos benefícios dos produtos, em detrimento do antigo ciclo de compra e descarte.

Assim, a posse e acúmulo de bens são substituídos por relações de propriedade

compartilhada, aluguel, troca e atividades coletivas, por exemplo.

Soma-se a isso, o fato de o consumo colaborativo possuir um viés ambientalista,

visando à redução do impacto ambiental causado pelo modelo capitalista tradicional.

No consumo colaborativo, o bem não pertence a um indivíduo, mas a uma coletividade que faz uso do mesmo. Ao compartilhar um produto que, durante toda sua vida útil, só seria utilizado algumas vezes, evita-se a produção de um novo bem e essa maximização do uso é benéfica para a natureza (CALAZANS; LINS; LIMA, 2014).

O consumo colaborativo tem nas pessoas seu elemento fundamental, uma vez que,

confiança, respeito e vontade de compartilhar são essenciais para o funcionamento

do sistema. No entanto, as plataformas de interação proporcionadas pelo

desenvolvimento tecnológico e o crescimento da internet também possuem um papel

importantíssimo, conforme destacam Guimarães e Scalco (2014):

A invenção de novas tecnologias e a popularização das mesmas, trouxe

consigo a possibilidade de conectar os interesses de diversos e dispersos

indivíduos, em escala global, tornando simples o que na década de 1940,

por exemplo, não teria apenas um custo monetário alto, mas também um

custo de oportunidade alto [...].

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Além disso, Botsman e Rogers (2011) apontam que o consumo colaborativo tem

potencial para influenciar, também, aspectos sociais e comportamentais dos

consumidores, pois promove alternativas para que as pessoas façam economia ao

mesmo tempo em que criam conexões interpessoais, tornando-se socialmente ativas

novamente. Ainda neste sentido, Calazans, Lins e Lima (2014) destacam que:

As pessoas que aderem ao consumo colaborativo estão usufruindo mais daquilo que compram ou mesmo deixando de comprar, uma vez que o acesso tem se tornado mais fácil. A sociedade já tem consciência de que a demasiada busca por bens materiais traz consigo um alto custo para as suas relações familiares, de amizade e até mesmo com o meio ambiente.

Tendo em vista os aspectos apresentados, define-se como problema de pesquisa a

seguinte questão: de que forma a disseminação do modelo de consumo colaborativo

tem modificado e transformado o comportamento do consumidor?

2. JUSTIFICATIVA

A importância da pesquisa reside na possibilidade de coletar e discutir informações

acerca de uma estrutura econômica contemporânea, que tende a tornar-se cada vez

mais presente no Brasil e no mundo, transformando a dinâmica do mercado através

de novas formas de interação e consumo. Neste ponto, ressalta-se que o cenário

econômico e socioambiental demonstra propensão ao crescimento do consumo

colaborativo, tendo em vista o desgaste do modelo atual, o aumento do nível de

acesso à informação por parte dos consumidores e a escassez de recursos naturais.

Acrescenta-se, ainda, o valor da pesquisa para administradores e empreendedores,

ao fomentar o entendimento sobre este modelo de consumo e suas implicações no

mercado, bem como as oportunidades que podem surgir em sua decorrência.

3. OBJETIVOS

3.1 Objetivo geral

Descrever de que forma o comportamento do consumidor vem sendo transformado a

partir do advento do consumo colaborativo.

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3.2 Objetivos específicos

• Relatar pontos referentes à origem e evolução do consumo colaborativo;

• Descrever suas principais características e componentes;

• Elencar plataformas de negócios do mercado colaborativo;

• Traçar o perfil de pessoas e organizações que atuam neste meio.

4. REFERENCIAL TEÓRICO

4.1 Origem e desenvolvimento

No ano de 1999, Robin Chase fundou, juntamente com sua amiga Antje Danielson, a

empresa Zipcar, provendo um serviço de compartilhamento de veículos. A empresa

tinha por base a premissa de que, a grande maioria das pessoas, na realidade, não

precisa da posse de determinado bem, mas sim, usufruir do benefício por ele

proporcionado. Em pouco tempo, pessoas começaram a perceber a vantagem de

alugar um carro apenas pelo tempo necessário à sua utilização, em lugar de possuir

um, que ficaria ocioso na maior parte do tempo, e ainda geraria custos adicionais.

Conforme descrito em seu livro, ao fundar a Zipcar, Robin estava sendo, sem saber,

pioneira de um movimento que viria a se tornar muito maior: “O que eu desconhecia

na época era o movimento muito maior possibilitado pela internet. A Zipcar foi uma

pioneira. Quando você pode conectar e compartilhar bens, pessoas e ideias tudo

muda, não só o jeito como você aluga um carro” (CHASE, 2015 p.11).

Nos anos seguintes houve dois fatores determinantes para o desenvolvimento e

expansão do consumo colaborativo: a crise econômica mundial em 2008, e o avanço

tecnológico com crescimento exponencial da internet e o advento das redes sociais.

4.1.1 Crise econômica mundial

Botsman e Rogers (2010 apud. CALAZANS; LINS; LIMA, 2014), acreditam que “após

a crise mundial de 2008, uma parte da população percebeu que tanto a natureza

quanto a economia não aguentariam mais o modelo de comprar, usar, jogar fora e

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comprar novos produtos”. Houve uma espécie de choque de realidade, que levou à

percepção de que os recursos naturais de fato são finitos e que, portanto, se fazia

necessário um novo modelo de consumo que fosse mais racional e sustentável.

A Revista Filantropia3 (2015) acrescenta, ainda, que a crise econômica colocou

frente a frente uma situação de desemprego e falta de dinheiro, com uma

capacidade excedente de recursos detida pelas pessoas na forma de bens em

estado ocioso. Apartamentos com quartos vazios, veículos ociosos durante a maior

parte do tempo, cd’s, dvd’s, livros e roupas guardados com pouca ou nenhuma

utilidade para seus atuais donos, tudo isso poderia ser transformado em uma fonte

de renda extra, e as pessoas começaram a se dar conta disso.

O consumo colaborativo configura uma inovação na forma de consumir: ao invés de comprar novos produtos ou serviços, os indivíduos podem procurar quem já os possua para alugá-los, trocá-los por outros bens ou emprestálos por um período. Todos ganham. Quem empresta ou aluga um carro ou um quarto ganha renda ou poupa despesas ou, então, garante um benefício parecido para si próprio no futuro. Quem aluga ou pede emprestado preenche sua necessidade sem arcar com o custo da compra e manutenção. Mas, talvez, os principais ganhadores sejam a sociedade e o meio ambiente: afinal, mais compartilhamento significa menos. Isso minimiza as grandes produções de bens, extração de recursos naturais e desperdícios (REVISTA FILANTROPIA, 2015).

4.1.2 Avanço tecnológico

Entretanto, o fato de as pessoas perceberem a finitude dos recursos naturais e a

possibilidade de gerar renda através de seus bens ociosos ainda não era o bastante.

Eram necessárias redes de participação por meio das quais as pessoas pudessem

conectar-se, compartilhar recursos e transformar sua capacidade excedente em

benefício disponível para outras e, para tanto, o avanço tecnológico foi fundamental.

Neste sentido, Sales (2013, p.29) observa que “deve-se buscar o aproveitamento

máximo da utilidade dos bens, fazendo com que o desperdício seja o menor

possível. A crescente tecnologia funciona como um agente facilitador para a

obtenção desse aproveitamento ótimo”.

3Disponível em: <http://www.revistafilantropia.com.br/secoes/artigos/item/8271-consumo-colaborativo-

atend%C3%AAncia-compartilhada>Acesso em: 01 mai. 2016

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No cerne do consumo colaborativo está o cálculo de como podemos aproveitar esta capacidade ociosa e redistribuí-la em outro lugar. A tecnologia moderna, incluindo as redes sociais online e os dispositivos portáteis habilitados por GPS, oferece uma infinidade de maneiras para resolver esse problema. A onipresença da conectividade barata que nos rodeia pode maximizar a produtividade e a utilização de um produto e enxugar o excedente criado pelo hiperconsumo sem criar custos ou inconveniências (BOTSMAN; ROGERS, 2001, p.71).

Além disso, o consumo colaborativo aproveita-se das plataformas tecnológicas para

estreitar a interação interpessoal nas relações comerciais, estimulando situações de

convivência, troca de experiências e cooperação. A proposta é transcender a

simples troca de posse de bens ou prestação de serviços, passando a envolver um

contato mais pessoal e reinventando antigos conceitos, tais como escambo,

compartilhamento, comunidades de troca e colaboração.

Nessa nova ordem, resolveremos finalmente o dilema da colaboração versus a competição e passaremos a gerar riquezas a partir da sabedoria das multidões, a entender como promover a participação sem envolver dinheiro [...] O ser humano nasceu para conversar, convergir, viver em grupo, ou simplesmente ficar sentado em volta de uma fogueira trocando percepções. [...] (GIARDELLI, 2012, p.16).

4.2 Os três movimentos do consumo colaborativo

Haddad4 (2016) defende que o consumo colaborativo pode ser dividido em três

grandes movimentos que podemos observar no mercado atual, sendo eles:

4.2.1 Economia baseada em serviços

O movimento da economia baseada em serviços está diretamente relacionado ao

dilema da posse versus utilização de bens. Assim, o pressuposto adotado pela

Zipcar replica-se nos mais diversos tipos de negócio.

Se você for como a maioria das pessoas, provavelmente usará uma furadeira elétrica algo entre 6 e 13 minutos durante toda a sua vida útil. E, ainda assim, supostamente metade dos domicílios nos EUA comprou a sua própria furadeira elétrica. Existem aproximadamente 50 milhões de furadeiras em casas por todos os Estados Unidos acumulando poeira. Possuir um produto que você usa por apenas alguns minutos não faz

4Disponível em: <http://www.salvias16.com/#!Consumo-

Colaborativo/ffzeo/5711023c0cf2e66d024f142e>Acesso em: 03 mai. 2016.

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sentido. Há o custo óbvio do dinheiro gasto com a furadeira em si, [...] e depois o custo de comprar uma versão mais recente quando a atual parece velha ou não funciona mais [...]. E, no final das contas, o que a maioria de nós realmente quer é, conforme afirmou o lendário designer Victor Papanek, “o buraco, não a furadeira” (BOTSMAN; ROGERS, 2011, p.70).

A economia baseada em serviços representa um grande passo na direção da

sustentabilidade, visto que, produtos de propriedade individual, ociosos ou deixados

de lado por seus donos, passam a ter um novo papel no ciclo de consumo, à medida

que são compartilhados ou alugados, maximizando seu aproveitamento e

minimizando a prática da obsolescência programada. Neste sentido, Chase (2015,

p.78) acredita que através do consumo colaborativo “temos o poder de melhorar a

qualidade de vida em megacidades e satisfazer as necessidades dos mais de 7

bilhões de pessoas que hoje vivem no planeta [...]”.

De acordo com Botsman e Rogers (2011, p.61), o sistema econômico baseado em

serviços oferece também benefícios aos usuários, uma vez que, “[...] remove os

encargos da propriedade, como manutenção, conserto e seguro, e nos permite

aproveitar ao máximo os ativos que são efetivamente nossos”. Aliado a isso,

observa-se que ao substituir a posse pela utilização, o usuário passa a ter um leque

maior de possibilidades para satisfazer suas necessidades específicas.

Botsman e Rogers (2011) relatam, ainda, que cada vez mais pessoas das mais

diversas idades, origens e regiões, estão adotando uma “mentalidade de uso”, na

qual pagam pelo benefício proporcionado por um produto, sem ter de possuí-lo.

4.2.2 Mercados de redistribuição

A ideia dos mercados redistributivos, assim como a economia baseada em serviços,

apresenta uma perspectiva para o aproveitamento da capacidade excedente. No

entanto, este movimento apoia-se na premissa de que um determinado bem que não

possui mais valor para seu atual dono, pode ser exatamente aquilo que outra pessoa

deseja e, portanto, funciona através de compra e venda, trocas e doações.

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O desenvolvimento e ampliação do acesso à internet tem papel fundamental nos

mercados redistributivos, facilitando o agrupamento de pessoas com interesses

semelhantes e minimizando o efeito das barreiras geográficas. Neste sentido,

Scheffler, Verschoore e Silva (2014, p.2) apontam que “as plataformas das

empresas dos mercados de redistribuição buscam agrupar indivíduos com alguma

semelhança, visto que nos grupos homogêneos existe uma probabilidade maior de

confiança entre os desconhecidos”. Tanabe (2013) acrescenta que a venda ou troca

itens em desuso é uma forma inteligente de descarte e, embora seja uma prática

antiga, ganha alcance global com a utilização da internet.

Scheffler, Verschoore e Silva (2014) descrevem que a principal diferença entre os

mercados redistributivos e a economia baseada em serviços está justamente na

posse. Assim, nos mercados redistributivos o usuário detém a posse do bem

enquanto este lhe for útil, podendo posteriormente passá-la para outra pessoa por

meio de venda, troca ou doação.

Botsman e Rogers (2011, p.108) definem que “o benefício ambiental óbvio de

mercados de redistribuição é que eles mantêm as coisas circulando, maximizando o

uso e ampliando a longevidade de itens individuais”, e complementam ao afirmar

que “[...] a redistribuição reduz o desperdício e as emissões de carbono e a

necessidade de recursos que acompanham uma nova produção”.

4.2.3 Estilo de vida colaborativo

O movimento do estilo de vida colaborativo nos leva a perceber que o consumo

colaborativo não se limita somente ao compartilhamento de bens tangíveis. Botsman

e Rogers (2011, p.62) explicam que “pessoas com interesses semelhantes estão se

reunindo para compartilhar e trocar ativos menos tangíveis, como tempo, espaço,

habilidades e dinheiro, o que chamamos de estilos de vida colaborativos”.

No centro deste movimento estão atividades como o crowdfunding (financiamento

coletivo), o crowdsourcing (solução de problemas coletiva), o crowdlearning (ensino

e aprendizado coletivo), o couchsurfing (onde viajantes podem encontrar pessoas

dispostas a oferecer um lugar para dormir ou até mesmo companhia) os sistemas de

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carona (onde pessoas compartilham espaço disponível em seus veículos com outras

que fazem trajetos semelhantes), dentre outras modalidades de compartilhamento.

Por envolver um maior nível de contato entre pessoas, muitas vezes desconhecidas,

o estilo de vida colaborativo está diretamente relacionado a valores como confiança,

respeito e honestidade, como ressaltam Botsman e Rogers (2011, p.62):

Com frequência, é necessário haver um grau elevado de confiança quando se trata de estilos de vida colaborativos, pois muitas vezes o foco da troca é a interação entre seres humanos e não um produto físico. Consequentemente, eles geram uma infinidade de relacionamentos e de conectividade social.

Haddad (2016) defende que ao adotar um estilo de vida colaborativo o indivíduo

deixa um pouco de lado sua zona de conforto, e abandona individualização do

consumo e da posse, passando a estabelecer conexões com outras pessoas e a

consumir de forma sustentável. Bagó (2013, p.9) complementa ao afirmar que

“compartilhar é divertido e te faz se sentir bem, o que explica seu sucesso”.

4.3 Comportamento do consumidor no consumo colaborativo

No modelo colaborativo o consumidor tem papel mais ativo nas interações

comerciais, e maior consciência sobre os impactos socioambientais de suas ações.

Para Menezes (2015), embora ainda reduzidos em relação ao capitalismo

tradicional, os esforços já existentes para o desenvolvimento do modelo colaborativo

são um importante passo para a criação de conexões sociais de compartilhamento.

[...] O consumo colaborativo tem a vantagem de fazer parte do interesse pessoal do usuário, não enfatizando a culpa nem o sacrifício pessoal. Além disso, mudanças de hábito precisam ser fáceis e convenientes para a pessoa média e devem, ao mesmo tempo, criar valor tanto para a empresa quanto para a sociedade [...] (BOTSMAN; ROGERS, 2011, p.63).

Para Calazans, Lins e Lima (2014) diversos motivos levam os consumidores a

participar do mercado colaborativo, mas é certo que esta participação promove uma

mudança comportamental ao demonstrar que suas necessidades e desejos podem

ser alinhados ao bem-estar da sociedade e à sustentabilidade.

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Esse tipo de consumo baseado no compartilhamento reforça o valor à

experiência em detrimento a noção de possuir algo. Buscando experiências

os indivíduos estão procurando mais do que bens ou serviços que uma troca

comercial oferece, eles buscam satisfazer suas reais necessidades por meio

da experiência intangíveis (COUTINHO, 2015, p.4).

Botsman e Rogers (2011, p.64) definem que, embora em geral demonstrem certo

ceticismo, “uma vez que as pessoas começam a adotar timidamente o consumo

colaborativo, como trocar roupas ou compartilhar carros, outros comportamentos

também começam a mudar gradualmente”.

Ainda de acordo com Botsman e Rogers (2011) existem alguns princípios básicos,

essenciais para o funcionamento do mercado colaborativo, dentre os quais cabe-se

citar: a massa crítica, a crença no bem comum e a confiança entre desconhecidos.

No consumo colaborativo a massa crítica se manifesta na variedade de escolhas e

na prova social. Botsman e Rogers (2011, p.64) defendem que “para o consumo

colaborativo competir com as compras convencionais, deve haver escolhas

suficientes para que o consumidor sinta-se satisfeito com o que está disponível”, ou

seja, é necessário que certa quantidade de pessoas participe do sistema, tornando-o

atraente e viável para outras. Já a prova social acontece, sobretudo, nos registros de

avaliações dos usuários, visto que o consumidor tende a acreditar mais em um

produto ou serviço, se este já tiver sido utilizado e aprovado por outra pessoa.

O princípio da crença no bem comum fundamenta-se na premissa de que, ao

disponibilizar algo para a comunidade, seja um bem tangível ou um ativo intangível,

o consumidor tem como retorno não só a possibilidade de acessar um bem ou ativo

que lhe interesse, como também, um sentimento de satisfação por estar ajudando a

criar valor para outras pessoas. “Por meio de nossas experiências digitais, estamos

reconhecendo que, ao fornecer valor para a comunidade, permitimos que o nosso

próprio valor social se expanda em troca” (BOTSMAN; ROGERS, 2011, p.76).

Segundo Botsman e Rogers (2011), “a maioria das formas de consumo colaborativo

exige que confiemos em alguém que não conhecemos em diferentes graus”.

Calazans, Lins e Lima (2014, p.13) acrescentam que “essa mesma confiança está

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fazendo com que as pessoas interajam mais umas com as outras, gerando relações

sociais que começam no ambiente online, mas migram para o off-line”.

5. METODOLOGIA

Para a construção do corpo do trabalho definiu-se a utilização de pesquisa

descritiva. Gil (2008) define que este tipo de pesquisa tem por objetivo estudar

características de um determinado evento ou população e estabelecer relações entre

variáveis, o que a torna adequada para o propósito do trabalho.

Quanto aos dados a serem coletados, estabeleceu-se o uso de pesquisa

bibliográfica. Gil (2008) esclarece que este modelo de pesquisa se desenvolve

através de material já elaborado por outros autores, compreendendo principalmente

livros e artigos científicos, permitindo a construção de um embasamento teórico.

Ainda em relação à coleta de dados, determinou-se a adoção de uma abordagem

mista de pesquisa. De acordo com Creswell (2007) a abordagem mista ocorre

quando são coletados dados de forma quantitativa e qualitativa para o estudo de um

único evento, dando maior profundidade ao trabalho, visto que as características

próprias de um tipo de abordagem poderiam neutralizar as do outro.

Na abordagem mista definiu-se o uso de entrevistas constituídas por doze

perguntas, aplicadas a seis gestores de empresas do mercado colaborativo, e

distribuídas nas quatro seguintes categorias para estruturação da análise: a)

Conceituação e características; b) elementos influenciadores; c) o consumidor

colaborativo; d) perspectivas para o futuro. Em paralelo estabeleceu-se a aplicação

de questionários, compostos por dezesseis questões, aplicados a sessenta

consumidores do mercado colaborativo, agrupados nos seguintes blocos objetivando

facilitar sua interpretação: a) perfil; b) interação com o mercado colaborativo; c)

percepção sobre o consumo colaborativo; d) comportamento e perspectivas.

Para a etapa de análise definiu-se o cruzamento e comparação dos dados

qualitativos e quantitativos, identificando pontos comuns, divergências e conexões.

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6. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

A coleta de dados qualitativa deu-se através da realização de entrevistasaplicadas a

seis gestores de empresas que atuam no mercado colaborativo. O caráter aberto

das perguntas, bem como seu conteúdo e enfoque prático, estimulou os gestores a

descrever experiências, conceitos, ideias, opiniões e perspectivas acerca do tema.

Já a coleta dos dados quantitativos foi desenvolvida por meio de questionário

aplicado a sessenta indivíduos, usuários das empresas abordadas.

A fase de análise desenvolveu-se por meio de estudo das entrevistas, com

abordagem comparativa entre as respostas de cada gestor, e estabelecendo

conexões com a revisão de literatura e com o resultado dos questionários. Por fim,

realizou-se a tabulação e análise dos dados, buscando quantificar as informações

obtidas e estabelecer relações entre as variáveis estudadas.

6.1 Empresas abordadas

6.1.1 Bla Bla Car

Plataforma de compartilhamento de viagens de carro através da qual, viajantes

encontram condutores que tenham destino em comum, e oferecem uma participação

nos custos da viagem em troca de um lugar no carro.

6.1.2 Wairon

Sistema de intermediação, conectando pessoas que disponibilizam-se como

lavadores ou passadores de roupas, e aquelas que precisam destes serviços. A

plataforma proporciona operacionalização, cuidando das partes burocráticas.

6.1.3 Bookshare

Rede social para compartilhamento de livros, promovendo interação entre pessoas

que possuem preferências literárias semelhantes, permitindo aos usuários emprestar

seus livros e também tomar emprestados livros de outras pessoas.

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6.1.4 Virtuozas

Espécie de estante virtual, onde é possível alugar ou disponibilizar para aluguel

roupas e acessórios, bem como receber orientações profissionais de estilo e obter

serviços adicionais, como cabelo, maquiagem e depilação. As usuárias pagam uma

taxa anual e, em troca, a empresa faz a intermediação das locações.

6.1.5 Retroca

Brechó e outlet de peçasinfantis, no qual é possível comprar ou vender roupas novas

ou seminovas. A empresa acredita na premissa de que nos primeiros anos de vida

as crianças trocam de roupa muito rápido, fazendo com que muitas peças acabem

se perdendo tendo sido pouco utilizadas e, a partir de tal premissa, oferece uma

alternativa para converter isto em geração de renda.

6.1.6 Troca Casa

Plataforma que permite aos usuários a experiência de trocar de casa com outras

pessoas de todo o mundo. A empresa oferece intermediação, suporte e garantias de

segurança, deixando os usuários livres para negociar os termos das trocas.

6.2 Análise das entrevistas

6.2.1 Conceituação e características

Dois gestores conceituaram o consumo colaborativo com enfoque na substituição da

posse pelo acesso, indo de encontro à linha de pensamento de Botsman e Rogers

(2011, p.70). Três citaram outros aspectos, como aproveitamento de recursos e

interação. O último gestor acrescentou sua percepção sobre uma distinção entre

consumo colaborativo e economia compartilhada, considerando o primeiro como um

modelo não necessariamente monetizado, além de menos formal e organizado.

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Quanto aos pontos positivos do consumo colaborativo, cada gestor apresentou

variados fatores, dentre os quais destacam-se: economia e utilização inteligente de

recursos; geração de renda através de capacidade ociosa; redução do impacto

ambiental; interação entre as pessoas; acessibilidade e democratização do mercado.

“Logo à primeira vista ressalta-se uma redução de gastos que,

naturalmente, permite alcançar algo que de outra forma não estaria ao

nosso alcance. Com a troca de produtos não há tanto desperdício e

consequentemente um menor impacto ambiental. Além disso, esta

economia aproxima as pessoas ao mesmo tempo em que contribui

para um mundo cada vez melhor.” (Gestor do Troca Casa).

Já em relação aos obstáculos, três gestores apontaram a questão cultural como o

principal fator, ressaltando que, notadamente no Brasil, o comportamento de

consumo excessivo e a associação da posse de bens ao status estão ainda bastante

arraigados na sociedade. Dois abordaram as dificuldades encontradas na

manutenção da segurança e normatização para o mercado colaborativo. O gestor

restante citou a complexidade de se estabelecer pontes de conexão entre quem

precisa e quem oferece produtos ou serviços no mercado colaborativo.

6.2.2 Elementos influenciadores

Ao serem questionados sobre a relação entre consumo colaborativo e tecnologia, os

gestores foram unânimes ao apontá-la como elemento imprescindível para a

potencialização deste mercado, destacando sua importância na conexão de

pessoas, bem como na disseminação de ideias e plataformas em nível global.

“A tecnologia facilita a disseminação da ideia do consumo

colaborativo, assim como permite a interação mais prática e fácil entre

cada ponta da cadeia interligada do mercado.” (Gestora do Retroca).

Quanto à relação entre consumo colaborativo e sustentabilidade, quatro dos

gestores reforçaram as ideias propostas por Botsman e Rogers (2011, p.108), ao

definir que a otimização do uso de recursos promove uma redução nos impactos

prejudiciais ao meio-ambiente. Os dois gestores restantes acreditam que as

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premissas do modelo colaborativo são capazes de despertar nas pessoas uma

forma mais consciente de consumo, conforme abordado por Haddad (2016).

Todos os gestores concordaram que a confiança é um elemento essencial para o

modelo colaborativo. Um deles destacou, ainda, que tanto usuários quanto

empresas avaliam e são avaliados a todo o momento neste mercado, e o resultado

destas avaliações constitui um indicador conhecido como “capital de reputação” ou

“capital confiável”, responsável por tornar tangível e mensurável o fator confiança.

“A confiança é a mola propulsora do consumo colaborativo. Pela

primeira vez na história a confiança se tornou algo escalável. Antes,

confiávamos apenas em pequenos grupos, hoje em dia, confiamos em

pessoas que nunca vimos pessoalmente, mas que acumulam “capital

confiável” na internet.” (Gestor da Bla Bla Car).

6.2.3 O consumidor colaborativo

Dois dos gestores descrevem o perfil do consumidor colaborativo através de

características que denotam pessoas mais arrojadas, com espírito aventureiro, e que

estão dispostas a experimentar coisas novas.

“Eles são os primeiros que adotam, tem um perfil empreendedor,

adoram colaborar e não tem medo de conhecer e testar coisas novas”.

(Gestor da Wairon).

Dentre os demais gestores, três citaram aspectos demográficos, delimitando um

perfil de pessoas entre 25 e 45 anos, em geral de classes sociais mais altas e com

maior acesso a informação e conhecimento de diferentes culturas. O último gestor

definiu que o consumidor colaborativo possui um comportamento mais consciente,

uma maior preocupação com os impactos de suas ações sobre o meio em que vive.

Sobre a aceitação do consumo colaborativo, dois dos gestores avaliaram que,

embora algumas barreiras tenham sido superadas, o mercado colaborativo ainda

está em fase inicial, sobretudo no Brasil. Outros dois compartilham a perspectiva de

Botsman e Rogers (2011, p.64), de que há certo grau de aceitação, porém com

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caráter de curiosidade, tornando necessários esforços para minimização da

desconfiança. Por fim, um acredita que a aceitação do consumo colaborativo tem

sido muito boa no Brasil, enquanto o outro aponta a classe A como principal adepta.

Quanto às influências do consumo colaborativo sobre o comportamento do

consumidor, três gestores determinaram que, ao serem apresentados a uma nova

alternativa, os consumidores deixam de lado a cultura de consumo desenfreado e

enxergam a possibilidade de contribuir para o benefício da sociedade. Dois gestores

restantes acreditam que o consumidor colaborativo é levado a conhecer novas

pessoas e culturas, vivenciar experiências e resgatar valores, conforme descrito por

Giardelli (2012, p.16). O último gestor apresenta uma definição mais ampla,

enfatizando que, além das transformações no modo de pensar e agir dos

consumidores, o modelo colaborativo tem potencial para produzir grandes mudanças

na própria sociedade de consumo.

“A colaboração entre empreendedores, fornecedores e consumidores

irá definir o futuro da economia. No futuro, palavras como ‘consumo’ e

‘compra’ serão substituídas por ‘compartilhamento’ e ‘troca’. No

âmbito pessoal, as pessoas se tornarão mais solidárias e altruístas,

além de terem uma consciência ecológica [...]” (Gestor da Bookshare).

6.2.4 Perspectivas para o futuro

Cada um dos gestores trouxe diferentes fatores que consideram importantes para o

crescimento do consumo colaborativo, dentre os quais destacam-se: a superação de

barreiras culturais; melhorias na segurança e normatização; desenvolvimento

tecnológico e democratização de acesso; e apoio governamental. Além disso, houve

consenso de que ainda há muito a ser explorado neste mercado e que não há um

limite para sua expansão.

“O céu é o limite! [...] Vejo inúmeras oportunidades de crescimento, em

todas as áreas e setores. Tudo pode ser viabilizado em um modelo

colaborativo.” (Gestora da Virtuozas).

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6.3 Análise dos questionários

6.3.1 Perfil

Os consumidores abordados apresentaram maioria feminina, com 61,7% dos

respondentes. A faixa etária predominante está entre 25 a 65 anos, sendo 31,7%

entre 25 e 40 anos e 50% entre 41 e 65 anos. Em relação ao grau de instrução,

destacam-se 31,7% graduados em nível superior e 25% pós-graduados. A faixa de

renda predominante foi entre 1 e 3 salários mínimos, com 43,3% dos respondentes.

6.3.2 Interação com o mercado colaborativo

A maioria dos respondentes (58,3%) conheceu o consumo colaborativo através da

internet e utiliza, principalmente, plataformas de transporte (60%), turismo (46,7%) e

trocas (43,3%). A frequência predominante de utilização do mercado colaborativo foi

a esporádica com 25%, seguida pela semanal com 23,3% dos respondentes.

6.3.3 Percepção sobre o consumo colaborativo

Em relação às vantagens do consumo colaborativo a maioria das respostas

concentrou-se no fator custo x benefício, correspondendo a 70%. Já quanto às

desvantagens, o fator desconfiança/insegurança foi predominante, com 66,1%.

6.3.4 Comportamento e perspectivas

Nesta categoria, os consumidores através de escala Likert graduada de 0 a 5, sua

concordância com cada uma das seguintes proposições: a) após utilizar uma

plataforma colaborativa eu faço recomendações ou contraindicações de acordo com

minha satisfação com a experiência; b) acredito que é possível confiar em um

desconhecido com quem terei uma interação comercial, tendo como base avaliações

feitas por outros consumidores; c) para mim, é mais importante ter acesso ao

benefício proporcionado por um produto do que ter a posse do produto em si; d) se

tenho algo que está ocioso ou que não tem mais utilidade para mim, acho vantajoso

vender, trocar, alugar ou doar; e) através do consumo colaborativo já fiz novas

amizades ou tive boas experiências socioculturais; f) me preocupo com as

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consequências do hiperconsumo sobre o meio ambiente; g) acredito que o consumo

colaborativo tende a ganhar cada vez mais espaço na economia.

As proposições ‘d’ e ’g’ apresentaram os maiores níveis de concordância, tendo a

proposição ‘d’ alcançado 49 respondentes com total concordância enquanto a

proposição ‘g’ não teve nenhuma resposta de discordância total ou parcial.

Quanto aos níveis de discordância, os mais impactantes foram observados nas

proposições ‘b’ e ‘e’. A proposição ‘b’, além de apresentar o maior número de

respostas neutras, foi também aquela onde houve menor quantidade de

respondentes com total concordância, sendo a única na qual o grau de concordância

parcial superou o de concordância total. Já a proposição ‘e’ foi a que apresentou

maior número de respondentes com discordância total e parcial.

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6.4 Análise quali-quantitativa

A maior parte dos consumidores abordados é do sexo feminino, com idade entre 41

e 65 anos, renda mensal na faixa de 1 a 3 salários mínimos e ensino superior

completo. Algumas destas características, no entanto, divergem um pouco do perfil

de consumidor colaborativo traçado pelos gestores que, em geral, definiram pessoas

entre 25 e 45 anos da classe A. Houve certo alinhamento em relação ao nível de

escolaridade, já que os gestores apontaram o consumidor colaborativo como um

indivíduo com bom grau de instrução e acesso a informação.

Um dos gestores entrevistados ressaltou, ainda, que o consumidor colaborativo

possui maior consciência ambiental, o que se confirma dado o alto índice de

concordância dos respondentes com a proposição de se preocuparem com as

consequências do hiperconsumo sobre o meio-ambiente. Esta mesma proposição

reforça, ainda, a opinião de três dos gestores de que, ao participar do mercado

colaborativo, o consumidor tende a deixar de lado a cultura de consumo excessivo.

A definição de consumo colaborativo proposta pelos gestores entrevistados, pautada

por conceitos de compartilhamento, acesso, consumo consciente e interação

confirma-se, ainda que com ressalvas, pelo posicionamento de predominante

concordância dos consumidores em relação a questões como a possibilidade de

confiar em desconhecidos, abrir mão da posse em detrimento do uso, vivenciar boas

experiências nas relações comerciais e preservar o meio-ambiente.

Os principais pontos positivos observados pelos consumidores foram custo x

benefício, interação com outras pessoas e preservação ambiental, o que se reflete

nos benefícios de economia e utilização inteligente de recursos, experiências

interpessoais e redução dos impactos ambientais, elencados pelos gestores.

Quanto aos pontos negativos, a questão da cultura consumista, apontada como

principal fator para os gestores pode de certa forma, ser relacionada à falta da

sensação de posse e status, descrita por uma pequena parte dos consumidores

respondentes. Já o fator tido como principal desvantagem para os consumidores

reside na sensação de desconfiança e insegurança, aspecto destacado, também,

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por dois dos gestores ao definirem a manutenção da segurança como um dos

grandes obstáculos do consumo colaborativo, e reforçado por um terceiro, ao

descrever a confiança como a mola propulsora deste mercado.

Entretanto, apesar de o fator desconfiança/insegurança ter sido apontado como

aspecto negativo preponderante no consumo colaborativo, um número considerável

de consumidores concordou que é possível confiar em desconhecidos através de

avaliações feitas por outras pessoas, refletindo, também, a premissa proposta por

um dos gestores sobre a confiança através do capital de reputação construído.

A opinião dos gestores sobre a relação entre consumo colaborativo e

sustentabilidade teve foco na otimização do uso de recursos para redução dos

impactos ambientais, sendo, também, validada pelos consumidores, tendo em vista

que estes, em sua maioria, valorizam mais o acesso do que a posse, são abertos a

alternativas para minimizar os níveis de produção e descarte e preocupam-se com o

impacto de suas ações sobre o meio-ambiente.

Sobre as perspectivas para o futuro, a ampla concordância dos consumidores diante

da hipótese de que o consumo colaborativo tende a se expandir, ganhando cada vez

mais espaço na economia corrobora a visão dos gestores, visto que, entre eles

houve consenso de que ainda há muito a ser explorado, e não há um limite para até

onde este mercado pode chegar.

7. CONCLUSÃO

Tendo como base o levantamento teórico e a análise dos dados coletados, conclui-

se, em resposta ao problema de pesquisa definido, que a disseminação do modelo

colaborativo de consumo estimula os consumidores a uma série de mudanças

conceituais e comportamentais, notadamente em relação à consciência ambiental, à

valorização de experiências e conexões com outras pessoas e ao máximo

aproveitamento de produtos, recursos e da capacidade ociosa.

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Assim, o indivíduo que participa do mercado colaborativo tende a adotar ou acentuar

os seguintes comportamentos: buscar produtos e serviços que atendam suas

necessidades com menores custos e evitando despesas acessórias; encontrar

opções para converter seus recursos ociosos em fontes de renda; estabelecer

relações de consumo pautadas em confiança e interações mais próximas, mesmo

que com desconhecidos; compartilhar seus ativos pouco tangíveis, tais como tempo,

espaço e conhecimentos, muitas vezes em troca do acesso aos ativos de outras

pessoas; e optar por alternativas de consumo com menores impactos ambientais.

Em resposta aos objetivos propostos, foram descritos fatores históricos e conceituais

sobre o consumo colaborativo, tais como seu desenvolvimento a partir da crise

econômica mundial de 2008 e amparado pelo avanço tecnológico, algumas de suas

características relevantes distribuídas em seus três movimentos, bem como diversos

exemplos de empresas que atuam neste mercado. Além disso, embora não tenham

esclarecido plenamente o perfil das empresas colaborativas, os dados coletados

possibilitaram identificar inúmeros traços do perfil e comportamento dos

consumidores deste mercado.

Os principais obstáculos encontrados no desenvolvimento do artigo foram a

escassez de publicações literárias tratando da temática, e a dificuldade em se

abordar consumidores deste mercado para a aplicação de questionários. Por fim,

definem-se como recomendações para futuros estudos uma melhor preparação para

os questionários, de forma a atingir um número mais representativo de

consumidores, além de uma maior similaridade entre as perguntas presentes nas

entrevistas e questionários, de forma a facilitar a análise quali-quantitativa.

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