Comportamento Alimentar

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S229 0021-7557/00/76-Supl.3/S229 Jornal de Pediatria Copyright © 2000 by Sociedade Brasileira de Pediatria ARTIGO DE REVISÃO 1. Nutricionista, mestranda de Psicologia Social e da Personalidade. 2. Psicóloga, Ph.D, professora adjunta. Programa de Pós-graduação da Faculdade de Psicologia da PUCRS. Mestrado de Psicologia Social e da Personalidade. Abstract Objectives: Review the literature, exploring factors that con- tribute in the development of children’s eating behavior, especially the role of learning and social context. Method: The review of the literature was done using Medline, Psyclit, and Lilacs as sources for assessing international and national research articles on children nutrition, with an emphasis on children’s eating behavior. These articles were reviewed and grouped accord- ing to the thematic criteria. Results: The family is responsible for the development of the child’s eating behavior through social learning. Parents are the child’s first nutritional educators. From the moment the child is born, a learning process is set forth where several cultural and psychoso- cial factors affect his/her eating experiences. The social context plays a relevant role in this process. For instance, parents’ strategies to make the child eat or learn to eat specific food may include both appropriate and inappropriate stimulation which leads to the devel- opment of food preferences and self-control of food intake. Conclusions: One of the determinant factors in the development of the child’s eating behavior is learning which involves three conditioning factors: food flavor, intake consequences and social context. Parents are usually more concerned about how much their child eats than they are concerned with helping the child to develop attitudes and habits towards a healthier eating behavior. J. pediatr. (Rio J.). 2000; 76 (Supl.3): S229-S237: eating behav- ior, children’s nutrition, food preferences. Resumo Objetivo: Revisar a literatura, descrevendo fatores que colabo- ram no desenvolvimento do comportamento alimentar infantil, em especial o papel da aprendizagem e do contexto social. Método: A busca nos bancos de dados Medline, Psyclit e Lilac forneceu a literatura nacional e estrangeira na forma de artigos de estudos realizados nos últimos anos sobre nutrição infantil com ênfase no comportamento alimentar. Estes artigos foram revisados e agrupados por temáticas. Resultados: A família é responsável pela formação do compor- tamento alimentar da criança através da aprendizagem social, tendo os pais o papel de primeiros educadores nutricionais. Os fatores culturais e psicossociais influenciam as experiências alimentares da criança, desde o momento do nascimento, dando início ao processo de aprendizagem. O contexto social adquire um papel preponderante neste processo, principalmente nas estratégias que os pais utilizam para a criança alimentar-se ou para aprender a comer alimentos específicos. Estas estratégias podem apresentar estímulos tanto adequados, quanto inadequados na aquisição das preferências ali- mentares da criança e no autocontrole da ingesta alimentar. Conclusão: O processo de aprendizagem é um dos fatores determinantes do comportamento alimentar da criança, cujo condi- cionamento está associado a três fatores: a sugestão do sabor dos alimentos, a conseqüência pós-ingesta da alimentação e o contexto social. Constata-se que a preocupação dos pais centra-se na quanti- dade da alimentação, e não em desenvolver hábitos e atitudes direcionados a padrões de alimentação mais adequados do ponto de vista qualitativo. J. pediatr. (Rio J.). 2000; 76 (Supl.3): S229-S237: comporta- mento alimentar, nutrição infantil, preferências alimentares. Desenvolvimento do comportamento alimentar infantil Development of children’s eating behavior Maurem Ramos 1 , Lilian M. Stein 2 Introdução A alimentação é um dos fatores que contribui para o aparecimento de doenças crônico-degenerativas no ser humano, que são hoje a principal causa de mortalidade no adulto 1,2 . É consenso que modificações no comportamento alimentar se impõem para prevenir doenças relacionadas à alimentação e promover a saúde do indivíduo. Uma vez que é na infância que o hábito alimentar se forma, é necessário o entendimento dos seus fatores determinantes, para que seja possível propor processos educativos efetivos para a mudança do padrão alimentar da criança 3-5 .

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  • Jornal de Pediatria - Vol. 76, Supl.3, 2000 S229

    S229

    0021-7557/00/76-Supl.3/S229Jornal de PediatriaCopyright 2000 by Sociedade Brasileira de Pediatria

    ARTIGO DE REVISO

    1. Nutricionista, mestranda de Psicologia Social e da Personalidade.2. Psicloga, Ph.D, professora adjunta. Programa de Ps-graduao da

    Faculdade de Psicologia da PUCRS. Mestrado de Psicologia Social e daPersonalidade.

    AbstractObjectives: Review the literature, exploring factors that con-

    tribute in the development of childrens eating behavior, especiallythe role of learning and social context.

    Method: The review of the literature was done using Medline,Psyclit, and Lilacs as sources for assessing international and nationalresearch articles on children nutrition, with an emphasis on childrenseating behavior. These articles were reviewed and grouped accord-ing to the thematic criteria.

    Results: The family is responsible for the development of thechilds eating behavior through social learning. Parents are thechilds first nutritional educators. From the moment the child is born,a learning process is set forth where several cultural and psychoso-cial factors affect his/her eating experiences. The social contextplays a relevant role in this process. For instance, parents strategiesto make the child eat or learn to eat specific food may include bothappropriate and inappropriate stimulation which leads to the devel-opment of food preferences and self-control of food intake.

    Conclusions: One of the determinant factors in the developmentof the childs eating behavior is learning which involves threeconditioning factors: food flavor, intake consequences and socialcontext. Parents are usually more concerned about how much theirchild eats than they are concerned with helping the child to developattitudes and habits towards a healthier eating behavior.

    J. pediatr. (Rio J.). 2000; 76 (Supl.3): S229-S237: eating behav-ior, childrens nutrition, food preferences.

    ResumoObjetivo: Revisar a literatura, descrevendo fatores que colabo-

    ram no desenvolvimento do comportamento alimentar infantil, emespecial o papel da aprendizagem e do contexto social.

    Mtodo: A busca nos bancos de dados Medline, Psyclit e Lilacforneceu a literatura nacional e estrangeira na forma de artigos deestudos realizados nos ltimos anos sobre nutrio infantil comnfase no comportamento alimentar. Estes artigos foram revisadose agrupados por temticas.

    Resultados: A famlia responsvel pela formao do compor-tamento alimentar da criana atravs da aprendizagem social, tendoos pais o papel de primeiros educadores nutricionais. Os fatoresculturais e psicossociais influenciam as experincias alimentares dacriana, desde o momento do nascimento, dando incio ao processode aprendizagem. O contexto social adquire um papel preponderanteneste processo, principalmente nas estratgias que os pais utilizampara a criana alimentar-se ou para aprender a comer alimentosespecficos. Estas estratgias podem apresentar estmulos tantoadequados, quanto inadequados na aquisio das preferncias ali-mentares da criana e no autocontrole da ingesta alimentar.

    Concluso: O processo de aprendizagem um dos fatoresdeterminantes do comportamento alimentar da criana, cujo condi-cionamento est associado a trs fatores: a sugesto do sabor dosalimentos, a conseqncia ps-ingesta da alimentao e o contextosocial. Constata-se que a preocupao dos pais centra-se na quanti-dade da alimentao, e no em desenvolver hbitos e atitudesdirecionados a padres de alimentao mais adequados do ponto devista qualitativo.

    J. pediatr. (Rio J.). 2000; 76 (Supl.3): S229-S237: comporta-mento alimentar, nutrio infantil, preferncias alimentares.

    Desenvolvimento do comportamento alimentar infantilDevelopment of childrens eating behavior

    Maurem Ramos1, Lilian M. Stein2

    IntroduoA alimentao um dos fatores que contribui para o

    aparecimento de doenas crnico-degenerativas no serhumano, que so hoje a principal causa de mortalidade no

    adulto1,2. consenso que modificaes no comportamentoalimentar se impem para prevenir doenas relacionadas alimentao e promover a sade do indivduo. Uma vez que na infncia que o hbito alimentar se forma, necessrioo entendimento dos seus fatores determinantes, para queseja possvel propor processos educativos efetivos para amudana do padro alimentar da criana3-5.

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    A literatura sobre nutrio infantil evidencia que ocomportamento alimentar do pr-escolar determinado emprimeira instncia pela famlia, da qual ela dependente e,secundariamente, pelas outras interaes psicossociais eculturais da criana. O padro da alimentao do pr-escolar determinado por suas preferncias alimentares. Adificuldade fazer com que a criana aceite uma alimenta-o variada, aumentando suas preferncias e adquirindo umhbito alimentar mais adequado, uma vez que muitas crian-as tm medo de experimentar novos alimentos e sabores,fenmeno este denominado neofobia alimentar6-8.

    A neofobia alimentar pode ser reduzida por mtodos deaprendizagem na alimentao que permitem que a crianaaprenda sobre fome e saciedade, substncias comestveis,sabores dos alimentos e quantidade de alimentos que deveser consumida9,10. A aprendizagem central no desenvol-vimento do padro alimentar da criana, que estabelecidopelo processo de condicionamento e associa a sugestosensria dos alimentos, a conseqncia ps-ingesta daalimentao e contexto social alimentar9.

    Em termos psicossociais, o padro de alimentao en-volve a participao efetiva dos pais como educadoresnutricionais, atravs das interaes familiares que afetam ocomportamento alimentar das crianas11. Em especial, asestratgias que os pais utilizam na hora da refeio, paraensinar as crianas sobre o que e o quanto comer, desempe-nham papel preponderante no desenvolvimento do com-portamento alimentar infantil7.

    1. Conceituao e consideraes sobre o comporta-mento alimentar da crianaEntende-se hbito como sendo um ato, uso e costume,

    ou um padro de reao adquirido por freqente repetioda atividade (aprendizagem). Esse termo tambm pode seraplicado, por generalizao, a normas de comportamen-to12,13.

    Assim, os alimentos ou tipo de alimentao que osindivduos consomem rotineiramente e repetidamente noseu cotidiano caracterizam o seu hbito ou comportamentoalimentar. No entanto, no simplesmente a repetio doconsumo do alimento que desenvolve o comportamentoalimentar. Existe um quantum de fatores interrelacionados,de origem interna e externa ao organismo, que influenciama aquisio desse comportamento. Cabe ressaltar que ohbito alimentar no necessariamente sinnimo das pre-ferncias alimentares do indivduo, ou seja, de consumir osalimentos de que mais gosta. Porm, no caso especfico dospr-escolares, o hbito alimentar caracteriza-se fundamen-talmente pelas suas preferncias alimentares. As crianasdesta faixa etria acabam consumindo somente alimentosde que gostam, entre os disponveis no seu ambiente,refutando aqueles de que no gostam7,8. Dos fatores inter-relacionados na aquisio do comportamento alimentarinfantil, ressaltam-se os psicossociais, responsveis pela

    transmisso da cultura alimentar e aqui examinados sob aperspectiva familiar.

    Os fatores psicossociais influenciam as experinciasalimentares desde o momento do nascimento da criana,proporcionando a aprendizagem inicial para a sensao dafome e da saciedade e para a percepo dos sabores. Aadequada introduo dos novos alimentos no primeiro anode vida, com uma correta socializao alimentar, a partirdeste perodo, bem como a disponibilizao de variadosalimentos saudveis em ambiente alimentar agradvel, per-mite criana iniciar a aquisio das preferncias alimen-tares responsveis pela determinao do seu padro deconsumo7.

    A tendncia das preferncias alimentares das crianasna idade pr-escolar conduz ao consumo de alimentos comquantidade elevada de carboidrato, acar, gordura e sal, ebaixo consumo de alimentos como vegetais e frutas, secomparados s quantidades recomendadas14. Esta tendn-cia originada na socializao alimentar da criana edepende, em grande parte, dos padres da cultura alimentardo grupo social ao qual ela pertence.

    Os aspectos culturais podem ser resumidos na expres-so culinria, que se refere a pratos especficos e comoso preparados, envolvendo ingredientes, sabores caracte-rsticos e modo de preparo. A culinria responsvel pelascombinaes dos alimentos, ou pelo processamento dosmesmos, tanto em nvel domstico quanto industrial, adap-tando-os para manter suas vantagens nutricionais e paraatender s necessidades biolgicas e metablicas do indivi-duo8.

    O modo de seleo e escolha dos alimentos utilizados naculinria varia nas diversas classes sociais, ditados porregras com especificidades culturais e econmicas prpriase, por isso, representados de modos diferentes. Incluem-sea razes psicolgicas para aceitao e rejeio dos alimen-tos, classificados pelas sugestes sensrias (gosto bom,ruim, sem gosto), conseqncias de comer determinadoalimento (benfico, perigoso), fatores ideacionais (pelautilidade do alimento, apropriado ou inapropriado, aparn-cia, higiene), que influenciam na escolha dos alimentos15.

    Atualmente, convivemos com uma cultura alimentar emque encontramos os exageros gastronmicos ou o excesso,ao mesmo tempo que a restrio do alimento, seja porpresso social, modismo pela magreza, ou a indisponibili-dade econmica de alguns grupos sociais, o que pode vir aacarretar deficincias nutricionais16. Embora os humanostenham uma predisposio gentica para as escolhas ali-mentares, at hoje ainda no bem entendida, aumenta a cadadia o poder da fora cultural, transmitida socialmente eaprendida atravs das experincias iniciais com os alimen-tos8,9.

    As escolhas alimentares, a quantidade dos alimentos, otempo e o intervalo para comer, enfim, as regras e normasda alimentao so estabelecidas pelo grupo social. Assim,pode se oferecer criana tanto uma refeio programada,ditada pelas necessidades nutritivas, como tambm uma

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    alimentao conforme a sua vontade, ou ainda, pode-seproceder de ambas as formas, dependendo da ocasiosocial e rotina alimentar. Neste sentido, a criana no comeapenas pela sugesto da fome, mas tambm pela sugestodo ambiente e do contexto social como, por exemplo,brincando com amigos na pracinha ou em festas de aniver-srios9,10.

    Retomando os fatores psicossociais, a famlia respon-svel pela transmisso da cultura alimentar. Na sua sociali-zao, a criana aprende sobre a sensao de fome esaciedade, e desenvolve a percepo para os sabores e assuas preferncias, iniciando a formao do seu comporta-mento alimentar. Estudos17,18 sobre o condicionamento naalimentao demonstraram que as preferncias alimentaresso fundamentalmente formadas pela associao de trsfatores: (1) percepo sensria dos alimentos, (2) conse-qncia ps-ingesta dos alimentos e (3) contexto social.

    2. Processos de aprendizagem na alimentaoA psicologia fisiolgica mostrou, inicialmente, que a

    sugesto interna de fome e saciedade seria responsvel pelaalimentao, ao mesmo tempo em que surgiu o modelo dahomeostase, definido como o equilbrio fisiolgico internodo corpo para sua manuteno. No modelo da homeostase,a alimentao uma resposta no aprendida em relao sugesto da fome. No entanto, o mesmo modelo permitepropor que a ingesta alimentar pode ser aprendida. Mas opapel da aprendizagem neste modelo s foi investigado apartir das dcadas de 1950/60, em uma releitura dos estudosde Pavlov do incio do sculo. Atualmente, destacam-seestudos sobre a aprendizagem e a experincia na alimenta-o, padres alimentares e respostas fisiolgicas interatu-ando na produo do comportamento alimentar19.

    Estudos20,21 sobre a aprendizagem na alimentao uti-lizam como procedimento padro o paradigma do condici-onamento de preferncias alimentares, fundamentado nomodelo clssico de Pavlov. Por exemplo, um novo saborutilizado como estmulo condicionado (EC) emparelhadocom um nutriente (estmulo incondicionado, EI), que pro-duz um efeito (conseqncia ps-ingesta) de satisfao oude averso, como resposta incondicionada (RI). O condi-cionamento resultante da associao dos estmulos e daresposta incondicionada atravs de um processo de treina-mento.

    A aprendizagem na alimentao tem revelado mtodosbaseados no paradigma do condicionamento, para aumen-tar as preferncias alimentares como a aprendizagem pelaexposio repetida e pela mera exposio, aprendizagemsabor-sabor, e aprendizagem nutriente-sabor.

    2.1 Aprendizagem pela exposio repetida e mera expo-sio

    A familiaridade com os alimentos o primeiro passopara a criana aprender sobre o gosto dos alimentos. A

    exposio repetida e/ou mera exposio22 so os processosde familiarizao com alimentos que se iniciam com odesmame e a introduo dos alimentos slidos, durante oprimeiro ano de vida da criana. Gradativamente, a crianarecebe a alimentao dos pais, que tm a responsabilidadede oferecer uma alimentao variada para que a crianaaprenda sobre os diversos sabores, desenvolvendo e exer-citando seu paladar. Embora as qualidades sensrias doleite materno permitam criana o primeiro contato comsabores e odores variados, possibilitando o aumento daaceitao dos novos alimentos durante o desmame, aaprendizagem pela exposio repetida aos alimentos queproporciona a familiaridade necessria para a criana esta-belecer um padro de aceitao alimentar23.

    Em um estudo sobre a extenso da exposio repetida18de novos alimentos/sabores com crianas pr-escolares, osresultados indicaram que o alimento no pode ser apenaspercebido visualmente ou pelo odor, a criana necessitaprovar o alimento, mesmo que inicialmente em quantidademnima, para que se produza o condicionamento, aumen-tando a aceitao do alimento. Geralmente o aumento daaceitao para o novo alimento ocorre somente aps 12 a 15apresentaes do alimento, podendo ocorrer desistnciados pais, neste perodo, achando que a criana no gosta doalimento. Todavia, a exposio repetida que podercontribuir na reduo da neofobia alimentar, caractersticacomum do pr-escolar, ou seja, o medo de experimentarnovos alimentos/sabores24.

    2.2 Aprendizagem sabor-saborEstudos20 com animais e humanos tm demonstrado

    que associando acar ou sabor preferido com um sabordesconhecido ou menos preferido, aumenta a aceitao dosabor menos preferido pela associao dos sabores. Apercepo dos sabores compreende a sensao do doce,salgado, azedo e amargo e alguns outros associados aaminocidos. A sensibilidade ao sabor doce j aparece nafase pr-natal, sendo, portanto, uma preferncia inata. Pos-sivelmente, devido a esta sensibilidade ao doce estimuladapelas substncias qumicas do lquido amnitico durante afase pr-natal25, verifica-se um aumento da aceitao dealimentos desconhecidos, quando estes esto associados aoacar ou a alimentos naturalmente adocicados.

    Neste tipo de aprendizagem, o sabor est associado aoprazer e provavelmente por esta razo se mantm ao longodo tempo, ou seja, durvel e sua modificao s possvelquando outra experincia aprendida substitua ou neutralizea experincia anterior20.

    2.3 Aprendizagem nutriente-saborA aprendizagem nutriente-sabor ou caloria-sabor ocor-

    re num padro similar da aprendizagem sabor-sabor. Umasubstncia nutritiva com mais calorias promove uma conse-qncia fisiolgica de saciedade que, associada sugestodo sabor, aumenta a aceitao do alimento desconhecido.

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    Como existe um atraso entre a sugesto sensria percebidae a conseqncia nutricional, os alimentos mais calricosso os mais aceitos, devido maior sensao de saciedadeque ocorre logo aps a ingesta. Alm disso, os alimentoscom alta de taxa de gordura, que so os alimentos maiscalricos, geralmente fazem parte do grupo de alimentosmais consumidos e, portanto, mais conhecidos. Tambm osalimentos com altas taxas de gordura so os mais palatveis,uma vez que muitas substncias volteis, que do saboresaos alimentos, so solveis em gordura. Alm disso, agordura, como ingrediente no preparo de alimentos, em-presta uma textura cremosa e fofa, o que provavelmenteconquista a preferncia da criana. Possivelmente, tantopelas conseqncias fisiolgicas de saciedade quanto pelosabor, a aprendizagem nutriente-sabor vai produzir prefe-rncia para alimentos que tm mais calorias18,20.

    Capaldi20 sugere que as crianas deveriam consumir osvegetais no final da refeio, tendo em vista o atraso entrea conseqncia nutricional e a sugesto sensria do alimen-to consumido. Dessa forma, as crianas associariam o sabordos vegetais saciedade fornecida pelos alimentos calri-cos consumidos antes dos vegetais. No entanto, essa suges-to esbarra na diminuio da fome da criana como um fatorque afeta as preferncias alimentares. Todavia a diminui-o da fome no afeta o consumo de sobremesa. Alm de serum alimento preferido devido ao sabor doce, consumidono final da refeio, associando-se conseqncia fisiol-gica positiva fornecida pela refeio consumida antes,aumentando a sua preferncia. Esse efeito explica por que improdutivo utilizar a sobremesa como recompensa paraa criana aprender a comer algum alimento que ela nogosta durante a refeio.

    Vrios estudos26,27 experimentais foram realizados como objetivo de determinar se a preferncia por saborespoderia ser condicionada em crianas de trs a cinco anosde idade, atravs da repetida associao com alimentos dealta ou baixa densidade calrica.

    Um experimento26, que utilizava a tcnica da aprendi-zagem nutriente-sabor foi desenvolvido com onze crianasde ambos os sexos com idade mdia de 49 meses. Nestedelineamento experimental, a varivel calrica foi manipu-lada intra-sujeitos, cada criana recebeu uma bebida comalta taxa calrica, e outra bebida de baixo teor calrico. Foiutilizado carboidratos para a diferenciao calrica. Cadabebida tinha sabores distintos e novos para as crianas. Parao processo de condicionamento, as bebidas foram ofereci-das quatro dias por semana, em um perodo de cincosemanas e em volume pr-fixado. Os resultados mostraramque o condicionamento de preferncias de sabores podeestar baseado na conseqncia ps-ingesta da taxa calrica,neste caso por carboidratos. Foi observada clara prefernciapara novos sabores quando emparelhados com a conseqnciaps-ingesta das bebidas de alta taxa calrica. Assim, a conse-qncia ps-ingesta positiva pelo consumo de carbohidratocontribuiu para o aumento do consumo de novos sabores e,conseqente, reduo da neofobia alimentar.

    Um outro experimento27, semelhante ao anterior, bus-cou determinar se crianas com idade mdia de 48 mesesformam preferncia de sabor condicionado ao contedo degordura. Tambm foi investigado se o efeito da manipula-o da taxa de gordura altera a ingesta de escolha livre narefeio seguinte. Os autores concluram que as crianasadquirem preferncia por sabores com diferentes taxascalricas produzidos pelo contedo de gordura. Em oitoprovas de consumo no houve modificao da prefernciapara novos sabores quando no houve aumento da taxacalrica. Por outro lado, os dados evidenciaram a existnciade preferncia condicionada baseada na taxa calrica, da-dos estes consistentes com o experimento26 discutido ante-riormente. Os autores concluram existir evidncias consis-tentes de que as crianas podem ajustar a subseqenteingesta de alimentos em resposta a diferenas calricasfruto de manipulao do contedo de gordura das bebidas-teste. Em suma, as preferncias iniciais para novos alimen-tos com alto e baixo contedo de gordura podem seraprendidas, sendo que as preferncias condicionadas pare-cem ser resultado da conseqncia ps-ingesta.

    A aprendizagem associada, alm da formao de prefe-rncias alimentares, tambm central para o desenvolvi-mento do controle da ingesta alimentar, formando ou mode-lando o qu e quanto a criana ingere sob influncia docontexto social.

    3. Contexto social na alimentaoAlguns estudos9,28 demonstram a importncia do con-

    texto social na alimentao, uma vez que este afeta aexperincia alimentar, influencia os padres de alimenta-o, o desenvolvimento socioemocional da criana e aqualidade da relao pais-filhos. O principal foco de inte-rao entre pais e filhos durante os primeiros anos de vidada criana , em geral, a alimentao, iniciando-se com aamamentao.

    Durante a amamentao, o reflexo da expresso orofa-cial interpretado pelos pais como resposta ao prazer oudesgosto aos sabores, o que permite uma forma de comuni-cao durante o perodo de lactao. Este perodo ofereceoportunidade de aprendizagem recproca na interao me-filho, no somente sobre o sistema alimentar, mas tambmsobre outros comportamentos da criana29. No segundosemestre de vida, com o crescimento e desenvolvimentoacelerado, a criana necessita de outros alimentos alm doleite materno para atender suas necessidades biolgicas. Aintroduo de outros alimentos modifica a rotina alimentar,e a criana tem que aprender sobre novos sabores. Este umperodo caracterizado por rpidas mudanas que leva mui-tos pais ansiedade e ao estresse.

    So nestes primeiros anos que a criana comea aaprender sobre o que comer, quando comer, por que certassubstncias so comestveis e outras no, e quais alimentose sabores so apropriados para combinar, de acordo com acultura do grupo social ao qual ela pertence. A criana

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    aprende a gostar e a no gostar de alimentos, atravs daingesta repetida, associando os sabores dos alimentos coma reao afetiva do contexto social e a satisfao fisiolgicada alimentao. A conseqncia ps-ingesta dos alimentos um preditor da aceitao quando esta conseqncia positiva, ou de averso aos alimentos quando esta conse-qncia negativa9,10.

    Atitudes e estratgias dos pais no contexto alimentarA refeio familiar o contexto social no qual a criana

    tem oportunidade de comer com os irmos, amigos eadultos que lhe servem de modelo e que do ateno a suaalimentao, ora elogiando-a e encorajando-a a comer, orachamando a ateno do seu comportamento mesa . Asevidncias18 sugerem que os alimentos com baixa palatabi-lidade, como os vegetais, so oferecidos em contexto nega-tivo, normalmente envolvendo coao para a criana co-mer. Ao contrrio, os alimentos ricos em acar, gordura esal so oferecidos em um contexto positivo, potencializan-do a preferncia para estes alimentos. Freqentemente soesses os alimentos utilizados em festas e celebraes, oucomo recompensa para a criana comer toda a refeio, emuma interao positiva, tornando-se assim os preferidos.

    A interao positiva pode dar lugar a interaes negati-vas, com os pais utilizando estratgias coercitivas. medi-da que as crianas so pressionadas e coagidas a comer umdeterminado alimento, que os pais acreditam ser bom paraelas, diminui a sua preferncia por este alimento ou sabor.O controle externo usualmente exercido para a crianaaumentar o consumo de uma alimentao variada e aquantidade ingerida, ou, ao contrrio para a criana nocomer aquilo que os pais consideram ruim. Todavia o quea criana aprende com estas interaes no o intencionadopelos pais. Nestas situaes, as crianas aprendem a gostarmenos dos alimentos consumidos por coao, mesmo naexistncia de uma recompensa, o que resulta em umaresposta de oposio, e a criana pode passar at a detestartal alimento. Tanto a recompensa quanto a coao soestratgias utilizadas pelos pais como formas de alimenta-o instrumental9,18.

    Esta caracterstica instrumental dada aos alimentos como,por exemplo, acabe de comer suas verduras e voc podecomer a sobremesa, uma estratgia que pode influenciarsistematicamente no desenvolvimento de preferncias ali-mentares e no prprio comportamento alimentar infantil. Ouso de estratgias de reforo, com alimentos usados instru-mentalmente, produz um efeito imediato, mas de curtoprazo. Porm, a longo prazo, promove uma ao negativana preferncia do alimento consumido. Nessas contingn-cias, o uso de alimentos como recompensa para aumentar oconsumo de alimentos pouco palatveis confunde as fun-es do alimento, fazendo com que as estratgias utilizadasse oponham ao estabelecimento de padres alimentaresnutritivos para a criana. Essas estratgias acabam, naverdade, produzindo efeitos adversos nas preferncias paraalguns alimentos17.

    Fundamentado no pressuposto de que os pais podemexercer influncias diretas na alimentao das crianas,tanto com peso normal, como com sobrepeso, foi realizadoum estudo nos Estados Unidos30, empregando um mtodode base etolgica desenvolvido pelos autores. Atravs deobservaes e filmagens das refeies em ambiente natural,este estudo buscou avaliar diretamente o efeito da interaopais e filhos na ingesta alimentar de crianas com idademdia de 23,9 meses. Estas interaes foram caracterizadaspelas estratgias verbais dos pais sobre alimentao duran-te a refeio familiar, e foram categorizadas para fins deanlise.

    Os resultados demonstraram que as mes induzem maisa criana a comer do que os pais. A categoria encorajamen-to para comer com estratgias que sugerem, comandam edirigem o consumo de alimentos da criana, foi fortementecorrelacionada ao peso apresentado pela criana. A catego-ria apresentar alimentos, colocando os alimentos prxi-mos criana, ou seja, expor o alimento criana no foisignificativamente correlacionada ao peso da criana. J acategoria oferecer alimentos, questionando se a crianaquer mais alimento, por exemplo, quer mais um bolinho?,foi moderadamente correlacionada com o peso da criana.Estas duas ltimas categorias envolvem uma induo leve criana comer, enquanto que a categoria encorajamentopara comer uma forte induo, por exemplo, coma suacomida. Segundo os autores a intensidade da induoalimentar um melhor preditor do peso da criana do quea presena ou ausncia de induo.

    O estudo ainda demonstrou que as crianas que seencontravam com peso normal no receberam nenhumencorajamento para comer ou oferecimento de alimentos,enquanto crianas com peso acima da mdia normal (sobre-peso) receberam em torno de 30 a 36 encorajamentos paracomer ou oferecimento de alimentos durante a refeio.Portanto, de um modo geral, os resultados demonstraram ainfluncia das estratgias utilizadas pelos pais na alimenta-o das crianas com resultado no seu peso.

    Investigao31 semelhante anterior foi conduzida emfamlias suecas, utilizando o mesmo mtodo descrito aci-ma, porm adaptado para a realidade sueca. O objetivo erarelacionar a ingesta alimentar de crianas de trs a sete anosde idade com determinados comportamentos de pais e decrianas durante as refeies e com peso dos pais e dascrianas.

    O estudo sueco detectou que a interao familiar, namaior parte do tempo da refeio, foi caracterizada porverbalizaes gerais (no alimentares) e o comportamentodas crianas foi comendo e bebendo. A anlise dos dadosdemonstrou correlao positiva entre comer sob recomen-dao dos pais e ingesta energtica, ou seja, quanto mais ospais recomendavam a criana a comer, mais elas comiam.Certas verbalizaes negativas dos pais, no entanto, apre-sentaram correlaes negativas com o comportamento decomer das crianas sem, contudo, afetar a ingesta energti-ca.

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    Os resultados tambm evidenciaram que crianas depeso normal receberam mais verbalizaes neutras sobrealimentos que crianas com sobrepeso. Outro dado obser-vado foi que a ingesta da criana estava correlacionada como seu peso, de tal forma que crianas com sobrepesotendiam a comer mais em comparao quelas de pesonormal. No que tange relao do peso dos pais e ocomportamento alimentar da criana, foi constatada umacorrelao positiva somente entre o peso das mes e ocomportamento de comer da criana.

    Em suma, os dados desta pesquisa demonstraram que oscomportamentos das crianas de comer e beber durante arefeio so inversamente relacionados s declaraes ne-gativas dos pais, indicando que, para esta amostra, o com-portamento parental na refeio pode ter tido um efeito naingesta alimentar da criana, mas no no seu balanoenergtico, ou seja, na quantidade de energia consumida.Os autores concluram que as estratgias utilizadas nasfamlias suecas em comparao com aquelas utilizadas porfamlias americanas, apresentadas pelo estudo anterior30,eram diferentes. Esta distino pode ser observada, porexemplo, na maior utilizao de estratgias de induo ecom maior intensidade nas famlias americanas do que nassuecas.

    Um outro estudo sueco6 que investigou alguns determi-nantes do hbito alimentar nas famlias, levantou a freqn-cia do uso de estratgias para encorajar as crianas a comerdurante as refeies. As trs estratgias utilizadas com maisfreqncia foram lembrar a criana para comer, pedirpara provar a comida e elogiar a criana. Observou-seuma relao entre as estratgias criana decide a poropara comer e adiar a refeio com a medida de neofobiaalimentar das crianas, avaliada pelos pais atravs de umaescala apresentada pelos entrevistadores. Este resultadosugere que quanto mais neofbica a criana, ou seja,quanto mais a criana tem medo de experimentar novosalimentos, mais freqentemente os pais permitem crianadecidir quanto ela quer comer e adiam as refeies parafacilitar o consumo. No houve diferenas entre os sexos ea idade das crianas na utilizao de nenhuma das estrat-gias.

    Em uma investigao32 com crianas brasileiras entre 3e 5 anos de idade numa linha de investigao semelhante do estudo sueco, as autoras levantaram, entre outros obje-tivos especficos, as estratgias verbais dos pais na hora darefeio para auxiliar a alimentao da criana. O estudotambm analisou a composio qumica da ingesta alimen-tar. As verbalizaes dos pais dirigidas s crianas foramcategorizadas segundo uma classificao testada anterior-mente. De maneira geral, os resultados mostraram seme-lhana com o estudo americano e os suecos j citados.Contudo, a ingesta alimentar das crianas foi inferior recomendao nutricional, ainda que as crianas encontra-vam-se em bom estado nutricional, o que levou as autorasa conclurem que as crianas compensavam a ingesta nutri-tiva com outras refeies durante o dia. Esta concluso das

    pesquisadoras pode ser corroborada pelos dados de Birch ecolegas33, que demonstraram que a criana possui autocon-trole na sua ingesta alimentar diria, tendo por base a suanecessidade nutricional.

    No estudo brasileiro, das verbalizaes dos adultos, acategoria mais freqente (96%) foi Dar Ordem, no qualos pais procuravam conduzir a alimentao das crianas pormeio de comando verbal, algumas vezes como sugesto oupedido, por exemplo agora d mais duas garfadas, deixaeu ver a carne, e outras vezes incisivas, exigindo umdeterminado comportamento, como anda logo, no comacom a mo. Outras verbalizaes foram agrupadas emcategorias de menor incidncia, e as verbalizaes deincentivo e ateno por parte dos pais foram raras.

    A concluso das autoras foi a de que a investigaodemonstrou que, durante as refeies, as crianas estavamrealmente engajadas na tarefa de alimentar-se, emboraapresentassem outros comportamentos. J os adultos emi-tiam um grande nmero de verbalizaes de presso, ser-viam uma quantidade maior de alimentos do que as crianasingeriam e preparavam o prato da criana fora da visodelas e sem consult-las. Os adultos no ofereciam modelode comportamento alimentar e estavam mais preocupadosem fazer a criana comer, impedindo-a de criar seus prpri-os hbitos alimentares e de tornar-se independente. Asfreqentes verbalizaes para facilitar a ingesto de ali-mentos, ao contrrio do esperado, favoreciam comporta-mentos de oposio pela criana.

    Desenvolvimento da percepo da fome e saciedadeAs estratgias alimentares utilizadas pelos pais tambm

    podem alterar o grau de controle interno da criana para afome e saciedade. H evidncias9,17,28 de que o grau decontrole externo exercido pelos pais impede que a crianaaprenda sobre a sensao da fome e da saciedade, afetandoo seu prprio controle de ingesta alimentar, resultando,assim, em alteraes do seu peso. As crianas podemaprender a diferenciar a sensao da fome de outra sensa-o, porm o oferecimento de alimentos por parte dos pais,sem a necessidade nutricional, pode resultar em alimenta-o inapropriada. Por exemplo, quando a criana fala queno deseja mais comer, porque est satisfeita, e os paisdizem termine o que est no prato, fica claro para acriana a mensagem de que a sua sensao interna desaciedade no relevante para a quantidade de comida queela precisa consumir. Pais que pressionam externamente ocomportamento alimentar da criana podem impedir odesenvolvimento de um autocontrole adequado. Como re-sultado disso, a criana pode vir a depender da sugestoexterna para iniciar, manter e terminar sua refeio.

    Em um estudo realizado por Birch e colegas33 , tendopor base o clssico estudo de Clara Davis realizado h maisde 60 anos, foi investigada a ingesta energtica total diriade 15 crianas entre 2 e 5 anos de idade, refeio porrefeio, durante um perodo de 6 dias. Para este estudo

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    foram disponibilizados alimentos familiares s crianas,em dois cardpios programados de forma a garantir asnecessidades nutricionais das mesmas, mas as crianastinham liberdade de escolher o que desejassem comer. Foiconstatado que as crianas ajustavam a ingesta total dirianas sucessivas refeies, o que comprova que na infnciaexiste um processo de regulao entre o tamanho e ointervalo da refeio, resultante da compensao energti-ca dos alimentos e da necessidade da criana. A crena dospais de que a criana no pode regular a sua ingesta diriade alimentos os leva a adotar freqentemente estratgiasque foram a criana a comer alm da sua necessidade e acomer alimentos que os pais consideram nutritivos.

    Com relao seleo e escolha dos alimentos, se ospais deixarem a criana livre para escolher alimentos ofere-cidos, sem uma prvia seleo, a criana escolher alimen-tos com alta taxa de gordura, acar e sal, conforme suaspreferncias alimentares j citadas. Foi constatado34 que,em uma escolha livre entre alimentos nutritivos e nonutritivos, crianas com uma mdia de 5,3 anos de idadeescolheram alimentos com acar, perfazendo um total de25% das suas necessidades calricas. Quando foi informa-do para as crianas que os pais poderiam monitorar a suaseleo, as crianas modificaram a ingesta, diminuindoprincipalmente o consumo de alimentos com acar. Omonitoramento das mes fez com que a quantidade dealimentos no nutritivos consumidos pelas crianas fossemenor. No entanto, as mes no se preocuparam em subs-tituir estes alimentos de baixo valor nutritivo por outrosalimentos mais nutritivos, o que demonstra a preocupaocom a quantidade ingerida e no para a qualidade. Nesteestudo no houve diferena na seleo de alimentos entrecrianas obesas e no obesas, e o nvel de obesidade dasmes tambm no estava associado seleo dos alimentos.

    Um outro experimento17, com crianas de 49 meses deidade em mdia, investigou se o contexto social em queocorre a alimentao pode influenciar na responsividade dacriana sugesto interna da fome e da saciedade, bemcomo no condicionamento da quantidade ingerida na refei-o. Para o condicionamento foram utilizados dois contex-tos alimentares diferentes. Num desses contextos, o adultoutilizou estratgias, ou seja, declaraes verbais para acriana se concentrar na sua prpria sensao interna defome e saciedade. Nesta situao, o adulto enfatizou verbal-mente para as crianas que durante a refeio so estassensaes de fome e saciedade que indicam a elas quandocomer e quando parar de comer. Enquanto as crianascomiam, o adulto orientava as crianas para comerem at sesentirem satisfeitas. No segundo contexto alimentar, oadulto empregou estratgias para a criana se concentrar nasugesto externa de estmulos do ambiente, desviando aateno da criana da sensao interna de fome e saciedade.As declaraes utilizadas foram, por exemplo, chamar aateno da criana para a hora da refeio, ou utilizar aalimentao ou alimentos preferidos como instrumentopara fazer a criana comer o que estava servido no prato, ou

    ainda chamar a ateno para a quantidade de comida noprato. Outras estratgias verbais tambm foram utilizadaspara, por exemplo, levar a criana a comer para obterrecompensa voc pode comer seu iogurte agora e quandotiver terminado, pode escolher um brinquedo da caixa ou,ainda, voc pode conseguir outro prmio, comendo mais.

    Os resultados deste estudo evidenciaram que o contextosocial da alimentao pode influenciar a aprendizagem dacriana sobre sua sensao interna de fome e saciedade. Osdados tambm indicaram que a criana responde densida-de calrica da alimentao, e que a quantidade pode sercondicionada quando o contexto social sugerir autocontro-le. Alm disso, demonstraram que, em contexto de estrat-gias que focalizavam a sensao interna de fome e sacieda-de, as crianas foram espontaneamente sensveis densida-de calrica dos alimentos e capazes de formar associaescom as suas sensaes internas. Por outro lado, as crianasque foram alvo de estratgias que focalizavam sugestesexternas foram insensveis densidade calrica dos alimen-tos. No contexto da sugesto externa, o tamanho da refeiofoi fortemente influenciado pelas declaraes dos adultospara que a criana comesse para ganhar recompensa ouporque estava na hora da refeio, ou por outras estratgiasque desviaram a ateno da criana de sua sensao internade fome e saciedade.

    Observa-se que as estratgias utilizadas pelos pais po-dem alterar a auto-regulao da criana para o consumo dealimentos de acordo com sua necessidade nutritiva, o que,provavelmente, tenha como resultado a influncia no pesoda criana.

    Ainda com relao s estratgias utilizadas pelos pais naalimentao das crianas, um outro estudo35 verificou oefeito de variveis ambientais familiares no comportamen-to alimentar e peso de 77 crianas com idade mdia de 44,4meses e de seus pais. Foram investigadas, especificamente,as relaes entre (1) o ndice de compensao calrica e asmedidas antropomtricas das crianas; (2) o status do pesoe a histria diettica dos pais (restrio diettica, desinibi-o alimentar, percepo da fome); (3) o estilo alimentardos pais e das crianas; (4) estratgias utilizadas pelos paisna alimentao das crianas e ndice de compensaocalrica das crianas. Os resultados deste estudo demons-traram que, quando os pais exercem maior controle naalimentao das crianas, elas demonstram menos auto-regulao na sua ingesta energtica. As crianas com altovalor na prega cutnea foram menos responsivas densida-de calrica dos alimentos. A relao entre a falha na auto-regulao da ingesta energtica e maior depsito de gordurano corpo foi mais clara nas meninas. Tambm a relaoentre o ndice de compensao calrica e as medidasantropomtricas foi significativa somente para as meninas.O controle alimentar das mes foi negativamente correla-cionado com o ndice de compensao calrica das meni-nas, observando-se o contrrio para os meninos.

    Esta diferena entre os sexos das crianas pode seratribuda a diferenas na socializao alimentar entre as

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    meninas e os meninos. A tentativa das mes de controlareme imporem restries dietticas para as filhas e no para osfilhos, provavelmente pela presso social magreza nosexo feminino, resulta, para as meninas, em falta de opor-tunidade de aprenderem a auto-regular a ingesta energtica.Os resultados deste estudo evidenciaram tambm claradiferena entre as histrias dietticas dos pais, que podeminfluenciar nos padres de alimentao das crianas. A faltade autocontrole dos pais para o consumo alimentar foifortemente associada ao seu alto nvel de adiposidade,assim como, o pouco controle na ingesta energtica dacriana foi associado ao seu alto ndice de adiposidadecorporal.

    Em suma, o comportamento dos pais pode modelar oestilo alimentar de seus filhos. Os resultados sugerem quemes mais controladoras da sua alimentao utilizam estra-tgias alimentares com nvel mais alto de controle, sendoque suas crianas so menos responsivas ingesta energ-tica da alimentao, resultando no aumento de peso dacriana.

    ConclusesA literatura evidencia a relevncia do processo de

    aprendizagem na formao do comportamento alimentar dacriana, atravs do condicionamento associado da sugestodo sabor dos alimentos, da conseqncia fisiolgica daalimentao e do contexto social. Os resultados das inves-tigaes, focalizando a famlia em ambiente natural, corro-boram queles obtidos em investigaes experimentais delaboratrio. As estratgias alimentares dos pais na hora darefeio contribui para aquisio das preferncias alimen-tares da criana e para o controle interno da fome e sacie-dade.

    Verifica-se, tambm, a influncia das estratgias utili-zadas pelos pais nos padres de alimentao da criana econstata-se que a maior preocupao dos pais centra-se naquantidade de alimento, e no em desenvolver hbitos eatitudes direcionados a padres de alimentao mais ade-quados do ponto de vista qualitativo.

    A literatura recomenda que os pais sejam informadossobre como deve ser uma alimentao saudvel para acriana, e sobre os mtodos de aprendizagem das prefern-cias alimentares, a fim de que possam ampliar a variabilida-de dos alimentos, reduzindo a neofobia alimentar infantil.Alm disso, os pais devem ser orientados para permitir quea criana aprenda sobre a sugesto interna da fome e dasaciedade, desenvolvendo o autocontrole do seu consumoalimentar, minimizando problemas de sobrepeso.

    Ainda que existam recomendaes de diversos pesqui-sadores sobre a necessidade de modificao dos hbitosalimentares da populao, observa-se, na realidade brasi-leira, uma escassez de investigaes dos possveis fatoresque interferem no desenvolvimento do comportamento

    alimentar infantil. Estudos nesta rea, se possvel envolven-do uma perspectiva multidisciplinar, fazem-se necessriospara um maior entendimento do fenmeno do comporta-mento alimentar infantil, permitindo o desenvolvimento deaes e programas de preveno com base na realidadepsicossocial e cultural brasileira, levando assim para umaefetiva mudana dos padres alimentares infantis, contri-buindo na promoo de sua sade.

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    Endereo para correspondncia:Dra. Lilian M. SteinAv. Ipiranga, 6681Porto Alegre, RS - CEP 90619-900Fone/fax (51) 320.3633 E-mail: [email protected]

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