Como nasceu a alegria foi digitalizado por Ana do Grupo ... fileque se sente não vem igaul às...

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O livro Como nasceu a alegria foi digitalizado por Ana do Grupo Bons Amigos. A intenção do grupo é dar oportunidade aos deficientes visuais apreciar mais uma manifestação do pensamento humano. Salientamos que os livros digitalizados e formatados pela Equipe Bons Amigos são frutos de trabalho voluntário e são distribuídos gratuitamente e exclusivamente para os deficientes visuais, nossos bons amigos, de acordo com a lei 9.610 Art. 46. Caso alguma pessoa que não tenha este perfil venha a ter acesso a obra sugerimos que compre o original. Assim fazendo vocês estarão incentivando aos autores e editores lançar novas obras. http://groups.google.com.br/group/bons_amigos http://grupobonsamigos.blogspot.com/

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O livro Como nasceu a alegria foi digitalizado por Ana do Grupo Bons Amigos.A intenção do grupo é dar oportunidade aos deficientes visuais apreciar mais uma

manifestação do pensamento humano.Salientamos que os livros digitalizados e formatados pela Equipe Bons Amigos

são frutos de trabalho voluntário e são distribuídos gratuitamente e exclusivamente para osdeficientes visuais, nossos bons amigos, de acordo com a lei 9.610 Art. 46.

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Rubem Alves

Como nasceu a alegria

Edições Paulinas

RUBEM ALVES

COMO NASCEU A ALEGRIA

2a. edição

EDIÇÕES PAULINAS

O mundo das crianças não é tão tristonho quanto se pensa. Hámedeos, confusos, difusos, as experiências das perdas, bichos, coisaspessoas que vão enão volt6am...O escuro da noite: o mundo inteiro se ausentou.

Voltará?Os grnades não gostam disto e inventam estórias de meninos e

meninas que eram só risos. Talvez para se convencerem a si mesmos deque sua prórpia infância foi gostosa...

Escrevi as estórias da Coleção ESTÓRIAS PARA PEQUENOS EGRANDES em torno de temas dolorosos, que me foram dafos porcrianças. Não é possível fazer de conta que eles não exswistem. Os mausespírios. a gente os espanta chamando-os pelo mp,e reaç;;; O objetiovo

da estória é dizer o nome dar às crianças símbolos que lhes permitamfalar sobre seus medos. E é sempre mais fácil falar sobvre sio mesmofazendo de conta que se está falando sovbre flores, sapos, elefantes,patos...

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Há estórias que podem ser escutadas em disquinhos ousimplesmente lidas sozinhas ... São as estórias engraçadas. Outrasdevem ser contadas por alguém.

Quando se anda pelo escuro do medo, é sempre importante saberque há alguém amigo por perto. Alguém está contando a estória. Nãoestou sozinho ... Nem o livro que se lê e nem o disquinho que se ouvetêm o poder de espantar o medo.

É preciso que se ouça a voz de um outro e que diz:

- Estou aqui, meu filho ...

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Esta estória foi contruída em torno da dor da diferença: a criançaque se sente não vem igaul às outras, por alguma marca no seu corpo, nasua meneira de ser...

Esta, eu sei bem, é estória para ser contada também para os pais.Eles também sentem a dor dentro dos olhos.

Alguns dos diálogos foram tirados da vida real.Ela lida com algo que dói muito: não é a diferença, em si mesma,

mas o ar de espanto que a criança percebe nos olhos dos outros. Dizemos poemas sagrados que, após a queda, os olhos foram a primeira partedo corpo a ser envenenada. De órgãos de carinho transformaram-se emferrões. Homens e mulheres descobriram o embaraço da diferença e seesconderam ...

O medo dos olhos dos outros é sentimento universal. Todosgostaríamos de olhos mansos ...

A diferença não é resolvida de forma triunfante, como na estória doPatinho Feio. O que muda não é a diferença. São os olhos ...

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Você pode não acreditas, mas é verdade: muitos anos atrás a terraera um jardim maravilhoso. É que os anjos, ajudadeos pelos elefantes,regavam tudo, com refadores cheios de água que eles tiravam dasnuvens. Esta era a sua primeira tarefa, todo dia. Se esquecessem, todasas plants morreriam, secas, esturricadas... Para que isso nãoacontecesse, Deus chamou o galo e lhe disse:

- Galo, logo que o sol aparecer, bem cedinho, trate de cantar bemalto para que os anjos e os elefantes acordem...

' E é por isto que, ainda hoje,m os galos cantam de manhã...

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Flores havia aos milhares. Todas eram lindas. Mas infelizmente,todas elas eram igualmente vaidosas e cada uma pensava ser a maisbela.

E, exibindo as suas pétalas, umas para as outras, elas seperguntavam, sem parar:

- Não sou a mais linda de todas?Até pareciam a madrasta da Branca de Neve.Por causa da vaidade, nenhuma delas ouvia o que as outras diziam

e nem percebiam que todas eram igualmente belas.Por isso, todas ficavam sem resposta.E eram, assim, belas e infelizes.

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No meio de tanta beleza infeliz, entretanto, certo dia uma coisainesperada aconteceu. Uma florinha, que estava crescendo dentro de umbotão, e que deveria ser igualmente bela e infeliz, cortou uma de suaspétalas num espinho, ao nascer. A florinha nem ligou e vivia muito felizcom sua pétala partida. Ela não doía. Era uma pétala macia. Era amiga.

Até que ela começou a notar que as outras flores a olhavam comolhos espantados. E percebeu, então, que era diferente.

- Por que é que as outras flores me olham assim, papai, com tantoespanto, olhos tão fixos na minha pétala ... ?

- Por que será? Que é que você acha?, perguntou o pai.

Na verdade, ele bem que sabia de tudo. Mas ele não queria dizer.Queria que a florinha tivesse coragem para olhar para as vaidosas e amara sua pétala .

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- Acho que é porque eu sou meio esquisita ... , a florinharespondeu.

E ela foi ficando triste, triste ... Não por causa da sua pétalarachada, mas por causa dos olhos das outras flores.

- Já estou cansada de explicar. Eu nasci assim ... Mas elasperguntam, perguntam, perguntam ...

Até que ela chorou.

Coisa que nunca tinha acontecido com as flores belas e infelizes.

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A terra levou um susto quando sentiu o pingo de uma lágrimaquente, porque as outras flores nào choravam.

E ela chamou a árvore e lhe contou baixinho:

- A florinha está chorando. E a terra chorou também.

A árvore chamou os pássaros e lhes contou o que estavaacontecendo. E, enquanto falava, foi murchando, esticando seus galhosnum longo lamento, e continua a chorar até hoje,

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à beira dos rios e dos lagos, aquela árvore triste que tem o nome dechorão. E das pontas dos seus galhos correram as lágrimas que setransformaram num fiozinho de água ...

Os pássaros voaram até as nuvens.

- Nuvens, a florinha está chorando.

E choraram lágrimas que se transformaram em pingos de chuva ...

As nuvens choraram também, juntando-se aos pássaros numachuva enorme, choro do céu ...

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As lágrimas das nuvens molharam as camisolas dos anjinhos quebrincavam no céu macio. E quiseram saber o que estava acontecendo. Equando souberam que a florinha estava chorando, choraram também ...

E Deus, que era uma flor ...Sabia que no mundo das flores Deus é também uma flor?E Deus, que era uma flor, começou a chorar também.E a sua dor foi tão grande que, devagarinho, como se fosse espinho,

ela foi cortando uma de suas pétalas.

E Deus ficou tal e qual a florinha.

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E aquele choro todo, da terra, das árvores, dos pássaros, dos anjos,de Deus, virou chuva, como nunca havia caído.

O sol, sempre amigo e brincalhão, não agüentou ver tanta tristeza.Chorou também. E a sua boca triste virou o arco-íris ...

E as chuvas viraram rios e os rios viraram mares. Nos rios nascerampeixes pequenos. Nos mares apareceram os peixes grandes.

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A Horinha abriu os olhos e se espantou com todo aquele reboliço.Nunca pensou que fosse tão querida. E a sua tristeza foi virando, ládentro, uma espécie de cócega no coração, e sua boca se entortou paracima, num riso gostoso ...

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E foi então que aconteceu o milagre.

As flores belas e infelizes não tinham perfume, porque nunca riam.Quando a florinha sorriu, pela primeira vez, o perfume bom da florapareceu. O perfume é o sorriso da flor.

E o perfume foi chamando bichos e mais bichos ...

Vieram as abelhas ... Vieram os beija-flores ... Vieram as borboletas... Vieram as crianças. Um a um, beijaram a única flor perfumada, a florque sabia sorrir. E sentiram, pela primeira vez, que a florinha, lá dentrodo seu sorriso, era doce, virava mel ...

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Esta é a estória do nascimento da alegria.

De como da tristeza saiu o choro, do choro surgiu o riso e o risovirou perfume.

A florinha não se esqueceu de sua pétala partida. Só que, deste diaem diante, ela não mais sofria ao olhar para ela, mas a agradava, comoboa amiga.

Quanto aos regadores dos anjos, nunca mais foram usados.

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De vez em quando, olhando para as nuvens, a gente vê um deles,guardado lá dentro, já velho e coberto de teias de aranha ... Enquanto aflorinha de pétala partida estiver neste mundo, a chuva continuará a caire o brinquedo de roda em volta do seu sorriso e do seu perfume não teráfim ...