Comissão Diocesana de Animação Litúrgica O TEMPO DO …

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1 Comissão Diocesana de Animação Litúrgica Diocese de Itabira - Cel. Fabriciano Música Sacra Fonte: Cristo Festa da Igreja - O ano litúrgico e Missal Romano O TEMPO DO ADVENTO 1. HISTÓRIA E SIGNIFICADO DO TEMPO DO ADVENTO A história nos mostra como são diferentes as tradições litúrgicas sobre o Tempo do Advento nas diversas Igrejas. Só no Ocidente encontramos notáveis diferenças entre as liturgias romana, galicana, hispânica e ambrosiana. Não é fácil precisar a história e o primitivo significado do Advento; além disso, as notícias sobre suas verdadeiras origens são parcas. É necessário distinguir elementos que dizem respeito a práticas ascéticas e a outras, de caráter estritamente litúrgico; um Advento que é preparação para o Natal e um Advento que celebra a vinda gloriosa de Cristo (Advento escatológico). No Oriente, permaneceu quase ignorado um período de preparação ao Natal. Portanto, o Advento é próprio do Ocidente. O rito bizantino, no domingo que precede a natividade do Senhor, recorda todos os santos patriarcas justos do Antigo Testamento até Nossa Senhora; o rito siríaco dedica uma semana às "anunciações". No Ocidente, ao invés, já no fim do século IV, na Gália e na Espanha, encontra-se um período preparatório ao Natal com forte caráter ascético, chamado adventus (ou "quaresma de São Martinho"), com duração de seis semanas (como a duração atual do Advento na liturgia ambrosjana). A sua característica ascética parece dever-se ao fato de ser um tempo dedicado à preparação de catecúmenos para o batismo. No fim do século VII, em Roma, encontra-se um Advento litúrgico de cinco domingos, provindo, talvez, da Gália ou do Ravena ou da Itália meridional (Cápua). Existem formulários litúrgicos com o título Orationes ante adventum Domini (orações antes da vinda do Senhor). Esse Advento, conforme o conteúdo dos formulários do Sacramentário Gelasiano, não parece ter tido como escopo a preparação para o Natal, mas recordar a segunda vinda (parusia) do Senhor. Tal seria o seu conteúdo original indicado pelo próprio termo adventus, emprestado do texto de Mt 24,27: "Ita erit adventus Filii hominis" (Assim será a vinda do Filho do Homem). No século VII, em Roma, a única preparação ao Natal é considerada como incluída nas Quatro Têmporas de dezembro. Os domingos colocados antes do Natal, portanto, seriam destinados a fechar o ano litúrgico com a lembrança da parusia final, ou seja, como conclusão do mistério salvífico de Cristo. A origem do Advento, portanto, vai do século IV até a metade do século VI. Quanto ao significado originário do Advento, discutiu-se muito, alguns optando pela tese do Advento-Natal, outros pela do Advento-Parusia. Por outro lado, os termos adventus, natalis e epiphania referem-se fundamentalmente ao mistério da vinda salvífica de Cristo ao mundo. As Normas gerais para o ordenamento do ano litúrgico e do calendário, acima citadas, mantêm os dois aspectos do Advento. 2. O TEMPO DO ADVENTO NA LITURGIA O Tempo do Advento possui dupla característica: sendo um tempo de preparação para as solenidades do Natal, vinda do Filho de Deus entre os homens, é também um tempo em que, por melo desta lembrança, voltam-se os corações para a expectativa da segunda vinda do Cristo no fim dos tempos. Por este duplo motivo, o Tempo do Advento se apresenta como um tempo de piedosa e alegre expectativa. que se comemora a primeira. O Tempo do Advento começa com as Primeiras Vésperas do domingo que cai no dia 30 de novembro ou no domingo que lhe fica mais próximo,

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Comissão Diocesana de Animação LitúrgicaDiocese de Itabira - Cel. Fabriciano

Música Sacra

Fonte: Cristo Festa da Igreja - O ano litúrgico e Missal Romano

O TEMPO DO ADVENTO

1. HISTÓRIA E SIGNIFICADO DO TEMPO DO ADVENTO

A história nos mostra como são diferentes as tradições litúrgicas sobre o Tempo do Advento nas diversas Igrejas. Só no Ocidente encontramos notáveis diferenças entre as liturgias romana, galicana, hispânica e ambrosiana. Não é fácil precisar a história e o primitivo significado do Advento; além disso, as notícias sobre suas verdadeiras origens são parcas. É necessário distinguir elementos que dizem respeito a práticas ascéticas e a outras, de caráter estritamente litúrgico; um Advento que é preparação para o Natal e um Advento que celebra a vinda gloriosa de Cristo (Advento escatológico). No Oriente, permaneceu quase ignorado um período de preparação ao Natal. Portanto, o Advento é próprio do Ocidente. O rito bizantino, no domingo que precede a natividade do Senhor, recorda todos os santos patriarcas justos do Antigo Testamento até Nossa Senhora; o rito siríaco dedica uma semana às "anunciações". No Ocidente, ao invés, já no fim do século IV, na Gália e na Espanha, encontra-se um período preparatório ao Natal com forte caráter ascético, chamado adventus (ou "quaresma de São Martinho"), com duração de seis semanas (como a duração atual do Advento na liturgia ambrosjana). A sua característica ascética parece dever-se ao fato de ser um tempo dedicado à preparação de catecúmenos para o batismo. No fim do século VII, em Roma, encontra-se um Advento litúrgico de cinco domingos, provindo, talvez, da Gália ou do Ravena ou da Itália meridional (Cápua). Existem formulários litúrgicos com o título Orationes ante adventum Domini (orações antes da vinda do Senhor). Esse Advento, conforme o conteúdo dos formulários do Sacramentário Gelasiano, não parece ter tido como escopo a preparação para o Natal, mas recordar a segunda vinda (parusia) do Senhor. Tal seria o seu conteúdo original indicado pelo próprio termo adventus, emprestado do texto de Mt 24,27: "Ita erit adventus Filii hominis" (Assim será a vinda do Filho do Homem). No século VII, em Roma, a única preparação ao Natal é considerada como incluída nas Quatro Têmporas de dezembro. Os domingos colocados antes do Natal, portanto, seriam destinados a fechar o ano litúrgico com a lembrança da parusia final, ou seja, como conclusão do mistério salvífico de Cristo. A origem do Advento, portanto, vai do século IV até a metade do século VI. Quanto ao significado originário do Advento, discutiu-se muito, alguns optando pela tese do Advento-Natal, outros pela do Advento-Parusia. Por outro lado, os termos adventus, natalis e epiphania referem-se fundamentalmente ao mistério da vinda salvífica de Cristo ao mundo. As Normas gerais para o ordenamento do ano litúrgico e do calendário, acima citadas, mantêm os dois aspectos do Advento.

2. O TEMPO DO ADVENTO NA LITURGIA

O Tempo do Advento possui dupla característica: sendo um tempo de preparação para as solenidades do Natal, vinda do Filho de Deus entre os homens, é também um tempo em que, por melo desta lembrança, voltam-se os corações para a expectativa da segunda vinda do Cristo no fim dos tempos. Por este duplo motivo, o Tempo do Advento se apresenta como um tempo de piedosa e alegre expectativa. que se comemora a primeira. O Tempo do Advento começa com as Primeiras Vésperas do domingo que cai no dia 30 de novembro ou no domingo que lhe fica mais próximo,

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terminando antes das Primeiras Vésperas do Natal do Senhor. Os domingos deste tempo são chamados 1, 2°, 3 e 4° domingos do Advento. Os dias de semana dos dias 17 a 24 de dezembro inclusive visam de modo mais direto a preparação do Natal do Senhor.

A) DOMINGOS

As leituras do Evangelho têm uma característica própria: referem-se à vinda do Senhor no final dos tempos (primeiro Domingo), a João Batista (segundo e terceiro domingos), aos acontecimentos que prepararam de perto o nascimento do Senhor (quarto domingo). As leituras do Antigo Testamento são profecias sobre o Messias e o tempo messiânico, tiradas principalmente do livro de Isaías. As leituras do Apóstolo contêm exortações e ensinamentos relativos às diversas características deste tempo.

B) DIAS DE SEMANA

Há duas séries de leituras, uma desde o princípio até o dia 16 de dezembro, a outra do dia 17 ao 24. Na primeira parte do Advento lê-se o livro de Isaías, seguindo a ordem do livro, sem excluir aquelas pericopes mais importantes que se leem também aos domingos. Os Evangelhos destes dias estão relacionados com a primeira leitura. A partir da quinta-feira da segunda semana começam as leituras do Evangelho sobre João Batista; a primeira leitura é uma continuação do livro de Isaías ou um texto relacionado com o Evangelho. Na última semana antes do Natal, leem-se os acontecimentos que prepararam imediatamente o nascimento do Senhor, tirados do Evangelho de São Mateus (cap. 1) e de São Lucas (cap. 1). Para a primeira leitura foram selecionados alguns textos de diversos livros do Antigo Testamento, levando em consideração o Evangelho do dia; entre eles se encontram alguns vaticínios messiânicos de grande importância.

3. A ESPIRITUALIDADE DO ADVENTO

Toda a liturgia do Advento é apelo para se viver alguns comportamentos essenciais do cristão: a expectativa vigilante e alegre, a esperança, a conversão, a pobreza.

a) A expectativa vigilante e alegre caracteriza sempre o cristão e a Igreja, porque o Deus da revelação é o Deus da promessa, que manifestou em Cristo toda a sua fidelidade ao homem: "Todas as promessas de Deus encontraram nele o seu sim" (2Cor 1,20). Ao realizar-sc em definitivo a história das "promessas de Deus", no fim dos tempos, aparecerá o objeto de todas essas promessas, isto é, o próprio Deus, visto e possuído em toda a riqueza da sua graça (cf. 1Cor 13,8-12). Em toda a liturgia do Advento ressoam as promessas de Deus, principalmente na voz de Isaías, que reaviva a esperança de Israel. Não estamos diante duma ficção, como se neste tempo litúrgico a Igreja devesse encenar o papel dos hebreus que esperavam o Messias prometido. A liturgia exprime sempre a realidade e quando, no Advento, assume a esperança de Israel, o faz vivendo-a em níveis mais profundos e plenos de atuação. A esperança da Igreja é a mesma esperança de Israel, mas já realizada em Cristo. O olhar da comunidade, então, fixa-se com esperança mais segura no cumprimento final, a vinda gloriosa do Senhor: "Maranatha: vem, Senhor Jesus". É o grito e o suspiro de toda a Igreja, em seu peregrinar terreno ao encontro definitivo com o seu Senhor. Os nossos primeiros irmãos na fé, como nos atesta a Didaqué, imploravam: "Que o Senhor venha e passe a figura deste mundo. Maranatha. Amém". Assim termina o livro do Apocalipse e toda a Escritura: "Aquele que atesta essas coisas diz: "Sim! Venho muito em breve'. Amém! Vem, Senhor Jesus. A graça do Senhor Jesus esteja com todos. Amém!" (Ap 22,20). A expectativa vigilante é acompanhada sempre pelo convite à alegria. O Advento é tempo de expectativa alegre porque aquilo que se espera certamente acontecerá. Deus é fiel. Na palavra dos profetas do Antigo Testamento, a alegria caracteriza os tempos messiânicos. A vinda do Salvador cria um clima de alegria que a liturgia do Advento não só relembra, mas quer que seja vivida.

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Isaías anuncia a superabundância dessa alegria (9,2); o deserto exultará (35,1); diante da intervenção de Deus, os céus exultarão de alegria, a terra se alegrará (44,23; 49,13), enquanto que os prisioneiros libertados chegarão a Sião gritando de alegria (35,9; 51,11), para serem revestidos de salvação e justiça (61,10). O Batista, diante de Cristo presente em Maria, salta de alegria no seio da mãe; a Virgem é convidada pelo anjo para alegrar-se com o grande anúncio que está para lhe ser dado; nas colinas de Judá, ela canta com alegria humilde o seu Magnificat. O nascimento de Jesus é uma festa alegre para os anjos e para os homens que cle vem salvar (cf. Le 1,44.46-47; 2,10.13-14).

b) No Advento, toda a Igreja vive a sua grande esperança. O Deus da revelação de Jesus tem um nome: "Deus da esperança" (Rm 15,13). Não é o único nome do Deus vivo, mas é um nome que o identifica como "Deus para nós e conosco". O Pai que entrega ao mundo Jesus, seu Filho, doa ao mesmo tempo a esperança ao mundo. Sem Cristo, os homens ficam sem esperança (cf. Ef 2,12), porque ele é a nossa esperança (cf. 1Tm 1,1), tão íntima que está dentro de nós: "Cristo em nós, esperança da glória" (Cl 1,26-27). De fato, ele é o sustento e o fundamento da esperança na vida eterna (Tt 1,2). Deus revelou-se com aquele que, em Jesus Cristo, nos deu o nosso futuro, a renovação de todas as coisas, elevando-nos acima da nossa miséria. O Advento é o tempo litúrgico da grande educação à esperança: uma esperança forte e paciente; uma esperança que aceita a hora da provação, da perseguição e da lentidão no desenvolvimento do Reino; uma esperança que confia no Senhor e liberta das impaciências subjetivistas e do frenesi do futuro programado pelo homem. O canto que caracteriza o Advento, desde o primeiro domingo, é o'salmo 24:; "A ti, Senhor, elevo a minha alma; em ti confio, meu Deus. Que eu não fique envergonhado, e meus inimigos não triunfem sobre mim! Os que em ti esperam não ficam envergonhados" (SI 24,1-3). A Igreja, como povo de Deus que caminha cm busca da cidade futura e permanente (cf. Hb 13,14), é, por sua própria natureza, lugar, sinal e instrumento da salvação escatológica e, como tal, é "sacra- mento do futuro". A Igreja vive, na esperança, a sua existência como graça de Cristo, inteira e unicamente ancorada na palavra do evangelho. Pelo mistério do Advento, essa Igreja é chamada a tornar-se sinal concreto de libertação integral do homem, libertação que é indissoluvelmente graça de Deus o livre resposta humana. Esse empenho da Igreja torna-se mais forte e urgente diante das grandes áreas vazias de esperança, que se registram no mundo contemporâneo. A geografia do desespero é maior o mais terrível do que a geografia da fome o é expressão aterradora do avanço de anti-humanismos destruidores, alimentando filosofias "niilistas". A droga o a violência em seus mais aterradores aspectos são a expressão de um mundo que necessita encontrar o sentido autêntico da vida para que possa ainda ter esperança. Na convocação ao testemunho da esperança, a Igreja, no Advento, é confortada pela figura de Maria, a mão de Jesus. Ela que "no céu, glorificada em corpo o alma, é a imagem e a primícia da Igreja, que terá sua realização na idade futura, brilha também na terra como sinal de segura esperança e de consolação para o povo do Deus a caminho, até que chegue o dia do Senhor" (cf. 2Pd 3,10). c) Advento, tempo de conversão. Não existe possibilidade de esperança e de alegria sem retornar ao Senhor de todo o coração, na expectativa da sua volta. A vigilância requer luta contra o torpor e a negligência; requer prontidão e, portanto, desapego dos prazeres o bens terrenos (cf. Lc 21,34ss). O cristão, convertido a Deus, é filho da luz e, por isso, permanecerá acordado e resistirá às trevas, símbolo do mal, pois do contrário corre o risco de ser surpreendido pela parusia. Esse comportamento de vigilante espera na alegria e na esperança exige sobriedade, isto é, renúncia aos excessos "noturnos" e a tudo aquilo que possa desviar-nos da espera do Senhor. São Paulo nos convida para despertarmos, para sairmos do sono e para estarmos preparados, a fim de recebermos a salvação definitiva (Rm 13,11- 14). A pregação do Batista, que ressoa no texto do evangelho do segundo domingo do Advento, é apelo para a conversão, a fim do preparar os caminhos do Senhor. Os comportamentos fundamentais do cristão, exigidos pelo espf- rito do Advento, estão intimamente unidos cntre si, de modo que não 6 possível viver a expectativa, a esperança e a alegria pela vinda do Senhor, sem uma profunda conversão. Por outro lado, como as tentações da vida

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presente antecipam a tribulação escatológica, a vigilância cristã exige um treinamento diário na luta contra o maligno; exige sobriedade e oração contínua: "Sejam sóbrios e fiquem de prontidão" (cf. 1Pd 5,8-9). O espírito de conversão, próprio do Advento, possui tonalidades diferentes daquelas relembradas na Quaresma. A substância é essencialmente a mesma, mas, enquanto a Quaresma é marcada pela austeridade da reparação do pecado, o Advento 6 marcado pela alegria da vinda do Senhor.

d) Enfim, um comportamento que caracteriza a espiritualidade do Advento é o do pobre. Não tanto o pobre em sentido econômico, mas o pobre entendido em sentido bíblico: aquele que confia em Deus e apóia-se totalmente nele. Estes anawîm, como os chama a Bíblia, são os mansos e humildes, porque as suas disposições fundamentais são a humildade, o temor de Deus, a fé. Eles são objeto do amor benévolo de Deus e constituem as primícias do "povo humilde" (cf. Sf 3,12) e da "Igreja dos pobres" que o Messias reunirá. Jesus proclamará felizes os pobres e neles reconhecerá os herdeiros privilegiados do Reino, e ele mesmo será um pobre. Belém e Nazaré, mas sobretudo a cruz, são as diversas formas com que Cristo manifestava-se como o autêntico "pobre do Senhor". O Advento é o tempo em que a Igreja e todo cristão são chamados a verificar este comporta- mento essencial diante da iniciativa salvífica de Deus. Maria emerge como modelo dos pobres do Senhor, que esperam as promessas de Deus, confiam nele e estão disponíveis, com plena docilidade, à atuação do plano de Deus. Não nos esqueçamos que a pobreza do coração, essencial para entrar no Reino, não exclui, mas exige a pobreza efetiva, a renúncia em colocar a própria confiança nos bens terrenos.

O NATAL

1. ORIGEM E HISTÓRIA DA FESTA DO NATAL

No início, as festas do Natal e da Epifania eram uma celebração com um único e idêntico objeto: a encarnação do Verbo, embora com diferentes matizes no Ocidente e no Oriente. Essa diversidade de tom pode ser constatada pelas duas denominações. No Oriente, o mistério da encarnação era celebrado no dia 6 de janeiro, com o nome de Epifania (do grego epipháneia); no Ocidente, isto é, em Roma, o mistério era celebrado no dia 25 de dezembro, com o nome de Natalis Domini (Natal do Senhor). A distinção entre as duas festas, com conteúdo diferente, aconteceu entre o fim do século IV co início do século V. 2. O TEMPO DO NATAL NA LITURGIA

A Igreja nada considera mais venerável , após a celebração anual do mistério da Páscoa , do que comemorar o Natal do Senhor e suas primeiras manifestações , o que se realiza no Tempo do Natal . O Tempo do Natal vai das Primeiras Vésperas do Natal do Senhor ao domingo depois da Epifania ou ao domingo depois do dia 6 de janeiro inclusive . A Missa da Vigília do Natal é celebrada à tarde do dia 24 de dezembro antes ou depois das Primeiras Vésperas. No dia do Natal do Senhor , segundo antiga tradição romana , pode-se celebrar a Missa três vezes, a saber, à noite, na aurora e durante o dia .

3. A ESPIRITUALIDADE DO NATAL

A graça própria da celebração do Natal 6 a da nossa adoção divina . O "Nativitatis Christi sacramentum" contém a graça para fazer-nos participantes da nobreza antiga , dada pela filiação divina , mas depois perdida por causa do pecado . Desse modo , passamos da condição de " homem velho para a condição de "filhos de Deus " . É significativo que muitas liturgias tenham privilegiado o texto de Paulo aos gálatas (4,4-5 ) na celebração do Natal . A coleta do sexto dia da oitava de Natal , que antes da reforma encontrava - se na missa do dia , exprime muito bem a espiritualidade própria

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desta celebração : "O novo nascimento do vosso Filho em nossa carne mortal nos liberte da antiga escravidão , que nos mantém sob o jugo do pecado" . A "novidade" trazida pelo mistério opõe-se à "antiga escravidão" ("velusta servitus"). De fato , a encarnação do Verbo traz a libertação para uma humanidade escrava do pecado e em poder da morte . Não devemos, porém, considerar apenas o aspecto negativo de libertação, mas principalmente o aspecto positivo da regeneração. A liturgia fala expressamente de "novo nascimento de Cristo em nossa carne"; isso acontece porque o Pai nos predestinou a sermos filhos adotivos por meio de Jesus Cristo (cf. Ef 1,5) , a sermos conformes a imagem do seu Filho (cf. Rm 9,29). O mistério do Natal não nos oferece somente um modelo para imitar a humildade e pobreza do Senhor que está deitado na manjedoura, mas nos dá a graça de sermos semelhantes a ele . A manifesta ção do Senhor conduz o homem à participação da vida divina . Assim, a verdadeira espiritualidade do Natal não consiste na imitação de Cristo " do lado de fora " , mas "viver Cristo que está em nós" e manifestá-lo com a vida no seu mistério de virgindade, obediência, pobreza e humildade. Leão Magno convida os cristãos a tomar consciência de tanta dignidade: "Toma consciência , ó cristão , da tua dignidade , e já que participas da natureza divina, não voltes aos erros de antes por um comportamento indigno de tua condição . Lembra - te de que cabeça e de que corpo és membro . Recorda - te de que foste arrancado do poder das trevas e levado para a luz e o reino de Deus". Portanto, o fruto espiritual do Natal consiste no empenho moral de viver a graça da redenção e da regeneração, de conservar interiormente o Espírito Santo que nos faz filhos de Deus. Enfim, porque Deus nos faz filhos seus em Cristo , inserindo-nos como membros da Igreja, a graça do Natal exige também uma vida de comunhão fraterna.

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CARTA APOSTÓLICA

ADMIRABILE SIGNUM

DO SANTO PADREFRANCISCO

SOBRE O SIGNIFICADO E VALOR DO PRESÉPIO

1. O SINAL ADMIRÁVEL do Presépio, muito amado pelo povo cristão, não cessa de suscitar maravilha e enlevo. Representar o acontecimento da natividade de Jesus equivale a anunciar, com simplicidade e alegria, o mistério da encarnação do Filho de Deus. De facto, o Presépio é como um Evangelho vivo que transvaza das páginas da Sagrada Escritura. Ao mesmo tempo que contemplamos a representação do Natal, somos convidados a colocar-nos espiritualmente a caminho, atraídos pela humildade d'Aquele que Se fez homem a fim de Se encontrar com todo o homem, e a descobrir que nos ama tanto, que Se uniu a nós para podermos, também nós, unir-nos a Ele.

Com esta Carta, quero apoiar a tradição bonita das nossas famílias prepararem o Presépio, nos dias que antecedem o Natal, e também o costume de o armarem nos lugares de trabalho, nas escolas, nos hospitais, nos estabelecimentos prisionais, nas praças… Trata-se verdadeiramente dum exercício de imaginação criativa, que recorre aos mais variados materiais para produzir, em miniatura, obras-primas de beleza. Aprende-se em criança, quando o pai e a mãe, juntamente com os avós, transmitem este gracioso costume, que encerra uma rica espiritualidade popular. Almejo que esta prática nunca desapareça; mais, espero que a mesma, onde porventura tenha caído em desuso, se possa redescobrir e revitalizar.

2. A origem do Presépio fica-se a dever, antes de mais nada, a alguns pormenores do nascimento de Jesus em Belém, referidos no Evangelho. O evangelista Lucas limita-se a dizer que, tendo-se completado os dias de Maria dar à luz, «teve o seu filho primogénito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoura, por não haver lugar para eles na hospedaria» (2, 7). Jesus é colocado numa manjedoura, que, em latim, se diz praesepium, donde vem a nossa palavra presépio.

Ao entrar neste mundo, o Filho de Deus encontra lugar onde os animais vão comer. A palha torna-se a primeira enxerga para Aquele que Se há de revelar como «o pão vivo, o que desceu do céu» (Jo6, 51). Uma simbologia, que já Santo Agostinho, a par doutros Padres da Igreja, tinha entrevisto quando escreveu: «Deitado numa manjedoura, torna-Se nosso alimento». Na [1]realidade, o Presépio inclui vários mistérios da vida de Jesus, fazendo-os aparecer familiares à nossa vida diária.

Passemos agora à origem do Presépio, tal como nós o entendemos. A mente leva-nos a Gréccio, na Valada de Rieti; aqui se deteve São Francisco, provavelmente quando vinha de Roma onde recebera, do Papa Honório III, a aprovação da sua Regra em 29 de novembro de 1223. Aquelas grutas, depois da sua viagem à Terra Santa, faziam-lhe lembrar de modo particular a paisagem de Belém. E é possível que, em Roma, o «Poverello» de Assis tenha ficado encantado com os mosaicos, na Basílica de Santa Maria Maior, que representam a natividade de Jesus e se encontram perto do lugar onde, segundo uma antiga tradição, se conservam precisamente as tábuas da manjedoura.

As Fontes Franciscanas narram, de forma detalhada, o que aconteceu em Gréccio. Quinze dias antes do Natal, Francisco chamou João, um homem daquela terra, para lhe pedir que o ajudasse a concretizar um desejo: «Quero representar o Menino nascido em Belém, para de algum modo ver com os olhos do corpo os incómodos que Ele padeceu pela falta das coisas necessárias a um recém-nascido, tendo sido reclinado na palha duma manjedoura, entre o boi e o burro». Mal [2]acabara de o ouvir, o fiel amigo foi preparar, no lugar designado, tudo o que era necessário segundo o desejo do Santo. No dia 25 de dezembro, chegaram a Gréccio muitos frades, vindos de vários lados, e também homens e mulheres das casas da região, trazendo flores e tochas para iluminar aquela noite santa. Francisco, ao chegar, encontrou a manjedoura com palha, o boi e o burro. À vista da representação do Natal, as pessoas lá reunidas manifestaram uma alegria indescritível, como nunca tinham sentido antes. Depois o sacerdote celebrou solenemente a Eucaristia sobre a

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manjedoura, mostrando também deste modo a ligação que existe entre a Encarnação do Filho de Deus e a Eucaristia. Em Gréccio, naquela ocasião, não havia figuras; o Presépio foi formado e vivido pelos que estavam presentes.[3]

Assim nasce a nossa tradição: todos à volta da gruta e repletos de alegria, sem qualquer distância entre o acontecimento que se realiza e as pessoas que participam no mistério.

O primeiro biógrafo de São Francisco, Tomás de Celano, lembra que naquela noite, à simples e comovente representação se veio juntar o dom duma visão maravilhosa: um dos presentes viu que jazia na manjedoura o próprio Menino Jesus. Daquele Presépio do Natal de 1223, «todos voltaram para suas casas cheios de inefável alegria» .[4]

3. Com a simplicidade daquele sinal, São Francisco realizou uma grande obra de evangelização. O seu ensinamento penetrou no coração dos cristãos, permanecendo até aos nossos dias como uma forma genuína de repropor, com simplicidade, a beleza da nossa fé. Aliás, o próprio lugar onde se realizou o primeiro Presépio sugere e suscita estes sentimentos. Gréccio torna-se um refúgio para a alma que se esconde na rocha, deixando-se envolver pelo silêncio.

Por que motivo suscita o Presépio tanto enlevo e nos comove? Antes de mais nada, porque manifesta a ternura de Deus. Ele, o Criador do universo, abaixa-Se até à nossa pequenez. O dom da vida, sempre misterioso para nós, fascina-nos ainda mais ao vermos que Aquele que nasceu de Maria é a fonte e o sustento de toda a vida. Em Jesus, o Pai deu-nos um irmão, que vem procurar-nos quando estamos desorientados e perdemos o rumo, e um amigo fiel, que está sempre ao nosso lado; deu-nos o seu Filho, que nos perdoa e levanta do pecado.

Armar o Presépio em nossas casas ajuda-nos a reviver a história sucedida em Belém. Naturalmente os Evangelhos continuam a ser a fonte, que nos permite conhecer e meditar aquele Acontecimento; mas, a sua representação no Presépio ajuda a imaginar as várias cenas, estimula os afetos, convida a sentir-nos envolvidos na história da salvação, contemporâneos daquele evento que se torna vivo e atual nos mais variados contextos históricos e culturais.

De modo particular, desde a sua origem franciscana, o Presépio é um convite a «sentir», a «tocar» a pobreza que escolheu, para Si mesmo, o Filho de Deus na sua encarnação, tornando-se assim, implicitamente, um apelo para O seguirmos pelo caminho da humildade, da pobreza, do despojamento, que parte da manjedoura de Belém e leva até à Cruz, e um apelo ainda a encontrá-Lo e servi-Lo, com misericórdia, nos irmãos e irmãs mais necessitados (cf. Mt 25, 31-46).

4. Gostava agora de repassar os vários sinais do Presépio para apreendermos o significado que encerram. Em primeiro lugar, representamos o céu estrelado na escuridão e no silêncio da noite. Fazemo-lo não apenas para ser fiéis às narrações do Evangelho, mas também pelo significado que possui. Pensemos nas vezes sem conta que a noite envolve a nossa vida. Pois bem, mesmo em tais momentos, Deus não nos deixa sozinhos, mas faz-Se presente para dar resposta às questões decisivas sobre o sentido da nossa existência: Quem sou eu? Donde venho? Por que nasci neste tempo? Por que amo? Por que sofro? Por que hei de morrer? Foi para dar uma resposta a estas questões que Deus Se fez homem. A sua proximidade traz luz onde há escuridão, e ilumina a quantos atravessam as trevas do sofrimento (cf. Lc 1, 79).

Merecem também uma referência as paisagens que fazem parte do Presépio; muitas vezes aparecem representadas as ruínas de casas e palácios antigos que, nalguns casos, substituem a gruta de Belém tornando-se a habitação da Sagrada Família. Parece que estas ruínas se inspiram na Legenda Áurea, do dominicano Jacopo de Varazze (século XIII), onde se refere a crença pagã segundo a qual o templo da Paz, em Roma, iria desabar quando desse à luz uma Virgem. Aquelas ruínas são sinal visível sobretudo da humanidade decaída, de tudo aquilo que cai em ruína, que se corrompe e definha. Este cenário diz que Jesus é a novidade no meio dum mundo velho, e veio para curar e reconstruir, para reconduzir a nossa vida e o mundo ao seu esplendor originário.

5. Uma grande emoção se deveria apoderar de nós, ao colocarmos no Presépio as montanhas, os riachos, as ovelhas e os pastores! Pois assim lembramos, como preanunciaram os profetas, que toda a criação participa na festa da vinda do Messias. Os anjos e a estrela-cometa são o sinal de que também nós somos chamados a pôr-nos a caminho para ir até à gruta adorar o Senhor.

«Vamos a Belém ver o que aconteceu e que o Senhor nos deu a conhecer» (Lc 2, 15): assim falam os pastores, depois do anúncio que os anjos lhes fizeram. É um ensinamento muito belo, que

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nos é dado na simplicidade da descrição. Ao contrário de tanta gente ocupada a fazer muitas outras coisas, os pastores tornam-se as primeiras testemunhas do essencial, isto é, da salvação que nos é oferecida. São os mais humildes e os mais pobres que sabem acolher o acontecimento da Encarnação. A Deus, que vem ao nosso encontro no Menino Jesus, os pastores respondem, pondo-se a caminho rumo a Ele, para um encontro de amor e de grata admiração. É precisamente este encontro entre Deus e os seus filhos, graças a Jesus, que dá vida à nossa religião e constitui a sua beleza singular, que transparece de modo particular no Presépio.

6. Nos nossos Presépios, costumamos colocar muitas figuras simbólicas. Em primeiro lugar, as de mendigos e pessoas que não conhecem outra abundância a não ser a do coração. Também estas figuras estão próximas do Menino Jesus de pleno direito, sem que ninguém possa expulsá-las ou afastá-las dum berço de tal modo improvisado que os pobres, ao seu redor, não destoam absolutamente. Antes, os pobres são os privilegiados deste mistério e, muitas vezes, aqueles que melhor conseguem reconhecer a presença de Deus no meio de nós.

No Presépio, os pobres e os simples lembram-nos que Deus Se faz homem para aqueles que mais sentem a necessidade do seu amor e pedem a sua proximidade. Jesus, «manso e humilde de coração» (Mt 11, 29), nasceu pobre, levou uma vida simples, para nos ensinar a identificar e a viver do essencial. Do Presépio surge, clara, a mensagem de que não podemos deixar-nos iludir pela riqueza e por tantas propostas efémeras de felicidade. Como pano de fundo, aparece o palácio de Herodes, fechado, surdo ao jubiloso anúncio. Nascendo no Presépio, o próprio Deus dá início à única verdadeira revolução que dá esperança e dignidade aos deserdados, aos marginalizados: a revolução do amor, a revolução da ternura. Do Presépio, com meiga força, Jesus proclama o apelo à partilha com os últimos como estrada para um mundo mais humano e fraterno, onde ninguém seja excluído e marginalizado.

Muitas vezes, as crianças (mas os adultos também!) gostam de acrescentar, no Presépio, outras figuras que parecem não ter qualquer relação com as narrações do Evangelho. Contudo esta imaginação pretende expressar que, neste mundo novo inaugurado por Jesus, há espaço para tudo o que é humano e para toda a criatura. Do pastor ao ferreiro, do padeiro aos músicos, das mulheres com a bilha de água ao ombro às crianças que brincam… tudo isso representa a santidade do dia a dia, a alegria de realizar de modo extraordinário as coisas de todos os dias, quando Jesus partilha connosco a sua vida divina.

7. A pouco e pouco, o Presépio leva-nos à gruta, onde encontramos as figuras de Maria e de José. Maria é uma mãe que contempla o seu Menino e O mostra a quantos vêm visitá-Lo. A sua figura faz pensar no grande mistério que envolveu esta jovem, quando Deus bateu à porta do seu coração imaculado. Ao anúncio do anjo que Lhe pedia para Se tornar a mãe de Deus, Maria responde com obediência plena e total. As suas palavras – «eis a serva do Senhor, faça-se em Mim segundo a tua palavra» (Lc 1, 38) – são, para todos nós, o testemunho do modo como abandonar-se, na fé, à vontade de Deus. Com aquele «sim», Maria tornava-Se mãe do Filho de Deus, sem perder – antes, graças a Ele, consagrando – a sua virgindade. N'Ela, vemos a Mãe de Deus que não guarda o seu Filho só para Si mesma, mas pede a todos que obedeçam à palavra d'Ele e a ponham em prática (cf. Jo 2, 5).

Ao lado de Maria, em atitude de quem protege o Menino e sua mãe, está São José. Geralmente, é representado com o bordão na mão e, por vezes, também segurando um lampião. São José desempenha um papel muito importante na vida de Jesus e Maria. É o guardião que nunca se cansa de proteger a sua família. Quando Deus o avisar da ameaça de Herodes, não hesitará a pôr-se em viagem emigrando para o Egito (cf. Mt 2, 13-15). E depois, passado o perigo, reconduzirá a família para Nazaré, onde será o primeiro educador de Jesus, na sua infância e adolescência. José trazia no coração o grande mistério que envolvia Maria, sua esposa, e Jesus; homem justo que era, sempre se entregou à vontade de Deus e pô-la em prática.

8. O coração do Presépio começa a palpitar, quando colocamos lá, no Natal, a figura do Menino Jesus. Assim Se nos apresenta Deus, num menino, para fazer-Se acolher nos nossos braços. Naquela fraqueza e fragilidade, esconde o seu poder que tudo cria e transforma. Parece impossível, mas é assim: em Jesus, Deus foi criança e, nesta condição, quis revelar a grandeza do seu amor, que se manifesta num sorriso e nas suas mãos estendidas para quem quer que seja.

9

O nascimento duma criança suscita alegria e encanto, porque nos coloca perante o grande mistério da vida. Quando vemos brilhar os olhos dos jovens esposos diante do seu filho recém-nascido, compreendemos os sentimentos de Maria e José que, olhando o Menino Jesus, entreviam a presença de Deus na sua vida.

«De facto, a vida manifestou-se» (1 Jo 1, 2): assim o apóstolo João resume o mistério da Encarnação. O Presépio faz-nos ver, faz-nos tocar este acontecimento único e extraordinário que mudou o curso da história e a partir do qual também se contam os anos, antes e depois do nascimento de Cristo.

O modo de agir de Deus quase cria vertigens, pois parece impossível que Ele renuncie à sua glória para Se fazer homem como nós. Que surpresa ver Deus adotar os nossos próprios comportamentos: dorme, mama ao peito da mãe, chora e brinca, como todas as crianças. Como sempre, Deus gera perplexidade, é imprevisível, aparece continuamente fora dos nossos esquemas. Assim o Presépio, ao mesmo tempo que nos mostra Deus tal como entrou no mundo, desafia-nos a imaginar a nossa vida inserida na de Deus; convida a tornar-nos seus discípulos, se quisermos alcançar o sentido último da vida.

9. Quando se aproxima a festa da Epifania, colocam-se no Presépio as três figuras dos Reis Magos. Tendo observado a estrela, aqueles sábios e ricos senhores do Oriente puseram-se a caminho rumo a Belém para conhecer Jesus e oferecer-Lhe de presente ouro, incenso e mirra. Estes presentes têm também um significado alegórico: o ouro honra a realeza de Jesus; o incenso, a sua divindade; a mirra, a sua humanidade sagrada que experimentará a morte e a sepultura.

Ao fixarmos esta cena no Presépio, somos chamados a refletir sobre a responsabilidade que cada cristão tem de ser evangelizador. Cada um de nós torna-se portador da Boa-Nova para as pessoas que encontra, testemunhando a alegria de ter conhecido Jesus e o seu amor; e fá-lo com ações concretas de misericórdia.

Os Magos ensinam que se pode partir de muito longe para chegar a Cristo: são homens ricos, estrangeiros sábios, sedentos de infinito, que saem para uma viagem longa e perigosa e que os leva até Belém (cf. Mt 2, 1-12). À vista do Menino Rei, invade-os uma grande alegria. Não se deixam escandalizar pela pobreza do ambiente; não hesitam em pôr-se de joelhos e adorá-Lo. Diante d'Ele compreendem que Deus, tal como regula com soberana sabedoria o curso dos astros, assim também guia o curso da história, derrubando os poderosos e exaltando os humildes. E de certeza, quando regressaram ao seu país, falaram deste encontro surpreendente com o Messias, inaugurando a viagem do Evangelho entre os gentios.

10. Diante do Presépio, a mente corre de bom grado aos tempos em que se era criança e se esperava, com impaciência, o tempo para começar a construí-lo. Estas recordações induzem-nos a tomar consciência sempre de novo do grande dom que nos foi feito, transmitindo-nos a fé; e ao mesmo tempo, fazem-nos sentir o dever e a alegria de comunicar a mesma experiência aos filhos e netos. Não é importante a forma como se arma o Presépio; pode ser sempre igual ou modificá-la cada ano. O que conta, é que fale à nossa vida. Por todo o lado e na forma que for, o Presépio narra o amor de Deus, o Deus que Se fez menino para nos dizer quão próximo está de cada ser humano, independentemente da condição em que este se encontre.

Queridos irmãos e irmãs, o Presépio faz parte do suave e exigente processo de transmissão da fé. A partir da infância e, depois, em cada idade da vida, educa-nos para contemplar Jesus, sentir o amor de Deus por nós, sentir e acreditar que Deus está connosco e nós estamos com Ele, todos filhos e irmãos graças àquele Menino Filho de Deus e da Virgem Maria. E educa para sentir que nisto está a felicidade. Na escola de São Francisco, abramos o coração a esta graça simples, deixemos que do encanto nasça uma prece humilde: o nosso «obrigado» a Deus, que tudo quis partilhar connosco para nunca nos deixar sozinhos.

Dado em Gréccio, no Santuário do Presépio, a 1 de dezembro de 2019, sétimo do meu pontificado.

Franciscus

[1] Santo Agostinho, Sermão 189, 4.

[2] Tomás de Celano, Vita Prima, 85: Fontes Franciscanas, 468.

[3] Cf. ibid., 85: o. c., 469.

[4] Ibid., 86: o. c., 470.