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COLÓIDE: UMA EXPERIÊNCIA DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E DE INTEGRAÇÃO
SOCIEDADE/NATUREZA
Profa. Dra. Maria Cristina Perusi, UNESP/Campus Experimental de Ourinhos-SP, [email protected]; Helena de Mello Canato, UNESP/Campus Experimental de Ourinhos, [email protected]; Edmilson Fernando Mioto, UNESP/Campus Experimental de Ourinhos-SP, [email protected] Resumo: O processo de produção do conhecimento geográfico, em especial na área de geografia física, comumente depara-se com conceitos e conteúdos que requerem, além da fundamentação teórica, materiais didáticos como recursos facilitadores do processo ensino-aprendizagem. Inserido nesse contexto, no ano de 2007, institucionalizou-se o Projeto de Extensão Universitária COLÓIDE: EDUCAÇÃO AMBIENTAL TENDO COMO EIXO PRINCIPAL O RECURSO NATURAL SOLO, alusão feita às partículas coloidais do solo (partículas com dimensões inferiores a 0,002 mm) e que, embora sejam de tamanho ínfimo, são as responsáveis pelas trocas químicas do solo. O paralelismo é feito no sentido de valorizar as iniciativas que visam trabalhar a educação como a alternativa mais viável para minimizar as desigualdades e propiciar a inclusão social. Este trabalho tem sido desenvolvido junto ao Laboratório de Geologia, Geomorfologia e Pedologia do Campus Experimental de Ourinhos, com o auxílio da PROEX. O objetivo deste trabalho é manter um espaço de diálogo permanente entre a academia e a comunidade. Para tanto, foi necessário a elaboração de materiais didáticos que subsidiam discussões pertinentes à problemática ambiental, em especial, quadros de degradação do recurso natural solo. O laboratório mantém um completo acervo de minerais e rochas; perfis de solo reconstituídos em materiais recicláveis (caixa de leite, garrafas Pett, etc.) resultantes da intemperização de diferentes tipos de rocha; maquetes com áreas degradadas (erosão urbana e rural); materiais específicos para deficientes visuais, dentre outros. No laboratório são atendidos alunos, predominantemente da rede pública de ensino, cursos técnicos e grupos organizados como deficientes físicos, etc. As visitas são possíveis mediante agendamento prévio, e são devidamente monitoradas por estagiários do Curso de Geografia. Durante os dois anos e meio do projeto, foram atendidas mais de 800 pessoas. Na oportunidade, há um esforço no sentido de promover debates integrando conteúdos sócioambientais, buscando romper com a dicotomia sociedade/natureza. Palavras-chave: solos, educação ambiental, extensão universitária Abstract: The process of production of geographical knowledge, especially in the physical geography, usually face concepts and content that require not only theoretical basis, but also teaching materials that facilitate for the teaching-learning process. Introduced in this context, in 2007, the Project of University Extension was institutionalized COLLOID: ENVIRONMENTAL EDUCATION EMPHASIZING THE NATURAL RESOURCE SOIL, it was made reference to the soil colloidal particles (particles with dimensions less than 0,002 mm) and although they are small in size, are responsible for soil chemical change. The parallelism is done in the sense to value the initiatives that work on education as an easy alternative to reduce social inequalities and provide social inclusion. This work has been developed in the Geology Laboratory, Geomorphology and Pedology of the Experimental Campus in Ourinhos, supported by PROEX. The goal is to keep a dialogue between the academy and the community. Thus, it was necessary to develop teaching materials that subsidize discussions to the environmental issue, especially cases of natural resource degradation of soil, a natural resource. The laboratory keeps a complete collection of minerals and rocks; types of soil that were reconstituted into recyclables materials, such as (milk box, pet bottle, etc.) resulting from the weathering from different types of rock; mock ups with degraded areas (urban and rural erosion); specific materials for visually handicapped people, among others. In the laboratory students are attended, predominantly from the public school system, technical courses and organized groups like the disabled people, etc. Visits are possible with a previous booking, and they are properly monitored by the trainees from the Geography Course. During the two and a half years developing a project, more than 800 people were attended. On occasion, there is an effort to promote discussion integrating socioenvironmental contents, seek for breaking the dichotomy between society/nature. Keywords: soils, environmental education, university extension
INTRODUÇÃO
Na escala evolutiva da produção do conhecimento geográfico, comumente depara-se com
publicações que notadamente fazem uma leitura compartimentada da problemática ambiental. Nesse
sentido, Muggler et al. (2006) argumentam que, de maneira geral, a sociedade não percebe que o meio
ambiente é resultado do funcionamento integrado de vários componentes: solo, água, vegetação,
organização social, cultura, etc. A intervenção sobre qualquer um deles, afetará o todo. Nessas
condições, os elementos que constituem o meio ambiente estão dispostos na paisagem de forma
holística, simbiótica e, por si só, não permitem reflexões/conclusões estanques, desarticuladas,
dicotomizadas.
Seguindo essa linha de raciocínio, destaca-se o recurso natural solo que, apesar de ser um
componente do meio ambiente, responsável por desempenhar funções essenciais à manutenção da
vida sobre a Terra, é assunto pouco expressivo junto às comunidades escolares, assim como pela
comunidade de maneira geral (CIRINO et al., 2008). Inserido nesse contexto, no ano de 2007,
institucionalizou-se o Projeto de Extensão Universitária COLÓIDE: EDUCAÇÃO AMBIENTAL
TENDO COMO EIXO PRINCIPAL O RECURSO NATURAL SOLO, alusão feita às partículas
coloidais do solo (partículas com dimensões inferiores a 0,002 mm) e que, embora sejam de tamanho
ínfimo, são as responsáveis pelas trocas químicas do solo. O paralelismo é feito no sentido de
valorizar as iniciativas que visam trabalhar a educação como a alternativa mais viável para minimizar
as desigualdades sociais e propiciar a inclusão social.
Este trabalho tem sido desenvolvido junto ao Laboratório de Geologia, Geomorfologia e
Pedologia do Campus Experimental de Ourinhos. O objetivo é manter um espaço de diálogo
permanente entre a academia e a comunidade. Para tanto, foi necessária a elaboração de materiais
didáticos que subsidiam discussões pertinentes à problemática ambiental, em especial, do recurso
natural solo.
Para trabalhar com gênese, desenvolvimento, classificação de solos e as alterações que a ação
antrópica promove, convém ao profissional de ensino fazer uso de recursos didáticos que ajudem a
ilustrar tais conteúdos, nem sempre fáceis de serem apreendidos teoricamente. No que diz respeito à
pedologia, uma das alternativas são os macropedolitos, “retirados de trincheiras ou barrancos, com
perfis de solo em tamanhos normais, tomando-se o cuidado de manter as características físicas naturais
do solo” (TAJIMA; KADOZAWA, 2001, p. 3). Na impossibilidade de se realizar trabalhos de campo,
esses materiais tornam-se recursos facilitadores para o desenvolvimento do conteúdo de pedologia e,
conseqüentemente, para o melhor desempenho das atividades em sala de aula. Além disso, a
elaboração dos perfis permite reproduzir em laboratório a realidade observada na natureza,
possibilitando que se façam inferências no que diz respeito às alterações antrópicas no meio ambiente
como, no caso, a formação dos antropossolos.
O PROJETO COLÓIDE está munido de dois macropedolitos: antropossolo e gleissolo, ambos
retirados do córrego das Furnas, município de Ourinhos/SP (Figura 1), em área de ocupação urbana
(perfil 1) e em área relativamente conservada (perfil 2), respectivamente. De acordo com a EMBRAPA
(2006), os Gleissolos compreendem solos hidromórficos, constituídos por minerais, que apresentam
horizonte glei dentro de 150 cm da superfície do solo. Comumente desenvolvem-se nas proximidades
dos cursos d’água, sendo assim, igualmente associado às áreas de preservação permanente.
Figura 1: Localização dos pontos de coleta dos perfis
• Perfil 1. Antropossolo • Perfil 2. Gleissolo Fonte: Google Earth (2008) Organização: Bergamaschi (2008)
O perfil de antropossolo foi retirado numa área onde deveria ser de domínio dos gleissolos.
Como se explica então a presença de artefatos notadamente oriundos da dinâmica da sociedade
inserido num contexto “natural”? Essa pergunta norteia uma série de discussões acerca da dinâmica da
sociedade manifestada, incorporada à dinâmica da natureza, representada pelos antropossolos:
Compreende volume formado por várias ou uma camada antrópica desde que possua 40 cm ou mais de espessura, constituído por material orgânico e/ou inorgânico, em diferentes proporções, formado exclusivamente por intervenção humana, sobrejacente a qualquer horizonte pedogenético, ou saprolitos de rocha, ou rocha não intemperizada. Constituem volumes com morfologia muito variável em razão da natureza dos seus materiais constitutivos, técnicas de composição e tempo de formação (CURCIO et al., 2004, p. 21).
As amostras do antropossolo foram submetidas a análises físicas e caracterização dos materiais
encontrados. Esses resultados acompanham os macropedolitos para fundamentar as alterações que a
ação antrópica promove no meio e as conseqüências negativas dessa intervenção. Sendo assim, o
trabalho de extensão encontra-se embasado na pesquisa científica.
Além disso, o laboratório mantém um completo acervo de minerais e rochas; perfis de solo
resultantes da intemperização de diferentes tipos de rocha reconstituídos em materiais recicláveis
(caixa de leite, garrafas Pett, etc.), como se pode observar na Figura 2, e maquetes com áreas
degradadas (erosão urbana e rural). Recentemente foi criado o espaço “pegar pra ver”, com materiais
específicos para deficientes visuais: latinhas com sedimentos com texturas diferentes que promovem
ruídos mais ou menos abrasivos (Figura 3).
Figura 2. Perfis de solos reconstituídos em caixas de leite e frascos plásticos
Figura 3. Espaço do “pegar pra ver”, destinado aos deficientes visuais
No laboratório são atendidos alunos, predominantemente da rede pública de ensino, cursos
técnicos e grupos organizados como deficientes físicos, etc. As visitas são possíveis mediante
agendamento prévio, e são devidamente monitoradas por estagiários do Curso de Geografia. Essas
visitas têm duração média de 50 minutos, dependendo da atividade desenvolvida.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para atingir aos objetivos propostos, adotaram-se os seguintes procedimentos metodológicos:
Macropedolitos: metodologia de campo e laboratorial
A metodologia utilizada para a elaboração dos perfis foi preconizada por Kiehl (1979) com
algumas modificações: raspagem de 40 cm do perfil; escavação das laterais do perfil até que o mesmo
sobressaia em alto relevo; encaixe do molde de madeira revestido com cola branca (100 cm de
comprimento por 15 de largura e 3 cm de espessura), para receber definitivamente o macropedolito;
acabamento final no laboratório.
As amostras do antropossolo foram obtidas em um perfil de 100 cm em um barranco no
Córrego das Furnas, município de Ourinhos/SP, mais especificamente a 50 m do Conjunto
habitacional Orlando Quagliato (Figura 1). Foram retiradas aproximadamente 300 g de material para
análise física a cada 20 cm de profundidade, identificadas como camada 1 a 5 a contar a partir da
superfície (camada 1) até o limite de 100 cm (camada 5). A raspagem do perfil para obtenção da
amostra homogênia para caracterização do material tecnogênico, resultou num volume de
aproximadamente 4.000 g de amostra. O Gleissolo foi retirado igualmente ao longo do referido
córrego também com 100 cm de profundidade (horizontes A e Bg).
Análises físicas
As análises físicas foram feitas de acordo com a EMBRAPA (1997) no Laboratório de
Geologia, Geomorfologia Pedologia da UNESP/Campus Experimental de Ourinhos.
• Análise textural da TFSA: método da pipeta, expresso em g.kg-1. Classe textural determinada
pelo Diagrama de repartição de classes texturais para classificação granulométrica do material
constitutivo das camadas do perfil (LEMOS; SANTOS, 1984 citados por OLIVEIRA et al.,
1992);
• Densidade da partícula: método do balão volumétrico, expresso em kg.dm-3;
• Densidade do solo: método do anel volumétrico, expresso em kg.dm-3;
• Porosidade total do solo (VTP): método indireto = 100 X (DP – DS) / DP. Onde: DP=
Densidade da partícula; DS = Densidade do solo. Resultado dado em porcentagem;
• Seleção por tamisamento dos artefatos encontrados no perfil 1. Partindo de uma quantidade de
3.658,78 g como referência, tamisou-se e agrupou-se os artefatos encontrados na amostra
composta para análise quantitativa e qualitativa do material. Resultado dado em porcentagem.
Classificação dos minerais e rochas: os minerais e rochas foram classificados de acordo com
as características físicas e mineralógicas.
Elaboração das maquetes: as maquetes, ilustrando áreas de degradação como ravinas e
voçorocas foram elaboradas com solo da região de Ourinhos (latossolos) além de materiais recicláveis:
latinhas, partes de garrafas Pett, espuma, jornal, etc. O uso dos recicláveis servem como rema gerador
das discussões acerca do destino dos resíduos sólidos urbanos, aterros sanitários versus lixões, etc.
“Pegar pra ver”: sobre a bancada, estão dispostas rochas com texturas e cores variadas:
magmáticas, sedimentares e metamórficas; diferentes tipos de solo; latinhas contendo sedimentos
arenosos e argilosos, resultando na produção de ruídos que indicam o tipo de textura predominante,
etc.
Visitas: as visitas, com duração aproximada de quarenta minutos, são possíveis mediante
agendamento prévio, por telefone ou e-mail, e são devidamente monitoradas por estagiários do Curso
de Geografia. Durante a visita, há um esforço no sentido de promover debates integrando conteúdos
sócioambientais, buscando romper com a dicotomia sociedade/natureza.
No presente momento está sendo feita uma extensa revisão de literatura sobre “ensino de solos”
e “educação ambiental e deficiência física”. A próxima etapa do trabalho é a organização do curso de
capacitação de professores da rede pública de ensino, cujo objetivo é o de instrumentalizá-los e
orientá-los para montar seus próprios laboratórios didáticos. Essas atividades deverão ir ao encontro
com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), uma vez que os conteúdos ambientais devem ser
considerados em todas as disciplinas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Análises físicas do antropossolo
Nas Tabelas 1 e 2 estão dispostos os dados das análises físicas do perfil de antropossolo. Foram
analisadas as seguintes propriedades: textura, densidade do solo, densidade da partícula e porosidade.
Além disso, trabalhou-se com raspagem do perfil e obtenção de uma amostra composta para
quantificação e qualificação dos materiais tecnogênicos.
Como se pode observar na Tabela 1, a análise textural mostra que há o predomínio da textura
média em todas as camadas do perfil 1. Além disso, o resultado do fracionamento de areia permite
afirmar que em todas as amostras predominam frações de areia entre 0,500 e 0,125 mm, ou seja,
textura média e fina. De acordo com o Glossário Geológico Ilustrado (2008) o basalto, material
parental do município de Ourinhos, possui textura afanítica, ou seja, os componentes minerais são tão
pequenos que não podem ser reconhecidos macroscopicamente. Sendo assim, pode-se inferir que o
predomínio das texturas mais grosseiras do que a do material de origem deve ser oriundos dos
materiais utilizados nas construções das casas do Conjunto Habitacional Orlando Quagliato. Além
disso, a porcentagem considerável de areia muito grossa, que varia de 4,00 a 11,9 g/kg-1, o que não é
esperado quando o material de origem apresenta características de textura fina a muito fina, também
reforçam a afirmação de que se trata de sedimentos alheios ao processo pedogenético original.
Tabela 1. Resultado da análise textural do antropossolo (perfil 1)
Fracionamento da areia*
Camadas Profundidade Areia Argila Silte MG G M F MF
cm g.kg-1 g.kg-1
1 0 -20 717 216 67 6,2 63,5 438,7 390,1 101,5
2 20 - 40 629 298 73 4,0 59,8 412,2 390,4 133,6
3 40 - 60 719 222 59 11,9 93,0 448,4 342,9 103,8
4 60 - 80 641 276 83 8,9 63,6 414,3 379,2 134,0
5 80 – 100+ 713 206 81 7,8 89,0 482,3 325,6 95,3
MG: areia muito grossa; G: areia grossa; M: areia média; F: areia fina; MF: areia muito fina
A maior quantidade de argila foi encontrada na camada 2 (298 g/kg-1) e a menor quantidade se
deu na camada 5 (206 g/kg-1). Notoriamente se percebe um maior acúmulo de restos de materiais de
construção como tijolos, areia e telhas (materiais úrbicos) justamente na última camada, a uma
profundidade de 100 cm. Nessas condições, pode-se inferir que esse seria o estágio inicial de
implantação do Conjunto Habitacional Orlando Quagliato no ano de 1998. Na medida em que se
aproxima da superfície, os materiais passam a apresentar características típicas de ocupação da
sociedade, ou seja, resíduos sólidos urbanos (materiais gárbicos) como sacolas plásticas, vidros,
latinhas, etc. (Figura 4).
Figura 4. Macropedolito do antropossolo
Os maiores valores da densidade do solo, dispostos na Tabela 2, foram encontrados nas
camadas 1 e 2. Pode-se atribuir a maior densidade nas primeiras camadas à falta de uma cobertura
vegetal mais densa, que certamente contribuiria para valores de densidade mais baixos. Além disso, o
pisoteio de animais e a passagem de pedestres podem ser fatores agravantes. Quanto à camada 5, a
densidade de 1,45 kg.dm-3 pode ser atribuída ao peso das camadas sobrejacentes uma vez que não
apresenta correlação positiva com a classe textural. As camadas compactadas comprometem a
circulação de ar e a percolação da água. Sendo assim, parte do perfil amostrado encontra-se em
condições de média caminhando para alta compactação.
Tabela 2. Resultado da determinação da densidade do solo, da partícula e da porosidade do antropossolo (perfil 1)
Camadas Profundidade Densidade do solo
Densidade da partícula
VTP*
cm Kg.dm-3 % 1 0 -20 1,45 2,74 47 2 20 - 40 1,32 2,82 53 3 40 - 60 1,28 2,78 54 4 60 - 80 1,19 2,63 55 5 80 – 100+ 1,45 2,70 46
* Volume Total de Poros
Cumpre esclarecer que foram encontrados materiais bastante heterogêneos ao longo do perfil.
Observa-se a presença pedaços de tijolos e plásticos no interior dos anéis volumétricos, que podem ter
“comprometido” os resultados. Ainda assim, os procedimentos metodológicos foram empregados com
fidelidade.
Nos solos tropicais, segundo a bibliografia consultada, são esperadas densidades da partícula
em torno de 2,65 kg.dm-3 que é a densidade do quartzo e do feldspato, minerais mais comuns e
abundantes na superfície terrestre. Ainda assim, os dados analíticos apresentam valores que variam
entre 2,63 a 2,82 kg.dm-3 (Tabela 2). Esta variação pode ser atribuída a diversidade de materiais
encontrados ao logo do perfil e incorporados ao sistema solo.
A porosidade está intrinsecamente ligada à textura e densidade do solo. Vale ressaltar que
quanto maior a densidade do solo menor a porosidade. Como se pode observar nos resultados das
camadas 1 e 5 apresentadas na Tabela 2, onde os valores de porosidade e densidade do solo
apresentam os menores e maiores valores, respectivamente: 47; 46 % e 1,45; 1,45 kg.dm-3,
confirmando a afirmação acima. Além disso, como as amostras enquadram-se na classe textural média,
é esperado para essa condição, valores de porosidade em torno de 35 a 50 % (KIEHL, 1979),
compatível com os resultados obtidos. Solos compactados podem proporcionar a formação de focos
erosivos, notadamente ravinas, uma vez que a menor porosidade dificulta a percolação da água pluvial,
provocando o escoamento superficial que é intensificado pela falta de mata ripária no entorno do
córrego.
Com relação à amostra composta, utilizando o martelo pedológico, foi feita uma raspagem no
perfil desde a superfície até a profundidade de 100 cm, com aproximadamente 15 cm de largura por 15
cm de espessura. O resultado foi um volume total de 3.658,79 g de amostra de sedimentos somados
aos materiais tecnogênicos incorporados ao perfil. Do volume coletado, 19,55 % configuram-se como
oriundos do processo de transporte e deposição de restos de materiais de construção, resíduos sólidos
urbanos, dentre outros, como se pode observar na Tabela 3 e Figura 5.
Tabela 3. Análise quantitativa e qualitativa dos materiais identificados no antropossolo
Antropossolo Materiais úrbicos (tijolos, telhas, brita,
cano de PVC, concreto, azulejo, etc.)
Materiais gárbicos (embalagens, sacolas, canudo, lixo orgânico,
vidro, etc.)
Outros
%
Amostra composta 82,17 15,14 2,69
Figura 5. Materiais encontrados no perfil de antropossolo. Da esquerda para a direita: vidros; plástico, papel; tijolos, telhas; diversos.
Como se pode observar na Tabela 3, há o predomínio de materiais úrbicos (restos de materiais
de construção). Essa informação já era esperada uma vez que o Conjunto Habitacional Orlando
Quagliato é constituído por mais de quinhentas casas de alvenaria. Como o perfil foi retirado na baixa
vertente, a própria lei da gravidade se responsabiliza por transportar e depositar os restos de materiais
de construção na planície aluvial, alterando sobremaneira a paisagem original. Resgatando a
informação de que o bairro tem aproximadamente 10 anos, ao longo desse tempo, esses materiais vão
sendo incorporados ao sistema solo, alterando as propriedades físicas e químicas.
Análises físicas do gleissolo
Nas Tabelas 4 e 5 estão dispostos os dados das análises físicas do gleissolo. Como se pode
observar na Tabela 4, as amostras apresentaram textura média nos dois horizontes. Com o
fracionamento de areia mostrou-se predominante a areia fina e muito fina, que variou de 232,3 a 471,5
g.Kg-1 e muito fina: de 334,9 a 393,7 g.Kg-1 o que era esperado por conta das características do
material parental. A maior quantidade de argila foi observada no horizonte A, 442 g.kg-1 e a maior
quantidade de silte foi encontrada no horizonte Bg, 480 g.kg-1. Cumpre esclarecer que, embora a área
de retirada do perfil seja de mata ciliar, a mesma se encontra bastante degradada e sofre a deposição de
sedimentos resultantes de erosão laminar e ravinas a montante do local da amostragem.
Tabela 4. Resultado da análise textural do perfil de gleissolo
Fracionamento da areia*
Horizontes Profundidade Areia Argila Silte MG G M F MF
g.kg-1 g.kg-1
A 0-80 cm 231 442 327 4,1 32,4 157,1 471,5 334,9
Bg 80-100+ cm 216 304 480 54,8 155,8 163,5 232,3 393,7
MG: areia muito grossa; G: areia grossa; M: areia média; F: areia fina; MF: areia muito fina
O maior valor apresentado da densidade do solo (Tabela 5) foi a do horizonte Bg, 1,31 kg.dm-3.
Esse valor pode ser atribuído ao peso dos horizontes e/ou camadas sobrejacentes. Apesar dessa
afirmação, o referido horizonte encontra-se em condições físicas satisfatórias. O horizonte A
apresentou a densidade 0,52 Kg.dm-3, muito abaixo do esperado para um solo mineral. De qualquer
forma, foram feitas duas repetições que comprovaram o resultado.
Tabela 5. Resultado da determinação da densidade do solo, da partícula e da porosidade
Horizontes Densidade do solo Densidade da partícula VTP* kg.dm-3 %
A 0,52 2,63 80 Bg 1,31 1,87 30
* Volume Total de Poros
Os valores da densidade da partícula apresentaram-se da seguinte forma: horizonte A: 2,63
kg.dm-3, compatível com o valor médio das densidades de partícula dos solos tropicais. O horizonte
Bg, com densidade de 1,87 kg.dm-3, apresenta resultado fora dos limites esperados.
O volume total de poros tem relação direta com a textura, com a densidade do solo e,
conseqüentemente com a compactação. Quanto maior a compactação, menor a porosidade, maior
comprometimento da circulação do ar e percolação da água. O VTP do horizonte A foi de 80 %.
Sendo assim, esse horizonte encontra-se em ótimas condições físicas. Por outro lado, caso ocorra
algum incidente, a maior porosidade e a proximidade com o córrego, certamente acarretaria em
contaminação/poluição das águas superficiais e/ou subterrâneas. O horizonte Bg apresenta uma
porosidade de 30 %, podendo ser atribuído a maior densidade do solo, 1,31 kg.dm-3.
Nessas condições, identifica-se consideráveis diferenças físicas entre os perfis amostrados,
diferenças essas que se manifestam no plano do visível, o que configura os macropedolitos como
material didático com grande potencial para se explorar.
Cumpre esclarecer que esta etapa do trabalho, elaboração dos macropedolitos, foi financiada
pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), mediante bolsa de iniciação
científica do discente do curso de Geografia da UNESP/Campus Experimental de Ourinhos, Ernesto
Vendramini Bergamaschi, Processo no. 07/06954-5.
Projeto colóide em ação
Durante o período de vigência do projeto, 2007-2009, foram atendidas aproximadamente
oitocentas pessoas de todas as faixas etárias. Os grupos predominantes são alunos da rede pública de
ensino e cursos técnicos (ETE). Durante a visita, há um esforço no sentido de promover debates
integrando conteúdos sócioambientais, buscando romper com a dicotomia sociedade/natureza. Além
disso, é possível contato direto com os materiais e amostras de rochas e solos, de forma a propiciar a
devida interação sujeito/objeto. Um das atividades é a reconstituição de perfis de solo no papel (Figura
6). Esse procedimento faz com que, a partir da variação de cores, textura, estrutura, o aluno passe a
entender melhor a organização e disposição das camadas e dos horizontes do solo, interagindo com
ele.
Figura 6. Alunos da rede pública de ensino reconstituindo perfis de solo no papel
Nesse momento, os questionamentos se intensificam e essa é a oportunidade para resgatar o
conhecimento prévio e interdisciplinar, num processo contínuo de produção do conhecimento
geográfico: nem físico nem humano, geográfico.
CONCLUSÕES
A experiência com o PROJETO COLÓIDE, apesar do pouco tempo de atividade, foi suficiente
para comprovar a viabilidade e, acima de tudo, a necessidade de se inserir esse assunto como eixo
norteador para reflexões acerca da problemática ambiental como um todo. Nessa condição, o solo
passa a ser a base para discussões no que diz respeito à retirada da cobertura vegetal, monocultura
como modelo agroeconômico atual, assoreamento e contaminação dos rios, êxodo rural, etc.
Para a viabilização desses trabalhos, os materiais didáticos, em especial aqueles produzidos
com materiais alternativos e familiares para os alunos e pelos alunos, são importantes ferramentas que
facilitam sobremaneira a relação ensino/aprendizagem.
Constatada e confirmada o lugar de relevância que o recurso natural solo ocupa para o ensino
de geografia e áreas afins, cumpre instrumentalizar os professores, em especial da rede pública de
ensino, para que se tornem os principais agentes disseminadores da necessidade de se trabalhar os
elementos do meio ambiente de forma integrada.
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