Classe e Nação
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Gustavo Rubio Claret Pereira – Nº USP: 7197862.
Classe e Nação: trabalhadores e socialistas italianos em São
Paulo, 1890-1920.
Todas as classes operárias nacionais tendem a ser
heterogêneas e com identificações múltiplas.
E. J. Hobsbawm.
Dado que a literatura clássica sobre os movimentos operários – principalmente
no segmento do operariado imigrante – decorre de certos pressupostos como a
homogeneização das correntes políticas envolventes no processo de organização e
sindicalização nos inícios do século XX, o autor Luigi Biondi1 (2011) passa, portanto, a
considerar certos fatores relevantes que demonstram uma ampla agenda de organizações
sociais existentes e paralelas durante a formação dos movimentos de classe e dos
movimentos de identidades respectivos.
Como aponta o historiador, tornou-se lugar comum considerar toda e qualquer
associação ou movimento político do operariado imigrante como de corrente anarquista,
ainda que os mesmos autores responsáveis por tais argumentos considerem uma série de
ressalvas que depreendam o contrário. Por início, o autor relembra alguns fatos
anteriores e imprescindíveis para desconsiderar esta restrição do movimento político.
Como quando Benito Mussolini, ainda jovem revolucionário socialista italiano, foi
convidado por Paolo Mazzoldi, conhecido diretor da imprensa imigrante em São Paulo,
a publicar um artigo socialista na revista La Vita. Esta e tantas outras publicações
1 BIONDI, Luigi. Classe e Nação: trabalhadores e socialistas italianos em São Paulo, 1890-1920.
Campinas, SP: Editora Unicamp, 2011.
aprofundadas no estudo de Angelo Trento2 são elencadas por Biondi como indícios,
manifestações da tamanha “consideração dos socialistas à tarefa de organizar os
operários e artesãos conterrâneos em São Paulo ao ponto de convidar um expoente do
Partido Socialista Italiano” (BIONDI, 2011; p.25).
Por outro lado, para além da preocupação apenas ideológica das correntes
políticas na Itália, surgiram inúmeras instituições que previam a organização do
operariado italiano emigrado, muitos dos quais em paralelo com organizações já
estabelecidas, como as sociedades de socorro mútuo, associações, grupos políticos
anarquistas, grupos republicanos e grupos socialistas. Constituindo espaços de plena
organização política, de classe e de identidade, essas instituições se sobrepunham e
disputavam os argumentos ideológicos e a organização dos movimentos de operariados,
e agregavam valores regionais que também faziam parte do repertório nacionalista
italiano.
Tendo visto o descompasso das análises em diferenciar a segmentação dos
processos de organização política dos imigrantes, principalmente da maior parcela
deles, que corresponde aos emigrantes italianos. A proposta do autor pretende ser uma
investigação sobre essa série de características específicas nos termos da organização de
ações coletivas e cultura política do operariado italiano em São Paulo. Sobretudo
durante o período em que o centro urbano mais recebeu imigrantes, compreendido entre
1890 e 1920. Também nota-se que a gama de ocupações e o “currículo” dos emigrados
ao Brasil variava desde antigos artesãos e burgueses decadentes a socialistas foragidos
do território italiano. Estes últimos, como perseguidos políticos da polícia italiana, que
buscavam refúgio no país e esperavam o tempo suficiente para voltar ao seu país.
Esse apanhado de emigrantes mostra a heterogeneidade da massa de pessoas que
vieram e se dispersaram, tanto para as regiões rurais quanto para os centros urbanos
brasileiros. Outra faceta difusa das ocupações que tiveram ao chegar ao território
brasileiro, além dos muitos designados para alimentar o trabalho nas lavouras de café,
uma boa parcela de italianos com ofícios ou com o intuito de se instalarem nos centros
urbanos veio a compor expressivamente e até renovar o operariado já existente. Como
2 TRENTO, Angelo. No outro lado do Atlântico: um século de imigração italiana no Brasil. São Paulo:
Nobel/ Intituto Italiano di Cultura di San Paolo, 1988.
ocorreram em São Paulo, em que as ocupações trabalhistas eram direcionadas para a
construção, pequenas oficinas e estabelecimento fabris.
Segundo a estimativa apresentada pelos estudos de Trento3, havia uma alta taxa
de imigrantes italianos, a grande maioria só no Estado de São Paulo, contabilizados em
até 600 mil pessoas, representavam entre 1906 e 1911, cerca de 25% da população na
época. O que já é comprovado por muitos historiadores sobre a influência dos
movimentos de imigrantes nos espaços de trabalho e na vida social do operariado de
maneira gradativa. Autores como Franzina, Trento, Hecker e Pansardi, são
responsáveis, segundo Luigi Biondi, pela rica historiografia da população imigrante no
país que leva em consideração as nuances e diferenças de cada movimento político
dentro dar organizações políticas.
Diferentemente das análises sumárias que subsumiam os imigrantes chegados
como respectivos operários, as análises desses autores passaram a preencher detalhes
importantes para romper com a ideia equivocada que define o imigrante como operário
pura e simplesmente.
Por exemplo, Trento e Franzina4 passaram a considerar em suas análises a
importância das instituições mutualistas, as associações e sociedades de socorro mútuos
tão importantes para a entrada e saída dos conteúdos ideológicos, fundamentais para
compreender a ação da militância socialista da Itália para o Brasil. Tal é a importância
desta instituição para Biondi que não apenas considera o seu papel engendrador do
movimento sindical, mas como responsável por até mesmo incorporar expressões
particulares ao associativismo os trabalhadores emigrados.
Tendo em vista que o objeto de estudo seja a maneira e o processo de associação
e organização política desses grupos, o autor procurou elementos significativos e
concomitantes que permitiram a construção de grupos políticos e sindicatos de operários
e artesãos italianos na região de São Paulo, durante as grandes emigrações de 1890 e
1920. E, não por acaso, a partir das instituições de socorro mútuo e de associações que
valorizavam a cultura italiana, pode-se ver a orquestração coordenada entre essas
agremiações e sociedades e o Partido Socialista Italiano, que permanecia mobilizado
3 TRENTO, Angelo. No outro lado do Atlântico: um século de imigração italiana no Brasil. São Paulo:
Nobel/ Intituto Italiano di Cultura di San Paolo, 1988 4 FRANZINA, Emilio. (2006), A grande emigração: o êxodo dos italianos do Vêneto para o Brasil.
Campinas, Unicamp.
com o intuito de organizar as massas trabalhadoras italianas tanto dentro quanto fora da
Itália.
Assim postos a existência e relevância destas instituições, cabe investigar a
fundo o teor dessa inter-relação entre sindicatos e grupos políticos de diferentes
tendências e as sociedades italianas de socorro mútuo5. Como, por exemplo, as
associações de apoio mútuo acabaram por agregar maior robustez aos movimentos
operários, principalmente pela promoção de atividades que acabavam sendo realizadas
nos espaços de trabalho, até mesmo quando estas sociedades acabaram se tornando por
si próprias outras agremiações ou sindicatos próprios.
Uma vez traçadas essas correspondências e desdobramentos, o autor afirma que
em certos casos algumas associações de ajuda mútua se transformaram em sindicatos de
maneira ainda difusa, dado que o movimento político que compunham essas instituições
estavam repletos de ideias heterogêneas como as dos socialistas e republicanos, que
compartilhavam a prática do mutualismo, mas não correspondiam ao mesmo grupo
político nos quais estavam inseridos.
Se tratando do movimento socialista italiano, o autor utilizou de materiais
produzidos na Itália que demonstram a grande agilidade dos militantes para com a
massa emigrada, principalmente pelos espaços para propaganda, iniciativas culturais e
de lazer – muitas vezes paralelas umas as outras – que ocorriam no ambiente e nos
locais de trabalho. Sobretudo quando se necessitava fortalecer os movimentos operários.
Contudo, assim como definiu o autor, o mutualismo paulistano era deveras
difuso e apresentava seus conflitos ideológicos, sobretudo entre os movimentos
socialistas e movimentos republicanos. Nesse período em que as grandes migrações
chegavam a América e demais continentes, havia na Itália o sensível conflito entre os
grupos políticos que disputavam entre si a maneira pela qual o país seria unificado, tal
conflito colocou em evidência as correntes que lutavam pelo monarquismo em
contraposição aos que lutavam pelo antimonarquismo. Tendo a primeira como vitoriosa
em solo italiano, o autor também passa a considerar a influência e até mesmo a
migração quase forçadas de militantes republicanos e socialistas para o território
brasileiro, especialmente em São Paulo.
5 BIONDI, Luigi. Classe e Nação: trabalhadores e socialistas italianos em São Paulo, 1890-1920.
Campinas, SP: Editora Unicamp, 2011.
Em outros pontos, também se deve observar a dificuldade que esses movimentos
tiveram para organizarem um aparato político fora do seu país de origem, no entanto,
também não se deve subestimar a própria participação desses movimentos e seu poder
de persuasão política no processo que antecedeu a unificação na Itália, como quando
ocorreram as lutas pelo sufrágio universal em 19126. Também no Brasil, certos feitos
revelam que no âmbito da política municipal e estadual havia um processo latente de
naturalização em massa de imigrantes, que passaram a ter acessibilidade à vida política
institucional.
Portanto, todos esses aspectos levantados são relevantes no sentido em que
apresentam um embate entre múltiplas identidades que assim foram agrupadas, em parte
por apoio político, em parte pelas circunstâncias. A aproximação entre socialistas e
republicanos nas associações de ajuda mútua ainda assim era considerada frágil e é
principalmente por essa relação que se deve considerar o peso dos valores e identidades
nacionalistas sobre os movimentos trabalhistas. Relembrando a célebre frase do
historiador Erick J. Hobsbawm, Biondi7 relembra que “as rupturas da unidade de ação
(de classe) dos movimentos trabalhistas podiam surgir da influência de movimentos
nacionalistas”. E a partir dessas influências, que o autor reflete sobre os canais difusos
que as comunidades italianas no estrangeiro estabeleciam entre consulados, pessoas
eminentes e toda uma série de mecanismos que matizaram e muito os movimentos
políticos por de trás do operariado italiano no Brasil.
6 MUSSI, Daniela. Política e Cultura: Atônio Gramsci e os socialistas italianos.Revista Outubro, n.22, 2º
semestre de 2014. 7 HOBSBAWM, Erick J. Os trabalhadores: estudos sobre a história do operariado. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1981.
Referências:
BIONDI, Luigi. Classe e Nação: trabalhadores e socialistas italianos em São Paulo, 1890-
1920. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2011.
FRANZINA, Emilio. (2006), A grande emigração: o êxodo dos italianos do Vêneto para o Brasil. Campinas, Unicamp.
HOBSBAWM, Erick J. Os trabalhadores: estudos sobre a história do operariado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
MUSSI, Daniela. Política e Cultura: Atônio Gramsci e os socialistas italianos.Revista Outubro, n.22, 2º semestre de 2014.
TRENTO, Angelo. No outro lado do Atlântico: um século de imigração italiana no Brasil. São Paulo: Nobel/ Intituto Italiano di Cultura di San Paolo, 1988.