Cinqüenta Anos de Pensamento Na Cepal

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Cinqüenta anos de pensamento na CEPAL Organização de Ricardo Bielschowsky Volume Q C E P R L otecon CONSELHO a FEDERAL DE ECOMOMA A EDITORA RECORD RIO DE JANEIRO SÃO PAULO 2000

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Livro sobre economia

Transcript of Cinqüenta Anos de Pensamento Na Cepal

  • Cinqenta anos de pensamento na CEPAL

    Organizao de Ricardo Bielschowsky

    Volume Q

    C E P R L

    oteconCONSELHO a FEDERAL DE ECOMOMA

    AE D I T O R A R E C O R D

    R I O DE J A N E I R O SO P AUL O

    2000

  • CIP-Brasil. Catalogao-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

    Cinqenta anos de pensamento na Cepal / C517 organizao, Ricardo Bielschowsky; traduo de Vera

    Ribeiro. - Rio de Janeiro: Record, 2000.

    Copyright 2000 by Comisso Econmica para Amrica Latina e Caribe (CEPAL) e Conselho Federal de Economia (COFECON)

    Traduo de Vera Ribeiro, encomendada pela Editora Record e pelo COFECON

    Capa: Evelyn Grumach

    Direitos exclusivos de publicao em lngua portuguesa para o Brasil cedidos pelo COFECON para aDISTRIBUIDORA RECORD DE SERVIOS D E IMPRENSA S.A. Rua Argentina 171 Rio de Janeiro, R J 20921 -380 -Tel.: 585-2000 que se reserva a propriedade literria desta traduo

    Impresso no Brasil

    Traduo de: Cincuenta aos de pensamiento en laCEPAL

    Inclui bibliografia ISBN 85-01-05772-X (vol.l)

    1. CEPAL. I. Bielschowsky, Ricardo.

    00-0143CDD - 336.09168 CDU - 339.923(8 6)

    PEDIDOS PELO REEM BOLSO POSTALCaixa Postal 23.052Rio de Janeiro, R J - 20922-970

    ISBN 85-01-05772-X

    EDITORA AFILIADA

  • Cinqenta anos de pensamento na CEPAL

  • SUMRIO

    VOLUME I

    APRESENTAO 9

    APRESENTAO EDIO BRASILEIRA 11

    I. CINQ EN TA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL UMA RESENHA 13R ic a r d o B iel sc h o w sk y

    II. TEXTO S SELECIONADOS

    1. O desenvolvimento econmico da Amrica Latina e algunsde seus problemas principais 69R al Pr e b isc h

    2. Estudo econmico da Amrica Latina, 1949 137CEPAL

    3. Problemas tericos e prticos do crescimento econmico 179R al Pr eb isc h

    4. Auge e declnio do processo de substituio de importaesno Brasil 217M aria da C o n c e i Ao T avares

    5

  • CINQENTA A N O S DE PENSAM ENTO NA CEPAL

    5. Desenvolvimento e subdesenvolvimento 239C elso F urta d o

    6. Introduo tcnica de planejamento 263CEPAL

    7. Inflao e desenvolvimento econmico no Chilee no Mxico 293J uan F. N o yola V sq u ez

    8. A inflao chilena: um enfoque heterodoxo 307O svaldo S unkel

    9. O mercado comum latino-americano 347CEPAL

    10. Por uma nova poltica comercial em prol dodesenvolvimento 373R al P r eb isc h

    11. Consideraes sociolgicas sobre o desenvolvimentoeconmico da Amrica Latina 423J o s M ed in a EchavarrIa

    12. Por uma dinmica do desenvolvimento latino-americano 451 Ra l Pr eb isc h

    VOLUME II

    13. Dependncia e desenvolvimento na Amrica Latina 495F er n a n d o H e n r iq u e C a r d o so e E n zo Fa l e t t o

    14. Desenvolvimento, subdesenvolvimento, dependncia, marginalizao e desigualdades espaciais: por um enfoque totalizante 521 O svaldo Sun k el

    6

  • SUMRIO

    15. Natureza e implicaes da heterogeneidade estruturalda Amrica Latina 567An ba l P in t o

    16. Alm da estagnao: uma discusso sobre o estilo dedesenvolvimento recente do Brasil 589M aria da C o n c e i o T avares e J o s S erra

    17. Notas sobre os estilos de desenvolvimento naAmrica Latina 609A n ba l P in t o

    18. Avaliao de Quito 651CEPAL

    19. Poder e estilos de desenvolvimento: uma perspectivaheterodoxa 685J o r g e G raciarena

    20. Abordagens do desenvolvimento: de quem e para qu? 715

    21. Polticas de ajuste e renegociao da dvida externa naAmrica Latina 761CEPAL

    22. Transformao e crise na Amrica Latina e no Caribe,1950-1984 817CEPAL

    23. Industrializao na Amrica Latina: da caixa-preta aoconjunto vazio 851F er n a n d o Fa jn zylber

    24. Transformao produtiva com eqidade: a tarefa prioritria do desenvolvimento da Amrica Latina e do Caribenos anos 1990 887CEPAL

    7

  • CINQENTA A N O S DE PENSAM ENTO NA CEPAL

    25. Educao e conhecimento: eixo da transformao produtiva com eqidade 911 CEPAL/UNESCO

    26. O hiato da eqidade: Amrica Latina, Caribe e a Confernciade Cpula Social 921CEPAL

    27. O regionalismo aberto na Amrica Latina e no Caribe: a integrao econmica a servio da transformaoprodutiva com eqidade 937CEPAL

    28. Amrica Latina e Caribe: polticas para melhorar a inserona economia mundial 959CEPAL

    BIBLIOGRAFIA 973

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  • APRESENTAO

    Tendo por motivo a comemorao dos cinqenta anos da Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe, pareceu-nos oportuno publicar uma compilao dos principais trabalhos que refletem a intensa atividade dessa instituio, desde 1948 at nossos dias. Tal compilao apresentada em dois volumes. A introduo procura dar uma perspectiva desses trabalhos, conferindo-lhes uma ordem e uma estrutura que permitam situ-los no contexto histrico e fazer um exame do conjunto da atividade da Comisso.

    Os documentos da c e p a l costumam ser publicados sem que se os atribua a um determinado autor ou responsvel, uma vez que resultam de um trabalho coletivo de seus funcionrios e, sendo assim, representam a soma dos esforos de muitas pessoas. No caso desta compilao histrica, de um modo geral, tambm se optou por manter essa prtica, mas tomou-se a deciso de reconhecer nominalmente as contribuies dos principais responsveis pelos textos nos casos em que elas foram redigidas por pessoas j desligadas da instituio.

    Confiamos em que este livro haver de brindar o pblico interessado com a oportunidade de travar um conhecimento direto com os textos fundamentais de uma importante trajetria intelectual, assim contribuindo para matizar e enriquecer os debates atuais sobre a realidade econmica e social latino- americana e caribenha.

    J o s A n t n io O ca m po

    Secretrio Executivo da CEPAL

  • APRESENTAO EDIO BRASILEIRA

    com satisfao que apresentamos ao pblico brasileiro a verso em portugus desta coletnea de textos clssicos, comemorativos dos 50 anos da c e p a l . A obra percorre a trajetria intelectual da instituio desde sua fundao, em 1948, at os dias de hoje.

    O livro oferece uma viso de conjunto do Pensamento Cepalino, siste- matizando-o de acordo com as temticas priorizadas e com os contextos histricos em que as idias foram desenvolvidas. Temos certeza de sua excelente acolhida por parte dos economistas e cientistas sociais brasileiros, dentro e fora da academia.

    A publicao deste livro em portugus parte das atividades realizadas no mbito do convnio celebrado entre a c e p a l e o COFECON. Nos ltimos anos as duas instituies tm desenvolvido uma srie de projetos em conjunto. O projeto de traduo deste livro ao portugus foi concebido em 1998 pelo ento presidente do COFECON, Lus Carlos Delhorme Prado, e desenvolvido em 1999 por seu sucessor, Antonio Correia de Lacerda, e pelo conselheiro Lus Antonio Elias. Aos trs, nossos sinceros agradecimentos.

    Renato Baumann Gustavo Adolfo de Castro VasconcellosDiretor do Escritrio Presidente do Conselhoda c e p a l no Brasil Federal de Economia

  • CINQUENTA ANOS DE PENSAMENTO NA CEPAL UMA RESENHA1

    Ricardo Bielschowsky Braslia, julho de 1998

    O autor deseja expressar seu agradecimento a Octavio Rodrguez pelo dedicado apoio recebido ao longo da elaborao do texto, e pela pacincia com relao a eventuais discordncias de interpretao. Agradece tambm a Alfonso Aguirre, Renato Baumann, Alfredo Calcagno, Carlos Mussi e Pedro Sinz por seus valiosos comentrios, e a Maria Pulcheria Graziani, Patricia Perez e Carmen Vera pelo eficiente apoio na identificao e busca de documentao. Desnecessrio assinalar, o texto de inteira responsabilidade do autor.

  • I. INT R O D U O

    A CEPAL est celebrando em 1998 seus cinqenta anos de atividades. Foi, em todo esse perodo, a principal fonte mundial de informao e anlise sobre a realidade econmica e social latino-americana. Mais que isso, foi o nico centro intelectual em toda a regio capaz de gerar um enfoque analtico prprio, que manteve vigente por meio sculo.

    Este trabalho tem por objetivo introduzir a seleo de textos do presente livro comemorativo. Reconstitui a trajetria intelectual da instituio no perodo e remete o leitor s teses de maior relevncia e aos textos selecionados, contextualizando-os em seu momento histrico e na obra da instituio em seu conjunto.2

    A reconstituio inicia-se com a apresentao de um quadro-sntese da produo analtica cepalina construda no perodo. O quadro contm os planos de anlise comuns a todas as etapas da trajetria intelectual da instituio, bem como uma periodizao da histria das idias nela geradas, construda a partir da sucesso de idias-fora ou mensagens que orientaram essa produo.

    Em seguida, faz-se breve descrio da pea analtica central ao pensamento gerado na c e p a l , o mtodo histrico-estruturalista. Por ltimo, procede-se, nas sees seguintes, a uma breve resenha das teses cepalinas de cada perodo.

    2 volumosa a bibliografia da CEPAL, de modo que no presente texto fomos obrigados a omitir muitas referncias importantes. Tambm h muitos trabalhos de avaliao do pensamento da agncia, entre os quais podem-se mencionar, por exemplo, os de Hirschmann (1963), Cardoso (1977), Rodrguez (1981), Gurrieri (1982), Pazos (1983) e Hodara (1987).

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  • CINQENTA A N O S DE PENSAM ENTO NA CEPAL

    II. CARACTERIZAO: PRINCIPAIS PLANOS A N A LTICO S E ETAPAS D O PENSAM ENTO

    O ponto de partida para o entendimento da contribuio da CEPAL histria das idias econmicas deve ser o reconhecimento de que trata-se de um corpo analtico especfico, aplicvel a condies histricas prprias da periferia latino-americana. Talvez por essa razo, quando se busca nos principais compndios de histria da teoria econmica a presena do pensamento cepalino as referncias so escassas, e limitadas, quando muito, tese da deteriorao dos termos de troca e tese estruturalista da inflao. Essa ausncia por vezes leva a que se desconhea a fora explicativa desse corpo analtico, que deriva de uma frtil interao entre, por um lado, um mtodo essencialmente histrico e indutivo e, por outro, uma referncia abstra- to-terica prpria, a teoria estruturalista do subdesenvolvimento perifrico latino-americano.

    Schumpeter, num dos captulos introdutrios sua monumental histria da anlise econmica (1954), faz distino entre o objeto principal de estudo (history o f economic analysis) e outro campo da histria do pensamento econmico, o dos sistemas de economia poltica (history o f systems o f political economy), considerados como um amplo conjunto de polticas econmicas que os autores sustentam tendo por fundamento determinados princpios unificadores (normativos) como os princpios do liberalismo econmico, do socialismo etc. (p. 38). A contribuio da CEPAL tal como de um modo geral as contribuies da chamada economia do desenvolvim ento pertence a esse segundo grupo. Seu princpio normativo a idia da necessidade da contribuio do Estado ao ordenamento do desenvolvimento econmico nas condies da periferia latino- americana. Trata-se, em resumo, do paradigma desenvolvimentista latino-americano.

    Adolfo Gurrieri (1982) abre sua coletnea sobre a obra de Prebisch na c e p a l com uma definio que vale a pena reproduzir, porque ajuda a entender o pensamento cepalino como um todo, em seu meio sculo:

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  • TEXTOS SELEC IO N A D O S

    N o cabe duda que lo propuesto por Ral Prebisch en sus prim eros trabajos en la CEPAL es un paradigm a o program a porque constituye un esquem a ordenado de un cam po problem a el desarrollo latinoam ericano construido en contraposicin al entonces predom inante, a partir del cual organiza la bsqueda y acum ulacin de conocim iento de una m anera colectiva y socialm ente organizada (...) Su program a (...) es tambin el fundam ento de la creacin y consolidacin de las instituciones que le servirn de m bito propicio para el crecimiento y difusin de sus ideas, y sobre todo, el ariete con que penetra en la realidad para conocerla y transform arla (p. 13).

    Urna caracterstica adicional das idias geradas e divulgadas pela c e p a l o fato de que nunca foi uma instituio acadmica, e que seu pblico-alvo so os policy-makers da Amrica Latina. Por essa razo, por muito tempo a unidade e o escopo do sistema de economia poltica cepalino permaneceram desconhecidos. A difcil tarefa de reunir as idias nem sempre claramente interligadas de Prebisch e da c e p a l foi pela primeira vez realizada em 1968 por Anbal Pinto, por ocasio da celebrao do vigsimo aniversrio da agncia ( c e p a l , 1969). Posteriormente, a pedido do prprio Prebisch, Rodrguez (1981) fez com o mesmo objetivo um trabalho bem mais minucioso e abrangente.

    A s is te m a tiz a o q u e a q u i se fa z d a o b r a d a c e p a l n o s c in q e n ta a n o s fa c i l i t a d a p o r d u a s c a r a c te r s t ic a s c e n tr a is a o p e n s a m e n to d a in s t i tu i o .

    Primeiro, pelo fato de que em todas as fases em que se pode subdividi- lo encontra-se o mesmo enfoque metodolgico. O que vai-se alterando a prpria histria real sobre a qual se debrua a anlise, bem como o contexto ideolgico no qual ela gerada, obrigando-a permanentemente a adaptar nfases e a renovar interpretaes de modo a adaptar-se aos novos contextos histricos.

    possvel identificar quatro traos analticos comuns aos cinco decnios. O primeiro diz respeito ao mtodo. Trata-se do enfoque bistrico-estrutu-

    ralista, baseado na idia da relao centro-periferia; dois outros referem-se a reas temticas: Anlise da insero internacional e Anlise dos condicionantes estruturais internos (do crescimento e do progresso tcnico, e das relaes entre estes, o emprego e a distribuio de renda); por ltimo, encontra-se o plano da Anlise das necessidades e possibilidades de ao estatal.

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  • CINQENTA A N O S DE PENSAM ENTO NA CEPAL

    Segundo, tal sistematizao facilitada pelo fato de que as idias so historicamente determinadas , quase ao nvel de seus detalhes, e porque pode-se orden-las em torno de mensagens transformadoras. possvel identificar cinco fases na obra da c e p a l , em torno de idias-fora ou mensagens. Coincidentemente, as fases tiveram durao de aproximadamente um decnio, cada. Como se ver mais adiante, elas acompanham de perto a evoluo histrica da regio latino-americana.

    a) Origens e anos 1950: industrializao;b) anos I960: reformas para desobstruir a industrializao;c) anos 1970: reorientao dos estilos de desenvolvimento na direo da

    homogeneizao social e na direo da industrializao pr-exportadora;d) anos 1980: superao do problema do endividamento externo, via ajuste

    com crescimento;e) anos 1990: transformao produtiva com eqidade.

    Observe-se que as duas primeiras etapas enquadram-se por completo no ciclo expansivo mundial do ps-guerra, e as duas ltimas na irregular etapa compreendida entre o fim daquele ciclo, em 1973/74, at os dias de hoje, na qual predominaram baixo crescimento mundial e grandes incertezas. A correspondncia no perfeita apenas nos anos 1970, devido crise mundial de meados da dcada. No entanto, como se ver, a crise no impediu que a organizao do pensamento cepalino mantivesse razovel grau de unidade nos temas abordados; apenas introduziu novas nfases, adaptadas s novas ocorrncias histricas.

    O quadro I utiliza esse conjunto de elementos para registrar as principais teses que foram geradas sob seu impulso. Oferece uma idia de conjunto do instrumental analtico que o enfoque proporciona e serve de ponto de partida para a guia de leitura que se pretende com o presente texto.

    Vale observar que a classificao das teses e reflexes de acordo com os planos de anlise no significa falta de unidade no pensamento: os diferentes planos e as diferentes teses esto perfeitamente amarradas pelo mtodo histrico-estruturalista e pelas idias-fora que determinaram a produo das teses em cada perodo.

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  • TEXTOS SELEC IO N A D O S

    Q u a d ro I

    S N T E S E D O S E L E M E N T O S A N A L T IC O S Q U E C O M P E M O P E N SA M E N T O D A CEPAL

    Elementospermanentes Anlise histrico-estruturalista

    Perodos e T emas

    Insero internacional (centro-periferia e vulnerabilidade externa)

    Condies estruturais internas (econmicas e sociais) do crescimento/progresso tcnico e do emprego/ distribuio de renda

    Ao estatal

    1948-60(industrializao)

    Deteriorao dos termos de intercmbio; desequilibrio estrutural na balana de pagamentos; integrao regional

    Processo de industrializao substitutiva; tendncias perversas causadas por especializao e heterogeneidade estrutural; inflao estrutural e desemprego

    Conduzir deliberadamente a industrializao

    1960(reformas)

    Dependncia; integrao regional; poltica internacional de reduo da vulnerabilidade na periferia; vis antiexportao industrial

    Reforma agrria e distribuio da renda como requisito para a redinamizao da economia; heterogeneidade estrutural; dependncia

    Reformar para viabilizar o desenvolvimento

    1970(estilos de crescimento)

    Dependncia, endividamento perigoso; insuficincia exportadora

    Estilos de crescimento, estrutura produtiva e distributiva e estruturas de poder; industrializao combinando mercado interno e esforo exportador

    Viabilizar estilo que leve homogeneidade social; fortalecer exportaes industriais

    1980(divida)

    Asfixia financeira Ajuste com crescimento; oposio aos choques do ajusce, necessidade de polticas de renda e eventual convenincia de choques de estabilizao; custo social do ajuste

    Renegociar a divida para ajustar com crescimento

    1990-98 (transformao produtiva com eqidade)

    Especializao exportadora ineficaz e vulnerabilidade aos movimentos de capitais

    Dificuldades para uma transformao produtiva eficaz e para reduzir o hiato da eqidade

    Implementar polticas de fortalecimento da transformao produtiva com eqidade

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  • CINQENTA A N O S DE PENSAM ENTO NA CEPAL

    III. O M TO D O H IST R IC O -ESTRUTURALISTA, BASEADO NO ARGUM ENTO DA CO ND I O PERIFRICA

    A CEPAL d e s e n v o lv e u -s e c o m o u rn a e s c o la d e p e n s a m e n to e s p e c ia l iz a d a n o e x a m e d a s te n d n c ia s e c o n m ic a s e s o c ia is d e m d io e lo n g o p ra z o s d o s p a s e s

    la t in o -a m e r ic a n o s .

    Esse trao fundamental lhe foi imprimido j em suas origens por Prebisch. O espao dessa cultura foi ocupado por uma pliade de intelectuais que rene alguns dos principais historiadores econmicos da Amrica Latina. Foram da CEPAL ou estiveram sob seu raio direto de influncia autores de livros clssicos de histria econmica dos pases da regio, como Anbal Pinto e seu Chile: un Caso de Desarrollo Frustrado (1956), Celso Furtado(1959) e seu Formao econmica do Brasil, e Aldo Ferrer (1979) e seu La Economa Argentina.

    A motivao original para a inclinao cepalina pelas tendncias histricas conhecida. A agenda de reflexo e investigao inaugurada por Prebisch em 1949 compunha-se essencialmente do diagnstico da profunda transio que se observava nas economias subdesenvolvidas latino-americanas, do modelo de crescimento primrio-exportador, hacia afuera, ao modelo urbano- industrial, hacia adentro.

    O enfoque histrico foi poderosamente instrumentalizado pela teoria estruturalista do subdesenvolvimento perifrico de Prebisch.3

    A perspectiva estruturalista instalou-se no centro das anlises como conseqncia direta do objeto de reflexo a que a instituio se propunha. Tratava-se de examinar o modo prprio como se dava a transio hacia adentro nos pases latino-americanos, transio que entendia-se repousar sobre a condio de que o processo produtivo se movia sobre uma estrutura econmica e institucional subdesenvolvida, herdada do perodo exportador.

    Em outras disciplinas das cincias sociais, como a lingstica e a antropologia, onde o estruturalismo se origina, este tipicamente correspondeu a um instrumental metodolgico sincrnico ou a-histrico. Diferentemente, na

    5Rodr(guez (1981) foi quem melhor sistematizou a anlise fundacional de Prebisch na CEPAL, destacando seus elementos tericos.

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  • TEXTOS SELEC IO N A D O S

    anlise econmica cepalina o estruturalismo essencialmente um enfoque orientado pela busca de relaes diacrnicas, histricas e comparativas, que presta-se mais ao mtodo indutivo do que a uma heurstica positiva . Da resultam fundamentos essenciais para a construo terica da anlise histrica comparativa da c e p a l : as estruturas subdesenvolvidas da periferia latino- americana condicionam mais que determinam comportamentos especficos, de trajetrias a priori desconhecidas. Por essa razo, merecem e exigem estudos e anlises nos quais a teoria econmica com selo de universalidade s pode ser empregada com qualificaes, de maneira a incorporar essas especificidades histricas e regionais.

    Em outras palavras, o enfoque histrico-estruturalista cepalino abriga um mtodo de produo de conhecimento profundamente atento para o comportamento dos agentes sociais e da trajetria das instituies, que tem maior proximidade a um movimento indutivo do que os enfoques abstrato-deduti- vos tradicionais.

    Apesar de sua originalidade e independncia, o enfoque guarda uma interessante correspondncia com as interpretaes institucionalistas , pela importncia que confere organizao dos mercados e agentes em condies histricas especficas, e pela insistncia nas imperfeies de mercado que essas condies determinam e tornam rgidas.

    Liberado de marcos dedutivos rgidos e esquemticos, o pensamento cepalino tem assim a capacidade de acomodar com facilidade a evoluo dos acontecimentos, atravs de contnuas revises em suas interpretaes, que no significam perda de coerncia poltico-ideolgica ou de consistncia analtica. Ao mesmo tempo, parte da investigao cepalina uma reflexo crtica numa viso introspectiva sobre seus prprios desenvolvimentos analticos.

    A riqueza do mtodo cepalino reside, pois, numa frtil interao entre o mtodo indutivo e a abstrao terica formulada originalmente por Prebisch.

    A oposio entre periferia e centro, que desempenhou duplo papel analtico, ilustra este ponto.

    Primeiro, serviu para o argumento de que a referida estrutura determinava um padro especfico de insero na economia mundial, como periferia da mesma, produtora de bens e servios com demanda internacional pouco dinmica, importadora de bens e servios com demanda domstica em rpida

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  • CINQENTA A N O S OE PENSAM ENTO NA CEPAL

    expanso, e absorvedora de padres de consumo e tecnologias adequadas ao centro mas freqentemente inadequadas disponibilidade de recursos e ao nvel de renda da periferia.

    Segundo, prestou-se idia de que a estrutura socioeconmica perifrica determina um modo prprio de industrializar, introduzir progresso tcnico e crescer, e um modo prprio de absorver a fora de trabalho e distribuir a renda. Ou seja, em suas caractersticas centrais, o processo de crescimento, emprego e distribuio de renda na periferia seria distinto do que ocorre nos pases centrais. As diferenas devem ser encontradas no fato de que as economias perifricas possuem uma estrutura pouco diversificada e tecnologicamente heterognea, que contrasta com o quadro encontrado na situao dos pases centrais. Nestes, o aparelho produtivo diversificado, tem produtividade homognea ao longo de toda sua extenso e tem mecanismos de criao e difuso tecnolgica e de transmisso social de seus frutos inexistentes na periferia.

    No se tratava de comparar o subdesenvolvimento perifrico com a histria pretrita das economias centrais. Para os autores cepalinos, o desenvolvimento nas condies da periferia latino-americana no seria uma etapa de um processo universal de desenvolvimento como era, por exemplo, em Rostow (1956) mas um processo indito, cujos desdobramentos histricos seriam singulares especificidade de suas experincias, cabendo esperar- se seqncias e resultados distintos aos que ocorreram no desenvolvimento cntrico.

    J no texto inaugural de 1949 Prebisch alertava para a especificidade do processo de crescimento nas circunstncias estruturais e perifricas dos pases da Amrica Latina, e exigia espao analtico para estud-la: Una de las fallas ms ingentes de que adolece la teora econmica general, contemplada desde la periferia, es su falso sentido de universalidad (...) No hay que confundir el conocimiento reflexivo de lo ajeno con una sujecin mental a las ideas ajenas, de la que muy lentamente estamos aprendiendo a liberamos (p. 4).

    Furtado foi o intelectual mais dedicado a cobrir a anlise cepalina com legitimao histrica. Dedicou-se tarefa no s como historiador mas tambm como terico do subdesenvolvimento. Seus livros sobre histria econmica brasileira e latino-americana (1957 e 1970) seguramente os dois textos de histria econmica da regio mais lidos em todo o mundo so

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  • TEXTOS SELEC IO N A D O S

    obras-primas do mtodo estruturalista cepalino, que tiveram como funo intencional defender a importncia de entender o subdesenvolvimento como um contexto histrico especfico, que exige teorizao prpria. No livro Desenvolvimento e subdesenvolvimento (Furtado, 1961, Texto 5), que o principal momento explicitamente dedicado conceituao da problemtica histrica do subdesenvolvimento, a idia vem expressa com toda a nfase:

    O subdesenvolvim ento no constitui um a etapa necessria do processo de form ao das econom ias capitalistas m odernas. , em si, um processo particular, resultante da penetrao de empresas capitalistas m odernas em estruturas arcaicas. O fenm eno do subdesenvolvim ento apresenta-se sob vrias form as e em diferentes estgios. (...) C om o fenm eno especfico que , o subdesenvolvim ento requer esforo de teorizao autnom o. A falta desse esforo tem levado muitos econom istas a explicar, por analogia experincia das econ om ias desenvolvidas, p rob lem as que s podem ser bem equacionados a partir de um a adequada compreenso do fenm eno do su bdesenvolvim ento (pp. 184-185).4

    Como se observou, o mtodo histrico-estruturalista, eminentemente indutivo, beneficiou-se da formulao analtica da teoria do subdesenvolvimento perifrico de Prebisch, cujos traos principais so resumidos adiante. O mtodo foi, dessa forma, instrumentalizado pela utilizao simultnea e complementar dos trs planos analticos mencionados, ou seja, insero internacional, tendncias e contradies internas do crescimento na periferia, e ao do Estado. As sees que se seguem so conduzidas de modo a exibir a presena desses planos na evoluo do pensamento cepalino.

    Posteriormente, o autor iria avanar a formulao integrando-a idia de que o subdesenvolvimento corresponde a uma forma cultural historicamente determinada de uso do excedente social , em que os padres de consumo das economias centrais e, inevitavelmente, os padres tecnolgicos que os acompanham so absorvidos pela elite local, mas no conseguem alastrar-se maior parcela da populao, por insuficincia de renda e produtividade. A bibliografia correspondente idia est em auto-avaliao feita pelo autor em coletnea do Banco Mundial (Furtado, 1983).

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  • CINQENTA AN O S DE PENSAM ENTO NA CEPAL

    IV. INAUGURAO E ANOS 1950: LEGITIM AN D O E ORIENTANDO A INDUSTRIALIZAO

    1. O CO N TEXTO H IST RICO

    Nos anos que se seguiram Segunda Guerra Mundial as economias latino-americanas estavam em pleno processo de industrializao e urbanizao, potencializado pelo rpido crescimento de 5,8% ao ano entre 1945 e 1954, e por uma folga na restrio externa que permitiu uma expanso nas importaes em 7,5% ao ano, nesse mesmo perodo. Isso abria espao ao fortalecimento da ideologia industrializante, que apenas vinha dando os primeiros passos na regio. Ao mesmo tempo, disseminava-se a idia de que as exportaes tradicionais tendiam a recuperar terreno com a volta normalidade no ps-guerra, potencializando a restaurao da ideologia liberal dominante at os anos 1930, fundamentada, do ponto de vista acadmico, na teoria da diviso internacional do trabalho baseada nas vantagens comparativas ricardianas ou em vantagens oriundas da dotao relativa de fatores.

    Frente ideologia liberal, a defesa do desenvolvimento pela via da industrializao tinha no imediato ps-guerra a inconvenincia de encontrar-se insuficientemente instrumentalizada de um ponto de vista analtico. Havia, para os defensores da industrializao, uma espcie de vazio terico, e a descrena em relao teoria econmica existente gerava perplexidade face falta de teorias que pudessem ser adaptadas s realidades econmicas e sociais que se tentava entender e transformar.

    Havia, pois, um certo descompasso entre a histria econmica e social e a construo de sua contrapartida no plano ideolgico e analtico.5

    A teorizao cepalina iria cumprir esse papel na Amrica Latina. Seria a verso regional da nova disciplina que se instalava com vigor no mundo acadmico anglo-saxo na esteira ideolgica da hegemonia heterodoxa keynesiana, ou seja, a verso regional da teoria do desenvolvimento.

    'Este ponto destacado por Anbal Pinto, num texto que no revela sua autoria, o El Pensamiento Econmico de la c e p a l (1969), uma coletnea de textos clssicos das duas primeiras dcadas da instituio.

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  • TEXTOS SELEC IO N A D O S

    Os anos 1950 foram para a CEPAL o s de auge da criatividade e da capacidade de ousar e influenciar. Prebisch e ousadia intelectual so sinnimos na Amrica Latina. Em seu apoio, diretamente na CEPAL ou em suas cercanias, estariam nada menos que Celso Furtado, Jos Medina Echavarra, Regino Botti, Jorge Ahumada, Juan Noyola Vsquez, Anbal Pinto, Osvaldo Sunkel, e outros conhecidos desbravadores do conhecimento sobre a realidade latino- americana.

    As mensagens eram inovadoras, e o campo para sua divulgao era frtil. No plano da convenincia histrica, a ideologia cepalina caa como uma luva nos projetos polticos de vrios governos do continente. N o plano analtico, a mensagem geral estava plenamente sintonizada com o corao da nova teoria do desenvolvimento : os pases subdesenvolvidos mereciam uma formulao terica independente ou pelo menos adaptada, porque em aspectos relevantes funcionavam de forma diferente dos desenvolvidos.

    N o fundo, com diferentes conceitos e maneiras de formular a questo, todos colocavam a mesma mensagem central, a da necessidade de realizar polticas de industrializao como forma de superar o subdesenvolvimento e a pobreza. A CEPAL moveu-se admiravelmente nesse contexto. N o s tornou-se uma referncia indispensvel quando se falava de Amrica Latina, com o tambm desenvolveu uma teorizao prpria, na qual combinou-se de forma consistente um bom nmero de inovaes conceituais.

    Observe-se que nem sempre o terreno ideolgico era favorvel. O era no campo acadmico e, de certo modo, tambm no circuito das agncias internacionais, no qual inclua-se uma atitude simptica do Banco Mundial perspectiva desenvolvimentista que perduraria, alis, at o final dos anos 1970, quando Chenery foi substitudo na direo de sua consultoria econmica por Anne Krueger. No entanto, conforme relata Pollock (1978), as idias de Prebisch e da CEPAL eram vistas com muita desconfiana pelo Departamento de Estado do governo norte-americano, sobretudo no auge macarthista da guerra fria. Em bora isso no tenha impedido a difuso do pensamento cepalino, provvel que explique o tom quase sempre cauteloso com que as idias eram redigidas.

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  • CINQENTA A N O S DE PENSAM ENTO NA CEPAL

    2. A SAFRA INAUGURAL E SUAS EXTENSES

    A Comisso Econmica para a Amrica Latina foi constituda em 1948, por uma deciso da Assemblia Geral das Naes Unidas de 1947. A criao ocorreu no contexto das queixas latino-americanas de excluso com relao ao Plano Marshall e de falta de acesso aos dlares escassos , que dificultava a reposio dos desgastados aparelhos produtivos da regio. Apesar desse incentivo transitrio, a percepo generalizada poca parecia ser a de que a nova organizao estaria fadada a tornar-se mais uma entre as inmeras agncias internacionais inexpressivas e burocratizadas j existentes. Com Prebisch, no entanto, sua histria viria a ser muito distinta.

    O ex-gerente geral do Banco Central argentino Ral Prebisch s tornou-se secretrio executivo em 1950, mas chegou a Santiago em 1949 como consultor, com a responsabilidade de contribuir para o Estudio Econmico relativo a 1948. Segundo relato de Celso Furtado em sua Fantasia organizada (1985), a um dado momento do primeiro semestre de 1949 Prebisch recolheu apressadamente uma primeira verso do texto que acabara de preparar para integrar esse documento. Passou algum tempo trancado em sua sala, certamente debruado sobre os dados recm-publicados pela ONU sobre deteriorao dos termos de intercmbio. Em seguida, divulgou a obra que Hirschman chamaria de Manifesto latino-americano. Tratava-se de O desenvolvimento econmico da Amrica Latina e alguns de seus problemas principais (Prebisch, 1949, Texto 1 desta coletnea).

    Alguns meses depois, ainda em 1949, reapresentaria as mesmas idias, com pequenas modificaes, na parte conceituai do Estudo econmico da Amrica Latina, 1949 ( c e p a l , 1951a, Texto 2 desta coletnea), primeiro documento dedicado a realizar um balano das tendncias econmicas dos principais pases latino-americanos. E, em 1950, Prebisch redigiria os cinco primeiros captulos do Estudio Econm ico de Amrica Latina, 1950 , que ganharia o nome de Problemas tericos e prticos do crescimento econmico ( c e p a l , 1951b, Texto 3 desta coletnea).

    Esse conjunto de documentos j continha todos os elementos que passariam a figurar com o a grande referncia ideolgica e analtica para os desenvolvimentistas latino-americanos.

    Primeiro, argumenta que a industrializao espontnea em curso tinha significado especial na histria da humanidade, porque representava a possibilidade

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  • TEXTOS SELEC IO N A D O S

    de captao pela vasta regio subdesenvolvida latino-americana dos frutos do progresso tcnico mundial, at ento essencialmente confinados aos pases industrializados.

    Segundo, apresenta os elementos da matriz analtica da qual arranca o pensamento cepalino. Neles encontram-se tanto a anlise da insero internacional das economias perifricas e da vulnerabilidade externa decorrente, como a anlise das condies problemticas e das tendncias perversas com que se processa internamente o crescimento na periferia latino-americana.

    Por ltimo, realiza uma primeira incurso na temtica da interveno esta tal, que surge fortalecida pelo argumento da natureza problemtica da industrializao nas condies estruturais perifricas, que o mercado no teria como resolver espontaneamente.

    i) Insero Internacional Perifrica"

    Conforme se argumentou, a anlise cepalina tem como um de seus instrumentos bsicos a didtica do contraste entre o modo com que o crescimento, o progresso tcnico e o comrcio internacional ocorrem nas estruturas econmicas e sociais dos pases perifricos e o modo como ocorrem nos pases(t A * cntricos .

    O contraste presta-se, no caso do exame do comrcio internacional, para destacar as interdependncias entre o comportamento do centro e o da periferia e os problemas que geram para os ltimos.

    Prebisch j utilizava a expresso pases perifricos bem antes de ingressar na c e p a l (Love, 1980). A categoria servia-lhe at ento para salientar a vulnerabilidade latino-americana aos ciclos econmicos, resultando em processos inflacionrios com um forte componente exgeno e tendncias a contraes cclicas internas que, politicamente, potencializavam solues macroeconmicas pouco recomendveis.6 A violenta contrao da capacidade para importar nos anos 1930 e suas repercusses sobre as economias latino-americanas constituram a referncia histrica principal para a elaborao,

    6J. Hodara (1987) faz uma resenha das idias de Prebisch contidas nos relatrios anuais do Banco Central argentino entre 1936 e 1942. Felipe Pazos (1983) caracteriza os anos 1930 e 1940 como a fase do pensamento latino-americano voltado para polticas monetrias anticclicas.

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  • CINQ ENTA AN O S DE PENSAM ENTO NA CEPAL

    por parte de Prebisch, da distino entre o modo de funcionamento das economias dos pases industrializados e aquele encontrado em economias especializadas em bens primrios.

    Na c e p a l o argumento ganhou contundncia logo nos textos inaugurais, porque foi acompanhado da tese da tendncia deteriorao dos termos de troca, que afrontava o postulado liberal das virtudes do comrcio internacional livre. Ao contrrio do que prometia a teoria das vantagens comparativas, durante o sculo XX a maior lentido no progresso tcnico dos produtos primrios em relao aos industriais no estava motivando o encarecimento dos primeiros com relao aos ltimos.

    A tese teve duas verses, ambas estruturalistas, e ambas centradas na idia das vantagens comparativas dinmicas da produo industrial ou das desvantagens comparativas dinmicas da especializao em bens primrios. No Manifesto latino-americano ela vinculava-se aos ciclos e forma como a estrutura de produo e emprego subdesenvolvida impedia a periferia de reter os frutos de seu progresso tcnico, diferena do que ocorria no centro . A, sindicatos organizados e uma estrutura produtiva concentrada logravam impedir a queda nominal de preos dos bens industriais durante a baixa cclica, mais que compensando, dessa forma, os ganhos que a periferia obtinha no auge cclico com os bens primrios.7

    A segunda verso surge no segundo dos trs textos mencionados e reforada no terceiro deles. Contemplava a tendncia potencial deteriorao, devida ao excesso de mo-de-obra na agricultura subdesenvolvida da periferia no transfervel aos pases cntricos, fechados imigrao cujo eventual emprego em atividades exportadoras resultaria em expanso da oferta que deprimiria os preos internacionais, resultando em menor valor apesar do maior volume de produo.8

    Com esse argumento defendia a economicidade da indstria e justificava o recurso ao protecionismo: mesmo que a eficincia da produo industrial fosse menor na periferia, ela era superior eficincia da aplicao alternativa dos recursos produtivos na agricultura.

    7D e forma simultnea e independente, Singer (1949) apresentava a mesma anlise.* 0 mesmo argumento seria posteriormente desenvolvido de forma elegante por Lewis (1953) em seu texto clssico sobre oferta ilimitada de mo-de-obra. S muito depois Prebisch (1959) faria uma verso academicamente rigorosa da idia, aparentemente estimulado por Chenery.

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  • T E X T O S S E L E C IO N A D O S

    Passo seguinte, argumentava que, enquanto ocorresse, o processo de industrializao no relaxaria a vulnerabilidade externa, porque por muito tempo frente manter-se-ia na periferia latino-americana a condio de exportadora de produtos primrios, de demanda inelstica nos pases cntricos, e de importadora de produtos industriais, de alta elasticidade da demanda na periferia. Assinalava que, enquanto no fosse concludo, o processo de industrializao enfrentaria permanentemente uma tendncia ao desequilbrio estrutural do balano de pagamentos, j que o processo substitutivo aliviava as importaes por um lado, mas impunha novas exigncias, derivadas tanto da nova estrutura produtiva que criava como do crescimento da renda que gerava. Por essa razo, apenas alterava-se a composio das importaes, renovando-se continuamente o problema da insuficincia de divisas.

    Essa formulao sobre a tendncia ao desequilbrio estrutural do balano de pagamentos central a vrias formulaes cepalinas da poca.

    Primeiro, rege o prprio conceito de industrializao por substituio de importaes. O argumento vem elaborado de forma acabada em texto bem posterior por Maria da Conceio Tavares (1963, Texto 4 desta coletnea), mas j surge nos textos inaugurais. A dinmica substitutiva consiste na forma como a economia reage a sucessivos estrangulamentos do balano de pagamentos. Por progressiva compresso na pauta de importao, a industrializao vai passando de setores de instalao fcil , pouco exigentes em matria de tecnologia, capital e escala, a segmentos cada vez mais sofisticados e exigentes.9

    Observe-se que totalmente equivocada a idia muito difundida por economistas liberais de que o que a CEPAL propunha era uma autarquia . Ao contrrio, havia recorrente reiterao de que o processo substitutivo apenas alterava a composio das importaes. Mais ainda, o crescimento econmico representava inevitvel presso por expanso das mesmas, e os pases cntricos s tinham a ganhar com a industrializao da periferia e com uma

    Por muito tempo reinou absoluta no pensamento latino-americano a idia de que a substituio de importaes" era a forma de industrializar na Amrica Latina e que a dinmica substitutiva era o m odelo de crescimento na regio. Por volta de meados dos anos 1970, a escola de Campinas, no Brasil, constituida por intelectuais de origem cepalina, ops-se pela primeira vez equivalncia entre os conceitos de industrializao, por um lado, e substituio de importaes", por outro: o processo de industrializao seria portador de uma lgica e de um dinamismo independente da mera substituio de importaes, j que projetava-se por fora de decises de acumulao de capital orientadas para a formao de capacidade de oferta sem demanda reprimida por restries a importar .

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  • C IN Q EN TA A N O S DE P EN SA M EN TO NA C E P A L

    maior abertura importao de produtos nela originados. O argumento era, pois, o de que havia ampla solidariedade intrnseca entre a industrializao e a expanso do comrcio internacional.10 E, como se argumenta mais adiante, a partir dos anos 1960 a c e pa l passaria a defender recorrentemente a necessidade de implementao de polticas de estmulo e diversificao das exportaes.

    Segundo, e tambm diferentemente do que muitas vezes se supe, a preocupao com o desequilbrio externo levou a que desde as origens, e sobretudo a partir dos anos I960, a c e p a l enfatizasse a importncia de estimular as exportaes.

    Nesse terreno a instituio teve um papel intelectual central em duas iniciativas institucionais de grande envergadura. Na segunda metade dos anos 1950 esteve envolvida na criao da ALALC. E, na primeira metade dos anos 1960, o prprio Prebisch seria o personagem principal na criao da UNCTAD.

    A argumentao cepalina em favor da a l a l c continha a idia de iniciar um processo de diversificao das exportaes por esforo prprio, atravs da via teoricamente mais fcil do comrcio intra-regional. Mais importante ainda, e confome se l nas sees introdutrias do texto cepalino inaugural sobre o tema ( c e p a l , 1959,Texto 9 da presente coletnea) redigido por Prebisch , o mercado comum latino-americano teria a virtude de ampliar o tamanho do mercado dos setores industriais exigentes em escala, facilitando o aprofundamento do processo substitutivo.

    A UNCTAD nascia de idias debatidas nos anos 1930 e 1940, relacionadas com a necessidade de atenuar a vulnerabilidade dos pases perifricos aos ciclos, atravs de mecanismos de interveno internacional concertados em comum acordo com os pases centrais. No momento de seu nascimento a nfase na necessidade de diversificar e ampliar as exportaes inclusive industriais estava sendo estendida do mbito restrito do mercado regional para o mais ambicioso do mercado mundial. O texto que Prebisch (1964, Texto 10) apresentou Segunda Conferncia da nova entidade , possivelmente, o momento em que a idia de cooperao internacional para reforar o desenvolvimento da periferia atravs de acordos de comrcio internacional encontra maior densidade.

    l0Sobre criticas equivocadas CEPAL, leia-se, por exemplo, Assael (1982).

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  • TEX T O S S E L E C IO N A D O S

    Terceiro, a idia do estrangulamento permanente do balano de pagamentos tambm central na tese da inflao estrutural. A tese foi desenvolvida por Juan Noyola Vsquez (1956, Texto 7 desta coletnea) e refinada por Osvaldo Sunkel (1958, Texto 8 desta coletnea) e Anbal Pinto(1960). O desequilbrio estrutural da balana de pagamentos aparece nesses textos com o causa estrutural bsica da inflao, ao lado da rigidez da oferta agrcola, desencadeando um processo alimentado por fatores de acumulao e por mecanismos de propagao.11

    Quarto, em 1954, frente a dificuldades crescentes no balano de pagamentos, determinadas pelo final da guerra da Coria, a idia do estrangulamento externo reaparece relacionada discusso sobre a convenincia de estimular a entrada de capitais estrangeiros privados, ou seja, de no restringir-se busca de capitais provenientes de recursos pblicos. Prebisch defendia esse estmulo, mas chamava a ateno para o perigo de expandir os passivos externos dos pases e submet-los exageradamente ao peso de seu servio, pelo que seria mais prudente ampliar o financiamento de agncias oficiais. O texto sobre Cooperacin internacional ( c e p a l , 1954) uma primeira incurso num tema que teria vida longa na Amrica Latina.

    Com variaes adaptativas aos diferentes contextos de comrcio mundial e s variadas condies de financiamento internacional, o argumento da vulnerabilidade externa acompanha as cinco dcadas da reflexo cepalina. Nos anos 1960 ganharia a denominao dependncia financeira e tecnolgica , e nos anos 1970 seria feito um enriquecimento analtico da dependncia, atravs do exame do papel das empresas transnacionais nas economias perifricas. Nos anos 1980 a vulnerabilidade externa equivaleria praticamente asfixia financeira pela dvida externa, e, nos anos 1990, a vulnerabilidade seria tratada como um duplo problema, ou seja, especializao produtiva e tecnolgica com pouco dinam ism o no mercado mundial e excessiva exposio ao endividamento externo, sobretudo de curto prazo.

    nA leitura atenta dos textos de Prebisch mostra que por muito tempo o mesmo tinha reservas com relao ao tipo de uso que por vezes se fazia da idia de inflao causada por estrangulamentos externos possivelmente por receio de demonstrar complacncia com relao ao combate inflao. Ainda que sua argumentao sobre a matria inclusse a importante ressalva de que as polticas monetrias domsticas de curto prazo no bastavam, sendo necessrias polticas estruturais, o autor considerava indispensvel enfrentar com rigor os problemas de curto prazo. Um primeiro momento de "recuo em favor da tese estruturalista da inflao foi o texto El falso dilema entre estabilidad y desarrollo (Prebisch, 1961).

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  • CIN Q U EN TA A N O S DE P EN SA M EN TO NA C E P A L

    ii) Condies Estruturais Internas

    Retornemos agora aos textos inaugurais, para neles identificar o arcabouo analtico relativo aos condicionantes estruturais internos do crescimento e do emprego. Aqui tambm o contraste com as economias industrializadas era utilizado para a anlise das economias latino-americanas.

    Ao mesmo tempo que, como se observou, a industrializao espontnea era saudada como um acontecimento de grande significado na histria da difuso mundial do progresso tcnico, avaliava-se o processo como intrinsecamente problemtico, porque realizado sobre a base de estruturas econmicas e institucionais subdesenvolvidas.

    O argumento tinha como fundamento duas caractersticas centrais dessas estruturas. Primeiro, que se herdara uma base econmica especializada em poucas atividades de exportao, com baixo grau de diversificao e com complementariedade intersetorial e integrao vertical extremamente reduzidas. Havia limitaes srias compensao dessas deficincias. N o tocante parcela das novas exigncias passveis de importaes, havia a restrio dada pela escassez de exportaes e de disponibilidade de financiamento externo. E, na parcela que exigia esforo domstico, havia insuficincia de poupana para gerar simultaneamente todos os investimentos que a industrializao exigia.

    A outra caracterstica era a baixa produtividade de todos os setores, exceto o de exportao. Essa heterogeneidade estrutural a expresso s seria cunhada nos anos I960, por Anbal Pinto, mas aplica-se formulao dos anos 1950 abrangia um amplo excedente real e potencial de mo-de-obra, e uma baixa produtividade mdia per capita reduzia a possibilidade de elevar as taxas de poupana nessas economias, limitando a acumulao de capital e o crescimento. A situao se complicava pela insuficiente capacidade de poupana do setor pblico, devido estrutura fiscal obsoleta e, no que se refere poupana do setor privado, aos suntuosos padres de consumo praticados pelas classes ricas, um hbito que tenderia a se agravar como resultado da acentuao dos efeitos de demonstrao.

    Em resumo, as economias perifricas enfrentavam-se com graves problemas de insuficincia de poupana e de divisas. Desde as origens, esse modelo de dois hiatos conduziu a reflexo cepalina, ainda que a expresso dois hiatos

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  • TEX T O S S E L E C IO N A D O S

    nunca figurasse nos textos e tampouco lhe fosse dado o tratamento formal que posteriormente Chenery e outros dariam.12

    A continuidade do novo estgio de difuso do progresso tcnico estaria permanentemente ameaada pelo conjunto de problemas que so caractersticos das economias perifricas. Com o resultado dos dois traos distintivos das estruturas produtivas dessas economias, ou seja, especializao e heterogeneidade tecnolgica, o processo em curso estaria provocando trs tendncias perversas, que estariam desempenhando um papel bsico no contexto dinmico: o desequilbrio estrutural do balano de pagamentos, a inflao e o desemprego.

    Com o mencionado anteriormente, o desequilbrio estrutural do balano de pagamentos resultava das exigncias de importao de economias em industrializao que se especializaram em umas poucas atividades exportadoras e enfrentavam baixa elasticidade de demanda por suas exportaes. Exatamente por serem estas pouco diversificadas, sofriam permanente presso por ampliar as importaes alm do que era permitido pela expanso das exportaes.

    A tendncia inflao decorria tanto do desequilbrio da balana de pagamentos como das demais insuficincias que o processo de industrializao enfrenta em economias pouco diversificadas (rigidez agrcola, escassez de energia e transporte etc.).

    A maioria dos desenvolvimentistas repelia as polticas de estabilizao por ajuste recessivo simbolizadas pela atuao do FM I na regio , acreditando que elas obstruam o desenvolvimento econmico em curso, visto como uma transformao histrica fundamental. Com o se sabe, nas freqentes situaes em que ocorriam elevaes de preos simultneas a desequilbrio externo, o FM I no hesitava em recomendar que se desvalo-

    uO s economistas da cep a l sempre coincidiram entre si com relao ao tratamento analtico do hiato externo, mas nem sempre coincidiram na anlise do chamado hiato de poupanas. De um lado, Prebisch, Furtado e talvez uma frao majoritria enfatizavam o hiato como barreira fundamental ao crescimento. De outro, economistas que trabalhavam na linha de Anbal Pinto preferiam apontar para problemas de financiamento" do investimento, recusando, keynesianamente, a idia de que havia insuficincia de poupana. Entre estes, destacam-se os influentes cepalinos brasileiros que estiveram na c e p a l no inicio dos anos 1960 sob a orientao de Pinto, ou seja, Conceio Tavares, Antonio Barros de Castro e Carlos Lessa. O s dois timos so co-autores de Introduo economia, uma abordagem estruturalista (1967), prefaciado por Pinto, e o primeiro deles do livro Sete ensaios sobre a economia brasileira , de inspirao estruturalista (Castro, 1971).

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  • C IN Q EN T A A N O S DE P EN SA M EN TO NA C E P A L

    rizasse fortemente o cambio e se procurasse neutralizar o efeito inflacionrio dessa medida com drsticas contraes fiscais e monetrias. Os estrutu- ralistas, alm de contra-atacarem com sugestes heterodoxas cmbio mltiplo, por exemplo ofereceram, com a mencionada teorizao de Noyola (1957) e Sunkel (1958), uma arma analtica que poca teve importante influncia na oposio s recomendaes de estabilizao com ajuste recessivo. De acordo com a viso estruturalista, a moeda se expande, quase sempre passivamente, como resposta das autoridades monetrias a elevaes de preos de origem estrutural, sendo, portanto, incorreto consider-la causa da inflao. A nica maneira de evitar a inflao seria alterar as condies estruturais que a provocam, e isso deveria ser feito por meio de um esforo de crescimento contnuo e planejado. Polticas crediticias e fiscais restritivas no apenas fracassam no tratamento da inflao, mas ainda, ao causarem recesso, reforam as tendncias inflacionrias estruturais, que se explicitam to logo o crescimento retomado.

    Por ltimo, o desemprego resultava tanto da incapacidade das atividades exportadoras de absorver o excedente de mo-de-obra como da insuficiente capacidade de absoro pelas atividades modernas destinadas ao mercado domstico.

    Para que essas ltimas fossem capazes de absorver os subempregados, seriam necessrias taxas de formao de capital e de crescimento que, nas condies da economia perifrica, representavam um extraordinrio desafio: a heterogeneidade estrutural limitava a capacidade de gerao de excedente, j que somente em uma pequena frao da economia se operava com elevada produtividade; a especializao limitava a capacidade para exportar e determinava fortes presses importadoras; por ltimo, as tcnicas produtivas importadas dos pases centrais seriam, segundo o argumento, inadequadamente absolvedoras de mo-de-obra (mais tarde o argumento se estenderia para incorporar a idia de que a nova composio da produo industrial tambm tendia menor absoro de mo-de-obra).

    Em cada uma dessas dimenses, assim como na anlise da vulnerabilidade externa, o pensamento cepalino iria evoluir e sofisticar-se nas dcadas seguintes, admitindo acomodaes s novas circunstncias histricas. N o entanto permaneceria como eixo central das argumentaes a forma diferenciada como o crescimento e o progresso tcnico se processam nas estruturas econmicas e

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  • T E X T O S S E L E C IO N A D O S

    institucionais dos pases subdesenvolvidos, e a forma diferenciada como impactam o comrcio internacional e o emprego. Voltaremos ao ponto nas demais sees do presente texto.

    Ui) Planejamento

    Como se observou, desde os primrdios da c e p a l o s trabalhos eram fortemente policy-oriented. A ao estatal em apoio ao processo de desenvolvimento aparece no pensamento cepalino como corolrio natural do diagnstico de problemas estruturais de produo, emprego e distribuio de renda nas condies especficas da periferia subdesenvolvida.

    Nos anos 1950, o conceito-chave utilizado para conferir coerncia e sistematicidade s proposies de poltica foi o de planejamento ou programao.13 Nesse momento, e em certa medida tambm nos anos 1960, a nfase no planejamento orientado tinha um significado adicional, que era suprir imensas deficincias tcnicas na maioria dos governos da regio.

    O ponto de partida para o apoio tcnico ao planejamento dos governos foi a elaborao de orientao no que se refere a tcnicas de programao, acompanhada em vrios pases de ensaios de aplicao dessas tcnicas.14 Em 1953 seria divulgado um Estudio preliminar sobre la tcnica de programacin, que foi revisado no documento Introduo tcnica de planejamento ( c e p a l , 1955, Texto 6 desta coletnea). Conforme explicitado na prpria introduo ao documento de 1955, a programao consistia na etapa lgica que se seguia ao reconhecimento dos problemas do desenvolvimento, vale dizer da necessidade de conferir racionalidade ao processo espontneo de industrializao em curso.

    O principal autor da parte conceituai desses documentos sobre programao foi Celso Furtado. Iniciava-se, ento, uma tradio que seria difundida por Jorge Ahumada, Pedro Vuscovic e outros economistas que no incio dos anos I960 ajudaram Prebisch a criar no mbito da c e p a l o

    l3Uma primeira incurso nesse tema, que j desenha as bases do planejamento, consta do j citado Problemas tericos y prcticos del crecimiento econmico (Prebisch, 1951).uNo caso brasileiro, Celso Furtado realizou o trabalho em 1953-54, em parceria com Regino Botti, nas dependncias do recm-criado Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico, BNDE, no Rio de Janeiro. Na ocasio, foi formado, com esse objedvo, o Grupo Misto cep a l - b n d e .

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  • CIN Q EN T A A N O S DE P EN SA M EN TO N A C E P A L

    Instituto Latino-Americano de Planejamento Econmico e Social, il p e s , e que viriam a ter papel central na influente e exitosa trajetria desse rgo na formao de quadros tcnicos governamentais em toda a Amrica Latina.15

    Vista com os olhos de hoje, a orientao contida no documento sobre tcnicas de programao parece trivial. Indica, primeiro, como realizar exerccios de consistncia macroeconmica, de maneira a fornecer o ponto de partida da programao, ou seja, a definio das taxas de crescimento possveis dadas as restries previsveis de poupana e de balana de pagamentos; segundo, d indicaes sobre a realizao de projees de demanda setorial com base em elasticidade-renda que s em textos posteriores recomendar- se-ia instrumentalizar com matriz de insumo-produto; de posse do mapa de consumo futuro, o programador deveria proceder, ento, seleo de setores e projetos de substituio de importaes, de acordo com o critrio de produtividade social marginal do capital .

    Colocado, porm, no contexto latino-americano dos anos 1950, isso nada tinha de trivial. Faltavam estatsticas econmicas bsicas, no se contava sequer com sistemas mnimos de contas nacionais, e os governos operavam as economias com forte desconhecimento sobre suas tendncias bsicas. A orientao dada pelas tcnicas de programao da c e p a l desempenhava o papel de conscientizao sobre essas insuficincias e sobre a importncia de conferir um mnimo de previsibilidade ao contexto macroeconmico no qual repousaria o desejado processo de crescimento.

    A partir da, no decorrer de toda sua histria, a c e p a l produziria um sem- nmero de textos de recomendao de poltica econmica e um sem-nmero de misses de assistncia tcnica aos pases latino-americanos nos mais variados campos da atividade econmica e nos mais variados temas que compem a problemtica do desenvolvimento.

    15Na bibliografia do ILPES sobre planejamento podem-se consultar, entre outros, os livros Discusiones sobre planificacin. Siglo XXI (ILPES, 1966) e Experiencias y problemas ele la planificacin en Amrica Latina (ILPES, 1973); a referncia bibliogrfica principal sobre Jorge Ahumada o livro de obras escolhidas do autor (Ahumada, 1986).

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  • T E X T O S S E L E C IO N A D O S

    V. OS A N O S 1960: RED ISTR IBU IR PARA C R ESC ER

    1. O CO N TEXTO H IST RICO

    A histria latino-americana da segunda metade dos anos 1950 conteve trs elementos que incidiram radicalmente sobre a evoluo do pensamento cepalino e latino-americano de um modo geral nos anos I960.

    Primeiro, o crescimento na maioria dos pases, apesar de persistente (5,7% ao ano, entre 1955 e 1959), estava ocorrendo em meio a crescente instabilidade macroeconmica, em boa medida motivado por problemas de restries a importaes que cresceram apenas 2,1% ao ano, no mesmo perodo, e 0,3% ao ano, entre I960 e 1964. Nesse contexto de aguda restrio externa, vrios pases enfrentavam-se com acentuadas presses inflacionrias.

    Segundo, o processo de industrializao continuava a impor-se como tendncia histrica, mas a urbanizao correspondente fazia-se com crescente empobrecimento e favelizao, evidenciando a incapacidade de absoro da fora de trabalho proveniente da zona rural por atividades produtivas modernas e estendendo com grande visibilidade a pobreza rural aos centros urbanos. Simultaneamente, a democracia ganhava densidade, e uma crescente insatisfao passava a traduzir-se em presses sociais, atravs do quotidiano da vida poltica e sindical.

    Terceiro, a Revoluo Cubana de 1959 teria profunda repercusso sobre a atitude norte-americana frente a tais presses e frente movimentao poltica que se alastrava na Amrica Latina. A reao a Cuba, na esfera diplomtica, distanciava-se por completo da atitude desconfiada do perodo macarthista e se expressava no Programa Aliana para o Progresso, conduzido pela Organizao dos Estados Americanos, OEA. Tal como exposto na famosa Carta de Punta del Leste (OEA, 1961), assinada pelos EUA e pela grande maioria dos pases da regio, o tom poltico da nova posio norte-americana tinha orientao claramente social-democrata .

    O quadro exigia da CEPAL uma reorientao para incluir em seus trabalhos contribuies de natureza sociolgica. Encontrava-se preparada para isso, graas ao privilgio de contarem seus quadros, desde os anos 1950, com Jos Medina Echavarra. A expresso mais acabada da teorizao do autor nos anos 1950,

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  • CIN Q EN TA A N O S DE P EN SA M EN TO N A C E P A L

    inclusive pela influncia que exerceu sobre a CEPAL, est reunida no livro Aspectos sociales del desarrollo econmico (Medina Echavarra, 1973)16. Nos anos I960 o autor difundiria na c e p a l a sociologia do desenvolvimento, cujo momento mais inspirado tavez seja a obra Consideraes sociolgicas sobre o desenvolvimento econmico da Amrica Latina (1963, Texto 11 desta coletnea).

    Na esteira dessa inspirao, muitos so os textos oficiais da c e p a l naquele momento que analisam a evoluo da sociedade latino-americana. De uma maneira geral, manifestavam esperana, naqueles incios dos I960. o caso do documento oficial apresentado no perodo de sesses de M ar del Plata ( c e p a l , 1963):

    Los lderes polticos y expertos en ciencias sociales de la zona nunca haban estado tan de acuerdo sobre la poltica general necesaria para el desarrollo sosten ido. L as reuniones de los organism os regionales han estab lecido principios cada vez ms minuciosos y coherentes para orientar la accin ( . . . ) y m uchos pases han aum entado su capacidad tcnica para planificar el desarrollo. La reforma agraria, la industrializacin diversificada, la reduccin en las desigualdades externas en la distribucin del ingreso; la destinacin de una parte mayor de ste a inversiones productivas; el control de la inflacin; la am pliacin y reorientacin educacionales; las m edidas encam inadas a perm itir que las clases populares, em pobrecidas y m arginadas, acten com o ciudadanos, productores y consumidores responsables (...) se acceptan hoy com o elementos esenciales de una poltica nacional coordinada, por sectores de la opinin pblica que antes no los consideraron en absoluto o cifraron su esperanza, a lo sum o, en uno o dos de ellos (p. 3).

    Tomando-se a dcada de I960 como um todo, o texto revela-se demasiadamente otimista. O que se verificou na regio a partir de meados dos anos 1960 foi uma crescente polarizao poltica e ideolgica, que em alguns pases extremou-se at o enfrentamento entre ditaduras de direita e organizaes da esquerda revolucionria.

    Durante toda a dcada a c e p a l manteria dilogo com as posies polticas moderadas, mesmo direita do espectro poltico, bem como com o mundo da diplomacia internacional, em vrias reas: na mobilizao da Aliana para

    l6Sobre o autor, ver Medina Echavarra (1980), antologia de obras organizada por Adolfo Gurrieri.

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    o Progresso, no tema da integrao regional e da a l a l c , na criao da UNCTAD e na multiplicao de assistncia tcnica em planejamento indicativo a governos da regio. A modernizao das tecnoburocracias latino-americanas beneficiou-se muito do trabalho da c e p a l e do il p e s nesse perodo.

    No entanto a c e p a l dos anos I960 seria principalmente um frum de discusso de idias crticas ao processo de desenvolvimento em curso. O talento mobilizador cepalino atraa a intelectualidade a uma discusso que gravitava crescentemente em torno de trs pontos que demarcavam a diviso poltico- ideolgica: primeiro, a interpretao de que a industrializao havia seguido um curso que no conseguia incorporar maioria da populao os frutos da modernidade e do progresso tcnico; segundo, a interpretao de que a industrializao no havia eliminado a vulnerabilidade externa e a dependncia, apenas sua natureza havia sido alterada; e, terceiro, a idia de que ambos os processos obstruam o desenvolvimento. Seus interlocutores principais estariam na centro-esquerda nacionalista, preocupada com reformas sociais. Dessa forma, os pontos de contato de sua anlise com a teorizao da esquerda revolucionria tenderiam a ser at mais fortes do que com as anlises conservadoras.

    2 . R e f o r m a s p a r a d in a m iz a r a e c o n o m i a , t e o r i a d a d e p e n d n c i a e

    T ESE DA H ETEROGENEIDAD E ESTRUTURAL

    Na c e p a l , o convite mais significativo nova agenda de discusso pautada pela histria real foi uma vez mais formulado por Prebisch. Em seu texto Por uma dinmica do desenvolvimento latino-americano, publicado em 1963 (Texto 12 desta coletnea), ao mesmo tempo que reafirma seus argumentos relativos s dificuldades da periferia em crescer e absorver a fora de trabalho, o autor pe nfase num novo argumento: a necessidade de alterar a estrutura social e redistribuir a renda, especialmente atravs de reforma agrria. Argumentava que sem isso no seria possvel contornar a insuficincia dinmica das economias da regio.

    O u seja, o modelo explicativo sobre a falta de capacidade de absorver a fora de trabalho que aparecia nos textos dos anos 1950 insuficincia de poupana e utilizao de tecnologias intensivas em capital orienta-se agora

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    para a anlise do uso social do excedente potencial. A idia presente nos anos 1950 de que necessrio restringir o consumo das classes ricas em favor do investimento e do progresso tcnico reaparece agora com focalizao para a questo agrria. No campo, os latifundirios rentistas estariam entorpecendo o progresso tcnico, de modo que o acesso do campons terra, desde que devidamente acompanhado por apoio do Estado, abriria caminho para maior produtividade agrcola e melhor uso do excedente. Adicionalmente, ajudaria a fixar o homem ao campo, evitando a marginalizao urbana.

    Observe-se que a idia de insuficincia dinmica sobre a qual o texto repousa no idntica tese de tendncia estagnao, que mais tarde Celso Furtado (1969) exporia, com vistas em especial ao caso brasileiro. Nem mesmo o argumento de que a reforma agrria ajuda a industrializao porque amplia o mercado interno para os bens industriais muito comum nesse perodo encontrado no texto de Prebisch. Sua nfase reside, completamente, na questo da disponibilizao da poupana potencial para fins de investimento produtivo.

    O argumento de Furtado sobre a tendncia estagnao tem em comum com o de Prebisch sobre insuficincia dinmica, alm da defesa da reforma agrria, a idia da dependncia tecnolgica . A periferia estaria utilizando a tecnologia gerada exogenamente, no centro, em condies de dotao de recursos totalmente distintas, e seu emprego implicava sobreutilizao do recurso escasso, capital, em detrimento do recurso abundante, trabalho. A diferena que Furtado ir derivar da uma tese de insuficincia dinmica da demanda .

    Furtado parte da idia de que a m distribuio de renda seria responsvel por orientar a estrutura produtiva a um padro de industrializao pouco empregador de trabalho, e reforador da m distribuio. medida que a industrializao prosseguia a estgios mais avanados, os novos setores no somente eram cada vez mais intensivos em capital, como ainda exigiam cada vez maiores escalas. Em outras palavras, empregavam cada vez menos mo- de-obra e exigiam cada vez mais mercado consumidor. O resultado estaria sendo uma tendncia simultnea queda na taxa de lucro, reduo na participao dos salrios na renda e falta de mercado consumidor para os novos produtos, com conseqente perda de dinamismo de crescimento e tendncia estagnao. S a reforma agrria e seus conseqentes efeitos benficos

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    sobre emprego e distribuio da renda permitiriam ampliar a base de consumo para produtos industriais menos exigen tes em termos de capital e escala, e poderiam induzir a uma recomposio nos investimentos industriais e ao dinamismo.

    As evidncias cabais de recuperao do crescimento no Brasil e em toda a Amrica Latina, na segunda metade dos anos 1960, logo iriam invalidar o argumento estagnacionista. Voltaremos ao ponto mais adiante.

    Na histria das idias cepalinas dos anos 1960 encontram-se dois vetores analticos menos efmeros que o estagnacionismo e, por isso mesmo, mais representativos da produo intelectual do rgo: as teses sobre dependncia e a tese da heterogeneidade estrutural.

    A teoria da dependncia tem duas vertentes, uma de anlise predominantemente poltica e uma segunda de anlise predominantemente econmica.

    Sob o estmulo da sociologia de desenvolvimento cepalina de Jos Medina Echavarra, Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto reuniram-se na c e p a l ( i lp e s ) em 1966-67 e redigiram seu Dependncia e desenvolvimento na Amrica Latina (1969, Texto 13 desta coletnea). O texto foi escrito como reao terica tese corrente na poca de que se estava gestando na regio uma burguesia nacionalista potencialmente comprometida com um padro de desenvolvimento que justificava uma aliana com a classe trabalhadora e que podia conquistar hegemonia poltica.

    O trabalho organiza a vinculao entre os processos de crescimento dos distintos pases ao comportamento das classes sociais e s estruturas de poder. Sua grande inovao metodolgica, e reside na exigncia de que essa vinculao se faa considerando as relaes entre essas estruturas domsticas e o poder econmico e poltico no resto do mundo. Segundo os autores, a especificidade histrica da situao de subdesenvolvimento reside na relao entre as sociedades perifricas e centrais. Isso exige a anlise da forma como as economias subdesenvolvidas se vincularam historicamente ao mercado mundial e da forma como se constituram os grupos sociais internos que definiram as relaes internacionais intrnsecas ao subdesenvolvimento. Com o salientam os autores, esse enfoque significa reconhecer que no plano poltico-social existe algum tipo de dependncia nas situaes de subdesenvolvimento, e que esta dependncia comeou historicamente com a expanso das economias dos pases capitalistas originrios (p. 24).

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    A anlise econmica da dependncia teve distintas tonalidades polticas. Na sua formulao marxista esteve vinculada originalmente a Andr Gunder Frank, autor que durante os anos 1960 esteve por urna temporada em visita c e p a l . A idia bsica, que encontrou seguidores entre intelectuais latino-americanos, era de que a industrializao que ocorria na Amrica Latina correspondia to-somente a uma nova modalidade da explorao secular que o imperialismo impunha aos trabalhadores da regio subdesenvolvida, em aliana com a elite local. Nesta, o processo de acumulao era indissocivel da expanso capitalista internacional e do imperialismo, e constitua parte de um processo que apenas enriquecia os pases desenvolvidos c a pequena elite dominante local que os representava. O sistema capitalista mundial funciona na base da formao e explorao de um conjunto de satlites e subsatlites, que se reproduz dentro de cada pas, formando subsistemas de explorao domsticos ligados ao sistema mundial (Frank, 1964).

    A idia de dependncia comercial, financeira e tecnolgica estivera presente na c e p a l , desde as origens, ainda que a expresso propriamente dita no fosse utilizada. Nos anos I960 as diferenas na utilizao do conceito de dependncia eram importantes no s na funo analtica desempenhada nas interpretaes, mas tambm no que dizia respeito ao significado poltico-ideolgico. N a c e p a l a condio perifrica era interpretada como determinante de problemas a serem superados por polticas econmicas e sociais bem orquestradas, a nvel nacional e internacional, ou seja, no significava fonte de explorao insupervel que implicasse necessidade de ruptura com o capitalismo.

    Dentro da linha cepalina, ente os economistas a anlise de dependncia mais importante e politicamente mais contundente foi a que desenvolveu Osvaldo Sunkel (1969,Texto 14 desta coletnea). Seu argumento central partia do postulado de que havia no mundo uma nica economia capitalista. Tanto no que se refere a padres tecnolgicos como a padres de consumo ela era total e crescentemente integrada, especialmente atravs da expanso mundial das corporaes transnacionais. O problema do subdesenvolvimento residia no fato de que, enquanto no centro a maior parte dos trabalhadores encontrava-se integrada ao mundo moderno, na periferia isso ocorria somente com uma pequena frao da populao. Pior ainda, o avano desse modelo mundial de acumulao tinha efeitos sociais desagregadores, porque tendia a marginalizar mesmo os agentes econmicos com maiores potencialidades produtivas.

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    De forma paralela e com muitas coincidncias analticas com as interpretaes dependentistas de cunho cepalino Anbal Pinto formulava sua tese da heterogeneidade estrutural na regio. Partiu da constatao de que os frutos do progresso tcnico tendiam a concentrar-se, tanto no que se refere distribuio da renda entre classes, como no que diz respeito distribuio entre setores (estratos) e entre regies dentro de um mesmo pas (Pinto, 1966). Posteriormente, refinou essa anlise com o argumento de que o processo de crescimento na Amrica Latina estava tendendo a reproduzir de forma renovada a velha heterogeneidade estrutural prevalecente no perodo agrrio-ex- portador (Pinto, 1970, Texto 15 desta coletnea).

    O u seja, assim como para os dependentistas a industrializao no havia eliminado a dependncia, apenas a havia alterado, para Anbal Pinto a industrializao no eliminava a heterogeneidade estrutural, apenas modificava seu formato. Numa e noutra interpretao, o subdesenvolvimento era um processo que dava mostras de perpetuar-se, apesar do crescimento econmico.

    Os diagnsticos cepalinos de insuficincia dinmica, de dependncia e de heterogeneidade estrutural preconizavam agendas polticas semelhantes, de reformas dentro do capitalismo. A idia era a de que o padro ou estilo de desenvolvimento econmico teria que ser alterado, atravs de melhor distribuio da renda e de profundas reformas, agrria, patrimonial, financeira, tributria, educacional e tecnolgica. entendiam que para tanto se fazia necessria profunda transformao poltica, nela includa, centralmente, a recuperao da democracia nos pases em que se haviam instalado ditaduras militares.

    Enquanto a extrema esquerda pregava como nica sada a revoluo,17 a c e p a l estava refinando seu quadro conceituai para dirigi-lo em benefcio da defesa de estilos mais justos de crescimento econmico, no contexto do sistema vigente. Essa seria a temtica central da dcada seguinte.

    I70 s partidos comunistas de orientao sovitica conservavam a posio de que era necessrio fortalecer uma aliana democrtico-burguesa, entre uma suposta burguesia nacionalista e os trabalhadores, para romper com as relaes de produo o latifundio e o imperialismo que estariam impedindo o avano das foras produtivas, isto , a industrializao. As dissidncias dessa posio recebiam dos dependentistas marxistas a idia de que uma aliana desse tipo seria historicamente invivel, porque a burguesia local era dependente e associada ao imperialismo. E, de vrios analistas da realidade agrria, recebiam a idia de que o campo j se comportava de forma capitalista, no cabendo a interpretao de que haveria que superar uma suposta etapa feudal". A concluso era a de que equivocavam-se os que propunham como estratgia uma etapa democrtico-burguesa", e que a estratgia correta seria passar diretamente ao socialismo.

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    3 . I n d u s t r i a l i z a o e e x p o r t a e s i n d u s t r i a i s

    A outra temtica que ganharia destaque nos anos 1970, e que igualmente tem origens nos anos I960, a reorientao da industrializao para promover exportaes. J na entrada dos anos I960 Prebisch faria um enftico reconhecimento de distores e ineficincias no processo de industrializao e da insuficiente orientao exportadora (Prebisch, 1961):

    La industrializacin cerrada por el proteccionism o excesivo, y as tambin los aranceles desm esurados sobre ciertos productos agrcolas im portantes, han creado una estructura de costos que dificulta sobrem anera la exportacin de m anufacturas al resto del m undo (p. 198).

    Ao contrrio do que dizem os crticos, desde cedo o estmulo expanso das exportaes atravs de uma reorientao das polticas comerciais e industriais faria parte da agenda de polticas recomendadas pela c e p a l . A integrao no discurso cepalino da idia de reorientar as polticas comerciais e industriais no sentido de uma maior insero internacional pode ser vista, por exemplo, em diferentes edies da publicao anual do Estudio Econmico j nos anos 1960.

    Bem na tradio cepalina, a principal motivao para a recorrente advertncia provinha nos anos 1960 e 1970 de consideraes sobre a vulnerabilidade externa. Havia, certo, alguma preocupao com a questo de eficincia de alocao de recursos, mas o que estava ento em jogo era sobretudo o problema da escassez de divisas. Voltaremos ao ponto adiante.

    VI. OS ANOS 1970: POR UM E ST ILO D E C R ESCIM EN TO COM H O M O GEN EID A D E SOCIAL E COM IN TEN SIFICA O

    DAS EXPORTAES IN D U STRIA IS

    1. O CO N TEXTO H IST RICO

    A partir de meados da dcada de 1960 e at o fim do auge econmico mundial em 1973/74, a Amrica Latina desfrutou de um crescimento acelerado

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    (mdia anual de 6,7%), acompanhado de um excelente desempenho exportador (expanso de 7,1% ao ano). Ao mesmo tempo, beneficiou-se de folgada liquidez internacional, que aportou divisas adicionais s receitas de exportao para permitir, em apoio ao processo de industrializao, a expanso anual mdia das importaes de 13,5%.

    A reao da Amrica Latina recesso mundial que seguiu-se ao choque petroleiro de 1973 foi endividar-se para manter o crescimento acentuando endividamento iniciado antes ou, em alguns casos, endividar-se para estabilizar a economia. Para isso, valeram-se da volumosa reciclagem dos petrodlares, que buscavam pouso em quem quisesse receb-los. desnecessrio examinar aqui esse processo, j fartamente documentado e analisado em inmeros textos. Considerando-se as circunstncias da economia mundial, as taxas de crescimento na Amrica Latina mantiveram-se relativamente elevadas entre 1974 e 1980 (em mdia, 5,1%).

    Apesar da opo generalizada pelo endividamento, esse foi um momento na Amrica Latina em que os pases optaram por estratgias bem distintas. Por um lado, Brasil e Mxico, por exemplo, davam continuidade estratgia de industrializao com proteo e forte participao estatal; e tinham bem definido, em seu planejamento, diversificar as exportaes de produtos manufaturados, reforando a tendncia que estava em curso desde fins da dcada de I960. Por outro, os pases do Cone Sul (Argentina, Chile e Uruguai) abandonavam essa estratgia e abriam completamente seu comrcio exterior e suas finanas livre movimentao de bens e servios, num movimento que implicou uma avalanche importadora de bens de consumo, barateados por acentuada valorizao cambial resultante de volumoso endividamento.18

    A novidade trazida pela crise internacional ao pensamento cepalino foi a de impor maior nfase do que no passado em anlises macroeconmicas e maior nfase na anlise do endividamento e dos requisitos diversificao das exportaes. Ainda assim, no que diz respeito ao contedo das idias, pode- se afirmar que a dcada de 1970 forma um todo relativamente homogneo na histria da CEPAL, j que permaneceu resguardado o interesse central pelas anlises de mdio e longo prazos e, nele, a discusso sobre estilos.

    ,BJ cm 1975 surgiram as primeiras crticas da C EPAL (1975) a esse modelo. Apontava-se para sua insustentabilidade do endividamento a mdio e longo prazos, e para a iluso de que as exportaes seguiriam expandindo-se como nos anos anteriores, e que os juros permaneceriam baixos para sempre.

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    No entanto, no plano do contexto da produo e difuso das idias, a instituio entrava, a partir de 1973/74, numa nova etapa, cercada por circunstncias histricas que lhe subtraram parte da anterior capacidade de influenciar o pensamento econmico da Amrica Latina.

    Em parte, a referida subtrao se d por um processo auspicioso, ou seja, o fato de que em muitos pases ocorrera um fortalecimento de tecnocracias estatais e surgiram centros acadmicos de excelncia. Mas ela decorre essencialmente de outros determinantes histricos de grande relevncia. Coincidem, no tempo, mudanas fundamentais, no plano dos acontecimentos polticos, no plano econmico local e mundial e, relacionado a isso, no plano da histria das idias econmicas.

    Na opinio de Enrique Iglesias, secretrio executivo da CEPAL entre 1972 e 1985, a etapa foi de sobrevivncia a essas circunstncias.

    No plano poltico, no necessrio explicar as dificuldades frente ao golpe chileno que derrubou Allende. Entre 1973 e 1989, a sede da c e p a l no Chile perdia aquilo que havia sido at ento um de seus principais ativos, o poder de convocatria da intelectualidade latino-americana. Economistas, socilogos, tecnocratas e polticos da tradio democrtica e progressista simplesmente pararam de poder ou de querer circular no Chile. Alm do problema chileno, a c e p a l enfrentava-se com a antipatia ostensiva de outras ditaduras, em particular da vizinha argentina, ideologicamente oposta c e p a l , inclusive nos fundamentos do modelo de abertura econmica outrance que aplicava, tal como faziam Chile e Uruguai.

    No plano econmico, o fim do ciclo expansivo mundial determinou o incio de uma etapa completamente nova da histria regional. As duas novidades seriam, primeiro, uma crescente instabilidade macroeconmica, que perduraria por bem mais de uma dcada e, segundo, e mais permanentemente, a presena crescente do setor financeiro no centro dos acontecimentos econmicos. Segundo um texto cepalino dos anos 1980, a fase caracterizar-se-ia pela nova hegemonia do sistema financeiro sobre o sistema produtivo ( c e p a l , 1985). A idia era a de que as energias potencialmente dirigveis implantao de sistemas diversificados de produo e de exportao so crescentemente sufocadas por polticas econmicas e por ideologias que terminam servindo essencialmente rentabilidade do setor bancrio, prejudicando o crescimento e o progresso tcnico.

    Como bvio, as anlises sobre o longo prazo, que so a rea de excelncia da CEPAL, ficariam crescentemente restringidas pelas angstias do curto prazo.

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  • TE X T O S S E L E C IO N A D O S

    O Brasil do II PN D e o Mxico do boom petroleiro foram excees parciais a isso apenas durante os anos 1970, j que transformaram-se em protagonistas da crise nos anos 1980. O enfoque histrico e longo-prazista s resistiria como eixo central do pensamento da c e p a l at essa crise, e ficaria marginalizado por quase uma dcada, at sua recuperao nos anos 1990.

    A falta de espao poltico e as mudanas na economia coincidiram com um terceiro elemento. Na esteira do declnio do keynesianismo, observava-se uma gradual decadncia em todo o mundo da teoria do desenvolvimento,19 e uma rpida apario de uma nova ortodoxia no tocante anlise de economias em desenvolvimento. Nesse plano, ideolgico, no foram insignificantes os efeitos da extremada adoo dessa ortodoxia pelos pases do Cone Sul.

    2. A INTERPRETAO DOS EST ILO S DE C RESCIM EN TO E A INDUSTRIALIZAO PR-EXPORTAO

    A integrao entre os elementos da anlise cepalina acumulados nas dcadas anteriores passou a ser realizada nos anos 1970 atravs da idia de estilos ou modalidades de crescimento.

    O debate em torno aos estilos desenvolveu-se na c e p a l sob o estmulo de quatro influncias bsicas. Primeiro, a recuperao econmica da regio durante o auge mundial de 1965-73 levou ao reconhecimento de que reforma agrria e redistribuio da renda estariam na base de um crescimento socialmente mais homogneo e justo, mas no do nico estilo de crescimento vivel. Segundo, a ONU promovia um intenso debate internacional em torno a essa mesma temtica. Terceiro, os intelectuais cepalinos tinham fortes crticas metodolgicas forma como este debate se desenvolvia. E, quarto, a crise internacional de 1973/74 e a posterior intensificao do endividamento reforaram a nfase na necessidade de reorientar a modalidade ou estilo de industrializao de maneira a combinar os estmulos de mercado interno s virtudes da orientao pr-exportaes de bens industriais.

    Vale notar que essa nova etapa do pensamento cepalino corresponde a uma terceira fase do ciclo interpretativo inaugurado em 1949, tanto no que se refere ao plano de anlise interno como ao da anlise da insero internacional.

    ' Sobre o tema leiam-se, por exemplo, os artigos de Hirschman (1981) e Streeten (1979).

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  • C IN Q EN TA A N O S DE P EN SA M EN TO NA C E P A L

    No que se refere ao plano interno, estavam presentes no primeiro decnio os elementos que permitiram apontar para uma tendncia permanente ao subemprego e, portanto, para uma tendncia preservao do subdesenvolvimento, mesmo com a industrializao. No segundo decnio surgiu a tese de que s com reforma agrria e redistribuio da renda seria possvel dinamizar a economia a mdio e longo prazos. Segue-se, no terceiro decnio, o reconhecimento de que h diferentes modalidades de crescimento possvel, embora nem sempre desejveis.

    No plano da insero internacional, a industrializao era vista nos anos 1950 como soluo a longo prazo para o problema da vulnerabilidade externa, a qual, no entanto, seria uma das caractersticas intrnsecas ao processo de industrializao perifrico. A integrao regional era apontada como uma primeira frmula para atenuar o problema. Nos anos 1960 surgiriam as crticas s distores do processo de industrializao e a seu vis antiexportador, e a interpretao de que a reorientao exportadora teria o duplo papel de conferir ao processo de industrializao maior eficincia alocativa e reduzir as restries externas. A crise internacional e o endividamento dos anos 1970 reforaria a interpretao, sobretudo na dimenso do ataque s restries externas.

    No que se refere s possibilidades de xito dessa nova modalidade de industrializao, o tom dos trabalhos cepalinos mantinha algum otimismo, alimentado pelo fato de que alguns pases da regio, como Brasil e Colmbia, estavam adotando a estratgia com sucesso. No que se refere, porm, questo da relao entre estilos de crescimento e de formao econmico-social, a etapa evoluiu para profunda perplexidade entre os intelectuais cepalinos, que no conseguiam esconder suas apreenses quanto factibilidade de redirecionar o desenvolvimento para uma maior homogeneidade social.20

    Prebisch, que em 1970 estava regressando da direo da u n c t a d em Genebra do ilpes em Santiago, anda manteria no livro Transformacin y Desarrollo, lagrn tarea (1970) um tom moderadamente otimista, que no o impedia de destacar o gigantismo e a complexidade da tarefa por realizar. Trata-se de uma obra em dois volumes, o primeiro dos quais de sua autoria, em que reafirma suas teses anteriores e as refina com as evidncias histricas acumuladas, e o segundo, uma coletnea por ele inspirada, que mobilizaria parte da intelectualidade cepalina da poca. Da at o incio dos anos 1980, a percepo que Prebisch teria dos fenmenos estruturais da periferia latino-americana evoluiria a uma posio de grande ceticismo quanto s possibilidades de desenvolvimento, a menos que se produzissem transformaes radicais no regime de propriedade. No livro Capitalismo perifrico. Crisis y transformacin (1981) prope uma sntese entre liberalismo e o socialismo, e propugna a gesto autnoma das grandes empresas pelos trabalhadores, em regime de mercado mas com condies reguladoras do Estado relativas ao uso social do excedente.

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  • T E X T O S S E L E C IO N A D O S

    Os diagnsticos que realizavam estavam enriquecidos pela anlise das estruturas polticas e pelo reconhecimento de que os processos reais de transformao em curso na Amrica Latina eram socialmente injustos. Mas havia uma percepo clara das dificuldades de reverter a direo que a histria havia tomado. A generalizao dos regimes ditatoriais por toda a regio corroborava o clima de desnimo. E a honestidade intelectual cepalina no permitia iluses: o fim das ditaduras seria um passo necessrio, mas no suficiente. Diante das razes histricas das estruturas de propriedade e de poder, e de suas conseqncias sobre as estruturas de produo e de distribuio de renda, a agenda da luta poltico- social que se afigurava para a fase de recuperao democrtica era desafiadora.

    Do ponto de vista da capacidade analtica, essa perplexidade s podia ter efeitos favorveis sobre a contribuio in