Cinema Professor
-
Upload
andrea-gaspar -
Category
Documents
-
view
212 -
download
0
description
Transcript of Cinema Professor
-
A utilizao do cinema na educao e a formao do professor
Arlete Cipolini (CET) [email protected]
Resumo: Este trabalho aborda a relao entre a escola e o cinema. Partimos da premissa de que apesar de as escolas estarem cada vez mais equipadas, a insero do cinema no cotidiano escolar, efetivamente, no se realiza. Com o avano tecnolgico e o aperfeioamento dos equipamentos audiovisuais, hoje, a grande maioria da populao tem acesso s grandes produes cinematogrficas atravs de fitas de vdeo cassete e DVD. Tal crescimento parece ser ignorado pela educao escolar, e o que podemos notar que as administraes pblicas divulgam largamente o fato de equiparem as escolas para a reproduo de filmes, mas sem uma preocupao paralela de formao e capacitao dos professores para tal empreendimento. Adotamos como metodologia de trabalho a pesquisa emprica em Escolas Pblicas de Ensino Mdio do Estado de So Paulo, localizadas na capital, atravs de questionrios e de entrevistas com professores sobre sua formao, formas de utilizao e resultados obtidos. As hipteses deste projeto de que (1) a linguagem do cinema alm de ser um instrumento pedaggico (recurso didtico), tambm um objeto de conhecimento que possibilita a percepo da realidade mais ampla, e (2) de que os cursos de formao de professores no preparam o professor para uma adequada utilizao deste recurso e para a apropriao desta linguagem, foram, durante a trajetria terica e emprica, confirmadas, levando-nos concluso de que a escola ainda faz uma utilizao fragmentada, inadequada e incipiente das novas linguagens, tecnologias e saberes; obtendo, consequentemente, resultados muito aqum dos que poderia atingir atravs de uma apropriao efetiva dessas linguagens, tecnologias e saberes.
Palavras chave: Cinema, Educao, Formao do professor
The use of cinema in education and the teacher formation Abstract: This dissertation aims at discussing the relationship between the school and the cinema. Our starting point is that even though schools are more equipped than ever, the insertion of the cinema in schools is not effective. With the advance of technology and the improvement of audiovisual equipments, nowadays, great movie productions are accessible to most part of the population through VHS and DVD. Such growth seemed to be ignored by schools, and it is noticed that public administrations publicize largely that schools are equipped with the necessary equipments for the reproduction of films, but with no preoccupation when it comes to the courses for teachers and educators for the task. An empirical research in Public High Schools in the capital of the state of So Paulo was adopted as methodology. We used questionnaires and interviews with the teachers about their background, ways
-
of utilizing the resources and the results of such uses. The hypothesis of this dissertation that (1) movie language besides being a pedagogical tool is also a knowledge tool that allows a broader perception of reality, and (2) that the courses for teachers do not prepare the professionals for an adequate use of this resource and its language were confirmed during the research, leading us to the conclusion that the school still uses new languages, technologies and knowledge in a disjointed, inadequate and insufficient ways that leads to inferior results that could be achieved through the effective use of these languages, technologies and knowledge.
Key words: Cinema, Education, Teacher formation
-
1 - Introduo
A partir da segunda metade do sculo XX, as grandes transformaes tecnolgicas e a
crescente importncia das mdias no cotidiano das pessoas geraram uma nova forma de lidar
com o tempo e com o espao. Se por muito tempo a educao priorizou a linguagem verbal e
o texto escrito, a recente invaso das imagens provou que o estmulo visual se sobrepe no
processo de aprendizagem. Vrios questionamentos tm sido feitos por educadores quanto
influncia favorvel ou no dos meios de comunicao audiovisuais na aprendizagem. Seja
como for, impossvel ignorar a importncia da comunicao imagtica na transmisso de
informaes e na construo do conhecimento.
A escola, em especial a pblica, ao invs de se adequar nova realidade, por muito
tempo manteve-se alheia evoluo tecnolgica do sculo XX, o que aumentou a distncia
entre crianas e jovens e as geraes adultas, em funo do precoce domnio das novas
tecnologias pelos jovens. As escolas pblicas receberam equipamentos audiovisuais e criaram
salas ambientes para projees de filmes e outras mdias, no entanto, h que se refletir em que
medida esses equipamentos e ambientes facilitaram a insero das mdias no processo
educativo, se as mdias se traduziram em prticas educativas diversificadas e se os professores
foram capacitados para enfrentar esse novo desafio.
Desde o incio do sculo XX j se falava em introduzir o cinema na educao como
instrumento didtico (Serrano apud. Bittencourt, 1993) e hoje, sem dvida, est presente no
cotidiano dos alunos, influenciando sua leitura do mundo e sua forma de interpretao da
realidade, seja qual for sua faixa etria ou nvel scio econmico. Cabe escola recuperar o
sentido educativo do cinema, o filme pode ser utilizado como instrumental didtico ilustrando
contedos; como motivador, na introduo de temas psicolgicos, filosficos e polticos,
estimulando o debate; ou como um objeto de conhecimento, na medida em que uma forma
de reconstruo da realidade. Assim, o sentido pedaggico do filme pode ter um carter
instrumental e cumprir uma obrigao didtica, no caso de ser visto como ilustrao ou
motivao, ou pode extrapolar o contedo escolar e adquirir um carter de objeto que produz
novos conhecimentos.
Sem a mediao do educador, a representao da realidade dada pelo filme se afirma
como se fosse uma verdade incontestvel, como um testemunho ocular da histria (Ferro,
1992). Esta mediao pode se direcionar para uma anlise do texto narrado e do contexto de
sua produo, do seu contedo e da sua forma, de como esse contedo tratado, atendo-se a
todos os elementos constitutivos da arte cinematogrfica, das tcnicas, dos grupos sociais que
-
interagem, da poltica, da sociedade que o produz e o consome. Isto posto, nos remetemos ao
problema da formao do professor para tal tarefa, segundo Napolitano:
Obviamente o professor no precisa ser crtico profissional de cinema para
trabalhar com filmes na sala de aula. Mas o conhecimento de alguns
elementos de linguagem cinematogrfica vai acrescentar qualidade ao
trabalho. Boa parte dos valores e das mensagens transmitidas pelos filmes a
que assistimos se efetiva no tanto pela histria contada em si, e sim pela
forma de cont-la. (Napolitano, 2003:57)
O professor precisa aprender a ler o filme, atravs de uma disciplina especfica nos
cursos de formao de professores, atravs de cursos de extenso, ou enfim atravs de uma
pesquisa bibliogrfica, por conta prpria, que o instrumentalize para tal intento. O filme,
explcita ou implicitamente, transmite valores, ideologias, leituras de mundo, representaes
da realidade e, para tanto, utiliza uma linguagem que lhe especfica e que o professor deve
saber decifrar. Segundo Marlia Franco:
O professor deve fazer-se um espectador especializado. Sua especializao
como educador e no como espectador, ao usar o filme na situao de
ensino/aprendizagem est exercendo sua profisso de mestre. Como
espectador comum acumulou vivncia e experincia para aplic-la ao
exerccio da sua profisso. Como espectador especializado ele ter
autoridade para se fazer interprete das linguagens audiovisuais. (Franco,
1992:26)
Essa autoridade, que no deve ser confundida com autoritarismo, o foco desse
trabalho, que atravs um estudo comparativo entre os trabalhos tericos existentes e a prtica
docente no que se refere utilizao do cinema pela escola, visa levantar os entraves
encontrados no cotidiano escolar para a efetiva insero do cinema na escola, a partir da fala
dos prprios professores.
2 - Objeto da pesquisa
O objeto desta pesquisa a utilizao do cinema na escola e as diversas possibilidades
desta utilizao, como instrumento didtico, ilustrao, abordagem de contedo, objeto de
conhecimento, linguagem, arte, entretenimento, documento histrico ou representao da
realidade. Apesar de o cinema ser considerado um importante instrumento educativo,
acreditamos que esta utilizao ainda insuficiente e inadequada, portanto, buscamos no
-
cotidiano escolar informaes sobre: em que medida utilizado, de que forma, com que
objetivos, com que freqncia, em que situaes, que reflexes so forjadas a partir de sua
utilizao, e principalmente quais os resultados atingidos.
O objetivo verificar se e como a linguagem do cinema contemplada nas atividades
de ensino; em quais disciplinas o filme utilizado, quais relaes so estabelecidas entre o
filme e o contedo programtico, como o filme contextualizado, e a formao do professor
para realizar tal desafio.
Nossos pressupostos so que o cinema utilizado de forma incipiente e fragmentada,
encarado como um instrumento ilustrao e estmulo - e no como um objeto de
conhecimento, que para representar a realidade utiliza signos e mecanismos de expresso que
precisam ser decifrados e que o professor no tem a formao adequada para esta utilizao.
3 - Referencial terico
Desde a pr-histria o homem faz representaes da realidade com o intuito de
conhecer, interpretar e intervir no mundo em que vive. H milnios o homem conta a sua
prpria histria e faz representaes da realidade de acordo com a sua leitura de mundo,
atravs da poesia, da pintura, do teatro, das narrativas orais, da literatura, e nos ltimos cem
anos, atravs do cinema.
O significado do texto cinematogrfico no fixo, definido, imutvel, ele se produz na
relao com o pblico, assim no existe um significado oculto a ser reconhecido, mas
significados, produtos das diversas leituras que do sentido ao filme. Tornar o educando apto
para entender os cdigos e a linguagem do cinema, para fazer uma leitura do filme e, por
conseguinte dar-lhe condies de compreender os sentidos possveis dentro do contexto na
qual se apresenta, to necessrio e importante quanto o domnio das outras linguagens
integrantes da grade curricular. Bernardet afirma que:
Dizer que o cinema natural, que ele reproduz a viso natural, que coloca a
prpria realidade na tela, quase como dizer que a realidade se expressa
sozinha na tela. Eliminando a pessoa que fala, ou faz cinema (...) elimina-se
a possibilidade de dizer que essa fala ou esse cinema apresenta um ponto de
vista. (Bernardet, 1980:19)
Assim, o papel do professor fundamental para fazer a mediao entre o filme, que
representa sempre apenas um ponto de vista sobre a realidade, e suas possveis interpretaes,
-
e para tanto, precisa aprender a ser um espectador especial, conhecendo a linguagem
cinematogrfica.
Toda manifestao artstica mantm uma relao dialgica com a sociedade, esta
relao precisa ser explorada nas reflexes sobre o filme, lembrando que embora o social
influencie a obra, esta no o reproduz ou reflete. Questes abordadas de forma subliminar,
que aparentemente passam despercebidas pelo pblico determinam juzos de valores,
comportamentos e pensamentos, interferindo nas relaes sociais e na leitura de mundo. Se
por um lado existe uma funo mercadolgica do cinema, por outro o momento histrico
influencia a produo cinematogrfica, de forma que as emoes provocadas pelos filmes so
permeadas pelos valores e pela maneira de se lidar com os sentimentos de amor, dio, dor,
perda, raiva, frustrao.
O filme depende de condies de produo e de mercado, e no de condies didtico-
pedaggicas, a menos que seja um filme estritamente autodenominado educativo. No entanto,
acreditamos como Marlia Franco (1992), que todo filme educativo, pois trata de um
contedo determinado e tem uma linguagem prpria que uma forma de transmisso de
conhecimento. Por detrs da histria narrada, h um diretor com determinado ponto de vista,
que recorre a meios expressivos e tecnolgicos e a uma forma de narrativa. O filme
instrumento e objeto de conhecimento que produz e veicula uma linguagem artstica, mas
tambm ideolgica e poltica. A importncia histrica conquistada pela linguagem, tcnica e
recursos utilizados pelo cinema para reconstruir a realidade, d a ele um carter de
conhecimento historicamente construdo, e cabe escola transmitir aos que a ela chegam este
conhecimento, instrumentando os alunos para a leitura, no s do cinema, mas de qualquer
recurso audiovisual.
Como diz Arendt (2002), ao educador cabe transmitir aos mais novos o conhecimento
acumulado, e tambm, fazer com que construam novos conhecimentos. As vrias linguagens
elaboradas historicamente, inclusive a do cinema, com seus conjuntos de cdigos e
convenes, fazem parte deste saber; a utilizao do cinema pela escola no pode se restringir
ilustrao de contedos ou se dar de forma fragmentada, pois o filme, assim como o
conhecimento histrico, um processo que comporta uma pluralidade de interpretaes e
uma construo imaginativa a ser pensada e trabalhada incansavelmente. Segundo
Napolitano:
preciso que a atividade escolar com o cinema v alm da experincia
cotidiana, porm sem neg-la. A diferena que a escola, tendo o professor
-
como mediador, deve propor leituras mais ambiciosas alm do puro lazer,
fazendo a ponte entre emoo e razo de forma mais direcionada,
incentivando o aluno a se tornar um espectador mais exigente e crtico,
propondo relaes de contedo/linguagem do filme com o contedo escolar.
Este o desafio. (Napolitano, 2003:15)
H que se lembrar que o professor desenvolve sua prtica educativa em uma
instituio - a escola e, por conseguinte, essa prtica se relaciona diretamente com sua
concepo de educao e de escola para poder realizar esse desafio. Estas so questes que
permeiam o trabalho do professor, esto presentes no cotidiano escolar, e no sentido que se d
educao. As reflexes sobre a insero do cinema na escola, de forma que ela realmente se
aproprie desse saber, passam por esses questionamentos: sobre o papel do professor, da
educao e da escola na construo de um determinado tipo de sociedade. Como afirma Rios:
A escola no uma entidade abstrata. Ela tem caractersticas especficas e
cumpre uma funo determinada, na medida em que est presente e
constituinte de uma sociedade que se organiza de maneira peculiar,
historicamente. Ela resulta do trabalho e das relaes estabelecidas em seu
interior, o espao da prxis de determinados sujeitos. E pode-se afirmar
que o carter contraditrio da escola advm da contradio presente na
prtica desses sujeitos, que, ao transmitirem o saber, ao estabelecerem certas
relaes, mantm e transformam esse saber, essas relaes. (Rios, 2001: 45)
Estas so questes que permeiam o trabalho do professor, esto presentes no cotidiano
escolar, e no sentido que se d educao. As reflexes sobre a insero do cinema na escola,
de forma que ela realmente se aproprie desse saber, passam por esses questionamentos: sobre
o papel do professor, da educao e da escola na construo de um determinado tipo de
sociedade.
Talvez tenhamos duas dificuldades a superar, para que o potencial pedaggico do
cinema seja plenamente realizado: a primeira, a de inseri-lo nos cursos de formao de
professores, a segunda, a de encar-lo como uma realidade, que no pode ser ignorada, mas
com a qual a escola no precisa competir e sim abrir suas portas.
4 - Metodologia e desenvolvimento
A discusso sobre as relaes entre o cinema e a educao extrapola a pesquisa
bibliogrfica, pois o objetivo levantar as possibilidades de interseco entre cinema e
-
educao presentes na bibliografia estudada, e buscar na realidade do cotidiano escolar o que
efetivamente tem sido feito para a insero do cinema na escola.
O alto custo dos ingressos de cinema e dos equipamentos de reproduo domstica de
filmes poderia ser tomado a priori como um indcio de que apenas escolas de iniciativa
privada ou escolas da rede pblica de localizao privilegiada teriam condies de
efetivamente utilizar o cinema, mandando os alunos assistirem aos filmes ou projetando-os na
prpria escola. No entanto, a difuso desses equipamentos na rede pblica, constatada com a
pesquisa de campo, mostrou ser uma realidade, e no apenas propaganda governamental, a
possibilidade de uso desse recurso. Tal constatao suscitou novos questionamentos:
primeiro, se os recursos existem, e reconhecida sua importncia no processo educativo, por
que a escola no utiliza o cinema de forma efetiva; segundo, se h alguma utilizao do
cinema, mesmo que assistemtica, de que forma ela se realiza; e terceiro, qual a relao da
utilizao do cinema pela escola com a formao dos professores.
Esses questionamentos nortearam o trabalho de campo, estabelecendo uma ponte entre
a realidade pesquisada e o quadro terico na qual esse trabalho se baseia, cujos resultados
esperamos venham a contribuir para os debates e reflexes em torno da relao cinema e
educao. No decorrer da pesquisa de campo, realizada em Escolas Estaduais de Ensino
Mdio de So Paulo, atravs de questionrios e entrevistas, vrias reflexes foram se
delineando, menos sobre os resultados da pesquisa e mais sobre a prpria pesquisa, o que
determinou alguns ajustes no roteiro das entrevistas aos professores. A fase formal de anlise
dos dados coletados se efetivou aps o encerramento do trabalho de campo. Ldke (1986)
recomenda que o trabalho de anlise se inicie pela construo de um conjunto de categorias
descritivas a partir do referencial terico e das caractersticas especficas da pesquisa de
campo. Assim, seguindo esta indicao, formulamos, a partir das prprias questes iniciais e
das respostas dadas nas entrevistas, um conjunto de categorias para procedermos anlise e
interpretao dos dados.
De acordo com as categorias tericas iniciais e das emergentes, os dados foram
classificados em: formao do professor; freqncia da utilizao de filme em sala de aula;
situaes em que o filme utilizado; forma como o cinema utilizado; resultados da
utilizao do cinema; relao do cinema com a educao; relao do professor com o cinema;
funo do cinema na escola: instrumento ou objeto. Estas categorias apresentam os aspectos
que traduzem como a utilizao do cinema pelos professores efetivamente se realiza.
-
5 - Resultados
Tomamos, para efeito de anlise, a categoria formao do professor e sua interface
com as outras categorias. A formao do professor se realiza em duas situaes: a inicial que
constitui uma exigncia para se exercer a profisso, e a continuada que depende da opo e
disponibilidade de cada professor, da oferta e custo dos cursos e palestras, portanto no
obrigatria. Segundo Azanha, outro momento na formao docente a prpria vivncia do
cotidiano escolar:
A atuao docente na sua efetiva complexidade s precariamente poder ser
balizada pelas eventuais teorias assimiladas. Nessas condies, o ensino
seria invariavelmente um malogro se no fosse a existncia no mbito da
escola de um saber no codificado nem expresso numa linguagem terica
mas que no fundo constitui a base da atuao docente. Na verdade, a
formao do professor e o seu prprio aperfeioamento completam-se com o
xito que ele tenha na assimilao desse saber difuso e historicamente
sedimentado no ambiente escolar e que tem apenas tnues relaes com
teorias pedaggicas. (Azanha, 1995: 76)
Assim, a combinao de participao em cursos com as experincias proporcionadas
pelo prprio exerccio da sua profisso, junto aos outros professores da escola, pode suprir
mesmo que parcialmente as deficincias dos cursos formadores de professores.
Tomando o cinema como um recurso, no se observa nos cursos de licenciatura uma
orientao especfica e generalizada para sua utilizao, talvez devido viso de que nem
todas as disciplinas poderiam utiliz-lo ou pela simples opo pelos recursos tradicionais ou
convencionais. O cinema como objeto no constitui uma disciplina nem to pouco
incorporado a alguma, como a Literatura, por exemplo, incorporada disciplina Lngua
Portuguesa; assim, sua abordagem nos cursos de formao de professores no sistemtica.
No entanto, no apenas sobre esse aspecto o cinema que a preparao do professor
deficitria, geralmente os professores so habilitados para exercer a profisso sem o
embasamento terico e prtico suficiente em diversas reas do conhecimento, e no exerccio
do magistrio, a falta de tempo e de recursos materiais limitam sua formao continuada.
Ao falar em formao para trabalhar com cinema em sala de aula, no nos referimos a
uma especializao em teoria, histria e crtica do cinema, mas a alguns conhecimentos
mnimos que permitam ao professor realizar a mediao necessria entre o filme e suas
possveis interpretaes. Segundo Marlia Franco (1992), o professor h de ser um
-
espectador especializado, no em cinema, mas em educao, e da surgir sua autoridade
para usar e interpretar as linguagens do cinema. Obviamente, a busca da especializao como
educador implica conhecer os demais assuntos, tcnicas e linguagens utilizadas em sala de
aula; do mesmo modo, se o professor utiliza o cinema, precisa dominar alguns elementos
dessa linguagem, conhecer o texto e o contexto do filme utilizado, ter clareza de seus
objetivos e delinear procedimentos pertinentes que otimizem os resultados.1
Na pesquisa emprica, duas perguntas foram feitas acerca da formao do professor:
uma sobre a participao em cursos ou palestras sobre como utilizar cinema na escola, e outra
sobre a importncia de os cursos de formao inicial de professores inclurem no seu currculo
uma disciplina que os prepare para esta utilizao. Nos depoimentos, percebe-se uma
distncia entre propostas ou intenes e a prtica efetiva, pois embora os vinte e cinco
professores entrevistados usassem o cinema, apenas nove buscaram algum tipo de formao,
em que pese vrios tenham afirmado que essa formao fosse necessria. Alguns professores
apontaram para a dificuldade de formao por conta da ineficincia dos cursos e outras
complicaes do dia a dia do professor.
Com relao rotina dificultosa citada pelo professor acima, sabemos que na realidade
escolar, os professores vivenciam uma contradio entre o que a prtica pedaggica exige que
seja realizado e o que possvel realizar frente ao nmero de aulas que so obrigados a
assumir, nmero de alunos por sala, falta de recursos materiais e de equipamentos. Mesmo os
professores que fizeram cursos ou assistiram a palestras, no se sentem preparados para fazer
a adequada mediao do filme, apenas seis professores demonstraram certa segurana para a
utilizao do cinema, por conta de autodidatismo e planejamento prvio.
obvio que a preocupao em planejar, preparar as aulas com antecedncia
fundamental para o sucesso de qualquer proposta pedaggica, mas embora possam
proporcionar mais segurana ao professor, no garantem que a utilizao do cinema explore
todas as possibilidades desse objeto ou recurso.
Nas falas dos professores, podemos perceber que a utilizao ainda incipiente do
cinema na escola decorrente, em grande parte, da estrutura deficiente da sua formao -
problema que j se arrasta h algumas dcadas e vem sendo discutido pela academia, em
busca de solues. Muitas so as dificuldades para formao continuada: qualidade e custo
dos cursos oferecidos, disponibilidade e motivao dos professores, mas, em contrapartida, 1 Ora, o mesmo seria exigido de qualquer tcnica, linguagem ou recurso utilizado pelo professor, mas h certa naturalizao das demais estratgias de ensino.
-
existe uma literatura e cursos de qualidade sobre o cinema na escola, e h tambm o respaldo
do Centro de Referncia em Educao Mrio Covas, que alm de ter um acervo de mais de
700 fitas de filmes de longa metragem, disponibiliza material didtico para apoio do
professor.
Com o objetivo de detectar se os professores so espectadores assduos, pois
assistindo a filmes que o espectador se familiariza com sua linguagem, e saber quais filmes
sensibilizam esse tipo especfico de espectador que tambm professor, argimos sobre a
freqncia com que assistem a filmes e qual o filme que recomendariam. Segundo Moraes,
mesmo o:
[...] cinema dominante serve-nos muito bem para realizarmos tanto uma
empresa epistemolgica quanto uma experincia esttica. Entendo, pois, por
empresa epistemolgica este processo de pesquisa que instalamos quando
retiramos o filme de seu circuito normal de apresentao e o submetemos a
uma assistncia, anlise e debate diferenciados, por exemplo, numa
instituio educacional; sempre tentando relacionar o filme texto e
contexto com um objetivo que no definido explicitamente pelo filme.
Entendo, por outro lado, por experincia esttica a capacidade que os objetos
de arte tm de modificar a nossa percepo acerca da prpria realidade.
Nesse caso, entendo o cinema, muito mais que uma tecnologia, como uma
arte, embora nem sempre se produzam obras-de-arte no cinema. (Moraes,
2001; 2) 2
Dessa forma, o professor-espectador estabelece com o cinema uma relao
diferenciada do espectador comum, pois mesmo que assista ao filme com objetivo de
entretenimento, lazer ou fruio estar enriquecendo sua bagagem de conhecimento sobre o
cinema, e em nenhum momento deixar de ser um educador. Quanto mais filmes o professor
assistir, maior ser sua capacidade de acerto na escolha do filme a ser utilizado em suas aulas,
e maior sua intimidade com a linguagem cinematogrfica, e consequentemente, sua segurana
para utiliz-lo, lembrando que a maioria dos professores se sente insegura para utilizar o
cinema, principalmente como objeto de conhecimento.
As respostas dos professores nos surpreenderam, pois indicam que as dificuldades
materiais e de tempo no os impedem de serem espectadores assduos, tanto no prprio
cinema como em casa, via TV paga ou locao de filmes. Os filmes citados pelos professores, 2 As expresses cinema dominante, empresa epistemolgica e experincia estticas Moraes toma-as de Xavier, 2003; no caso, cinema dominante, Xavier se refere ao cinema comercial norte-americano.
-
como os que mais lhes marcaram e que recomendariam para outros professores, revelam
grande variedade temtica e que no so apenas filmes comerciais, que podem muito bem
servir ao trabalho educativo, pois reafirmamos que qualquer cinema educativo.
6 - Concluses
No incio deste trabalho nos propusemos a fazer um estudo comparativo entre a teoria
na qual nos apoivamos e a realidade emprica mostrada pela pesquisa de campo. Se alguma
dvida ainda persistia no incio deste trabalho, sobre a no efetiva insero do cinema na
escola por falta de recursos, conclumos que o primeiro indcio propiciado pelos dados foi o
de que a rede pblica de ensino est provida de equipamentos audiovisuais, o que no implica,
necessariamente, que as mdias estejam inseridas no processo educativo, pois isto s ocorre
quando o cinema, ou qualquer outro audiovisual, submetido a procedimentos escolares de
estranhamento e crtica (Moraes, 2003; 2006).
Certamente, o fato de as escolas estarem equipadas um facilitador para que as mdias
sejam inseridas no processo educativo, pois sem a aparelhagem necessria, tendo que buscar
solues alternativas para utilizar o cinema, ou qualquer outro recurso audiovisual, o
professor teria grandes dificuldades para concretizar tal proposta, mas os equipamentos no
garantem a prtica educativa apenas pela possibilidade de acesso nem mesmo somente pela
sua utilizao; sabemos que em vrias escolas foram montadas salas de informtica, com
vrias mquinas, que no so utilizadas, ou so subutilizadas, trancadas para evitar possveis
roubos ou o mero desgaste. O mesmo ocorre, s vezes, com as salas de leitura ou bibliotecas,
o que mostra uma viso muito mais administrativa e menos pedaggica dos diretores,
preocupados em preservar a escola de possveis atos de vandalismos que podem manchar sua
administrao. A mentalidade de que livros, computadores, televisores entre outros
equipamentos devam ser preservados, mesmo que custa da sua no utilizao, vem mudando
gradativamente nas escolas pblicas, mas ainda temos um longo caminho a percorrer.
A freqncia, situaes e formas que o cinema utilizado na escola, reveladas pela
pesquisa de campo, mostram que no cotidiano escolar o cinema permanece ainda atrelado
sua funo de instrumento didtico para ilustrar ou introduzir contedos. O cinema no pode
mais ser apontado como um instrumento inovador dentro da escola, essa inovao s se
constituiu uma realidade no incio do sculo XX, e tambm no o uso das novas tecnologias
que ir resolver os problemas do ensino. De acordo com Moraes:
-
Essa busca pelo novo make it new traz a impresso de que o novo o
mais adequado porque agradvel, prazeroso, o que facilitaria o ensino e a
aprendizagem, ou o novo mais adequado porque o mais perfeito, mais
verdadeiro, de acordo com as ltimas descobertas das cincias da
educao. Essa busca da inovao pode ser interpretada como um cacoete
do discurso pedaggico de perseguio do novo, do moderno. (Moraes,
1997: 3)
Hoje, depois de tanto anos que esta utilizao vem se realizando, o fato inovador pode
ser a sua utilizao se traduzir em prticas pedaggicas diversificadas, ser tomado como uma
empresa epistemolgica (Xavier, 2003). Dessa forma, o mrito do cinema, ao adentrar na sala
de aula, no est na sua natureza inovadora, assim como tambm no est no seu potencial
como motivador ou dinamizador do processo educativo, pois sabemos que o cinema pode no
ser uma forma de motivar os alunos ou de tornar a aula mais dinmica e interessante, pois
exige do professor um esforo para desenvolver nos alunos o gosto pelo cinema, ou seja,
ensin-los a apreciar os filmes a partir do contexto da sua produo, a identificar os recursos
cinematogrficos e instrument-los para uma leitura e reflexo crtica do filme. Portanto, seu
mrito est na possibilidade de ser submetido a uma assistncia, anlise e debate diversos,
tendo seu texto e contexto relacionados aos objetivos colocados pela escola, como diz Moraes
(2001).
Submeter o cinema a procedimentos escolares implica romper com a viso naturalista
de que os audiovisuais so produtores de entretenimento - o estranhamento e a crtica se do
ao se retomar os aspectos da realidade como temas disciplinares. Assim, o cinema ao entrar na
sala de aula, choca as formas tradicionais de ensino, e ao sair, choca as formas convencionais
da assistncia, ver filmes na escola rever a forma de v-los em outros lugares (Moraes 2003;
2006).
Reiteramos que todo filme educativo, assim qualquer filme pode ser levado para a
escola, no entanto isto no significa que a sua escolha no possa ser questionada. A pesquisa
nos mostrou que os professores escolhem os filmes tendo como critrio sua pertinncia ao
contedo que est sendo desenvolvido em suas aulas, e o que o filme pode ilustrar atravs de
suas imagens. Nesse sentido o filme no considerado como um objeto de conhecimento,
conforme Duarte:
Geralmente, a escolha dos filmes que so exibidos em contexto escolar
dificilmente orientada pelo que se sabe sobre cinema, mas, sim, pelo
-
contedo programtico que se deseja desenvolver a partir ou por meio deles.
Nesse caso, o filme no tem valor por ele mesmo ou pelo que representa no
contexto da produo cinematogrfica como um todo; vale pelo uso que
podemos ou no fazer dele em nossa prtica pedaggica. (Duarte, 2002: 88;
grifo do autor)
Certamente, o professor no vai usar um filme simplesmente porque ele considerado
bom, imperdvel ou clssico, h que subordinar sua escolha ao que pretende ensinar. Como
diz Saliba:
[...] nada substitui a escolha, que deve ser do professor. Pois considero que,
aquilo que vlido para todo o processo educacional, tambm funciona na
utilizao das imagens. Apesar de vivermos uma civilizao da imagem,
sempre bom dizer que a equao-chave da educao, continua sendo o
professor e o aluno; tudo ser intil, ilusrio, diversionista, alienante e
equvoca se desprezarmos essa equao. (Saliba, 2007: 95/96)
O cinema como vimos, alm de ser um rico recurso didtico possvel de ser utilizado
em todas as disciplinas e em todas as reas do conhecimento, como forma de ilustrao ou
para introduzir novos contedos, ele mesmo tambm um objeto de conhecimento, na medida
em que proporciona uma experincia esttica (Xavier, 2003), ou seja, modifica nossa
percepo acerca da realidade; posto que o cinema constitui uma prtica social, merece ser
tratado pelos contedos e pelas formas de que composto como material fundamental para
entender o mundo contemporneo e a sociedade de hoje (Turner apud Moraes, 2003).
Visto por essa tica, a escola no se apropria do cinema como objeto de forma efetiva
e adequada, pois mesmo o professor que propaga esta possibilidade, na prtica o reduz a um
instrumento, com a justificativa de que na sua formao no h um preparo adequado para
esta tarefa - os depoimentos dos professores apenas confirmam esta realidade j do
conhecimento de todos sobre as carncias da sua formao. Mas h de se lembrar, como
afirma Franco (1992), ao assistir qualquer filme com o objetivo de fruio associado ao olhar
peculiar de docente, o professor pode se tornar um espectador especialista. Um exemplo dessa
atitude de especialista o trabalho desenvolvido por um dos professores entrevistados que em
parceria professores de outras disciplinas, com idas bimestrais ao cinema, um trabalho
sistemtico anterior e posterior assistncia de cada filme, como discusses em grupo,
envolvendo anlise do filme e da linguagem do cinema, pesquisas sobre o tema, produo de
textos, montagem de exposies fotogrficas. Interessante frisar que os professores
-
envolvidos nesse projeto assistem e discutem previamente os filmes, o que nos remete ao
texto de Azanha sobre um saber no codificado nem expresso numa linguagem terica, mas
que constitui a base da atuao docente (Azanha, 1995), saber este que s pode ser
enriquecido com iniciativas como essas.
No depoimento dos professores, percebe-se a conscincia do despreparo para a
utilizao do cinema, tanto do ponto de vista didtico (uso como instrumento), como do ponto
vista epistemolgico (uso como objeto); isto posto, a mediao entre o filme e o educando,
apontada por Ferro (1992) e Napolitano (2003), raramente se realiza, pois o professor no se
faz um espectador especializado como recomenda Franco (1992). A utilizao do cinema na
escola no constitui o nico aspecto da deficincia da formao do professor; assim, como
vrios professores apontaram nos depoimentos, no se trata apenas de preparar o professor
para a utilizao do cinema, mas sim de prepar-lo de forma mais efetiva, profunda e
abrangente para o trabalho docente. No basta inserir uma disciplina para ensinar o professor
como utilizar as novas tecnologias e linguagens, os cursos de formao de professor precisam
ser repensados e re-estruturados de maneira a garantir uma qualidade, hoje no existente, na
formao do futuro docente.
Quando a escola fecha seus olhos e ouvidos para a realidade do mundo fora de seus
muros, abandona seus alunos aos seus prprios recursos, tira-lhes a oportunidade de novos
empreendimentos, no os prepara para a tarefa de renovar um mundo comum. Os alunos tem,
fora da escola, acesso a um enorme leque de informaes atravs de diversos recursos - TV,
internet, vdeo games, jornais, cinema - recursos esses que se no forem incorporados pela
escola, esta no ter como cumprir a tarefa de instrumentar seus alunos para se relacionarem
com os audiovisuais de forma crtica. Isso nos remete ao desafio de que fala Napolitano
(2003), ou seja, de o professor cumprir seu papel de mediador e tornar o aluno um espectador
mais exigente e crtico, capaz de relacionar o contedo e a linguagem do filme com o
contedo escolar.
7 - Referncias bibliogrficas
ARENDT, Hannah, Entre o Passado e o Futuro, So Paulo: Perspectiva, 2002.
AZANHA, Jos Mrio Pires, Educao: temas polmicos, So Paulo: Martins Fontes, 1995.
BERNARDET, Jean-Claude, O que cinema, Coleo Primeiros Passos, So Paulo: Ed. Brasiliense, 1980.
BITTENCOURT, Circe, Cinema, vdeo e ensino de histria, So Paulo: mimeo, 1993.
DUARTE, Roslia, Cinema & Educao, BH: Autntica, 2002.
-
FERRO, Marc, Cinema e Histria, RJ: Paz e Terra, 1992.
FRANCO, Marlia da Silva, A natureza pedaggica das linguagens audiovisuais, in Lies de cinema 1, Cinema: uma introduo produo cinematogrfica, SP: FDE, 1992.
LDKE, Menga, (et al.) Pesquisa em Educao: Abordagens Qualitativas, SP: EPU, 1986.
MORAES, Amaury Csar, Mtodos inovadores no ensino da Sociologia no 2 grau, prova escrita para o processo Seletivo de professore de Prtica de Ensino de Cincias Sociais no Departamento de Metodologia do Ensino e Educao Comparada da FEUSP, 1997.
______________________ Um tema em tela: a constituio do sujeito feminino ma famlia, Seminrio Educao e Comunicao: um debate contemporneo, So Paulo: FEUSP/Anhembi Morumbi, 2001.
______________________ Cinema, TV e cidadania: revendo posies, in Revista do Centro de Educao, vol. 28, So Paulo: Centro de Educao, 2003.
______________________ Aprender e ensinar com cinema na educao, apresentado na IV Semana da Educao: Ensinar e Aprender: formao, percursos e projetos, So Paulo: FEUSP, 2006.
NAPOLITANO, Marcos, Como usar o cinema na sala de aula, So Paulo: Ed. Contexto, 2003.
RIOS, Terezinha Azeredo, tica e competncia, Coleo Questes de Nossa poca v. 16, So Paulo: Cortez, 2001.
SALIBA, Elias Thom, As imagens cannicas e a Histria, in CAPELATO, Maria Helena (et al.), Histria e cinema, So Paulo: Alameda, 2007, p. 85-96.
XAVIER, Ismail (org), A experincia do cinema: antologia, Rio de Janeiro: Graal, 2003.