Ciencia Tecnologia e Sociedade
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Cincia, tecnologia e sociedade
Florianpolis2010
Fernando Rosseto Gallego Campos
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Cincia, tecnologia e sociedade
Fernando Rosseto Gallego Campos
Florianpolis2010
Curso de Especializao em Ensino de Cincias
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C198c Campos, Fernando Rossetto Gallego Cincia, tecnologia e sociedade / Fernando Rossetto Gallego Campos. Florianpolis : Publicaes do IF-SC, 2010. 85 p. : il. ; 27,9 cm. Inclui Bibliografia. ISBN: 978-85-62798-32-0 1. Educao sociedade. 2. Cincia, tecnologia e sociedade (CTS). 3. CTS fundamentos. 4. CTS educao. I. Ttulo.
CDD: 370.19
Sistema de Bibliotecas Integradas do IF-SCBiblioteca Dr. Herclio Luz Campus FlorianpolisCatalogado por: Augiza Karla Boso CRB 14/1092
Rose Mari Lobo Goulart CRB 14/277
Copyright 2010, Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia de Santa Catarina / IF-SC. Todos os direitos reservados.A responsabilidade pelo contedo desta obra do(s) respectivo(s) autor(es). O contedo desta obra foi licenciado temporria e gratuitamente para utilizao no mbito do Sistema Universidade Aberta do Bra-sil, atravs do IF-SC. O leitor compromete-se a utilizar o contedo desta obra para aprendizado pessoal. A reproduo e distribuio ficaro limitadas ao mbito interno dos cursos. O contedo desta obra poder ser citado em trabalhos acadmicos e/ou profissionais, desde que com a correta identificao da fonte. A cpia total ou parcial desta obra sem autorizao expressa do(s) autor(es) ou com intuito de lucro constitui crime contra a propriedade intelectual, com sanes previstas no Cdigo Penal, artigo 184, Pargrafos 1o ao 3o, sem prejuzo das sanes cabveis espcie.
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InstItuto FEdERal dEEduCao, CInCIa E tECnoloGIaSanta Catarina
Ficha tcnica
Organizao Fernando Rosseto Gallego Campos
Comisso Editorial Paulo Roberto Weigmann
Dalton Luiz Lemos II
Coordenador do Curso de Jos Carlos Kahl
Especializao em Ensino de Cincias
Produo e Design Instrucional Ana Paula Lckman
Capa, Projeto Grfico, Editorao Eletrnica Lucio Santos Baggio
Reviso Gramatical Maria Helena de Bem
Imagens Stock.XCHNG e Wikimedia Commons
Material produzido com recursos do Programa Universidade Aberta do Brasil (UAB)
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sumrio
9 Apresentao
11 cones e legendas
13 unidade 1 Fundamentos em Cincia, tecnologia e sociedade
15 1.1 Cincia
19 1.2 Tecnologia
21 1.3 Sociedade
25 1.4 Da Cincia e Tecnologia (C&T) Cincia, Tecnologia e Sociedade (CTS)
31 unidade 2 temas em Cts
33 2.1 Interpretaes das relaes CTS
37 2.2 Modernidade, ps-modernidade e globalizao
41 2.3 CTS, mercado e sistema produtivo
45 2.4 CTS e meios de comunicao
46 2.5 Tecnologia no cotidiano
49 unidade 3 Cts e questo ambiental
51 3.1 Crise ambiental
61 3.2 Desenvolvimento sustentvel
67 unidade 4 Cts e educao
69 4.1 CTS no cotidiano e cotidiano na CTS
70 4.2 Alfabetizao e letramento cientficos e tecnolgicos
73 4.3 Ensino CTS e currculo
81 Consideraes finais
82 Referncias
85 Sobre o autor
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Cincia, tecnologia e sociedade - 9
Caro estudante,
A unidade curricular Cincia, Tecnologia e Sociedade (CTS) muito
importante e espero que seja tambm muito interessante para voc. Im-
portante, entre outros motivos, porque voc, na condio de professor de
Cincias (ou, mais especificamente, Qumica, Fsica, Biologia ou Matemti-
ca), em sua prtica cotidiana em sala de aula, convive com a necessidade/
possibilidade de trabalhar questes em CTS. Assim, o objetivo deste livro
que, ao final desta unidade curricular, voc compreenda os principais
conceitos do movimento CTS e do Ensino CTS, mas principalmente, que
as reflexes aqui propostas (mesmo que parciais) possam contribuir para
sua prtica docente.
Cada uma das unidades foi pensada para que voc se apropriasse
de conceitos fundamentais para promover, em sala de aula, um Ensi-
no CTS. A primeira unidade introdutria. Nessa unidade, intitulada
Fundamentos em Cincia, Tecnologia e Sociedade, como o nome sugere,
proponho algumas discusses acerca de cada um destes trs temas,
mas tambm apresento as bases do prprio pensamento do movimento
CTS. Na unidade 2, Temas em CTS, proponho reflexes sobre alguns dos
muitos temas que podem ser abordados numa perspectiva CTS. Entre
eles, a questo do emprego e do desemprego. A terceira unidade , de
certa forma, uma continuidade da unidade 2, pois trato de um dos temas
mais importantes e ricos a serem trabalhados em CTS: CTS e a questo
ambiental. Na unidade 4, denominada CTS e Educao, sistematizo um
debate e proponho reflexes de como o Ensino CTS (e todas as discusses
apresentadas nas trs primeiras unidades) pode se efetivar.
Espero que voc consiga identificar, na leitura, questes pertinentes
unidade curricular que voc trabalha, que voc se interesse pela CTS e
apresentao
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10 - Curso de Especializao em Ensino de Cincias
que possa se aprofundar em algumas das questes atravs de pesquisas
ou prticas docentes.
Boa leitura e bons estudos!
Um abrao,
Professor Fernando Rosseto Gallego Campos
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Cincia, tecnologia e sociedade - 11
cones e legendas
GlossrioA presena deste cone representa a explicao de um termo utilizado durante o
texto da unidade.
lembre-seA presena deste cone ao lado do texto indicar que naquele trecho demarcado
deve ser enfatizada a compreenso do estudante.
saiba maisO professor colocar este item na coluna de indexao sempre que sugerir ao
estudante um texto complementar ou acrescentar uma informao importante
sobre o assunto que faz parte da unidade.
link de hipertextoSe no texto da unidade aparecer uma palavra grifada em cor, acompanhada do cone da seta, no espao lateral da pgina, ser apresentado um contedo especfico relativo expresso
destacada.
destaqueparalelo
destaque de texto
A presena do retngulo com fundo colorido indicar trechos im-
portantes do texto, destacados para maior fixao do contedo.
O texto apresentado neste
tipo de box pode conter
qualquer tipo de informao
relevante e pode vir ou no
acompanhado por um dos
cones ao lado.
Assim, desta forma, sero
apresentados os conte-
dos relacionados palavra
destacada.
Para refletirQuando o autor desejar que o estudante responda a um questionamento ou realize
uma atividade de aproximao do contexto no qual vive ou participa.
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1unidade
Fundamentos em Cincia, tecnologia e sociedade
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14 - Curso de Especializao em Ensino de Cincias
Com o estudo desta unidade, voc ser capaz de:
Conhecer diversas concepes acerca de Cincia, Tecno-logia e Sociedade.
Compreender a importncia de se pensar as relaes entre Cincia, Tecnologia e Sociedade (CTS).
Entender a proposta e os fundamentos do movimento CTS.
Competncias
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Cincia, tecnologia e sociedade - 15
1 Fundamentos em Cincia, tecnologia e sociedade
Caro (a) estudante,
Nesta unidade voc ver os fundamentos em Cincia, Tecnologia e Sociedade
(CTS). Para tal, discutiremos: o que cincia sob diferentes aspectos; as diversas
formas de se definir e pensar tecnologia; e as principais formas de se inter-
pretar a sociedade. Posteriormente, apresentaremos uma crtica ao contrato
social entre Cincia e Tecnologia (C&T) baseado na idia de neutralidade da
C&T , a fim de chegarmos proposta do movimento CTS de deslocar para
um plano social e poltico as questes acerca do desenvolvimento, aplicao
e implicaes das tecnologias e dos conhecimentos cientficos. Nesta unidade
voc ter contato com alguns conceitos e ideias que sero fundamentais para
as demais unidades.
1.1 Cincia
A criao de Ado, afresco do pintor renascentista Italiano Michelangelo. Fonte: Wikimedia Commons
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16 - Curso de Especializao em Ensino de Cincias
De diversas formas, o ser humano procura apreender a realidade. Tais
formas, que coexistem, variam conforme contexto histrico, geogrfico,
cultural, etc. Uma mesma sociedade pode utilizar o pensamento mtico, o
artstico, o religioso e o cientfico para explicar aquilo que acontece em sua
volta. Por exemplo, a origem da vida na Terra pode ser explicada como uma
criao divina (explicao religiosa) ou como uma sucesso de fenmenos
naturais (explicao cientfica) Big Bang, fenmenos tectnicos, formao
da atmosfera e hidrosfera, at chegar origem da vida, no meio aqutico.
Desta forma, a cincia uma destas formas de explicao, ou seja, uma
representao da realidade (OMNS, 1996).
As representaes funcionam como lentes sem as quais no consegui-
mos observar a realidade. No entanto, todas estas lentes, inclusive a cincia,
nos distorcem o real, apesar do discurso produzido dentro da academia
e permeado de interesses de que a cincia neutra (BOURDIEU, 1983a).
A cincia, discursivamente, procura se aproximar ao mximo da realidade e
submeter as outras formas de apreenso da realidade mesmo no tendo
pretenses de absoluto (ABBAGNANO, 2000). Para tal, segundo Omns (1996),
exige uma coerncia interna integral, que constantemente reinterrogada,
ou seja, as formulaes cientficas precisam ser validadas, estar em conso-
nncia e estabelecer nexos. Desta forma, a verdade cientfica refutvel, o
que significa que pode ser substituda por outras que se mostrem (mesmo
que aparentemente) mais prximas da realidade e mais coerentes com
outros conhecimentos cientficos. De acordo com a teoria dos campos de
Bourdieu (1983b), esta verdade cientfica, portanto, depende de condies
sociais de produo, ou seja, das disputas ocorridas no campo cientfico, que
definido da seguinte forma:
O campo cientfico, enquanto sistema de relaes objetivas entre posies adquiridas (em lutas an-teriores), o lugar, o espao de jogo de uma luta concorrencial. O que est em jogo especificamente nessa luta o monoplio da autoridade cientfica definida, de maneira inseparvel, como capacidade tcnica e poder social; ou, se quisermos, o monoplio da competncia cientfica, compreendida enquanto capacidade de falar e de agir legitimamente (isto ,
A teoria dos campos pre-
coniza que estes so espa-
os estruturados nos quais
ocorrem disputas de objetos
por pessoas que ocupam
determinadas posies. O
resultado destas disputas
a acumulao de um capi-
tal especfico que vale no
interior deste campo. Assim,
aqueles que detm este
capital possuem poder sobre
o campo e sobre as pessoas
que dele fazem parte. Alm
do campo cientfico, pos-
svel identificar outros, como
o econmico, o esportivo, o
artstico, etc.
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Cincia, tecnologia e sociedade - 17
de maneira autorizada e com autoridade), que socialmente outorgada a um agente determinado. (BOURDIEU, 1983a, p. 122, grifo do autor).
O campo cientfico , portanto, um espao estruturado no qual
ocorrem as disputas pela autoridade cientfica e pela competncia
cientfica. Ambas se convertem em capital cientfico uma espcie
de moeda de troca que reconhecida no interior do campo, pelos
prprios atores que o constituem. O capital cientfico assegura poder
sobre a estrutura do campo cientfico e pode se converter em outro
tipo de capital, como o econmico, por exemplo. Assim, aqueles que
detm o capital cientfico so os que dominam o campo, controlando
instituies (universidades, revistas cientficas, organismos de fomento)
e impondo sua viso de cincia. Desta forma, ainda segundo as idias
de Bourdieu (1983a), uma definio pura de cincia impossvel, uma
vez que qualquer definio permeada pelos interesses daqueles que
dominam o campo cientfico.
No entanto, podemos apontar algumas caractersticas da cincia. O
conhecimento cientfico acumulvel, registrvel e refutvel. Alm disto,
a cincia utiliza uma linguagem prpria e se baseia na articulao entre
procedimentos metodolgicos e fundamentos epistemolgicos, a fim de
manter sua coerncia e apreender a realidade de forma objetiva.
O mtodo pode ser considerado um conjunto de tcnicas para se che-
gar ao conhecimento cientfico ou uma orientao de pesquisa (ABBAGNANO,
2000). A primeira concepo compartilhada por Severino (2007, p. 102), que
define o mtodo cientfico como um conjunto de procedimentos lgicos e de
tcnicas operacionais que permitem o acesso s relaes causais constantes
entre os fenmenos. A segunda concepo mais empregada nas Cincias
Humanas, que admitem maior variedade epistemolgica e, consequente-
mente, metodolgica. Neste caso, os mtodos esto relacionadas a vises de
mundo, como os mtodos dialtico ou hegeliano . Omns (1996, p. 272)
atribui ao mtodo a condio de minimizar a distncia entre o conhecimento
Apesar de admitir variaes,
sobretudo nas Cincias Hu-
manas, a linguagem cien-
tfica, tradicionalmente, se
caracteriza por ser rigorosa,
direta e objetiva.
Essas questes sero apro-
fundadas no item 1.3.
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18 - Curso de Especializao em Ensino de Cincias
cientfico e o real: trata-se, antes de tudo, de regras prticas que permitam
garantir a qualidade da correspondncia entre a representao cientfica e a
realidade. Este autor defende a aplicao universal do mtodo que chama de
quatro tempos, derivado da Fsica. Este mtodo consiste no cumprimento de
quatro etapas: estgio emprico ou explorao (observao dos fatos e estabe-
lecimentos de regras empricas); conceptualizao ou concepo (elaborao
e seleo de conceitos; criao de princpios); elaborao (enumerao das
conseqncias dos princpios); verificao (fase em que as hipteses sero
submetidas refutao).
A defesa de Omns (1996) de um nico mtodo aplicvel a todas as ci-
ncias (das Naturais s Humanas) deixa transparecer sua concepo acerca da
natureza do real e acerca do seu modo de conhecer (SEVERINO, 2007, p. 107), ou
seja, seus fundamentos epistemolgicos. Neste caso, Omns parte de pressu-
postos positivistas, de acordo com os quais a cincia capaz de explicar todos
os fenmenos a partir de regras, leis e princpios. Estes trs so estabelecidos a
partir da experimentao e da quantificao, eliminando-se as interferncias
subjetivas e qualitativas. A postura de Omns ratifica as afirmaes de Bourdieu
(1983a) de que os conflitos no campo cientfico so, indissociavelmente, episte-
molgicos e polticos uma vez que no se trata apenas de se discutir formas
de se interpretar a realidade, mas tambm de preconizar sua maior autoridade
cientfica e submeter as Cincias Humanas s Naturais, uma vez que aquelas
primam pela variedade epistemolgica e metodolgica.
Compreender o campo cientfico e as formas pelas quais o conhe-
cimento cientfico produzido fundamental. No entanto, o saber
cientfico no fica circunscrito ao campo cientfico. Nesse sentido,
uma afirmao de Severino (2007, p. 100) esclarecedora: A cincia
simultaneamente um saber terico (explica o real) e um poder prtico
(maneja o real pela tcnica). Discutiremos, no prximo item, as tcni-
cas, ou seja, este poder prtico que produzido no interior do campo
cientfico, mas tambm o pode ser feito fora.
Veremos alguns dos dife-
rentes fundamentos epis-
temolgicos das Cincias
Humanas no item 1.3.
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Cincia, tecnologia e sociedade - 19
1.2 tecnologiaSegundo Abbagnano (2000, p. 942), a palavra tecnologia admite trs
significados:
1 Estudo dos processos tcnicos de determinado ramo da produo
industrial ou de vrios ramos;
2 O mesmo que tcnica;
3 O mesmo que tecnocracia.
Estas trs definies possuem limitaes, mas podem ser interessantes
pontos de partida para algumas discusses. possvel acrescentar primeira
definio a aplicao destes processos tcnicos e no apenas o seu estudo
que pode se dar no ambiente acadmico (no interior do campo cientfico),
mas tambm nas indstrias ou empresas de servio. A capacidade de uma
sociedade desenvolver estes processos tcnicos, sobretudo na indstria de
ponta (informtica, biotecnologia, robtica, etc.), motivo de diferenciao
em relao a outras. Desta forma, entre outros fatores, o que diferencia os
pases desenvolvidos dos em desenvolvimento (comumente chamados de
subdesenvolvidos) a sua capacidade de produo tecnolgica.
Acostumamo-nos, portanto, na linguagem miditica e cotidiana, a
compreender tecnologia como sinnimo de tcnicas desenvolvidas re-
centemente, como a clonagem, os transgnicos, os radares, notebooks,
celulares, etc. No entanto, possvel compreender todos os artefatos
produzidos e/ou utilizados pelo ser humano como tecnologia por
exemplo, o fogo e seus diversos usos na histria da humanidade.
Esta compreenso nos leva segunda definio, que aparentemente
simples, mas esconde uma grande complexidade. Se pensarmos tecnologia
como sinnimo de tcnica, estamos ampliando no apenas o uso da palavra,
mas tambm a riqueza do entendimento do que tecnologia. Isto porque
qualquer atividade humana, desde a cientfica at as artsticas, pressupe
tcnica (ABBAGNANO, 2000), assim como, de acordo com Paul Claval (2001,
p. 228, grifo do autor), no h tcnica, e cadeia tecnolgica, sem ator para
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20 - Curso de Especializao em Ensino de Cincias
conceb-la e faz-la funcionar e controlar as etapas e o resultado. Assim, o
desenvolvimento, a aplicao e implicaes das tcnicas esto imersos na
cultura na qual concebida e utilizada.
Para Milton Santos (2006, p. 16), as tcnicas so a principal forma de
relao entre o homem e o meio (natureza), sendo elas um conjunto de
meios instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza sua vida, pro-
duz e, ao mesmo tempo, cria espao. O autor, portanto, emprega a ideia de
tcnica no apenas como mediao entre sociedade e natureza atravs
da produo de conhecimentos e artefatos que permitem a apropriao do
meio natural pelo homem , mas tambm como produtor de espao e de
relaes humanas pressupostas na definio de espao de Milton Santos.
Para o autor, o espao pode ser compreendido como o conjunto indissocivel
de sistemas de objetos e sistemas de ao. Os objetos se tornam cada vez
mais tcnicos, substituindo os objetos naturais e promovendo uma natureza
inteiramente humanizada. Se os sistemas de objetos ganham em artificiali-
dade, o mesmo ocorre com os sistemas de ao que criam e promovem
o uso dos objetos, mas que tambm so condicionados pelos objetos exis-
tentes (SANTOS, 2006). Assim, a tcnica (como objeto, mas tambm como
concepo) seria capaz de organizar uma sociedade e suas possibilidades
em relao ao meio e em relao a outras sociedades.
A exacerbao desta interpretao, ou seja, a ideologizao das tc-
nicas e do seu uso como instrumento de poder nos leva a idia de tecno-
cracia a terceira forma de definio de tecnologia. Esta se fundamenta no
pressuposto de que a realidade pode ser interpretada exclusivamente a partir
da cincia e das tcnicas e de que as decises devem ser tomadas a partir
de critrios tcnico-cientficos, eliminando questes polticas, ideolgicas e
sociais, em geral. Esta concepo compreende a cincia (aqui, sobretudo,
as cincias aplicadas) como desenvolvedora e promotora da tcnica. Desta
forma, induz a um determinismo tecnolgico, ignorando questes sociais
e culturais. Consequentemente, o pensamento e a ao tecnocrticos ne-
gligenciam importantes dimenses da prpria idia de tcnica, conforme
apontam Paul Claval e Milton Santos.
Segundo Claval (2001a, p. 63)
a cultura a soma dos com-
portamentos, dos saberes, das
tcnicas, dos conhecimentos
e dos valores acumulados
pelos indivduos durante suas
vidas e, em outra escala, pelo
conjunto dos grupos de que
fazem parte.
O determinismo tecnolgico
preconiza que os fenmenos
sociais, econmicos, cultu-
rais, etc. so determinados
por questes tcnicas/tec-
nolgicas. Isto leva a duas
possveis interpretaes:
1) a de que a tecnologia
a causa das mudanas
sociais e 2) a da autonomia
da tecnologia, no sofrendo
influncias sociais (AULER;
DELIZOICOV, 2006).
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Cincia, tecnologia e sociedade - 21
1.3 sociedadePara uma discusso, em sentido amplo, de cincia e tecnologia e
suas implicaes polticas, econmicas, sociais, culturais, ambientais,
etc. necessrio uma compreenso mais apurada do contexto em que
esto inseridas. Para tal, preciso que questes tradicionalmente tratadas
sob a perspectiva da neutralidade da Cincia e Tecnologia (C&T) sejam
abordadas sob o prisma das Cincias Humanas. Entretanto, estas admitem
uma grande diversidade de pressupostos epistemolgicos e metodolgicos.
Apresentaremos, portanto, de maneira breve, alguns dos principais autores
e das mais importantes perspectivas de interpretao da sociedade.
1.3.1 o positivismo de ComteO positivismo busca, a partir da razo, formular leis para conhecer
e ordenar a realidade. Desta forma, passou a utilizar leis e mtodos das ci-
ncias naturais para compreender a sociedade. Esta concebida de modo
orgnico, ou seja, como um organismo cujas partes funcionam de maneira
interligada e interdependente. Quando este organismo est em harmonia,
a sociedade atinge a ordem social. O carter conservador da ordem pri-
vilegiado na concepo de Comte se relaciona com carter modificador
do progresso. Este deveria aperfeioar os elementos de uma ordem social
sem destru-los. Portanto, mantinha uma postura conservadora em relao
s mudanas sociais. Comte acreditava na evoluo das sociedades em uma
direo determinada: do estgio teolgico (explicaes para os fenmenos
naturais e sociais baseados nas divindades), passando pelo metafsico (expli-
caes a partir de conceitos abstratos) at chegar ao positivo ou cientfico
(conhecimento baseado em leis objetivas, que explicavam os fenmenos).
A retomada das idias positivistas com novas roupagens (modelos matem-
ticos, estatsticas, etc.) denominada de Neopositivismo.
Nesta perspectiva, a Cincia
compreendida, sobretudo,
como Cincias Naturais e
suas aplicaes e a tecno-
logia desumanizada.
Considerado o pai da So-
ciologia, o francs Auguste
Comte (1798-1857) foi o
fundador do pensamento
positivista, cuja premissa
bsica est em que a cin-
cia capaz de explicar os
fenmenos, combatendo
as explicaes religiosas.
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ia co
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22 - Curso de Especializao em Ensino de Cincias
1.3.2 Durkheim e a teoria funcionalistaPara Durkheim, os indivduos so condicionados pelos fatos sociais ,
que se constituem como uma realidade objetiva e cumprem funes. Quando
os fatos se tornam anormais (fogem de um padro na sociedade em questo
se conformando como uma ameaa) so considerados patolgicos. Estas ideias
esto imersas no mtodo funcionalista, que entende que a sociedade (capitalista)
funciona como um organismo vivo, sendo que cada parte cumpre com uma
funo especfica. Assim, a sociedade se mantm atravs da solidariedade, que
pode ser mecnica ou orgnica. As sociedades de solidariedade mecnica
so segmentadas (possuem pouca comunicao com outras sociedades) e
sua convivncia pautada na conscincia coletiva (um conjunto de crenas
e sentimentos comuns aos seus membros, que pressupe menor individu-
alidade). Nas sociedades de solidariedade orgnica os indivduos possuem
maior autonomia, uma vez que elas tm a convivncia pautada na diviso
social do trabalho (em que cada indivduo possui uma funo especfica),
sendo, portanto, diferenciadas.
1.3.3 Weber e a sociologia compreensiva Max Weber (1864-1920) tinha como fundamento epistemolgico o
idealismo. Deslocou a anlise social de entidades coletivas (como Durkheim
e Marx) aos atores e suas aes sociais. Estas so o ponto de partida da teoria
weberiana, sendo compreendidas como uma ao dotada de sentido (sub-
jetivo) e que tenha consequncias sociais (a outros indivduos). Assim, nem
toda ao uma ao social . Apesar de, na prtica, nunca serem puramente
de um s tipo, as aes sociais podem ser de quatro tipos: 1) racional com
relao a fins (com objetivo definido e com estratgias racionais); 2) racional
com relao a valores (baseada em valores ticos, sendo o objetivo menos
importante); 3) afetiva (inspirada em sentimentos e emoes); 4) tradicional
(determinada por hbitos e costumes tradicionais). A partir do conceito de
ao social, Weber estabeleceu o conceito de relao social como aes de
vrios atores dotadas de contedos significativos mutuamente relacionados.
So exemplos o comrcio, as relaes familiares e as relaes polticas. Weber
tambm verificou que as diferentes esferas da vida social (econmica, religio-
sa, poltica, artstica, jurdica) existem autonomamente, mas se influenciam
Os fatos sociais possuem
trs caractersticas bsicas:
generalidade (so comuns a
todos os membros de uma
sociedade); coercitividade
(exercem presso aos indi-
vduos a fim de obedec-lo);
e exterioridade (existem
independente das vontades
individuais). Possveis exem-
plos: o modo de se vestir, o
casamento e o suicdio.
H tambm as aes homo-
gneas ou naturais (aes
com motivaes naturais,
biolgicas ou fisiolgicas) as
aes imitativas ou de mul-
tido (influenciadas pelo
comportamento de massa,
meios de comunicao ou
opinio pblica.
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Cincia, tecnologia e sociedade - 23
mutuamente. Em sua obra, destaca-se a anlise que fez entre a relao do
desenvolvimento capitalista com a tica protestante.
1.3.4 Marx e a perspectiva histrico-crticaPara analisar as contradies da sociedade capitalista, Marx props o
materialismo histrico e dialtico como mtodo e como viso de mundo.
Para Marx a sociedade deve ser analisada a partir de sua base material, sendo
o trabalho a condio da existncia humana. Identifica o capitalismo como
um modo de produo o modo pelo qual existem e se relacionam as for-
as produtivas (formas de relao do homem com a natureza, conjunto de
objetos e tcnicas) e as relaes de produo (forma pela qual os homens se
organizam para produzir, sendo estas as mais importantes relaes de uma
sociedade). As relaes de produo so determinadas pela propriedade
dos meios de produo (terra, indstria, etc.), constituindo historicamente as
classes sociais (no capitalismo: burguesia e proletariado). A partir da dialtica,
a luta de classes identificada como o motor da histria, sendo que, quando
um modo de produo se esgota, h uma revoluo que inaugura um novo
modo de produo. Para Marx, o processo de formao do capital no se d
no momento da troca de mercadorias (comrcio), mas na produo destas
(indstria), atravs da mais-valia (valor produzido pelo trabalhador que no
incorporado em sua remunerao, mas fica nas mos do patro). Isto porque
a fora de trabalho tambm uma mercadoria, que o trabalhador vende
ao patro pelo preo de sua subsistncia. Alienao e ideologia so outros
conceitos importantes da ampla teoria de Marx, que influenciou diversos
pensadores e inaugurou a perspectiva histrico-crtica.
1.3.5 EstruturalismoO estruturalismo, como movimento, forma de pensamento e inves-
tigao cientfica, se baseia na idia de estrutura um sistema de leis que
regem as transformaes possveis de um conjunto. Como as estruturas so
anteriores, histrica e espacialmente, s intervenes dos sujeitos, elas pos-
suem condio de definir as aes dos indivduos e grupos. A origem deste
pensamento est em Saussure, tendo Lvi Strauss como um de seus grandes
expoentes. Fundado na idia de que o todo e as partes so interdependen-
O idealismo uma corrente
filosfica, baseada nas for-
mulaes de Kant e Hegel,
que preconiza que o conhe-
cimento no obtido apenas
atravs da experincia, mas
tambm atravs da relao
da razo com os objetos do
mundo exterior.
A dialtica de Marx, que
tem sua origem na m-
todo dialtico de Hegel,
parte de quatro pressu-
postos: 1) tudo se relaciona
(ao recproca); 2) tudo se
transforma (movimento, ne-
nhum modo de produo
eterno); 3) mudana quali-
tativa (sbitas, acmulo de
mudanas quantitativas); 4)
luta de contrrios (motor da
mudana, processos se ex-
plicam pela contradio).
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24 - Curso de Especializao em Ensino de Cincias
tes, o estruturalismo foi amplamente empregado na lingustica, psicologia,
antropologia, sociologia, filosofia, etc. No entanto, recebeu diversas crticas
(as principais em decorrncia de sua postura determinista e a-histrica). Das
diversas respostas ao estruturalismo, surgiu o ps-estruturalismo movi-
mento de definio imprecisa.
1.3.6 Fenomenologia uma corrente filosfica proposta por Edmund Husserl (1859-1938). Sua
preocupao com a essncia dos objetos (materiais ou ideais) e com a forma
como os indivduos processam o conhecimento no mundo. Assim, preconiza a
reduo fenomenolgica, ou seja, que o mundo exterior seja desconsiderado
(posto entre parnteses) para que a investigao se preocupe apenas com a
experincia da conscincia. Neste processo, h a noesis (estrutura essencial do
ato de perceber) e o noema (entidades objetivas da percepo). A identificao
da essncia do noema, ento, realizada a partir da reduo eidtica.
1.3.7 ExistencialismoConjunto de correntes filosficas que tem como instrumento a an-
lise da existncia, ou seja, a relao do homem com o mundo. Suas bases
esto nas formulaes de S. Kierkegaard, E. Husserl e F. Nietzsche. Dois dos
seus grandes pensadores so Heidegger e Jean-Paul Sartre (1905-1980).
As idias deste ltimo pensador popularizaram o existencialismo. Segundo
Sartre, a existncia precede a essncia, ou seja, o ser humano no prde-
terminado (por um deus, por exemplo) e , portanto, livre para se realizar e
se definir atravs de suas aes.
1.3.8 HermenuticaO termo indica qualquer tcnica de interpretao e fortemente
associado interpretao de textos escritos, sobretudo a Bblia. No sentido
restrito, indica um ramo na Filosofia cuja preocupao compreenso hu-
mana e a interpretao. Para a hermenutica, o conhecimento ocorre a partir
da interpretao das formas e expresses simblicas. Sob o ponto de vista
do objeto de interpretao, a hermenutica filosfica vai alm dos escritos
Martin Heidegger (1889-
1976) formulou acerca das
relaes entre o Ser e o
tempo. No entanto, rejeitou
o rtulo de existencialista.
mile Durkheim (1858-
1917) foi o fundador da
sociologia francesa. Este
autor se baseou episte-
mologicamente no positi-
vismo, estabelecendo que
o objeto da Sociologia a
sociedade, colocando os
indivduos em um patamar
inferior.
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Reduo eidticaEliminao das caractersti-
cas reais ou empricas dos
fenmenos psicolgicos e o
transporte destes para o pla-
no da generalidade essencial
(ABBAGNANO, 2000).
-
Cincia, tecnologia e sociedade - 25
se estendendo a todas as formas de linguagem (inclusive a perspectiva da
concepo do mundo como linguagem). Um dos expoentes da hermenu-
tica filosfica Wilhelm Dilthey (1833 1911), que defende a idia de que a
compreenso e sentido so indissociveis, uma vez que a compreenso a
apreenso do sentido, que, por sua vez, o contedo da compreenso.
1.3.9 Foucault e a genealogiaEnquadrar o pensamento de Michel Foucault (1926-1984) em uma
linha filosfica sempre complicado. Isto se deve ao ecletismo e ao carter de
rompimento com as idias ento aceitas que seu trabalho possui. Este autor
propunha uma genealogia que procurava analisar a fundo a formao do in-
divduo e a racionalizao da sociedade moderna e suas instituies (clnicas,
hospitais, manicmios, presdios, etc.). Para Foucault, o poder era um conceito
fundamental, tendo forte relao com o saber e se fazendo presente nas rela-
es humanas, circulando nas instituies e nos espaos disciplinadores.
1.4 da Cincia e tecnologia (C&t) Cincia, tecnologia e sociedade (Cts)
Na sociedade atual, a cincia e, principalmente, a tecnologia possuem
grande importncia na organizao das prticas sociais, mas as relaes
sociais tambm possuem grande importncia na produo, aplicaes e
implicaes das tecnologias e conhecimentos cientficos. No entanto, Bazzo
(2010) adverte quanto percepo geral induzida por propagandas de
A compreenso de uma
sociedade deveria conside-
rar as caractersticas sociais
atuais, mas as relacionando
com fatos histricos. Alm
disso, Weber propunha a
interpretao dos compor-
tamentos humanos o que
diferenciaria as Cincias
Humanas das Naturais.
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Os autores e perspectivas apresentados no representam a
totalidade do pensamento das Cincias Humanas. Constantemen-
te, estes fundamentos terico-metodolgicos so desconstrudos
e reconstrudos, surgindo novas abordagens. Diversos expoentes
possuem influncia em mais de uma destas correntes ou mesmo
fundamentam seus trabalhos em crticas a algumas destas con-
cepes. Alguns destes autores que se baseiam na crtica do
racionalismo, na subjetividade, nos afetos, emoes e desejos so
denominados ps-modernos.
-
26 - Curso de Especializao em Ensino de Cincias
que a cincia e a tecnologia estabelecem verdades interessadas e produ-
zem resultados positivos para o progresso humano, sendo comum muitos
confiarem nelas como se confia numa divindade.
Esta viso tecnocrtica se fundamenta no contrato social entre Cincia
e Tecnologia (C&T) e prope um modelo linear de progresso. Este modelo
indica que o desenvolvimento social uma consequncia do desenvol-
vimento cientfico. Este promoveria o desenvolvimento tecnolgico, que
propiciaria o desenvolvimento econmico, o qual, finalmente, permitiria o
desenvolvimento social. A figura 1 demonstra tal modelo.
Desenvolvimento Cientfico (DC)
Desenvolvimento Tecnolgico (DT)
Desenvolvimento Econmico (DE)
Desenvolvimento Social (DS)
Figura 1: Modelo linear de progresso. Fonte: Adaptado de Auler e Delizoicov (2006).
Este modelo linear est calcado na perspectiva da neutralidade da
C&T. Segundo Auler e Delizoicov (2006), esta concepo pouco crtica est
alicerada em trs pilares: o determinismo tecnolgico; a neutralidade das
decises tecnocrticas; e a perspectiva salvacionista da C&T. Estes trs pilares,
ao mesmo tempo em que sustentam, so reforados pelo modelo linear de
desenvolvimento, conforme representado na figura 2.
DC DT DE DS
Suposta neutralidade da Cincia-Tecnologia
Neutralidade das decises tecnocrticas
Perspectiva salvacionista
atribuda C&T
Determinismo tecnolgico
Figura 2: Pilares do modelo linear de progresso.Fonte: Adaptado de Auler e Delizoicov (2006).
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As contribuies de Karl
Marx (1818-1883) no se
limitaram apenas ao de-
senvolvimento terico das
Cincias Humanas. Estende-
ram-se tambm a propostas
de transformaes polticas,
econmicas e sociais, sendo
o marxismo corrente de
pensamento derivado de
suas formulaes bas-
tante vinculado noo de
revoluo.
-
Cincia, tecnologia e sociedade - 27
O modelo linear pode ser criticado tanto por estabelecer uma relao
de causalidade entre desenvolvimento cientfico e desenvolvimento social
quanto pela ideia que o serve de base - a de que a C&T neutra. Comecemos
analisando a questo da neutralidade cientfico-tecnolgica. Para Bourdieu
(1983a, p. 146), a ideia da neutralidade da cincia uma fico interessada,
pois naturaliza a cincia como melhor explicao da realidade social. O discurso
da neutralidade cientfica se estende tecnologia e apresentada somente
como forma de suprir necessidades individuais e sociais. Entretanto, no h uma
dicotomia entre tecnologia e sociedade. As tecnologias (e os conhecimentos
cientficos) so construdas socialmente dentro de um contexto de sistema
de objetos e sistema de aes assim como contribuem para a formao desta
sociedade e deste espao. Assim, as decises tecnocrticas no so neutras e
sim polticas, pautadas por interesses sobretudo o de impor a viso de que
a C&T uma panaceia a todos os problemas econmicos e sociais.
O discurso de neutralidade refora o entendimento de que o de-
senvolvimento social consequncia do desenvolvimento cientfico
e tecnolgico. Entretanto, este modelo de progresso est inserido em
um contexto maior, do qual devem ser considerados alguns elemen-
tos, como: a cultura ou a diversidade cultural; os sistemas poltico-
econmicos (como o capitalismo); as formas e regime de governo; as
formas de organizao social; as instituies; entre outros. Dentro deste
contexto, por exemplo, o desenvolvimento tecnolgico pode repre-
sentar desenvolvimento econmico somente a um pequeno grupo.
Isto favoreceria a concentrao de renda nas mos de uma minoria, o
que seria antagnico idia de desenvolvimento social, uma vez que
a maioria da sociedade ficaria margem dos benefcios (intelectuais,
tcnicos e econmicos). Alm de no beneficiar a todos, a concepo
de C&T, nos anos 1960 e 1970, passou a ser criticada em decorrncia
dos problemas ambientais e da aplicao da tecnologia blica (nas
Guerras Mundiais, no Vietn, etc.).
Conforme apresentam Angotti e Auth (2001) e Auler e Bazzo (2001), estes
questionamentos acerca da neutralidade da C&T e de seu modelo de progresso
Ferdinand de Saussure
(1857-1913) props o es-
tudo da linguagem como
um todo constitudo de
duas partes: lngua (social)
e fala (individual). Atribua
lngua uma condio de
estrutura constituda.
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28 - Curso de Especializao em Ensino de Cincias
levaram, nas dcadas de 1960 e 1970, organizao do movimento Cincia,
Tecnologia e Sociedade (CTS), que trazia uma viso crtica sobre o contrato
entre C&T, bem como deslocava as discusses tcnico-cientficas a um nvel
poltico. Dimenses sociais, polticas, culturais e econmicas (em uma outra
perspectiva) foram adicionadas s discusses acerca do conhecimento cien-
tfico e das tecnologias. Posteriormente, esta nova concepo foi incorporada
pela Educao, atravs de formulao de propostas pedaggicas de CTS.
Claude Lvi Strauss (1908-
2009) analisou sociedades
indgenas a partir da mito-
logia, das relaes e outros
hbitos (alimentao, dis-
posio das habitaes, etc.).
Ele identificou as relaes de
parentesco como elemento
estrutural das sociedades.
As implicaes pedag-
gicas sero discutidas na
unidade 4.
-
Cincia, tecnologia e sociedade - 29
Caro (a) estudante,
Na unidade 1 voc aprendeu que:
A cincia uma representao (forma de explicar a realidade), que
tem como caractersticas: linguagem prpria; conhecimento acu-
mulvel, registrvel e refutvel; e articulao entre procedimentos
metodolgicos e fundamentos epistemolgicos.
A tecnologia pode ser compreendida como sinnimo de tcnica (o que
pressupe ao humana, cultura); como aplicao de procedimentos (o
que faz com que pensemos o fogo como uma tecnologia, assim como
os computadores); e como tecnocracia (ideologizao da tcnica).
A sociedade pode ser analisada e interpretada de diversas formas.
Algumas das perspectivas so: positivismo, funcionalismo, socio-
logia compreensiva, marxismo (histrico-crtica), estruturalismo,
ps-estruturalismo, fenomenologia, existencialismo, hermenutica,
genealogia, perspectiva ps-moderna.
A perspectiva C&T defende o modelo linear de desenvolvimento
(no qual o desenvolvimento cientfico implica em desenvolvimento
social), a neutralidade das decises tecnocrticas, o determinismo
tecnolgico e a perspectiva salvacionista da C&T.
O movimento CTS se baseia na crtica da perspectiva C&T, buscando uma
viso mais crtica sobre o contrato entre C&T e adicionando questes
sociais, polticas, culturais e econmicas no debate acerca da cincia e
das tecnologias.
Na prxima unidade, vamos prosseguir nosso estudo com a abordagem de
alguns importantes temas em Cincia, Tecnologia e Sociedade. Bom trabalho!
sntese
-
2unidade
temas em Cts
-
32 - Curso de Especializao em Ensino de Cincias
Com o estudo desta unidade, voc ser capaz de:
Perceber que h diferentes interpretaes das relaes CTS e compreender suas implicaes.
Compreender as ideias de modernidade, ps-modernidade e globalizao, a fim de ser capaz de caracterizar o mundo atual.
Entender como ocorre a insero das relaes entre CTS no sistema produtivo e em uma lgica de mercado.
Posicionar-se criticamente em relao ao papel dos meios de comunicao de massa (MCM) na sociedade e em re-lao a eles prprios como tecnologia.
Discutir criticamente o papel da tecnologia no cotidiano e a noo de dependncia tecnolgica.
Competncias
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Cincia, tecnologia e sociedade - 33
Caro(a) estudante,
Nesta unidade apresentaremos, atravs do pensamento de Milton Santos
e Wiebe Bijker, alguns temas em CTS. A partir dos meios natural, tcnico e
tcnico-cientfico-informacional de Milton Santos, propomos a discusso das
noes de modernidade, ps-modernidade e globalizao e, ainda, uma an-
lise da lgica de mercado e do nosso sistema produtivo (abordando setores da
economia, teorias econmicas, mudanas no emprego e desemprego). A partir
da teoria de Bijker, discutiremos acerca de como os meios de comunicao de
massa (MCM) esto inseridos na sociedade e eles mesmos como tecnologia.
Discutiremos tambm o papel da tecnologia no cotidiano, na sociedade atual,
e a noo de dependncia tecnolgica.
2.1 Interpretaes das relaes CtsNeste item, apresentaremos, sucintamente, duas importantes con-
tribuies sobre as possveis interpretaes das relaes entre Cincia, Tec-
nologia e Sociedade. As duas so do filsofo e engenheiro holands Wiebe
Bijker (1951-) e do gegrafo brasileiro Milton Santos (1926-2001). Estas duas
explicaes no so, necessariamente, as melhores, mas so interessantes
para pensarmos alguns temas em CTS.
2.1.1 Milton santos e os meiosEm uma perspectiva histrico-crtica, Milton Santos discute o espao
e o processo da sucesso de formas de relao homem e natureza e da
organizao humana principalmente sob o aspecto econmico. Aponta,
ento, que a histria do espao geogrfico pode ser dividida em trs etapas:
a) meio natural; b) meio tcnico; c) meio tcnico-cientfico-informacional.
2 temas em Cts
-
34 - Curso de Especializao em Ensino de Cincias
Leia, a seguir, um trecho do livro A natureza do espao em que o autor
apresenta estes meios:
O meio natural
Quando tudo era meio natural, o homem escolhia da natureza aquelas suas partes ou
aspectos considerados fundamentais ao exerccio da vida, valorizando, diferentemente,
segundo os lugares e as culturas, essas condies naturais que constituam a base
material da existncia do grupo.
Esse meio natural generalizado era utilizado pelo homem sem grandes transforma-
es. As tcnicas e o trabalho se casavam com as ddivas da natureza, com a qual se
relacionavam sem outra mediao.
O que alguns consideram como perodo pr-tcnico exclui uma definio restritiva. As
transformaes impostas s coisas naturais j eram tcnicas, entre as quais a domestica-
o de plantas e animais aparece como um momento marcante: o homem mudando
a Natureza, impondo-lhe leis. A isso tambm se chama tcnica.
Nesse perodo, os sistemas tcnicos no tinham existncia autnoma. [...]. A harmonia
socioespacial assim estabelecida era, desse modo, respeitosa da natureza herdada,
no processo de criao de uma nova natureza. Produzindo-a, a sociedade territorial
produzia, tambm, uma srie de comportamentos, cuja razo a preservao e a
continuidade do meio de vida. Exemplo disso so, entre outros, o pousio, a rotao
de terras, a agricultura itinerante, que constituem, ao mesmo tempo, regras sociais e
regras territoriais, tendentes a conciliar o uso e a conservao da natureza: para que
ela possa ser outra vez, utilizada. Esses sistemas tcnicos sem objetos tcnicos no eram,
pois, agressivos, pelo fato de serem indissolveis em relao Natureza que, em sua
operao, ajudavam a reconstituir.
O meio tcnico
O perodo tcnico v a emergncia do espao mecanizado. Os objetos que formam o
meio no so, apenas, objetos culturais; eles so culturais e tcnicos, ao mesmo tempo.
Quanto ao espao, o componente material crescentemente formado do natural e
do artificial. Mas o nmero e a qualidade de artefatos varia. As reas, os espaos, as
regies, os pases passam a se distinguir em funo da extenso e da densidade da
substituio, neles, dos objetos naturais e dos objetos culturais, por objetos tcnicos.
Os objetos tcnicos, maqunicos, juntam razo natural sua prpria razo, uma lgica
instrumental que desafia as lgicas naturais, criando, nos lugares atingidos, mistos ou
hbridos conflitivos. Os objetos tcnicos e o espao maquinizado so locus de aes su-
periores, graas sua superposio triunfante s foras naturais. Tais aes so, tambm,
consideradas superiores pela crena de que ao homem atribuem novos poderes o
maior dos quais a prerrogativa de enfrentar a Natureza, natural ou j socializada, vinda
do perodo anterior, com instrumentos que j no so prolongamento do seu corpo,
mas que representam prolongamentos do territrio, verdadeiras prteses. Utilizando
novos materiais e transgredindo a distncia, o homem comea a fabricar um tempo
-
Cincia, tecnologia e sociedade - 35
A teoria de Milton Santos nos traz importantes aspectos da relao
entre cincia, tecnologia e sociedade. A partir da perspectiva deste autor
estas relaes foram se constituindo historicamente de modo dialtico. Suas
formulaes levantam questes que merecem ser discutidas: a) a histria e a
geografia das relaes CTS, de modo a ser necessrio caracterizar amplamente
novo, no trabalho, no intercmbio, no lar. Os tempos sociais tendem a se superpor e
contrapor aos tempos naturais. [...].
O meio tcnico-cientfico-informacional
O terceiro perodo comea praticamente aps a segunda guerra mundial, e sua fir-
mao, incluindo os pases de terceiro mundo, vai realmente dar-se nos anos 70. a
fase a que R. Richta (1968) chamou de perodo tcnico-cientfico, e que se distingue
dos anteriores pelo fato da profunda interao da cincia e da tcnica, a tal ponto que
certos autores preferem falar de tecnocincia para realar a inseparabilidade atual dos
dois conceitos e das duas prticas.
Essa unio entre tcnica e cincia vai dar-se sob a gide do mercado. E o mercado,
graas exatamente cincia e a tcnica, torna-se um mercado global. A ideia de cincia,
a ideia de tecnologia e a ideia de mercado global devem ser encaradas conjuntamente
e desse modo podem oferecer uma nova interpretao questo ecolgica, j que as
mudanas que ocorrem na natureza tambm se subordinam a essa lgica.
Neste perodo, os objetos tcnicos tendem a ser ao mesmo tempo tcnicos e in-
formacionais, j que, graas extrema intencionalidade de sua produo e de sua
localizao, eles j surgem como informao; e, na verdade, a energia principal de seu
funcionamento tambm a informao. J hoje, quando nos referimos s manifesta-
es geogrficas decorrentes dos novos progressos, no mais de meio tcnico que
se trata. Estamos diante da produo de algo novo, a que estamos chamando de meio
tcnicocientfico-informacional.
Da mesma forma como participam da criao de novos processos vitais e da produo
de novas espcies (animais e vegetais), a cincia e a tecnologia, junto com a informa-
o, esto na prpria base da produo, da utilizao e do funcionamento do espao
e tendem a constituir o seu substrato.[...].
Podemos ento falar de uma cientificizao e de uma tecnicizao da paisagem. Por
outro lado, a informao no apenas est presente nas coisas, nos objetos tcnicos,
que formam o espao, como ela necessria ao realizada sobre essas coisas. A
informao o vetor fundamental do processo social e os territrios so, desse modo,
equipados para facilitar a sua circulao. [...].
Os espaos assim requalificados atendem sobretudo aos interesses dos atores he-
gemnicos da economia, da cultura e da poltica e so incorporados plenamente s
novas correntes mundiais. O meio tcnico-cientfico-informacional a cara geogrfica
da globalizao. (SANTOS, 2006, p. 157-161).
-
36 - Curso de Especializao em Ensino de Cincias
o mundo atual (idias de modernidade, ps-modernidade e globalizao) (item
2.2); e b) a insero das relaes entre CTS em uma lgica de mercado, o que
nos leva a refletir acerca do sistema produtivo como um todo (item 2.3).
2.1.2 Bijker e a corrente social-construtivistaNas cincias sociais, dentre diversas abordagens, possvel destacar as
formulaes da corrente social-construtivista, que tem como seu principal re-
presentante Wiebe Bijker. Para que voc compreenda algumas das principais
ideias da teoria desse autor, leia um trecho do artigo Tecnologia Sociedade:
contra a noo de impacto tecnolgico, de Tamara Benakouche:
Sustentando que os vrios elementos envolvidos no processo de inovao tecnolgica
constituem uma teia contnua (seamless web), Bijker pretende dar conta dessa reali-
dade atravs da elaborao de uma teoria que: a) explique tanto a mudana quanto a
estabilidade das tcnicas; b) seja simtrica, ou seja, possa ser aplicada tanto s tcnicas
que do certo como s que falham; c) considere tanto as estratgias inovadoras dos
atores como o carter limitador das estruturas; e, finalmente, d) evite distines a priori
entre o social, o tcnico, o poltico ou o econmico. Diante de tal agenda, prope o
uso de alguns conceitos bsicos e operacionais postos inclusive prova nos vrios
estudos de caso que realizou , dentre os quais destacam-se os de grupos sociais
relevantes, estrutura tecnolgica (technological frame), flexibilidade interpretativa
(interpretative flexibility) e estabilizao ou fechamento (closure).
Os grupos sociais relevantes so aqueles mais diretamente relacionados ao planeja-
mento, desenvolvimento e difuso de um artefato dado; na verdade, seria na interao
entre os diferentes membros desses grupos que os artefatos so constitudos. Nesse
processo, os atores no agem aleatoriamente, mas segundo padres especficos, isto ,
agem a partir das estruturas tecnolgicas s quais esto ligados; esta noo central,
neste quadro analtico-descritivo ampla o suficiente para incluir teorias, conceitos,
estratgias, objetivos ou prticas utilizados na resoluo de problemas ou mesmo nas
decises sobre usos, pois no se aplica apenas a grupos profissionais especializados,
mas a diferentes tipos de grupos sociais. Segundo Bijker, existiriam diferentes graus de
incluso nessas estruturas, isto , de envolvimento.
Na medida em que os grupos atribuem diferentes significados a um mesmo artefato,
sua construo supe um exerccio de negociaes entre esses mesmos grupos - onde
o uso da retrica um recurso poderoso ou seja, objeto de uma flexibilidade inter-
pretativa. Quando esta atividade de ajustes se estabiliza e um significado fixado ou
aceito, diz-se que o artefato atingiu o estgio de fechamento. justamente a prtica da
flexibilidade interpretativa que retira dos artefatos sua obturacidade; ela que explica
porque os mesmos no tm uma identidade ou propriedades intrnsecas, as quais
seriam responsveis por seu sucesso ou o seu fracasso, seus impactos positivos ou
-
Cincia, tecnologia e sociedade - 37
As formulaes de Bijker nos trazem algumas questes importan-
tes. A primeira delas a noo de conjunto scio-tcnico, no qual esto
imersos os grupos sociais relevantes e a estrutura tecnolgica. Assim,
refuta a dicotomia entre sociedade e tecnologia. A segunda est ligada
utilizao do conceito de grupo social relevante, sendo este uma parcela
da sociedade que produz a tecnologia e discute seu uso. Este grupo no
homogneo (cientistas, sociedade organizada, governo) nem neutro
(possui ideologias, interesses, paradigmas cientficos, etc.). A terceira a
de que as tecnologias no possuem uma essncia prpria (boa ou m),
ou seja, elas so produzidas e (re)significadas socialmente, atravs da
prtica da flexibilidade interpretativa. A partir de Bijker, podemos levantar
alguns temas importantes para discusso, como: a) o papel dos meios de
comunicao de massa (MCM) na sociedade em relao s tecnologias e
at eles prprios como tecnologia (item 2.4); e b) o papel da tecnologia
no cotidiano e a noo de dependncia tecnolgica (item 2.5).
2.2 Modernidade, ps-modernidade e globalizao
Para caracterizar o mundo atual, fundamental discutir trs idias
bastante polmicas e controversas: modernidade, ps-modernidade e glo-
balizao. Nossa discusso ser breve e parcial, mas ajudar para avanarmos
na discusso em CTS.
negativos. Em outras palavras, o no reconhecimento da importncia desse processo
que leva crena equivocada do determinismo da tcnica.
Assim que tudo numa tecnologia dada, do seu planejamento a seu uso, estaria sujeito
a variveis sociais, e portanto, estaria aberto anlise sociolgica. No entanto, pode-se
perguntar: ao se adotar essa perspectiva no se corre o risco de se cair num reducionis-
mo social? No, respondem os pesquisadores identificados com a mesma. O reconhe-
cimento da existncia de estruturas tecnolgicas evitaria esse risco: na medida em que
as mesmas influenciam a ao dos diferentes grupos sociais relevantes, essas estruturas
seriam justamente as pontes que ligam tecnologia-e-sociedade, levando constituio
de conjuntos sciotcnicos (BIJKER, 1995). (BENAKOUCHE, 1999, p. 11-13)
-
38 - Curso de Especializao em Ensino de Cincias
2.2.1 ModernidadeA modernidade uma idia amplamente aceita nas Cincias Huma-
nas, porm bastante controversa no que diz respeito ao seu significado e
periodizao. Comumente, o advento da modernidade como um conjunto
de prticas, pensamentos, formas de perceber, conceber e viver o mundo
est associado a trs grandes eventos: a Revoluo Industrial, a Revoluo
Francesa e a Revoluo Cientfica. Alguns dos aspectos que caracterizam
a modernidade so:
A racionalidade e o pensamento cientfico (valorizao da razo e rup-
tura com o pensamento tradicional mitos, religio, superstio).
A perspectiva histrica (progresso, vida voltada a grandes projetos
futuros, valorizao de tradies) e a ideia de que acmulo de
conhecimento representa progresso (modelo linear de desenvol-
vimento).
A noo de sujeito moderno com identidade fixa (ligada ao pensa-
mento cartesiano, iluminista e renascentista) e o individualismo.
A valorizao das instituies (baseadas no poder econmico e
poltico), a identidade nacional e a organizao territorial rgida
(Estados-nacionais).
2.2.2 Ps-modernidadePor outro lado, ps-modernidade um termo confuso, cuja ideia no
aceita por todos os cientistas e pensadores. Alm disso, h divergncias
acerca de seu incio, que se daria entre as dcadas de 1970 e 1990.
Mesmo assim, possvel identificar duas vertentes ligadas discusso
deste termo: a da continuidade e a do rompimento. A primeira delas afirma
que o que chamado de ps-modernidade no nada alm de uma radi-
calizao das caractersticas da modernidade. Alguns dos principais autores
desta vertente so Jrgen Habermas e Anthony Giddens. A segunda vertente,
da qual fazem parte Michel Maffesoli e Stuart Hall, encara a ps-modernidade
como um rompimento com as ideias modernas. Algumas ideias associadas
a esta vertente so:
Revoluo Cientfica
Movimento de estrutura-
o e sistematizao do
conhecimento racional
at ento produzido. Ela se
inicia no sculo XVII, com
cientistas como Galileu e
Kepler e consolidada com
o Iluminismo (sc. XVIII).
a partir dela que so esta-
belecidos os critrios para
a investigao cientifica a
partir de mtodos.
Ren Descartes (1596-1650)
fundou o racionalismo, que
deslocou o fundamento do
conhecimento e da certeza
do objeto para o sujeito e
do objetivo ao subjetivo.
A frase Penso, logo existo
virou marca registrada do
pensamento cartesiano.
-
Cincia, tecnologia e sociedade - 39
A redefinio das identidades (declnio de identidades nacionais,
reforo de identidades locais e globais, hibridismo cultural).
O declnio do individualismo e o tribalismo (crise do sujeito moderno,
lgica de identificao baseada nos afetos e nos desejos).
A crise das instituies modernas (prevalncia do simblico e do
cultural sobre o econmico e o poltico).
A organizao territorial em rede (enfraquecimento das fronteiras na-
cionais, facilidade dos fluxos econmicos e culturais, ciberespao).
2.2.3 GlobalizaoA globalizao tambm um tema e um termo muito controver-
sos. Isto porque o modo como ela apreendida depende da perspectiva
terico-metodolgica adotada ou mesmo da relao que se faz dela com a
modernidade/ps-modernidade. Alm disso, seu incio impreciso, mas
comum apontar o seu marco na Revoluo Tecnocientfica . A partir deste
processo e do fim da Guerra Fria, alguns cientistas passaram a enxergar a
formao e o funcionamento de um sistema-mundo, ou seja, uma extrema
interligao entre diferentes partes do mundo a partir de diversos aspectos
e dimenses, tais como:
Econmico (expanso do capitalismo em nvel mundial; crescimento
das empresas transnacionais; sistema financeiro mundial; mercado
global).
Cultural (meios de comunicao de massa; indstria cultural; maior
circulao de bens culturais; culturas hegemnicas versus contra-
culturas).
Ambiental (aquecimento global; conferncias sobre o clima e bio-
diversidade; Protocolo de Kyoto).
Poltico (criao e crescimento de blocos e organismos internacionais,
acompanhados de fragmentaes e criao de novos pases);
Social (fruns e debates internacionais; tribalizao; relaes virtuais).
A globalizao, portanto, se apia nos avanos tecnolgicos e na
criao de novas relaes sociais e econmicas, pautadas, principalmente,
Tambm chamada de Infor-
macional ou 3 Revoluo
Industrial. Caracterizou-se,
sobretudo, pelo desenvolvi-
mento da informtica.
-
40 - Curso de Especializao em Ensino de Cincias
Noo de encurtamento do
tempo (de uma transmisso
de dados, por exemplo) e
das distncias (entre pes-
soas, empresas, etc.).
em trocas de informao, em conectividade, em virtualidade. A telefonia
celular e a internet so exemplos de meios de comunicao que alteraram
as formas de se relacionar entre as pessoas, fazer transaes econmicas,
obter informao, se divertir, etc. Elas, entre outros fatores, possibilitam o
que David Harvey (2003) chama de compresso tempo-espao .
Se por um lado as tecnologias possibilitam incluso, por outro
lado fomentam a desigualdade social, econmica e tecnolgica,
excluindo vrios (pessoas, empresas e pases) do processo. Entre-
tanto, preciso ter cuidado para no cairmos no determinismo
tecnolgico e pensarmos que a cincia e a tecnologia so neutras.
A tecnologia fundamental para o processo de globalizao, mas
como instrumento e no como essncia. Em outras palavras, a glo-
balizao um fenmeno maior que a revoluo informacional.
Para alguns autores, como Renato Ortiz (2000), a globalizao est
relacionada expanso do capitalismo em nvel global, de modo a promover
um nico tipo de economia e um nico sistema tcnico. Assim, a lgica de
excluso que a globalizao promove tem seu fundamento no prprio sistema
capitalista que faz da desigualdade seu fundamento. No entanto, Ortiz (2000, p.
24) adverte que esta lgica econmica e tecnolgica no natural e imutvel,
mas sim um conjunto de escolhas e imposies de determinados grupos da
sociedade: Tudo se passa [por aqueles que tratam da globalizao] como se
a expanso do mercado e da tecnologia obedecesse a uma lgica inexorvel,
levando-nos a nos conformar com o quadro atual dos problemas que nos
envolvem. Este autor, inclusive, faz uma distino entre globalizao (econ-
mica) e mundializao (cultural), que promove uma concepo de mundo e
uma organizao social baseadas na idia de modernidade.
Diversos cientistas e analistas procuram empreender discusses acerca
da globalizao a partir de questes culturais e simblicas. Doreen Massey
(2008) identifica a globalizao, acima de tudo, como uma nova geometria
do poder. possvel pensar, como os autores ps-modernos, que esta geo-
metria tenha como caracterstica redefinies territoriais e de identidades e
que tome forma no ciberespao. Outra tendncia a crtica a ideia de que
-
Cincia, tecnologia e sociedade - 41
a globalizao permite livre circulao de pessoas, informaes e fluxos
econmicos. Tais crticas se fundamentam no entendimento de que a glo-
balizao no ocorre de forma homognea em todo o planeta e de que a
percepo de integrao mundial uma viso parcial, uma vez que h muitos
excludos do processo e que a livre circulao (sobretudo de pessoas) no se
efetiva na prtica. Milton Santos (2006, p. 227) refora esta crtica ao afirmar
que no h um espao global, mas, apenas, espaos da globalizao e que
a globalizao perversa para a maioria da Humanidade.
2.3 Cts, mercado e sistema produtivoPodemos dividir a economia em trs setores:
Setor primrio: relativo obteno de matria-prima: agricultura,
pecuria, extrativismo (vegetal, animal e mineral). O extrativismo
mineral, quando utiliza tcnicas de extrao em larga escala, con-
siderado atividade do setor secundrio.
Setor secundrio: corresponde s atividades de transformao,
que pode ser artesanal, manufaturada (fora humana e/ou animal
aliadas a mquinas simples) ou maquinofaturada (mquinas substi-
tuindo a fora humana). Alm da indstria, este setor compreende
a construo civil e a minerao.
Setor tercirio: compreende as atividades de comrcio (ataca-
dista e varejista) e servios (transporte, alojamento, distribuio,
reparao, administrao e servios pblicos, telecomunicaes,
servios bancrios e financeiros, atividades imobilirias, pesquisa e
desenvolvimento, educao, sade, etc.).
A separao entre os setores se torna cada vez mais difcil, devido s
tecnologias aplicadas em cada um deles. Como exemplo, podemos citar a
atividade agropecuria que sofreu intensa mecanizao e passou a produzir
em escala industrial.
Entretanto, tal classificao nos ajuda a compreender dois aspectos: a
interdependncia das atividades econmicas e o emprego/desemprego. Sob o
-
42 - Curso de Especializao em Ensino de Cincias
ponto de vista da interdependncia, os setores formam uma cadeia produtiva, na
qual a matria-prima obtida no setor primrio, transformada em produto final
no secundrio, o qual comercializado no tercirio. A transformao da matria-
prima agrega valor ao produto final, de modo que se torna comercialmente mais
interessante. Assim, os pases subdesenvolvidos que no conseguem investir no
setor secundrio possuem sua economia baseada no setor primrio. J os pases
industrializados (desenvolvidos e os subdesenvolvidos industrializados, como o
Brasil), possuem fortes setores secundrios e tercirios. Este ltimo depende do
desenvolvimento da indstria e da expanso do mercado consumidor.
Sob o ponto de vista dos empregos, o setor tercirio o que mais
emprega em pases industrializados, seguido do secundrio (veja a situao
do Brasil no Grfico 1). O mesmo no ocorre nos no industrializados, onde
o setor primrio o que mais emprega. Entretanto, em diferentes escalas,
todos os pases sofrem com os problemas do emprego informal e do de-
semprego (item 2.3.2).
Setor primrio Setor secundrio Setor tercirio
80
70
60
50
40
30
20
10
0
%
Ano
1940 1950 1960 1970 1980 1990 2006
distribuio setorial da PEa (1940-2006)
Grfico 1: Distribuio setorial da Populao Economicamente Ativa (1940-2006)Fonte: Adaptado de MAGNOLI (2008, p. 300).
Estes setores da economia no funcionam apenas atravs de seus tra-
balhadores e dos consumidores. Eles dependem de outros atores sociais (em-
presrios, movimentos sociais, etc.) e da relao entre governo e mercado.
59,4%
21,3%
19,3%
-
Cincia, tecnologia e sociedade - 43
No capitalismo atual, trs teorias econmicas que tratam da relao
entre governo e economia se destacam. A primeira delas o keynesianis-
mo, baseada nas idias de John Maynard Keynes, que procurava reestruturar
a economia americana e mundial ps-Crise de 1929. Esta teoria propunha a
substituio do liberalismo (baseado na lei de oferta e procura) pelo Estado
de Bem-Estar Social, atravs de forte interveno do governa na economia,
de modo a suprir as necessidades da populao (trabalho, sade, educao).
Como resposta ao Estado de Bem-Estar Social, foi implantado o neolibera-
lismo, que propunha a retomada de idias do liberalismo. O neoliberalismo
preconiza o Estado mnimo, cujo papel consiste apenas no de regular a
economia. Para tal recorre a privatizaes, corte de gastos sociais, enfraque-
cimento dos sindicatos, etc. A social-democracia, tambm conhecida como
terceira via, prope reformas no capitalismo para torn-lo mais igualitrio e
promover a justia social. Sua origem remete a idias socialistas, mas nas l-
timas dcadas vm se aproximando tambm de concepes neoliberais.
No socialismo, a presena do Estado na economia praticamente
total, sobretudo se tomarmos como referncia a experincia sovitica. No
entanto, na China, pas de governo comunista, a economia de mercado em
determinadas reas especiais convive com organizao socialista.
2.3.1 Cts e produo industrialQuando se trata do estudo da sociedade e, sobretudo, de sua relao
com Cincia e Tecnologia, a Revoluo Industrial um importante marco.
As condies tcnicas (desenvolvimento dos navios e motores a vapor) e
disponibilidade de fonte de energia (carvo) propiciaram ao Reino Unido
que iniciasse a produo em larga escala, que se espalharia pelo mundo e
redefiniria diversas relaes sociais, dentro e fora das fbricas.
Dentro das fbricas, a organizao do trabalho sofreu profundas modi-
ficaes com a implantao de padres produtivos. O taylorismo propunha
a administrao cientfica da produo, atravs de sua racionalizao e da
diviso do trabalho (intelectual/gerencial e operacional). Os trabalhadores
passaram a realizar tarefas especficas (como apertar parafusos), perdendo
o controle do que era produzido um dos tipos de alienao proposta
por Marx. O fordismo teve como principal marca a introduo da linha de
Segundo Marx, os trabalha-
dores sofrem trs tipos de
alienao (perda de contro-
le): em relao aos produtos
de seu trabalho (no sabe o
que produz); em relao ao
ato da produo (no tem
controle de sua vida); de si
mesmo como ser humano
(trabalha para sobreviver e
no se realiza no trabalho).
-
44 - Curso de Especializao em Ensino de Cincias
montagem, atravs da mecanizao (esteiras), padronizao das peas e
controle do tempo (os trabalhadores deveriam seguir o ritmo das mquinas).
Tais medidas aumentaram a produtividade das indstrias e propiciaram a
obteno de maior lucro. No entanto, as idias do fordismo se expandiram
para fora das fbricas, introduzindo o consumo de massa, propiciado pela
urbanizao e pela intensa circulao de mercadorias e matria-prima atravs
das redes de transporte.
Nos anos 1970, com a consolidao do meio tcnico-cientfico-informa-
cional, as ideias de produo em massa para mercados homogneos, tpicas
do fordismo, passam a ser substitudas pela produo flexvel (ou toyotismo).
Esta se baseia no desenvolvimento tcnico-cientfico e na diversificao dos
produtos para atingir diferentes nichos do mercado consumidor. Nesta poca,
tambm so criados os tecnopolos, associaes entre indstrias e empresas de
tecnologia de ponta em geral com centros de pesquisa de grandes universida-
des. Um dos maiores exemplos o tecnopolo do Vale do Silcio, na Califrnia
(EUA), que abriga empresas de informtica como Intel, Hewlett-Packard,
Google e Apple e diversas universidades como: as de San Jos, Stanford,
Santa Clara, So Francisco e extenses de Berkeley e Santa Cruz.
Com a globalizao, as corporaes transnacionais ganham fora,
devido ao enfraquecimento de determinadas fronteiras econmicas, o que
favorece o fluxo de capitais entre pases. Assim, diversos pases em desenvol-
vimento como Brasil, China, ndia e Mxico passaram a se industrializar
por propiciarem custos de produo menores do que pases desenvolvidos.
Alguns fatores so: disponibilidade de matria-prima, mo-de-obra barata
e/ou qualificada, infraestrutura (transporte, comunicao, energia, etc.),
incentivos fiscais, mercado consumidor. A concorrncia passa a ser global,
assim como os mercados.
2.3.2 tecnologia, emprego e desempregoConforme vimos, o setor produtivo desenvolveu e incorporou novas
tecnologias. Nas indstrias, a introduo de mquinas redefiniu algumas
relaes de trabalho. Se, por um lado, elas possibilitaram maior produtivi-
dade e diminuio do esforo por parte dos trabalhadores, por outro lado,
a mecanizao da produo extinguiu vrios postos de trabalho.
A Toyota desenvolveu
o sistema de produo
flexvel, que se caracteriza
por: crescente automao,
trabalho em equipes espe-
cializadas, terceirizaes,
controle de qualidade, just
in time (adequao entre
produo e demanda, que
propicia a diminuio dos
estoques).
Corporaes
transnacionais
Uma corporao conside-
rada transnacional quando
se instala em diversos pa-
ses, mas mantm sua sede
no pas de origem (para
onde remetida a maioria
de seus lucros).
-
Cincia, tecnologia e sociedade - 45
Este fenmeno ocorreu nos trs setores da economia. No setor pri-
mrio, a introduo de maquinrio (colheitadeiras, tratores, etc.) aumentou
o problema do desemprego no campo, potencializando o xodo rural. No
espao urbano, o desemprego se tornou mais visvel no setor secundrio,
que passou a necessitar de menos trabalhadores nas linhas de montagem.
No entanto, no setor tercirio algumas atividades tambm foram automa-
tizadas e informatizadas (como servios bancrios, de escritrio) e algumas
profisses, como os datilgrafos, extintas.
O desemprego causado pela substituio da mo-de-obra humana
por mquinas conhecido como desemprego tecnolgico ou estrutural.
Enquanto este tipo de desemprego causado por mudanas nas estruturas
de produo, o desemprego conjuntural tem sua origem em conjunturas
econmicas passageiras (crise, recesso, etc.).
Entretanto, o desenvolvimento tecnolgico tambm proporcionou
a criao de novos empregos ligados informtica, biotecnologia,
robtica, etc. e a realizao de tarefas antes impossveis explorao de
petrleo em grandes profundidades, pesquisas aeroespaciais, etc. Alm
disso, o prprio desenvolvimento de tecnologia nas universidades, cen-
tros de pesquisas e empresas cria empregos. Tais empregos contam com
considerveis remuneraes, porm exigem nvel de ensino e qualificao.
Assim, a questo da alfabetizao e letramentos cientficos e tecnolgicos,
da qualificao/aperfeioamento, da especializao, enfim, do ensino como
um todo passa a ser condio sine qua non para a insero no mercado de
trabalho (abordaremos o tema de CTS e Educao na unidade 4).
2.4 Cts e meios de comunicaoNo que diz respeito ao papel dos meios de comunicao de massa
(MCM), Umberto Eco (1993) divide os autores em dois grupos: os apocalp-
ticos e os integrados.
Os apocalpticos so aqueles que nutrem uma viso crtica e pessi-
mista acerca dos MCM, dentre os quais se destacam os autores da Escola de
Frankfurt, para quem os MCM so um fenmeno do capitalismo e procuram
manter sua ordem. Theodor Adorno e Max Horkheimer (1985) propuseram
o uso do termo indstria cultural em substituio de cultura de massa,
Escola de Frankfurt
Grupo de pensadores mar-
xistas, fundado na Univer-
sidade de Frankfurt, em
1924. Desenvolveu diver-
sas pesquisas e reflexes
acerca da teoria crtica, das
artes, da indstria cultural,
entre outros. Alguns de
seus pensadores so T.
Adorno, M. Horkheimer,
W. Benjamin, H. Marcuse
e J. Habermas.
-
46 - Curso de Especializao em Ensino de Cincias
pois este ltimo passa a idia de que a cultura feita pelas massas. O que
eles dizem que a produo cultural sofreu um processo de industrializao
(produo em srie, padronizao e foco no consumo/lucro). A indstria cul-
tural no vende apenas mercadorias, mas tambm viso de mundo, criando
dependncia e novas necessidades de consumo (publicidade), bem como
alienao (mascara as relaes de produo). Assim, as informaes perdem
em profundidade, a arte banalizada e o pblico perde o senso crtico.
Os integrados enxergam os MCM como caracterstica prpria de
sociedades democrticas, pois representam uma importante fonte de infor-
mao (a nica para uma parcela da populao). Assim, os MCM contribuem
para a formao intelectual do pblico e funcionam como um elemento
unificador de uma nao, atravs da padronizao dos gostos. Dentre os
autores integrados, destaca-se Marshall McLuhan, para quem os MCM
aproximam os homens e criam uma aldeia global. Este autor, clebre pela
frase o meio a mensagem, atribui ao meio (de comunicao) um papel
determinante em relao ao contedo. Desta forma, comumente acusado
de determinismo tecnolgico.
Umberto Eco faz crtica aos dois grupos. Por um lado, refuta os argu-
mentos dos apocalpticos, de que a industrializao da cultura de massa
necessariamente ruim, pois apenas seguem uma tendncia de toda a socie-
dade. Por outro lado, acusa os integrados de ignorarem que a produo da
cultura de massa feita por grupos economicamente dominantes, que tm
interesse em lucro. Alm disso, critica a viso de que o fato de veicularem
bens culturais no torna os MCM naturalmente bons.
2.5 tecnologia no cotidianoPara discutirmos a tecnologia no cotidiano, tomaremos os MCM como
exemplo. Conforme notamos, o debate da relao dos MCM com a sociedade
envolve a discusso sobre eles mesmos como tecnologia e a viso acerca
da tecnologia que promovem. Como tecnologia, os MCM dependem dos
usos que deles feito. No entanto, inegvel que eles esto inseridos em
nossos cotidianos de maneira inexorvel. Internet, celular, televiso, entre
outros permitem, de diferentes formas, nos comunicarmos com as pessoas,
grupos ou instituies, bem como realizarmos diferentes tarefas. O acesso
-
Cincia, tecnologia e sociedade - 47
a estes meios se torna praticamente necessrio para se inserir na sociedade
globalizada. Alm disso, a informao se tornou um importante capital social
(aqui no sentido de Bourdieu).
Na linha histrico-crtica, Milton Santos adverte quanto converso
do conhecimento em recurso que se constitui em uma forma de diferen-
ciao: O conhecimento exerceria assim e fortemente seu papel de
recurso, participando do clssico processo pelo qual, no sistema capitalista,
os detentores de recursos competem vantajosamente com os que deles
no dispem (SANTOS, 2006, p.163). Michel Foucault (1999) associa conhe-
cimento mais especificamente saber com poder, sendo que aqueles que
detm saber tm a condio de exercer poder. Assim, os MCM (mas tambm
as universidades, instituies polticas, etc.), como instituio, teriam condi-
es de exercer poder sobre os indivduos e sobre a sociedade, de forma a
criar determinadas ideias, inclusive, sobre a importncia de si prprios para
a sociedade (noo de dependncia que as pessoas nutrem do celular, por
exemplo). Desta forma, os MCM no seriam apenas tecnologias que esto
presentes na vida das pessoas, mas tambm tecnologias que, operadas com
contedo humano, criam representaes sobre a tecnologia. Isto faz com
que as percepes acerca das relaes CTS sejam influenciadas pelos meios
de comunicao. Entretanto, a percepo destas relaes CTS tambm pode
e deve ser trabalhada em outros contextos, entre eles o escolar, como voc
ver na unidade 4.
-
48 - Curso de Especializao em Ensino de Cincias
Caro(a) estudante,
Nesta unidade voc aprendeu que:
H vrias interpretaes acerca das relaes CTS e que as de Milton
Santos (dos meios natural, tcnico e tcnico-cientfico-informacio-
nal) e Wiebe Bijker (conceitos de grupos sociais relevantes, estrutura
tecnolgica, flexibilidade interpretativa e estabilizao) so duas
delas.
Modernidade, ps-modernidade e globalizao so conceitos fun-
damentais para a discusso CTS, mas so bastante controversos, pois
h uma diversidade de concepes e interpretaes.
Compreender o sistema produtivo e a dinmica do mercado
de extrema importncia para as reflexes CTS. Alguns conceitos
importantes so: os setores da economia (primrio, secundrio e
tercirio); emprego e desemprego (estrutural e conjuntural); teorias
econmicas (keynesianismo, neoliberalismo e social-democracia);
padres produtivos (taylorismo, fordismo, produo flexvel).
Para a CTS fundamental entender os MCM como parte da tecnologia,
mas tambm da sociedade. A partir da classificao de Eco (1993) os auto-
res que tratam dos MCM so divididos em apocalpticos (indstria cultural,
da Escola de Frankfurt) e integrados (aldeia global, de McLuhan).
A tecnologia est inserida no nosso cotidiano. Ela facilita a troca de
informaes que, convertidas em conhecimento, podem ser valiosas
cultural, econmica e socialmente.
Na prxima unidade, vamos analisar algumas relaes entre CTS e a
questo ambiental. Bom estudo!
sntese
-
Cincia, tecnologia e sociedade - 493unidade
Cts e questo ambiental
-
50 - Curso de Especializao em Ensino de Cincias
Ao final do estudo desta unidade, voc ser capaz de:
Compreender as origens e implicaes da crise ambiental, a partir da anlise da relao entre: populao, recursos naturais e poluio.
Compreender as ideias de desenvolvimento sustentvel, sustentabilidade e Educao Ambiental.
Ser capaz de identificar as relaes CTS no que diz respeito questo ambiental (crise ambiental, desenvolvimento sustentvel, sustentabilidade e Educao Ambiental).
Competncias
-
Cincia, tecnologia e sociedade - 51
Caro (a) estudante,
Nesta unidade discutiremos um tema fundamental para a abordagem CTS, que
a questo ambiental. Esta no se constitui simplesmente em um exemplo de
tema que pode ser trabalhado no contexto CTS, mas sim um assunto que exige
uma abordagem mais ampla e profunda. Objetivamos, portanto, trabalhar as
relaes CTS no que diz respeito questo ambiental.
Primeiramente, faremos uma explanao sobre a crise ambiental a partir da rela-
o entre: populao (crescimento populacional, teorias demogrficas, transio
demogrfica, etc.) recursos naturais (definio, classificao, explorao, etc.) e
poluio (definio, abordagem, aquecimento global, Protocolo de Kyoto, etc.).
Depois, debateremos as ideias de desenvolvimento sustentvel (definio, medi-
das para implementao, etc.), sustentabilidade (os quatro pilares) e Educao
Ambiental (como resposta crise ambiental, lei que regulamenta, etc.).
3.1 Crise ambientalA busca histrica e desenfreada pelo crescimento econmico e seu
entendimento como sinnimo de desenvolvimento levou a humanidade
a uma relao conflituosa com o meio ambiental. Tal relao exprimida
pelos diversos problemas ambientais, como o buraco na camada de
oznio, chuvas cidas, poluio (gua, ar, solo) e, sobretudo, o
aquecimento global
Se retomarmos a ideia de que a tcnica a mais
importante forma de mediao entre homem e natureza,
podemos admitir que uma das principais razes para a
atual crise ambiental o mau uso das tecnologias exis-
tentes. Entretanto, este mau uso est inserido, conforme
vimos, em um contexto econmico e social maior.
3 Cts e questo ambiental
sxc.hu
-
52 - Curso de Especializao em Ensino de Cincias
A origem da crise ambiental est no desequilbrio entre os elemen-
tos populao, recursos naturais e poluio, de forma que sua soluo
depende de seu reequilbrio. Braga et al. (2005) apresenta estes ele-
mentos como os vrtices de um tringulo, sendo que os lados desta
figura geomtrica simbolizam as relaes entre tais elementos. Estas
relaes so, fundamentalmente, relaes em CTS. Nos itens a seguir,
analisaremos estes elementos.
3.1.1 PopulaoQuando falamos na relao entre populao e meio ambiente, a primeira
questo que nos vem cabea o crescimento populacional versus a capaci-
dade de o planeta suprir as necessidades humanas. A preocupao aumenta
quando observamos a trajetria histrica do crescimento populacional, sobretu-
do aps a Revoluo Industrial (Grfico 2). No entanto, nos ltimos anos h uma
tendncia de declnio nos dados de crescimento populacional. Mesmo assim,
atualmente, so mais de 6,5 bilhes de pessoas na Terra (2005), e o crescimento
populacional de cerca de 1,2% o que representa 78 milhes de pessoas por
ano, 214 mil pessoas por dia ou 8.900 por hora (MILLER JR., 2008).
1750 1775 1800 1825 1850 1875 1900 1925 1950 1975 2000
6
5
4
3
2
1
0
Popu
la
o (b
ilhe
s)
Ano
pases subdesenvolvidos
pases desenvolvidos
Crescimento populacional nos pases desenvolvidos e subdesenvolvidos (1775 a 2000)
Grfico 2: Crescimento populacional nos pases desenvolvidos e subdesenvolvidos (1750 a 2000)Fonte: LUCCI et al. (2005, p. 315).
Todavia, a preocupao com o crescimento populacional no exclu-
fundamental diferenciar
o aquecimento global do
efeito estufa. Enquanto
este um processo natural
e fundamental vida na
Terra, aquele um fen-
meno prejudicial a dinmi-
ca climtico-ambiental do
planeta. O aquecimento
global a intensificao
desequilibrada do efeito
estufa (capacidade da at-
mosfera armazenar calor).
Ele causado pelo au-
mento da concentrao
dos seguintes gases: CO2,
CH4, N2O, SF6, hidroflu-
orocarbonos e perfluoro-
carbonos.
O crescimento populacional
medido pela seguinte
frmula:
Crescimento populacional
= Taxa de natalidade
Taxa de mortalidade +
Saldo migratrio
Se pensarmos em ter-
mos mundiais, o saldo
migratrio (diferena entre
imigraes e emigraes)
sempre 0.
-
Cincia, tecnologia e sociedade - 53
sividade dos sculos XX e XXI. Em 1798, Thomas R. Malthus publicou o livro
Ensaio sobre a populao, no qual lanava o malthusianismo, baseado na
idia alarmista de que a populao cresce em progresso geomtrica (2, 4,
8, 16, 32), enquanto a produo de alimentos cresce em progresso aritm-
tica (2, 4, 6, 8, 10). Este desequilbrio de crescimento provocaria a fome e a
falta de recursos. Para evitar estes problemas, Malthus defendia o controle
de natalidade atravs da abstinncia sexual sobretudo por parte dos mais
pobres, que no teriam como sustentar seus filhos. Alm disso, via as guerras,
epidemias e catstrofes naturais como positivas, uma vez que controlavam
o crescimento populacional.
Como sabemos, as previses da teoria demogrfica malthusiana no
se concretizaram, por uma srie de razes:
Malthus viveu na poca que apresentou alguns dos maiores ndices
de crescimento populacional. Nos pases desenvolvidos, houve uma
desacelerao no crescimento populacional.
Malthus desconsiderou os avanos das tcnicas agrcolas que
permitiram o aumento da produtividade das terras agricultveis.
Desde 1978, a produo de alimentos cresce mais rapidamente que
o crescimento populacional.
A fome no um problema de produo de alimentos, m