CHOPPIN, Alain. O manual escolar_ Uma falsa evidência histórica_

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O MANUAL ESCOLAR: UMA FALSA EVIDNCIA HISTRICA 1Alain Choppin Traduo: Maria Helena C. Bastos

Resumo Depois de trinta anos, a questo da definio do manual escolar relevada de maneira recorrente pelos historiadores da educao. O objetivo do autor analisar os diversos aspectos de um debate histrico que entusiama periodicamente a comunidade cientfica internacional. Para dar conta da natureza e da identidade do manual, o autor, que apoia sua reflexo sobra a anlise da literatura cientfica mundial consagrada histria do livro e da edio escolar, adota quatro perspectivas complementares. Quais vocbulos empregamos (ou podemos empregar) para designar o manual escolar, e quais concluses relativas sua natureza, suas funes, seus usos podemos tirar desse inventrio? Quais limites, quais fronteiras separam ou separaram o "territrio" dos manuais escolares e das categorias editoriais prximas. O manual necessariamente um livro, e um livro impresso, ou pode se revestir de outras formas e em decorrncia implicar em outros usos? So enfim evocados os problemas metodolgicos colocados pelos recenseamentos das colees de manuais, e mais particularmente as questes ligadas categorizao e tipologia. Palavras-chave: Manual escolar; Histria do livro; Histria da edio escolar. THE SCHOOL TEXTBOOK: A FALSELY OBVIOUS HISTORIC FACT Abstract For some thirty years, education historians have raised the recurring issue of the definition of the school textbook. The authors aim is to take stock of the various aspects of a theoretical debate that periodically stimulates the international scientific community. In order to account for the nature and identity of the textbook, the author adopts four complementary perspectives, basing his reasoning1

Artigo publicado com o ttulo Le manuel scolaire: une fausse vidence historique na Revue Histoire de l'ducation. SHE/INRP, n.117, jan-mars 2008. p.7-56. Traduo e publicao autorizada pelo autor.Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

10on the analysis of world scientific literature devoted to the history of the books and publishing for schools. Wich terms are (or have been) used to name the school textbook and what conclusions concerning its nature, functions or uses can be draw from this inventory? What boundaries or borders separete (or have separated) the "territory" of school textbooks from neighbouring areas of publication? Is the textbook necessarily a book, and a printed book, or can it take other forms and consequently imply other uses? Finally, this census of textbook collections spotlights methodological problems, in particular questions related to categorization and typology. Keywords: Textbooks; Book history; History of publishing. POLTICAS DE LOS LIBROS ESCOLARES EN EL MUNDO: PERSPECTIVA COMPARATIVA E HISTRICA Resumen Despus de ms de dos siglos, el libro escolar es an un elemento esencial de la construccin identitria y, en consecuencia, la edicin escolar tom una dimensin nacional. Todos los pases colocaron en prctica procedimientos especficos, ms o menos coercitivos, para asegurar el control de los libros de clase, que tratan de su concepcin, produccin, difusin, financiamiento y utilizacin. En un primer momento, el autor establece un inventario comparativo y una tipologa de las principales disposiciones hoy en vigor, en diferentes pases del mundo, para controlar las publicaciones destinadas a los alumnos y a los profesores; en un segundo momento, adopta una perspectiva diacrnica examinando, como un ejemplo, las importantes evoluciones que se procesaron, despus del siglo XVIII, en La legislacin y en la reglamentacin relativa a los manuales escolares de Francia. Concluye sobre la imperiosa necesidad de llevar en cuenta los contextos legislativos y de reglamentaciones en todos los estudios consagrados a los manuales. Palabras Clave: Manuales escolares; Poltica escolar; Historia del libro. LE MANUEL SCOLAIRE: UNE FAUSSE VIDENCE HISTORIQUE Rsum Depuis une trentaine dannes, la question de la dfinition du manuel scolaire est souleve de manire rcurrente par les historiens de leducation. Lobjectif de lauteur est de faire le point sur les divers aspects dun dbat thorique qui anime priodiquement la communaut scientifique internationale. Pour rendre compte de la nature et de lidentit du manuel, lauteur, qui fonde sa rflexion sur lanalyse de la littrature scientifique mondiale consacre lhistoireHistria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

11du livre et de ldition scolaires, adopte quatre perspectives complmentaires. Quels vocables emploie-t-on (ou a-t-on employs) pour dsigner le manuel scolaire, et quelles conclusions relativement sa nature, ses fonctions ou ses usages peut-on tirer de cet inventaire? Quelles limites, quelles frontires sparent ou ont spar le territoire des manuels scolaires et celui de catgories ditoriales voisines? Le manuel est-il ncessairement un livre, et un livre imprim, ou peut-il revtir dautres formes et par suite impliquer dautres usages? Sont enfin voqus les problmes mthodologiques mis en vidence par le recensement des collections de manuels, et tout particulirement les questions lies la catgorisation et la typologie. Mots-cls: Manuels scolaire; Histoire du livre; Histoire de ldition scolaire.

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12Definierbar ist nur das, was keine Geschichte hat 2.

Os historiadores so a primeira comunidade cientfica a se interessar, nos anos 1960, pelos antigos livros escolares, mas foi preciso quase duas dcadas antes que aparecesse, em reao mediocridade das investigaes levadas a efeito at ento 3, uma reflexo crtica sobre as problemticas e os mtodos da pesquisa histrica sobre os manuais escolares. Ao mesmo tempo, um interesse novo pelo patrimnio cultural que constitui a literatura escolar e a preocupao de acesso s colees dispersas, mal conservadas e raramente inventoriadas, suscitam no mundo um certo nmero de iniciativas visando repertoriar, o que provocou uma questo admiravelmente sofismada at ento: "O que um manual escolar?". Esta questo da natureza e da identidade do manual suscitada recorrentemente desde ento, notadamente pelos historiadores, visando atestar a continuidade das produes histricas que, depois de trinta anos, consagram freqentemente um captulo preliminar ou o tratam de maneira especfica 4. Nosso2

No definvel aquilo que no tem histria: Friedrich Nietzsche, Zur Genealogie der Moral, Leipzig, Naumann, 1887, Zweite Abhandlung, 13. Todas as tradues do artigo foram efetuadas pelo autor.3

Geoffrey Hugh Harper, Textbooks: an under-used Source, History of Education Society Bulletin, 25, 1980, p. 31.4

Podemos citar especialmente: Hilde Coeckelberghs, Das Schulbuch als Quelle der Geschichtsforschung. Methodologische berlegungen, Internationales Jahrbuch fr Geschichts- und Geographieunterricht, XVIII, 1977-1978, pp. 7-29; Colin McGeorge, The Use of School-Books as a Source for the History of Education, 1878-1914, New Zealand Journal of Educational Studies, 14, 2, 1979, pp. 138-151; Geoffrey Hugh Harper, Textbooks: an under-used Source, art. cit., pp. 30-40.; Alain Choppin, L'histoire des manuels scolaires: une approche globale, Histoire de l'ducation, n 9, dcembre 1980, pp. 1-25; Buenaventura Delgado, Los libros de texto como fuente para la historia de la Educacin, Historia de la Educacin, n 2, 1983, pp. 353-358; Christina Koulouri, Scholika encheiridia kai historike ereuna, Mnemon, n 11, 1987,Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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pp. 219-224; David Hamilton, What is a textbook?, Paradigm, n 3, 1990, pp. 5-8; Alain Choppin, Les manuels scolaires: histoire et actualit, Paris, Hachette ducation, 1992, partie I: Dfinition, fonctions et statut du manuel, pp. 6-21; Egil Brre Johnsen, Textbooks in the Kaleidoscope: a critical survey of literature and research on educational texts, Oslo, Scandinavian University Press, 1993: The Textbook Concept, pp. 24-26; Christopher Stray, Paradigms lost: towards a historical sociology of the textbook, in Selander, Staffan (dir.), Textbooks and educational media: collected papers 1991-1995, Stockholm, IARTEM, 1997, pp. 57-73; Justino Pereira de Magalhes, Um apontamento para a histria do manual escolar entre a produo e a representao, in Rui Vieira de Castro, Angelina Rodrigues, Jos Lus Silva, Maria Lourdes Dionsio de Sousa (dir.), Manuais escolares: estatuto, funes, histria. Actas do I Encontro internacional sobre manuais escolares, Braga, Universidade do Minho, 1999, pp. 279-302; Mara Victoria Alzate Piedrahita, Miguel Angel Gmez Mendoza, Fernando Romero Loaiza, Textos escolares y representaciones sociales de la familia. I. Definiciones, Dimensiones y Campos de investigacin, Santaf de Bogot, Universidad Tecnolgica de Pereira, 1999, 103 p.; Ursula A. J. Becher, Was ist ein Schulbuch?, in Handbuch Medien im Geschichtsunterricht, Schwalbach am Taunus, Wochenschau-Verlag, 1999, pp. 45-68; Rosa Lidia Teixeira Corra, O livro escolar como fonte de pesquisa em Histria da Educao, Cadernos Cedes, n 52, 2000, pp. 11-24; Agustn Escolano Benito, Tipologa de libros y gneros textuales en los manuales de la escuela tradicional, in Alejandro Tiana Ferrer (dir.), El libro escolar, reflejo de intenciones polticas e influencias pedaggicas, Madrid, Lerko, 2000, pp. 439-449; Antnio Augusto Gomes Batista, Um objeto varivel e instvel: textos, impressos e livros didticos, in Mrcia Abreu (dir.), Leitura, histria e histria da leitura, Campinas/So Paulo, Asociao de leitura do Brasil/ Fapesp, 2000, pp. 529575; Paolo Bianchini, Una fonte per la storia dell'istruzione e dell'editoria in Italia: il libro scolastico, Contemporanea, III, 1, 2000, pp. 175-182; Martha Rodrguez, Palmira Dobao Fernndez (dir.), Los libros de texto como objeto de estudio: una aproximacin desde la historia, Buenos Aires, La Colmena, 2001; Gabriela Ossenbach Sauter, Miguel Somoza, Definiciones y clasificaciones, in Los manuales escolares como fuente para la historia de la educacin en Amrica Latina, Madrid, UNED, 2001, pp. 15-24; Tullio Ramrez, El texto escolar como objeto de reflexin e investigacin, Docencia Universitaria, 3, 1, 2002, pp. 101-124; Monique Lebrun (dir.), Le manuel scolaire, un outil multiples facettes, Sainte-Foy, Presses de l'Universit du Qubec, 2006; Jaume Martnez Bonaf, De qu hablamos cuando hablamos de los libros de texto?, in Primer Seminario internacional de textos escolares, Santiago de Chile, Ministerio de Educacon, 2007, pp. 431-438.Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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objetivo tenatar definir coordenadas sobre os diversos aspectos de um debate terico que anima periodicamente a comunidade cientfica internacional, e, mais particularmente, a dos historiadores. Esta reflexo se baseia sobre a anlise da literatura cientfica mundial consagrada histria do livro e da edio escolar, em que efetuamos um inventrio sistemtico de quase cinquenta anos 5. Para abarcar as diversas dimenses implicadas nas mudanas mais complexas, ns nos colocaremos segundo quatro perspectivas diferentes, mas complementrias. Nos interessaremos ento ao lxico: quais vogais empregamos (ou so empregadas) para designar o manual escolar, e quais concluses relativas sua natureza, funes ou usos podemos tirar desse inventrio? O segundo ngulo de anlise prximo delimitao do conceito, isto , ao seu campo semntico: quais limites, quais fronteiras separam ou separaram o "territrio" dos manuais escolares e das categorias editoriais vizinhas? O terceiro sobre os suportes do manual e suas modalidades de difuso e de utilizao: ele necessariamente um livro e um livro impresso, ou pode se revestir de outras formas e implicar outros usos? O quarto e ltimo sobre uma srie de problemas metodolgicos colocados em evidncia pelo recenseamento das colees de manuais, e, mais particularmente, sobre as questes ligadas categorizao e tipologia. Este exerccio no tem a pretenso de dar respostas novas, nem a fortiori respostas definitivas uma questo que continua muito aberta, como testemunha a apresentao de uma recente manifestao cientfica 6; visa reunir um certo nmero de5

Quase 5.000 notcias bibliogrficas, correspondendo produo de mais de quarenta pases, foram assim coletadas. Elas so progressivamente colocadas em um banco de dados digital Emmanuelle international, no endereo eletrnico: http://www.inrp.fr/emmainternational/web6

Em outubro de 2007 ocorreu em Ypres, na Blgica, um congresso organizado pela Internationale Gesellschaft fr Historische und SystematischeHistria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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elementos que podem ajudar os pesquisadores cercar um objeto de estudo que tem, sob uma aparncia ilusria, uma particular complexidade.

1 A diversidade do lxico preciso sublinhar de imediato que o conceito 7 de livro escolar historicamente recente. As obras, as quais os pesquisadores concordam que tm um estatuto pouco ou muito escolar, s recentemente tm sido percebido pelos contemporneos como fazendo parte de um conjunto coerente. Assim, a lngua francesa no conhece, antes da Revoluo, o termo genrico que designa essa categoria de obras. A situao comparvel em outros pases ocidentais: os livros escolares so h muito tempo apresentados ao seus contemporneos sob uma multiplicidade de denominaes 8. Portanto, existe uma srie de termos, o mais freqentemente retirado da minuta dos ttulos, que remete matria em que a obra conhecida. Alguns fazem referncia a sua organizao interna, especialmente quando se referem a um conjunto de textos (portugus antologa; italiano florilegio; frnces recueil, jardin; etc.); outros designam sua funo sinttica (espanhol compendio; portugus compndio; francs prcis, abrg, tableau; feroen9 samandrttur - de saman, conjunto; italianoSchulbuchforschung e intitulado Was macht(e) ein Schulbuch zu einem Schulbuch? Art und Identitt eines Lernmittels nher betrachtet.7

Ver Antoine Prost, Douze leons sur l'histoire, Paris, Seuil, 1996, ch. 6: Les concepts, pp. 125-143.8

Ver Antonio Viao Frago, La catalogacin de los manuales escolares y la historia de las disciplinas a travs de sus denominaciones, in Alejandro Tiana Ferrer (dir.), El libro escolar, reflejo de intenciones polticas e influencias pedaggicas..., op. cit., pp. 451-469.9

Lngua falada pelos habitantes das Ilhas Faro/Dinamarca. (Nota do Tradutor).Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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ristretto; etc.) ou seu papel diretivo (espanhol gua; lituneo vadovelis -de vadov, guia; alemo Hilfsbuch; francs mentor; etc.); outros ainda evocam o mtodo de aprendizagem que trabalham (ingls method; francs cours; etc.), o mais comum caracterizar positivamente no ttulo das obras (fcil, rpido, completo, novo, etc.) 10, a alternncia de questes e de respostas (francs catchisme; sueco katekes; espanhol catecsmo; italiano dialoghi; etc.), ou a exposio organizada, do simples ao complexo que mais freqente (francs rudiments; espanhol nociones; ingls elements; etc.). Esta diversidade no prpria das lnguas vernculas: ela tambm est presente nos ttulos de manuais redigidos em grego (encheiridion, epitom,) ou em latim (epitome, compendium, hortulus, manuductio, tirocinium, excerpta, selecta, rudimenta, janua, introductio,), caracterstica que destaca Pascale Hummel atravs do estudo de numerosos ttulos de obras destinadas ao ensino da gramtica grega, ao longo da histria da tradio gramatical e filolgica 11. No raro mais que faamos referncia a uma obra consagrada ou a um autor renomado, ao qual conferido um estatuto de gnero e modelo. Por exemplo, o caso para Cato, um cdigo de moral crist e civil inspirado no Disticha Catonis, obra atribuda Marcus Porcius Cato, conhecido Cato o censor, mas que a verso original foi verdadeiramente redigida no sculo III de nossa era 12; o Cato revestido, segundo o capricho do autor, de formas diversas, combinando por sua vez a doutrina10

Anne-Marie Chartier, Des abcdaires aux mthodes de lecture: gense du manuel moderne avant les lois Ferry, in Jean-Yves Mollier (dir.), Histoires de lecture XIXe-XXe sicles, Bernay, Socit d'histoire de la lecture, 2005, pp. 78102 (Matriaux pour une histoire de la lecture et de ses institutions, 17).11

Pascale Hummel, De lingua graeca. Histoire de l'histoire de la langue grecque, Frankfurt am Main, Peter Lang, 2006, pp. 228-235.12

Lucien Febvre, Henri-Jean Martin, L'apparition du livre, Paris, Albin Michel, 1971, pp. 356-358 (L'volution de l'humanit, 30).Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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crist e o silabrio, ou reunindo em um mesmo o silabrio, o catecismo e os preceitos de boa educao 13. tambm o caso para os Barmes, antologia de clculos resolvidos e tabelas numricas que devem seu nome ao aritmtico Franois Bertrand de Barrme (1640-1703), autor de um grande nmero de obras dessa natureza. Por outro lado, , por sindoque 14, uma marca distintiva, tais como a cruz impressa precedendo os alfabetos, a partir do sculo XVI, que d o nome ao conjunto da produo: italiano Santacroce; ingls Crisscross - de Christs cross; francs Croiz-de-par-Dieu, ou ainda croisette (no Nordeste da Frana) 15. Esse signo grfico, que encontramos nas obras litrgicas, convida o leitor a se benzer em um momento preciso de sua leitura, isto , no presente caso, antes de comear; indica tambm que se entregar a esse exerccio se reveste da mesma gravidade que a orao 16. A denominao pode ento refletir as caractersticas materiais, como no caso da cartilha - cartilla, do horn-book, do battledore ou da palette.13

Paula Demerson, Tres instrumentos pedaggicos del siglo XVIII: la Cartilla, el Arte de escribir y el Catn, in CIREMIA, L'enseignement primaire en Espagne et en Amrique latine du XVIIIe sicle nos jours, Tours, CIREMIA, 1986, p. 35; Antonio Viao Frago, Aprender a leer en el Antiguo Rgimen: cartillas, silabarios y catones, in Agustin Escolano Benito (dir.), Historia ilustrada del libro escolar en Espaa, Madrid, Fundacin Germn Snchez Ruiprez, 1997-1998, 2 vol., t. I, Del Antiguo Rgimen a la Segunda Repblica, pp. 149-191.14

Sindoque: um tipo especial de metonmia, onde se troca a palavra que indica o todo de sum ser por outro que indica apenas auma parte dele (Dicionrio Houaiss, 2001, p.2578) Nota do tradutor.15

Sgolne Le Men, Les abcdaires franais illustrs au XIXe sicle, Paris, Promodis, 1984.16

Piero Lucchi, La santacroce, il psalterio e il babuino. Libri per imparare a leggere nel primo della stampa, in Attilio Bartoli Langeli, Armando Petrucci (dir.), Alfabetismo e cultura scritta, Quaderni storici, XIII, 2, n 38, 1978, pp. 593-630.Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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A cartilla o nome dado em espanhol (cartilha, em portugus) aos pequenos livretos que apresentam as letras do alfabeto e os primeiros rudimentos da aprendizagem da leitura, e se difundem muito na Europa, a partir do sculo XVI 17. Ela consta de uma simples folha (carta) impressa que, dobrada duas ou trs vzes, forma um caderno in-4 ou in-8, com oito ou dezesseis pginas. Essa palavra teve uma imensa popularizao, na Pennsula Ibrica e na Amrica Latina, que, na lngua espanhola familiar, as expresses cantar a uno la cartilla e no saber la cartilla (no saber a cartilha em portugus) significam respectivamente "fazer a lio para algum" e "ser completamente ignorante". O horn-book (ou hornbook), que tem s vezes outro nomes (italiano tavola; espanhol tableta; etc.), apareceu na Europa na Idade Mdia; no se pode falar propriamente de um livro, mas uma simples folha de papel sobre a qual esto reproduzidos o alfabeto, a orao do Pai Nosso, ou ainda os nmeros de 1 10 Em ingls, o nome deriva dessa folha, montada sobre um pedao de madeira ou de couro de formato reduzido e emoldurado com madeira ou metal, estando protegido por uma fina pelcula de chifre (ingls horn). Muitas vezes est munido de um cabo, esse instrumento pode ser associado ao jogo de volantes (shuttlecock) 18. O battledore (ou battledoor) deriva do hornbook. Apesar do seu aspecto e do seu nome (battledore significa "raquete" em ingls), os battledores no foram jamais utilizados como jogos. Largamente difundidos na Gr-Bretanha e nos Estados Unidos, at a metade do sculo XIX, se apresentam sob a forma de uma folha de cartolina dobrada em dois, algumas vezes em trs, oferecendo assim uma grande superfcie til: o texto impresso est17

Victor Infantes, De la cartilla al libro, Revue hispanique, 97, 1, 1995, pp. 33-66; Fernando Castelo-Branco, Cartilhas quinhentistas para ensinar a ler, Boletim Bibliogrfico e Informativo de Centro de Investigao Pedaggica de Instituto Gulbenkian, 14, 1971, pp. 109-151.18

Andrew White Tuer, History of the Horn-book, Londres, Leadenhall Press, 1896, 2 vol.Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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colado sobre uma face enquanto a outra est, frequentemente, ornada de gravuras sobre madeira 19. O termo palette est presente na Sua francofnica, na Savia e numa parte da Borgonha, para designar um abecedrio; esse termo j se encontra no sculo XV. Remete para um suporte slido, comumente conhecido e pouco custoso, uma omeoplata do porco. Esse osso, que tem a forma de uma pequena raquete triangular, possui uma face plana e lisa sobre a qual possvel gravar ou colar um alfabeto manuscrito e uma extremidade, o acromio, que uma criana pode ter comodamente na mo. Mesmo recorrendo s plaquetas de madeira e o abecedrio ser desde o sculo XVI um pequeno livro impresso, esta denominao se mantm at o incio do sculo XIX 20. Hoje, ainda, os termos aos quais recorrem as diversas lnguas para designar o conceito de livro escolar so mltiplos, e sua acepo no nem precisa, nem estvel 21. Percorrendo a abundncia bibliogrfica cientfica consagrada no mundo do livro e da edio escolar, constata-se que so utilizadas conjuntamente hoje vrias expresses que, na mairoia das vezes, difcil, at impossvel, de determinar o que as diferenciam. Tudo parece ser uma questo de contexto, de uso, at de estilo. Os franceses utilizam assim indiferentemente, entre outros termos, manuels

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Sobre os hornbooks e os battledores, ver notadamente: Joyce Irene Whalley, Cobwebs to Catch Flies. Illustrated Books for the Nursery and Schoolroom, 17001900, Berkeley/Los Angeles, University of California Press, 1975, p. 36 sqq.; Charles H. Carpenter, History of American Schoolbooks, Philadelphia, University of Pennsylvania Press, s.d. [1963].20

Georges Panchaud, Les coles vaudoises la fin du rgime bernois, Lausanne, F. Rouge, 1952, pp. 152-158. Ver tambm, do mesmo autor, Les palettes et abcdaires d'autrefois, Folklore suisse, 1949, pp. 4-11. Agradecemos Pierre Caspard por nos ter comunicado essas referncias.21

Antnio Augusto Gomes Batista, Um objeto varivel e instvel: textos, impressos e livros didticos, in Mrcia Abreu (dir.), Leitura, histria..., op. cit., 2000, pp. 529-575.Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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scolaires, livres scolaires ou livres de classe22; os italianos recorrem especialmente libri scolastici, libri per la scuola ou libri di testo; os espanhis hesitam muitas vezes entre libros escolares, libros de texto ou textos escolares 23, apesar que os lusfonos optem por livros didticos, manuais escolares ou textos didticos. Nos pases anglosaxes, textbook, schoolbook e por vezes school textbook parecem ser empregados indistintamente, o mesmo que Schulbuch e Lehrbuch nos pases de lngua germnica, schoolboek e leerboek nas regies que falam holands; na Sucia se utiliza skolbok e lrebok, skolebok e laerebok na Noruega, skolebog e laerebog na Dinamarca, ou ainda scholica enchreiridia, scholica biblia ou anagnostika biblia na Grcia; etc. Essas oscilaes terminolgicas podem explicar as motivaes retricas, especialmente nas lnguas romanas, que repugnam geralmente repetir os mesmo termos. Mas se examinarmos mais de perto, constatamos que essa profuso lxica reflete a complexidade do estatuto do livro escolar na sociedade. Certas expresses remetem ao contexto institucional no qual a obra utilizada ou qual destinada (francs livre dcole, livre de classe, livre classique, etc. 24; ingls schoolbook; alemo Schulbuch; holands schoolboek; dinamarqus skolebog; espanhol22

Mesmo se elas so mais frequentemente empregadas umas pelas outras, essas expresses no so portanto equivalentes. Cf. Histoire de l'ducation, n spcial Les manuels scolaires: histoire et actualit, op. cit., p. 14; ver igualmente Mara Victoria Alzate Piedrahita, Miguel ngel Gmez Mendoza, Fernando Romero Loaiza, Textos escolares y representaciones sociales de la familia. I. Definiciones, op. cit., pp. 27-28.23

Cabe assinalar que certas expresses que designam os livros escolares tomaram uma conotao especialmente pejorativa, , por exemplo, o caso, no ltimo tero do sculo XIX, de libro de texto na Espanha e de manuel na Frana, que remete ao ensino tradicional, fundado sobre a memria; o mesmo para kykasho no Japo depois da Segunda Guerra Mundial, quando as obras escolares so denunciadas como responsveis pela montagem do imperialismo nipnico.24

Sobre a evoluo lxica do adjetivo clssico, ver Alain Choppin, Les manuels scolaires: histoire et actualit, op. cit, p. 11.Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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libros escolares; italiano libri per la scuola, libri scolastichi; albans libr skhollor; polons ksi zki szkolne; turco okul kilavuzu; hngaro iskolai tanknyvek; slovaco kolsk u ebnika; litunio monyklinis vadovelis - de monyklina, escola; tamoul pachadaly putagama - de pachadaly, escola; lingala (Congo) buku ya kelasi; farsi (Ir) ketabe darsi de ketabe, livro e darsi, escola; chins xu xio shu - de xu, instruir, xio, escola e shu, livro; etc.); elas podem estar acompanhadas de indicaes que precisam a natureza do pblico escolar ou o nvel de ensino ao qual a obra se destina (francs manuels de troisime; espanhol libros de bacchilerato; noruegus laerebok fr gymnasiet; italiano libri per la scuola elementare; etc.). Outros, sem fazer referncia a este contexto institucional, colocam destaque sobre a funo didtica, entendida aqui no sentido etimolgico: o livro escolar um livro que serve para ensinar (francs livre denseignement; alemo Lehrbuch; hngaro tanknyv - de tants, ensino e knyv, livro; noruegus laerebok; greco - de (didaskein), ensinar; portugus livro didtico; basco liburu didaktikoen; rabe eddirasat kitab - de eddirasat, ensino) ou para estudar (russo - e, com algumas variantes, outras lnguas eslavas - uchbnik - de uchba, estudos; holands leerboek 25; leto mcbu grmata - de mcbu, estudo; espanhol manuales de estudio; hebreu sefer limoud - de sefer, livro e limoud, estudo; suali 26 kitabu ya masomo - de masomo, estudo; vietnamita sch h c - de sch, livro, e h c, estudar). A terminologia remete tambm seguidamente aos contedos de ensino, s vezes de maneira indiferenciada, como para os livros que trazem os conhecimentos enciclopdicos (finlands oppikirja - de oppi, saberes, et kirja, livro; islands kennslubk), tambm nos livros de leitura corrente (greco25

Etimologicamente, leerboek remete ao ato de ensinar (cf. l'allemand Lehrbuch), mas o contexto cultural conduz esse vocbulo para designar um instrumento de aprendizagem.26

Suali ou suale idioma banto, uma das lnguas oficiais do Qunia, Tanznia e Uganda (Nota do tradutor).Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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anagnosticon biblion ou ainda anagnosmata), s vezes fazem explicitamente referncia matria que trata a obra (ingls grammar; ingls arithmetics; alemo Schulgeschichtsbuch; hngaro trtnelem knyv; espanhol lecciones de cosas; etc.) alguns at o reduzem se o contexto enunciativo no ambguo: um aluno falar hoje muito naturalmente de seu livro de geografia (ou de "geo"!), sem outra preciso. esta referncia genrica aos contedos que tem prevalecido no Extremo Oriente quando, no fim do sculo XIX, a influncia ocidental profundamente exercida sobre o sistema educativo nipnico: "livro escolar" se diz kykasho em japons (e kyo kwa so em coreano), expresses que podemos traduzir literalmente por "livro das matrias a ensinar" 27. Por sua vez, o inverso, a natureza das aprendizagens que d o nome ao livro escolar. Descobrimos aqui a distino tradicional, mas longe de ser rigorosa, que divide a literatura escolar em dois grandes conjuntos: de um lado, os livros que apresentam os conhecimentos, do outro, aqueles que visam aquisio de mecanismos. a opinio que exprime, antes de muitos outros, Fernando Sainz quando distingue os "livros de matrias" e os "livros de leitura" 28. A segunda categoria compreende especialmente os mtodos de leitura, alfabetos e abecedrios (greco alphabtar; alemo ABC-Buch; ingls alphabet book; hngaro abcsknyv; italiano abbecedario; russo azbouka;27

Em japons, o conceito de manual escolar no existe antes da Restaurao Meiji. As obras utilizadas at esse momento no contexto educativo, os raimono, no foram especificamente conhecidos pelos fins didticos. o decreto de 1879 que, sob o modelo ocidental, introduz a noo de matria de ensino (seis matrias so ento definidas) e, at 1945, h uma confuso entre programas e manuais, pois na tradio japonesa a aprendizagem se d por esforo prprio e no atravs de livros didticos). Sobre a histria dos manuais japoneses, ver o admirvel site de Christian Galan, no endereo eletrnico: http://w3.univ-tlse2.fr/japonais/ galan/indexgalan.htm28

Fernando Sainz, El libro en la enseanza, Revista de Pedagoga, 88, 1929, pp. 214-219. Esta distino, prpia da educao elementar, ainda frequentemente reprisada pelos pesquisadores.Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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eslovaco labikr; etc.), silabrios (ingls spellers; holands spelboek; espanhol silabario; etc.), livros de leitura (polons elementarz; lituneo elementorius; hngaro olvas knyv; srvio fibla (derivado do alemo Fibel); ucraniano bukvar; ingls primers assim designados porque constituem cronologicamente os primeiros livros -, e readers 29; alemo Lesebuch; holands leeseboek; espanhol libro de lectura; portugus livro de leitura; kirundi (Ruanda, Uganda,...) igitabo co gusoma - de gusoma, que significa ler, mas tambm beber e beijar; etc.). Numerosas expresses levam igualmente em conta a forma material, seja de uma obra de formato pequeno que temos mo ou que levamos na mo (francs manuel; espanhol manuales escolares; portugus manuais escolares; italiano manuali per la scuola; romeno manual colar; breto levrdorn de dorn, mo; hngaro kziknyv de kz, mo e knyv, livro; greco encheiridion de cheir, mo). Encontramos termos equivalentes nas lnguas germnicas e eslavas, mas aparecem menos frequentemente associados ao contexto escolar (russo rukovdstvo - de ruka, mo -, palavra que significa por sua vez manual e administrao, o que evoca tambm a funo organizacional do manual; tcheca p ru ka - de p , ao lado de, e ru ka; polons podr cznik - de pod, sob, e r ka; leto rokas gramata; ingls handbook; alemanha Handbuch; dinamarqus hnbog; holands handboek; irlands lmhleabhar de lamh, mo; etc.). tambm a forma adotada pelo esperanto manlibro. Outras expresses correntemente utilizadas so aquelas que remetem ao texto. No fazem somente aluso forma de expresso tradicionalmente privilegiada para transmitir conhecimentos, a ilustrao no tem muito tempo no Ocidente, salvo algumas notveis excees, mas tem um papel marginal na relao aluno-mestre, sobretudo quanto autoridade que confere29

Os primers so livros em que efetuam as aprendizagens iniciais; os readers, que so usados em segundo lugar, supem um conhecimento prvio dos mecanismos bsicos da leitura, pois apresentam textos longos.Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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aquilo que julgado digno de ser escrito (ingls text book; italiano libro di testo, testo scolastico; espanhol libro de texto, texto escolar; noruegus textbok; irlands tacsleabhar; etc.). Certas expresses inglesas contemporneas so, por sua vez, reveladoras da autoridade que investido o manual: a textbook landing, a textbook dive, etc. significam, sem ambigidade, uma aterrissagem modelo, um mergulho modelo, etc. 30. O britnico Christopher Stray, um dos fundadores do Textbook Colloquium 31, mostrou que os avatares grficos da palavra textbook so reveladores da evoluo que o conceito conheceu na Gr-Bretanha: assinala que a grafia text book se aplica na origem a um texto habitualmente redigido em grego ou em latim e utilizado para fins pedaggicos, um texto que tinha por objeto comentrios e explicaes fornecidas oralmente pelo professor; text-book (com a separao) aparece somente nos anos 1830, para ser suplantado, entre 1880 e 1920, pela grafia moderna textbook: "A diferena fundamental entre a palavra manual (textbook) e sua predecessora, o livro de textos (text book), reside no fato que a primeira ao mesmo tempo o texto e o ensino" 32. Na Espanha, as expresses textos e libros de texto se encontram somente a partir de 1836, nos textos dos regulamentos, para designar obras que podem servir de "texto" ao ensino 33. Qual a concluso dessa rpida incurso de horizonte lxico?

30 31

Robert & Collins Super Senior, 1996, verbete Textbook.

The Colloquium on Textbooks, Schools and Society, funda a Swansea (Reino Unido) em 1989, publica a revista Paradigm.32

Christopher Stray, Quia nominor leo: vers une sociologie historique du manuel, Histoire de l'ducation, n spcial 58 sous la direction d'Alain Choppin, Manuels scolaires: tats et socits, XIXe-XXe sicles, 1993, pp. 73-74.33

Bernat Sureda Garca, Jordi Vallespir Soller, Elies Allies Pons, La produccin de obras escolares en Baleares (1775-1975), Palma, Universitat de les Illes Balears, 1992, p. 11.Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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Em ltima instncia, o manual, sob suas diversas denominaes, progressivamente um objeto planetrio: ele se imps no mundo, pelo vis da evangelizao e da colonizao, adodato pela maior parte dos pases de sistemas educativas e de mtodos de ensino inspirados no modelo ocidental. O "manual" , portanto, freqentemente designado por termos que so a transcrio, a traduo ou a transposio das designaes as mais comumentemente utlizadas nos pases desenvolvidos. Constatamos que, mesmo se certas denominaes locais ou tradicionais permanecem muito tempo vivas, o lxico progressivamente reduzido. A constituio na Europa dos sistemas educativos, que visam uma uniformizao dos contedos e dos mtodos, provoca uma autonomizao da edio escolar, uma normalizao de sua produo e, portanto, a emergncia de uma nomenclatura especfica. Destacamos tambm que a diversidade do vocabulrio empregado reflete a complexidade do manual: segundo as pocas e os ares culturais mas tambm, e em menor grau, por uma poca e por um pas dado -, encontramos uma pluralidade de vocbulos que remetem tanto ao contedo intelectual, ao suporte material, a uma ou outra de suas mltiplas funes, etc. O vocabulrio utilizado parece, muitas vezes, traduzir as influncias que so exercidas de um pas a outro 34, porque conforme os ares lingsticos, no so as mesmas representaes, ou as mesmas expectativas, que so privilegiadas. Os anglfonos empregam de preferncia a palavra textbook, porque o manual antes de tudo para eles uma referncia; os germanfonos

34

Sobre as designaes dos mtodos de leitura e dos livros de leitura nos pases blticos e nos pases eslavos, ver Wendelin Sroka, Was macht die Fibel zur Fibel? Eine historisch-vergleichende Annherung an die Identitt von Lehrwerken fr den Erstleseunterricht in Deutschland, Russland und den USA, in Actes du colloque Was macht(e) ein Schulbuch zu einem Schulbuch?Art und Identitt eines Lernmittels nher betrachtet, Ypres, 5-6 outubro de 2007 (no prelo).Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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Schulbuch, porque privilegiam o aspecto institucional, ou ainda os japoneses kykasho porque, a seus olhos, o essencial residir nos contedos?... Em suma, certo falarmos de um mesmo objeto quando realizamos um estudo comparativo? 2 "On the borders of textbooks" 35 Os manuais escolares fazem parte, ao menos nos pases desenvolvidos, do universo cotidiano das crianas e das famlias depois de muitas geraes. Podemos compreender que uma tal familharidade parece uma definio suprflua para os contemporneos. Ao contrrio, surpreendente constatar que numerosos cientistas que trabalham no campo, no qual os pesquisadores alemes tm, no incio dos anos 1970, reconhecido uma identidade e dado um nome Schulbuchforschung36, no julgam mais til definir sempre preliminarmente seu objeto de pesquisa. O gramtico britnico Ian Michael escreveu em 1990: "No fcil de dizer se uma obra ou no um livro escolar. Se importa pouco dar uma definio exata, no entanto, necessrio fornecer uma descrio aproximada, seno todas as obras remetem para essa categoria" 37. Mas resta definir os critrios objetivos sobre35

O ttulo dessa seo est em ingls no original, o que mantido na traduo. Significa: "Nos limites dos livros-textos" (Nota do Tradutor).36

A pesquisa sobre os manuais escolares (Schulbuchforschung) no aparece como uma disciplina acadmica: no so, portanto, os mtodos que fundam sua unidade, so os objetos. Visa apreender o manual no seu contexto global e a recontextualizar seu "discurso". Ver, especialmente, Richard Olechowski (dir.), Schulbuchforschung, Frankfurt am Main/New York, Peter Lang, 1995 (Schule, Wissenschaft, Politik, 10); tambm o nome (Internationale Schulbuchforschung) que tem, depois de 1979, a revista publicada pelo Georg-Eckert Institut de Brunswick. O espanhol Agustn Escolano Benito lanou, por outro lado, nos anos 1990, o neologismo "manualstica".37

It is not easy to say when a work is a textbook. Exact definition does not matter, but description of some sort is necessary, or all books become relevant: Ian Michael, Aspects of Textbook Research, Paradigm, 2, March 1990, p. 5.Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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os quais podemos basearnos para determinar ou no a caracterstica "escolar" de uma obra. Tomar o manual escolar como objeto de estudo supe igualmente que faamos um trabalho prvio de circunscrio conceitual relativamente a outros tipos de produo literria. Isso implica que devemos definir para cada categoria critrios de incluso e de excluso em que a natureza no necessariamente idntica segundo o estatuto do observador. A perspectiva diacrnica, que leva em conta as evolues estruturais e as flutuaes semnticas, torna essa tarefa de definio, de delimitao, de demarcao ainda mais complexa. 2.1 Mercado domstico e mercado institucional Reservar a denominao de "livro escolar" s para as obras que so utilizadas em estabelecimentos de ensino e/ou que so especificadamente conhecidos com estas intenes, no tem sentido, historicamente, a no ser para um perodo mais recente, particularmente nas regies onde o setor educativo teve uma institucionalizao tardia. A educao domstica um fenmeno que temos freqentemente a tendncia de subestimar a importncia e a persistncia, apesar de ter sido algumas vezes objeto de regulamentao, como na Sucia a partir de 1686 38. Que venha ou no completar a freqncia escolar, por muito tempo teve um papel essencial na educao de meninos como de meninas. assim que as Histoires de la Bible de Johann Gottfried Hbner, bestseller publicado pela primeira vez Leipzig em 1714 e traduzido em numerosas lnguas, fornecia aos pais instrumentos que lhes permitia examinar os trabalho dos seus filhos: cada uma das cento e quatro histrias seguida de um questionrio sem

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Frithiov Borgeson, The Administration of Elementary and Secundary Education in Sweden, New York, 1927, p. 4.Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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respostas que, favorecendo a reformulao, permite avaliar o nvel de compreenso do texto 39. Mas os editores e os autores, por sua vez, tm interesse, por razes essencialmente econmicas, em apagar a distino entre ensino domstico e ensino escolar. Tambm um grande nmero de livros foram conhecidos pelo mercado domstico e pela mercado institucional: os editores freqentemente assinalam a natureza dual de seu leitor na primeira capa ou na pgina do ttulo 40. Esse cruzamento entre o mercado escolar e o mercado domstico tende a desaparecer, ao longo do sculo XIX, com a escolarizao em massa, a elaborao dos programas de ensino, a diversificao dos nveis e das sries e a multiplicao dos exames e concursos, aos quais uma parte no negligencivel da produo editorial tem sido preparada. Mas esta estratificao no se efetua de maneira uniforme: "O perodo durante o qual houve um cruzamento entre a escola e a casa certamente variou segundo as matrias. Ele foi, sem dvida, longo no caso das antologias poticas; ao contrrio, esse cruzamento foi limitado e, somos autorizados a supor, inexistente para as cincias aplicadas" 41.

39

Johann Hbner, Zweymahl zwey und fnfzig auserlesene biblische Historien aus dem Alten und Neuen Testamente, Leipzig, 1714. Ver Pierre Caspard, Examen de soi-mme, examen public, examen d'tat: de l'admission la Sainte-Cne aux certificats de fin d'tudes, XVI e-XIXe sicle, Histoire de l'ducation, n spcial 94 sous la direction de Bruno Belhoste, valuer, slectionner, certifier XVIe-XXe sicles, mai 2002, pp. 44-45.40

Assim, entre outros exemplos: C.-F. Ermeler, Leons de littrature allemande. Nouveau choix de morceaux en prose et en vers, extraits des meilleurs auteurs allemands l'usage des coles de France et des personnes qui tudient la langue allemande, Paris, Baudry, 1826 (14 reedies at 1865).41

The age range during which there was an overlap between home and school would vary from subject to subject. It would continue for a long time in the case of poetry anthologies; there would be little overlap in Bookkeeping, and, one might suppose, in Mechanics none: Ian Michael, Aspects of textbooks research, art. cit., p. 5.Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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2.2 Mercado escolar e mercado profissional H tambm uma terceira categoria da populao que considerada pelos "livros escolares", a dos aprendizes ou dos jovens trabalhadores, mais abudantemente, aquela dos meios profissionais. A imagem que aparece, por volta de 1800, aquela que ser mais tarde a da edio clssica, no muito elogiosa, desses grandes tratados, a mesma situao que hoje conhecemos da edio universitria francesa ou, na ausncia de programas nacionais, uma mesma obra deve, por razes econmicas, ser conhecida em funo de vrios pblicos: o mundo universitrio (estudantes e professores), o pblico dito cultivado as "pessoas do mundo", como foi dito no sculo XIX , desejosos em alcanar uma informao certificada e, mais particularmente, mas no exclusivamente, nos domnios jurdico e da medicina, os meios profissionais 42. O que hoje chamamos literatura tcnica e profissional parece ter alcanado muito rapidamente certa autonomia 43: os manuais e tratados destinados s profisses dos negcios constituem um testemunho particularmente precoce 44. O desenvolvimento e a subdiviso de disciplinas cientficas, a partir do sculo XVIII, permite ento, em quantidade, uma diversificao da produo especializada; pois, medida que avana no sculo XIX e que novas mercadorias so oferecidas pela42

Alain Choppin, Le livre scolaire et universitaire, in Pascal Fouch (dir.), L'dition franaise depuis 1945, Paris, ditions du Cercle de la Librairie, 1998, pp. 313-339.43

John Fauvel, John's Wilkin's Mathematical magic considered as a textbook, Paradigm, 4, 1990, pp. 3-5.

44

Jochen Hoock, Pierre Jeannin, Wolfgang Kaiser (dir.), Ars mercatoria: Handbcher und Traktate fr den Gebrauch des Kaufmanns: 1470-1820. Eine analytische Bibliographie in 6 Bnden, Paderborn, Schningh, 3 vol. publicados. Ver tambm Franco Angiolini, Daniel Roche (dir.), Cultures et formations ngociantes dans l'Europe moderne, Paris, ditions de l'EHESS, 1995 (Civilisations et Socits, 91).Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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indstria, se desenvolve uma produo de manuais (ingls companion, assistant; alemo Hilfsbuch (ou Hlfsbuch); espanhol gua; hngaro sged knyv; etc.) que, distintos das publicaes destinadas aos estabelecimentos de ensino "objetivam" pblicos muito particulares: eles apresentam, sob a forma enciclopdica e sob uma forma condensada, o conjunto de conhecimentos considerados necessrios ao exerccio de um ofcio determinado. Podemos citar, para os construtores de moinhos e os engenheiros hidrulicos, The Millwright and Engineers Pocket Companion de William Templeton 45 ou Die Praktische Anweisung de Friedrich Netto 46; para os navegadores, The Ship-Masters Assistant de David Steel 47; ou ainda, para os comerciantes, The Man of Business and Gentlemans Assistant de William Perry 48 ou Les Tarifs et comptes faits du grand commerce de Franois Barrme 49; etc. Estas obras figuram por sua vez nos catlogos das livrarias, da

45

William Templeton, The Millwright & Engineer's Pocket Companion: comprising decimal arithmetic, tables of square and cube roots, practical geometry, mensuration, strenght of materials, mechanic powers, water wheels, pumps and pumping engines, steam engines, tables of specific gravities, &c. 2nd ed. [] revised and [] enlarged; to which is added an appendix, containing the circumferences, squares, cubes, and areas of circles, superficies and solidities of spheres, &c. &c., London, Simpkin and Marshall, 1833.46

Friedrich August Wilhelm Netto, Praktische Anweisung, das Wasserwgen oder Nivelliren in den bei Kultivirung des Landes gewhnlich vorkommenden Fllen anzuwenden: ein nach dem jetzigen Zustande der Wissenschaft eingerichtetes und mit den neuesten Erfindungen bereichertes unentbehrliches Hlfsbuch fr Feld- und Forst-Messer, Land-, Wege- und Wasser-Baubeflissene, Agronomen, Mhlenbesitzer, Berlin/Landsberg an der Warthe, Enslin, 1826.47

David Steel, The Ship-Master's Assistant and Owner's Manual, London, 1788. Esta obra tem mais de vinte edies, sendo a ltima em 1852.48

William Perry, The Man of Business and Gentleman's Assistant (3d ed.), Edinburgh, 1777.49

Franois Bertrand de Barrme, Les tarifs et comptes faits du grand commerce, Paris, 1670.Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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segunda metade do sculo XVIII, sob a rubrica "Livros escolares" 50. Esse movimento alcana tambm, mais tardiamente, as atividades que no se beneficiam, como a medicina, as atividades de engenharia ou de direito, de um estatuto profissional reconhecido. o caso em particular da agricultura. Assim, na segunda metade do sculo XIX na Inglaterra, os progressos das cincias e das tcnicas aplicadas agricultura e a modificao das representaes tradicionais do mundo rural 51 fazem aparecer a necessidade de uma educao adequada aos trabalhos agrcolas. Esta evoluo no sem conseqncia sobre o estatuto das obras de agricultura: numerosas obras so adaptadas s necessidades prticas dos agricultores e publicadas, tais como Elements of Agriculture: a Text Book, publicada por William Fream sob os auspcios da Royal Agricultural Society of England, que tem um sucesso considervel: sua 17e edio, sob o ttulo Freams Principles of Food and Agriculture, foi publicada em 1992, quase um sculo depois da edio original 52. Na Frana, a grande

50

Commercial and technical books were sometimes classified under the rubric of School Books, but were more often listed separately by title [As obras de comrcio e as obras tcnicas esto por sua vez classificadas sob a rubrica Livros Escolares, mas, mais frequentemente, esto catalogadas de acordo com a parte seguinte do seu ttulo]. Fiona A. Black, "Horrid republican notions" and other matters: school book availability in Georgian Canada, Paradigm, 2-3, 2002, p. 2.51

The English Farmer is a splendid specimen of the human race. [] The sort of writing which is intelligible by ordinary men is to him a mystery [O fazendeiro ingls um admirvel espcime da espcie humana. [] O tipo de escrita que inteligvel para o mais comum dos mortais para ele um mistrio.], Country newspapers, Temple Bar, X, 1864, p. 131, citado por Goddard: cf. Nota seguinte.52

H. Edmunds, Eighty years of Fream's Elements of Agriculture, Journal of the Royal Agricultural Society of England, 134, 1973, pp. 66-77; Nicholas Goddard, "Not a Reading Class": the Development of the Victorian Agricultural Textbook, Paradigm, 23, 1997, pp. 12-21.Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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diversidade de climas e de solos fez emergir uma produo editorial especfica por setor de atividade e/ou por rea geogrfica 53. A distino entre mercado escolar e mercado profissional foi ainda mais problemtica desde a integrao nos cursos escolares da formao tcnica e profissional, sancionada pelos diplomas frequentemente nacionais. Segundo os especialistas, os alunos podem ento dispor (ou no) de obras especficas nas quais no so excludos, e podem tambm satisfazer suas necessidades profissionais e, portanto, se revelarem teis nos exerccios cotidianos de seu ofcio. 2.3 Livros escolares e livros de vulgarizao Mas, simultaneamente, uma outra evoluo comea, com a entrada no mercado de obras inspiradas nos tratados cientficos, mas com o objetivo de assegurar a vulgarizao dos conhecimentos. esta categoria de obras que podem ser chamadas de "compndios": Jean-Claude Perrot sublinha que, na segunda metade do sculo XVIII, sob o impulso das sociedades cientficass, a vulgarizao dos conhecimentos econmicos passa pela publicao de verses abreviadas de obras cientficas 54. Annie Bruter, principalmente nos trabalhos sobre a histria do ensino de histria na Frana durante o Antigo Regime, distingue os compndios, que no esto, na origem, especificamente destinados ao pblico escolar, e os manuais escolares de histria. Em um sentido, os compndios seriam "protomanuais". A existncia do manual escolar, tal qual como entendemos hoje, necessita um conjunto de condies que no so todas preenchidas na Frana53

Por exemplo: Denis Donon, Manuel pratique du vigneron et du cultivateur du Centre, Cosne, Imprimerie de A. Bureau, 1905.54

Jean-Claude Perrot, Nouveauts: l'conomie politique et ses livres, in HenriJean Martin, Roger Chartier, Histoire de l'dition franaise, t. II, Le livre triomphant, 1660-1830, Paris, Promodis, 1984, pp. 250-251.Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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antes do fim do Antigo Regime: as classes recebem um ensino comum (ensino dito simultneo), uma estruturao de contedos em disciplinas autnomas, a posse de um livro por aluno. "A noo de manual de histria, resumida por Annie Bruter, pressupe por sua vez uma certa organizao do ensino [], mas tambm um modo determinado de estruturao dos saberes, um determinado estado de desenvolvimento tcnico e comercial e, mais extensamente, um tipo definido de cultura, no sentido do conjunto de valores fundadores: respeito ao saber, especialmente sob sua forma impressa, fiel forma escolar de educao, concepo da especificidade das idades da vida, etc." 55. Esta a opinio que exprimiu Lakanal diante da Conveno, quando prope os compndios e os livros elementares, que correspondem a nossa viso moderna dos manuais: "Abreviar, restringir uma grande obra, resumir; apresentar os primeiros germes e de algum modo a matriz de uma cincia, elementar []. Desse modo, o resumo, precisamente o oposto de elementar; esta confuso de duas idias muito distintas que tornaram inteis para a instruo os trabalhos de um grande nmero de homens estimveis" 56. O gnero resumo no desaparece do universo escolar ou periescolar, como atesta, por exemplo, ao longo de todo o sculo XIX, o florescimento dos resumos de histria santa para a preparao dos exames do ensino sedundrio.

55

Annie Bruter, Les abrgs d'histoire d'Ancien Rgime en France (XVIIeXVIIIe sicles), in Jean-Louis Jadoulle (dir.), Les manuels scolaires d'histoire: pass, prsent, avenir, Louvain-la-Neuve, Universit Catholique de Louvain, 2005, p. 15.56

Rapport et projet de loi sur l'organisation des coles primaires, prsents la Convention nationale au nom du Comit d'Instruction publique par Lakanal, la sance du 7 brumaire an III, citado por James Guillaume, Procs-verbaux du Comit d'Instruction publique de la Convention nationale, t. V, Paris, Imprimerie nationale, 1904, p. 183.Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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Mas sobretudo no domnio cientfico que as obras de vulgarizao conhecem, no sculo XIX, um forte desenvolvimento, a exemplo dos Cahiers de physique, de chimie et dhistoire naturelle lusage des jeunes personnes et des gens du monde 57. assim que, dos anos 1830, a produo de obras destinadas ao ensino de qumica na Frana caracterizada por "uma estratgia segamentao e de decomposio de pblicos que interfere com a poltica escolar para segmentar e desmultiplicar os leitores" 58. Se a fronteira entre as obras cientficas e as obras de vulgarizao no so sempre bem colocadas 59, aquela que separa as obras escolares e as obras de vulgarizao no mais 60: os livros de leitura corrente (mas tambm os livros de prmio que no podemos deixar de mencionar pois seu estudo tem sido muito frequentemente negligenciado pelos pesquisadores) tm assim fortemente contribudo difuso das cincias e das tcnicas junto s geraes jovens. Esse foi especialmente o caso na Frana da Terceira57

Emmanuel Le Maout, Cahiers de physique, de chimie et d'histoire naturelle l'usage des jeunes personnes et des gens du monde, Paris, Paul Dupont, 1841.58

Bernadette Bensaude-Vincent, Antonio Garca Belmar, Jos Ramn Bertomeu Snchez, L'mergence d'une science des manuels: les livres de chimie en France (1789-1852), Paris, d. Archives contemporaines, 2003, p. 80.59

Eu utilizei o termo manual (textbook) para todas as obras, elementares ou no, que contm conhecimentos de ordem geral sobre a qumica destinados aos qumicos que no so profissionais: Catherine Kounelis, Atomism in France: chemical textbooks and dictionaries, 1810-1835, in Anders Lundgren, Bernadette Bensaude-Vincent (dir.), Communicating Chemistry: textbooks and their audience, 1789-1939, Canton, Watson, 2000, p. 207. Voir aussi Michael Honeyborne, The communication of science by popular books 1700-1760, Paradigm, 25, 1998, pp. 43-44.60

David Knight, Communicating Chemistry: the frontier between popular books and textbooks in Britain during the first half of the nineteenth century, in Anders Lundgren, Bernadette Bensaude-Vincent (dir.), Communicating Chemistry, op. cit., pp. 187-206; Julia Melcn Beltrn, Ciencia aplicada y educacin popular, in Alejandro Tiana Ferrer (dir.), El libro escolar, op. cit., pp. 161-199.Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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Repblica: "A obra de vulgarizao a mais popular foi assegurada por Le Tour de la France par deux enfants, cuja primeira edio data de 1877. [] [Esta obra] oferece ao leitor uma imagem admirvel da histria e do estado das cincias, das tcnicas e das indstrias da Frana nessa segunda metade do sculo XIX" 61. A imbricao entre uso domstico e uso escolar ocorre tardiamente e talvez jamais totalmente decorrente de certas categorias de obras, como as obras de leitura e as antologias. Esta a concluso que chegou o britnico Ian Michael: " uma situao difcil, e se revelar talvez impossvel, distingir praticamente as obras redigidas com uma inteno especificamente pedaggica daquelas que foram escritas para o lazer. [] o caso particular das histrias ou dos poemas escritos para as crianas; igualmente o caso das antologias, que podemos dar uma breve ilustrao: um conjunto, passado em revista de maneira aleatria, de vinte e sete antologias publicadas no sculo XVIII podem ser avaliadas entre aquelas que no trazem nenhum indicao de inteno pedaggica at as que so indicadas como obras de classes" 62. Dez anos mais tarde, Michael prope classificar as61

Paul Brouzeng, La vulgarisation scientifique au XIXe sicle en France et l'esprit de l'Encyclopdie de Diderot et d'Alembert, in Jacques Michon, Jean-Yves Mollier (dir.), Les mutations du livre et de l'dition dans le monde du XVIIIe sicle l'an 2000, Qubec/Paris, Les Presses de l'Universit Laval/ L'Harmattan, 2001, p. 492; Le Tour de la France par deux enfants, de G. Bruno (pseudnimo de Augustine Fouille) foi reeditado pela editora Belin at 1960, e so conhecidas inmeras tradues e imitaes. Ver o estudo muito bem documentado de MarieAngle Flicit, Le Tour de la France par deux enfants de G. Bruno. Rditions, adaptations, imitations et historiographie de 1877 nos jours. Du manuel scolaire au patrimoine: mmoire nationale et identit franaise?, dissertao de Mestrado em histria contempornea sob a direo de Sylvaine Guinle-Lorinet, Universit de Pau et des Pays de l'Adour, 2005; ver tambm Patrick Cabanel, Le tour de la nation par des enfants: romans scolaires et espaces nationaux, XIX e-XXe sicles, Paris, Belin, 2007 (Histoire de l'ducation).62

It is difficult, however, and will perhaps prove impossible, usefully to make any general distinction between works written with a specifically pedagogical purpose and those written for entertainment. [] This is specially true of stories and verse writtenHistria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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antologias em quatro categorias: as antologias destinadas somente para uso domstico (H); aquelas que foram inicialmente utilizadas em casa, mas que podem ser utilizadas na escola (HS); as que foram principalmente destinadas para um uso exclusivamente escolar, mas que podem ser lidas em casa (SH); aquelas, enfim, que foram redigidas para um uso puramente escolar (S). Mas ele teve de se convencer, depois de ter submetido a exame algumas obras, os limites de seu mtodo: por um lado, o ttulo tem ressonncias didticas, mas o formato domstico; por outro, o autor declara ter concebido a obra para seus alunos e para a juventude em geral ("for my pupils, as well as for young people of every description") 63. Harper aborda igualmente as questes ligadas definio e classificao dos manuais, de seus contedos e das disciplinas escolares. Esse recurso de esclarecimento, que deve muito ao trabalho de Ian Michael (alis agradecido por Harper), um aporte essencial de seu artigo: "O continum que engloba livros escolares e diversas categorias de livros no escolares merece talvez ser estudado em si mesmo. Para algumas disciplinas, constatamos uma evoluo depois dos livros polivalentes (multipurpose books), cujo objetivo por sua vez de divertir, de elevar o sentimento moral e de educar stricto sensu, em direo a uma diferenciao colocada entre livros escolares e livros no escolares. Se podemos descobrir um meio de avaliar a "manualstica" ("textbookness"), ser

for children; it is also true of anthologies, from which it can be more concisely illustrated. A group of 27 anthologies, inspected at random, ranges from collections made without pedagogical intent to those which are offered as school texts]: Ian Michael, The Historical Study of English as a Subject; a Preliminary Inquiry into some Questions of Methods, History of Education, 8, 3, 1979, p. 202.63

Ian Michael, Home or school? On distinguishing schoolreading from home reading, Paradigm, 3, 1990, p. 11.Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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interessante estudar em quais momentos as diferentes disciplinas atendem os diversos graus da diferenciao do livro escolar" 64. Descobrimos sensveis anlises no mundo latino: o brasileiro Leonardo Arroyo, por exemplo, escreve desde 1968: "No existe, no ltimo sculo, separao entre os livros de puro divertimento e aqueles de leitura para aquisio dos conhecimentos e estudo nas escolas" 65. Trinta anos mais tarde, Paolo Bianchini traa um balano similar: "Se o processo de especializao do livro de instruo como sua evoluo em direo ao manual, durante o sculo XIX, aparece claramente tanto na definio do contedo das obras, que apresentam s vezes formas extremamemnte diversas de acordo com as matrias que abordam e o nvel dos alunos aos quais se destinam, quanto na professionalizao daqueles que os produzem editores e autores , tais transformaes tiverem tambm reflexo na definio dos leitores. inegvel que, nas primeiras dcadas do sculo XIX ainda, a distino entre livros escolares e livros destinados um pblico extra-escolar ainda bem frgil" 66. Mas essa "fragilidade" no

64

This continuum of textbooks with various non-textbook categories is perhaps itself worthy of study. Some subjects show a development from 'multipurpose' books, intended simultaneously for entertainment, moral uplift, and education stricto sensu, to a clear differentiation of textbooks from non textbooks. If a means for assessing 'textbookness' could be found, it would be of interest to study the times at which different subject reached different degrees of textbook differentiation: ibid., p. 33.65

No ha uma ntida separao entre os livros de entretenimento puro e os de leitura para aquisio e estudo nas escolas, durante o sculo passado: Leonardo Arroyo, Literatura infantil brasileira ensaio de preliminares para sua histria e suas fontes, So Paolo, Melhoramentos, 1968, p. 93.66

Se il processo di specializzazione del libro per l'istruzione e la sua evoluzione in manuale nel corso dell'Ottocento appaiono ben visibili nella definizione del contenuto dei testi, i quali assunsero forme estremamente diverse a seconda delle materie che trattavano e del livello degli studenti a cui si rivolgevano, cos come nella professionalizzazione di coloro che li producevano editori ed autori tali trasformazioni determinarono sensibili ricadute anche nella definizione dei lettori. Sino ancora ai primi decenni dell'Ottocento, infatti, rimase labile la distinzione tra testiHistria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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resultado de um conhecimento e ainda imperfeito dos fenmenos econmicos? Hoje, as produes escolares se caracterizam pela parcimnia relativa de seu custo unitrio, consequncia da importncia dos nmeros de tiragem e, em numerosos pases, das subvenes pblicas que so beneficiados. Se o mercado da edio escolar e o papel que exerce a pujana pblica na sua regulao e seu desenvolvimento, nos sculos XIX e XX, so nos ltimos quinze anos objeto de estudo em numerosos pases, as questes financeiras (aquelas dos preos de venda, especialmente), ao contrrio, ainda no tm sido abordadas pelos historiadores. 2.4 Literatura escolar e literatura da infncia e da juventude Uma outra questo recorrente, e que no sem relao com a questo precedente, a relao entre a literatura da infncia e da juventude (children literature) e a literatura escolar. Se a literatura da infncia e juventude se define antes de tudo por seu pblico, dito de outra forma pela idade dos leitores, a literatura escolar poder se compreender, exceo que exclui os graus superiores (talvez) e os livros destinados aos professores (certamente, aqueles que pem srios problemas de mtodos), como uma categoria vizinha, ou um sub conjunto da literatura da juventude. Essa a opinio que sustenta Lus Vidigal quando coloca o conceito de literatura da infncia e da juventude como um termo genrico: nesse sentido, os livros para crianas constituem o instrumento o mais importante do processo de aculturao aos quais so submetidos os jovens portugueses alfabetizados. Eles do lugar s formas literrias e iconogrficas variadas, possuem objetivos especficos e adotam estruturas particulares, mas assumem todos a mesma funo socializadora. Vidigal os divide segundo trs categorias: os catecismos e os livrosscolastici e libri destinati a un pubblico extra-scolastico. Paolo Bianchini, Una fonte per la storia dell'istruzione..., art. cit., p. 179.Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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de formao moral e cvica (nos quais as intenes educativas e formativas so deliberadas), os manuais escolares (que tm todas as finalidades ligadas instruo), e, enfim, as obras para a juventude (que, caracterizadas desde a origem por uma inteno educativa e formativa, evoluiu para produtos que visam antes de tudo divertir, sem abandonar no entanto seu objetivo de educao) 67. a rea que leva muitos bibliotecrios a integrar os livros de classe nos fundos da literatura da juventude 68; tambm a posio que adotaram alguns pesquisadores quando empreenderam a tarefa de constituir repertrios, especialmente para o perodo anterior ao desenvolvimento dos sistemas educativos nacionais 69. A fronteira entre os livros escolares e os livros da juventude aparece incerta e inconstante 70. Tambm, desde muito tempo, que as polticas nacionais do livro escolar, que aparecem a partir do fim do sculo XVIII (desde 1777 na Polnia71, em 1793 na Frana 72, em 1813 na Espanha 73, em67

Lus Vidigal, Entre o extico e o colonizado: imagens do outro em manuais escolares e livros para crianas no Portugal imperial (1890-1945), in Antonio Novoa, Marc Depaepe, Erwin Johanningmeyer, Diana Soto Arango (dir.), Para uma histria da educao colonial. Hacia una historia de la educacin colonial, Porto/Lisboa, Sociedade Portuguesa de Cincias da Educao/EDUCA, 1996, p. 384.68

John Edmund Vaughan, The Liverpool Collection of Children's Books: geography textbooks in English published before 1914, Liverpool, University of Liverpool, Education Library, 1983.69

Por exemplo: Alexander Law, Schoolbooks and textbooks in Scotland in the 18th century: a handlist, with introduction and notes, Edinburgh, National Library of Scotland, 1989; Michel Manson, Rouen, le livre et l'enfant de 1700 1900: la production rouennaise de manuels et de livres pour l'enfance et la jeunesse, Paris, INRP, 1993; Petrus J. Buijnsters, Lontine Buijnsters-Smets, Bibliografie van Nederlandse school- en kinderboeken 1700-1800, Zwolle, Waanders, 1997.70

John Fauvel, On the border of textbooks and children's books: D. E. Smith's "Number Stories of Long Ago", Paradigm, 3, 1990, pp. 3-5.71

Czes aw Majorek, Podr czniki Komisji Edukacji Narodowej w aspekcie rozwi dydactycznych (1777-1792) [Os livros escolares da CoMisso deHistria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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1834 na Grcia 74, etc.), no tm produzido seus efeitos, os dois gneros se encontram muito imbricados 75. o que observa Franoise Huguet para a produo francesa: "De um lado, os livros recreativos se tornam tambm instrutivos e, por outro lado, os manuais (de geografia, de histria, de cincia, etc.) so recheados de anedotas, historietas e de contos morais, segundo a idia muito divulgada de tornar a instruo til e divertida" 76. A incerteza particularmente forte quando se refere aos nveis pr-elementares e elementares 77, e mais ainda quando o livro uma mercadoria rara: "Numerosos colecionadores no consideram os primeiros livros de leitura (primers) como os livros para crianas, escreve Charles-Frederick Heartman nos anos 1920. possvel que eles no sejam no sentido estrito, sobretudo se so definidos os livros para crianas como as publicaesEducao nacional analisados do ponto de vista dos mtodos de ensino (17771792)], Rozprawy z Dziejw O wiaty, XVI, 1973, pp. 69-140.72

Alain Choppin, Martine Clinkspoor, Les manuels scolaires en France. Recueil des textes officiels (1791-1992), Paris, INRP/Publications de la Sorbonne, 1993 (Collection Emmanuelle, 4).73

Manuel de Puelles Bentez, La poltica del libro escolar en Espaa (18131939), in Agustn Escolano Benito (dir.), Historia ilustrada del libro escolar, op. cit., t. II, pp. 47-68.74

Christina Koulouri, Ekaterini Venturas, Les manuels scolaires dans l'tat grec, Histoire de l'ducation, n spcial 58, art. cit., mai 2002, pp. 9-26.75

A questo particularmente rdua para os pases que, como a Inglaterra, que no (ou tardiamente) organizaram seu sistema educcativo em um contexto nacional ou regional.76

Franoise Huguet, Les livres pour l'enfance et la jeunesse de Gutenberg Guizot, Paris, INRP/Klincksieck, 1997, p. 13.77

Um exemplo muito recente dado pela contribuio de Anne Staples que, apesar do ttulo, consagrado na essncia aos manuais de aprendizagem da leitura no Mxico: Literatura infantil y de jvenes en el siglo XIX, in Lucia Martnez Moctezuma (dir.), La infancia y la cultura escrita, Mexico, Siglo XXI editores/Universidad autnoma de Morelos, 2001, pp. 339-350.Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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destinadas para os entreter ou divertir. Tentar diferenciar essas publicaes com uma rigorosa definio, se aventurar sobre um terreno escorregadio ou, bem entendido, deve ter em conta sua imbricao, para no dizer nada, porque os livros de leitura so, ao menos at a Revoluo americana, as nicas obras que as crianas possuem" 78. O fato parte de uma concepo moderna da literatura da infncia e da juventude, uma concepo onde o prazer da leitura e o apelo ao imaginrio tem um lugar essencial. As obras destinadas aos jovens alunos tiveram, por muito tempo, objetivos essenciais de edificao religiosa, de submisso aos cdigos morais e sociais ou ainda, mais prximo de ns, a transmisso de saberes "teis" ou a inculcao de valores patriticos. A idia que uma criana tem de um material de leitura apropriado a sua idade e aos seus centros de interesse um fenmeno relativamente recente. Anne-lisabeth Spica constata assim que a inveno, na Frana do sculo XVII, de uma literatura da juventude escolarizada, que frequentemente associada a imagem ao texto, para ns paradoxal: "Estes livros que preconizam a leitura, estes livros que so apresentados como literatura da juventude, so obras que levam, segundo nossos critrios, erudio" 79. Na Inglaterra,78

Many collectors do not consider Primers children's books. Perhaps in a strict sense they are not, particularly when one defines children's books as something gotten out for the amusement or entertainment of children. Any strict definition trying to differentiate will tread on dangerous grounds for, of course, there is the interlocking character to be considered, to say nothing from the fact that, after all, at least until the American Revolution, Primers were practically the only books owned by children: Charles Frederick Heartman, American primers, Indian primers, Royal primers, and thirty-seven other types of non-New-England primers issued prior to 1830; a bibliographical checklist embellished with twenty-six cuts, with an introduction & indexes compiled by Charles F. Heartman, Highland Park (New Jersey), H. B. Weiss, 1935, p. XVII.79

Anne-lisabeth Spica, Si la lecture m'tait conte: littrature de jeunesse et ouvrages didactiques au XVIIe sicle, in Pierre-Marie Beaude, Andr Petitjean, Jean-Marie Privat, La scolarisation de la littrature de jeunesse. Actes de colloque, Metz, Universit de Metz, 1996, pp. 20-21.Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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esta evoluo foi precoce, como ilustra a coleo de obras de John Newbery, constituda no incio dos anos 1740, porque nesse pas, recorda Christopher Stray, a emergncia de uma sociedade urbana e de uma elite de ricos proprietrios suscita um interesse novo para a educao: "Esse novo mundo [das crianas], para as quais alguns disseram que o capital pode se transformar em cultura, comporta ele mesma uma dimenso comercial atravs da publicao de livros destinados s crianas"; esse setor conheceu um desenvolvimento muito importante que o poder pblico que se preocupa com as questes educativas muito mais tardiamente que outros locais 80. No seu estudo, j antigo, sobre a histria da literatura da juventude, Monica Kiefer assinala que esse fenmeno se observa somente no fim do sculo XVIII nos Estados Unidos: "A revoluo americana corresponde no somente ao incio da liberade poltica para o povo americano, mas tambm a emancipao da criana americana" 81. Keith Hoskins pensa o mesmo, que a primeira obra americana de leitura que leva em conta a psicologia de seus jovens leitores (prope, especialmente, dois volumes distintos segundo a idade) Cobwebs to catch flies, or dialogues in short sentences, adapted to children from the age of three to eight years, publicado em 1783, por Lady Fenn pela editora J. Marshall. Mas tambm, paradoxalmente, essa "revoluo pedaggica" que o fez considerar essa obra como um livro escolar: "Os livros, como Cobwebs, reconhecem de imediato que aquilo que aprendem uma parte do problema da aprendizagem" 82.80 81

Christopher Stray, Quia nominor leo, art. cit., pp. 74-75.

The American Revolution marked the beginning not only of the political freedom of the American people, but also the emancipation of the American child: Monica Kiefer, American children through their books, Philadelphia, University of Pennsylvania Press, 1948, p. 229. A obra, apesar de ser muito antiga, traz uma importante bibliografia sobre a histria da literatura para a juventude (com algumas referncias sobre literatura escolar).82

Books like Cobwebs suddenly acknowledge that the learner is part of the learning problem: Keith Hoskin, Further Moves towards a Definition, Paradigm, 3, July 1990, p. 9. Sobre a obra de Lady Fenn, que o ttulo pode ser traduzido porHistria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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Se certas produes destinadas juventude puderam ascender ao estatuto escolar, tais como Milot, de Charles Vildrac, na Frana, ou Il Viaggio per l'Italia di Giannettino, de Carlo Collodi, na pennsula italiana 83, o inverso igualmente verdadeiro. O manual que publica, em 1920, o brasileiro Jos Bento Monteiro Lobato, Reinaes de Narizinho, coloca em cena uma menina de 10 anos, Narizinho, e sua boneca, Emlia, uma boneca que fala, discute, argumenta, contesta e cujo desrespeito compensado pela curiosidade 84. A obra tem um sucesso considervel e Monteiro Lobato monta a sua prpria editora, Editoria Nacional que hoje uma das mais importantes editoras escolares brasileiras, I.B.E.P./Nacional para explorar os direitos das edies posteriores; ele tambm criou uma coleo de obras destinadas por sua vez juventude, mas muito parecidas com o manual inicial, como Emlia e a Aritmtica, que coloca em cena, ao lado de Emilia, um outro boneco que se tornar tambm popular para os brasileiros, o Visconde de Sabugosa. Hoje e depois de quase meio sculo, a televiso brasileira apresenta uma srie muito popular com os personagens dos livros de Monteiro Lobato e de msicas que foram compostas especialmente para esses programas. Vemos aqui que, em um pas que no tem tradio de leitura familiar, atravs da escola que se desenvolve o gosto pela leitura, e que a fronteira entre o livro escolar e o livro da juventude , por sua vez, um pouco mais tnue. Afinal, no o contedo explcito, mas a destinao que ser o critrio decisivo. O livro para a juventude se define ento, segundo Franoise Huguet, por seu contrrio padro: "Desde queAs teias de aranha para apanhar as moscas, ver Joyce Irene Whalley, Cobwebs to Catch Flies: illustrated books for the nursery and schoolroom, 1700-1900, London, Elek, 1974.83

Charles Vildrac, Vers le travail, Milot, Paris, SUDEL, 1933; Carlo Collodi, Il viaggio per l'Italia di Giannettino, Florence, F. Paggi, 1882-1886, 3 vol.84

Marisa Lajolo, Regina Zilberman, Literatura infantil brasileira. Histria e Histrias, So Paulo, Editora Atica, 1985.Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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uma obra explicitamente e exclusivamente destinada uma instituio escolar, ser considerada como um manual e excludo [do corpus de livros para a juventude]" 85. Resta, no entanto, o caso, longe de ser marginal, das obras que se dirigem explicitamente ao meio escolar e ao meio familiar e, mais recentemente e no limitada Frana, a incluso progressiva das obras de literatura para a juventude no conjunto do curso escolar 86. 2.5 Livros escolares e livros religiosos Uma outra fronteira, tambm delicada de ser traada, aquela que separa o livro escolar do livro religioso 87. Podemos colocar a questo de saber se esta distino tem realmente sempre um sentido, tanto a imbricao entre religio e educao foi ou est sendo, em muitas regies, forte se no de facto no se pode dissociar. A evangelizao, protestante especialmente, foi um importante fator de alfabetizao. As misses tiveram, e permaneceram em certos pases, um elemento essencial do desenvolvimento da escolarizao; graas as atividades editoriais internacionais de certas comunidades, elas participaram e

85

Franoise Huguet, Les livres pour l'enfance, op. cit. tambm o modo de definio que d hoje o Sindicato nacional de editores na obra L'dition de livres en France, Paris, SNE, 1999, pp. 59 sqq.: So todas as obras destinadas aos jovens de menos de quinze anos com exceo das obras escolares.86

Nicole Robine, L'apparition et le dveloppement de la scolarisation de la littrature de jeunesse travers les enqutes sur la lecture des jeunes en France (1954-1995), in Pierre-Marie Beaude, Andr Petitjean, Jean-Marie Privat, La scolarisation de la littrature de jeunesse, op. cit., pp. 33-46.87

Leslie Howsam, Beliefs, Ideologies, Technologies: Locating Religion in the History of the Book, in Jacques Michon, Jean-Yves Mollier (dir.), Les mutations du livre et de l'dition, op. cit., pp. 414-421.Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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participam sempre, no domnio educativo especialmente, da circulao e da difuso das idias e dos impressos 88. inicialmente sobre esses textos, cujo contedo remete religio, que se efetuam as primeiras aprendizagens, na Cristandade especialmente: os primeiros livros de leitura europeus so os psautiers, os livros de orao ou ainda os catecismos, cuja organizao por perguntas e respostas sobreviveu muito tempo a mensagem religiosa original 89. E mesmo quando os poderes pblicos tomam medidas para organizar um ensino popular, o catecismo constitui freqentemente o primeiro manual que colocado nas mos das crianas, como por exemplo na Sucia,

88

Paul Aubin, La pntration des manuels scolaires de France au Qubec. Un cas-type: les frres des coles chrtiennes, XIXe-XXe sicles, Histoire de l'ducation, n 85, janvier 2000, pp. 3-24. Ver tambm o catlogo informatizado dos manuais publicados pela comunidade de Irmos das Escolas crists em vinte pases (mais de 6000 ttulos) no endereo: http://www.bibl.ulaval.ca/ress/manscol/ diaspora/francais/fec.html89

A forma de exposio catequtica no tem somente sido utilizada para a formao religiosa, mas tambm para a formao cvica, poltica, agrria, etc. P. O que um catecismo? R. Um catecismo a explicao racional, por perguntas e respostas, e de uma maneira simples e abreviada, de preceitos de crena, de uma doutrinae, em geral, de todo o conhecimento que pode formar um ensino rudementar fundamental: lie Cassiat, Petit catchisme national, Nevers, Mazeron, ca 1900, p. 9 (referncia amavelmente fornecida por Jean-Charles Buttier). Ver tambm, as trs numerosas publicaes: Anne Staples, El catecismo como libro de texto durante el siglo XIX, in Roderic Ai Camp (dir.), Los intelectuales y el poder en Mxico. Memorias de la VI Conferencia de Historiadores Mexicanos y Estadounidenses, Mexico/Los Angeles, El Colegio de Mexico/University of California, 1991, pp. 491-506; Eugenia Roldn Vera, Reading in Questions and Answers: the catechism as an educational genre in early independent Spanish America, Book History, 4, 2001, pp. 17-48; Alfonso Capitan Diaz, Los catecismos polticos en Espaa, 1808-1822, Granada, Caja de Ahorros, 1978; Barnab Bartolom Martnez, El catechismo come gnero didctico. Usos religiosos y laicos del modelo catequtico, in Agustn Escolano Benito (dir.), Historia ilustrada del libro escolar..., op. cit., t. I, pp. 399-424.Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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com o Petit catchisme de Martin Luther 90. A lngua tem guardado traos patentes das origens religiosas da literatura escolar: o caso do italiano saltiero (Psautier) que continua at o sculo XIX a ser pregado conjuntamente com o abecedrio; ou do alemo Fibel, substantivo que sempre utilizado nos dias de hoje e pelo qual dicionrios do o equivalente Erstlesebuch (primeiro livro de leitura) ou Lesebuch fr Anfnger (livro de leitura para iniciantes), isto o equivalente do ingls primer. Esse termo no tem nada a ver com a palavra que designa um grafo ou um fivela: ela decorre da pronncia infantil e deformada do alemo Bibel, os primeiros alfabetos e livros de leitura esto compostos de expresses ou de curtas passagens emprestadas da Bblia 91. Do mesmo modo, o substantivo anglo-saxo primer, que designa na origem um livro de oraes destinado ao laicos, remete ao ofcio monstico da primeira hora (prima hora) 92. Apesar de que frequentemente as palavras substituem as coisas que em um tempo designavam, alguns destes termos se aplicam ainda hoje s obras que no apresentam nenhum contedo religioso 93. A questo das relaes entre literatura escolar e literatura religiosa parecem mais claras desde que, no espao escolar, o90

Dr M. Luthers Lilla katekes i sitt ursprungliga skick efter en p biblioteket i Strengns frvarad upplaga af r 1579, Stockholm, 1843. O ensino primrio sueco foi organizado pelo decreto de 1842 e colocado sob a tutela da Igreja.91

Renate Schfer, Die gesellschaftliche Bedingtheit des Fibelinhalts. Ein Beitrag zur Geschichte des Erstlesebuchs. Teil IV, Jahrbuch fr Erziehungs- und Schulgeschichte, XII, 1972, pp. 105-138; Michael Beyer, Der Katechismus als Schulbuch; das Schulbuch als Katechismus, in Heinz-Werner Wollersheim (dir.), Die Rolle von Schulbchern fur Identifikationsprozesse in historische Perspektive, Leipzig, Leipziger Universitt Verlag, 2002, pp. 97-106.92

Catholic Encyclopedia, New York, R. Appleton, 1907-1912, vol. XII, verbete Primer.93

Por exemplo para o perodo 1950-1990 na ex-R.D.A.: Brbel Mager, Zum Mdchen- und Frauenbild in Kinderliteratur des DDR: am Beispiel der Fibeln und der "ABC-Zeitung" 1950-1990, in Ambivalenzen der Pdagogik, Wernheim, 1995, pp. 281-288.Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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ensino de religio se efetue, como as outras "matrias", com a ajuda de um manual particular. Isso supe uma secularizao dos contedos do ensino que no somente universal, mas que, quando se produz, no produzido para todos no mesmo ritmo nem em condies idnticas. Geralmente, h a tendncia de considerar que as Igrejas protestantes tm acompanhado muito esse processo de secularizao enquanto que a Igreja Catlica a combateu. assim que na Frana, a laicizao dos programas e a excluso da escola pblica de todos os manuais de ensino da religio, em 1882, provocou uma diviso no somente do sistema educativo, mas tambm no contexto de uma "guerra dos manuais", da edio escolar. Alguns pesquisadores estimam que essa secularizao dos contedos educativos corresponde ao nascimento do manual moderno: especialmente o caso para Hilde Coeckelberghs 94 que situa esse acontecimento na Alemanha, no fim do sculo XVIII, com a publicao, em Potsdam em 1776, do primeiro livro de leitura que podemos considerar profano, Der Kinderfreund de Friedrich Eberhard von Rochow, uma obra que foi muitas vezes reeditada e traduzida em mltiplas lnguas. Tamm o dado de Hermann Helmers que calculou que s 10% do contedo dessa obra remete instruo religiosa, contra 70% de exemplos morais e 20% de conselhos prticos 95. Joachim Max Goldstrom partilha igualmente essa opinio e o lugar da secularizao dos contedos educativos no mundo anglo-saxo no incio dos anos 1830 na

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Es mu profane Texte enhalten. [] Das eigentliche Schullesebuch mit weltlichem Inhalt enstand in Deutschland im Jahre 1776 [Ele deve conter textos profanos. [] em 1776 que aparece na Alemanha o verdaeiro manual escolar de leitura com contedo profano]: Hilde Coeckelberghs, Das Schulbuch als Quelle der Geschichtsforschung. Methodologische berlegungen, op. cit., p. 10.95

Hermann Helmers, Geschichte des deutschen Lesebuchs in Grundzgen, Stuttgart, E. Klett, 1970, p. 158.Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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Irlanda, um processo que alcana em seguida rapidamente a GrBretanha 96. A questo no portanto simples, pela definio de edio religiosa no mais evidente. Yvan Cloutier assinala que ao lado da definio que se d habitualmente, centrada sobre os contedos ("o conjunto dos impressos tem nos ttulos uma conotao religiosa explcita: espiritualidade, Bblia, moral, teologia, livro de orao, etc."), podemos pensar hoje uma outra, mais ampla, que se apoiando sobre a finalidade do editor "inclui todos os ttulos produzidos num vis evangelizador, sem olhar a conotao explcita do contedo" 97. Pode ento haver permeabilidade no somente entre edio religiosa e edio escolar, mas tambm entre edio religiosa e edio para a juventude.

3 Suportes, modalidades de difuso e de usoPara a maioria de nossos contemporneos, os manuais so livros impressos. Tal representao resiste a uma anlise?

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assim que a primeira lio do Fourth Book publicada em 1834 pelo Irish Commissionners ( em realidade a primeira das obras redigidas pelo departamento de comissrios encarregados da elaborao do sistema educativo e da redao dos novos manuais) que tem por ttulo Animal and vegetable life. Apenas 50 pginas, sobre as 340 que compem a obra, so consagradas religio ( histria santa essencialmente): Joachim Max Goldstrom, The Social Content of Education, 1808-1870: a study of the working class school reader in England and Ireland, Shannon, Irish University Press, 1972.97

Yvan Cloutier, Les communauts ditrices et l'avenir du livre religieux, in Jacques Michon, Jean-Yves Mollier (dir.), Les mutations du livre, op. cit., pp. 422-423. essa segunda aproximao que adotada implicitamente pelo irmo Michel Albric, Jacques Mignon, L'dition religieuse en France, in Pascal Fouch (dir.), L'dition franaise depuis 1945, op. cit., pp. 279-311.Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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3.1 Os manuais manuscritos Convm, no entanto, levantar uma ambigidade terminolgica. No o caso de tratar das obras impressas com a ajuda de caracteres semelhantes queles da escrita manual, que foram publicados no incio do sculo XIX metade do sculo XX, para exercitar alunos e adultos na leitura de documentos manuscritos ou para reproduo caligrfica 98. A questo que nos preocupa pode ser assim formulada: existiram manuais manuscritos ou, se preferirmos, obras no impressas que podem ser consideradas como manuais? Para o historiador Henri-Irne Marrou, o manual escolar existe desde a Antigidade, quando o suporte ainda o rolo de papirus (volumen): "Desenrolar o precioso manual escolar que o papirus Guraud-Jouguet; ele comea por lies absolutamente elementares, slabas e provavelmente o alfabeto, para chegar a uma antologia de textos poticos de real dificuldade; seu estudo completo dever exigir vrios anos" 99. Independente do suporte, esta organizao do documento a apresentao dos contedos seguido de uma progresso que vai do simples ao complexo que valida o pertencimento categoria dos manuais escolares. Pierre Ri