CHINA NA ÁFRICA: REAÇÕES OCIDENTAIS E PRINCIPAIS ... · soberania de seus parceiros e a primazia...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
CHINA NA ÁFRICA: REAÇÕES OCIDENTAIS E PRINCIPAIS CONSEQUÊNCIAS PARA A SEGURANÇA E O
DESENVOLVIMENTO AFRICANO
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
Thais Dias Gregis
Santa Maria, RS, Brasil
2014
CHINA NA ÁFRICA: REAÇÕES OCIDENTAIS E PRINCIPAIS CONSEQUÊNCIAS PARA A SEGURANÇA E O DESENVOLVIMENTO
AFRICANO
Thais Dias Gregis
Monografia realizada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Relações Internacionais pelo curso de Relações Internacionais, da
Universidade Federal de Santa Maria.
Orientador: Prof. Me. Igor Castellano da Silva
Santa Maria, RS, Brasil
2014
Universidade Federal de Santa Maria Centro de Ciências Sociais e Humanas
Curso de Relações Internacionais
A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a Monografia
CHINA NA ÁFRICA: REAÇÕES OCIDENTAIS E PRINCIPAIS CONSEQUÊNCIAS PARA A SEGURANÇA E O DESENVOLVIMENTO AFRICANO
elaborada por Thais Dias Gregis
como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais
COMISSÃO EXAMINADORA:
Igor Castellano da Silva, Me. (Presidente/Orientador)
(UFSM)
Arthur Coelho Dornelles Júnior, Dr. (UFSM)
Diego Trindade d’Ávila Magalhães, Me.
(UFSM)
Santa Maria, 05 de dezembro de 2014.
AGRADECIMENTOS
O fim de uma etapa da vida, pois é isso que significa o trabalho de conclusão de
curso, encerra um período muito importante no processo de quem tem a oportunidade
cursá-lo. Esse é um período de aprendizagem, não apenas acadêmica, mas como todas as
etapas pelas quais passamos, de vida. O início foi complicado e dolorido, houve revezes
tristes no caminho, mas sempre tive apoio das pessoas mais importantes da minha vida,
minha família, em especial, minha mãe e meu pai. Então, primeiramente queria agradecer a
eles.
Agradecer minha mãe por todo apoio, compreensão, amizade, companheirismo,
aprendizado, e exemplo de vida, os quais me guiaram sempre, estando presente em todos
os momentos felizes e difíceis, sempre me lembrando que a vida é “um caminhão de
melancias, aos poucos elas se ajeitam no lugar” e sendo meu porto seguro.
Agradecer ao meu pai, que também sempre esteve do meu lado, seja brigando, em
geral, para construções positivas; seja me incomodando, tornando os meus dias mais alegres
e leves; ou me ligando todos os dias no mesmo horário só para dizer um “Oi”, sempre
significou muito para mim.
Agradecer ao meu irmão, muito importante no processo da entrada na faculdade,
mas também durante todos os outros momentos, sempre deixando claro que ele estaria
pronto para me ajudar, sejam nas contas matemáticas ou nos medos à noite.
Da mesma forma, ou seja, de maneira muito especial, gostaria de agradecer ao meu
namorado, Gustavo, meu melhor amigo e companheiro de todos os momentos, pelo qual eu
nutro uma grande admiração, e que me ajudou e acompanhou por todo esse período, me
mostrando que mesmo nos piores momentos, eu não estaria sozinha, embora distante de
casa. Um pouco desta conquista também é dele.
Por fim, gostaria de agradecer meu orientador, Igor Castellano, professor que
encontrei no final da graduação e por quem tenho muita admiração e carinho. Agradeço
primeiramente, por ter me aceitado como sua orientanda, pelo seu empenho, atenção,
disponibilidade, pela compreensão, quando foi necessário, pelo apoio incondicional, e,
principalmente, por ter acreditado em mim. Meu trabalho não seria possível sem sua ajuda e
orientação.
RESUMO
CHINA NA ÁFRICA: REAÇÕES OCIDENTAIS E PRINCIPAIS CONSEQUÊNCIAS
PARA A SEGURANÇA E DESENVOLVIMENTO AFRICANO AUTORA: THAIS DIAS GREGIS
ORIENTADOR: Prof. Me. IGOR CASTELLANO DA SILVA Santa Maria, 05 de dezembro de 2014.
A pesquisa trata sobre a presença chinesa na África, sob um prisma amplo, da
necessidade de matérias primas e recursos energéticos, bem como de atuação em
investimentos de infraestrutura, educação, cooperação técnica e militar. Somando-se a isso,
analisam-se as respostas das potências tradicionalmente inseridas no continente, que veem
seus interesses tendo um novo competidor, através do ajuste de suas políticas externas para
a África; bem como as consequências, para o continente africano, dessa disputa e da
inserção diferenciada de Pequim, em relação ao seu poder de barganha internacional,
segurança, desenvolvimento e construção estatal. Assim sendo, o trabalho se orienta pela
seguinte questão: quais são as principais consequências para a África, nos âmbitos de
desenvolvimento (humano e econômico), segurança e construção estatal, da inserção
chinesa e da competição entre essa e as potências Ocidentais (EUA, França e Reino Unido)?
Possuindo como hipótese que: a inserção chinesa é diferenciada e têm como consequências
avanços no desenvolvimento, segurança e construção estatal africana, além de incentivar
uma maior condição de barganha internacional de países do continente. O trabalho obteve
como resultados, através da análise dos dados apresentados, a confirmação parcial de que,
direta ou indiretamente, parece que a inserção chinesa tem acrescentado no
desenvolvimento e segurança dos países africanos, bem como, que a competição entre a
China e as potências ocidentais, tem aumentado o poder de barganha africano
internacionalmente.
Palavras-chave: China, África, Potências Ocidentais, Competição, Barganha.
ABSTRACT
CHINA IN AFRICA: WESTERN REACTIONS AND MAJOR CONSEQUENCES FOR THE SECURITY AND AFRICAN DEVELOPMENT
AUTHOR: THAIS DIAS GREGIS TEACHER: Me. IGOR CASTELLANO DA SILVA
Santa Maria, December 5rd, 2014.
This research through an ample scope refers to the Chinese presence in Africa due to
the need of raw materials and energy resources, as well as investments in infrastructure,
education, technical and military cooperation. Additionally, responses from the world´s
leading powers traditionally inserted in the African continent were analyzed, all of which
ultimately perceive a new competitor to their interests, through the adjustment of their
foreign policies to Africa; as well as the consequences of this dispute to the African continent
and the differentiated insertion of Beijing with regard to its international bargaining power,
security, development and State building. This work is therefore based on the question:
which are the main the main consequences for Africa, in development areas (human and
economic), security and state building from Chinese integration and competition between it
and Western powers (US, France and United Kingdom)? In this perspective it is hypothesized:
Chinese insertion is differentiated and have consequences as advances in development,
security and Africa state-building, and encourage greater international bargaining condition
of the continent. Through the analysis of the presented data the results of this work confirm
that the Chinese insertion in Africa has, directly or indirectly, seems contributed to the
development and security of African countries. Likewise, the competition between China
and the Western powers adds to possibilities of choices, also increasing the African
bargaining power in international settings.
Keywords: China, Africa, Western Powers, Competition, Bargaining.
LISTA DE SIGLAS
ACOTA – African Contingency Operations Training and Assistance
ACRI – Africa Crisis Response Iniciative
AFRICOM – United States Africa Command
CINC – Index of National Capability
CFA – Communautés Financières d’Afrique
EUA – Estados Unidos da América
FOCAC – Fórum de Cooperação China-África
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IED – Investimento Externo Direto
MINURSO – United Nations Mission for the Referendum in Western Sahara
MONUC – United Nations Organization Mission in the Democratic Republic of the Congo
NEPAD – New Partnership for Africa’s Development
PIB – Produto Interno Bruto
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
RCA – República Centro Africana
RPC – República Popular da China
SFI – State Fragility Index
UA – União Africana
UNAMID – African Union/ United Nation Hybrid operation in Darfur
UNMIL – United Nation Mission in Liberia
UNMIS – United Nation Mission in Sudan
UNOCI – United Nation Operations in Cotê d’Ivoire
URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
ZEE – Zonas Econômicas Exclusivas
LISTA DE TABELAS
Tabela 1- Exportações africanas para China ............................................................................. 68
Tabela 2- Importações africanas oriundas da China ............................................................... 69
Tabela 3- IED da China destinado aos países africanos ............................................................ 78
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1- IDH África subsaariana ............................................................................................. 73
Gráfico 2- Evolução do IDH ....................................................................................................... 74
Gráfico 3- Evolução do PIB dos países africanos ...................................................................... 75
Gráfico 4- Fluxo de IED África ................................................................................................... 76
Gráfico 5- Fluxo de IED chinês por região ................................................................................ 77
Gráfico 6- Gastos militares dos países africanos ...................................................................... 80
Gráfico 7- Número de mortes por mil habitantes .................................................................... 82
Gráfico 8- Importação de armas ............................................................................................... 83
Gráfico 9- CINC ......................................................................................................................... 85
Gráfico 10- SFI ........................................................................................................................... 86
Gráfico 11- Densidade de ferrovias .......................................................................................... 87
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 9
1. CAPÍTULO 1 - CHINA NA ÁFRICA: A ATUAÇÃO DA POTÊNCIA ORIENTAL NO
CONTINENTE. .................................................................................................................. 15
1.1. Introdução do capítulo 1 .................................................................................... 15
1.2. A ascensão chinesa, política externa e a virada para a África .............................. 15
1.3. O histórico da relação China-África .................................................................... 20
1.4. China na África: aproximações recentes ............................................................. 26
1.5. Conclusão do capítulo 1 ..................................................................................... 32
2. CAPÍTULO 2 - AS REAÇÕES OCIDENTAIS: A ANÁLISE DAS ADEQUAÇÕES DAS POLÍTICAS
EXTERNAS DO REINO UNIDO, FRANÇA E ESTADOS UNIDOS PARA A ÁFRICA ..................... 34
2.1. Introdução do capítulo 2 .................................................................................... 34
2.2. A política externa inglesa para África: do imperialismo a emergência de um novo
competidor .................................................................................................................. 34
2.3. A relação França-África: multilateralismo e neointervencionismo ....................... 41
2.4. As nuances da política externa norte-americana para a África: o 11 de setembro, a
China e o AFRICOM ...................................................................................................... 47
2.5. Conclusão do capítulo 2 ..................................................................................... 55
3. CAPÍTULO 3 - A INSERÇÃO DIFERENCIADA, AS NECESSIDADES AFRICANAS, AS CRÍTICAS
OCIDENTAIS O DIAGNÓSTICO E A BARGANHA .................................................................. 56
3.1. Introdução do capítulo 3 .................................................................................... 56
3.2. Inserção Chinesa Diferenciada ........................................................................... 56
3.3. As críticas ocidentais, os pontos de fricção com os africanos e a resposta chinesa
60
3.3.1. As críticas Ocidentais .......................................................................................... 60
3.3.2. Pontos de fricção entre a China e os Estados africanos ..................................... 62
3.3.3. A defesa de Pequim ............................................................................................ 63
3.4. Efeitos para os países africanos: as consequências da relação com a China para o
processo de construção dos Estados, desenvolvimento e segurança ............................. 64
3.4.1. Construção dos Estados Africanos, insegurança e falta de desenvolvimento .... 64
3.5. Análise dos efeitos da inserção chinesa para os países africanos:
desenvolvimento, segurança, capacidades dos Estados e barganha internacional ......... 65
3.5.1. O comércio China-África ..................................................................................... 67
3.5.2. Implicações da relação sino-africana no desenvolvimento socioeconômico .... 71
3.5.3. Implicações da relação sino-africana na segurança da região ........................... 79
3.5.4. Implicações da relação sino-africana na construção dos Estados Africanos ..... 84
3.6. Barganha: a relação com a China como impulsionadora dessa condição para os
países africanos ........................................................................................................... 88
3.6.1. Barganha: condições assimétricas, poder de barganha e alteração do status
quo 88
3.7. Conclusão do capítulo 3 ..................................................................................... 91
CONCLUSÃO .................................................................................................................... 92
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................ 98
9
INTRODUÇÃO
O sistema internacional tem vivenciado um movimento em direção multipolarização
desde o fim da Guerra Fria, com a consolidação do status da União Europeia e do Japão, bem
como a ascensão de países como a China, além de outras potências emergentes, como Índia
e Brasil. Diante dessa nova conjuntura, é o notável crescimento econômico por qual tem
passado a China, potência emergente que tem despontado como grande ator no ambiente
mundial (VISENTINI, 2012), sendo esse processo intensificado pela crise financeira de 2008
(PAUTASSO, 2009, p. 20).
Esse país tem empenhado sua política interna e externa para a continuidade desse
crescimento econômico, considerado a melhor maneira de se afirmar internacionalmente,
inclusive através de sua diplomacia, a qual, tem como novo objetivo o estreitamento de
laços com os países do sul (GAZIBO; MBABIA, 2012, p. 63). Mas a China também busca,
através de sua diplomacia, uma maneira de melhorar sua condição interna, uma vez que
uma crise social tem emergido em Pequim, devido à desproporção com que o crescimento
econômico tem beneficiado a todos, sendo uma maneira de alcançar tal fim, se empenhar
em questões de prestígio externamente (NAIDU, 2007, p. 43).
Nesse contexto, a diplomacia chinesa parece dar preferência ao respeito da
soberania de seus parceiros e a primazia ao desenvolvimento econômico, o que lhe agrega
uma visão positiva perante seus parceiros. Rotberg (2008), por exemplo, ressalta que a China
não possui interesse na conquista de territórios, mas sim em fontes de recursos energéticos,
matérias-primas, mercado consumidor, e também, em parceiros que lhe forneçam
sustentação no ambiente internacional e em organizações internacionais, por exemplo, na
ONU, sendo que para isso o país tem adotado a via do multilateralismo.
Logo, visando alcançar seus objetivos e, devido à reticência de criar atritos com os
demais países que necessitam de recursos, o país tem se voltado para outras áreas
geográficas de influência e cooperação, como é o caso da África.
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A relação histórica entre o continente africano e a China, contudo, não é nova. O
contato entre a China e a África remonta a séculos (TAYLOR, 2007, p. 16). No entanto, após a
emergência da China, a mesma se tornou uma espécie de exemplo, tanto por seu apoio as
lutas de libertação nacional, quanto por suas façanhas de crescimento. E dentro de uma
dicotomia de aproximação e afastamento, a África sofreu, nos anos 80, com a crise mundial,
e foi marginalizada no cenário econômico internacional. Concomitantemente, ocorria o
grande boom chinês, e por consequência, sua necessidade por fontes de energia, mercados
e matérias-primas, sendo nesse contexto que se transformaram as relações com a África
(VISENTINI, 2012).
Essa nova relação sino-africana é pautada pela cooperação, embora impulsionada
por motivos econômicos, além de baseada em princípios como a não intervenção em
assuntos internos, o que atraía muitos dos novos Estados africanos, sendo eles ditatoriais ou
não. Para Sousa e Oliveira (2013, p. 32), de maneira geral, essa aliança se apresenta como
vantajosa para ambos os lados: enquanto a China obtém apoio político dos Estados africanos
nos fóruns internacionais, o que reforça o princípio da China única; os Estados africanos1
gozam de vantagens econômicas advindas da ajuda externa chinesa, ganham respaldo para
suas posturas, ampliam sua margem de manobra perante outros Estados, e ainda,
aumentam seu poder de influência por negociarem em bloco.
Um dos principais meios pelos quais se dá a relação sino-africana é através dos
investimentos chineses na região. Os montantes chineses na África vão desde infraestrutura,
passando pelo turismo, educação, alcançando a ajuda humanitária (ROTBERG, 2008). Essas
ações, aliadas ao comércio, parecem contribuir para um crescimento inédito dos países
africanos, tendo, nos últimos anos, a região, crescido a taxas próximas aos 5% ao ano
(VISENTINI, 2013, p. 21). Para Visentini (2013), é inegável que a maior parte dos Estados
africanos tem angariado respostas rápidas à presença chinesa, conseguindo concluir acordos
em diversas áreas, passando pela formação de profissionais, até a construção de
infraestrutura, é claro, sem esquecer do setor petrolífero e de demais recursos naturais. Na
verdade, os investimentos chineses direcionados a áreas como educação, infraestrutura e
1 Neste trabalho se foca na análise ampla dos países africanos com relação a presença chinesa, o que, embora possa gerar generalizações, foi realizado devido ao amplo espectro do estudo. Dessa forma, abra-se como oportunidades para novos estudos, análises mais especificas de cada Estado africano.
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capacitação, como exemplo, são vistos como uma prova da intenção chinesa de manter
relações duradouras com o continente e não apenas uma exploração de seus recursos
naturais. Todavia, existem também questões de atrito nesse relacionamento, como é o caso
do comércio.
Contudo, a presença chinesa na África tem sido alvo de críticas pelas potências
ocidentais, as quais a acusam de dar suporte a regimes autoritários, a violações de direitos
humanos e ser, na realidade, um novo colonizador. Essa série de críticas, em geral, por
membros da academia, da mídia e de ONGs da Europa e dos EUA, caracterizam esse
movimento como neocolonialista. Ademais, a manutenção, por parte da China, de relações
com países de regimes autoritários, é vista como extremamente prejudicial para o
continente africano.
Para tais críticos, o envolvimento da China com o continente africano estaria vinculado exclusivamente ao interesse chinês no petróleo e em outros recursos naturais dos países africanos e à garantia, por meio da ‘One China Policy’, de que Taiwan não seja reconhecido como país independente. (VISENTINI, 2013, p. 13)
No entanto, as críticas Ocidentais não se limitam a retórica. A estratégia das
potências ocidentais é de tentar limitar, progressivamente, a China dos recursos naturais
necessários para a manutenção de seu crescimento, através de ações como a Guerra ao
Terror, o que também justifica seu olhar mais atento ao subsistema africano (VISENTINI,
2013). Segundo Machado (2012) em respostas às transformações no âmbito internacional,
os EUA criaram um programa de assistência militar denominado African Crisis Response
Iniciative (ACRI), que se tornou Africa Contingency Operations Training Assintance (ACOTA),
em 2002, tendo como objetivo oficial o treinamento para a manutenção da paz e a ajuda
humanitária. Contudo, na prática, “[...] a ACRI é destinada a modernizar e adaptar as forças
armadas locais às normas norte-americanas” (MACHADO, 2012, p. 96). Nessa mesma linha,
em 1999, o Pentágono americano criou o Centro Africano para Assuntos Estratégicos e o
African Command (AFRICOM), em 2007, tendo como meta principal proteger o acesso ao
petróleo e outras fontes energéticas e, concomitantemente, responder ao envolvimento
político da China na África (MACHADO, 2012).
De todo modo, caberia prospectar de maneira mais focada em que medida a
competição entre China e Ocidente (aqui tomado como Estados Unidos da América, França e
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Reino Unido) para com o continente africano, é benéfica para a África. Isso pode ser avaliado
em termos diretos, no impacto das abordagens desses países para o desenvolvimento de
países africanos, e indiretos, na capacidade de criar novas oportunidades e possibilidades de
barganha, com o aumento do número de parceiros e da competição entre os mesmos. Este
trabalho é um esforço inicial neste sentido.
Assim sendo, o trabalho se orienta pela seguinte questão: quais são as principais
consequências para a África, nos âmbitos de desenvolvimento (humano e econômico),
segurança e construção estatal, da inserção chinesa e da competição entre essa e as
potências Ocidentais (EUA, França e Reino Unido)? O objetivo geral é estudar a recente
inserção, chinesa na África, focando-se no período pós-Guerra Fria, as reações ocidentais, e
seus impactos mais gerais no desenvolvimento, segurança, e construção dos Estados
africanos e na capacidade de barganha destes Estados. Como objetivos específicos têm-se:
(1) analisar a relação sino-africana; (2) estudar as políticas externas de EUA, França e Reino
Unido para a África, e suas alterações perante a presença chinesa no continente; (3) avaliar
os efeitos da presença chinesa diferenciada, e da competição desta, com as potências
ocidentais, diante do desenvolvimento, segurança e no desafio da construção dos Estados
africanos. Como hipótese principal, tem-se que: a inserção chinesa é diferenciada e têm
como consequências avanços no desenvolvimento, segurança e construção estatal africana,
além de incentivar uma maior condição de barganha internacional de países do continente.
Metodologicamente, o trabalho se propõe como um estudo de análise da presença
chinesa, pautado pelas reações ocidentais e pelas consequências, para a África, dessa nova
dinâmica, possuindo muitos pontos de caráter exploratório. Adota como método de
abordagem o hipotético dedutivo. São utilizadas fontes, principalmente, secundárias (livros,
artigos, dissertações), além de dados quantitativos para que se analisem as alterações nos
índices dispostos para comprovar a hipótese.
O trabalho será divido em três capítulos. O primeiro tratará sobre a interação China-
África em todos os seus aspectos, contando como uma breve retrospectiva histórica da
relação, principais áreas da relação, suas principais características, e seus dilemas; o segundo
capítulo analisará as políticas externas de EUA, França e Reino Unido para a África e suas
alterações diante do novo competidor no continente, a China; a terceira secção tratará sobre
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o modo diferenciado da inserção chinesa, como a relação com a China parece estar
contribuindo para questões como segurança, desenvolvimento e construção dos Estados
africanos, e, por fim, tratará sobre como essa competição entre a China e as potências
extrarregionais ocidentais tem proporcionado a África um maior poder de barganha, sendo
agora mais capaz para buscar seus próprios objetivos.
A inserção chinesa será analisada através dos investimentos do país no continente
africano, sejam eles em infraestrutura, educação, saúde, cooperação técnica ou militar. Uma
vez que, Rotberg (2008) aponta que as ações chinesas na África não se resumem a
investimentos em infraestrutura, mas também ao incremento no comércio entre ambos, a
ajuda avançada, como é o caso da educação, parcerias políticas, como o FOCAC2,
transferência de tecnologia, principalmente agrícola (LECHINI, 2013, p. 149), disseminação
cultural, através do Instituto Confúcio, além de ações diplomáticas, como o perdão de
dívidas dos países africanos e de segurança, como o treinamento militar. Buscando delinear
as principais motivações para tal relação obedecendo a suas necessidades energéticas e
princípios de não intervenção nos assuntos soberanos dos Estados africanos.
O capítulo 2 focará nas as respostas ocidentais perante a inserção chinesa. Serão
abordadas as nuances das políticas externas de cada uma das potências ocidentais: Reino
Unido, França e EUA, e também de questões pontuais. Um exemplo é a criação, pelos EUA
do AFRICOM. Outro, são as políticas adotadas, no caso do Reino Unido, baseadas no diálogo
construtivo com a China, visando aproximar as ações da última ao conceito ocidental de
“melhores práticas” (ALDEN, 2007, p. 107) e, sua nova postura, juntamente a França, de
novas intervenções no continente. Ou, ainda, as ações francesas, onde está ocorrendo um
grande debate sobre a competição da China em um local de tradicional influência da França,
causando receio francês da perda de gerência sobre esse local, bem como, de ver corroído o
que se tem como base para a França ser reconhecida como uma potência (ALDEN, 2007, p.
108-109), tendo sido percebida sua nova postura de intervencionismo na África.
Por fim, o capítulo 3 busca explicitar as consequências para o continente africano de
suas relações com a China, como possível catalisadora de melhorias no processo de
construção estatal, no âmbito do desenvolvimento e da segurança. Serão analisados
2 Fórum de Cooperação China-África
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diversos dados, como IDH, PIB, CINC, SFI, gastos militares, a fim verificar se as relações com a
China estão relacionadas com essas melhorias e se os países que gozam dos índices mais
expressivos são os principais parceiros comerciais chineses (Angola, África do Sul e Sudão).
Ademais, procura-se avalia se o aumento de suas capacidades e recursos, juntamente com
mais opções diante da competição entre a China e as demais potências extrarregionais,
presente no continente, tem prospectado a África um maior poder de barganha, fazendo
com que a mesma consiga obter maior autonomia no sistema internacional.
Dessa forma, este trabalho visa contribuir para um melhor entendimento da relação
sino-africana, não apenas em se tratando particularmente da China na África, mas dos
efeitos que tal dinâmica origina, como as reações ocidentais e as alterações no continente
africano. Sendo que, com a análise dos dados parece que a inserção chinesa tem
contribuído, direta e indiretamente, para o desafio da construção dos Estados africanos
(desenvolvimento e segurança) e o poder de barganha internacional dos mesmos.
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1. CAPÍTULO 1 - CHINA NA ÁFRICA: A ATUAÇÃO DA POTÊNCIA ORIENTAL NO
CONTINENTE.
1.1. Introdução do capítulo 1
Este capítulo trará um panorama amplo sobre a presença chinesa no continente
africano, desde os primeiros contatos no século XV até contemporaneamente, abarcando a
emergência chinesa no cenário internacional como potência global; um breve histórico da
relação sino-africana, a partir dos primeiros contatos comerciais – século XV- até
atualmente, focando-se no pós-Guerra Fria, demonstrando o desenvolvimento da política
externa chinesa para África bem como seus principais interesses na região, as características
dessa interação e a configuração contemporânea da questão.
1.2. A ascensão chinesa, política externa e a virada para a África
A China tem emergido como a principal ganhadora da Guerra ao Terror norte-
americana (ARRIGHI, 2008, p. 308), uma vez que, quanto mais emaranhado na luta contra o
terrorismo, mais os EUA passaram a depender de mercadorias estrangeiras baratas, sendo
na esfera econômica que a China tem sua influência mais extraordinária (ARRIGHI, 2008, p.
214-216):
Em resumo, longe de lançar bases para um segundo século norte-americano, a ocupação do Iraque comprometeu a credibilidade do poderio militar dos Estados Unidos, reduziu ainda mais a centralidade do país e da moeda na economia política global e fortaleceu a tendência à promoção da China como alternativa à liderança norte-americana na Ásia oriental e em outras regiões. (ARRIGHI, 2008, p. 219)
16
Dessa forma, a emergência chinesa, durante os anos 2000, se tornou evidente
(GAZIBO; MABABIA, 2012, p. 53). Tanto a Índia quanto a China têm conhecido um notável
crescimento econômico, tendo mantido, nos últimos anos, o mesmo em uma taxa próxima
aos dois dígitos, o que tem acarretado uma projeção mundial (VISENTINI, 2012, p. 258).
Tendo contribuído para tal ascensão a crise financeira de 2008, a qual partiu dos EUA e se
espalhou para o mundo; explicando, de certa forma, a emergência dos países periféricos,
como foi o caso do Brasil, uma vez que os mesmos não sofreram, tão arduamente, com o
choque capitalista. Somando-se a isso, essa crise também desencadeou o fortalecimento da
multipolarização, bem como o surgimento de novos alinhamentos econômico-diplomáticos
(PAUTASSO, 2009, p. 20):
O acelerado desenvolvimento econômico da China e, mais recentemente, o da Índia produziram uma radical alteração nas conexões internacionais entre a Ásia e outras regiões do mundo. Partindo de uma posição periférica, a Ásia está se tornando um polo dinâmico que ocupa uma posição cada vez mais importante na economia e na política mundiais. (VISENTINI, 2012, p. 258)
Ou seja, convive-se com um movimento de transposição da unipolaridade para a
multipolaridade, no momento em que o desenvolvimento interno, combinado com as
políticas externas da China, e também de outras potências como União Europeia, Japão,
Rússia e Índia, têm alterando a balança de poder global (WALTZ, 2000, p. 32; SCHWELLER,
2011, p. 285)3. Contudo, o principal interesse chinês não é tomar a liderança global, e sim
aumentar o poder e prestigio de Pequim em locais estratégicos (SCHWELLER, 2011, p. 63).
É inegável o papel da China como um dos grandes exportadores do mundo, além de, no plano estratégico, pertencer ao Conselho de Segurança e possuir um forte aparato bélico, inclusive de cunho nuclear, fatos que a levam cada vez mais a ser o centro de gravidade asiático. Ressalte-se, ainda, o crescente interesse chinês em manter relações com a África, visando colocar o continente como importante fornecedor de matérias primas (CARVALHO, 2013, p.15).
Logo, Sousa e Oliveira (2013) apontam que a política externa chinesa se mantém
guiada pela continuidade de buscar autonomia nacional, bem como se afirmar
internacionalmente (SOUSA; OLIVEIRA, 2013, p. 27). E, uma vez traçado seus objetivos,
3 Segundo Waltz (2000, p. 34-36), Estados com grandes capacidades econômicas se tornam grandes potências, sendo relutante ou não, tendo a China um grande potencial. Contudo, a China, aparentemente, não busca uma atuação solitária no sistema internacional, da mesma forma que os EUA o fizeram depois da Guerra Fria, arcando com os custos dessa liderança, alegando que a China ainda é um país em desenvolvimento, não sendo capaz de se engajar na governança global (SCHWELLER, 2011, p. 291). No momento, a China, pragmaticamente, tem acomodado a liderança dos EUA, e, ao mesmo tempo, contestado a legitimidade dessa liderança, através de uma série de estratégicas como: participação das missões de paz da ONU, proeminência econômica, multilateralismo, diplomacia de soft power (SCHWELLER, 2011, p. 52-58).
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Pequim, tem dado ênfase ao desenvolvimento econômico - identificado como único meio de
se alcançar a soberania, a estabilidade e a ascensão internacional (BRAUTIGAM, 2009, p. 21)
- bem como, dado prioridade a elaboração de laços com os países do Sul4 - diferentemente
do tipo de relação, até então, priorizada pelos países centrais- a fim de assegurar sua
segurança, desenvolvimento econômico e apoio internacional (SOUSA; OLIVEIRA, 2013, p.
28). Dessa forma, a diplomacia chinesa apresenta como características, o respeito da
soberania de seus parceiros e a primazia ao desenvolvimento econômico, o que lhe agrega
uma visão benéfica, perante suas novas relações (BRAUTIGAM, 2009, p. 20-21).
Somando-se a isso, as prioridades atuais da política externa chinesa também têm
sido guiadas por motivações internas (MENDES, 2008). Em primeiro lugar, o país está
interessado na manutenção de um ambiente pacífico na esfera regional, bem como,
assegurar o acesso a recursos energéticos a nível internacional, a fim de manter os níveis de
crescimento econômico. Em segundo lugar, a atitude assertiva no plano externo, tem
proporcionado unidade e estabilidade a um regime autoritário e inseguro, o qual tem
buscado se engajar em questões de prestígio, como em Darfur (ALDEN, 2007, p. 115).
Por fim, a política externa chinesa tem sido marcada por um grande pragmatismo,
sendo todas essas diretrizes apoiadas por um nacionalismo, uma vez que, “[...] o objetivo do
crescimento econômico e de estabilidade e harmonia social tem ajudado ao adormecimento
coletivo das preocupações políticas e culturais” (MENDES, 2008, p. 232), ou seja, o sucesso
econômico também tem acrescentado a coesão interna. É importante ressaltar que esse
nacionalismo incrustado na política externa chinesa tem levado a alguns alinhamentos
contraditórios, mas que a China tenta transmitir uma imagem de ascensão pacífica (MILANI;
CARVALHO, 2012):
[...] Vimos que, quer o nacionalismo quer o crescimento econômico, alimentam estratégias contraditórias. Por um lado, exigem uma atitude assertiva, para legitimar o lugar do PCC no poder e para garantir a obtenção de recursos naturais que alimentem a máquina da economia chinesa. Por outro, exigem um grande pragmatismo e contenção, para assegurar o papel da China enquanto ator internacional responsável e motivo de orgulho e para garantir estabilidade regional
4 De acordo com Milani e Carvalho (2012), a Cooperação Sul-Sul (CSS) se apresenta como uma alternativa e não uma estratégia de substituição a Cooperação Norte-Sul, sendo a mesma mais horizontalizada, menos assimétrica e fundada na solidariedade. Para Milani e Carvalho (2012), no caso chinês, a CSS assume múltiplas formas, dentre elas: o envio de missões médicas; a construção de rodovias e pontes; cooperação técnica; instalação de estações termoelétricas; programas de treinamento e empréstimos de apoio ao comércio exterior; doações; empréstimos a juro zero e empréstimos subsidiados, entre outros.
18
essencial à economia. Assim, a política externa chinesa tem sido essencialmente caracterizada por uma diplomacia econômica cada vez mais ativa e por conceitos securitários que procuram transmitir uma imagem defensiva (‘ascensão pacífica’, ‘desenvolvimento pacífico’). (MENDES, 2008, p. 234)5
Ao mesmo tempo, a China, em seu engajamento externo, não possui interesses em
conquistas de territórios, mas sim interesses mercantis. Os fins requeridos pela China são
tanto de ordem material, quanto ideológica (ROTBERG, 2008). Quanto ao primeiro, o país
busca, principalmente, o fornecimento de matérias-primas necessárias para a manutenção
de seu crescimento (ALDEN, 2007, p. 13), além de mercados que possam absorver sua
grande produção. Já quanto a sua intenção ideológica, Rotberg (2008) aponta a necessidade
de marginalizar Taiwan diante de países como o caso de alguns africanos, os quais ainda
reconhecem o enclave chinês6. Logo, a estratégia da política externa chinesa persegue um
ideal de posição global para a China, e para esse fim, os meios utilizados por Pequim
alternam entre o bilateralismo, multilateralismo e iniciativas sub-regionais (ALDEN, 2007, p.
27-30; WENPING, 2007). Sendo este, uma forma de utilização e exercício do soft power7
chinês. Contudo, a China tem combinado o uso de soft power e hard power em suas relações
externas (MENDES, 2008).
Se tem, por um lado, então, o fortalecimento da economia chinesa e a crescente
necessidade de insumos, petróleo, alimentos, minérios, entre outros, além de mercados; de
outro, nota-se o fortalecimento diplomático chinês diante as oportunidades e desafios
proporcionados pela transformação pela qual tem passado, que proporcionou novos
alinhamentos na política internacional (PAUTASSO, 2009, p. 18),
5 Há um grande debate sobre a possibilidade de manutenção da política de ascensão pacífica chinesa e segurança da região Ásia-Pacífico, devido sua ascenção (PEOU, 2014, p. 121). Para Xiaoming e Buzan (2010, p. 450), o crescimento chinês representa uma mudança para a dominação ocidental e, dessa forma, se torna muito difícil se manter a característica de ascensão pacífica por mais 30 anos. Além disso, todos os possíveis aspirantes a novas potências, em momentos diferentes, Alemanha, Japão e URSS, sofreram com as reações dos EUA, sendo para Mearsheimer (2006, p. 160), impossível que a China mantenha essa política, pois a mesma está prestes a entrar em competição com EUA, e possivelmente, em conflito com o mesmo. 6 Na África, atualmente, apenas quatro países não possuem relações diplomáticas com a China, pois reconhecem Taiwan: Burkina Faso, desde 1994; Gâmbia, desde 1995; São Tomé e Príncipe, desde 1997; e, Suazilândia, desde 1968 (MENEZES, 2013, p. 309). 7 De acordo com Mendes (2008), o soft power chinês, diferentemente da visão norte-americana, cunhada por Joseph Nye, o qual se baseia em ideais políticos, possui um componente essencialmente cultural e civilizacional.
19
Crescendo rapidamente e deixando para trás sua condição de subdesenvolvimento para se tornar uma grande potência mundial, a China precisa de fontes de energia e matérias-primas. (ROTBERG, 2008, p. 4, TRADUÇÃO LIVRE)8
[...] Fica claro que a China precisa – para ser capaz de gerir domesticamente seu enorme crescimento econômico e industrial – ter acesso a uma ampla gama de matérias-primas e recursos energéticos [...] também precisa de parceiros e consumidores que possam absorver sua produção de bens e serviços, mas também a ideologia chinesa, em outras palavras, o soft power chinês. Dito isso, o continente africano, devido as suas dimensões, abundância em recursos energéticos e matérias-primas, e a simpatia manifestada por muitos regimes políticos as ideias do Consenso de Pequim, ocupa, inquestionavelmente, um lugar privilegiado na estratégia de consolidação do grande poder da China no mundo. (DUARTE, 2012, p. 23, TRADUÇÃO LIVRE)9
A partir de então, é perfeitamente explicável a adoção do multilateralismo chinês,
uma vez que não se deseja entrar em atrito com países como EUA na busca por fontes de
matérias-primas, uma vez que a diplomacia chinesa é embasada nos cinco Princípios da
Coexistência Pacífica10, sintetizados na Conferência de Bandung (1955) (GAZIBO; MBABIA,
2012, p. 53).
A partir dessas considerações pode-se tomar como base que, com o rápido
crescimento econômico, somando a outras características que a China possui, como arsenal
nuclear e um assento no Conselho de Segurança da ONU, o país tem ascendido ao sistema
internacional como potência global. Por outro lado, o país logra manter uma identidade
terceiro mundista que possibilita a consolidação de parcerias sul-sul (GAZIBO; MBABIA,
2012, p. 65). Esse novo protagonismo chinês tem alterado o sistema internacional,
tornando-o mais descentralizado. Além disso, devido à reticência de criar atritos com os
demais países que necessitam de recursos, o país tem se voltado para outras áreas de
influência e cooperação, como é o caso da África11.
8 “Growing rapidly and bursting out of its long underdeveloped cocoon to become a major world power and global economic source, China needs sources of energy and raw materials[…].” 9 “[...] It is clear that China needs – to be able to domestically operate its huge economic and industrial growth – to have acess to a wide range of raw materials and energy resources […] also needs partners and consumers that may absorb the Chinese production of goods and services, but also Chinese ideology, or in the other words Chinese soft power. That said, the African continent, due to its dimensions, abundance in energy resources and raw materials, but also due to sympathy that many political regimes manifest towards the ideas of Beijing Consensus, occupies, unquestionably, a privileged place in the strategy of consolidation and assertiveness of China’s great power in the world.” 10 Segundo Visentini (2012), os Cinco Princípios da Coexistência Pacífica são: 1. respeito mútuo à soberania e integridade nacional; 2. não-agressão; 3. não- intervenção nos assuntos internos de cada país; 4. igualdade e benefícios recíprocos; e, 5. Coexistência pacífica entre Estados com sistemas sociais e ideológicos diferentes. 11 Mendes (2008) ressalta que a China desenvolveu em 2008, uma nova estratégia internacional conhecida como “Estratégia da Pomba da Paz”, onde se distribui as áreas de intervenção da política externa chinesa
20
1.3. O histórico da relação China-África
Os contatos e o comércio entre a Ásia e o litoral africano do Oceano Índico são muito
antigos, onde no século XII, começou-se a importar porcelana song da China. Contudo, o
comércio entre os dois continentes, diretamente, só se deu a partir do século XV (NIANE,
2010, p. 525). Ou seja, o contato com a África remonta a séculos atrás.
Moedas chinesas e fragmentos de porcelana que datam da Dinastia Sung (960-1279) foram encontrados em sítios arqueológicos em Zanzibar, ao longo da costa oeste da África, até o sul, e em terras da grande Zimbábue. Estas descobertas indicam que o contato, embora indireto, entre a China e a África existem a um período considerável de tempo. (TAYLOR, 2007, p. 16, TRADUÇÃO LIVRE)12
Dessa forma, a partir do século XV, muitos impérios e reinos da Índia e da China
fizeram contatos diretos com a África Oriental, somando-se as ligações proporcionadas pelos
árabes-muçulmanos, os quais comercializavam na região, sendo que, durante a Dinastia
Ming, a esquadra marítima chinesa era muito numerosa, fazendo com que essa ligação se
tornasse muito mais intensa. Contudo, devido a questões internas, a China diminuiria sua
empreitada marítima, deixando um espaço que seria ocupado pelos países europeus (NIANE,
2010, p. 531). Contudo, mesmo durante a fase de colonialismo europeu, esses contatos não
cessaram uma vez que, partilhando do domínio colonial, houve migrações chinesas para a
África, onde os primeiros africanos que chegaram na China datam do século VI ou VII
(NIANE, 2010, p.760).
Já durante o período pré-1949, ou seja, antes da Revolução Chinesa, inserido na
dinâmica da Guerra Fria, Mao Zedong formulou o conceito de “zonas intermediárias”, como
uma arena de contradição entre as duas ideologias do período, o capitalismo e o socialismo.
Essas zonas representariam a existência de países entre a dicotomia EUA/URSS, não
necessariamente alinhados com uma das ideologias (TAYLOR, 2007, p. 17). Mao impôs uma
através do corpo da pomba, seguindo uma lógica de prioridades. Sob este prisma, a África estaria na base caudal da pomba, enquanto a região asiática, estaria no centro, contudo, Mendes (2008), aponta que isso não significa a falta de importância para essa região, uma vez que, não se poderia adquirir uma boa estrutura se sua base está fraca, o que também é corroborado por Milani e Carvalho (2012), uma vez que ressalta que o foco geográfico da política externa chinesa é a Ásia e a África, sendo seus temas prioritários: infraestrutura, produção de recursos energéticos, e desenvolvimento industrial. 12 “Chinese coins and porcelain fragments dating from the Sung Dynasty (960-1279) have been founded at archeological sites in Zanzibar, along the Swahili coats eastern Africa and as far south and as inland as Great Zimbabwe. These discoveries indicates that contact, however indirect, between China and Africa has existed for a considerable period of time.”
21
divisão entre os países “desenvolvidos”, them, incluindo EUA e URSS, e os países na mesma
condição que a China, us. Isso atraiu alguns Estados recém independentes da África
(TAYLOR, 2007, p. 17). Sendo possível afirmar que o conceito de Mao sobre as zonas
intermediárias pode ser identificado como o início da conceptualização da teoria do Terceiro
Mundo (Taylor, 2007, p. 17).
Em paralelo, a Revolução Chinesa teve grande impacto no continente africano
principalmente sendo vista como um exemplo para o processo de descolonização, se
tornando um grande parceiro nesse período (VISENTINI, 2012). A Revolução Chinesa
também marcou uma mudança na política de Pequim, fazendo com que a China se
empenhasse de maneira mais enfática em problemas de ordem interna e externa (TAYLOR,
2007, p. 17):
Após a Revolução Chinesa (1949), foi possível observar um maior aprofundamento dos laços, a partir da iniciativa chinesa. Naquela conjuntura, a China tinha como objetivo exportar a revolução, o que coincidiu com a proliferação de movimentos de libertação nacional na África. (OURIQUES, LUI, 2012, p. 19)
A China teve grande relevância na cooperação com os países africanos durante o
processo de descolonização (ADEBAJO, 2010, p. 164): “[...] A solidariedade anticolonialista e
anti-imperialista da Conferência de Bandung representou um elemento de aproximação, que
se apoiou na diplomacia terceiro-mundista de Beijing [...]” (VISENTINI, 2012, p. 259), além da
tentativa de isolar Taiwan do contato com os países africanos. Durante os anos de 1970, a
ajuda chinesa a África foi de 1,7 bilhões de dólares, em razão da diminuição da presença
soviética na região (OURIQUES; LUI, 2012, p. 19). Esses investimentos se dirigiram,
principalmente, para a infraestrutura, característica marcante da atuação chinesa na região
(BRAUTIGAM, 2009, p. 1), como a construção da ferrovia Tanzan, projeto recusado pelas
potências ocidentais, “[...] o objetivo dessa obra era ligar a Tanzânia a Zâmbia, como parte
do projeto de construir uma pan-África. Esta parceria aumentou ainda mais a influência
chinesa no continente africano”. Contudo, é preciso ressaltar que, no imediato pós-
Revolução, a política externa chinesa foi muito influenciada pelo suporte da URSS, diante da
aliança Sino-Soviética de 1950 (TAYLOR, 2007, p. 18).
Somando-se a isso, a China propiciava treinamento militar a movimentos de
libertação nacional, bem como assistência técnica e a constituição de quadros no período,
como na Argélia, Egito, Somália, Tanzânia e antigo Zaire (ADEBAJO, 2010, p. 165). Foi
22
marcante também, na conjectura dos movimentos de libertação nacional, a transferência de
armamentos chineses para a África. A China forneceu armas para os movimentos da Argélia,
Moçambique (FRELIMO), Angola, Zimbábue (ZANLA), e também para o movimento opositor
na guerra civil na República Democrática do Congo (BROMLEY; DUCHÂTEL; HOLTOM, 2013,
p. 36).
Nesse interregno, mais precisamente em 1954, a China elaborou os princípios que
guiariam sua política externa, os quais seriam denominados de Cinco Princípios de
Coexistência Pacífica13, visando uma aproximação com os países recém independentes e
também os socialistas (VISENTINI, 2013, p. 14). Já em 1955, ocorre a Conferência de
Bandung, a qual proporcionou o contato dos chineses com diversos líderes africanos;
oportunidade de incremento das relações entre ambos, sendo fruto de tal encontro, o
estabelecimento de relações diplomáticas entre China e Egito em 1956 (ALDEN, 2007, p. 9),
inaugurando, oficialmente, as relações sino-africanas (VISENTINI, 2013, p. 14).
Assim sendo, no pós-Bandung a China se tornou, gradualmente, mais envolvida com
a África. Concomitantemente, as relações Sino-Soviéticas começaram a ruir, uma vez que,
após a morte de Stálin, a China passou a ver a política de Khruschev como complacente com
a política capitalista, o que aproximou ainda mais a política chinesa da África visando apoio
para sua posição internacional (ALDEN, 2007, p. 10). Dessa forma, o período de 1960-1965
para as relações sino-africanas, foi de sucesso.
Contudo, nos anos 80, houve um relativo afastamento da África, uma vez que a China
priorizou, novamente, questões internas, devido a Revolução Cultural, o que gerou um
isolamento de Pequim (ALDEN, 2007, p. 10). Assim,
A Revolução Cultural resultou em intensa agitação interna na China de 1966 em diante. Para as relações exteriores de Pequim, a Revolução Cultural pode ser vista como um desastre, onde os interesses e influência na África e no mundo sofreram um grande revés durante o período. (TAYLOR, 2007, p. 32, TRADUÇÃO LIVRE)14
13 Segundo Taylor (2007, p. 18), esses princípios são: o respeito mútuo da integridade territorial de cada país; a não-agressão; a não interferência em assuntos internos; igualdade e benefícios mútuos; e, coexistência pacífica. 14 “The Cultural Revolution resulted in intense domestic upheaval in China from 1966 onwards. For Beijing’s foreing relations, the Cultural Revolution can be seen to be a disaster and the PRC’s interest and influence in Africa and in the world in general suffered a great setback during the turmoil.”
23
A ajuda chinesa para com o continente africano, nesse período, também sofreu
reveses (BRITO, 2011, p. 6). Concomitantemente, o continente africano enfrentou uma crise
generalizada, pois, enquanto se instalava em grande parte do mundo uma economia global e
dinâmica, a África Subsaariana passava por um processo de deterioração de sua posição no
comércio, investimentos, produção e consumo, em relação a demais áreas do globo
(CLAPHAM, 1996, p. 164). Entre 1870 e 1970, quando a África foi incorporada a economia
capitalista, as exportações africanas tiveram um crescimento acelerado, mas a década de 80
marcou um revés para essa tendência. Somando-se a isso, as exportações africanas se
mantiveram restritas as commodities, o que dificultou ainda mais sua situação no período,
combinado ao crescimento do setor informal, refletindo e exacerbando a diminuição das
capacidades dos Estados Africanos (CLAPHAM, 1996, p. 165). Essa situação levou a maioria
das economias africanas à dependência da ajuda internacional e dos empréstimos externos,
o que marcou esse período como a marginalização da África na economia global e a
solicitação de ajuda a instituições financeiras internacionais (ADEBAJO, 2010, p. 25). Essas
instituições, como condição para a ajuda financeira, obrigaram15 os países africanos a aplicar
reformas estruturais, as quais erodiram o controle dos Estados africanos sobre sua política e
economia, sendo o período marcado, novamente, por uma submissão indireta ao ocidente
(ADEBAJO, 2010, p. 25) e pela dependência dos mesmos (CLAPHAM, 1996, p. 166)
Os resultados desses ajustes políticos foram: a corrosão das capacidades Estatais de
governar seu próprio território, e a perda de legitimidade internacional e interna, sendo que
a utilização do conceito de uma “recolonização”, embora polêmico, não seja, totalmente,
injustificado (CLAPHAM, 1996, p. 180-186).
Nesse período, a China obteve uma maior aproximação com as potências ocidentais,
devido a sua fase “antissoviética”, o que proporcionou a mesma, a visão de “uma nova
grande potência” no estilo ocidental, presente na África em vista de defender seus
interesses globais apenas. Ou seja, seu discurso anti-imperialista se deteriorava diante dos
países terceiro-mundistas. Foi nessa época, no entanto, que a China alcança sua cadeira no
Conselho de Segurança das Nações Unidas, com o apoio dos países africanos, ao mesmo
15 Nem todos os países africanos se subjugaram a tais reformas, existindo três tipos de posição: a resistência, a qual, na verdade, não era uma opção; a aceitação, como no Quênia, devido a sua situação extrema; ou o intermédio entre os dois, o que só era possível em países que gozavam de suporte de mais de um país ocidental, como era o caso do Zaire, o qual barganhava entre EUA e França (CLAPHAM, 1996, p. 178).
24
tempo em que ocorriam as reformas econômicas de mercado e inserção chinesa na
economia mundial.
Concomitantemente, ocorreu o grande crescimento chinês e seu impacto na
dinâmica internacional (BRAUTIGAM, 2009, p. 8). Esse crescimento, acompanhado pela
inclusão social (embora precária) de meio bilhão de pessoas, mostrou um impacto muito
grande na busca por matérias-primas, fontes de energia e alimentos, a fim de manter o
ritmo e dinamismo do processo de crescimento. Até então, a China supria suas necessidades
com carvão e suas reservas de petróleo, mas devido ao suntuoso crescimento, tal conjuntura
não se sustentava mais. Somando-se a isso, as nações desenvolvidas, para as quais os fluxos
eram originalmente endereçados, não tinham mais capacidade de absorver as exportações
chinesas. Consequentemente, o país irá voltar-se para os países em desenvolvimento, o que
foi propiciado pela grande quantidade de excedentes, resultantes desse crescimento
econômico (ALDEN, 2007, p. 11).
Assim, novas modificações no relacionamento entre China e África se deram em
meados dos anos de 1990, quando será estabelecido um novo tipo de relação com o
continente, a qual visava: uma amizade confiável, a igualdade soberana, a não intervenção
(BRAUTIGAM, 2009, p. 3), o desenvolvimento mutuamente benéfico e a cooperação
internacional. Ou seja, a substituição das estratégias políticas voltadas à ideologia em
detrimento das voltadas para o desenvolvimento econômico. Essa mudança em relação a
África se deu em função de três aspectos: o isolamento imposto pelas potências ocidentais,
após o massacre ocorrido na Praça da Paz Celestial; pelo vácuo de poder originado da
retirada da influência europeia na região; e, pela inserção de Taiwan no continente africano
buscando apoio político contra a RPC (SOUSA; OLIVEIRA, 2012, p. 30).
Já a aceleração dessa política de Pequim em direção a África teve duas influências
principais: a necessidade crescente de recursos naturais e, a estratégias das grandes
potencias de privá-los desses recursos, o que foi feito através do dilema de guerra ao
terrorismo, visando perturbar a segurança energética16 chinesa (VISENTINI, 2012). Beijing
16 O conceito de segurança energética tem atraído mais atenção dos políticos e da opinião pública em geral atualmente. O tema se transformou em ponto de discussão porque uma sociedade mais complexa e produtiva aumenta sua necessidade por energia, colocando-se em cheque sua capacidade de manutenção de suprimento dessa demanda. Essa preocupação tem sido guiada por quatro pontos principais: a preocupação crescente sobre a disponibilidade de energia; preocupação quanto à capacidade dos produtores de manter a paz com o
25
buscou áreas, então, não cobertas pela capacidade militar, principalmente norte-americana,
ou seja, a própria Ásia, a América Latina, sem confronto com os EUA, e a África, se
aproveitando da visão africana de admiração para com a China, devido ao seu grande
desenvolvimento e superação da pobreza, sendo tida como um exemplo a ser seguido
(BRAUTIGAM, 2009, p. 10).
Já em 1996, durante a visita do então presidente chinês, Jiang Zemin, ao continente
africano, foi delineada uma proposta, de cinco pontos, visando desenvolver as relações
China-África de maneira estável e de longo prazo, baseada em cooperação e interação. Esses
preceitos incluíam: interação baseada na igualdade, respeito pela soberania e não ingerência
em assuntos internos, desenvolvimento comum, benefícios mútuos e, aumento das
consultas e cooperação internacional. Dessa forma, baseando-se nessas prerrogativas que as
relações entre a China e a África cresceram e se fortaleceram, evoluindo até a criação do
Fórum de Cooperação China-África17 (FOCAC), em 2000 (VISENTINI, 2013, p. 16). O FOCAC,
fomenta as relações sino-africanas nos âmbitos econômico e político, buscando o benefício
mútuo, se tornando o principal símbolo dessa interação (ALDEN, 2007, p. 30-31).
Sendo assim, essa nova protagonista do cenário internacional apareceu no
continente africano trazendo recursos econômicos e políticos, proporcionando
desenvolvimentos em muitos países, bem como a emergência de processos de integração
aumento da demanda; preocupação diante da mudança da produção de petróleo do norte para o sul; e, preocupação de que as instalações de petróleo, principalmente, se tornem alvo de terroristas, insurgentes ou separatistas. Dessa forma, as políticas estatais têm se focado na tentativa de assegurar esse fornecimento, assumindo uma dimensão militar (KLARE, 2008, p. 487). 17 O primeiro FOCAC se iniciou através de uma conferência ministerial em Pequim em 2000, onde se delegou que o encontro seria repetido a cada três anos, alternando o local entre a China e um país africano. Esse encontro tem como objetivo a cooperação e a amizade, baseando-se em igualdade, consenso, amizade, parceria e benefícios mútuos. O primeiro FOCAC teve como resultados a Declaração de Pequim e o Programa para cooperação econômica e desenvolvimento social China-África (ENUKA, 2010, p. 211). Esse primeiro encontro se focou em duas áreas principais: como promover uma nova ordem internacional mais equânime, e o fortalecimento da relação China-África, nos âmbitos de desenvolvimento econômico e social (ENUKA, 2010, p. 212). A segunda reunião ministerial ocorreu em 2003, na Etiópia, a qual terminou com a adoção do Addis Abada Action Plan 2004-2006 (ENUKA, 2010, p. 212), tendo como foco a cooperação política e o desenvolvimento socioeconômico (CISSÉ, 2012 [S.P.]). Já o terceiro fórum, em 2006, se concentrou na redução dos débitos dos países africanos, assistência econômica treinamento pessoal e investimentos na África com dois desenvolvimentos importantes: o White Paper on China’s African Policy, e o discurso do Presidente Hu Jintao, no congresso nigeriano durante sua visita ao país (ENUKA, 2010, p. 212). O quarto forúm ocorreu no Egito, em 2009. Dessa forma, a experiência do FOCAC, nos últimos nove anos, parece estar se mostrando como uma importante plataforma e mecanismo de diálogo para o fortalecimento da relação China-África, sendo essa marcada pela solidariedade, cooperação e salvaguardando interesses comuns, se mostrando diferenciada diante das relações com os parceiros tradicionais africanos (ENUKA, 2010, p. 212). Contudo, embora se apresentando como um fórum multilateral, as ações são implementadas bilateralmente (JANSSON, 2009, p. 3).
26
regional. Logo, “[...] os resultados seriam visíveis, como um crescimento econômico
acelerado e um maior protagonismo político por parte dos Estados africanos, bem como o
ressentimento das potências Ocidentais, que passaram a denunciar o ‘imperialismo chinês”
(VISENTINI, 2012).
1.4. China na África: aproximações recentes
As reformas e o acelerado desenvolvimento da economia chinesa, acrescentando-se
o fim da dicotomia imposta pela Guerra Fria, se mostram como aspectos determinantes para
as relações entre a China e a África (VISENTINI, 2012). O que anteriormente se baseava
apenas em uma dicotomia ideológica, uma vez que a China buscava parcerias que
convergissem com a sua posição conjuntural e sua diplomacia de prestígio, se transformou
em uma aliança de amplos aspectos.
Uma das questões que mudou a percepção chinesa para com o continente africano
foi sua recepção não critica quanto ao acontecimento ocorrido na Praça da Paz Celestial, em
1989, (incidente que gerou grandes críticas do Ocidente). Logo a China passou a conceber a
África como um possível aliado político, capaz de lhe proporcionar sustentação
internacional, principalmente na ONU, uma vez que os Estados africanos representavam um
grande número. Somando-se a isso, as críticas feitas pelo Ocidente aproximaram ainda mais
esses dois atores, uma vez que eram vistas como um empecilho a seu desenvolvimento. O
passado compartilhado de dominação colonial também aproximava esses dois polos. Além
disso, a política chinesa de não intervenção em assuntos internos proporcionava a
possibilidade de desenvolvimento econômico, sem o crivo da liberalização política, o que
tornava mais próximo os governos autoritários presentes no continente africano (GAZIBO;
MBABIA, 2012, p. 63).
No entanto, é impossível negar que a presença chinesa na África esteja ligada,
primariamente, a necessidade da última por recursos energéticos (ALDEN, 2007, p. 13), a fim
27
de sustentar seu desenvolvimento econômico, sendo o petróleo e outros recursos
representantes de importante parte do investimento chinês no continente africano,
principalmente a partir dos anos 2000 (VISENTINI, 2013, p. 19). Sendo que, Angola é o
principal parceiro comercial chinês, respondendo por 64% das importações do petróleo da
África.
A partir de 2003, o novo incremento do interesse chinês pela África se deu por duas
razões, sendo muito marcada pelas ações de investimentos chineses na região:
Em primeiro lugar, como Hu estava tomando posse como presidente, a crise energética na China focou as mentes de Pequim na necessidade urgente de diversificação de suprimento de energia. Em segundo lugar, uma tentativa, em 2005, da CNOOC de controlar a empresa americana Unocal com uma oferta de US$ 18,5 bilhões colapsou diante da pressão do Congresso dos EUA. Essas e as outras demais falhas levaram Pequim a assumir o risco em países instáveis em quais não poderiam lidar, em parte para evitar a ocorrência direta com grandes multinacionais. (VINES, 2007, p. 214, TRADUÇÃO LIVRE)18
A maioria dos investimentos chineses é dirigida à construção de infraestrutura
(BRAUTIGAM, 2009, p. 1), em rodovias, ferrovias, eletricidade, o que torna mais fácil a
exportação de recursos como o petróleo. Contudo, o desenvolvimento de infraestrutura
influência diretamente na segurança desses países, uma vez que possibilita uma maior
conexão entre o centro do poder do Estado e as regiões periféricas, as quais possuem
características centrífugas (CASTELLANO, 2013, p. 88). Ademais, também são exemplos
desses investimentos, a revitalização das minas de cobre na Zâmbia e de madeira em
Moçambique; e em setores petrolíferos, em países como Nigéria, Angola, Sudão, Guiné
Equatorial, Gabão e Chad (ADEBAJO, 2010, p. 166), sendo que o incremento nesses campos
traz transbordamentos para os africanos: “[...] ações chinesas nas áreas de infraestrutura
podem, potencialmente, promover muitos benefícios sociais para os africanos, bem como
econômicos” (ROTBERG, 2008, p. 7, TRADUÇÃO LIVRE)19.
Os investimentos chineses na África não se resumem a infraestrutura, mas também
ao incremento no comércio entre ambos, sendo exemplos, Nigéria, Angola, Sudão, e Congo;
18 “First, as Hu was taking over as president, an energy crisis in China focused minds in Beijing on the urgent need for energy diversification. Second, an attempt in 2005 by CNOOC to gain control of the American firm Unocal with a $18.5 billion bid collapse under pressure from the US Congress. That and the other such failures have pushed Beijing to take risks in unstable countries it might not otherwise deal with, in part to avoid direct competition with major multinationals.” 19 “Chinese action in these infrastructural areas potentially could prove of enormous benefit to Africans socially, as well as economically.”
28
e a ajuda avançada, como é o caso da educação, em Serra Leoa, Etiópia e Senegal, o que
entusiasma os africanos (ADEBAJO, 2010, p. 167); turismo; construções; energia;
transportes; comunicação; saúde, através de investimentos e a atração de médicos, agentes
de saúde e especialistas chineses para a África; em manufaturas, no Marrocos e no
Zimbábue; na pesca, no Gabão e na Namíbia; na construção de estádios, Mali, Djibouti e na
República Centro Africana; construção de prédios públicos (VISENTINI, 2010, p. 19); na
agricultura, na Zâmbia e na Tanzânia (ADEBAJO, 2010, p. 167); além do aspecto cultural,
através dos Institutos Confúcio (VISENTINI, 2013).
Somando-se a isso, a China tem buscado desenvolver no continente africano o
mesmo sistema de Zonas Econômicas Especiais (ZEEs), as quais visam o desenvolvimento de
setores específicos (BRAUTIGAM, 2009, p.1). Segundo Rotberg (2008, p. 8, TRADUÇÃO
LIVRE), “[...] o objetivo africano é atrair investimentos externo diretos para as zonas já
estabelecidas”20.
As Zonas Econômicas Especiais, onde são instaladas industriais sob o regime de joint
ventures, passaram a ser desenvolvidas a partir da cúpula de 2006 da FOCAC, sendo
aprovadas cinco zonas na África Subsaariana, duas delas na Nigéria.
“O investimento em Zonas Econômicas e de Livre Comércio se apresenta como uma tentativa de reproduzir o modelo chinês de desenvolvimento, uma vez que, na China, a implantação de zonas como essas teria sido responsável pelo aumento do investimento direto estrangeiro e pelo consequente desenvolvimento do país”. (VISENTINI, 2013, p. 19).
Além disso, o baixo valor dos produtos chineses permite aos africanos o acesso a um
consumo anteriormente de difícil acesso. No entanto, mais importante ainda, é que os
africanos deixaram de necessitar de empréstimos oriundos do FMI, se tornando menos
dependente da ajuda ocidental, bem como, tem desenvolvido uma diplomacia mais ativa.
Ou seja, “para os africanos, trata-se de uma descolonização econômica e de uma nova
projeção internacional” (VISENTINI, 2010, p. 20).
De acordo com Sousa e Oliveira (2013, p. 31), “A cooperação chinesa na África
apresenta-se, portanto, como uma parceria com os projetos de desenvolvimento dos países
com os quais negocia”. Ou seja, esse tipo de relação não se restringe as relações econômicas
e comerciais; como apontado pelos autores,
20 “The African goal is to attract foreign direct investment to the zones already established.”
29
[...] no caso da China, essa parceria estratégica funciona como uma plataforma para a inserção internacional dos Estados africanos, na medida em que suas posturas ganham respaldo de um membro permanente no CS/ONU (SOUSA e OLIVEIRA, 2013, p. 32).
De maneira geral, essa aliança se apresenta mutuamente vantajosa: enquanto a
China obtém apoio político dos Estados africanos nos fóruns internacionais, o que reforça o
princípio da China única21; os Estados africanos gozam de vantagens econômicas advindas da
ajuda externa chinesa, ganham respaldo para suas posturas, ampliam sua margem de
manobra perante outros Estados, e ainda, aumentam seu poder de influência por
negociarem em bloco. Sendo essa cooperação marcada por fortes vínculos diplomáticos e
muito mais atrativa do que as estratégias rigorosas e condicionais do Consenso de
Washington (SOUSA; OLIVEIRA, 2013, p. 32).
Um país em crescimento, que está à procura de mercados e influência encontra um continente rico em recursos, mas com falta de investidores [...] a África aparece como uma boa opção aos olhos dos líderes chineses [...] Por sua vez, o continente africano parece ter todo o interesse em diversificar a cooperação com outras regiões em todo o mundo. (DUARTE, 2013, p. 24, TRADUÇÃO LIVRE)22
A China tem também auxiliado nas legislações dos países africanos. O modelo do
sistema chinês, supostamente, serviria de exemplo para os africanos, por ter alcançado
grande crescimento econômico e ter tirado muitas pessoas da condição de pobreza
(ROTBERG, 2008).
Percebe-se, dessa forma, que a ajuda chinesa se dá baseada nos princípios de
igualdade, benefício mútuo, e respeito pela soberania do país, se inserindo em diversas
dinâmicas, inclusive culturais. Aplicando, Pequim, dessa forma, uma diplomacia de soft
power para o continente africano (NAIDU, 2007, p. 42):
[...] Com a sua economia em rápido crescimento, a China começou cultivar a atração para seu idioma, cultura, valores políticos e para sua diplomacia no mundo inteiro. A África é, talvez, o campo de teste mais importante para a promoção do soft power chinês. (WENPING, 2007, p. 28, TRADUÇÃO LIVRE)23
21 De acordo com Wenping (2007), a questão de Taiwan tem reduzido sua importância perante a emergência de novas questões a serem enfrentadas pela cooperação Sino-africana, como ameaças à segurança, por exemplo, o terrorismo e a malária. 22 “[...] a growing country that is looking for markets and influence meets a continent rich in resources but with a lack of investors […] that Africa appears as a good option in the eyes of Chinese leaders […] In turn, the African continent seems to have every interest in diversifying cooperation with other regions throughout the world.” 23 “With its rapidly growing economy, China has begun to cultivate the attraction of its language, culture,
political values and a diplomacy around the world. Africa is perhaps the most important testing ground for the promotion of Chinese soft power.”
30
Essa relação sino-africana tem trazido muitas críticas do Ocidente, pois dessa forma o
país estaria proporcionando a manutenção de regimes ditatoriais e grandes massacres e
violações dos Direitos Humanos, como o de Darfur. No entanto, a China é um regime
ditatorial, e suas ações internas e externas são reflexos disso (ROTBERG, 2008). Além disso,
os chineses também possuem interesses quanto à segurança, o que tem aumentado sua
relação nesse âmbito com os países africanos, através do fornecimento de armas para a
África24, bem como treinamento, embora sem firmar pactos militares, o que já vinha
ocorrendo desde os movimentos de libertação nacional: “[...] China mantém o status quo
político, seja ele qual for, e fornece equipamentos militares e outros tipos de assistência
para governos, autocráticos ou duvidosos” (ROTBERG, 2008, p. 9, TRADUÇÃO LIVRE)25.
A China também vê no continente africano a possibilidade de teste para sua
estratégia de going out (BRAUTIGAM, 2009, p. 2). As empresas chinesas se instalam no
continente africano a fim de adquirir experiência, para que possa expandir seus
empreendimentos no continente e na arena global (BRITO, 2011, p. 8). Aproximadamente
900 companhias chinesas são investidoras na região (BRAUTIGAM, 2009, p. 2), as quais têm
sido mais bem sucedidas que as empresas ocidentais (ALDEN, 2007, p. 13).
Ou seja, a política chinesa para a África também possui um componente interno.
Segundo Naidu (2007, p. 43), uma crise social tem emergido internamente na China,
aumentando-se a desigualdade e as diferenças regionais, tornando-se claro que a ascensão
do país não tem beneficiado a todos. A partir disso, a relação sino-africana também
representa um meio de sustentação interna.
Ainda cabe ressaltar que a China da preferência pelas relações bilaterais com cada
país africano, em detrimento do relacionamento multilateral (NAIDU, 2007, p. 44). Embora
Pequim tenha negociações com organizações coletivas africanas, como o Mercado Comum
do Leste e do Sul da África e da União Africana (LECHINI, 2013, p. 147).
Com a relação sino-africana, China fica exporta as críticas internacionais,
principalmente porque é vista como interferindo na dominação ocidental (ALDEN, 2007, p.
24 No ranking de 2008-2012, a China é a 5ª maior exportadora de armas convencionais do mundo (SIPRI, 2013, p. 39). 25 “China supports the political status quo, whatever it is, and it supplies military hardware and other assistance to buttstress existing governments, however autocratic or dubious in oringin.”
31
102), estando entre as apreciações, a acusação de manutenção de regimes ditatoriais na
África, a reticência com regimes que violam os direitos humanos, bem como com massacres.
A postura chinesa é classificada como um ato de neocolonialismo. Contudo, em
contraponto, a China tem se empenhado para realizar ajudas humanitárias no continente
africano, sendo que em 2007. Pequim empenhou um contingente de 1.800 soldados para as
missões de paz da ONU no Sudão, na República Democrática do Congo, na Libéria, na Costa
do Marfim, na Etiópia/Eritréia, e no Saara Ocidental (ADEBAJO, 2010, p. 168). Em relação a
acusação de neocolonialismo, Rotberg (2008) sublinha que a China não tem a intenção de
subjugar os africanos, nem impor seu modelo de vida, sendo que a mesma ressalta o
respeito pela soberania de cada Estado. Somando-se a isso, a China tem proporcionado o
incremento de estruturas políticas e econômicas para a África, que tem melhorado as
relações entre ambos os lados e traz benefícios mútuos. Além disso, um grande ponto que
separa a presença chinesa do colonialismo ou neocolonialismo, é que há o interesse dos
africanos nessas relações (ROTBERG, 2008). Segundo Visentini (2013, p. 79) “A presença
chinesa ainda é minoritária, e o país não realiza qualquer atividade que não seja demandada
pelas nações africanas”, estabelecendo-se uma interdependência econômica. Contudo,
acentua-se que as ações chinesas não cumprem a função de ajuda sem interesses, uma vez
que tais é que motivam suas ações, principalmente o suprimento de fontes de energia
(ROTBERG, 2008)
Em suma, a cooperação entre a China e os países africanos tem sido caracterizada
pela denominação de “win-win strategy” (BRAUTIGAM, 2009, p. 1), marcada por diversas
ações como investimentos; múltiplas ajudas, as quais se diferenciam, uma vez que se focam
na infraestrutura, na produção, bolsas de estudo, mas que estão incrustadas de interesses
pelos recursos africanos (BRAUTIGAM, 2009, p. 17); subsídios; perdão de dívidas (ALDEN,
2007, p. 31); entre outras, onde a política implementada pela China, segundo Rotberg (2008)
visa ajudar os países africanos a superar a pobreza, bem como consolidar sua
independência, em uma relação de desenvolvimento mutuamente benéfico.
Além disso, desde que os países africanos afirmaram que apenas empréstimos não
são capazes de mudar a conjuntura do continente, a China tem mudado seus incrementos
na África, a fim de fazer frente às aspirações africanas (ROTBERG, 2008), sendo uma das
formas a transferência de tecnologia, principalmente agrícola (LECHINI, 2013, p. 149).
32
Contudo, a “lua de mel” da China para com alguns países africanos tem ruído. A
China tem enfrentado alguns revesses em sua política econômica para o continente como
são os casos de Angola, Gabão, Nigéria, Sudão e Zâmbia, uma vez que os empreendimentos
chineses no continente têm reduzido a capacidade local de competir no mercado (VINNES,
2007, p. 218). Além disso, protestos já ocorreram na África diante da depredação ambiental
feita pelas instalações de indústrias chinesas (LECHINI, 2013, p. 152); além de pontos de
fricção devido a imigração de chineses para trabalhar nas indústrias multinacionais chinesas.
É por isso que este trabalho procura prospectar, em seu capítulo 3, resultados mais
concretos da presença chinesa e das reações ocidentais no continente africano.
Antes, importa lembrar que, embora a presença chinesa na África é significativa, o
comércio da China com a África representa apenas 3% do total de seu comércio
internacional. Somando-se a isso, a China ainda é apenas o terceiro maior parceiro africano,
atrás de EUA e França (VISENTINI, 2013, p. 23). Não obstante, a política chinesa para com a
África tem preocupado as potências ocidentais, gerando uma série de críticas e reações por
parte desses atores, que serão abordadas no próximo capítulo.
A relação sino-africana se mostra bem mais simples, se comparada a complexidades
das políticas ocidentais. Essa simplicidade, e consequentemente, preferência, pode estar
sinalizando o possível início de um novo distanciamento da África do ocidente. Mas também
se mostra extremamente complexa devido as diversas diretrizes em que atua, possuindo
respostas variadas dos países africanos (ALDEN, 2007, p. 90).
Por fim, a China é uma nova força na África, e não parece dar sinais de saída
(BRUTIGAM, 2009, p. 312).
1.5. Conclusão do capítulo 1
33
A presença chinesa na África, bem como sua política e modelo de desenvolvimento,
se caracterizam pela forma multifacetada, estando presente em vários âmbitos como:
infraestrutura, comércio, educação, saúde, turismo, cultura. Essa interação não é nova,
remonta ao século XV. É evidente, contudo, que a China possui interesses no continente
africano, mas estes não estão apenas relacionados com a África, mas com todo o sistema
internacional. Além disso, a relação sino-africana é caracterizada pela não intervenção em
assuntos internos, respeito à soberania, benefícios mútuos, não imposição de
condicionalidades. Tais ações parecem estar acarretando impactos políticos e econômicos
nas sociedades africanas e favorecendo o fortalecimento da Cooperação Sul-Sul.
Essa interação foi facilitada pelo grande crescimento econômico e pelas aspirações
chinesas de recursos econômicos, para manter seu crescimento; de mercado consumidor; de
apoio diplomático; de isolamento de Taiwan; mas também pela recepção dos países
africanos e distanciamento ocidental.
Essa nova relação tem angariado críticas ocidentais, as quais sugerem que a interação
sino-africana pode ser considerada neocolonial, somando-se às críticas tradicionais ao
governo chinês. Contudo, o que se observa é que tal dinâmica não tende a se alterar,
cabendo, a partir de então se analisar as reações ocidentais, através das mudanças de suas
políticas externas.
34
2. CAPÍTULO 2 - AS REAÇÕES OCIDENTAIS: A ANÁLISE DAS ADEQUAÇÕES DAS
POLÍTICAS EXTERNAS DO REINO UNIDO, DA FRANÇA E DOS ESTADOS
UNIDOS PARA A ÁFRICA
2.1. Introdução do capítulo 2
O rápido crescimento dos interesses chineses no continente africano tem causado
grandes receios e desconfortos nas esferas políticas e econômicas dos países desenvolvidos,
em especial, as principais ex-potências coloniais e dos EUA, principalmente em se tratando
da capacidade dos mesmos em manter sua influência na região (MENEZES, 2013, p. 178). A
partir da ascensão chinesa, confluindo com outros pontos, essas potências têm adequado
suas políticas externas em direção à África, sendo a análise dessas mudanças que se dará
nesse capítulo. Tratar-se-á primeiramente do Reino Unido, em seguida da França, e, por fim,
dos EUA.
2.2. A política externa inglesa para África: do imperialismo a emergência de um novo
competidor
De acordo com Hobsbawm (2009, p. 87-88), o período entre 1875 e 1914 pode ser
denominado de Era dos Impérios, no entanto, não somente, por representar um novo tipo
de imperialismo, mas sim porque,
“Foi provavelmente o período da história mundial moderna em que se chegou ao máximo o número de governantes que se autodenominavam ‘imperadores’, ou que eram considerados pelos diplomatas ocidentais como merecedores desse título” (HOBSBAWM, 2009, p. 88).
35
Contudo, tal conjuntura foi o resultado da luta hegemônica pelos Estados europeus,
somando-se a suas expansões militares do final do século XV, o que, gradualmente
entrelaçou o mundo em redes globais de poder. O que culminou no período a que
Hobsbawm denomina a Era dos Impérios (ABBELOOS, 2008, p. 106):
Em suma, foi um período durante o qual uma onda de integração econômica internacional foi notada, caracterizada pelo comércio internacional intensificado, aumento dos investimentos externos diretos, imigração em massa e integração de mercados e produtos. (ABBELOOS, 2008, p. 106, TRADUÇÃO LIVRE)26
Nesse período, a maior parte do mundo, excluindo-se a Europa e as Américas, foi
alvo da divisão de territórios sob a tutela direta ou indireta de um determinado grupo de
Estados (HOBSBAWAN, 2009, p. 88). Entre eles, o mais proeminente no período, o Reino
Unido. A partir de então, duas regiões foram inteiramente divididas: a África e o Pacífico,
sendo que “a Grã-Bretanha aumentou seus territórios em cerca de dez milhões de
quilômetros quadrados [...]” (HOBSBAWM, 2009, p. 91). Ou seja, durante esse interregno de
tempo, o continente foi de vital importância para as aspirações do Império Inglês.
Já a partir da metade do século XX, as relações entre o Reino Unido e a África foram
caracterizadas pelo desengajamento, saída e controle de danos, devido aos processos de
descolonização. Essa transição foi extremamente traumática, principalmente para os
africanos. Contudo, a antiga metrópole tentou manter seus interesses estratégicos e
comerciais, através de relações diferenciadas com as antigas colônias (PORTEOUS, 2008, p.
6-7). O período da Guerra-Fria limitou essa influência inglesa na África, à medida que URSS e
China buscavam estender sua influência na região, o que tornou a política externa inglesa
mais ativa na África (PORTEOUS, 2008, p. 8).
Contudo, o fim da Guerra Fria representou a marginalização do continente africano,
uma vez que o mesmo já havia ultrapassado seu período de lutas de libertação nacional
(VISENTINI, 2012, p. 155). Essa marginalização significou certo abandono por parte da
política britânica em relação à África: “[...] Africa has not been a priority for Britain’s foreign
policy elites for several decades” (WILLIANS, 2004, p. 42).
A relação do Reino Unido com o continente foi com exceção dos importantes e de longa data negócios com a África do Sul, visto economicamente e comercialmente
26 “In sum it was a period during which a wave of international economic integration was noticed, characterized by heightened international trade, increased foreign direct investments, mass immigration and the integration of goods and factor markets.”
36
insignificante [...] Para a política externa britânica, portanto, a África era marginal. (PORTEOUS, 2008, p. 6, TRADUÇÃO LIVRE)27
No período pós-Guerra Fria, a diretriz da política externa britânica passa a ser
precaução28, “por mais da metade do século XX, a relação do Reino Unido com a África foi
marcada pelo desengajamento, saída e limitação de danos” (PORTEOUS, 2008, p. 6,
TRADUÇÃO LIVRE)29.
Contudo, as relações entre o Reino Unido e a África nunca foram totalmente extintas,
uma vez que a Inglaterra tentou, durante esse período, manter afinidades com os novos
Estados africanos, principalmente com as antigas colônias inglesas. Ademais, embora no
início do período pós-Guerra Fria, a importância da África para a política externa do Reino
Unido tenha sido marginalizada, nesse mesmo interregno de tempo, o continente africano
sofreu com diversas questões como conflitos inter-regionais, os quais influenciavam
diretamente em questões primordiais como direitos humanos (PORTEOUS, 2008, p. 10):
Depois de conflitos violentos, a África foi assolada por outros problemas graves: a pobreza generalizada, a corrupção, as altas taxas de analfabetismo, a degradação ambiental (alguns relacionados ao aquecimento global) e, alta taxa de mortalidade, devido a problemas de saúde, incluindo as epidemias de malária, HIV e outras doenças fatais. (PORTEOUS, 2008, p. 10, TRADUÇÃO LIVRE)30
Dessa forma, a degradação dessas questões humanitárias, principalmente a partir de
1997, passou a atrair a atenção dos países Ocidentais, incluindo o Reino Unido, confluentes
com seus interesses no continente africano, uma vez que, ocorre um crescimento da
importância da África para a economia inglesa (WILLIANS, 2004, p. 53):
Em retrospecto, não era exigido muita análise, observação ou imaginação para perceber que era errado considerar a África como marginal para os interesses de
longo prazo da Grã-Bretanha. Não fazia diferença se o continente africano tinha
melhorado ou piorado, mas estava claro que o continente estava se tornando mais central para a segurança internacional e, portanto, para os interesses do Reino
27 “Britain’s relationship with the continent was, with the exception of long-standing and important ties with South-Africa, seen as economically and commercially insignificant […] From a British foreign policy, therefore, Africa was marginal.” 28 Isso porque, de acordo com Porteous (2008, p. 7), os Estados que colonizaram a África, como Inglaterra e França, estavam, nos últimos dez anos, preocupados em deixar o continente, sendo, essa transição, traumática para os africanos, “The transition to Independence in Britain’s former colonies was everywhere traumatic and difficult, especially for the Africans” (PORTEOUS, 2008, p. 7). 29 “For most of the second half of the twentieth century Britain’s relationship with Africa had been characterized by disengagement, withdrawal and damage limitation.” 30 “Besides violent conflict, Africa was beset by others serious problems: widespread poverty, corruption, high rates of illiteracy, environmental degradation (some related to global warming) and high mortality due to ill health, including epidemics of malaria, HIV and other fatal diseases.”
37
Unido e para a Europa, mais do que nunca. (PORTEOUS, 2008, p. 13, TRADUÇÃO LIVRE)31
Não se trata apenas de preocupações com problemas visíveis no continente, como
pobreza e corrupção, mas também quanto as suas consequências para a segurança
internacional, principalmente direcionado pelos Estados Unidos e Europa, como a
proliferação de cartéis internacionais envolvidos com tráfico de drogas e o suporte de armas,
os quais propiciam zonas de conflito na África (PORTEOUS, 2008, p. 14). E, por fim, também
cabe ressaltar que a renovação do interesse do Reino Unido para com a África está,
diretamente, relacionada com seus recursos naturais, bem como que o continente tem se
mostrado propicio a investimentos lucrativos:
O continente também era uma fonte cada vez mais importante de petróleo e gás no momento em que, por um lado, países industrializados e em industrialização, estavam competindo mais intensamente entre si pelo controle das reservas energéticas do mundo e, por outro lado, as fontes tradicionais de energia no Oriente Médio foram ameaçadas pela crescente instabilidade política (PORTEOUS, 2008, p. 15, TRADUÇÃO LIVRE)32
Logo, a mudança de interesse em relação ao continente africano também foi
incrementada pela mudança no governo inglês, ao assumir o poder o partido trabalhista, “as
questões africanas, tomaram, desde então, ao mais alto na agenda da política externa
britânica sob o novo governo trabalhista (1997- presente)” (WILLIANS, 2004, p. 42,
TRADUÇAÕ LIVRE)33.
Nesse momento, o continente africano passa a ser prioridade da política inglesa,
tendo, a política externa, como objetivos: a manutenção dos seus interesses na África;
redução da pobreza; desenvolvimento econômico; boa governança e prevenção de
conflitos34 (PORTEOUS, 2008, p. 20).
31 “In retrospecto, it did not require much analysis, observation and imagination to realize that it was wrong to regard Africa as marginal to Britain’s longer-term interests. Whether the state of Africa improved or deteriorated, it was already clear that the continent was becoming more central to international security and therefore to the interests of the UK and Europe than ever before.” 32 “The continent was also an increasingly important source of oil and gas at a time when the one hand industrialized and industrializing nations were competing more keenly among themselves for control of world energy reserves, and on the other hand traditional sources of energy in the Middle East were seen as threatened by growing political instability.” 33 “African issues have since climbed higher up Britain’s foreign policy agenda under the New Labour government (1997-present).” 34 Porteous (2008, p. 44) aponta que embora até 1997 os interesses britânicos em relações a África tenham sido marginalizados, diversos setores produtivos já estavam envolvidos no continente africano, entre eles: defesa e segurança, indústrias extrativas, farmacêuticas, bancos, turismo, telecomunicações e construção.
38
Uma política ética do Reino Unido para a África com redução da pobreza como objetivo principal. Estabeleceu a Grã-Bretanha, além de outras ex-potências coloniais e os EUA, a qual continuou assiduamente a perseguir seus próprios interesses no continente, da mesma forma que no passado. (PORTEOUS, 2008, p. 21, TRADUÇÃO LIVRE)35
Para se alcançar tais objetivos foi criado o Departamento para Desenvolvimento
Internacional, o qual se comprometia com uma política externa de contornos mais morais
para com o continente africano, uma vez que o mesmo passa a ser visto como um local
assolado pela pobreza, por conflitos e por crises; além disso, esse novo departamento
permitia que a política fosse mais centralizada e os gastos melhor direcionados (PORTEOUS,
2008, p. 20).
Entretanto, atualmente, novas questões têm emergido como novos focos de
preocupação e as quais possuem como consequência novas alterações nas políticas externas
dos Estados Ocidentais, em especial em direção a África. Dentre tais problemáticas estão
pontos securitários como proliferação nuclear, terrorismo, em especial no pós-11 de
setembro, crescimento da influência do Islã, o surto de epidemias, o aquecimento global e as
migrações em massa, os quais substituíram a confrontação ideológica da Guerra Fria, entre
EUA e URSS, mas que são percebidos como novos temas que podem acarretar impactos
negativos para a segurança e os interesses ocidentais (PORTEOUS, 2008, p. 26).
Além disso, outra questão que tem atraído a atenção é o rápido crescimento da
China e suas interações com o continente africano, os quais ameaçam os interesses
ocidentais na região, em especial Reino Unido36, EUA e França: “houve também
preocupações com o rápido e crescente poder econômico da China (embora as questões dos
Além disso, Porteous (2008, p. 46) ressalta que, embora os objetivos da política externa britânica para a África sejam de redução da pobreza e desenvolvimento econômico, os mesmos não estão em concordância com as aspirações dos empresários presentes no continente, uma vez que é bem documentada a relação de empresários ocidentais com práticas de corrupção e conflitos (PORTEOUS, 2008, p.46). 35 “An ethical UK policy towards Africa with poverty reduction at it’s a heart was a worthy goal. It set Britain apart from other former colonial powers in Africa such as France and Italy, as well as from the United States, which continued assiduously to pursue their own interests on the continent as they had in the past.” 36 Para Porteous (2008, p. 92) a presença da China só começou a preocupar o Reino Unido no começo do novo milênio, uma vez que o país está atuando em diversas esferas como comércio, investimentos, empréstimos e assistência, o que tornou a China o terceiro maior parceiro do continente africano em 2006, apenas atrás de Europa e EUA.
39
investimentos e comércio chineses ainda não estivesse no radar)” (PORTEOUS, 2008, p. 26,
TRADUÇÃO LIVRE)37.
Dessa forma, como afirma Porteous (2008, p. 94), o Reino Unido reconhece a China
como um novo competidor no continente africano e, a partir disso, a reação britânica ao
crescente papel da China na África tem sido de muita discussão interna, a qual é
incrementada pela opinião da mídia inglesa, a qual tende a inflamar a questão (ALDEN, 2007,
p. 107). Contudo, Londres tem agido de forma proativa, buscando o diálogo construtivo com
Pequim, esperando que o mesmo adote políticas que sejam confluentes com as visões
ocidentais de boa governança, desenvolvimento e investimento (ALDEN, 2007, p. 107).
A partir de então, a política externa inglesa para a África sofre uma nova inflexão,
uma vez que, é enganoso pensar que o crescimento chinês não preocupa o Reino Unido, o
qual ameaça seus interesses (ALDEN, 2007, p. 108). Logo, a política externa inglesa passa a
ser caracterizada por quatro pontos:
[...] a ideia era de “incrementar as parcerias com os governos africanos”, os quais estivessem comprometidos com a boa governança, a prevenção de conflitos, e redução da pobreza; sendo um grande impulso para aumento da ajuda, alívio da dívida, comércio e investimento como principais meios de estimular o desenvolvimento econômico; também um esforço deliberado para fortalecer a rede e as relações com estatais e não-estatais, incluindo celebridades internacionais, como um meio crucial para aumentar a alavancagem do Reino Unido na África; bem como, a importância de continuar a proteger e promover os interesses nacionais do Reino Unido na África. (PORTEOUS, 2008, p. 54, TRADUÇÃO LIVRE)38
Estão entre seus novos objetivos39, além da redução da pobreza e o desenvolvimento
econômico, combater o terrorismo40 e o crime organizado, dar suporte aos empresários
37 “There were also concerns about the fast-increasing economic power of China (though the issue of Chinese economic investment and trade in Africa was yet not on the radar).” 38 “[...] the ideia of ‘enhance partneship’ with African governments committed to good governance, conflict prevention38, and poverty reduction; the big push for a massive increased in aid, debt relief, trade and investment as the primary means of stimulating economic development; the deliberate effort to strengthen the UK’s international networking and relations with state and non-state actors, including international celebrities, as a crucial means of increasing the UK’s leverage to effect change in Africa; and the continuing importance to protecting and promoting the UK’s national interests in Africa.” 39 É importante ressaltar que a política externa britânica para a África está inserida em um âmbito muito maior, que é a política externa inglesa como um todo, a qual visa os interesses do Estado Britânico (PORTEOUS, 2008, p. 81). 40 Para tal objetivo, a Grã-Bretanha tem se empenhado no desenvolvimento do continente, pois uma vez que os Estados africanos estejam em melhores condições, os mesmo se tornam menos suscetíveis a células terroristas (PORTEOUS, 2008, p. 82).
40
ingleses no continente, assegurar o fornecimento de fontes de energia41 e gerenciar as
migrações42 do continente em direção a Europa.
É importante ressaltar, da mesma forma, que o Reino Unido tem delegado grande
suporte as instituições do continente como a UA e ao NEPAD, ajudando na possibilidade de
tais propostas poderem ter uma atuação melhor em situações de crise ou conflito, na
construção da paz, na defesa e proteção dos Direitos Humanos e contra os crimes de guerra
(PORTEOUS, 2008, p. 94). O Reino Unido também tem fornecido suporte nos esforços da
ONU no continente, como missões de paz, prevenção de conflitos, monitoramento dos
Direitos Humanos e proteção aos civis em conflitos armados (PORTEOUS, 2008, p. 30).
Essa nova política externa também está mais voltada para os países da antiga
Commonwealth e nos de língua inglesa (WILLIANS, 2004, p. 41), bem como está diretamente
relacionada com um período de prosperidade do Estado inglês, além de serem dependentes
do apoio de seus aliados43: “e, essa política está também dependente da cooperação dos
aliados britânicos, os Estados Unidos, o Canadá, o Japão, e todos os demais membros da
União Europeia, especialmente a França e a Alemanha” (PORTEOUS, 2008, p. 88, TRADUÇÃO
LIVRE)44. Essa posição, contudo, tem levado com que o Reino Unido de forma conjunta com
tais países, ou mesmo na dinâmica da União Europeia, por vezes, se torne mais um meio da
política francesa, não deixando de interferir militarmente no continente, a fim de assegurar
seus interesses e projeção na região, como foi o caso da intervenção na Líbia.
Todavia, Porteous (2008, p. 101-104) ainda ressalta que o envolvimento inglês no
continente tem sido bem sucedido, seja independentemente ou agindo em confluência com
os demais países aliados, mas que o país também encontra limitações, como representado
pelo seu mau relacionamento com os Estados párias. Contudo, o Reino Unido também
41 A segurança energética é de extrema relevância para o Reino Unido, principalmente após a emergência da China no continente (PORTEOUS, 2008, p. 84). 42 Segundo Porteous (2008, p. 85), as migrações africanas têm diversas implicações políticas, sempre chagando novos imigrantes em busca de asilo, além de imigrações clandestinas. 43 Segundo Porteous (2008, p. 91) a política britânica está, muitas vezes alinhada com a política estadunidense, e mais em divergência com a política francesa para a África, mas a mesma é que, em especial, direciona a política da União Europeia para a África. Contudo, como afirma o autor, há, inevitavelmente, competição comercial, especialmente no setor energético, o que, contudo, não significa que não possa ocorrer cooperação entre ambos. 44 “And it also depended on the cooperation of Britain’s international allies, the United States, Canada, Japan and above all its fellow members of the European Union, especially France and Germany.”
41
manteve relações com Estados corruptos e não respeitadores dos Direitos Humanos
(PORTEOUS, 2008, p. 46).
Em suma, no pós-11 de Setembro a África tem retomado a atenção inglesa. Essa
atenção também tem sido reforçada pela nova ameaça de prospecção da China no
continente, questão que desafia os interesses ingleses. Nesse momento, a prioridade
britânica tem sido a Etiópia, por questões estratégicas, principalmente, obtenção de
recursos energéticos, além de estar voltada para algumas áreas em especial como
infraestrutura, educação, saúde e boa governança (PORTEOUS, 2008, p. 101-104). Mas
também o Reino Unido tem se empenhado em intervenções multilaterais, juntamente com a
França, visando assegurar seus interesses na região, como na Líbia (CASTELLANO, 2013, p.
82).
2.3. A relação França-África: multilateralismo e neointervencionismo
A França é uma das potências ocidentais mais envolvidas com o continente africano
(UTLEY, 2002, p. 129), uma vez que, o status internacional francês está diretamente ligado à
posição do país na África (RENOU, 2002, p. 5). Sendo assim, os interesses franceses na região
remontam ao período colonial, mas os mesmos não cessaram com o período de
independência dos países africanos (UTLEY, 2002, p. 129).
A importância do continente africano para a França é multifacetada, englobando
interesses estratégicos e econômicos (UTLEY, 2002, p. 130):
A importância da África para a França tem sido multifacetada. Economicamente, a África tem constituído um investimento razoável para a França, ao longo dos anos, e ainda é responsável por cerca de 5% do comércio externo francês. Estrategicamente, a África também tem sido muito útil para a França, a qual tem mantido forças em países amigos ou, pelo menos, em países francófonos. As bases francesas na África se revelaram úteis na proteção dos interesses mais amplo para
42
a França: comerciais, militares e estratégicos. (UTLEY, 2002, p. 130, TRADUÇÃO LIVRE)45
Assim sendo, é importante ressaltar que, a política externa francesa para a África foi,
tradicionalmente marcada por duas características principais. Primeiro, o poder exclusivo do
Presidente nas questões de política externa. Segundo, a continuidade da política externa
como uma política de Estado, e não de governo, sendo também marcada por um alto
personalismo nessas relações (KROSLAK, 2004, p. 61).
Contudo, não apenas isso, a França tem tentado manter influência política sobre suas
antigas colônias, sob o conceito da Françafrique46, através do qual há a promoção da cultura
e da língua francesas. Chega-se até a considerar que tais países africanos nunca gozaram de
total independência (RENOU, 2002, p. 6). Isso é corroborado quando ressalta-se que, “com a
África independente essa posição estava ameaçada, então a França desenvolveu uma
estratégia neocolonial para suas antigas colônias” (TOUATTI, 2007, p. 2, TRADUÇÃO LIVRE)47.
Ou seja, a política externa francesa para África era baseada em três pilares: militar,
financeiro e político-cultural (ADEBAJO, 2010, p. 178).
Já os objetivos da política francesa para a África eram bem definidos em torno de três
questões: a preservação do status francês de potência internacional, o qual poderia ser
ameaçado pela perda de suas colônias africanas; a necessidade de assegurar uma fonte
segura de recursos; e, a manutenção de lucros obtidos, até então, sob uma situação de
monopólio (RENOU, 2002, p. 2).
Alguns setores da economia francesa têm constantemente se beneficiado das relações assimétricas estabelecidas entre a França e as suas antigas colônias africanas [...] empresas francesas possuem quase monopólio. Eles se beneficiam do baixo custo da mão-de-obra e de matérias primas, e de se ter um mercado cativo. (RENOU, 2002, p. 8, TRADUÇÃO LIVRE)48
45 “Africa’s importance to France has been multifaceted. Economically, Africa has constituted a reasonable investment for France over the years, and still accounts for approximately 5 per cent of France’s external trade. Strategically, too, Africa has been a useful asset to France, which has maintained forces in a number of friendly, or at least francophone, Africa states. France’s bases in Africa have proved valuable in the protection of France’s wider commercial, military and strategic interests.” 46 Na África Subsaariana, isso significou uma transição negociada para a independência; um relacionamento semelhante ao de uma máfia entre os dirigentes dos Estados; um permanente controle militar; e, a preservação de mercados para companhias francesas (RENOU, 2002, p. 8). 47 “[…] with African Independence this position could been threatened, thus France develop a neo-colonial strategy towards its former colonies.” 48 “Some sectors of the French economy have constantly benefited from the asymmetrical relations established between France and its former African colonies […] French companies enjoyed a quasi-monopoly. They benefited from cheap labour costs, low prices for raw materials, and a captive market.”
43
Contudo, o principal laço francês com a África está na aplicação de defesa e acordos
militares entre ambos, os quais resultaram em muitas intervenções militares francesas no
continente africano (UTLEY, 2002, p. 130), visando à manutenção de seus interesses
(RENOU, 2002, p. 9),
Esses acordos incluíam defesa, suprimento de armas, treinamento de oficiais, apoio técnico e logístico, forças policiais, unidades contra revolucionárias, guardas presidenciais, serviço secreto, agências de inteligência, e intervenções militares para manutenção do status quo. A qualquer momento ditadores africanos poderiam exigir a ajuda francesa para manter o poder. (RENOU, 2002, p. 10, TRADUÇÃO LIVRE)49
No entanto, uma série de acontecimentos encorajaram a reforma da política externa
francesa para a África nos anos 90 (UTLEY, 2002, p. 131; KROSLAK, 2004, p. 63).
Primeiramente, uma série de retrocessos para a política externa francesa no continente
africano contribuíram para essa mudança (KROSLAK, 2004, p. 132), onde salienta-se a crise
na Região dos Grandes Lagos e os eventos em Ruanda em 1994 (UTLEY, 2002, p. 132), em
que a França exportou armas ao país, mesmo estando o mesmo sob embargo da ONU, o que
colocou em cheque a credibilidade da política francesa. Em segundo lugar, as eleições de
alguns líderes impactaram na política francesa, pois estes não estavam mais convencidos dos
benefícios de relações tão próximas à França, bem como não mais gozavam de relações
personalistas com os dirigentes franceses (KROSLAK, 2004, p. 63). Em terceiro lugar,
escândalos envolvendo a elite política francesa afetaram sua imagem na região (KROSLAK,
2004, p. 63).
Mas existem outras questões relevantes para o revés da política francesa para a
África: os efeitos da queda do Muro de Berlim e o fim da Guerra Fria; críticas oriundas da
emergência de crises no continente (Grandes Lagos e Ruanda); e, como consequência da
última, a percepção da mudança de seu poder internacional e influência na África (UTLEY,
2002, p. 131-133). Ou seja, fica explicito que, com a escalada das crises, a França não era
capaz de proteger seus interesses; além de não possuir condições de responder as
demandas dos países africanos que eram assolados por problemas econômicos (RENOU,
2002, p. 13).
49 “These agreements included defense, supply weapons, training of army officers, technical and logistic-material support to courts staffs, police forces, riot control units, presidential guards, secret services, intelligence agencies, and military interventions to ensure the maintenance of the status quo. At any time African dictators could require the help of France to keep power.”
44
Concomitantemente, os países africanos, inclusive os francófonos, passaram a ser
mais receptivos à aproximação norte-americana (UTLEY, 2002, p. 134). Para Renou (2002, p.
14), uma “nova Guerra Fria” se instalava na África, agora entre EUA e França. Dessa forma,
A nova política foi decidida na segunda metade da década de 1990 e lançada, oficialmente em 1998. Após o desastre na África central, a França perdeu muito de seu crédito na África e sua influência no continente foi ameaçada. Isso foi explorado pelo seu principal rival, os EUA. Para a França, era necessário reconstruir uma imagem positiva na África. (RENOU, 2002, p. 15, TRADUÇÃO LIVRE)50
A partir de então, a França propôs uma nova parceira com a região (UTLEY, 2002, p.
136), a qual passa a ser baseada, segundo Renou (2002, p. 18) em quatro dimensões: a
reconstrução da imagem da França na África; a defesa da estabilidade na região através do
engajamento multilateral51; a adaptação dos países francófonos ao conceito de boa
governança52; e, a luta contra a influência norte-americana na região.
O engajamento multilateral na África passa então a ser a palavra-chave da política
francesa (KROSLAK, 2004, p. 69), integrando a política da França a política europeia para a
África, sendo a iniciativa RECAMP53 o símbolo dessa união. Contudo, a principal componente
que sofreu alteração dessa política foi o militar54, com a redução do formato e localização
das forças francesas na África55 (UTLEY, 2002, p. 137).
50 “A new policy was decided upon in the second half of the 1990s and launched officially in 1998. After the disaster in Central Africa, France lost much of its credit in Africa and its influence on the continent was threatened. This was exploited by the main rival, the USA. France needed to rebuild a positive image in Africa.” 51 É importante ressaltar que tal engajamento multilateral não significa que a França não estará mais engajada no continente, mas que o mesmo se dará através de processos regionais e multilaterais (RENOU, 2002, p. 20). Na verdade a França busca ser a intermediária entre essas instituições e os países africanos francófonos (RENOU, 2002, p. 22). Além do fato de que através do multilateralismo, as ações são menos dispendiosas (KROSLAK, 2004, p. 73). 52 Segundo Kroslak (2004, p. 68), o que foi chamada de “Paristroika” vinculava a manutenção da ajuda francesa ao continente a reformas democráticas. Contudo, Kroslak (2004, p. 68) ressalta que a política francesa é marcada pelo suporte financeiro a regimes que não são democráticos: “Although President Chriac denounced ‘sham democracies’ and coup’s d’état, Paris retains its ambiguous relationship to democracy on the African continente. It remains willing to maintain contact with the continent’s pariahs [...]” (KROSLAK, 2004, p. 68). 53 De acordo com Utley (2002, p. 140) a iniciativa RECAMP (Renforcement des Capacités Africaines de Maintien de la Paix) é desenvolvida em coordenação com os EUA e o Reino Unido, sendo parte do programa de Washington para a África ACRI. Seu objetivo é prover treinamento e equipamento a fim de permitir, aos países africanos, uma maneira melhor de manter a segurança e a estabilidade no continente, estando também relacionada com as iniciativas da ONU e da UA, não sendo limitada aos países francófonos. 54 Segundo Utley (2002, p. 137), essa diminuição militar não foi muito bem recebida pelos governos africanos, sendo esse contingente deslocado para outras iniciativas. 55 Segundo Utley (2002, p. 144) a base francesa no Djibuti continua sendo a mais importante estrategicamente para Paris.
45
Somando-se a isso, no sentido econômico, a fim de garantir que as economias
africanas trabalhem em favor de Paris, foi reestruturado o arranjo de cooperação monetária,
a Zona do Franco CFA (Communautés Financières d'Afrique), a qual tinha como finalidade
controlar as condições econômicas nos países africanos (KROSLAK, 2004, p. 71). Visava-se, a
partir de então que a zona se expandisse e se integrasse à rede regional, facilitando a
entrada de companhias francesas em novos mercados (RENOU, 2002, p. 22). A CFA sofreu
com dois reveses, a desvalorização do franco e a abertura para países não francófonos
(KROSLAK, 2004, p. 71). Ou seja, “economicamente, contudo, a França não sofreu perdas
relevantes na África” (SADA, 1997 apud KROSLAK, 2002, p. 72, TRADUÇÃO LIVRE)56, uma vez
que a África tem se tornado menos importante para economia francesa, cada vez mais
integrada a União Europeia, embora, “os países francófonos na África contribuem para a
balança comercial positiva da França, e provem recursos e mão-de-obra baratos, somando-
se a um mercado fácil [...]” (RENOU, 2002, p. 23, TRADUÇÃO LIVRE)57.
Além disso, com a crescente concorrência dos EUA na África, a França tem
reorientado sua política para atingir também os países de colonização inglesa (RENOU, 2002,
p. 22). É importante ressaltar que, as relações entre Paris e os países africanos ainda são
muito importantes no sentido político, uma vez que o país ganha relevância dentro da União
Europeia e sua política externa para a África também.
Essas mudanças também diminuíram a ajuda58 francesa para a região (KROSLAK,
2004, p. 73). Segundo Touati (2007, p. 5), a França tem tentado combinar sua ajuda com o
comércio. No entanto, embora essas mudanças tenham enfrentado certa relutância, e nem
tudo tenha mudado (UTLEY, 2002, p. 141), a França ainda mantém prestígio e influência no
continente africano, sendo esse um dos seus objetivos principais em sua política externa
para com a África (KROSLAK, 2004, p. 80).
Todavia, hoje a França tem que enfrentar novos desafios no continente africanos, ou
seja, novos competidores:
56 “Economically, however, Frances has not suffered important losses in Africa.” 57 “Francophone countries in África contribute to France’s positive balance of trade, and provide cheap resources, cheap labour and easy markets [...].” 58 Touati (2007, p. 7) ressalva que as áreas prioritárias para a alocação da ajuda francesa são: educação, água e saneamento, saúde e a luta contra a AIDS, infraestrutura, agricultura e segurança alimentar, proteção do meio-ambiente e no setor produtivo.
46
A França tem de enfrentar seus novos concorrentes. O aumento do crescimento global, a instabilidade política entre os produtores de petróleo e o aumento dos preços no mercado do mesmo, aumentaram o interesse no potencial africano. Os principais rivais econômicos franceses incluem a China e as empresas inglesas presentes na África francófona […]. (TOUATI, 2007, p. 14, TRADUÇÃO LIVRE)59.
A China como novo competidor tem intensificado as discussões sobre o assunto entre
os dirigentes de Estado franceses, a fim de gerenciar as implicações desse novo concorrente
na África (ALDEN, 2007, p. 108). O maior receio da elite francesa, é que Paris perca sua
tradicional esfera de influência, a qual está diretamente conectada ao seu status de potência
(ALDEN, 2007, p. 108-109).
A aparente confusão que está sendo experimentada pela França devido à presença chinesa em pontos primordiais para a política externa francesa, tem se tornado o maior dilema da mesma, uma vez que a França procura manter certa independência de ação, em determinadas esferas, se beneficiando da política externa da União Europeia. (ALDEN, 2007, p. 109, TRADUÇÃO LIVRE)60
Sendo assim, a presença chinesa no continente tem sido percebida pela França como
um entreposto a sua diplomacia na região: “[...] fica claro que Paris vai continuar
enfrentando dificuldades com a presença chinesa” (ALDEN, 2007, p. 109, TRADUÇÃO
LIVRE)61. Ou seja, após as condicionalidades que impulsionaram as mudanças na política
externa francesa para o continente africano, a França agora lida com um novo competidor
na região, o que mantém o caráter incerto da política externa francesa para a África
(TOUATI, 2007, p. 22).
Entretanto, nos últimos anos, a possibilidade de degradação dos negócios franceses
frente a um novo competidor, como a China, ou frente a conflitos internos, tem justificado
os novos movimentos estratégicos franceses na região (ALT, 2014, p. 4), como por exemplo,
a intervenção francesa na RCA, onde possuí forte presença na economia interna62. Dessa
forma, Castellano, Oliveira e Diallo (2011, p. 4) ressaltam que a França tem renovado seu
59 “France has to face up its new competitors. Increase in global growth, political instability among oil producers and the rise of prices on the oil market have enhance interest in Africa potential. Key economic rivals includes the Chinese and Anglo-Saxon firms based in francophone Africa […].” 60 “The apparent confusion being experienced by French policy on the question of china in Africa cuts of the heart of the larger foreign policy dilemma facing Paris, which seeks to retain independence of action in certain spheres while benefiting from the great power projection possibilities of a cohesive EU foreign policy.” 61 “[...] it is clear that Paris will continue to face difficulties with the Chinese presence.” 62 Alt (2014, p. 4) ressalta que muitas empresas francesas estão presentes nessa região como a Castel, a Bolloré, a Total, a France Telecom e a CFAO, as quais garantem grande peso a França na economia centro-africana, garantindo o seu papel de maior investidor na região. Somando-se a isso, Silva, Oliveira e Diallo (2011, p. 17) ressalta que, entre as companhias ameaçadas pela presença chinesa, estão a Boygue, a Balloré, entre outras.
47
intervencionismo no continente através de ações militares, um novo intervencionismo feito
através de uma característica de multilateralismo, sendo sua primeira operação na República
Democrática do Congo (Operação Artemis), em 2003, e seus momentos mais dramáticos,
nas recentes intervenções na Costa do Marfim63 e na Líbia64, ambas possuindo legitimação
por instituições multilaterais (CASTELLANO, 2013, p. 81). Logo, o posicionamento francês na
questão da crise da Costa do Marfim está inserido em uma nova fase da política francesa
para a África a qual foca-se “[...] na recuperação de espaços de influência perdidos, sendo
sustentada por um novo ciclo de intervencionismo militar” (CASTELLANO; OLIVEIRA; DIALLO,
2011, p. 20). Outro ponto do novo intervencionismo francês, após a ascensão de François
Hollande, foram as intervenções no Mali e, novamente, na República Centro Africana,
regiões consideradas política e economicamente estratégicas (CASTELLANO, 2013, p. 82).
Logo, tem-se, no momento, um neointervencionismo francês, marcado pela
intensificação do perfil militar, o qual tem sido revestido pelo caráter multilateral de sua
política, buscando recuperar os espaços de influência política perdidos desde o fim da
Guerra Fria (CASTELLANO; OLIVEIRA; DIALLO, 2011, p. 24). O mesmo também tem sido
reforçado por iniciativas como a Operação Barkhane65, e pela coligação denominada
“Entente frugale”, uma cooperação militar entre França e o Reino Unido, a qual visa a defesa
dos interesses comuns em termos econômicos, políticos e securitários (2010).
2.4. As nuances da política externa norte-americana para a África: o 11 de setembro, a
China e o AFRICOM
63 Na Costa do Marfim, a preocupação francesa era de prover apoio a ascensão de Alessane Ouatarra, aliado francês, frente ao seu concorrente, Laurent Gbagbo. 64 Novamente, o interesse francês era derrubar o regime autonomista de Ghadaffi. 65 Lançada em julho de 2014, a Operação Barkhane marca a mudança da ação bilateral para uma multilateral, por parte da França para a região. Tendo seu enfoque na luta contra o terrorismo e na segurança, a mesma tem aumentado o escopo militar francês na África, principalmente nas regiões do norte, leste e Chifre da África, possuindo bases no Mali, em Burkina Faso e no Níger. A primeira atuação dessa foi na crise do Mali (2012/2013). Essa iniciativa marca uma aproximação regional para a África, garantindo não apenas interesses econômicos, mas a influência na região (WADDINGTON, 2014).
48
A África, no período pós-Guerra Fria, assumiu uma posição ainda mais marginal no
sistema internacional, sendo o continente assolado por processos de transição política e
econômica, cujos são marcados por rivalidades internas e crises generalizadas (PECEQUILO,
2003, p. 296). Nessa circunstância, até o início dos anos 90, os Estados Unidos também não
dirigiam muita atenção ao continente, exceto em regiões com grande competição
estratégica com a URSS (PECEQUILO, 2003, p. 297):
“Até 1991, os Estados Unidos também não demonstravam interesse na região, havendo uma transformação, posteriormente, com a operação Restore Hope na Somália e, mais especificamente, a partir de 1997, com o avanço norte-americano em antigas zonas de influência europeia” (PECEQUILO, 2003, p. 297).
Entretanto, não se pode afirmar que a região foi totalmente ignorada pela política
norte-americana (BURNS, 2010, p. 1). No período pós-Guerra Fria, a África não se constituiu
como uma prioridade para a política externa dos EUA (NEETHLING, 2012, p. 31). Contudo, os
EUA não deixaram de possuir interesses estratégicos no continente, sendo que sua política,
segundo Alden (2000 apud BURNS, 2010, p. 1), foi marcada por indiferença e negligência,
com pontos de interesse e ação. Ademais, embora tenha havido um distanciamento dos EUA
em relação à África, no período pós-Guerra Fria, principalmente se comparado ao momento
anterior, quando EUA e URSS estabeleciam um embate ideológico no continente, houve uma
renovação da atenção do setor privado norte-americano, o qual investiu na região (BURNS,
2010, p. 2).
A assistência norte-americana para a África também declinou desde o início dos anos
de 1980, principalmente como o resultado da eliminação do Fundo de Assistência
Econômica e Securitária, o qual vigorava durante a Guerra Fria, em direção aos aliados
(LAWSON, 2007, p. 4; WALKER; SEEGERS, 2012, p. 26). A partir de então, a política
estadunidense para a África passou a ser baseada na premissa “African Solutions to Africans
Problems66”, durante o segundo mandato de Clinton67 na presidência (LAWSON, 2007, p. 4).
66 Segundo Lawson (2007, p. 4), isso não significava um completo abandono, por parte dos EUA, para com as questões africanas, mas que o governo norte-americano não podia suportar tais empreitadas sem a cooperação africana. Sendo assim: “And so the search for alternatives that would combine U.S. financial resources and African human resources for conflict resolution/peacekeeping, political reform, and economic development” (LAWSON, 2007, p. 4). 67 Durante esse período, o mundo conviveu com o genocídio em Ruanda e, uma vez que se apresentava a possibilidade de que o Burundi tornasse ao mesmo caminho, a administração Clinton propôs a criação do African Crisis Response Force (ACRF), o qual será redefinido como African Crisis Response Iniciative (ACRI), se tornando um programa de treinamento bilateral, com o objetivo de melhorar as capacidades das forças nacional a fim de participarem em programas para manutenção da paz. Já na administração W. Bush, o ACRI foi
49
Contudo, durante esse período, os EUA mantiveram sua política diplomática de apoio à OUA,
bem como, começaram a se envolver em missões humanitárias no continente,
principalmente do Chifre da África, política que culminou com a missão norte-americana no
conflito da Somália68, em 1992 (JAIMIESON, 2009, p. 311).
Economicamente, a política externa americana para a África se voltava para a
redução da pobreza e a melhoria da qualidade de vida, juntamente com a implementação de
seus valores de democracia69 e liberdade social e política, onde podem ser observadas as
primeiras condicionalidades ocidentais para com a posterior ajuda ao continente africano
(LAWSON, 2007, p. 7).
Entretanto, os ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001 afetaram de maneira
dramática a conduta da política exterior norte americana70: “a mudança de orientação de
marginalização para engajamento este largamente ligada a mudança geoestratégica no pós-
11/09” (ROOYEN; SOLOMON, 2007, p. 12, TRADUÇÃO LIVRE)71.
Logo, o governo dos Estados Unidos passou a se focar no combate ao terrorismo
internacional7273, bem como a busca da segurança de fornecimento energético74 (ROOYEN;
SOLOMON, 2007, p. 12), o que, para Lawson (2007, p. 9) se transformou em uma grande
incorporado ao African Contingency Operations Training and Assitence (ACOTA), o qual se concentra nas necessidades específicas do país receptor (LAWSON, 2007, p. 4). 68 Essa intervenção norte-americana, conhecida como Black Hawk Down, foi considerada um desastre, forçando com que o governo de Clinton, no momento, retirasse as tropas da Somália (JAIMIESON, 2009, p. 311). 69 Para Pham (2007, p. 40) a grande ênfase norte-americana na questão da democratização e da boa governança em sua relação com os Estados africanos, é um dos pontos que diverge sobre o distanciamento dos EUA da região, no período pós-Guerra Fria. 70 Somando-se a isso, Berschinski (2007, p. 4), aponta que: “Since 2001, however, Africa has steadily gained strategic importance in the eyes of American policymakers. Africa recently surpassed the Middle East as the largest U.S. regional supplier of crude oil”. 71 “The shift in orientation from marginalization to engagement is largely due to the changing geostrategic realities of the post-9/11 world.” 72 Cabe ressaltar que ataques terroristas na África são anteriores a mudança da política externa para o continente. Os primeiros registros são de 1998 em Narobi e Dar es Salaam (CAMPBELL, 2008, p. 7). Ou seja, a questão apenas se mostrou relevante para os EUA quando seus interesses passaram a ser ameaçados, o que ocorre no pós-11 de setembro. 73 Segundo Guimarães (2002, p. 64), o combate ao terrorismo se tornou um verdadeiro “utensílio do poder”. 74 A busca por fontes energéticas africanas, segundo Rooyen e Salomon (2007, p. 14) se deu devido à instabilidade no Oriente Médio, buscando os EUA a diversificação de seus fornecedores como um meio de alcançar a estabilidade de obtenção de petróleo.
50
atração dos EUA para com a África75. Dessa forma, a o continente africano passa a atrair
novamente atenção, uma vez que se argumentava que Estados fracos seriam facilitadores
do desenvolvimento terrorista interno; além desses países possuírem pouca capacidade
Estatal, e sofrerem com violência política interna (PHAM, 2007, p. 42).
O engajamento de longo prazo dos EUA na região é suscetível de ser definido em termos do aumento de interesse do mesmo na região, como resultado do terrorismo internacional, aumento da dependência do petróleo africano e ao engajamento dramático da China no continente nos últimos anos. (LAWSON, 2007, p. 8, TRADUÇÃO LIVRE)76
A partir disso, o governo norte-americano se empenhou na promoção da boa
governança e na democracia na África, como uma maneira de dirimir a proliferação
terrorista no continente77, “na verdade, os Estados Unidos veem a África como um risco
potencial a segurança, o qual emana do fracasso dos países em controlar suas fronteiras e
suas populações de forma adequada” (BROMLEY, 2005 apud ROOYEN; SOLOMON, 2007, p.
13, TRADUÇÃO LIVRE)78.
Entretanto, outro fator tem modificado a política norte-americana para a África, a
emergência da China no continente: “o desafio mais significativo para a política dos Estados
Unidos na África nos anos recentes tem sido a China” (LAWSON, 2007, p. 10, TRADUÇÃO
LIVRE)79. Mas não apenas na África, segundo Pautasso e Oliveira (2008, p. 364), a ascensão
chinesa tem se mostrado como um desafio à condição hegemônica80 dos Estados Unidos,
uma vez que, “[...] o acelerado crescimento chinês nessas últimas décadas tem implicado no
crescente deslocamento das posições de poder dos EUA e do Japão na Ásia-Pacífico”
(PAUTASSO; OLIVEIRA, 2008, p. 365).
75 A invasão do Iraque, como consequência da Guerra ao Terror desempenhada pelos EUA no pós-11 de Setembro, resultou na instabilidade do Oriente Médio, o que trouxe maior importância para África como ponto estratégico para o fornecimento de petróleo para os norte-americanos (JAMIESON, 2009, p. 312). 76 “Longer-term U.S. engagement with Africa is likely to be defined in terms of the perceived increase in U.S. interests in the region as a result of international terrorism, increased dependence on African oil, and the dramatic engagement of China with the continent in recent years.” 77 Para tal fim, segundo Rooyen e Solomon (2007, p. 13), o meio utilizado foi o aumento das capacidades militares e de segurança dos Estados africanos, bem como o fortalecimento de iniciativas regionais. 78 “In fact, the United States views Africa as a potential security risk, emanating from failure of countries to control their borders and their internal populations adequately.” 79 The most significant challenge to U.S. policy in Africa in the coming years may be China. 80 Para Campbell (2013, p. 92), a mal sucedida intervenção norte-americana no Iraque também expos a diminuição do prestigio e credibilidade dos EUA.
51
Ou seja, três motivos podem ser identificados como propulsores da mudança da
política externa norte-americana para a África: os ataques terroristas de 11 de setembro,
quando a região passa a ser vista como foco de células terroristas; a busca por novas fontes
de matérias-primas, principalmente, petróleo, buscando uma maior diversificação e
reduzindo sua dependência do Oriente Médio (PHAM, 2007, p. 44); e, a presença de novos
competidores no continente, principalmente a China (BURNS, 2010, p. 3).
Porém, o envolvimento de potências externas com o continente africano não é novo;
o que tem ocorrido atualmente é que a África tem sido vista como um parceiro estratégico,
o que propiciou o que tem se denominado como “new scramble for Africa” (ROOYEN;
SOLOMON, 2007, p. 1). Dessa forma, embora EUA e China não compartilhem das mesmas
intenções para com o continente africano, ambos estão buscando o acesso aos recursos
energéticos81 africanos. Desta maneira, como afirma Rooyen e Solomon (2007, p. 3,
TRADUÇÃO LIVRE) “[...] essa competição82 por recursos é eminente [...]83”.
Ou seja, “[...] África está se tornando, gradativamente, um teatro para a competição
estratégica entre os Estados Unidos e seus competidores mais ferrenhos na esfera global,
como a China […]” (PHAM, 2007, p. 48, TRADUÇÃO LIVRE)84.
Com o aumento da presença chinesa no continente africano e sua demanda por
petróleo, os Estados Unidos têm intensificado suas ações militares e diplomáticas na região
(PAUTASSO; OLIVEIRA, 2008, p. 382), a fim de contrabalancear a presença chinesa no
continente85 (ESTERHUYSE, 2008, p. 115), sendo o AFRICOM86 o movimento mais
emblemático dessa política:
81 Como salienta Pautasso e Oliveira (2008, p. 363), o petróleo tem sido utilizado como um meio de política dos EUA como um mecanismo de controle dos principais polos ascendentes a grandes potências: China, União Europeia e Japão. 82 Para Rooyen e Solomon (2007, p. 4), essa competição entre EUA e China em função dos recursos africanos tem provocado profundos impactos políticos no continente africano. 83 “[...] that resource competition is iminent [...].” 84 “Africa is increasingly becoming a theater for strategic competition between the United States and its near-peer competitors on the global stage, like the People’s Republic of China (PRC).” 85 Segundo Neethling (2008, p. 39), apontar que o AFRICOM é uma resposta a presença chinesa no continente africano, uma unidade antiterrorista ou que o mesmo visa assegurar o acesso dos EUA a recursos, são mitos. Contudo, não se pode ignorar o fato de que tais fatores são relevantes para as mudanças da política externa norte-americana para a África. 86 O AFRICOM está engajado em 53 países, menos no Egito, em áreas estratégicas (NDLOVU; OJAKOROTU, 2010, p. 104).
52
A recente expansão da atividade chinesa na África tem levantado diversas preocupações, desde o controle sobre recursos energéticos até as práticas econômicas exploratórias e suporte a regimes corruptos, perpetuando instabilidade e subestimando a pressão internacional por reformas [...] Consequentemente, na continuidade da missão para promover um ambiente africano estável e seguro, o recentemente estabelecido comando americano sob a África apoiaria de fato a produtiva e responsável atividade dos atores chineses na África. (HOFSTEDT, 2009, p. 78, TRADUÇÃO LIVRE)87
Berschinski (2007, p. 1) explicita que o AFRICOM visa à prevenção de conflitos através
da cooperação, iniciativas civis-militares e projetos humanitários88, sendo considerado um
novo tipo de empenho militar por parte dos EUA, no qual convergem os ideais de segurança,
governança e desenvolvimento. Entretanto, essa iniciativa nada mais é do que o reflexo dos
interesses americanos na África, focando-se em países em que os EUA possuem negócios
estratégicos, como a Nigéria (BURNS, 2014, p. 6).
Ademais, supõe-se que os EUA têm construído bases militares e alianças com o Leste
da Ásia e com a Europa até a fronteira com a China, visando cercar seu novo competidor,
sob o pretexto de contenção ao terrorismo, (CAMPBELL, 2013, p. 95), “é o crescente
interesse norte-americano no petróleo da África que sustenta o argumento frequentemente
ouvido de que os Estados Unidos estão usando a guerra ao terro como uma desculpa para
ter acesso aos recursos africanos” (ESTERHUYSE, 2008, p. 117, TRADUÇÃO LIVRE)89.
Logo, percebe-se, que o AFRICOM visa promover os interesses norte-americanos,
demonstrando a grande importância estratégica do continente para os EUA (NEETHLING,
2012, p. 34), possuindo como consequência a militarização e securitização das relações entre
os EUA e a África (CAMPBELL, 2008, p. 30). Isso pode ser observado por iniciativas como o
Pan-Sahel Iniciative e Trans-Saharan Counterterrorism Partneship (TURSE, 2014, p. 1-2), pelo
suporte a intervenção militar na Etiópia (PLOCH, 2011, p. 25), pelo suporte logístico e de
consultoria para a operação militar conjunta entre os exércitos da Uganda, RDC e Sudão do
Sul (PLOCH, 2011, p. 32) e, pela intervenção na Líbia, durantes os eventos da Primavera
87 “The recent expansion of Chinese activity in Africa has raised several concerns, ranging from control over energy resources to exploitive economic practices and support of rogue or corrupt regimes, perpetuating instability and undermining international pressure for reform […] Consequently, in the furtherance of its mission ‘to promote a stable and secure African environment,’ the newly established U.S. Africa Command (AFRICOM) would do well support the productive, responsible activities of Chinese actors in Africa.” 88 Os africanos também possuem receio de que a atuação do AFRICOM possa militarizar as ações humanitárias norte-americanas no continente (NEETHLING, 2008, p. 36). 89 “It is the increasing US interest in Africa oil that underpins the often heard argument in Africa that the United States is using the war on terror as an excuse to get access to African resources.”
53
Árabe. Desde a criação do AFRICOM (2007), os gastos militares estadunidenses aumentaram
5% de 2006 para 2007 e, 11% de 2007 para 2008 (SIPRI, 2013).
Além disso, segundo Turse (2014, p. 5) os EUA, através do AFRICOM, também
fornecem suporte para as ações militares francesas no continente, como em Mali, Níger,
Burkina Faso e Chad. Sendo que, sob a doutrina de Guerra ao Terror, tem se cometido
atrocidades e limpezas étnicas contra muçulmanos, como a operação Echo Casamate, na
República Centro Africana (TURSE, 2014, p. 7), e intervenções como os recentes ataques
aéreos na Somália, e a intervenção na Líbia. Logo, caiu por terra a ideia de que o AFRICOM
não traria mudanças na política securitária norte-americana para a África (PLOCH, 2011, p. 9-
25). O AFRICOM também não tem demonstrado uma forma de redução das dependências
dos países africanos para com os EUA (CASTELLANO, 2013, p. 80).
Ao mesmo tempo, a criação e implementação do AFRICOM não tem agradado muitos
líderes dos governos da África Austral90, segundo Esterhuyse (2008, p. 111), pois para eles o
AFRICOM se mostra como uma ameaça aos interesses africanos (NEETHLING, 2012, p. 35),
como a supremacia dos interesses norte-americanos, e pode representar um esforço
neocolonial para dominar a região militarmente (PLOCH, 2011, p. 25). Somando-se a isso, o
AFRICOM pode ter como consequência a mudança da postura dos EUA de reativa para
proativa (ESTERHUYSE, 2008, p. 114):
Consequentemente, a decisão dos Estados Unidos de criar o AFRICOM está dizendo mais sobre seus próprios medos e sobre a posição geoestratégica do que sobre seus interesses na África. Este, particularmente, diz respeito as preocupações dos EUA com o crescente envolvimento da China na África, a guerra dos EUA contra o terror, e com a necessidade de crescente de petróleo por parte dos EUA na África. (ESTERHUYSE, 2008, p. 114, TRADUÇÃO LIVRE)91
Essa posição da comunidade africana não é fruto de falta de conhecimento, e sim da
reflexão de que a região possui outras prioridades regionais de segurança como: fome,
doenças, guerras internas, regimes opressivos e pobreza, além de preocupações com o
90 Há, em alguns nichos na região, o receio de que o continente africano seja “Iraqed”: “[...] that is, that the US efforts to protect itself against international terrorism from African continente will, in fact, exacerbate the problem. This fear is rooted in the notion that a strong military presence in Africa will draw attention of its enemies and that, as in the Cold War, Africa will once again become the battlefield for the power and military struggles of the great powers – the United States and China, for instance, and particularly the US military and its international terrorist enemies.” (ESTERHUYSE, 2008, p. 124) 91 “Consequently, the US decision to create AFRICOM is saying more about its own fears and geostrategic position than about its interests in Africa. This particularly relates to US concerns about the growing Chinese involvement in Africa, the US war on terror, and the growing US need for oil from Africa.”
54
desenvolvimento e com a forma que os movimentos securitários se darão (BERSCHINSKI,
2007, p. 10).
A partir disso, existem dois tipos de expectativas quanto ao AFRICOM e a sua relação
com a China: a positiva e a negativa. Além de uma grande discussão sobre a dicotomia entre
a oferta de ações e a capacidade das mesmas de incrementar de forma positiva, as questões
africanas. A primeira acredita que o AFRICOM ainda pode ser uma maneira de melhorar a
imagem dos EUA na região, bem como um veículo de sustentação de sua presença na África,
além de se mostrar benéfico aos militares africanos (ESTERHUYSE, 2008, p. 125); ou, de que
haveria benefícios de uma ação conjunta entre EUA e China, incluindo a iniciativa do
AFRICOM, como um meio de se alcançar uma maior estabilidade no continente, o que
beneficiaria ambos, e também os Estados africanos,
Em outras palavras, a abordagem mais proveitosa para o AFRICOM parece não ser a tentativa de inibir a China, ou tomar posições que degradem a influência da mesma e de seus interesses, mas permitindo aos africanos, e ao mesmo tempo, dando-lhes apoio, para que possam dar uma resposta regional a questão, sem usurpar a liderança local ou impor os interesses dos EUA. (HOFSTEDT, 2009, p. 92, TRADUÇÃO LIVRE)92
Isso é corroborado por Alden (2007, p. 107), no momento em que ressalta que a
confrontação tem sido substituída por interesses e perspectivas comuns, onde a África é a
peça chave para ambos. Sendo que tal convergência pode ser percebida através da
coordenação de suas diplomacias e de suas posições convergentes no Conselho de
Segurança da ONU (ALDEN, 2007, p. 107) ou pelas conversações regulares sobre temas
africanos, no denominado “Subdiálogo sobre a África” (MENEZES, 2013, p. 186).
E a negativa, aponta que os EUA, após 2005, adotou uma postura agressiva contra os
chineses: “[...] a razão mais importante é que ‘a China, ao contrário do Japão, parece mesmo
estar surgindo como rival estratégico dos Estados Unidos e concorrente no acesso a recursos
escassos [...]” (ARRIGHI, 2008, p. 289).
O que fica claro é que houve alterações na política norte-americana para a África, não
apenas pela emergência da China, mas também pela obtenção de matérias-primas e o
discurso antiterrorista: novos incrementos de ajuda (NEETHLING, 2012, p. 34); aumento da
92 “In other words, the most fruitful approach for African Command would seem to be not attempting to inhibit China from taking actions that degrade China’s own influence and interests but allowing them, while supporting the regional response to those actions – without usurping local leadership or imposing narrow U.S. interests.”
55
assistência militar (NEETHLING, 2012, p. 32); e, consequentemente, uma maior militarização
do continente, por parte dos EUA (ESTERHUYSE, 2008, p. 115).
2.5. Conclusão do capítulo 2
A inserção chinesa ganha importância na medida em que: “[...] passa a influenciar as
relações entre os países de presença tradicional no continente, tanto em termos políticos
quanto econômicos” (MENEZES, 2013, p. 192). Logo, é visível que a forte presença da China
na África vem influenciando como cada uma das outras grandes potências, Reino Unido,
França e EUA, em maior ou menor grau, atuam no continente (MENEZES, 2013, p. 185).
Além disso, a China tem emergido como novo competidor: “os interesses ocidentais
não vão se sair bem tendo a China como competidor” (SIEVERS; MARKS; NAIDU, 2010, p. 44,
TRADUÇÃO LIVRE)93, o que pode representar riscos de confrontação (SIEVERS; MARKS;
NAIDU, 2010, p. 45) e consequências perigosas para os africanos, como a intervenção na
Líbia e na Costa do Marfim (JAMIESON, 2009, p. 320).
Dessa forma, percebe-se que o Reino Unido e a França, em especial a última, pois seu
status de potência sempre esteve muito atrelado a suas relações com a África, revestem,
atualmente, suas ações através do multilateralismo, buscando manter seus interesses no
continente. Intervenções militares têm sido recorrente nessa nova postura.
Enquanto isso os EUA, que delegaram menor importância para a região durante o
pós-Guerra Fria, o que não significa seu total afastamento da África, teve sua política externa
alterada devido a duas causas principais: os ataques terroristas de 11 de setembro, e a
escalada da China no continente. Frente a essas novas dinâmicas, Washington tem delegado
maior atenção à região, sendo vista como estandarte para a luta contra o terrorismo, tendo
como principal política a criação do AFRICOM, o qual aumenta as ações militares norte-
americanas no continente. 93 “This onslaught on western interests did not go down well with China’s competitors.”
56
3. CAPÍTULO 3 - A INSERÇÃO DIFERENCIADA, AS NECESSIDADES AFRICANAS,
AS CRÍTICAS OCIDENTAIS O DIAGNÓSTICO E A BARGANHA
3.1. Introdução do capítulo 3
Neste capítulo tratar-se-á dos pontos em que a inserção chinesa se diferencia das
interações até então implementadas pelas potências ocidentais; das críticas ocidentais,
recepção africana e resposta de Pequim; também irá se expor sobre os problemas que o
continente africano enfrenta, ou seja, falha no processo de construção estatal, insegurança e
falta desenvolvimento. Após explicitar todos esses pontos, irá se fazer um breve diagnóstico,
analisando a influência da China, nas áreas de segurança e desenvolvimentos africanos. Por
fim, irá se expor um pouco sobre a teoria de barganha e como a competição entre a China e
as potências ocidentais tem incrementado o poder de barganha africano.
3.2. Inserção Chinesa Diferenciada
A presença chinesa na África tem atraído atenções internacionais. A partir de 2006, a
China se tornou o terceiro principal parceiro do continente, apenas atrás de Estados Unidos
e França, tornando-se, a região, um ponto chave para o ciclo de política diplomática da China
(ALDEN, 2007, p. 8).
A China tem sido capaz de se impor como um parceiro de desenvolvimento alternativo para muitos países africanos, através de uma diplomacia de soft power que combina a não interferência política e a utilização de incentivos econômicos com uma retórica que enfatiza a existência de uma amizade histórica e benefícios mútuos. (FERREIRA, 2010, p. 176)
A China parece estar demonstrando um modelo de inserção diferenciado para os
países africanos (LECHINI, 2013, p. 145) se comparado as interações da região com Estados
57
Unidos e Europa, uma vez que esse relacionamento fundamenta-se em interação baseada
na igualdade, respeito pela soberania e não ingerência em assuntos internos,
desenvolvimento comum, benefícios mútuos e, aumentos das consultas e cooperação
internacional, sendo a mesma denominada de “win-win relationship” (ALDEN, 2007, p. 121).
Dessa forma, a China não é um simples parceiro que perpetua uma relação de desigualdade
entre exportadores de commodities e exportador de manufaturados, mas representa uma
fonte de desenvolvimento econômico (ALDEN, 2007, p. 126):
Para a África, tanto política quanto economicamente, a participação chinesa no continente se mostra positiva na medida em que cria novas oportunidades e possibilidades, com o aumento do número de possíveis parceiros e da competição engendrada entre eles. (VISENTINI, 2013, p. 20)
Somando-se a isso, cabe ressaltar que o principal componente para a rápida escalada
da China na África é sua política de não impor condicionalidades (ALDEN, 2007, p. 8):
No núcleo da rápida entrada da China nos mercados africanos está a sua promoção deliberada de uma política sem condicionantes políticos que, quando combinada com a disposição de Pequim de fornecer ajuda e empréstimos concessionais, provou ser extremamente atraente aos líderes africanos. (ALDEN, 2007, p. 8, TRADUÇÃO LIVRE)94
Já Visentini (2013, p. 20) ressalta a importância do auxílio disponibilizado pela China
aos países africanos, como mais um ponto de diferenciação da relação chinesa com a região,
sendo que grande parte da ajuda chinesa é feito por intermédio da construção de
infraestrutura, evitando desvio de verbas e corrupção, sendo o auxílio chinês bem mais
dinâmico, com prazos muito maiores. Dessa forma, a ajuda chinesa se diferencia da ajuda
ocidental, a qual se concentra, sobretudo, na transferência de dinheiro de países ricos para a
África, política muito criticada por Moyo (2009, p. 47), sob a forma de empréstimos: “é isso
que tem prejudicado, sufocado e retardado o desenvolvimento africano” (MOYO, 2009, p.
48-49, TRADUÇÃO LIVRE)9596. A partir disso, a autora ressalta que a atuação chinesa também
94 “At the core of China’s rapid entry into African markets is its deliberate promotion of a foreign policy of ‘no political strings’ which, when coupled with Beijing’s willingness to provide aid and concessionary loans, has proved to be tremendously appealing to African leaders.” 95 “It is these that have hampered, stifled and retarded the Africa’s development.” 96 Segundo Moyo (2009, p. 90), mais de 2 trilhões de dólares têm sido transferidos de países ricos para países pobres, sendo os maiores receptores, os países africanos, contudo, essa ajuda não tem alcançado seus objetivos de crescimento econômico e redução da pobreza, além de perpetuar uma situação de dependência da ajuda Ocidental, corroborada pela corrupção da região (MOYO, 2009, p. 137); ademais, as mesma estão ligadas a condicionalidades impostas pelo país doador, o que, geralmente, não se encaixa com as reais necessidades dos países africanos (MOYO, 2009, p. 113).
58
se diferencia dos demais países ricos, sendo até mesmo identificada como “amiga”, uma vez
que também se concentra em IED (MOYO, 2009, p. 252), alegando, assim que:
Ninguém pode negar que a China está na África por petróleo, ouro, cobre, e tudo aquilo que está no chão. Mas dizer que os africanos, em média, não estão sendo beneficiados, é uma falsidade, e os críticos sabem disso. (MOYO, 2009, p. 261, TRADUÇÃO LIVRE)97
Ainda existem algumas diferenças entre a cooperação da China e dos países
ocidentais para com a África, as quais reforçam a relação sino-africana:
Em primeiro lugar, a política de não-interferência da China respeita a soberania das nações e reconhece seus limites na resolução de crises, como desastres humanitários. Em segundo lugar, enquanto o oeste negligenciou a África no pós-Guerra Fria, o ministro de negócios estrangeiros da China fez visitas oficiais a países africanos de 1991 a 2007, bem como o estabelecimento do FOCAC em 1980, com o intuito de tranquilizar a África quanto a amizade comprometida da China. Em terceiro lugar, nas discussões diplomáticas com os países africanos, a China faz sugestões amigáveis sobre questões de governança e assuntos internos, enquanto as intervenções ocidentais são coercivas. Por fim, a assistência técnica e na cooperação em ciência e tecnologia com a África, é uma área que tem sido amplamente recusada pelos países ocidentais, sendo agora uma parte de rápida expansão das relações sino-africanas. (AYENAGBO; NJOBVU; SOSSOU; TOZOUN, 2012, p. 27, TRADUÇÃO LIVRE)98
Ademais, as interações entre a China e o continente africano alteraram o panorama
econômico da região porque a grande demanda chinesa por commodities favorece as
economias africanas, gerando divisas, proporcionando um crescimento real e
desenvolvimento econômico, o qual acarreta uma emancipação de instituições econômicas
internacionais como o FMI (VISENTINI, 2013, p. 20). Sendo que as reações, na maioria,
positiva dos governos africanos diante dessa nova dinâmica, endossam a presença chinesa e
sua forma de política externa (ALDEN, 2007, p. 35). Ou seja,
[…] Se a China é capaz de se adaptar as preocupações africanas, enquanto persegue seus próprios objetivos mais amplos no continente, sua presença seguirá sendo bem recebida pelos africanos. De qualquer modo, ao contrário do passado, são os africanos, e não o ocidente, que irão determinar a natureza e a
97 “No one can deny that China is at least in Africa for the oil, the gold, the copper and whatever else lies in the ground. But to say that the average African is not beneficiating at all is a falsehood, and the critics know it.” 98 “First, China’s policy of noninterference respects the sovereignty of nations and acknowledges its limits in solving such a crisis such like humanitarian disasters. Second, while de West largely neglected Africa after the Cold War, China’s foreign Minister made his visits to African nations the first official stop abroad in every year from 1991 to 2007 and more visits to Africa and submitted diplomacy (FOCAC) from 1980’s, designed to reassure Africa of China’s committed friendship. Thirdly, in diplomatic discussions with African nations, China does make friendly suggestions on issues of governance and infra-state affairs while Western interventions would coercive. Finally, in technical assistance and cooperation in science and technology with Africa is an area that has largely been refused by Western countries but is now a rapidly expanding part of Sino-African relations.”
59
profundidade do envolvimento chinês nos assuntos africanos. (ALDEN, 2007, p. 137, TRADUÇÃO LIVRE)99
A China estaria possivelmente mais adaptada às necessidades africanas de
desenvolvimento e segurança, relacionadas aos processos particulares de formação dos
Estados na região. Ayoob (1995, p. 15) ressalta que os Estados do Terceiro Mundo100 são
prejudicados pelo momento em que se encontra seu processo de construção estatal, bem
como a ocasião em que os mesmos se inseriram no sistema internacional. Suas
características principais são: a falta de coesão interna; fissuras étnicas e regionais; falta de
legitimidade das fronteiras estatais, instituições e elites governamentais; muita
susceptibilidade a conflitos internos e externos; desenvolvimento distorcido e dependente;
marginalização; e, por fim, a grande vulnerabilidade a atores internacionais, sendo a
insegurança uma condição do Terceiro Mundo:
Ao se colocar essas características principais em conjunto, tem-se uma grande caracterização do Terceiro Mundo como fraco, vulnerável e inseguro – sendo essas características função de ambos os fatores, interno e externo. No mundo real, os Estados do Terceiro Mundo, individualmente, apresentam diferentes graus de vulnerabilidade, fraqueza e insegurança. (AYOOB, 1995, p. 16, TRADUÇÃO LIVRE)101
Logo, a falta de um Estado forte e coeso, segurança102 e desenvolvimento, fazem com
que esses países se tornem vulneráveis (AYOOB, 1995, p. 4). Logo, uma vez que os países
africanos são países do terceiro mundo, ressaltar-se-á essas mazelas com o intuito de
apresentar, posteriormente, as implicações das relações da China sob cada um desses
aspectos.
99 “[...] If China is able to adapt itself to African concerns, while persuing its own broader aims on the continent, then its presence will continue to be well received by Africans. In any case, unlike in the past, it is Africans – not Westerns – who will determine the nature and depth of China’s engagement in African affairs.” 100 Para Ayoob (1995, p. 15) os países de Terceiro Mundo possuem, em termos de economia, tecnologia e capacidade militar, condições inferiores do que os países do Norte, sendo essa disparidade o que explica a escolha racional pela barganha coletiva, adotada por tais países, perante os países mais desenvolvidos, principalmente em se tratando de questões econômicas e de tecnologia. 101 “Putting these major characteristics together provides a composite, grand characterization of the Third World as weak, vulnerable, and insecure – with these traits being the function of both domestic and external factors. In the real world, individual Third Wold states exhibit different degrees of vulnerabilities, weaknesses, and insecurities.” 102 Segundo Ayoob (1195, p. 9), o binômio segurança-insegurança é definido em relação a vulnerabilidade, interna e externa.
60
3.3. As críticas ocidentais, os pontos de fricção com os africanos e a resposta chinesa
Ao contrário das relações estabelecidas entre os países ocidentais e a África, a China
desenvolve sua inserção baseada nos princípios de não impor condicionalidades,
acompanhada pela diretriz política de não intervenção em assuntos internos (BROICH;
SZIRMAI, 2014, p. 4). Essas diretrizes proporcionaram o crescimento da presença chinesa no
continente africano, de forma que hoje, apenas atrás da União Europeia, a China não apenas
representa o parceiro comercial mais importante para a região, mas também para muitos
dos Estados africanos individualmente (BROICH; SZIRMAI, 2014, p.5).
Contudo, a projeção da China na África tem acarretado uma vigorosa reação por
parte das potências ocidentais, uma vez que seus interesses e influência na região ganham
um novo competidor (GONÇALVES, 2010 apud BRITO, 2011, p. 2). Sendo que tais reações
podem ser observadas através da mudança de suas políticas externas, como analisado no
segundo capítulo, ou, através das críticas desbravadas por tais atores a presença chinesa.
Sendo assim, se analisará essas críticas de três formas: primeiramente demonstrando
quais são as principais censuras expostas pelos atores ocidentais a presença chinesa no
continente; em segundo lugar, expor-se-á os pontos de fricção da presença chinesa na
África, em relação aos africanos; e, por fim, como Pequim tem respondido a tais
pronunciamentos.
3.3.1. As críticas Ocidentais
O primeiro ponto de questionamento quanto a política de Pequim para a África é
quanto a não imposição de condicionalidades e não interferência em assuntos internos,
pilares da política externa chinesa para a África (MENEZES, 2013, p. 175). Tal
posicionamento de Pequim seria responsável pela perpetuação e apoio a situações como
61
desrespeito à democracia e aos Diretos Humanos (Darfur), corrupção (Angola), falhas na boa
governança, padrões trabalhistas e sociais injustos, políticas ambientais ineficientes, entre
outros pontos (MENEZES, 2013, p. 175). As características da relação entre Pequim e
determinados países africanos, criaria um ciclo de dependência em relação à China, além de
a mesma ser percebida como um facilitador de governos párias, como Sudão e Zimbábue,
uma vez que a China, concedendo ajuda e comércio, aliviaria as pressões externas sobre tais
regimes (BRITO, 2011, p. 3):
“Tal relação, percebida como ‘permissiva’, criaria, segundo essa visão, um ciclo de dependência dos países africanos em relação a China, uma vez que distanciaria os países africanos de outros países ‘mais exigentes em suas relações’” (PERE, 2008 apud MENEZES, 2013, p. 175).
A segunda principal crítica às relações sino-africanas é de que a China percebe a
África como um “safari por recursos”, estando apenas buscando seus próprios interesses no
continente, efetuando uma política neoimperialista na África (BRITO, 2011, p. 3), no
momento em que, os interesses de Pequim estariam voltados essencialmente para obtenção
de recursos naturais, mercados consumidores, e contribuição em obras de infraestrutura
estritamente ligadas ao comércio entre a China e a África.
Somando-se a isso, a vinculação entre financiamentos de projetos e empréstimos a
países africanos e o possível desvio de recursos e corrupção, uma vez que não se cobra
transparência na aplicação dos mesmos, seria mais um foco de crítica ocidental. Segundo
Menezes (2013, p. 176) a Human Rights Watch acusa a China de contribuir com o governo
de Angola, o qual dispensou os recursos do FMI uma vez que o fundo obrigava o país
africano a melhorar seu desempenho em determinados pontos como governança.
A China também é criticada por sua conduta na área ambiental, através dos projetos
que financia na África, sendo um exemplo disso a barragem de Merowe103, no Sudão
(MENEZES, 2013, p. 176).
Entretanto, o que se observa é que muitas dessas críticas são simplistas. Em primeiro
lugar, quanto a caracterização da relação de Pequim com a África como neocolonial, a China
não possui interesse na conquista de territórios, o que acontecia a época do colonialismo,
contudo, possui grandes interesses mercantis: o país busca o fornecimento de matérias-
103 Segundo Menezes (2013, p. 176) um dos maiores projetos em construção no setor hidroelétrico representa sérios impactos sociais e ambientais.
62
primas necessárias para a manutenção de seu crescimento, além de marcados que possam
absorver sua grande produção (ROTBERG, 2008). Ao mesmo tempo, a relação entre ambos é
muito mais complexa, possuindo, por exemplo, diversas formas de interação, como:
migrações, comércio, ajuda, IED, transferência de tecnologia (BROICH; SZIRMAI, 2014, p. 6):
“O interesse da China na África vai bem além dos assuntos petrolíferos” (OLIVEIRA, 2008, p.
28).
Além disso, Menezes (2013, p. 178) ressalta que a cooperação e a ajuda ao
desenvolvimento possuem impactos sociais e econômicos positivos nos países africanos.
3.3.2. Pontos de fricção entre a China e os Estados africanos
Em geral, a recepção em relação à dinâmica Pequim-África, pelos países africanos é
positiva, principalmente por regimes autoritários, os quais gozam de uma menor aceitação
internacional, logo, encontram na China uma opção de apoio, como é o caso do Sudão
(MENEZES, 2013, p. 158).
Contudo, algumas posições chinesas têm causado recusa pelos africanos, como é o
caso dos setores empresariais nigerianos e da Tanzânia, descontentes com a agressiva
presença de produtos chineses, diminuindo sua competitividade (MENEZES, 2013, p. 162).
Esse sentimento tem tido como efeito o crescimento da xenofobia contra chineses e
manifestações racistas, como ocorrido no Lesoto em 1990, e na Zâmbia (MENEZES, 2013, p.
174).
Segundo Schiere (2011, p. 10), a intensa competição chinesa para com os setores
manufatureiros africanos, bem como sua intensa demanda por petróleo, acarreta o risco de
um retorno ao setor primário de Estados com indústrias bem estabelecidas, fazendo com
que esses países fiquem vulneráveis às alterações dos preços das commodities.
63
Também no Níger, manifestações a favor de maior transparência governamental
atingiram os negócios entre a China e o governo quanto a exploração de petróleo na região
de Diffa, bem como os impactos ambientais e sociais (MENEZES, 2013, p. 173).
A prática das empresas chinesas de buscarem seus próprios trabalhadores para a
execução de projetos na África é outra fonte de ressentimentos, já tendo ocorridos
manifestações, até mesmo violentas, na Zâmbia e no Lesoto (OLIVEIRA, 2008, p. 24). Para
Brito (2011, p. 8) a África também é tida pela China como uma área de testes para a
estratégia chinesa going out, ou seja, as empresas chinesas atuam na África com o intuito de
ganhar experiência, estabelecer e expandir empreendimentos no continente, bem como,
globalmente. Já na Namíbia, ocorreram protestos, em 2008 contra a Jiangsu International
Construction Co., visando pressionar a empresa chinesa por melhores padrões de trabalho.
Logo, percebe-se que as respostas africanas aos interesses chineses e sua relação
com a região em pontos de fricção são diversas e complexas, não se restringindo ao nível
governamental.
3.3.3. A defesa de Pequim
As respostas de Pequim para com as críticas originadas, sobretudo, por países
desenvolvidos, têm variado entre discursos das autoridades, artigos acadêmicos chineses, e
na imprensa do país, especialmente. O primeiro ponto abordado é que a parceria sino-
africana não é nova, sendo a mesma baseada em princípios como:
[...] sinceridade, amizade, equidade, benefício mútuo, reciprocidade, prosperidade comum, apoio mútuo, coordenação estreita, aprendizado de parte a parte, busca de desenvolvimento comum, entre outras formulações. (MENEZES, 2013, p. 192)
Além disso, a China tem se beneficiado da visão de estudiosos como Li Anshan, o qual
expõe que as críticas ocidentais a presença chinesa, são em decorrência da visão da África
como sua esfera de influência, sendo que, tanto a China como quaisquer outros países são
compreendidos como atores externos (MENEZES, 2013, p. 195).
64
Pequim também tem buscado expor outras formas de relação entre a China e a
África, como a transferência de tecnologia. Segundo Menezes (2013, p. 196) a Nigéria, país
que seria visto como foco da atuação neocolonial de Pequim, lançou, em cooperação com
este país, seu próprio satélite de comunicação.
3.4. Efeitos para os países africanos: as consequências da relação com a China para o
processo de construção dos Estados, desenvolvimento e segurança
Para que se analisem os efeitos da interação chinesa na África, primeiramente se
dará atenção ao processo de construção estatal africano, ao desenvolvimento e a segurança
na região. A fim de se avaliar, posteriormente, de forma mais criteriosa, a influência da China
em cada uma das questões.
3.4.1. Construção dos Estados Africanos, insegurança e falta de desenvolvimento
Segundo Hyden (2006, p. 50) um Estado104 emerge como resposta a necessidades
que grupos de uma sociedade possuem. Na África, os Estados da região têm sido descritos
como variando entre fracos e soft (HYDEN, 2006, p. 56), pois, de acordo com Jackson e
Rosberg (1982, p. 1), as instituições e organizações estatais do continente são menos
desenvolvidas na região Subsaariana do que qualquer outra parte do mundo, sendo o
continente marcado por instabilidade política desde sua independência.
Percebe-se, então, que o continente africano convive com dificuldades no processo
de construção de seus Estados, implicando na falta de controle centralizado sobre o
território e a população, a falta de legitimidade, a não concentração dos meios de coerção,
bem como a falta de capacidade de permear os diversos âmbitos da sociedade, colocando-a
em descompasso com o Estado (AYOOB, 1995, p. 27).
104 De acordo com Taliaferro, Lobell e Ripsman (2009, p. 26) o termo Estado é um termo genérico para uma variedade de políticas autônomas com diferentes escopos geográficos, atributos internos e capacidades, as quais coexistem e interagem em um ambiente internacional anárquico, não sendo o mesmo, completamente autônomo da sociedade.
65
Os Estados africanos são problemáticos por três razões específicas:
Falta-lhe a autonomia perante a sociedade, o que a torna um instrumento de ação coletiva [...] Ela não consegue operar como uma entidade corporativa – como um sistema. A segunda razão é que as autoridades governamentais não respeitam as regras formais que constituem a autoridade pública. A terceira razão é que os indivíduos nomeados para cargos públicos raramente subordinam suas identidades sob as definições que o papel que desempenham exige. (HYDEN, 2006, p. 65, TRADUÇÃO LIVRE)105
Mas não apenas isso, os Estados africanos, diferentemente dos Estados europeus,
não foram forjados através da guerra, estando praticamente fadados ao insucesso de
construir Estados em tempos de paz, permanecendo fracos (HERBST, 1990, p. 119),
A guerra foi o principal instrumento para a criação e extensão da autoridade política sobre as pessoas sujeitas e territórios estrangeiros, e para a organização, manutenção e reforço dessa autoridade. (HERBST, 1990, p. 121, TRADUÇÃO LIVRE)106
Esses Estados são considerados por Jackson (1990) como quasi-states porque eles
são sustentados, não por sua força empírica, mas sim pelo sistema de Estados que lhes dá
reconhecimento jurídico como entidades soberanas.
E, como consequência dessa falha no processo de construção estatal, está, entre
outras coisas, o desenvolvimento do que Hyden (2006, p. 73) chama de economy of
affection107, instabilidade política, insegurança, falta de coesão social, condição periférica na
economia global (HYDEN, 2006, p. 206).
3.5. Análise dos efeitos da inserção chinesa para os países africanos: desenvolvimento,
segurança, capacidades dos Estados e barganha internacional
105 It lacks the autonomy from society tha makes it an instrumento f colletive action [...] It fails to operate a corporate entity – as a system. A second reason is that state officials do not adhere to the formal rules that constitute public authority. The third reason is that individuals appointed to public office rarely subordinate their personalities to the definitions of the role that they are expected to perform. 106 War was the principal instrument for the establishment and extension of political authority over subject people and foreign territory, and for the organization, maintenance, and reinforcement of that authority. 107 “The easiest way to describing the economy of affection is to suggest that it is constituted by personal investments in reciprocal relations with other individuals as a means of achieving goals that are seen as otherwise impossible to attain.”
66
Como ressaltado anteriormente, a China tem se adaptado as preocupações africanas
(ALDEN, 2007, p. 137). Somando-se a isso, Xavier (2008, p. 55) ressalta que, como aspectos
positivos da presença chinesa na região estão: o aumento das taxas de crescimento
econômico dos países africanos, impulsionadas pelo aumento da quantidade e do preço das
commodities exportadas, a melhoria da infraestrutura e também da condição de vida da
população africana. Contudo, também existem pontos negativos, como o aparecimento de
balanças comerciais deficitárias em alguns países, devido à importação de manufaturados, e,
por vezes, à semelhança entre a ação chinesa e o imperialismo na região, o que se dispõe
também no discurso das potências tradicionalmente inseridas no continente (XAVIER, 2008,
p. 155).
Sendo assim, atear-se-á, nesta seção, a alguns pequenos diagnósticos das
consequências das ações chinesas para o continente africano, com base na discussão sobre
as dificuldades africanas em termos de capacidades estatais. Tendo como objetivo avaliar de
forma mais criteriosa, baseando-se na teoria da construção dos Estados africanos, os efeitos
da atuação chinesa no continente. Um debate já proposto pelo professor Igor Castellano, em
seu artigo na revista InterAção, em 2013:
Em relação à análise da penetração extrarregional no continente africano, mais do que descrever como cada processo particular se desenvolve, importa compreender como cada um deles é capaz de refletir nos desafios de desenvolvimento e segurança, na soberania e na autonomia dos países africanos. (CASTELLANO, 2013, p. 78)
Para isso, se compara dados de quatro países principais: Angola, Burkina Faso,
Nigéria e Serra Leoa, tendo como secundários, África do Sul e Sudão. A escolha desses países
segue as considerações de Visentini (2013), uma vez que o autor expõe que, Angola e Sudão
são, hoje, os principais parceiros chineses no continente africano; Burkina Faso, a qual é um
dos quatro países que mantém reconhecimento de Taiwan, portanto, não possuem relações
diplomáticas com a China; e, Nigéria e Gabão, países que possuem relações com a China,
mas que mantêm as potências ocidentais como os principais parceiros (VISENTINI, 2013, p.
19). Contudo, a escolha desses países também se deu através da análise dos dados de
comércio entre os países africanos e a China, levando-se em consideração, principalmente as
exportações, devido aos seus números mais significativos. Dessa forma, Angola se corrobora
como principal parceiro da China, sendo seguida pela África do Sul. Burkina Faso é um dos
67
quatro países108 que não possui relações diplomáticas com a China, mas que dos quatro
ainda apresenta o maior comércio com Pequim. Nigéria109 é o país mediano em relações as
exportações para a China e, por fim, Serra Leoa é o país em que as exportações para China
representam a maior porcentagem sobre suas o total de suas exportações.
Essa analise se dará através da apreciação de dados quantitativos e qualitativos,
sendo analisados índices e valores referentes a cada uma das áreas de implicação da
presença chinesa, estando entre eles: Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), Produto
Interno Bruto (PIB), Index of State Capability (CINC), State Fragility Index (SFI), gastos
militares, Investimento externo direto (IED).
3.5.1. O comércio China-África
O volume de comércio entre a China e a África tem crescido rapidamente desde o
início do século XXI, sendo que entre 2000 e 2010, Pequim se tornou um dos mais
importantes parceiros comerciais da região (BROICH; SZIRMAI, 2014, p. 64). É característica
do mesmo que a maior parte das exportações chinesas para a África seja de manufaturados,
enquanto que as exportações africanas estão concentradas nos setores de extração de
recursos energéticos e minerais110 (BROICH; SZIRMAI, 2014, p. 67). Dessa forma, a China
impacta de maneiras diferentes de acordo com o tamanho da economia, a estrutura
econômica e as instituições econômicas, sendo seu impacto, provavelmente maior em
economias ricas em recursos, as quais obtêm benefícios da grande demanda chinesa
(SCHIERE, 2011, p. 9):
Países que exportam petróleo se beneficiam da demanda chinesa, sem enfrentar a concorrência das mercadorias chinesas nos mercados globais. Por outro lado, os
108 Burkina Faso, Gâmbia, São Tomé e Príncipe e Suazilândia (MENEZES, 2013, p. 309). 109 Para se encontrar a Nigéria como país de comércio mediano, foram somados todos os dados dos valores das exportações e dividido pelo número de países da tabela 1, onde foi encontrado o valor de 1.509.431, sendo este país o que mais se aproximou do valor. 110 Esse tipo de trocas comerciais, embora seja denominado de relação Sul-Sul, representa, na verdade, o típico comércio entre países Norte-Sul (BROICH; SZIRMAI, 2014, p.68).
68
países africanos que exportam manufaturas [...] enfrentam a concorrência chinesa no mercado global, mas pouca demanda por parte da China. (SCHIERE, 2011, p. 9-10, TRADUÇÃO LIVRE)111
Neste contexto, os principais parceiros comerciais africanos da China são Angola e
África do Sul (BROICH; SZIRMAI, 2014, p. 70) como pode ser observado nos quadros 1 e 2.
Tabela 1 - Exportações africanas para China
País Exporta para China (2013)
Variação em valor de 2009-
2013 em %
Participação no total das Exp. do
país
Total das exportações do
país
África do Sul $ 12.058.975,00 19,00% 12,70% $ 95.224.783,00
Angola $ 31.955.188,00 21,00% 45,00% $ 70.980.071,00
Argélia $ 2.181.280,00 30,00% 3,30% $ 65.998.138,00
Benin $ 119.385,00 18,00% 18,80% $ 635.218,00
Bowtsuana $ 59.035,00 -5,00% 0,80% $ 7.712.623,00
Burkina Faso $ 186.843,00 17,00% 34,50% $ 542.041,00
Burundi $ 1.159,00 32,00% 0,60% $ 208.772,00
Cabo Verde - - - $ 69.228,00
Camarões $ 366.152,00 5,00% 7,40% $ 4.928.255,00
Chade $ 103.500,00 1,00% 3,30% $ 3.105.304,00
Costa do Marfim $ 257.483,00 36,00% 2,90% $ 8.864.033,00
Djibouti $ 274,00 19,00% 0,60% $ 46.550,00
Egito $ 560.000,00 -5,00% 1,90% $ 28.779.409,00
Eritréia $ 51.490,00 166,00% 20,30% $ 253.580,00
Etiópia $ 315.702,00 9,00% 17,00% $ 1.862.406,00
Gabão $ 896.981,00 - 9,30% $ 9.695.088,00
Gana $ 1.201.221,00 103,00% 12,80% $ 9.419.830,00
Guiné $ 84.612,00 43,00% 4,50% $ 1.862.171,00
Guiné Equatorial $ 2.469.745,00 3300,00% 17,20% $ 14.396.333,00
Guiné-Bissau $ 16.825,00 69,00% 9,50% $ 177.280,00
Gâmbia $ 77.944,00 95,00% 58,10% $ 134.080,00
Lesoto $ 13.413,00 54,00% 1,50% $ 914.018,00
Libéria $ 165.509,00 166,00% 13,40% $ 1.239.150,00
Líbia $ 2.019.914,00 -5,00% 4,80% $ 41.901.267,00
111 Countries that export primarily oil benefit from Chinese demand without facing competition from Chinese exports in global markets. On the other hand, African countries that export manufactures […] faced Chinese competition on the global market but little demand from China.
69
Madagascar $ 133.710,00 28,00% 6,90% $ 1.928.104,00
Malawi $ 62.183,00 22,00% 5,20% $ 1.194.448,00
Mali $ 153.682,00 55,00% 38,30% $ 401.511,00
Marrocos $ 346.401,00 20,00% 1,60% $ 22.178.222,00
Mauritânia $ 1.751.848,00 20,00% 60,60% $ 2.889.169,00
Maurícia $ 13.498,00 18,00% 0,60% $ 2.344.575,00
Moçambique $ 104.980,00 32,00% 2,60% $ 4.023.719,00
Namíbia $ 143.265,00 -14,00% 2,30% $ 6.337.216,00
Niger $ 83.176,00 103,00% 6,20% $ 1.337.151,00
Nigéria $ 1.543.016,00 13,00% 1,60% $ 96.276.469,00
Quênia $ 52.870,00 16,00% 1,00% $ 5.201.226,00
Rep. Centro Africana
$ 9.097,00 12,00% 18,80% $ 48.322,00
Rep. Dem. Do Congo
$ 2.756.655,00 24,00% 53,60% $ 5.143.987,00
Rep. Do Congo $ 4.233.346,00 20,00% 40,40% $ 10.470.889,00
Ruanda $ 336,00 -57,00% 0,10% $ 620.469,00
Senegal $ 20.953,00 -3,00% 0,80% $ 2.486.319,00
Serra Leoa $ 1.432.819,00 292,00% 76,80% $ 1.865.647,00
Seychelles $ 402,00 129,00% 0,10% $ 551.495,00
Somália $ 16.270,00 109,00% 8,60% $ 189.217,00
Suazilândia $ 115.524,00 117,00% 5,70% $ 2.012.429,00
Sudão $ 4.623.562,00 -11,00% 75,10% $ 6.158.852,00
Tanzânia $ 309.420,00 -7,00% 7,00% $ 4.412.549,00
Togo $ 16.270,00 -32,00% 1,60% $ 1.002.253,00
Tunísia $ 41.392,00 -4,00% 0,20% $ 17.060.465,00
Uganda $ 37.983,00 21,00% 1,60% $ 2.407.736,00
Zâmbia $ 2.275.374,00 40,00% 21,30% $ 10.700.492,00
Zimbábue $ 30.903,00 -19,00% 0,90% $ 3.507.296,00
Fonte: ITC Autor(a): GREGIS, 2014
Tabela 2 - Importações africanas oriundas da China
Países Importa da
China (2013)
Variação em valor de 2009-
2013 em %
Participação no total das Imp. Do país em %
Total das importações do
país
África do Sul $ 16.010.648,00 17,00% 15,50% $ 103.461.277,00
Angola $ 3.965.044,00 19,00% 17,90% $ 22.099.379,00
70
Argélia $ 6.827.545,00 10,00% 12,40% $ 54.909.973,00
Benin $ 249.093,00 4,00% 6,80% $ 3.683.918,00
Bowtsuana $ 108.072,00 -9,00% 1,40% $ 7.535.522,00
Burkina Faso $ 103.404,00 24,00% 5,30% $ 1.940.004,00
Burundi $ 64.253,00 20,00% 8,80% $ 734.005,00
Cabo Verde $ 22.560,00 9,00% 3,10% $ 726.367,00
Camarões $ 1.512.897,00 39,00% 25,90% $ 5.843.940,00
Chade $ 383.721,00 14,00% 35,80% $ 1.071.585,00
Costa do Marfim $ 955.690,00 18,00% 15,40% $ 6.204.453,00
Djibouti $ 1.019.313,00 38,00% 38,30% $ 2.659.564,00
Egito $ 7.002.779,00 16,00% 10,50% $ 66.666.449,00
Eritréia $ 137.956,00 33,00% 33,60% $ 410.515,00
Etiópia $ 1.867.027,00 11,00% 28,50% $ 6.553.934,00
Gabão $ 433.474,00 32,00% 12,10% $ 3.587.455,00
Gana $ 3.945.734,00 32,00% 28,00% $ 14.082.449,00
Guiné $ 906.200,00 34,00% 25,30% $ 3.582.860,00
Guiné Equatorial $ 357.430,00 -2,00% 12,10% $ 2.947.272,00
Guiné-Bissau $ 11.770,00 -8,00% 4,10% $ 289.813,00
Gâmbia $ 307.753,00 17,00% 32,20% $ 956.739,00
Lesoto $ 89.913,00 18,00% 5,40% $ 1.668.751,00
Libéria $ 2.335.497,00 2,00% 17,80% $ 13.150.856,00
Líbia $ 2.822.361,00 9,00% 11,90% $ 23.780.269,00
Madagascar $ 487.644,00 9,00% 14,60% $ 3.344.955,00
Malawi $ 264.670,00 21,00% 9,40% $ 2.824.990,00
Mali $ 274.568,00 13,00% 12,50% $ 2.193.172,00
Marrocos $ 3.166.506,00 4,00% 6,90% $ 45.615.660,00
Mauritânia $ 597.281,00 26,00% 17,10% $ 3.500.054,00
Maurícia $ 792.165,00 16,00% 14,70% $ 5.397.637,00
Moçambique $ 644.121,00 44,00% 6,40% $ 10.099.147,00
Namíbia $ 235.248,00 -3,00% 3,10% $ 7.574.548,00
Niger $ 406.253,00 -13,00% 23,70% $ 1.714.076,00
Nigéria $ 12.044.893,00 21,00% 25,20% $ 47.770.521,00
Quênia $ 3.221.128,00 26,00% 19,90% $ 16.221.607,00
Rep. Centro Africana
$ 8.933,00 -12,00% 6,90% $ 129.151,00
Rep. Dem. Do Congo
$ 952.494,00 32,00% 17,70% $ 5.380.048,00
Rep. Do Congo $ 427.191,00 31,00% 5,10% $ 8.358.750,00
Ruanda $ 267.106,00 26,00% 15,70% $ 1.701.435,00
Senegal $ 494.082,00 4,00% 8,10% $ 6.065.547,00
Serra Leoa $ 151.392,00 35,00% 12,30% $ 1.227.198,00
Seychelles $ 38.669,00 31,00% 4,80% $ 799.324,00
Somália $ 133.460,00 19,00% 13,40% $ 993.238,00
71
Suazilândia $ 24.762,00 7,00% 1,40% $ 1.709.167,00
Sudão $ 2.472.375,00 9,00% 31,90% $ 7.751.697,00
Tanzânia $ 1.595.863,00 22,00% 12,70% $ 12.525.411,00
Togo $ 314.448,00 17,00% 15,70% $ 2.002.178,00
Tunísia $ 1.533.198,00 12,00% 6,30% $ 24.266.395,00
Uganda $ 622.044,00 16,00% 10,70% $ 5.817.510,00
Zâmbia $ 967.126,00 57,00% 9,40% $ 10.271.653,00
Zimbábue $ 438.686,00 29,00% 5,70% $ 7.704.178,00
Fonte: ITC Autor(a): GREGIS, 2014
Através desses dados é possível perceber, não apenas o crescimento da participação
do comércio da China com os países africanos, mas que os valores das exportações africanas
para a China são os mais significativos, em comparação as importações.
É importante ressaltar que a China também prove suporte para a diversificação das
exportações africanas através da implementação das Zonas Econômicas Exclusivas. Contudo,
para que os Estados africanos consigam obter ganhos é necessário que os investimentos
chineses em industrialização sejam integrados a cadeia de produção:
[…] Para que essas zonas promovam a industrialização de forma eficaz, é necessário integrar os investimentos chineses na cadeia de produção nacional por meio de ligações para trás e para frente. Enquadramentos políticos fortes, incluindo governança forte, um ambiente econômico competitivo, disponibilidade de trabalhadores qualificados, são essenciais para incentivar tais ligações e permitir que as economias africanas subam na cadeia de valor. (SCHIERE, 2011, p. 10, TRADUÇÃO LIVRE)112
3.5.2. Implicações da relação sino-africana no desenvolvimento socioeconômico
112 [...] for these zones to promote industrialization effectively requires integrating Chinese investments in the national production chain through backward and forward linkages. Strong domestic policy frameworks, including strong governance, a competitive economic environment, and the availability of skilled workers, are essential to encourage such linkages and enable African economies to move up the value added chain.
72
Sob este prisma irá se prospectar se as relações com a China têm proporcionado
melhorias no desenvolvimento africano, humano e econômico. Tem-se, dessa forma, como
desenvolvimento humano, o que é identificado pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNDU), como a ampliação das escolhas disponíveis as pessoas, para que
as mesmas sejam capazes, bem como tenham oportunidades, de se tornarem aquilo que
desejam, levando em consideração a qualidade de vida, além de fatores sociais, culturais e
políticos que influenciam na mesma. Já o desenvolvimento econômico, também definido
pela PNUD, se refere ao crescimento econômico, o qual pode ser mensurado através de
dados quantitativos como o produto interno bruno (PIB) e o PIB per capta. Contudo, quando
se trata de desenvolvimento deve resultar do crescimento econômico concomitantemente a
melhoria na qualidade de vida (OLIVEIRA, 2002, p. 38).
Assim sendo, o primeiro dado analisado será da evolução do IDH113 africano – gráfico
1. Ao se analisar este dado, percebe-se uma progressão continua do IDH africano,
demonstrando uma inflexão em 2010, provavelmente fruto da crise econômica mundial de
2008, e, logo, a retomada do crescimento. É difícil afirmar que tal progressão é
exclusivamente um “efeito China”, contudo, cabe ressaltar que, levando em consideração as
áreas em que a China tem atuado no continente, como exposto no primeiro capítulo:
educação, saúde, comércio e investimentos, em variados setores, o IDH pode se mostrar
como um reflexo de tal relação.
113 O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) foi criado por Mahbub ul Haq, com colaboração do economista Amartya Sem, com a finalidade de ser uma medida geral e sintética do desenvolvimento humano. Dessa forma, esse índice é composto pela análise de três pilares: educação, saúde e renda (PNUD, 2014).
73
Gráfico 1 - IDH África Subsaariana
Fonte: PNUD (2014) Autor(a): GREGIS, 2014
Ao mesmo tempo, ao se analisar a evolução do IDH dos países determinados, é possível
notar que os principais parceiros chineses se encontram com os maiores índices de IDH, em especial
o crescimento do índice de Angola, como explícito no gráfico 2, o que não representa, contudo,
necessariamente uma causa.
0,464 0,4680,515
0,4930,514
0,389
0,4750,502
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
1998 2001 2003 2005 2007 2010 2012 2013
IDH África Subsaariana
IDH
74
Gráfico 2 - Evolução do IDH
Fonte: AFDB Autor(a): GREGIS, 2014
O segundo dado a ser analisado é o PIB (Produto Interno Bruto), um conceito
internacional de medida de desempenho e riqueza de um país ou região – gráfico 3.
0,25
0,30
0,35
0,40
0,45
0,50
0,55
0,60
0,65
2005 2007 2009 2011 2012
Evolução do IDH africano
África do Sul
Angola
Nigéria
Sudão
Serra Leoa
Burkina Faso
75
Gráfico 3 - Evolução do PIB dos países africanos
Fonte: World Bank Autor(a): GREGIS, 2014
Através desses dados é possível compreender o notável crescimento do PIB dos
países africanos. Contudo, fica claro o grande crescimento do PIB de Angola, o mesmo
também pode ser dito do Sudão, principais parceiros comerciais chineses.
Outro elemento a ser observado é o IED. Esse tipo de investimento era dominado
pelos países desenvolvidos, contudo, contemporaneamente, as economias emergentes têm
angariado proeminência (BROICH; SZIRMAI, 2014, p. 39). Dessa forma, ao se analisar o fluxo
de IED (Investimento Externo Direto), gráfico 4, percebe-se que o IED recebidos pela África
aumentou exponencialmente desde 1990, o que significa que o continente tem se mostrado
mais propicio e lucrativo a investimentos externos. Somando-se a isso, ressalta-se que o
fluxo de IED feito pela África, também cresceu, embora de forma mais modesta, o que
representa a reinserção do continente na economia mundial, refletindo no PIB dessa região
e, talvez um efeito da presença chinesa. Entre os investidores da África, a China se encontra
na terceira posição, sendo o setor primário, particularmente o extrativo, o mais atrativo,
$-
$100,00
$200,00
$300,00
$400,00
$500,00
$600,00
$-
$20,00
$40,00
$60,00
$80,00
$100,00
$120,00
$140,00
1980 1990 2000 2010 2013
Evolução do PIB (em bilhões de US$)
Angola Burkina Faso Serra Leoa Sudão Nigéria
76
embora a indústria também tenha recebido grandes investimentos (BROICH; SZIRMAI, 2014,
p. 44-55). Em contraposição, a África é o terceiro maior destino dos fluxos de IED chineses,
como pode ser observado no gráfico 5.
Gráfico 4 - Fluxo de IED África
Fonte: UNCTAD Autor(a): GREGIS, 2014
1266 400 2846
9621
47034
57239
191097 659 1534
665912418
0
10000
20000
30000
40000
50000
60000
1970 1980 1990 2000 2010 2013
Fluxo de IED África (milhões de dólares)
Recebidos Enviados
77
Gráfico 5 - Fluxo de IED chinês por região
Fonte: Statistical Bulletin of China's outward FDI Autor(a): GREGIS, 2014
Sendo que dos investimentos externos diretos feitos pela China na África, os
principais destinos são: África do Sul, rica em recursos naturais; Nigéria, a qual possui duas
ZEEs; Argélia, abundante em recursos naturais; e Zâmbia, onde se localiza uma das ZEEs,
como exposto na tabela 3, demonstrando que a segurança no acesso a matérias-primas,
também está ligado à distribuição do IED chinês (BROICH; SZIRMAI, 2014, p.63).
Tabela 3 - IED da China destinado aos países africanos
IED da China destinado aos países africanos
País 2003 2004 2005 2006 2007
África do Sul 8,86 17,81 47,47 40,74 454,41
Argélia 2,47 11,21 84,87 98,93 145,92
Angola 0,19 0,18 0,47 22,39 41,19
0
5000
10000
15000
20000
25000
30000
0
200
400
600
800
1000
1200
1400
1600
1800
2003 2004 2005 2006 2007
Fluxo de IED chinês por região (em milhões de US$)
África
Europa
América do norte
Oceania
América Latina
TOTAL
Ásia
78
Benin 2,09 13,77 1,31 0 6,32
Botswana 0,8 0,27 3,69 2,76 1,87
Camarões 0,28 0,37 0,19 0,73 2,05
Cabo Verde - - 0,32 0,23 0,09
Chad - - 2,71 1,61 0,75
Rep. Dem.Congo 0,06 11,91 5,07 36,73 57,27
Congo 0,51 8,11 13,24 2,5
Costa do Marfim 0,62 6,75 8,74 -2,91 1,74
Djibouti - - - - 1
Egito 2,1 5,72 13,31 8,85 24,98
Eritrea - - - 0,01 0,45
Etiópia 0,98 0,43 4,93 23,95 13,28
Gabão - 5,6 2,08 5,53 3,31
Gâmbia 0,04 - - - -
Gana 2,89 0,34 2,57 0,5 1,85
Guiné 1,2 14,44 16,34 0,75 13,2
Guiné Equatorial 0,48 1,69 6,35 10,19 12,82
Quenia 0,74 2,68 2,05 0,18 8,9
Lesoto - 0,03 0,6 - -
Libéria 0,4 0,58 8,65 -7,03 -
Libia 0,1 0,06 0,25 -8,51 42,26
Madagascar 0,68 13,64 0,14 1,17 13,24
Malawi - - - - 0,2
Mali 5,41 - - 2,6 6,72
Mauritânia 1,7 0,09 0,36 4,78 -4,98
Maurício 10,27 0,44 2,04 16,59 15,58
Marrocos 0,19 1,8 0,85 1,78 2,64
Moçambique - 0,66 2,88 0 10,03
Namíbia 0,62 0 0,18 0,85 0,91
Niger - 1,53 5,76 7,94 100,83
Nigéria 24,4 45,52 53,3 67,79 390,35
Ruanda - - 1,42 2,99 -0,41
Senegal 0,65 - - - 0,24
Seychelles - - 0,05 0,06 0,09
Serra Leoa - 5,92 0,49 3,71 2,85
Sudão - 146,7 91,13 50,79 65,4
Tanzânia - 1,62 0,96 12,54 -3,82
Togo 0,03 1,85 0,31 4,58 2,7
Tunísia - 0,22 - 1,73 -0,34
Uganda 1 0,15 0,17 0,23 4,01
Zâmbia 5,53 2,23 10,09 87,44 119,34
Zimbabue 0,03 0,71 1,47 3,42 12,57
79
Fonte: Statistical Bulletin of China’s outward FDI Autor(a): GREGIS, 2014
Além disso, a distribuição do IED chinês na África é caracterizada pelo
direcionamento a países com abundância em recursos naturais, acesso ao mar e mercados
em larga expansão (BROICH; SZIRMAI, 2014, p. 64).
3.5.3. Implicações da relação sino-africana na segurança da região
A segurança114 é uma questão primordial para os países de terceiro mundo, segundo
Ayoob (1995, p. 16), sendo entendida como,
Em outras palavras, a segurança-insegurança é definida em relação a vulnerabilidades internas e externas – que ameaçam ou tem o potencial para derrubar ou enfraquecer as estruturas do Estado, tanto territoriais quanto institucionais, e os regimes que as regem. (AYOOB, 1995, p. 9, TRADUÇÃO LIVRE)115
Dessa forma, os gastos militares são uma boa forma de equacionar esse binômio
segurança-insegurança. Dessa forma, o gráfico 6 aponta uma situação contrária, à medida
que os principais parceiros da China tiveram um aumento nos gastos militares, contudo,
cabe ressaltar que no Sudão116, por exemplo, tem havido um recrudescimento do conflito
interno (HOUSER; LEVY, 2008, p. 69), ou seja, diante de sua política de não intervenção em
assuntos internos, a China pode ter uma implicação menos relevante nesse ponto, embora
114 Neste estudo se trabalha através dos conceitos de segurança humana e segurança estatal, sendo a primeira como a abstenção de ameaças para os valores humanos mais básicos, como segurança individual (HAMPSON, 2008, p. 231). Já a segurança estatal/nacional diz respeito a uma condição relativa de proteção coletiva e individual, diante de ameaças a sobrevivência e autonomia (CEPIK, 2001, p. 3). Contudo, cabe ressaltar que o próprio conceito de segurança humana e estatal é problemático, podendo acarretar generalizações e degeneração, como é o caso de abuso dos meios de coerção sob o discurso da segurança nacional. 115 “In other words, security-insecurity is defined in a relation to vulnerabilities both internal and external – that threaten or have the potential to bring down or weaken state structures, both territorial and institutional, and governing regimes.” 116 Os últimos dois dados deste país foram o resultado de uma média, devido à falta de dados.
80
seja, como ressaltado no primeiro capítulo, também uma fornecedora de armamento para
os países africanos.
Gráfico 6 - Gastos militares dos países africanos
Fonte: SIPRI Autor(a): GREGIS, 2014
No entanto, embora a política externa chinesa seja guiada, entre outros princípios,
pela não intervenção interna, é importante expor que o país tem aumentado sua
participação em missões de paz pela ONU (ROGERS, 2007, p. 72). Essa atuação representa
uma mudança, uma vez que o país era relutante em participar de tais ações devido a sua
crença na soberania dos Estados. Da mesma forma, para evitar constrangimentos
internamente, segundo Rogers (2007, p. 75), e porque o país, segundo Ayenagbo, Njobvu,
Sossou e Tozoun (2012, p. 24), era cético em relação as operações de paz na ONU. Contudo,
essa mudança se deu depois do fim da Guerra Fria, quando a política externa chinesa passou
a ser guiada pela estabilidade e cooperação internacional (AYENAGBO; NJOBVU; SOSSOU;
TOZOUN, 2012, p. 23-24):
$-
$1.000,00
$2.000,00
$3.000,00
$4.000,00
$5.000,00
$6.000,00
$7.000,00
$-
$100,00
$200,00
$300,00
$400,00
$500,00
$600,00
$700,00
$800,00
$900,00
1990 2000 2010 2013
Gastos militares (em mi US$)
Burkina Faso
Serra Leoa
Sudão
Angola
Nigéria
81
Como a China emerge como um poder global, seus cidadãos também esperam que seu governo olhe além de seus interesses econômicos e trabalhe de forma ativa para contribuir com desafios humanitários em outras partes do mundo. Isso já começou a se manifestar nas contribuições chinesas para as missões de paz na África [...]. (HOUSER; LEVY, 2008, p. 70, TRADUÇÃO LIVRE)117
Atualmente, a participação da China nas missões de paz na ONU são um meio para a
sua diplomacia pública, a qual visa aprimorar a imagem da China como uma potência
responsável, sendo, depois de 2006, o país de maior contribuição, dentre os membros do
Conselho de Segurança (LING, 2007, p. 48). Além disso, essa atuação nas missões de paz
também é parte da projeção de soft power chinês. Seus objetivos, através dessa nova
orientação são:
[...] reforçar a cooperação multilateral de segurança, para ajudar a garantir um ambiente internacional estável; tranquilizar os vizinhos sobre as intenções pacíficas da China; e equilibrar a influência dos EUA e das potências ocidentais, enquanto estabelece mais firmemente a imagem da China como uma grande potência na comunidade irtenacional. (GILL; HUANG, 2009, p. 107)118
No momento, a China participa de 11 operações de paz da ONU, sendo que 6 delas
são na África, sendo o 15º em fornecimento de pessoal119 (POLICY BRIEF, 2011, p. 2-5): Costa
do Marfim (UNOCI); Libéria (UNMIL); Saara Ocidental (MINURSO); República Democrática do
Congo (MONUC); e duas no Sudão (UNMIS e UNAMID) (ROGERS, 2007, p. 80).
Outro indicador importante para se analisar a questão securitária no continente
africano é o número de mortes por mil habitantes – gráfico 6:
117 “As China emerges as a global power, Chinese citizens will also begin to expect their government to look beyond narrow economic interests and work to actively address humanitarian challenges in other parts of world. This is already beginning to manifest in Chinese contributions to peacekeeping missions in Africa […].” 118 “[...] enhance multilateral security cooperation to help secure a stable international environment; reassure neighbors about China’s peaceful intentions; and balance U.S and Western influence while gradually but more firmly establishing China’s Great Power image within the international community.” 119 Entre os cinco membros permanentes do Conselho de segurança da ONU, a China foi a que mais contribuiu, em termos de contingente, para as missões de paz da ONU na África, com 1.588 homens (BOUZANDA, 2012, p. 153).
82
Gráfico 7 - Número de mortes por mil habitantes
Fonte: World Bank Autor(a): GREGIS, 2014
Os dados trazidos por este gráfico, embora representem um grande incremento para
a questão securitária no continente africano, pouco representa para a confirmação da
hipótese do trabalho, pois todos os países possuem uma taxa decrescente. A maior variação
é a de Burkina Faso, com uma queda de 59,7%, seguido por Nigéria, com 46,1%, e Sudão,
45,8%, Serra Leoa, 45,4% e, por último, Angola, 27,8%. Por fim, o comércio de armamentos é
outro indicativo para a questão securitária – gráfico 8:
0
50
100
150
200
250
300
350
Angola Burkina Faso Serra Leoa Nigéria Sudão
Taxa de mortalidade (por 1000 habitantes)
1980 1990 2000 2010 2013
83
Gráfico 8 - Importação de armas
Fonte: World Bank Autor(a): GREGIS, 2014
Outro dado a ser analisado é a importação de armamentos pelos países africanos.
Neste gráfico fica claro a grande queda na importação de armas de Angola; já Sudão têm um
grande acréscimo, devido, ao recrudescimento do conflito interno. Nigéria também tem
decrescido. Nesse sentido cabe ressaltar que há uma grande importância da cooperação
militar na relação sino-africana (MENEZES, 2014, p. 140), principalmente porque a
cooperação militar chinesa para com os países africanos está ligada a dois fatores principais:
assegurar seus recursos energéticos e também suas rotas comerciais (MENEZES, 2014, p.
143). No entanto, segundo Manji e Marks (2007, p. 47), a venda de armas chinesas para
países africanos é problemática, pois também não impõe condicionalidades e são mais
baratas, o que incrementa suas vendas, como por exemplo, no Sudão120.
Através, então, da análise desses dados, percebe-se que, se comparado aos índices
socioeconômicos, na questão securitária, a implicação da relação Pequim-África se mostra
120 A transferência de armas da China para o Sudão tem sido feita através da troca “armas por petróleo” (SIPRI, 2013, p. 46).
$-
$100.000.000,00
$200.000.000,00
$300.000.000,00
$400.000.000,00
$500.000.000,00
$600.000.000,00
$700.000.000,00
1970 1980 1990 2000 2010 2013
Importação de Armas (US$)
Angola
Nigeria
Sudan
84
menos evidente, devido as distorções proporcionadas por questões internas aos países, bem
como algumas variações diferenciadas nos dados. Contudo, a participação da China em
missões de paz, em sua maioria na região, representa um incremento da questão securitária
para os países africanos. Além disso, contribuindo para o desenvolvimento, pode-se estar
contribuindo para a segurança, principalmente se a mesma é identificada como segurança
humana, onde pobreza e insegurança são sinônimos, possuindo um efeito de causalidade
mútua (THOMAS, 2008, p. 246), e ao processo mais amplo de construção dos Estados
africanos.
3.5.4. Implicações da relação sino-africana na construção dos Estados Africanos
O desenvolvimento tardio e fraco dos Estados da África acarreta algumas condições
negativas para esses: “[...] falta de legitimidade das fronteiras estatais, instituições e regimes
do Estado; coesão social inadequada; e ausência de consenso social em questões
fundamentais da vida econômica, social e política” (AYOOB, 1995, p. 28, TRADUÇÃO
LIVRE)121
Dessa forma, para analisar a influência da relação China-África, neste ponto, três
indicadores são analisados. O primeiro deles é o Index of National Capability122 (CINC) –
gráfico 9:
121 “[…] lack of unconditional legitimacy for state boundaries, state institutions, and regimes; inadequate societal cohesion; and the absence of societal consensus on fundamental issues of social, economic, and political organization.” 122Esse índice analisa, através de seis componentes (tamanho da população, total da população urbana, produção de aço e ferro, consumo total de energia primária, total de militares e o orçamento militar), a capacidade estatal.
85
Gráfico 9 - CINC
Fonte: COW Autor(a): GREGIS, 2014
Nota: neste gráfico foi separado em dois eixos de análise, o da direita (colunas) e o da esquerda
(linhas), devido à grande variação nos dados requeridos.
Neste gráfico é possível perceber que os países que são os principais parceiros da
China no continente africano, Angola e Sudão (VISENTINI, 2013), tem vivenciado um
continuo crescimento no índice CINC. Somando-se a isso, nota-se que Burkina Faso, Estado
que mantém relações com Taiwan, também possui uma taxa crescente, sendo o país, entre
os que não possuem relações diplomáticas com Pequim, com maior comércio com a China.
Contudo, a Nigéria, ainda desponta como a de maior capacidade estatal, a qual, embora
mantenha relações com a China, seus principais parceiros são a UE e os EUA (VISENTINI,
2013).
O segundo é o State Fragility Index123 (SFI) – gráfico 10:
123 O SFI é um ranking anual, de 178 países, o qual leva em consideração os seus níveis de estabilidade e as pressões que o Estado enfrenta. O SFI é baseado em 12 indicatores, políticos, sociais e econômicos, os quais se
0,001
0,002
0,003
0,004
0,005
0,006
0,007
0,008
0,009
0
0,0005
0,001
0,0015
0,002
0,0025
0,003
0,0035
1970 1975 1980 1990 2000 2007
Index of National Capability
Burkina Faso
Serra Leoa
Angola
Sudão
Nigéria
África do Sul
86
Gráfico 10 - SFI
Fonte: Politic IV Autor(a): GREGIS, 2014
Através desses dados pode-se notar que quase todos os países têm se mantido
constantes nos últimos anos, perante esse índice, contudo, o dado mais significativo é o
decaimento de Serra Leoa, país em que as exportações para a China representam mais de
70% das suas exportações totais.
Por fim, o último indicador de capacidade estatal apresentado é a densidade de
ferrovias nesses Estados, gráfico 11:
desenvolvem em outros 14 indicadores derivados do primeiro, estando entre eles: pressões demográficas, refugiados, pobreza, legitimidade estatal, intervenção externa.
0
5
10
15
20
25
30
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
State Fragility Index
Angola
Burkina Faso
Serra Leoa
Nigéria
África do Sul
Sudão
87
Gráfico 11 - Densidade de Ferrovias
Fonte: World Bank Autor(a): GREGIS, 2014
Esses dados são mais representativos para se perceber a presença chinesa,
principalmente quanto a seus investimentos em infraestrutura, pois embora esteja
decaindo, o Sudão é o país com maior densidade de ferrovias124.
Novamente, afirmar que as variações nos dados apresentados sejam somente uma
consequência da relação Pequim-África é difícil, contudo, principalmente, quando se está
tratando de aumento da capacidade estatal, o índice CINC se mostra mais expressivo,
demonstrando que as melhores variações entre os países, são dos dois os quais são os
principais parceiros chineses no continente. Além disso, quando se trata de capacidade
estatal, Menezes (2013, p. 198) ressalta que a China tem contribuído para o incremento da
capacidade de autogestão dos países africanos.
124 Os dados 1980, 1990 e 2000, para Burkina Faso estavam ausentes, então se fez uma média dos dois anos posteriores. O mesmo ocorreu com os dados da Nigéria, em 1990, 2010 e 2012.
18000
19000
20000
21000
22000
23000
24000
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
1980 1990 2000 2005 2010 2012
Densidade de ferrovias (km)
Burkina Faso Nigéria Sudão África do Sul
88
3.6. Barganha: a relação com a China como impulsionadora dessa condição para os
países africanos
Os países africanos, como países do terceiro mundo (AYOOB, 1995) enfrentam
questões como construção tardia dos Estados, marginalização no sistema internacional
(VISENTINI, 2013), insegurança (AYOOB, 1995), o que se tem como hipótese desse trabalho é
que, a China, com sua relação diferenciada com a região, beneficia o continente africano
diante das mazelas que esse possui. Somando-se a isso, os interesses conflitantes entre as
potências tradicionalmente inseridas no continente africano, EUA, França e Reino Unido, as
quais agora possuem um novo competidor, a China, que parece criar uma brecha para que
os países africanos possam barganhar e alcançar seus próprios objetivos, uma vez que essa
tem incrementado as condições dos países africanos, na medida em que Ayoob (1995, p. 2)
ressalta que:
Limites econômicos e tecnológicos restringem severamente a capacidade do Terceiro Mundo para negociar de maneira eficaz com os países desenvolvidos da América do Norte e da Europa ocidental, contribuindo para a dependência multifacetada do sul para com o norte, como estados individuais e em grupo. (AYOOB, 1995, p. 2, TRADUÇÃO LIVRE)125
Para se avaliar tal afirmação, então, se analisará o conceito de barganha e como o
incremento das capacidades Estatais, desenvolvimento e melhoria nas condições de
segurança africanas, possibilitados pela relação com a China, tem garantido aos países
africanos uma condição de barganha no sistema internacional.
3.6.1. Barganha: condições assimétricas, poder de barganha e alteração do status quo
125 “Economic and technological limits severely constrain the Third World’s capacity to bargain effectively with the developed countries of North America and Western Europe, and they contribute to the South’s multifaceted dependence on the North, as an individual states and as a group.”
89
Segundo Knight (2004, p. 124), a sociedade é assimétrica e alguns atores sociais são
mais poderosos do que outros, o que permite a possibilidade de barganha, a qual consiste,
segundo Muthoo (2000, p. 146):
[...] uma situação de barganha é uma situação onde dois ou mais jogadores possuem um interesse comun para cooperar, mas possuem conflito de interesses sobre de que maneira, exatamente, cooperar […] barganha é qualquer processo em que jogadores tentam chegar a um acordo. (MUTHOO, 2000, p. 146, TRADUÇÃO LIVRE)126
Sendo que, uma situação de barganha é caracterizada por uma série de propostas e
contrapropostas, onde a estrutura da sequência das mesmas altera os resultados da
barganha (KNIGHT, 2004, p. 129). Contudo, para Knight (2004, p. 130) a capacidade dos
atores de alcançar benefícios nessa situação é consequência de sua própria estratégia, mas
que assimetrias de poder entre os “jogadores” e suas diferenças de recursos afetam os
resultados da barganha de várias maneiras.
Nessa situação assimétrica, vários fatores podem determinar o poder de barganha de
cada parte, sendo alguns deles: os recursos de cada ator, a sua inteligência e informação, e
suas experiências prévias (KNIGHT, 2004, p. 130). Contudo, uma questão também pode
afetar o poder de barganha: a competição, pois isso afeta as possibilidades disponíveis de
escolha para os atores (KNIGHT, 2004, p. 130).
Sendo assim, transmitida esta lógica ao sistema internacional, é através da
competição entre os atores extrarregionais, abrindo novas possibilidades para os Estados
africanos de escolha, somando-se ao incremento de seus recursos, devido a nova relação
entre a China e a África, estando entre eles uma maior capacidade Estatal e
desenvolvimento econômico, que os países africanos alcançam uma melhor condição de
barganha no sistema internacional. Podendo-se, até mesmo, segundo Knight (2004, p. 146),
devido as mudanças nos poderes de barganha de cada ator, se precipitar mudanças
institucionais. Knight (2004, p. 148) defende que se há o aumento do poder de barganha dos
mais poderosos atores, se mantém o status quo, aumentando sua estabilidade. Contudo, se
há o aumento do poder de barganha dos menos poderosos, isso faz com que se reduza o
126 “[…] a bargaing situation is a situation in which two or more players have a common interest to co-operate, but have conflicting interests over exactly how t oco-operate [...] Bargaing is any process through wich players try to reach an agreement.”
90
limiar para que se altere o status quo (KNIGHT, 2004, p. 148, TRADUÇÃO LIVRE)127: “[...]
mudanças no poder de barganha podem irão fazer uma das duas coisas: reforçar o status
quo ou mudar as assimetrias de barganha em direção das formas institucionais
favoravelmente aos grupos menos poderosos do status quo”.
Essa alteração do status quo, abstraindo-se para o ambiente internacional, pode
acabar com a dicotomia que Ayoob (1995, p. 75) ressalta como a divisão entre dois tipos de
atores internacionais, as superpotências e os países do Terceiro Mundo.
Um exemplo disso é que após a entrada da China, Angola obteve mais acesso a
fontes de financiamento, renovando a confiança do país, além de reforçar sua posição no
cenário internacional (MENEZES, 2013, p. 160): “Cada grande ator envolvido na África
conduz suas políticas e seus negócios de forma atenta sobre os progressos alcançados por
parte dos outros atores, o que de certa forma vem sendo explorado pelos próprios governos
africanos” (MENEZES, 2013, p. 185).
O necessário, a partir de então, é que os Estados africanos devem organizar o que os
chineses têm trazido para o continente, de maneira a se tornar mais independente dos
mesmos, além de algumas ações visando ter mais alcance aos seus próprios interesses,
como: estabelecer políticas quanto a importação de trabalhadores chineses, a fim de esses
não competirem com o nativos; o estabelecimento de taxações especiais que privilegiem, ou
não, as empresas chinesas; a inclusão de tarifas adaptadas ao incremento do comercio; além
da proteção para produtos nacionais (ROTBERG, 2008).
Também seria propício que esses países escolhessem outras fontes de
financiamento, investimentos e perfis de cooperação, uma vez que novos atores ascendem
ao sistema internacional como fontes, como Brasil, Índia, Coréia do Sul (SCHWELLER, 2011,
p. 285).
Os Estados africanos também devem examinar qual a melhor maneira de reagir as
mudanças originadas do engajamento chinês (MANJI; MARKS, 2007, p. 53), bem como
coordenar todas essas ações (SCHIERE, 2011, p. 10).
127 “[...] changes in bargaing power will do one of two things: reinforce the status quo or shift the relative bargaining asymmetries in the direction of those institutional forms more favorable to the less powerful groups under the status quo.”
91
3.7. Conclusão do capítulo 3
Este capítulo, primeiramente abordou a inserção diferenciada que a China tem
oferecido ao continente africano, principalmente devido a sua política de não
condicionalidades e de não intervenção nos assuntos internos de cada Estado. Essa postura,
no entanto, tem gerado uma série de críticas, por parte das potências ocidentais, de que
Pequim estaria atuando de forma neocolonialista e sendo complacente com governos
autoritários e violações de Direitos Humanos. Contudo, essas alegações se mostram muito
simplistas, pois a relação sino-africana é muito mais complexa, não se tratando apenas da
busca por recursos naturais. Tendo Pequim, adotado uma política de exaltação dos pontos
positivos de sua interação com o continente africano, para se defender das acusações lhe
infringidas.
Deve-se levar em consideração, da mesma forma, que em geral, os africanos têm
recebido positivamente essa dinâmica, embora existam alguns pontos de fricção, como nas
indústrias, devido à grande competição chinesa; no setor trabalhista, devido a utilização de
mão-de-obra chinesa em empreendimentos na África; e no campo ambiental, devido à
grande degradação do meio-ambiente. Contudo, as respostas africanas são bem variadas.
Ressaltou-se, da mesma forma, neste capítulo, que os Estados africanos, por serem
países do terceiro mundo, lidam com algumas questões como insegurança, falta de
desenvolvimento e falhas no processo de construção estatal, objetivando-se analisar,
através dos dados apresentados, se a China e sua competição com as potências ocidentais,
tem influência nas condições africanas.
Dessa forma, o efeito-China, embora não se possa afirmar categoricamente, pode ser
percebido pelas variações analisadas através dos dados expostos. Fica claro, então que, em
maior ou menor ou maior grau, Pequim parece influenciar nas capacidades estatais
africanas, bem como nas suas condições de desenvolvimento, humano e econômico, e de
segurança. Ao fazer isso, e ao se expor como um novo competidor na região, a China parece
também aumentar o poder de barganha africano diante do sistema internacional,
necessitando, os africanos, saber coordenar tais aspectos para se fortalecerem interna e
externamente.
92
CONCLUSÃO
A emergência da China como potência mundial é inegável. O país tem gozado de um
notável crescimento econômico, o qual também tem lhe proporcionado uma grande
projeção mundial e tem alterado as dinâmicas de poder no sistema internacional. Mas esse
não é apenas o caso da China, a crise financeira de 2008 explica, de certa forma, a
revitalização de países periféricos no sistema internacional, uma vez que os mesmos não
sofreram de maneira tão drástica com o colapso econômico. Sendo hoje, um traço
característico da política externa chinesa o respeito à soberania estatal, a primazia ao
desenvolvimento econômico e sua busca por laços com países do sul.
Essa aproximação chinesa com os países do Sul busca dois objetivos principais: o
fornecimento de matérias-primas necessárias para a manutenção de seu crescimento, além
de mercados para a absorção de sua grande produção; e, marginalizar Taiwan, no sistema
internacional, uma vez que se busca a One China Policy. Para alcançar seus objetivos a China
tem combinado o uso de soft power e hard power em suas relações externas, sendo um dos
seus focos, a relação de Pequim com os países africanos.
Na verdade, as relações sino-africanas não são novas, podendo ser percebida séculos
atrás. Mas a relação da China com a região transpassou o tempo, sendo importante durante
os movimentos de libertação nacional, quando a China propiciava treinamento militar aos
africanos. E tendo se afastado do continente durante os anos 80, devido a sua introspecção
no momento da Revolução Cultural. É importante ressaltar que durante a década de 80, os
países africanos tiveram sua situação no sistema internacional deteriorada, sendo o
continente marginalizado na economia global.
A reaproximação se deu nos anos 90, quando a China inaugura um novo tipo de
relação com a África, não mais baseada na disputa ideológica da Guerra Fria, mas possuindo
como premissas: uma amizade confiável, igualdade soberana, a não intervenção, o
desenvolvimento mutuamente benéfico e a cooperação internacional. Sendo o ponto
culminante dessa nova política a criação do FOCAC em 2000, um símbolo institucional das
relações de Pequim com a África.
93
As interações entre a China e a África possuem algumas características que
aproximam os dois parceiros: a não imposição de condicionalidades, o que atrai os Estados
africanos, deixando, os mesmos, de necessitar empréstimos do FMI; os investimentos em
infraestrutura, educação, bem como, uma política cultural por parte da China, através dos
Institutos Confúcio, e o turismo; o fornecimento de armas, transferência de tecnologia,
principalmente agrícola. Sendo essa dinâmica denominada de “win-win”. Entretanto, ainda a
China é o terceiro parceiro comercial do continente, atrás de EUA e França.
Dessa forma, a China se coloca na região africana como uma nova potência
extrarregional, que entra em competição com potências tradicionalmente inseridas no
continente africano, Reino Unido, França e EUA, sendo vista como capaz de dirimir a
influência dos mesmos na África. Sendo assim, esses países têm alterado suas políticas
externas para a África, em função desse novo contexto.
Durante todo o período colonial, a África foi de extrema importância para o Reino
Unido, um império colonial, contudo, o fim da Guerra Fria representou a marginalização do
continente perante os olhos ingleses. A partir de então, a região africana passou a ser
assolada por questões humanitárias, passando a atrair novamente a atenção ocidental em
geral, uma vez que tais questões trariam consequências para a segurança internacional.
Logo, novamente a África passa a atrair atenções internacionais, incluindo do Reino Unido,
interessada também nos recursos naturais africanos, o que foi incrementado pela mudança
do governo inglês, e a ascensão do partido trabalhista, para o qual, a região passa a ser
prioritária.
Contudo, novos focos emergiram como fonte de preocupação do Reino Unido para
com a África, entre eles: proliferação nuclear, terrorismo, surto de epidemias, aquecimento
global, migrações em massa, bem como o rápido crescimento da China como competidor na
região.
Em relação a China, então, o Reino Unido reconhece Pequim como um novo
competidor, mas tem agido de forma proativa com a China, buscando o diálogo. Contudo, a
política externa sofre mais uma inflexão, principalmente devido à presença chinesa na
África, buscando agora uma maior aproximação com os antigos países da Commonwealth,
94
tendo sido bem sucedida até então; e um novo intervencionismo, juntamente a França, o
qual busca legitimação através da retórica do multilateralismo.
Já a França, uma das potências ocidentais mais envolvidas no continente, uma vez
que seu status internacional está diretamente ligado a sua posição da região, sempre teve
sua política externa em direção a África marcada por duas características principais: poder
exclusivo do Presidente nas questões de política externa, sendo a mesma marcada por
personalismos; e a condução da política externa como uma política de Estado. Sendo seu
principal objetivo a manutenção de influência na região, principalmente através da
Françafrique, para a manutenção de seu status de potência, somando-se a sua necessidade
por recursos.
Dessa forma, segundo Utley (2002), a parte principal da relação francesa com a África
era na aplicação e defesa de acordos militares. Contudo, uma série de acontecimentos
encorajaram uma reforma dessa postura nos anos 90: retrocessos da política francesa no
continente africano; mudanças governamentais; e escândalos na elite política francesa.
A partir de então a França passou a propor uma nova política para a região, onde a
política externa francesa para a África passa a ser integrada a política europeia, multilateral,
onde foi reduzida a ajuda encaminhada ao continente, por exemplo. Contudo, atualmente, a
França enfrenta também a China como um novo competidor, a qual tem ameaçado
interesses franceses, e, consequentemente, tem justificado novos movimentos estratégicos
da França na região, como a intervenção francesa na RCA, na Costa do Marfim e na Líbia,
renovando seu intervencionismo no continente.
Ao mesmo tempo, os EUA também são um ator importante na África, mesmo que
durante o período pós-Guerra Fria, os norte-americanos tenham se afastado do continente,
não sendo a África o foco da política externa de Washington. Contudo, nesse período, os
EUA continuaram se envolvendo em missões humanitárias na região, sendo a mais
emblemática delas na Somália. Contudo, três ações foram responsáveis pela alteração da
política externa norte-americana para a África: os ataques terroristas de 11 de setembro,
quando a região passa a ser vista como foco de células terroristas; a busca por novas fontes
de matérias-primas, devido à instabilidade do Oriente Médio; e, a emergência de novos
competidores na região, principalmente a China.
95
Com o aumento da presença de Pequim na região, somando-se a sua demanda por
petróleo, os EUA têm intensificado suas ações militares e diplomáticas na África, sendo o
AFRICOM o ponto culminante dessa política. Essa iniciativa, contudo, nada mais do que o
reflexo dos interesses norte-americanos no continente, tendo como consequência a
militarização e securitização das relações entre os EUA e a África.
O ponto essencial dessa dinâmica é que a China parece possuir uma inserção
diferenciada, uma vez que o relacionamento com os países africanos fundamenta-se em
igualdade, respeito pela soberania e não ingerência em assuntos internos, desenvolvimento
comum, benefícios mútuos e, aumento das consultas e cooperação internacional. A ajuda
chinesa para o continente africano também é singular, porque se concentra, sobretudo,
através do incremento em infraestrutura.
Contudo, o continente africano ainda sofre com mazelas como: falta de coesão
interna, fissuras étnicas e regionais; falta de legitimidade das fronteiras, instituições e elites
governamentais; vulnerabilidade a conflitos internos e externos; desenvolvimento
destorcido e dependente; marginalização; e, por fim, grande fragilidade a atores
extrarregionais, sendo a insegurança uma condição. Sendo tais mazelas consequências da
falta de um Estado forte e coeso, falta de segurança e de desenvolvimento.
Os Estados africanos têm sido descritos como variando entre fracos e soft, uma vez
que seu processo de construção estatal foi pífio, o que implica, segundo Ayoob (1995) na
falta de controle centralizado sobre seu território e população, falta de legitimidade, não
concentração dos meios de coerção, bem como a falta de capacidade de permear os
diversos âmbitos da sociedade, o que implica na falta de desenvolvimento e segurança
desses Estados.
O objetivo deste trabalho, então, foi, estudar a recente inserção chinesa na África,
focando-se no período pós-Guerra Fria, as reações ocidentais, e seus impactos mais gerais
no desenvolvimento, segurança, e construção dos Estados africanos e na capacidade de
barganha para destes Estados.
Em se tratando das críticas ocidentais, a primeira delas é de que a China não impõe
condicionalidades e não interfere internamente nos assuntos africanos, corroborando com
situações de desrespeito à democracia e aos Direitos Humanos (Darfur), corrupção (Angola),
96
falhas na boa governança, padrões trabalhistas e sociais injustos, políticas ambientais
ineficientes. A segunda crítica é de que a China reproduz na África uma política
neoimperialista. Contudo, muitas dessas pressuposições são simplistas demais, sendo que,
por exemplo, as interações chinesas com o continente africano, são bem mais complexas,
abarcando muito mais questões, como: comércio, migrações, ajuda, IED e transferência de
tecnologia, do que apenas uma busca desenfreada por fontes energéticas, o que poderia
justificar a denominação de neoimperial.
Sendo que Pequim busca se defender dessas críticas através de discursos, artigos
acadêmicos e na imprensa do país, salientando os pontos positivos e as características em
que se baseiam as relações sino-africanas.
Já os africanos, em geral, recebem positivamente a presença chinesa na África,
embora alguns pontos de fricção sejam explícitos, como em setores empresariais que veem
sua competitividade diminuída perante a competição chinesa, como no caso nigeriano; e, a
política da China de buscar seus próprios trabalhadores, motivo de protestos, na Zâmbia, por
exemplo. Contudo, nota-se que as respostas africanas são bem variadas e complexas.
O recebimento positivo por parte dos africanos pode ser explicado pela análise dos
dados apresentados, os quais corroboram parcialmente a hipótese de que: a inserção
chinesa é diferenciada e têm como consequências avanços no desenvolvimento, segurança e
construção estatal africana, além de incentivar uma maior condição de barganha
internacional de países do continente. Tal pressuposição é corroborada, por exemplo, pelos
números do comércio, em que a China, é hoje, o terceiro maior parceiro comercial da
continente, sendo que seus principais parceiros econômicos, Angola, África do Sul possuem
uma progressão continua do IDH, (gráfico 2); grande crescimento do PIB, (gráfico 3); Angola,
obteve um crescimento continuo no índice CINC, (gráfico 9); e, ambos obtiveram queda no
seu índice SFI.
Ou seja, a relação com a China possui, direta ou indiretamente, parece ter efeitos nos
âmbitos de desenvolvimento, segurança e construção estatal dos Estados africanos, embora
os dados analisados sejam multifatoriais, fica claro a progressão, nesse sentido, dos países
com grandes relações com a China.
97
Mas Pequim também parece alterar o número de escolhas que os países africanos
possuem no sistema internacional, aumentando o poder de barganha africano, uma vez que
se tem uma sociedade assimétrica, em que atores sociais são mais ou menos poderosos, o
que permite a barganha. Nessa sociedade, o poder de barganha é variado, sendo que a
competição pode alterar esse poder, uma vez que existem mais possibilidades de escolhas.
Sendo assim, a pergunta de pesquisa que guiou o trabalho: quais são as principais
consequências para a África, nos âmbitos de desenvolvimento (humano e econômico),
segurança e construção estatal, da inserção chinesa e da competição entre essa e as
potências Ocidentais (EUA, França e Inglaterra)? Evidenciou-se de forma preliminar que a
China, de forma direta ou indiretamente, parece acrescentar para os países africanos em
questões essências para a região, como desenvolvimento, humano e econômico, segurança
e construção estatal. Bem como, que, a competição entre as potências tradicionais
presentes na África com a China, contextualizando uma nova dinâmica, propicia a África,
maiores escolhas e, consequentemente, aumenta o poder de barganha da mesma, diante do
sistema internacional.
O que se torna essencial, a partir de então, é que os africanos saibam organizar e
coordenar essas novas dinâmicas, de maneira a se tornarem mais independentes e fortes, e,
ao mesmo tempo, para que essa competição não tenha como consequência, uma maior
probabilidade de conflito. Da mesma forma, deve definir seus próprios interesses e negociar
de maneira mais firme, para assegurar benefícios dessa relação de competição (ADEBAJO,
2010, p. 189).
Por fim, como em muitas partes o estudo se mostra exploratório, o mesmo buscou
acrescentar ao conhecimento acadêmico, estando abertos a novos aprimoramentos sobre o
assunto, bem como novos focos de pesquisa, como a busca por estudos de caso em que se
analise de modo mais aprofundado os resultados da presença chinesa nas capacidades
estatais e nesse novo poder de barganha africanos.
98
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