Chicos 37
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1
Chicos N. 37
Fevereiro 2013
e-zine de literatura e ideias de Cataguases – MG
Capa
De Gabriel Franco sobre foto de Vicente Costa
Editores
Emerson Teixeira Cardoso
José Antonio Pereira
Colaboradores desta edição
Antônio Jaime
Antônio Perin
Claudio Sesín
Emanuel Medeiros
Fernando Abritta
Ferréz
José Vecchi
Ronaldo Cagiano
Rubens Shirassu Jr.
Sebastião Nozza Bielli Lotti
Fale conosco em:
Visite-nos em:
http://chicoscataletras.blogspot.com/
Um dedo de prosa
Esta é a edição número 37 de 28 de fevereiro de 2013.
Devemos desculpas ao Cunha de Leiradella, na última edição
cometemos um erro imperdoável. Erramos o título de sua
colaboração, o correto é Memorial em tons de azul, quem não leu
retorne ao blog e dê uma olhada em nosso número 36.
Um dos jornalões paulistas publicou um inédito do João
Antônio, repartimos com vocês o conto.
Apresentamos Badr Shakir Al Sayyab um poeta iraquiano.
Quem estreia por aqui é o artista plástico Sebastião Nozza
Bielli Lotti, o Slotti
Trazemos aos nossos leitores Ferréz, escritor paulistano
que tem como matéria prima a periferia da nossa maior metrópole.
Como defendemos o ensino da língua espanhola em nossas
escolas, publicamos, em espanhol, a poesia de Claudio Sesín -
grande poeta e amigo - lá de Catamarca na Argentina.
Reaparecem também aqui Emanuel Medeiros e José Vecchi
A edição está recheada de boa prosa e ótima poesia.
Uma boa leitura para todos.
2
Badr Shakir Al Sayyab
Badr Shakir Al Sayyab nasceu em 25 de dezembro de 1926 na aldeia de Jaykour (distrito de Abu Al Khasseb na província de Al Basrah) no sul do Iraque. Jaykour é a paixão da vida do poeta. 1926 é o ano em que fixam a fron-teira com a Turquia, perto da queda e divisão do Império Turco entre os aliados da Primeira Guerra. O Iraque é tutelado pelos ingleses. Sua mãe morre durante o parto de uma irmã que nasce morta. O pai, casa-se novamente e deixa os filhos com o avô. A poesia, surge em Basra, para onde mudara com sua avó materna para cursar o ensino médio. Transfere-se para Bagdá em 1944, onde entra na Faculdade e frequenta o curso de Língua e Literatura Árabe. Em Bagdá, desenvolveu duas qualidades de sua personalidade, que eram visíveis desde a sua infância e adolescência: sua ideologia de compromisso social e a postura poética. Filia-se ao Partido Comunista do Iraque. Luta pela retirada das tropas inglesas do Iraque e por uma resposta mundial aos assentamentos maciços de judeus na Palestina. Devido à sua atividade revolucionária é preso várias vezes até ser expulso em 1946 da Faculdade. Readmitido mais tarde muda de especialidade e em 1948 forma-se em Inglês e Literatura. Por razões políticas é obrigado a deixar o Iraque. O exílio, leva-o a pensar sua ideologia e
postura comunista e inspira vários de seus poemas mais famosos. Seus poemas, A prostituta cega e Armas e crianças de 1954, revelam o poeta maduro. Em 1960 publica: A canção da chuva onde apresenta poemas escritos desde 1952 e representa o melhor de sua obra poética. No início de 1961, viaja de Bagdá para Basra, onde seu terceiro filho nasce, ocasião em que a doença paralisa sua perna esquerda. Em sua busca desesperada por uma cura começa uma longa jornada que se torna o seu calvário até a morte: viagens ao Kuwait, Bagdá, Londres, Paris, tratamentos modernos e hospitais, curandeiros, contatos com seitas religiosas... Investigando todas possibilidades e sempre por trás, sua poesia, testemunhando sua luta desesperada. Suas últimas obras: do templo rebaixado (1962) e A Casa dos Escravos (1963) testemunham a sua morte lenta, dúvidas sobre a morte, sua incerteza em relação à vida. Deprimido e entregue ao seu destino, volta para o Iraque em 1963. Agravada sua saúde, é transferido para o Kuwait em 1964, morrendo em 24 de dezembro de 1964. No dia seguinte é enterrado em Basra, no mesmo dia, publica-se sua última obra As persianas da filha do Marquês , onde plasma com intensidade assustadora seu terror, seu vazio e ansiedade. Agora, sua poesia é puro existencialismo.
3
O poeta maldito
a Charles Baudelaire
Você, leva à luta tua espada enferrujada,
agita-a na mão quase queimando o céu
pelo teu sangue inflamado e iluminado
querendo rasgar o ar.
Reúne-se às mulheres
a uma mulher cujos lábios são de sangue sobre o gelo
seu corpo enganosamente ingênuo
uma víbora caminhando, sobre almofadas no leito...
Não queres
abrir as clarabóias para que entre a luz,
para não sentir o que é vida.
O Oriente alça ante teus olhos os véus,
quase abraças a beleza junto ao trono de Deus,
quase a vês
reluzir em uma nuvem de fragrância e luz.
Vês o mamilo de um seio que acende as estrelas
com seu rubor ...
4
Os efeitos que saem
de uma tumba, arrasta a nuvem de fumaça,
em sua sombra dorme um pobre fugitivo
um príncipe cercado por jarros de bebidas e escravos,
sua grandiosa morada em ruínas
é uma das ilhas de coral,
mar que purifica Lesbos com sal.
Teu espírito o bebe do eco ao abismo
como Safo herdarás um fogo nas veias,
mas não abraçará a ti e teu sono eterno
como quem abraça o seu espectro debruçado em uma janela.
Fogo de Narciso! Tântalo e os frutos!
Se diria que a indolente e lânguida África
(seus caudalosos rios, os atabaques,
suas densas florestas de sombras e chuvas,
sua seca umidade... a lua)
se envolvera com uma mulher que perdeu a honra,
mamando dela veneno e chamas
e sobre ela pingarás tua estranha poção ...
5
Se diria que da nuvem de fumaça na noite
te alçarás, entre um mundo que estendem o faiscar do ouro
e um mundo de imaginação e pensamentos,
de um muro de embriaguez,
onde tua sombra aconchegara sem ferir a humanidade.
Entrei pelo teu pecaminoso livro
no jardim de sangue que arde com as flores,
bebi o néctar de suas letras,
seios de uma loba nas estepes,
seu leite é fúria
e sua sombra fecundidade.
Submergi, nas ondas que me golpeavam
atirando-me de uma márgem para outra margem.
Levei do seu abismo a madrepérola do castigo
Eu levo a ti.
Estenda-me as mãos!
Afaste as pedras e a terra!
Basra, 24/03/1962
Versão de Antônio Perin
6
Janela de Wafiqa
A janela de Wafiqa na aldeia
ébria, domina o espaço
como a Galiléia espera caminhar,
espera Jesus. Dispersa suas paisagens.
Ícaro, roça o sol
com penas de águia. Sente-se livre.
Ícaro, pega-o, o horizonte
o atira até as profundezas, à sepultura.
Janela de Wafiqa, oh, árvore!
Respirem na escuridão crepuscular
os olhos que junto a ti esperam.
Espreitam a flor da maçã,
Buwayb é um hino
e o vento devolve
as melodias da água sobre as folhas.
7
Wafiqa olha penalizada
das profundezas do túmulo e espera:
passar o murmúrio do rio
a sombra que ondula qual sino
a alvorada de uma festa,
assoviar qual sopro nas sementes.
O vento devolve
as melodias da água. É a chuva.
E o sol gargalha entre as folhas.
És janela rindo no brilho?
Ou porta que se abre na parede
para fugir pelas asas da fragrância
um espírito que anseia pela luz?
Oh rota para ascender ao coração!
Imagens de amizade e amor!
Caminho que sobe ao Senhor!
Se não fosse por ti não viria da aldeia ofegante.
No vento um perfume
pelas ondas do rio nos arrulha e nos canta.
8
Ulisses se vai com as ondas,
o vento lembra ilhas esquecidas:
"Da velhice, vento, livrai-nos!"
O mundo abre sua janela
a partir desta janela azul
torna-se uno, torna-se seus espinhos
flores de perfume delicado.
Uma janela como se estivesse no Líbano,
Uma janela como se estivesse na Índia,
sonhos de uma menina no Japão
como Wafiqa sonho no sepulcro
com raios verdes e trovões.
A janela deWafiqa na aldeia
ébria, domina o espaço
como a Galileia sonha caminhar
sonha com Jesus.
Ardem suas paisagens.
Wafiqa - Parente e companheira de brincadeiras do poeta em sua infância.
Poemas de: O Templo Submergido 1962 Versão de Antônio Perin
Fernando Abritta
O nó górdio (recortes)
entre o ato e o fato
Existe
entre o ato
e o fato
existe
entre o ato e o fato ex iste
entre o ato eo fat existe o Eof
entre o ato
e o fato
Existir
o relógio de ponto olhos arregalados
que nada vêem coração dispara
todos os músculos trabalham desordenados
desesperado cérebro pergunta as horas
soma tempo de viagem confere hora do coletivo diminui minutos do café
confere roupas documentos braços se cansam
dependurados corpo se choca a muitos outros com a freada ouvido tolera
xingatório pernas correm
pesadas mãos na alavanca
E odiado estrondo do ponto batido me acorda para menos um dia de que me valem estas horas se minha filha está presa em uma escola onde aprende a ficar sozinha sem chorar se meu filho chora no ouvido de quem nem conheço se minha mulher estica na feira meu salário se o que aqui faço não consigo ter.
na fila conversa encurta
tempo perdido ritmado pelo barulho
do relógio de ponto na fila
conversa comenta corpo doido
enquanto espera a comida na mesa
conversa ajuda engolir sem sentir
arroz feito sem amor
quantas horas? o corpo grudento equilibra ideias.
meia hora? a luz é sempre a luz invariável neste dia artificial.
quantas dores? esticar pernas
devagar espichar braços
vigilante.
quantas horas? olhos vermelhos olheiras.
vinte minutos para a sua hora?
sorriso pálido salgado de suor.
quantas horas para a liberdade?
suor derrete corpo
em calor mão cola no
papel.
lá fora sol.
pensamento escorrega
lápis ventilador
sopra espirros.
lá fora árvores
refrescam uma rua vazia.
bravamente olho resiste
manhosamente pálpebras descem
violento cérebro reage
pálpebras correm olho ao trabalho.
lá fora céu azul termina em
morros azuis e, certamente,
um córrego corre
por entre pedras lisas e lodosas.
o chefe passa lá fora não existe.
quantas horas?
a tarde vem a brisa
refresca.
tirei do trabalho a emoção do dia horas vendidas da vida o cansaço e pude ver o que me dói e quem me fere.
o ferrão e dente que me sangram.
vivi noites e feriados e já me acostumara com minhas mãos e meu cérebro vendidos.
entendi ausência de conforto e dinheiro curto e me revoltei resignado
até que facilidade de aumento extra negado, me pôs de novo rugindo
CASA GRANDE:
Não gosto desta casa paredes altas belas salas
não gosto
me causa mal cansa
faz doente
lago + jardins + árvores e o peixe colorido em seu nado quadrado
Oprime O peitO minha colunA. não.
[ ]
[ ] Quem pela senzala passa
[ ] leva consigo marca
[ ] que muito fala
[ ] lava
[ ] rala
[ ] origem que não cala.
[ ]
[ ] Se na casa grande,
[ ] é mudo:
[ ] impossível ao tom da sala;
[ ] faminto:
[ ] indomáveis garfo e faca;
[ ] mãos e pés desajeitam,
[ ] dançam num corte,
[ ] recorte na corte,
[ ] incapazes.
[ ]
[ ] Se na cozinha resvala,
[ ] inútil fala
[ ] presença invisível
[ ] pigarro e cala.
[ ]
[ ] Quem pela senzala passa
[ ] traz consigo chaga
[ ] por mais que faça
[ ] nada apaga.
[ ]
[ ] Pra casa grande
[ ] traz budum
[ ] catinga
[ ] desconfiança na sala.
[ ]
[ ] Quem pela senzala
[ ] passa
[ ] é não confiável
[ ] ao povo da sala.
Tamara Kamenszain
Tamara Kamenszain nasceu em Buenos
Aires, Argentina. É poeta e ensaísta.
Pertence, junto com Arturo Carrera e Nestor
Perlongher, a geração de poetas dos anos setenta.
Entre seus livros de poesia estão De este lado del
Mediterráneo, Los No, La Casa Grande, Vida de living,
Tango Bar, Solos y solas e La novela de la poesía, os livros
de ensaio El texto silencioso, La edad de la poesía, Historias
de amor y otros ensayos sobre poesía e La boca del testimonio.
Seus livros foram traduzidos para o inglês, francês,
português e alemão.
É considerada uma das vozes que influenciaram as
novas gerações de poetas
O poema Tango Bar foi traduzido por Ronaldo
Cagiano
Tango Bar
(...)
A simpatia dele pelo diabo
é o ninho de minha antipatia.
Assusta-me e aborrece-me
tudo o que está mal
no bom sentido
da palavra. Pecado,
pecado seria então
seguir a ele tão longe
quando jura e perjura
que estamos perto.
Mamãe, papai, fui
com este mauzinho crioulo
e na cruz de seu poncho
me dei por perdida.
Será possível que em minha religião
sozinha
atrás de um homem
Eu sempre sinta frio?
(...)
Outra vez no bar das mulheres
tomo o cálice do esquecimento
“O tango é macho”
cantam minhas amigas
mas como o tango
elas são musas tristes
ou vêm
como bonecas murchas.
E a julgar por mim
(tão esquecida de mim!)
não sei se nós agora
formamos uma orquestra
de senhoritas
ou se são eles os rapazes de antes
os que agora tocam de ouvido
nosso repertório
enquanto nós
antes de esgotar o copo
já cantávamos mal.
Tradução Ronaldo Cagiano
Claudio Sesín
Claudio Luis Sesín nasceu em 9 de junho de 1959 em Villa Dolores, Velle Viejo, cresceu e passou sua infância em Pomán, província de Catamarca – Argentina. Publicou entre outros: La Barbárie (1993) El círculo de fuego (1997)
El libro de los poemas casuales (2008) este em edição bilíngue espanhol-português Palabras Sencillas (2010). Foi colaborador da revista Ideas para uma cultura popular e integrou a redação do periódico cultural El Croponopio - do Movimiento de Escritores por la Liberación – MEL.
Cuaresma
La hora que aquí es, no está en el tiempo.
La brisa,
esa mendiga de tan suaves gestos
se parece a una idea ofreciendo cariño.
Y al fin, es la memoria,
la última armonía de una canción lejana
perdiéndose en la noche
de un carnaval
estremecido.
Carnavalearte
Tomamos los suspiros de la noche
a la hora que cumple su presencia
y le ponemos luz para que encienda
nuestra penetración a las tinieblas.
Artistas trashumantes y traslúcidos,
llegan al puerto casual de los sin rumbo.
Hermosas
como novias corriendo en los pasillos,
ebrias hembras felices
de túnicas livianas y cabelleras frescas,
celebrarán las armonías y los acordes
que sólo traen piel,
de cuando el barro mezcla a sangre y fuego,
ese argumento de eternidad y hombre.
Furtivas y cenizas, ligeras, insolentes,
acuden a esta fiesta de torbellinas almas,
las mismas locas locas, de cuando loca es santo,
y redimen sus vidas, ahora celebradas.
Aquí los laberintos son presurosas risas y suspiros.
Aquí cruzamos los umbrales de cálidas maderas,
y en aguas transparentes, blanca estrella,
y en los cuerpos luciérnagas,
y en los labios la sed que hace encender al cielo,
y en el aire ese aroma
que esparce y enrojece la idea del instinto.
Siempre es feliz la piel lanzada en torbellinos,
que abraza las cadencias y las libera,
agua marina, almendra y chocolate,
en el aire, en la lengua, en los amplios momentos,
en los pequeños.
¿Qué latitud aguarda
esa dulzura turbia que precede al orgasmo?
¿Qué humo se consume al pensamiento
en un fulgor de gloria sin fracasos?
Signos del cielo en invisibles trazas,
sangre apretada al flujo y tremolar de los sentidos,
canción urbana a nombre de un buen vino.
Golpeamos los cinceles en las piedras
que un día rotarán al infinito.
La mirada es de Dios sobre los cuerpos.
Mirar el Mundo
Nuestro otoño es capaz
de enmudecer tejados, vertederos,
las afueras del hombre,
las extensiones puras y solemnes,
en donde no podremos llegar a los secretos
sin mirar los insólitos, fugaces y lejanos,
cómplices de belleza del mundo prometido
por las desposeídas constelaciones huérfanas.
Agua en la brisa
Ni quebrado, ni caído. Solo.
En el atardecer, soy árbol
que descansa esperando las lluvias
en tierras duras y de sol violento.
He vuelto de mi amor por las desgracias.
No hay remordimientos,
el humo es ciudadano y sin creencias.
Sigo esperando ese silencio amable
que sin reproches cruzaré la niebla.
A Media Voz
Sueña la noche un sol en la llanura
para que el miedo tenga precipicio,
y cubra con el manto de lo limpio
este débil sostén de la cordura.
Pero retumban furias y locuras,
como un río entroncando sus crecientes,
excitando las guerras de la mente
por los extraños campos de la luna.
Por las nieblas del mundo emocionada,
el alma se despide del pasado,
y florece en mi suerte, a mi costado,
esta canción de sombras y de brumas.
Soy el que a media muerte fue tocado
y a media voz enciende la penumbra.
Claudio Sesín Catamarca - AR
Emanuel Medeiros Emanuel Medeiros Vieira nasceu em
Florianópolis, SC, em 1945. Formado em Direito
pela UFRGS (1969), foi cineclubista, professor,
crítico de cinema, editor, vendedor de livros,
jornalista e funcionário público. Ativo militante da
política estudantil, foi dirigente do IEPES, embrião
da Fundação Pedroso Horta. Redator de discursos
parlamentares, foi membro do conselho editorial do
jornal “Movimento”, e correspondente em SC do
semanário “Opinião”. É detentor de diversos
prêmios literários nacionais. Tem 17 livros
publicados.
Homem diante do mar Homem diante do mar
(instância interrogativa).
Precária caravela.
E finita: a vida
Trapiche:
o homem só contempla
(desembarcado).
No estatuto da memória:
ele se interroga, nunca mais a ação.
No porto: a rapariga rosada estendeu um lenço.
Limo: foram-se a juventude, o trapiche, a rapariga, o lenço.
(Mátria: sou apenas um homem diante do mar.)
Desterro: instante convertido em sempre.
O homem desembarcado só pode viver de memória: diante do mar.
Atlântico
Imperfeitos,
singraram o Atlântico,
mãos ansiosas, mapeando novas terras,
bússolas afetivas,
acalentando sonhos distantes,
peles queimadas,
gosto de sal na boca
(tanto mar, tanto mar),
febre, malária, fibra e pranto.
Na cadeira de balanço –
depositário da memória da tribo,
contemplo a caravela de madeira, pai, mãe, tio
violinista,
um agregado louco,
penso no Atlântico,
velas ao vento,
astrolábios,
à beira do poço do passado,
que não passa nunca,
imanente no presente.
Mas proclamo – celebrante –
“terra à vista, terra à vista”.
(Alvíssaras!)
Emanuel Medeiros
Brasília - DF
Antônio Perin Antônio Perin nasceu em
Itaobim, migrou para Cataguases, onde virou
baiano, viveu alguns anos no Rio, morou um
bom tempo em São Paulo, e voltou a residir em
Cataguases, onde vive e escreve. Com sua
poesia, colabora e participa de nossas
publicações aqui no Chicos regularmente.
O silêncio de meu pai
As palavras que eu preciso
estão entaladas na garganta
de meu pai
como sementes na cal
elas não brotarão
não são palavras escritas
nunca vou ler
foram confinadas
na boleia do caminhão
esquecidas pelas estradas
algumas, talvez, depositadas
no ventre de minha mãe
sua maior paixão.
Seria eu uma destas palavras?
A imortalidade do tecelão
No caminho da tecelagem
pedras queimavam os pés
no tempo, que não sonhei.
Entre anestésicos e dores
vejo nas mesmas pedras
arderem pés de fiandeiros
rumo à mesma tecelagem.
Em filas de corredores
andei para os exames
Na sala cirúrgica onde
o escuro é todo branco
vi, sem apelação um juiz
de branco me condenar
Neste negro mundo branco
meu grito morre no silêncio
o ar é puro mas é mecânico
sopra de um tubo verde.
Daqui te vejo no quintal
pendurar minha imagem
tecida no branco algodão
branqueada na sanitária
para o desbote final.
Antônio Perin Cataguases MG
Ronaldo CagianoNoite em Cataguases
Noite em Cataguases.
Da Ponte Velha a inscrição de Virgílio batizando o metal.
Fachada desbotada da Casa Rama.
Ancoradouro no areeiro da Rodoviária. Flamboyants.
Da torre em forma de ogiva da Matriz de Santa Rita
Os olhos da escuridão denunciam
Que outros pecados implodirão o confessionário.
Pouca gente sem pressa, tantos homens dissimulados.
A algaravia nos trailers de cachorro quente: convulsão dos estômagos.
Um motociclista calunia a cidade que dorme!
Calmaria, meia-noite em ponto. O trem cargueiro deflora a insípida madrugada.
Cataguases sem festa dos silêncios das ausências.
Das imensas crateras na alma de seu povo.
Que não enxerga, nunca, homiziado nos becos solitários,
A tristeza hiperbólica dos operários imunes aos barcos que deslizam sobre o Pomba.
Cataguases, senzala sem promessa: das ilhas dos espíritos desertos.
E da feiura caótica e trevosa das enchentes
Ronaldo Cagiano São Paulo - SP
Emerson Teixeira Cardoso
Dois minicontos de mistério
Boa noite estranho
Abriu a porta subitamente com uma sensação de medo, pavor. Um olhar mais apurado o fez distinguir de sua janela um reflexo qualquer na lagoa: incrível! Onde já havia visto aquele rosto, pensou. Ato contínuo, fechou a janela. A porta que já estava entreaberta fechou também dando duas voltas na chave. Já dentro do quarto apanhou o machado. Agora, decidido a desvendar aquele mistério,
tirou do bolso a lanterna e acionou o botão da luz seguindo uma trilha em direção à lagoa amarela, morada misteriosa do horrível monstro. Mas que grande surpresa! Quando se aproximou da lagoa não viu nada além do seu próprio rosto que dentro da água se refletia e dentro da noite escura também refletida na água, a lua.
O cavaleiro da chuva
Preparava-me para sair, quando
ouvi os tambores do tempo anunciando chuva.
Imediatamente dei meia volta procurando
abrigo e armamento adequado para enfrentar o
inimigo terrível: a intempérie.
Armei-me de um capote, espécie de
vestimenta larga e obsoleta, que além de
impermeável cobria-me até os tornozelos – nos
sapatos, providenciais galochas. Não dispensei
nem o último acessório de meu estranho
aparato, portentoso guarda-chuva.
Assim devidamente equipado lancei-me à
aventura. Devia buscar nos ares a face do
terrível gigante – mas, ai de mim! O malvado
não aparecia.
Largas passadas levou-me a adentrar o
prédio do cinema e ali durante toda a sessão de
um filme tudo o que eu podia ver eram cortinas
se agitando. O monstro lá fora rugindo,
rugindo.
Findo o evento restava-me cruel
alternativa: permanecer ali no recinto ou sair
para enfrentar o adversário no seu próprio
campo de guerra. Eu levava a capa e o fatídico
guarda-chuva o que me parecia o bastante para
encarar a fera que rugia e soltava vermelhas
labaredas.
Durante todo o tempo que durou a luta
senti-me um verdadeiro cavaleiro medieval
com armadura e tudo. Levava a lança e o
escudo para o duelo com o dragão líquido e
gelado, que expelia golfadas gigantescas de
água pelas narinas
A batalha foi terrível: minha lança
brilhava a cada explosão dos trovões e ao
reflexo dos raios. Repito: foi uma grande
peleja. O tempo parecia não ter fim, mas como
um Cavaleiro da Ordem do Rei fui o grande
vencedor e o inimigo debandou soltando
rugidos de dor.
O céu apareceu estrelado. Olhei para o
alto e dei um grito de vitória depois da luta
mortal que travei.
Emerson Teixeira Cardoso Cataguases –MG
João Antônio João Antônio Ferreira Filho, nascido em São
Paulo em 27 de janeiro de 1937, além de jornalista, é
considerado um intérprete do submundo e um bom
malandro da escrita e da literatura. Sua linguagem
rápida, suas frases curtas, lhe deram o título de criação
do conto reportagem. Suas obras retratam pessoas
marginalizadas, o proletariado, prostitutas e as figuras
da periferia das grandes metrópoles.
De origem humilde, veio de uma família de
comerciantes suburbanos de São Paulo. Teve que
aceitar diversos sub-empregos antes de ficar famoso
com o lançamento de seu mais lido livro de contos,
Malagueta, Perus e Bacanaço, publicado em 1963. A obra
foi um sucesso entre os críticos e o povão, que via sua
cara descrita nas páginas do livro, mas o interessante
sobre esta obra é a maneira como foi feita.
Em 1960 o livro teve os originais queimados em um
incêndio ocorrido na casa da família de João Antônio.
O escritor e sua família perderam quase tudo, mas,
crente de que precisava de dinheiro, João isolou-se
dentro da Biblioteca Municipal Mário de Andrade e
reescreveu todo o livro de cabeça.
Com o sucesso de Malagueta, Perus e Bacanaço, João
tornou-se jornalista e trabalhou no Jornal do Brasil.
Participou da fundação de uma das revistas mais
importante de sua época, a Revista Realidade, onde
publicou o conto-reportagem pioneiro do jornalismo
no Brasil. O nome do conto é Um Dia no Cais,
retratando o cotidiano dos trabalhadores do Porto de
Santos. Ainda fez parte da equipe da revista
Manchete, trabalhou no O Pasquim e outros órgãos
de imprensa que se opunham à ditadura militar.
Estranhamente, nos últimos anos da década de 60,
João muda radicalmente de vida. Sai do emprego,
arrebenta seus cartões de banco, vende o carro e
divorcia-se da mulher e passa a se vestir de forma
simples e despojada. Aparentemente influenciado pela
literatura beat, na qual os autores viajavam e
relatavam suas experiências, João rumou por cidades
brasileiras em 1978 e foi para Europa em 1985. Dois
anos depois, após ganhar uma bolsa de estudos,
mudou-se para a Alemanha e lá ficou até 89. Faleceu
no Rio de Janeiro em 31 de outubro de 1996.
Principais obras: Malagueta, Perus e Bacanaço (1963),
Leão-de-chácara (1975), Malhação do Judas carioca (1975),
Casa de Loucos (1976), Lambões de Caçarola (Trabalhadores
do Brasil!) (1977), Calvário e Porres do Pingente Afonso
Henriques de Lima Barreto (1977), Ô Copacabana! (1978),
Dedo-duro (1982), Meninão do caixote (coletânea) (1984),
Abraçado ao meu rancor (1986), Zicartola e que tudo mais vá
pro inferno! (1991), Guardador (1992), Um herói sem
paradeiro (1993), Patuléia (1996), ete vezes rua (1996),
Dama do Encantado (1996).
A um palmo acima dos joelhos
Você não brigue comigo, pequena. E nem fique, sonsa, me encabulando com essa sedução de olhos mansos. Eu lhe conheço, dengosa. Que você nem era nascida. Então. Este calor derreia a gente, é fevereiro, começo de fevereiro no Rio, aguentamos mal e mal, pegajosos. E este suor. Mariuska, não fique boba. Não se ponha, toda ciúme, fula, por aqui, me rodeando e a medo, me palpando, esse modo inseguro de agoniada. Seus olhos suplicantes saiam de mim. Não queira agarrar os meus joelhos com a boca para, depois, pousar a cabeça neles. Não me pergunte com os olhos. Só estou perdido em mim, criatura, olhando a linha do horizonte. Nada, pequena, bobagem, é um nada. Ou é muito. Faz pouco, lá em cima, no apartamento, você fez a cena, feia. À toa, à toa. Abri a porta do terraço. Olhar alguma coisa nos varais e nas plantas, este verão tosta e castiga, este solaço... dei com os pardais ciscando feito galinhas sequiosas ou meio ladrões, rápidos, numa agitação procurando alguma aguinha caída daquela com que reguei as flores. Pulavam, precisados. Sofriam o calorão, vinham, gatunos, bicos abertos puxando a respiração. Então, uma alegria grande me entrou no peito. Eles são pequenos. E eu os saudei: - Ô, pequenininho, você veio me visitar? Voluntariosa, saída, ficou fera, ardida. Já lhe falei, o ciúme mata um. Rói e remói: é um-dois, verruma depressinha. Um-dois. Fique maneira. Nenhum sofrimento inútil. Estou tratando com os meus fantasmas, me deixe. Você, indócil, aguarde. Coração ciumoso, atrapalha, sua. Ansiosa, tenha modos. Qu’eu saiba ninguém dá jeito de domesticar um pardal, bicho avoado, entrão, toma o que
é dos outros e em gaiola não vive. Dizem, os pardais também cantam. E só cantam quando estão em turma. Nada a fazer com a pardalada. Deixá-los. Cumprem a sina que lhes é dada nas tardes e nas manhãs. Pardal nem anda; pula, pulula, andejo e voador, gorrião no mundo, os tenho visto por aí tudo, pardal urbano, sempre, inquieto, intrujão, metido, saído, mal lambido, bicão enfiando-se no que não é dele. E um, Mariuska, pode viver muitos anos, aqui, alhures, em Amsterdam, na China. Gatunam e, aí, gatunar é o modo deles. Nem me pergunte, de olhos, olhando para eles e, após, indagando os meus olhos, para que servem o pardal e o gato. Bem. Eles servem para nada e, também por isso, são música do mundo. Você me dança esses seus olhos vivos, que espetam e só faltam dizer. Digamos. Há de ser sempre, sabe-se lá, um trabalho garimpeiro o de descobrir por que uma pessoa, tantas idas e vindas após, e tudo passa tão depressa, acaba só. * * * Ouça. Tenho cada lembrança lá do morro e você nem era nascida. A vida lá no alto não era ruim nada. De pequeno, tropicava em alguns pedaços maus. Nada que me lembre do morro me chega sem os gostos. Será difícil esquecer o gosto de fel de chá para os rins, chá de carqueja empurrado goela abaixo pelas mãos de minha bisavó Júlia, apelidada Lula pela gente miúda, penca de bisnetos amulatados, mequetrefes, molecadinha impossível. Vó Lula, escura e geniosa, cabelos lisos mamelucos, quem sabe, na mocidade, sensual e com certeza supersticiosa e de arroubos imprevisíveis, acostumada mandona. Tratava filhos, uns trezes, netos e, depois, a bisnetaiada pela homeopatia. Os doentes não tomassem café. Não brilhei, fui razoável.
Havia o campo de malha, o de bocha e o campinho de futebol, onde virei centro-médio. Não, corria um tempo em que não existia meia-armador. Era centro-médio. Chutava com os dois pés, cobria o meio de campo, recuava ou avançava conforme o andado do jogo e os mais atilados na posição, houvesse brecha, cavavam espaço e, pontudos, faziam gol. Eu, destro. De assim, para compensar, me treinei repetido e solitário, e tanto, na perna esquerda que, na sequência, pendia para abrir, armar jogo, lançador por aquele flanco. Bem. Quando a luz elétrica nos veio, o morro teve dois rádios por onde a vida do mundo, lá de fora, barulhava e chegava. Um, o rádio enorme da venda de dona Otília e de seu Augusto; outro, menor e simplezinho, da minha tia-avó Elisa, carioca, asseada, um capricho na organização. Os dois novidadeiros trazendo notícias, humor, radionovela, Jerônimo, o herói do sertão, Nhô Totico, a PRK 30, mel em chuvada de riso, que a gente alcançava do Rio de Janeiro, Maria Joaquina Dobradiça da Porta Baixa, portuguesa, espeloteada, casca-grossa e tão mangada. Terminavam os números musicais, uma voz ajuntava: entra o disco das palmas. Desabava o auditório e desabávamos no morro. Aqueles dois animadores foram primeiros; devo ter aprendido com eles que, de algum jeito, é preciso rir de si mesmo. Irradiação dos jogos de futebol, paixão. Febre mosqueteira, que o morro era, maioria inflamada, corintiano roxo e sabia, de cor e salteado a escalação preta e branca, que terminava na linha de ataque: Cláudio, Luisinho, Baltazar, Carbone e Mário. Ou Souzinha, dependendo, na extrema esquerda. Dessa linha atacante, cada minúcia sutil e muito singular, cada um de nós, molecadinha do morro, falaria uma semana. E, depois, mais uma. O que nos chegava. E vinham pela música as novas de outras terras, baianas, nordestinas, cariocas, nos fazendo imaginar, enfeitiçados, meio aos suspiros, mordidos de curiosidade, uma porção de vidas diferentes, nossas desconhecidas e mais rurais. Havia baianos e
cariocas no morro e, na empolgação deles, embarcávamos, mordidos. Não éramos tão urbanos. Para final, fazíamos paçoca no pilão, nossos curaus e pamonhas doces e não salgados como se diziam que eram os do Norte… a paçoca do morro, veja lá, levava carne pilada, o charque, o jabá. Essa, de carne-seca, era daqui. Da ponta da orelha. Batíamos o café em grão comprado nos armazéns na estrada de ferro. Tínhamos o cuscuz paulista, com palmito, ovo, camarão ou sardinha ou galinha, meio caiçara e admirado, falado. Invejado, sabíamos. Salgado, era primor, distinto do baiano, que é branco e doce. E do pernambucano - outra coisa. Bom mais ainda com manteiga, da salgada. Havendo manteiga-de-garrafa, se lambiam os beiços e se comia até ficar triste. Fazíamos a carne-seca com mandioca cozida quase desmanchando, e não frita. E não fique aí boba, pequena. Que tínhamos forno em que fazíamos pão de milho, broa de fubá, biscoito de araruta, bolos de farinha de trigo, assados em dia de festa. Havia cabritadas no morro e Vó Lula, prevenida, alma de quituteira, pedia aos santos nas vésperas paz para esses dias. Cabritada era risco. Poder, podia escorregar, destrambelhar para malsucedida armando brigas, ingresias, desfeitas, mexidas, confusões. Fuá. Podia dar bode num forrobodó-de-cuia, rebordosa arrevesada, uma cabritada. Então, devagar com o andar, que o santo é de barro. O seguro morreu de velho, mas a prudência foi ao enterro. Rogar aos santos, assim, era de lei. Doce de marmelo, de goiaba, de laranja, de abóbora, de cidra, de limão, de coco, bananadas, ameixadas de ameixa amarela e não da preta fumegavam no fogão a lenha e Vó Lula, pontificou plena, principal. Esclarecia. Para a cozinha era preciso mão. Ninguém se gabasse diante dela, que mãos cutubas tinha ela, mãos de rainha, dona, adonada, sabedora.
José Antonio Pereira
Olha eu na foto
Ontem me vi numa foto de jornal. Está com inveja? Estava em uma badaladíssima festa. Sem ressentimentos! Não é preconceito não. Mas, gente chique é outra coisa. Olhe bem para a foto. Só gente bonita. Parece que a beleza é a maior parceira da riqueza. Festa já varando pela madrugada. Eu lá firme. Presta atenção! Quem ainda está impecável? Alinhadíssimo. Claro que é eu. Estilo despojado, sem relógio, cabelos bem aparados e corpo ereto. Entreouvia o diretor de um banco, tentando ser próximo da senhora da casa, ironizava os extorsivos juros cobrados. Nunca entre em uma agencia bancária. Não passe nem mesmo em sua calçada. E eu continuava andando entre os convidados. Era sempre assim em recepções de famílias tradicionais e riquíssimas, eu vestido em meu impecável linho braspérola, engomado, lavado e passado todos os dias. Na casa dos Bitencourt, local da festa na foto, Dona Dalva não permitia perfumes, era proibido. Ela, com requinte, batia palmas compassadas, para chamar os serviçais. Tinha o topete de mandar o Armando, seu mordomo, cheirar todos os empregados para ter certeza que sua proibição era respeitada. Botava reparo até no aparado das unhas. Na cozinha, não sei se por ressentimento, Nanete, uma ajudante dizia: Armando é vinte anos, mais novo que a patroa. É o bichinho de estimação favorito dela. Cheia de veneno: Principalmente nas ausências do Doutor Bitencourt. Vai aí um
pouco de despeito. No final da festa dos cinquenta anos de casamento dos Bitencourt. Procurando um champanhe, entrei na dispensa. Vi Nanete de quatro e Armando corcoveando-a com o desembaraço de amantes bastante íntimos. No casamento da filha dos Castro Lima, outra família de potentados, parecia-me que os herdeiros de toda a riqueza da cidade estavam presentes. Um horror! Quem não pertence ao meio, está ferrado, vira mobília, é invisível. Herdeiros são terríveis. Deitam e rolam, são cruéis com os que não pertencem a sua casta. Enquanto bebem, fazem piadas vis e grosseiras com seus empregados e todos os de baixo. O Lula então? Onde já se viu? Um presidente, pobre, retirante cabeça chata e operário. Isto é um absurdo! Só num país fodido como este tal barbaridade acontece! Jussara, mulata bonita e atraente trabalha para a família Castro Lima. Assediada e abusada pelo patrão, é mantida no emprego sobre ameaças dele. É constantemente humilhada e perseguida pela patroa. Nesta festa, Jussara e outras mulheres que trabalhavam no evento, sofreram o diabo nas mãos dos herdeiros já entupidos de cocaína. Como sei de tudo isto? Olhe novamente para a foto. Ainda não me achou? Ninguém me nota. Sei que em todo lugar é assim, sou invisível. Olhe bem, no canto direito da foto, ao lado do diretor do banco. Isto! Este mesmo! Por que o espanto. Eu sou o garçom.
Rubens Shirassu Jr. Ilustrador e escritor Rubens Shirassu Jr paulista de Presidente Prudente é autor de entre outros de Cobra de Vidro (poemas,2012) Religar às Origens (artigos e ensaios, 2011); Mais Molho e Menos
Peixe (crônicas, 2004) e Muito Macho na Cozinha e Outras Crônicas (2010)e Novas de Macho na Cozinha e Outros Ingredientes II (Clube de Autores, 2012).
Fora da hora
Enquanto o bafo do mormaço bate em meu rosto, ouvi apenas o canto de um galo rompendo o silêncio preguiçoso da tarde. Nem sei de onde viera, só sei apenas que estava próximo de minha casa. É apenas um galo e seu canto que trazia um clima brejeiro, de sopro vida e, isso dá uma alegria e tem uma beleza de vida simples, natural e ingênua, sem compromisso. É um momento apenas.
Só sei que havia um sol escaldante e, apesar do calor sufocante, que embaralhava meus pensamentos misturando-os a um som que passa desapercebido no turbilhão de pensamentos, de pernas e veículos correndo que giram a máquina registradora do mundo da civilização. Em meio aos recursos visuais das placas e fachadas, aos múltiplos sons, a cena se perdia.
Será que alguém nota o galo que canta numa tarde, em plena zona norte da cidade? Como uma figura campestre e exótica em contraste com a selva de cimento, aço, plástico e antenas. Esse nosso personagem foge da coreografia da sinfonia concreta, porque traz uma natureza morta em nosso horizonte sujo, embaçado pela fuligem dos escapamentos e chaminés, talvez, seja um cantor para despertar... Por que aflora dentro de mim, uma imagem adormecida, em sono profundo, quem sabe, anunciando um verde esperança? Eu tentava fixar o galo com os olhos do espírito, ao jogo de intensa luz. Pode ser um momento feliz, e em si mesmo talvez fosse, e aquele singelo quadro da natureza morta me fez bem, mas uma fina, indefinível angústia me vem misturada com esse fenômeno sonoro e fotográfico. Devo estar saudoso de minha infância na Vila Marina e no Parque São Judas Tadeu, quando o galo cantou às 15h50. Mas deixei minha pouca alegria para mirar com um vago sorriso perdido no espaço. Era um instante de graça e felicidade. Um momento de raro prazer sonoro. Senti a necessidade de mostrar aquele fato raro às pessoas que prezo: “Escutem, o galo cantar a essa hora...” Mas, o prazer daquela audição me bastava. Porém, refleti que mostrar por mostrar ou, quem sabe, para repartir aquele instante de beleza como quem reparte um doce, como sinal de estima e de simplicidade; em sinal de comunhão ou, talvez, para disfarçar o mal-estar com o vazio da vida atual. Aquele som tão vivo era todo solto, de meus ouvidos, uma palpitação no coração. Eu queria me aproximar, aquele galináceo que anda sem rumo e seu canto, passando entre a cortina branca que realçam os objetos em cima da mesa e a parede creme. Mas, a barra do dia entre a cortina era uma vaga música dos tempos do chão de terra, a cerca de balaústre e a mornidão da rotina dos dias interrompida pelas boiadas guiadas pelo tropeiro, o aroma característico de fumo de rolo parado no ar misturava a poeira amarelada que pairava no ar. Na segunda-feira de carnaval, havia nuvens leves, espalhadas em várias direções, como se durante a noite o vento seco, semelhante a
agosto, tivesse dançado ateu no ar. Depois, aos poucos, foi se acendendo um carmesim, de cigarro de palha de milho, e sob ele o mar de concreto espalhou o cheiro de roça. Imaginei o calor das famílias na varanda, arrumando casamento e a vida alheia, do jeito de tribunal do júri, prestando contas no confessionário do padre da paróquia, deixavam o galo, orgulhoso e soberano no terreiro e galinheiro. Mas o bem-estar leve, quase suave, como se eu tivesse, de repente, despertado de um transe profundo, trouxe-me um pensamento que aprendi com os antigos vizinhos e coleguinhas de escola: os galos cantam entre às 4 ou 5 da madrugada, na alvorada de um novo dia, sinalizando a hora do retireiro ordenhar as vacas no curral, enfim, os compromissos da gente do campo. Será que o desrespeito do homem com a natureza onde ocorreram as mudanças nas estações do ano, o excesso de asfalto que interferiu no escoamento da chuva, o desmatamento das florestas, a poluição dos rios, a migração de aves e animais à área urbana, alterou o relógio biológico dos galos entre outras espécies da fauna? Um garoto dirá que o galo ficou desconfigurado! O sentimento era de que aquele momento luminoso e poético soa como um alerta. Dentro de minha cabeça houve um torvelinho de milhões de pensamentos misturados aos tons pretos, cinzas de tristeza e perplexidade expostos nesse quadro impressionista.
Rubens Shirassu Junior Presidente Prudente –SP
Antônio Jaime
Produtores de fitas
Gente mais antiga no meio
cinematográfico chamava filme de fita, como se
sabe. E cinema, a sala de projeção, era casa. Daí
que, na filial da Embrafilme em São Paulo, ouvi
o gerente falando ao telefone: “A fita dos
Trapalhões dobra em Ribeirão? Nas duas
casas?”. Por lei, se uma fita atingia a freqüência
média numa casa, reprisava na semana seguinte
e por isso A noviça rebelde ficou 53 semanas em
cartaz no Cine Palácio, no Rio. Já O anunciador,
uma semaninha, no Paissandu.
Produtor que chamava filme de fita, só
conheci Mario Falaschi. Ele e seu irmão tinham
um hotel na Itália, onde se hospedava uma
família paulistana. Gostou de Brasilina, uma das
moças daquela família, veio para São Paulo e
casou-se com ela. E com a leva de italianos que
vieram fazer a Vera Cruz, entrou para o cinema,
mudando-se depois para o Rio. Luxento, tipo
contratar Ângela Maria ou Carlos Galhardo para
cantarem no aniversário da filha, em sua casa.
Quando morreu, o médico contou à filha que
tinha uma frase tatuada no piru: Tutto per te.
No Rio, as produtoras às vezes nem tinham
água de beber, já em Sampa rolavam queijos e
vinhos, por aí, depois das reuniões. Ou um café
caprichado no Maksoud Plaza. Gostaria de ter
conhecido lá o produtor Primo Carbonari, nome
de mafioso, mas fiquei com Aníbal Massaini,
Enzo Barone, Assunção Hernandes e César
Mêmolo Jr. Este, puto com o fracasso de O
Homem do Pau Brasil, de Joaquim Pedro de
Andrade, e Ato de Violência, de Eduardo
Escorel, decidiu nunca mais produzir cinema, só
comerciais de TV.
Mas cumpriu o doloroso dever de ressarcir
a Embrafita (êpa!) por aqueles rombos. O
normal era rolarem a dívida, contando com um
sucesso futuro. E nem todos tinham dinheiro
vivo ou o caráter de Mêmolo.
Em geral, todo cineasta abre uma
produtora, para facilitar as coisas. Daí alguns
folclóricos, como um tal William Cobbett. Parece
pseudônimo, mas era seu nome, mesmo, e
cearense. Ganhou uma boa grana distribuindo
aqueles filmes russos que vimos pré-64 e
produzia uns abacaxis, tentando vendê-los como
arte. Mesmo gente de mais prestígio, como os
Farias, não escapava das más línguas. Diziam
que Roberto ia à missa todo santo dia, pagando
pecado, por viver em concubinato e, nos fins-de-
semana, toda a gang se reunia em Friburgo, para
a missa-mor, com a matriarca da família. Me dei
bem com eles, disseram que em 30 anos de
produtora ninguém entendeu melhor o que
queriam dizer. Obrigado.
Agora, a barretada. Deu para perceber que
são muito francos e não de todo elegantes. Estive
“n” vezes na casa deles e, numa delas, subi de
elevador com Lucy, Luiz Carlos e uma vizinha,
que levava um ramo de flores. Lucy tapou o
nariz: “Que cheiro horrível”. E Luiz Carlos:
“Cheiro de jasmim”. E ela: “Cheiro de defunto,
isso, sim”. Na cara da mulher, fiquei com
vergonha por eles. Comigo, tudo bem. Só estive
uma vez com Bruno, outra com Fábio e várias
com Dona Lucíola (mãe de Lucy), a “Vovó
Donalda”, porque fazendeira em Goiás, sócia do
Unibanco, por aí.
Mais uma: na première de Bye Bye Brasil,
no Rian, chegou de surpresa um amigo
americano de Barreto. Gente até no chão, o jeito
era desalojar alguém e ele escolheu uma mulher
desacompanhada: “A senhora é penetra? Cadê o
convite?”. Betty Faria ouviu e acudiu: “Quê isso,
Luix Carlox, é a Josefina, peça dexculpax”.
Ninguém menos que Josefina Jordan, ícone da
sociedade carioca. Ibrahim, Zózimo e outros
deitariam na sopa e o cinema tupiniquim, já tão
sem cartaz, pois é.
Antônio Jaime Soares Cataguases –MG
José Vecchi
José Vecchi de Carvalho nasceu em
Cataguases, atualmente mora na cidade de
Viçosa, aqui mesmo na Zona da Mata Mineira.
Um dos autores de A Casa da Rua Alferes e
outras crônicas. Com suas crônicas e contos é
dos colaboradores do Chicos desde suas
primeiras edições.
Anatomia das pernas
Inesquecíveis pernas. Tão presentes em
meus pensamentos e visões que vez por
outra causam-me tamanha desordem, ao
ponto de eu me deixar levar por
devaneios, urdindo esdrúxulas
comparações.
Dias atrás, num pequeno espaço
de tempo concedido involuntariamente
pelo descuido do chefe da seção onde
trabalho, vieram-me à memória as pernas
de Tom Hanks, digo, de Forrest Gump, o
obstinado contador de histórias que
Zemeckis fez correr por um país inteiro,
ultrapassando tempos e fronteiras.
Pernas que zombaram da insensibilidade
e dos preconceitos.
Hoje mesmo, após o almoço, sem
mais nem menos, lembrei-me das pernas
inesquecíveis do Mané Garrincha: tortas,
desengonçadas, pareciam se chocar uma
na outra, mas com uma habilidade
invejável.
Os dribles desconcertantes deixavam
perplexos não só os adversários, mas
também, os companheiros, o treinador e
todos os torcedores presentes nos
estádios. Pernas mágicas que pareciam
brincar com a bola, com o jogo, com as
pessoas; pareciam rir de tudo e de todos,
não com desprezo ou superioridade, mas
com um jeito ingênuo e moleque; era um
bailar ilusionista que confundia o mundo
num piscar de olhos e arrancava suspiros
e aplausos nas arquibancadas.
No entanto, essas famosas pernas
vêm-me à tona sem o menor nexo com as
que, de fato, me impressionaram ao
ponto de eu ter que despejar no
inconfidente papel minhas perturbadoras
sensações. Omito o nome da dona não
por alguma razão que alguém possa dizer
que seja óbvia, aliás, não existe nada de
óbvio na omissão de um juízo diante de
uma obra-prima. Omito porque tenho a
impressão de ver essas pernas com outras
donas; e também, por alimentar a ilusão
de guardar só para mim a deliciosa
sensação que tive. Aproveitando a seção
das justificativas, peço desculpas aos
estudiosos da anatomia humana, mas
trato aqui das pernas e das coxas sem
separação; unidas não só pelo joelho, com
sua belíssima articulação gínglima, seus
tendões, ligamentos e meniscos, mas pela
harmonia entre as partes que provocam
em mim a impossibilidade de vê-las ou
imaginá-las separadas. Separá-las seria
rasurar uma prova documental, pichar
um monumento, cortar cenas de um
filme, coibir a beleza.
Quando a dona era uma menina de
doze ou treze anos, tais pernas não me
foram tão impressionantes. O músculo
vasto lateral, o reto, o bíceps da coxa, o
gastrocnêmio e o tibial anterior não eram
suficientes para encobrir fêmures e
rótulas, tíbias e fíbulas. Voltei a vê-las,
porém, quando sua dona ia já com seus
vinte e cinco anos. Levei um susto
enorme e tive que me conter para não
deixar reveladas as minhas reações.
Por baixo de uma saia bege que ia
pouco abaixo do quadril, passaram por
mim duas belas e desconcertantes pernas,
atravessaram a rua no sentido da calçada
em que eu me encontrava procurando um
endereço que só voltei a procurar dias
depois. Mesmo assim, ao voltar ao local,
no mesmo horário de antes, procurei de
um lado a outro da rua, buscando a visão
estonteante que tive dias atrás. A cor da
pele, a firmeza delicada dos músculos, os
contornos, as medidas... tudo
desmedidamente belo e atraente.
Pernas lisas e certas, que
proporcionavam à dona um caminhar
leve e fascinante, salientando a
exuberância e o menear compassado das
nádegas. Em mim provocaram algo como
uma hipnose, com a cor num tom moreno
indescritível e inigualável. Além disso,
com um movimento que era uma
coreografia sensual, perfeita. Confesso
que perdi o fôlego e o rumo, como perco
aqui as palavras para qualificar tamanha
beleza.
Um dia desses, tais pernas
elegantemente cruzadas sob a negligência
de um índigo fizeram-me ver a dona que
não era. E depois daquele dia tem sido
sempre assim. Procuro nas menores
oportunidades e penso vê-las aqui e ali.
Pernas lascivas, mágicas, ágeis que
parecem me driblar; parecem rir de mim;
percorrem e atravessam meus territórios,
meus sonhos e insônias, enfim, dias e
dias, deixando como rastro minhas
divagações e intumescências. Mas no real,
no palpável, desaparecem. Passam por
mim como se eu fosse um zagueiro
ineficiente. Acho que por isso, busco nas
comparações, mesmo nas mais
desconexas, uma forma de prendê-las.
Inesquecíveis pernas. Tão presentes em
meus pensamentos e visões...
José Vecchi Viçosa –MG
FerrézFerréz, nome artístico de Reginaldo Ferreira da
Silva, é um romancista, contista e poeta. Ligado a
corrente considerada literatura marginal por ser
desenvolvida na periferia das grandes cidades e
tratar de temas relacionados a este universo.
Dotado de linguagem influenciada pela variante
linguística usada na periferia de São Paulo,
Ferréz já publicou diversos livros, entre
eles Fortaleza da Desilusão (1997), Capão
Pecado (2001), Amanhecer Esmeralda (2005)
e Ninguém É Inocente em São Paulo (2006). É
fundador do 1DaSul, grupo interessado em
promover eventos e ações culturais na região do
Capão Redondo, ligados ao movimento hip-hop.
‘Quem não pode falar escreve’
Nascido e criado na zona sul, quando pequeno
dizia que queria ser engenheiro; o pai achava a
profissão bonita, o filho mal conseguiu
terminar o segundo colegial, tinha que ajudar
nas despesas de casa. Namorou com a mesma
menina por dois anos, mas ela não viu futuro
– a casa dos pais dele, de dois cômodos, não
dava pra subir laje. Somente seis meses depois
de terminar o curso, Marcos conseguiu
emprego numa contabilidade.
JB Neto/Estadão
Chão ensanguentado em bar do Campo Limpo,
palco da primeira chacina do ano
Depois de trabalhar por 23 anos como
empregada doméstica a tia de Marcos havia
comprado um carro, e graças a Marcos ia
deixar de pegar ônibus toda sexta para voltar
do serviço, onde passava toda a semana
limpando a casa e cozinhando. Marcos seria
seu motorista. Em contrapartida, pagou o
curso para o sobrinho, e deixava o carro a
semana toda com ele. Os vizinhos
comentavam que o rapaz, agora andando de
social e com o carro, teria um futuro na vida,
que finalmente alguém daquela comunidade
havia vencido.
Marcos parou naquela sexta-feira no
mercadinho. Sempre sorridente,
cumprimentou todos e foi comprar uma cera.
Deixaria o carro brilhando como a tia gostava,
para ir buscá-la.
Entrou no carro com o pacote, ligou na Antena
1, sua rádio preferida, as músicas o deixavam
calmo no intenso trânsito. Colocou o cinto de
segurança e viu a viatura da Polícia Militar
parar. Logo foi pego pelo colarinho e arrastado
para fora do carro. Tentou falar, mas a voz do
policial militar sobrepôs a sua.
– Ladrão de carro filho da puta.
– O carro é da minha tia –, tentava falar
enquanto outro policial jogou ele atrás do
carro e pisou em sua cabeça. Marcos olhava
para o sapato, estilo social que nem o seu, algo
pensado no novo uniforme da PM para dar
aspecto de menos hostilidade, como antes
tinha a antiga farda e o coturno.
Polícia comunitária, um termo bonito, mas o
sapato estava na cabeça de Marcos, a mão
direita na água suja que descia pelo canto do
calçada.
A mãe de Marcos vendo a cena chegou perto e
convenceu os policiais, explicando a origem do
carro. Marcos se levantou, a cabeça suja de
terra, os olhares dos vizinhos. Não teve ódio,
nem sequer ficou revoltado. Chegou no seu
barraco, olhou para a camisa toda suja, uma das
três que tinha para ir trabalhar, ajoelhou em
frente à estátua de Nossa Senhora Aparecida e
agradeceu por estar vivo.
Três horas depois disso, 15 homens estavam
sendo revistados num bar no Jardim Rosana. Os
policiais chegaram de repente, miraram os
revólveres, nem o dono do bar escapou da
revista. Terminaram o enquadro, entraram nas
viaturas e disseram:
– Boa noite, fiquem com Deus.
As conversas foram retomadas no bar, um deles
falava sobre os ganhadores da Mega Sena, outro
falou que ia tomar a saideira, a patroa em casa
já devia estar nervosa, um que voltava do
banheiro ria dos que haviam sido abordados,
dessa ele tinha escapado.
Os minutos se passaram, mais duas cervejas
foram pedidas, a conversa agora foi para o
Corinthians abalando o Japão. Mais alguns
minutos, a rua quieta, só as conversas no bar.
Foi quando se fez a matemática perversa, 14
homens encapuzados, olhos arregalados, uma
cadeira cai no chão,
a vizinha ouve barulhos, deve ser bomba de
comemoração. Catorze braços atiram em
quem estava dentro do bar, nove são baleados,
sete morrem, a conversa acaba. O cheiro de
pólvora domina todo o ambiente, o dono do
bar se arrasta com um ferimento na perna.
Quando chamei meus amigos no sábado de
manhã para encaixotar livros e fazer a pintura
na ONG Interferência, não imaginávamos que
horas depois estaríamos num cemitério.
O coveiro chega perto do Evandro e diz:
– Você aqui de novo, cara! É a terceira vez que
te vejo essa semana.
Evandro fica sem graça, vai comprar uma
água, realmente não queria voltar ali, mais um
amigo para enterrar.
O muro do lado do bar onde aconteceu a
primeira chacina do ano estava pichado.
Quem não pode falar escreve. "Unidos
venceremos as batalhas da vida". Versos do
rapper que acabou de lançar o primeiro CD,
depois de muitos anos de batalha, o mesmo
rapaz que tem um avô chamado Lino, uma
esposa chamada Raiane, um filho chamado
Ryan e uma mãe chamada Lilian.
Um verso de esperança de um jovem que não
sabia que por estar num bar sua vida estaria
atrelada à primeira chacina do ano.
"Nunca desista nem se sinta inferior, seja
forte, seja nobre, um guerreiro lutador". Letra
do grupo de rap do DJ Lah, também presente
no bar, o último lugar em que estaria com
vida. A pressão pra fazer algo é grande, nem
sempre externa, mas o dono da padaria
pergunta se não vamos fazer nada, a mãe de um
amigo me para na rua e diz:
– Não somos animais, não somos ratos para
morrer assim.
O estudante que tem que voltar para casa após
11 da noite não sabe como vai fazer, a mãe fica
acordada todos os dias com medo de o filho não
regressar; o cozinheiro do restaurante fino
trabalha a noite toda, a mulher pediu para ele
dormir por lá para evitar o pior. A conversa saiu
do meio comum, um enterro cheio de gente
igual, sofredora, onde a conversa principal é
como vamos sair de casa de hoje em diante.
Pressionar politicamente parecia ser o caminho,
mas tal deputado num atende, tal vereador tá de
férias, não se convive com quem toma decisões,
estão todos longe daqui, quem mora aqui sabe o
tamanho do risco, mas muitos também
assistiram O Pianista.
Nunca em minha existência aqui tinha visto
tantas pessoas comuns revoltadas, esse não é o
mesmo País que anunciam na televisão. O que
ninguém pensa é que, infelizmente, isso tem
mão dupla, porque quem sai pro crime sai mais
violento.
O morador de periferia hoje se sente
desamparado, tem sua liberdade estrangulada,
cerceada. Sem Sesc, centro cultural ou casa de
cultura nas favelas, a antessala de estar de todo
mundo é o bar.
O cidadão comum que levanta quando é
escuro, que cuida do ensino da elite e não tem
uma escola de qualidade para seu filho, que
faz a comida deles, cuida de sua segurança, e
não tem segurança onde mora, não quer morte
– nem de farda nem de bombeta.
A segurança individual está em segundo plano
perante a morte sistemática de inocentes.
Quem vai gritar se as vítimas forem do crime?
Quem vai meter a cara? Foram 24 chacinas, e
se só algumas das 80 vítimas têm passagem, a
tendência é menosprezar o ocorrido, fica
legitimado o ato.
A periferia da década de 1980 teve grandes
mudanças. No caso das chacinas, o modus
operandi mudou. A periferia, com suas casas
na maioria de madeira, tinha pavor dos grupos
chamados de pés de pato. Hoje, associam
essas ocorrências ao único representante do
Estado presente aqui, a Polícia Militar. É
proposital, oprimir sensação de terror, está
dando certo, as mães cabisbaixas, sete
enterros, três da mesma rua, o filho chorando
na beira do caixão, o repórter que chama a
gente no canto:
– Pô, as pessoas acusam a imprensa, mas
quando chego nas chacinas, vou fazer a
matéria, a primeira coisa é ser abordado. A
polícia pede meus documentos. Cara, depois
do que aconteceu com o (André) Caramante
(repórter policial da Folha de S. Paulo que teve
que sair do País após ser ameaçado por
simpatizantes da Rota, a tropa de elite da PM
paulista) a gente tá com medo também.
Eu entendo o repórter, de uma chacina para
outra, da leste pra sul. Olho sua mochila, calça
larga, cara de cansado, na faculdade não
falaram que ia ser assim.
A solução agora não é só a investigação, mas a
emergência é pela não repetição. A questão
policial também é cultural, desde a abordagem
até o jeito que tratam a comunidade e, por
consequência, são tratados.
Quantas vidas podem ser salvas se procurarmos
soluções reais, não tapa-buracos. Ajudaria se o
discurso não fosse vago, se a certeza da
impunidade não fosse tão presente. Um
discurso articulado do secretário de Segurança
pode ser o início, real empenho na solução das
mortes pode brecar algo que pode tomar
proporções irreversíveis.
Saímos do Cemitério Jesuíta, calças largas,
bonés, frases das letras de rap na camisa, hoje
somos o tema das letras, a canção será mais
triste quando for ouvida, e quando íamos cruzar
a avenida, mais um enquadro, todo mundo na
parede.
Um ônibus para, algumas pessoas que estavam
no enterro descem, a polícia teme, o povo
avança, um dos rappers está sendo revistado,
um menino chega perto do policial, olha pro
alto, bem nos seus olhos, o policial nota os olhos
úmidos, o menino diz.
– Acabamos de vir do enterro, vocês não
respeitam nada?
Sebastião Nozza Bielli Lotti
O buraco
Abre a porta envidraçada da varanda e joga uma interjeição de negro humor no espaço. Tão indignado com o buraco! Dois homens opacos, que cultivavam o hábito de fumar de cócoras, vieram com as picaretas e as pás. Cavaram o dito cujo e, após filosofarem ( ou falavam de coisas técnicas?) por uma tarde inteira em torno da enorme cavidade, bem próxima ao latão onde os moradores da pequena rua depositam o lixo, sumiram Uma semana, ele contava... Oito dias... E nada. Do alto do seu avarandado, procurava entender. Toda manhã olhava o céu, tentando desviar a atenção daquele estorvo, mas todo buraco possui certo magnetismo e nem sempre é necessário botar um aviso com letras vermelhas; ao vê-lo pela primeira vez, o alerta “cuidado” já se fixa na mente. A rua foi ficando mais barulhenta com os motoristas, que se atrapalhavam. O menino olha o buraco como um acidente no cenário onde costuma brincar e passa a pesquisar sua real dimensão: a circunferência, quando se põe
a andar em torno, e a profundidade, ao usar um cabo de vassoura achado próximo ao latão. Também parece procurar coisas jogadas por alguém - todo mundo tem mania de jogar coisas num buraco - e, quem sabe, o possível peixe imaginário na água da chuva? Até que o tédio do buraco o engole e ele titubeia em sua volta, felizmente, sem cair. Acordando para o dia luminoso, sai correndo atrás de novas emoções. Um buraco, a princípio, é apenas uma cavidade, mas, com o tempo, vai adquirindo proporções que o aproximam de um elemento metafísico; improvável de se medir o tamanho. É um vácuo aparente, talvez um espaço vazio cheio de incongruências. Ninguém caiu e quebrou a perna, ou um veículo descuidado resvalou por ele, enquanto buraco, contudo, era um buraco repleto de iminências. Da varanda, ele passou a falar alto para que os vizinhos ouvissem, da precariedade do serviço público, a falta de respeito com os contribuintes: “Uma vergonha!”.
E o buraco metafísico e possivelmente perigoso, virou um buraco político. Nenhuma informação sobre a necessidade e o porquê da obra. As pessoas passavam e coçavam a orelha. Enquanto, da casa mais próxima, a mulher na janela olhava com desdém: além do latão de lixo que os gatos e os cães reviravam durante a noite - ela ficara indignada quando ali o colocaram-, agora surgia mais esse elemento antiestético para atrapalhar a sua cotidiana distração. Um dia, os homens voltaram. A esperança de que agora resolveriam de vez aquela situação tornaram “os bons-dias” mais afáveis. Lendo o jornal na varanda, ela observava o terceiro operário, que não fumava de cócoras, andar até a extremidade da rua e voltar silenciosamente, parar para conversar com os outros dois. Ele achou estranho porque o pessoal do caminhão do lixo e as mulheres da limpeza que varriam a rua com as vassouras de bambu eram terrivelmente barulhentos. Alguma coisa estava acontecendo... Passaram a tarde inteira assim, confabulando. Começou a chover e eles saíram. Choveu a noite inteira. No dia seguinte, às sete horas, voltaram e começaram a cavar dentro do barro espesso. O buraco foi crescendo lentamente por toda pequena rua sem saída, em direção ao magro rio apodrecido, onde, décadas atrás, nadava com os sobrinhos. As chuvas voltaram e se avolumaram, deixando os moradores daquela área preocupados com a possível enchente. Os trabalhadores, de novo, se ausentaram, retornando só três dias depois, quando a estiagem parecia definitiva. Apenas os três homens, com instrumentos rudimentares. E o buraco, paulatinamente, ia se transformando numa vala que virou um canal, quando as chuvas voltaram. A lama amarela tornou a rua intransitável. Os trabalhadores, de novo, deram no pé, aguardando outra estiagem, que não ocorria.
A vizinha teve dengue e precisou se internar no hospital. Os carros, que se viam obrigados a usar parte da calçada, devido ao exíguo espaço nas laterais, com as precárias tábuas escorregadias protegendo as escavações, passavam por momentos difíceis, precisando contar com a ajuda dos pedestres, até que um deles derrapou e acabou dentro do enorme fosso. Foi preciso apelar para o guincho e o motorista berrando no celular, ameaçou processar a prefeitura. A mulher que o acompanhava, com duas crianças em uniformes escolares, teve uma crise de nervos, ficando toda suja de lama. A vizinha da frente trouxe água com açúcar e o camburão da PM parou na esquina. Os policiais tentaram intimidar o homem que berrava. O guincho demorou a aparecer e o tumulto foi geral, com a rua cheia de espectadores. Ele já não lia mais o jornal na varanda e evitava sair. As obras duraram quase três meses, mas, dias antes de completar o segundo, ele arrumou a mochila e fugiu para as montanhas.
Sebastião Nozza Bielli Lotti
Cataguases –MG
Ronaldo Cagiano
Os novos ases de Cataguases
Em recente artigo intitulado “Uma cidade de
escritores”, publicado no suplemento “Fim de
Semana”, do jornal Valor Econômico, um dos
mais lidos pela classe empresarial do país, o
escritor conterrâneo Luiz Ruffato faz um
minucioso e fiel panorama dos nossos
movimentos literários, a partir da eclosão da
revista Verde (1927-1929).
Sua análise ressalta a ousadia e importância da
chama inicial acesa pelos jovens Rosario Fusco,
Ascânio Lopes, Guilhermino Cesar, Francisco
Inácio Peixoto, Camilo Soares, Fonte-Boa,
Oswaldo Abritta, Martins Mendes e Enrique de
Resende. Ao mesmo tempo assinala a
convergência de outras manifestações artísticas
e culturais na esteira dos ventos estéticos
renovadores deflagrados com o cinema
pioneiro de Humberto Mauro, responsáveis
pela definitiva posição de Cataguases como
cidade de efervescência intelectual e
inclinações vanguardistas, que acabaram por
projetar-se em outros campos, alcançando as
diversas linguagens.
Não é de hoje o assombro causado por esses
fenômenos culturais que de época em época
aqui pipocam, apesar de alguns períodos de
ostracismo, uma espécie de reafirmação
genética do DNA de uma intelligentsia que só
aconteceria às margens do Pomba. Nesse
sentido, não foi inusitado nem hiperbólico o
espanto que na década de 20 despertamos no
resto Brasil, tendo levado Ribeiro Couto a uma
perplexa constatação: “Todo o Brasil está
surpreso: existe Cataguases!”.
E hoje a reação não poderia ser outra, pois são
tantos os nomes e as obras produzidas com
qualidade de lá para cá. Não é demais registrar
os momentos que justificam a consciência
endossada por Ruffato de que tudo aquilo
“parece ter se transformado num celeiro de
talentos”. Aquela semeadura que produziu
colheitas de primeira linha (Lina Tâmega,
Francisco Marcelo Cabral, Henrique Silveira, as
irmãs Maria do Carmo e Celina Ferreira,
Ronaldo Werneck, a família Branco (Joaquim,
Aquiles e P. J. Ribeiro), Fernando Cesário -
autor que nada deve aos grandes ficcionistas
nacionais, pela alta voltagem estética e pelo
compromisso ético de sua escritura -, Márcia
Carrano, Plínio Filho, Sebastião Carvalho e
Lecy Delfim) desaguou numa recente e
promissora geração, autores que independente
da faixa etária em que começaram a produzir
literatura, vêm se constituindo num novo
patamar na bibliografia cataguasense atual,
muitos deles radicados em outras cidades.
Esses ases contemporâneos trazem hálito novo
ao cenário de nossas letras, com destaque para
Marcos Vinícius Ferreira de Oliveira e
Leonardo de Paula Campos, duas vozes
distintas e seguramente exponenciais
nesses novos tempos, pela qualidade e
maturidade de suas obras; José Antonio
Pereira e Emerson Teixeira Cardoso, este
desde os tempos da revista ‘Trem Azul” e agora
com a “Chicos Cataletras”, vêm publicando
poemas e textos ficcionais e críticos, realizando
um trabalho aglutinador ao intercambiar
autores nacionais e estrangeiros; Sônia Bonzi,
Antônio Jaime Soares e Washington
Magalhães, cronistas de primeira. Abre-se um
parêntesis para uma nova voz que surge nesse
ambiente criativo: a do ficcionista Diogo
Andrade que, embora não tenha livros
publicados, vem demonstrando grande
potencial em textos publicados na imprensa
local e na internet, um talento em ascensão.
Em outras regiões pontificam as obras de
outros cataguasenses: Marcos Bagno, um dos
mais importantes lingüistas do País,
reconhecido internacionalmente; Marcelo
Benini e Mauro Sérgio Fernandes (em
Brasília), Delson Gonçalves Ferreira, Luiz
Carlos Abritta, Flausina Silva e Laly Cataguases
(em Belo Horizonte), Tadeu Costa, José Santos
e Eltânia André (em São Paulo) e Fernando
Abritta (em Juiz de Fora). Um time sem igual.
Mais do que celebrar essa pujante realidade, é
necessário tornar público aos leitores e inserir
nos programas didáticos das escolas o estudo
desses autores e obras, não como numa reserva
de mercado para a grade didático-pedagógica,
mas como possibilidade críticoreflexiva, para
uma compreensão dessa tradição a partir do
universo criativo de cada um deles.
Publicado originalmente no “Cataguases” em 09/11/2012
Ronaldo Cagiano
São Paulo - SP
José Antonio Pereira
Um olhar enviesado sobre Vicente
Faz algum tempo que estou querendo
escrever algumas linhas sobre o último
romance de Fernando Cesário, mesmo porque
me pareceu ao término da leitura, que Olhos
vesgos de Maquiavel não é livro para leituras
apressadas. Fiquei algum tempo deglutindo
algumas passagens e ruminando minhas
memórias. Afinal me senti, e de certa forma fui,
contemporâneo do narrador.
Fernando é amigo de velha data. Estudamos
nas mesmas escolas públicas de Cataguases;
crianças, frequentávamos a igrejinha da vila,
conduzidos por nossas mães, fervorosas
católicas. Também fomos vizinhos e depois de
muitos anos de andanças e mudanças, mais
minhas do que dele, novamente, voltamos a
nos tornar vizinhos. Regularmente nos
reunimos para assistir algum filme de seu
fantástico acervo. Livros e filmes, são algumas
de nossas paixões e das mais antigas.
Vicente, o personagem, faz parte de uma
geração que viveu o início do golpe militar lá
em 64, ainda um menino em sua escola.
Adulto volta ao seu antigo ginásio, como
professor e, a ditadura ainda teima, persiste
nos seus mais de vinte anos de existência.
O autoritarismo molda ao seu feitio aqueles
que vergam com facilidade a espinha, já os que
não se deixam dobrar são perseguidos até por
bedéis, simplórios acólitos de um poder
estabelecido pelo medo. Sua escola, lá atrás,
foi responsável por uma formação mais
humanista, incompatível com a doutrina da
ditadura, que se fiava o tempo todo no terror e
na delação.
Os ditadores e seus títeres trataram logo de
reformar o ensino, parecendo que o único
objetivo era afastá-lo do livre pensamento. Uma
das inadaptações do novo professor deriva desta
incompatibilidade entre as duas escolas. Seu
amadurecimento em tempos de angústias
ideológicas, violências físicas e morais,
transformam sua vida em uma agonia existencial
sem fim. A censura, o estado policialesco torna sua
pequena cidade um lugar vazio, oco, os relaciona-
mentos artificializam-se, mentem uma lealdade
inexistente. Como sempre, em meio às ditaduras,
ou por medo ou por conveniência, muitos não
titubeiam em covardemente, cometer traições. É
neste pantanoso ambiente, de uma escola onde do
diretor ao bedel campeia a delação que vai tentar
trabalhar Vicente.
Em meio a isto surge uma aluna adolescente que
transforma sua vida em uma montanha russa de
sensações e ações. Professores vivem no fio da
navalha; adultos, vivem cercados de adolescentes
“transbordando” hormônios, descobrindo seus
corpos e latejando sexualidade. Imagino não ser
nada fácil, controlar o despertar das “paixões” e
suas próprias excitações. Já Vicente, quem sabe por
ter tido Nabokov como uma das suas leituras
adolescente, deixou-se levar por esta Lolita,
querendo que se revelasse uma machadiana Capitu,
numa fantasia que subvertesse aquele tempo de
obscuridade e frustrações, com a beleza irradiada
por aquela mulher-menina.
Fernando constrói o romance como cineasta na
moviola, faz cortes que tira o leitor de um rumo
previsível, atiçando-o a reflexões. Curtos trechos de
notícias reais vão balizando a temporalidade da
narrativa. É um romance instigante.
Além da amizade, o que torna estas linhas ainda um
tanto quanto tendenciosas, é ter encontrado entre
os personagens, um que se inspira em Antônio
Pereira, meu velho, o que me deixou bastante feliz.
José Antonio Pereira
Cataguases - MG
Vicente Costa
Andando por Cataguases