Cheios de marra

2
Fim de show gratuito no Sesc Bauru. Os nove músicos dei- xam o palco após mais de duas horas de apresentação, porém o trabalho ainda não acabou. É hora de tirar fotos, conversar com fãs, vender camisetas, CDs e qualquer outro adereço escrito Mó- veis Coloniais de Acaju. Apenas disposição de início de carreira? Os doze anos de formação dizem o contrário... Anna Julia de Los Hermanos nem tinha estourado nas rá- dios quando os rapazes se reuniram para fazer música, ainda de brincadeira, na Brasília de 1998. Logo de cara, a intenção era unir gaita, trompete, escaleta, flauta, guitarra, bateria e baixo, o que só funcionaria ao vivo se a banda fosse imensa. Com requintes de excentricidade, escolheram um alteroso nome, que deixa a sensação em quem ouve de que perdeu alguma coisa no meio do caminho. A sonoridade de feijoada búlgara, como eles próprios descrevem, mistura rock, ska e melodias Bálcãs, dando sabor de brasilidade. De trupe de caras esquisitos com nome de loja de anti- guidades, o Móveis Coloniais de Acaju vai ganhando espaço e respeito num cenário musical além dos limites do underground. O hit O tempo já está prometido para a trilha da nova novela global, Araguaia (18h). No ano passado, seu segundo álbum, C_mpl_te, conquistou o quinto lugar de melhor disco nacional, segundo o top da Rolling Stone. E a banda encabeça listas de melhores shows nacionais, por incendiar qualquer ambiente em que se apresente. Uma das peculiaridades do Móveis é ser uma banda grande, com dez integrantes. O quanto isso prejudica ou facilita para vocês? Fabio Pedroza: Isso já foi visto como um problema, mas batalhamos para superar. No começo nem sempre tínhamos as condições ideais, não era todo lugar que tinha microfone para todos. A gente tocava até sem passagem de som. Mas o Móveis não faria o mesmo sucesso se fosse um power trio. Vocês, num primeiro momento, estranharam fazer show no Auditório Ibi- rapuera, onde presume-se que as pessoas ficarão sentadas? (não foi o que aconteceu, nesse show, a platéia se levantou das cadeiras do auditório para se aproximar do palco) Fabio Pedroza: O que faz o show não é a banda, não é o lugar, é a relação público e banda, isso é o que pega. A gente toca em teatro há muito tempo, a preocupação é mais do público do que da gente (risos). Pode ter uma ou outra apresentação em que a gente sinta dificuldade para achar o foco, mas só isso. Independente de ser na Via Funchal, no Canecão, no Circo Voador, na Outs, no Inferno, no Clash, no Sesc, no palquinho lá em Olinda, no menor palco do mundo, Goiania Noise, Cuiabá, Londrina, Rio Branco, aniversá- rio de quinze anos, festa de formatura... É a mesma coisa. Fabrício Ofuji: Funeral (risos). Fabio Pedroza: O show mais estranho será aquele em que a gente vai estar no palco e não veremos reação do público. Já aconteceu um show assim? Fabio Pedroza: Teve um que não conseguimos reverter essa situação. Foi em 2000, abrindo o show do Edson Gomes, um cara de reggae, lá em Brasília. Tínhamos acabado de tocar pela primeira vez no Porão do Rock, algumas pessoas começaram a falar que a banda era legal, “a” nova banda do pop rock de Brasília. Mas foi estranho porque nin- guém daquele público conhecia a gente naquela época. Era um show de reggae e uma banda tocando skacore com swing abrindo... Não deu muito certo. Jukebox “O que faz o show não é a banda, não é o lugar, é a relação público e banda, isso é o que pega” Não estão na Caras deste mês, mas já são os “tais”; com single indo parar em trilha sonora de novela global, Móveis Coloniais de Acaju estão virando pop star. Será mesmo? Ch_i_s de ma_ _a E O R R Texto Ana Paula Campos e Davi Rocha 19

description

Matéria sobre os Móveis Coloniais de Acaju Matéria: Ana Paula Campos e Davi Rocha Arte: Ana Paula Campos

Transcript of Cheios de marra

Page 1: Cheios de marra

Fim de show gratuito no Sesc Bauru. Os nove músicos dei-xam o palco após mais de duas horas de apresentação, porém o trabalho ainda não acabou. É hora de tirar fotos, conversar com fãs, vender camisetas, CDs e qualquer outro adereço escrito Mó-veis Coloniais de Acaju. Apenas disposição de início de carreira? Os doze anos de formação dizem o contrário...

Anna Julia de Los Hermanos nem tinha estourado nas rá-dios quando os rapazes se reuniram para fazer música, ainda de brincadeira, na Brasília de 1998. Logo de cara, a intenção era unir gaita, trompete, escaleta, flauta, guitarra, bateria e baixo, o que só funcionaria ao vivo se a banda fosse imensa. Com requintes de excentricidade, escolheram um alteroso nome, que deixa a sensação em quem ouve de que perdeu alguma coisa no meio do caminho. A sonoridade de feijoada búlgara, como eles próprios descrevem, mistura rock, ska e melodias Bálcãs, dando sabor de brasilidade.

De trupe de caras esquisitos com nome de loja de anti-guidades, o Móveis Coloniais de Acaju vai ganhando espaço e respeito num cenário musical além dos limites do underground. O hit O tempo já está prometido para a trilha da nova novela global, Araguaia (18h). No ano passado, seu segundo álbum, C_mpl_te, conquistou o quinto lugar de melhor disco nacional, segundo o top da Rolling Stone. E a banda encabeça listas de melhores shows nacionais, por incendiar qualquer ambiente em que se apresente.

Uma das peculiaridades do Móveis é ser uma banda grande, com dez integrantes. O quanto isso prejudica ou facilita para vocês?

Fabio Pedroza: Isso já foi visto como um problema, mas batalhamos para superar. No começo nem sempre tínhamos as condições ideais, não era todo lugar que tinha microfone para todos. A gente tocava até sem passagem de som. Mas o Móveis não faria o mesmo sucesso se fosse um power trio.

Vocês, num primeiro momento, estranharam fazer show no Auditório Ibi-rapuera, onde presume-se que as pessoas ficarão sentadas? (não foi o que aconteceu, nesse show, a platéia se levantou das cadeiras do auditório para se aproximar do palco) Fabio Pedroza: O que faz o show não é a banda, não é o lugar, é a relação público e banda, isso é o que pega. A gente toca em teatro há muito tempo, a preocupação é mais do público do que da gente (risos). Pode ter uma ou outra apresentação em que a gente sinta dificuldade para achar o foco, mas só isso. Independente de ser na Via Funchal, no Canecão, no Circo Voador, na Outs, no Inferno, no Clash, no Sesc, no palquinho lá em Olinda, no menor palco do mundo, Goiania Noise, Cuiabá, Londrina, Rio Branco, aniversá-rio de quinze anos, festa de formatura... É a mesma coisa. Fabrício Ofuji: Funeral (risos).Fabio Pedroza: O show mais estranho será aquele em que a gente vai estar no palco e não veremos reação do público.

Já aconteceu um show assim?Fabio Pedroza: Teve um que não conseguimos reverter essa situação. Foi em 2000, abrindo o show do Edson Gomes, um cara de reggae, lá em Brasília. Tínhamos acabado de tocar pela primeira vez no Porão do Rock, algumas pessoas começaram a falar que a banda era legal, “a” nova banda do pop rock de Brasília. Mas foi estranho porque nin-guém daquele público conhecia a gente naquela época. Era um show de reggae e uma banda tocando skacore com swing abrindo... Não deu muito certo.

Jukebox

“O que faz o show não é a banda, não é o lugar, é a relação

público e banda, isso é o que pega”

Não estão na Caras deste mês, mas já são os “tais”; com single indo parar em trilha sonora de novela global, Móveis Coloniais de Acaju estão virando pop star. Será mesmo?

Ch_i_s de ma_ _aE O R R

Texto Ana Paula Campos e Davi Rocha

19

Page 2: Cheios de marra

Vocês usam o site como um espaço para colocar várias ideias da banda, como o projeto Adoro Couve (mensalmente, a banda grava vídeos de covers para disponibilizar no site). Além disso, vocês estão muito presentes nas redes sociais...Gabriel Coaracy: A gente faz a nossa empresa, o nosso laboratório para criar produtos. Toda banda precisa ter projetos para empolgar as pessoas, estar presente. É um exercício de criação. Eu sou da publicidade, então eu vejo a rotina do Móveis muito parecida com uma agência, só que o cliente sou eu mesmo. Eduardo Borém: Eu acho que mais do que músico, a gente é artista, e além de artista, a gente é empresário, então estamos sempre buscando formas de divulgar o trabalho de forma artística para se comunicar com as pessoas. A Internet é um veículo muito fácil nesse sentido e acaba que, no nosso site, a gente supre as demandas individuais e coletivas.

Aqui

você

tamb

ém en

cont

raM

óvei

s Col

onia

is de

Aca

ju

Xande na Grande

Roda no show

do Sesc Bauru

Desde o começo da banda todos já ajudavam nas atividades extra-palco?Fabio Pedroza: Sim. Era uma coisa nossa, que a gente fez, gastou dinheiro, tinha que pagar dívida, trabalhar... Nós organizamos em duas semanas e meia um show para lançar o Idem (primeiro álbum). Foram duas semanas sem dormir. Para divulgar, a gente panfletava na universidade, uma equipe ia 8 horas da manhã na entrada da UnB, outra 10 horas, outra ao meio dia. Enquanto isso, outra turma ia panfletar nas demais escolas da cidade. Tinha a galera que fazia o ciclo das lojas de música de skate para pregar cartazes. Onde tinha gente, bar, happy hour, festas, nós estávamos panfletando. Em duas semanas, vendemos dois mil e sete CDs dos três mil que mandamos prensar.

Esse é o perfil da banda independente atual?Fabrício Ofuji: Se você pegar os estudos recentes do perfil do músico hoje, você vai ver que 80% não é um trabalhador formal, a maior parte deles trabalha com produção. Nós fizemos uma consultoria empresarial para adaptar nossos trabalhos dentro da banda.

O site da banda é uma das primeiras “sementes” que vocês se preocuparam em plantar no começo da carreira?Eduardo Borém: O site existe desde 1999. Não tinha nem o domínio, era um domínio gratuito com um endereço gigante. Era mais um hotsite que site.Gabriel Coaracy: Esse é o lado bom de ser uma banda nerd.

André Gonzales

[voz]

Beto Mejía [flauta

transversal]

Xande Bursztyn

[trombone] Esdras Nogueira

[sax barítono]

Eduardo Borém

[gaita cromática e teclados]

Paulo Rogério

[sax tenor]

BC [guitarra]

Fabio Pedroza [baixo]

Gabriel Coaracy [bateria]

Sobrado 112 reúne paulistas e fluminenses; ritmos caribenhos, jazz, reggae, samba-rock

Quatro caras estranhos combinaram rock com samba, MPB e ska, quando isso ainda não era comum — Los Hermanos

“Topam conhecer uma festa de república bauruense?”, arrisca um estudante. Curiosos e receosos, apenas parte da banda acaba encarando. Donos de pulseiras VIP, eles entram rapidamente na república e viram a atração, enquanto na fila, a novidade vai se espalhando, “parece que o pessoal do Móveis tá aqui!”. Com a mesma descon-tração, eles transitam pelo espaço sem muita folga; André, o mais visado, não tem um momento de sossego. A diversão deveria acabar as quatro da manhã, quando se reencontrariam com os demais integrantes no hotel onde estavam hospedados para continuarem a viagem. O atraso, porém, era previsível; na bagunça e escuridão da festa, os músicos tiveram vários desencontros...

A organização empresarial também merece uma folga! V

Quando os primeiros acordes de Copacabana são executados no show, parte da platéia se agita, enquanto a outra nem desconfia. Rito que mantém há mais de dois anos, a banda desce do palco para formar a Grande Roda no meio do público, onde canta e toca pertinho de seus fãs. A roda não dura muito, pois logo os próprios integrantes a desfazem, com inflamada empolgação visí-vel no suor de seus rostos. A essa altura, a platéia já se misturou com o grupo e dança ao lado dos ídolos, que, pouco a pouco, sobem ao palco novamente para o show continuar.

A proximidade e preocupação com o público per-meiam todo o trabalho do Móveis, de apresentações às atualizações das redes sociais. Com criatividade trans-bordante, a grafia de C_mpl_te é bastante sugestiva: para o disco ficar completo, ele quer a participação do ouvinte; para a banda ser completa, ela precisa da troca com seu público.

Horas antes do show, quem não reconhece a cara dos integrantes, poderia comprar uma cerveja ao lado de um deles sem se dar conta. Despreocupados, eles circulam pelo mesmo ambiente que aqueles que lhes es-peram, totalmente acessíveis e solícitos. O produtor Fa-brício Ofuji bate um papo com um estudante, enquanto André Gonzales vende camisetas e CDs sem muito suces-so, pois é interrompido continuamente para tirar fotos.

A banda já é conhecida pelo seu caráter empresa-rial e organizacional, com os integrantes participando de todas as etapas de produção de canções, discos, sho-ws, viagens. Fabio trabalha na impressão dos CDs slim do grupo (uma versão mais barata dos CDs da banda), Fabrício Ofuji responde e-mails, André desenha o en-carte do DVD e Eduardo Borém cuida do site. A rotina não parece muito atraente, mas foi assim que a banda conseguiu crescer e conservar seu estilo.

21