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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES CURSO DE DIREITO CONFLITO DE DIREITOS NA REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA Litchele Jaeger Lajeado, junho de 2016

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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES

CURSO DE DIREITO

CONFLITO DE DIREITOS

NA REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA

Litchele Jaeger

Lajeado, junho de 2016

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Litchele Jaeger

CONFLITO DE DIREITOS

NA REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA

Monografia apresentada na disciplina de

Trabalho de Curso II – Monografia, do Curso

de Graduação em Direito, do Centro

Universitário UNIVATES, como parte da

exigência para obtenção do título de

Bacharel em Direito.

Orientadora: Profª. Ma. Alice Krämer Iorra Schmidt

Lajeado, junho de 2016

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AGRADECIMENTOS

Tarefa difícil identificar todas as pessoas que integraram a realização deste

trabalho. Acredito não ser necessário nominá-las, pois cada uma sabe, onde e de

que forma estão aqui inseridas. A elas, fica meu agradecimento.

Aos meus pais, agradeço especialmente, porque a união de suas vidas

proporcionou a minha existência e possibilitou a formação da minha identidade

pessoal.

Por derradeiro, por todo auxílio prestado e conhecimentos transmitidos,

agradeço à minha orientadora Alice Krämer Iorra Schmidt, cuja participação foi

essencial para a conclusão deste trabalho. Fostes a guia desta trajetória.

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“Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha

de dentro para fora, outra que de fora para dentro; as duas

completam o homem, que é, metafisicamente falando, uma

laranja. Quem perde uma das metades, perde naturalmente

metade da existência; e casos há, não raros, em que a perda

da alma exterior implica a da existência inteira”.

Machado de Assis, Do conto O espelho, história narrada pelo personagem Jacobina,

para justificar sua tese sobre a alma humana.

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RESUMO

As técnicas de reprodução medicamente assistidas, realizadas pela intervenção do homem no processo natural de procriação, têm a finalidade de proporcionar às pessoas estéreis ou inférteis a possibilidade de perpetuação da família. Até o presente momento, contudo, não existe legislação acerca dos direitos da criança gerada através da técnica na modalidade heteróloga, ou seja, por material genético de doador anônimo. Nesta esteira surge o problema: qual direito possui mais relevância, o direito de sigilo que possui o doador anônimo ou o direito à origem biológica que possui o ser humano gerado por material genético de doador? A pesquisa é qualitativa, realizada a partir do método dedutivo, utilizando-se técnicas bibliográficas e documentais. O estudo inicia-se com a descrição e evolução das famílias, com abordagem da importância do fim da discriminação entre filhos, o direito ao reconhecimento da paternidade e a importância do exame de DNA. Em seguida, são conceituadas as técnicas de reprodução humana e relatados os problemas que a falta de legislação a respeito causam. Ao fim, são examinados os problemas ético-jurídicos da reprodução assistida na modalidade heteróloga, porquanto o doador tem direito ao anonimato e o ser humano gerado pela técnica possui direito de conhecer sua origem genética. Finalmente, conclui-se que o direito do indivíduo gerado através de inseminação artificial heteróloga é mais relevante do que o direito de sigilo do doador, em virtude de que se trata essencialmente do direito a dignidade da pessoa humana, o que possui o indivíduo gerado. Palavras-chave: Reprodução Humana Assistida. Inseminação artificial heteróloga. Direito a origem biológica. Sigilo do doador. Dignidade da pessoa humana.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

a.C. antes de Cristo

Art. Artigo

Arts. Artigos

CF Constituição da República Federativa Brasileira de 1988

CF/88 Constituição da República Federativa Brasileira de 1988

CC Código Civil

CFM Conselho Federal de Medicina

DNA Ácido Desoxirribonucleico

Ed. Edição

IBDFAM Instituto Brasileiro de Direitos de Família

Nº Número

ONU Organização das Nações Unidas

P. Página

§ Parágrafo

RS Rio Grande do Sul

RMA Reprodução Medicamente Assistida

STJ Superior Tribunal de Justiça

TJ Tribunal de Justiça

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9 2 CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DA FAMÍLIA E DA FILIAÇÃO ................ 12 2.1 Conceitos e breve evolução histórica de família ............................................ 12 2.2 As relações de parentesco ............................................................................... 23 2.3 Conceitos e breve evolução histórica de filiação.. ......................................... 24 2.4 Do direito ao reconhecimento da paternidade ............................................... 27 2.4.1 A prova da paternidade assegurada pelo exame de DNA .......................... 30 3 A FILIAÇÃO NA REPRODUÇÃO HUMANA MEDICAMENTE ASSISTIDA ......... 34 3.1 Reprodução Medicamente Assistida (RMA): conceitos e técnicas .............. 35 3.2 Os efeitos da inseminação artificial heteróloga para a mãe, o filho e o

doador ............................................................................................................... 41 3.3 Bioética, biodireito e os aspectos jurídicos da reprodução humana

assistida ............................................................................................................ 44 4 CONFLITOS BIOÉTICOS NA REPRODUÇÃO HUMANA MEDICAMENTE

ASSISTIDA ........................................................................................................ 51 4.1 Do direito à origem – verdade biológica ......................................................... 55 4.1.1 O princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio do melhor

interesse da criança e do adolescente ........................................................... 58 4.2 Do direito ao anonimato – Direitos e deveres do doador de material

genético ............................................................................................................. 61 4.3 Hipóteses de Investigação da Paternidade Biológica na inseminação

artificial heteróloga .......................................................................................... 63 4.3.1 Necessidade psicológica.. ............................................................................. 66 4.3.2 Impedimentos matrimoniais .......................................................................... 67 4.3.3 Doenças genéticas ou hereditárias.. ............................................................ 68

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5 CONCLUSÃO.. ...................................................................................................... 70

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 74

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1 INTRODUÇÃO

A família no decorrer das últimas décadas registrou evoluções sociais e

jurídicas. Com a Constituição Federal de 1988 as relações entre pais e filhos

passaram a ser mais valorizadas com a garantia de direitos, além de colocar o afeto

como um valor essencial à formação familiar. Um importante avanço foi a coibição

da discriminação entre filhos, que passaram a ter conceito único, baseado nos

direitos fundamentais do ser humano.

Na fase de formação familiar, a infertilidade e a esterilidade são motivos de

preocupação para quem tem o desejo de ser mãe ou pai. Felizmente os avanços

científicos na área da biotecnologia vêm proporcionando a possibilidade de

procriação artificial.

As técnicas de reprodução humana medicamente assistida consistem na

intervenção do homem no processo natural de criação e têm a finalidade de

proporcionar a perpetuação da família. Dentre as diversas técnicas para a

reprodução artificial, destaca-se a inseminação artificial heteróloga, que é aquela

que utiliza material genético de doador anônimo.

O anonimato do doador é o ponto que mais acarreta discussões, pois

enquanto a pessoa que foi concebida pode desejar conhecer sua origem biológica -

seja para atender alguma necessidade psicológica; pela possibilidade de relações

incestuosas entre pais e filhos, irmãos ou parentes próximos; ou, para evitar ou curar

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doença genética - o doador do material genético tem assegurado o direito ao

anonimato.

Diante dessa situação, busca-se, no desenvolvimento deste trabalho, colocar

em discussão duas garantias devidamente amparadas por legislação constitucional:

o direito de conhecer a origem biológica e o direito ao anonimato do doador. O

primeiro refere-se especialmente ao direito de personalidade e atende ao princípio

da dignidade da pessoa humana, enquanto o segundo atenta para o direito do

doador de ter a intimidade e sigilo preservados. Constata-se que falta uma

determinação legal específica para solucionar esse 'conflito'. Atualmente, ao garantir

o direito de anonimato do doador, o indivíduo gerado por inseminação artificial

heteróloga acaba privado dos seus direitos de personalidade.

Diante disso, esta pesquisa se propõe a verificar o conflito de direitos que

envolve a reprodução assistida heteróloga, colocando em debate dois interesses

contrapostos: do filho gerado por material genético de doador anônimo e do próprio

doador em manter sua identidade em sigilo.

A hipótese que se apresenta mais plausível diante desse problema é de

possibilitar a violação do sigilo dos dados do doador para garantir o direito de

conhecer a origem biológica ao indivíduo gerado por reprodução assistida na

modalidade heteróloga. A decisão pode sustentar-se no direito personalíssimo,

atributo essencial da dignidade da pessoa humana. Afora isso, poderia ser analisada

a possibilidade de utilização, por analogia, da legislação que trata sobre a adoção,

tendo em vista que ela permite que o filho adotivo investigue a origem biológica,

embora isso não implique no estado de filiação e nos direitos inerentes a ele.

Com uma abordagem qualitativa, esta pesquisa procurará atingir a

identificação da natureza e aprofundar o tema investigado, buscando interpretações

possíveis para o fenômeno jurídico, neste caso, um conflito de direitos na

reprodução humana assistida. Para o estudo será utilizado o método dedutivo, cuja

operacionalização se dará pela apresentação de argumentos que se consideram

verdadeiros e inquestionáveis, ou seja, técnicos, para se concluir em único

fundamento possível (MEZZAROBA e MONTEIRO, 2014).

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Para embasar o estudo, no primeiro capítulo serão abordados a evolução

histórica e conceitos de família, parentesco, filiação e o direito ao reconhecimento da

paternidade, bem como, a importância do exame de DNA como prova de filiação.

No segundo capítulo o assunto filiação será explorado especificamente na

hipótese da reprodução humana medicamente assistida. Além disso, serão

abordados conceitos e técnicas de inseminação artificial e os efeitos da modalidade

heteróloga para a mãe, o filho e o doador. Ademais, conceitos de bioética e

biodireito, as consequências jurídicas que acarretam e a problemática da falta de

legislação sobre o tema que, por enquanto, é regulado, apenas, pelo Conselho

Federal de Medicina.

Conflitos bioéticos existentes na inseminação artificial heteróloga são

referenciados no terceiro capítulo, que também aborda o direito à origem genética

do ser humano, justificado pelos princípios constitucionais da dignidade da pessoa

humana e do melhor interesse da criança, em confronto com o direito do doador de

material genético permanecer no anonimato. Ademais, ver-se-ão as possíveis

hipóteses para a investigação de paternidade biológica, quais sejam: para atender

uma necessidade psicológica, para se verificar os impedimentos matrimoniais, e

para a preservação da vida, em caso de doença genética.

A importância deste estudo dar-se-á, sobretudo, pelas reflexões pessoais,

acadêmicas e profissionais que serão abordadas. Soma-se a isso a necessidade de

proporcionar o direito de conhecer as origens biológicas, sem que isso implique na

caracterização do estado de filiação, para efetivar direitos fundamentais dos

indivíduos. Por meio do que será exposto, mesmo levando em conta o direito ao

anonimato do doador, é possível identificar argumentos para uma defesa do filho

gerado pelo método do direito ao conhecimento da identidade genética à criança

gerada por reprodução humana assistida heteróloga.

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2 CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DA FAMÍLIA E DA FILIAÇÃO

A concepção de família sofreu muitas modificações históricas, sociais e

jurídicas com o passar o tempo. De um conceito de família formada somente pelo

matrimônio, passaram a existir novas possibilidades de formações, baseadas

principalmente no afeto e convivência de seus membros.

Da mesma forma, a filiação passou por importantes transformações, tendo em

vista que o vínculo de pai e filho passou a ter um conceito único, livre de

discriminação e fundamentado pelos direitos fundamentais do ser humano.

Assim, neste primeiro capítulo, serão abordados a evolução das concepções

de entidades familiares, a filiação e o reconhecimento de filhos, fazendo uma breve

exposição histórica, abordando até os conceitos mais modernos.

2.1 Conceitos e breve evolução histórica de família

O direito romano influenciou fortemente a criação e organização do direito de

diversas civilizações pelo mundo – incluindo-se o Brasil. No que toca à família, os

povos romanos acreditavam que casar e procriar eram deveres cívicos, pois

permitiriam que estas pessoas geradas, na juventude, pudessem servir ao exército

de seus respectivos países. Com o passar do tempo, contudo, o conceito foi

substituído pela ideia de continuidade da entidade familiar, para fins de perpetuação

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da espécie (LISBOA, 2002).

O cristianismo surgiu, em meados do século IV, para tentar fortalecer a família

constituída pelo matrimônio, desprestigiando as relações informais e aplicando

sanções contra os concubinos. Em época anterior à Revolução Industrial, a família

exercia em conjunto suas atividades de trabalho, em suas propriedades, porém, em

razão do sobredito acontecimento, a mulher e os filhos acabaram precisando

exercer suas atividades laborativas fora de suas casas, o que acarretou grandes

mudanças na família, até então patriarcal e hierarquizada (LISBOA, 2002).

No que toca especificamente ao Brasil, na vigência do Código Civil de 19161,

a constituição da família se dava apenas pelo casamento (GONÇALVES, 2014). Já

a família constituída fora do casamento, segundo Luz (2009), era ilegítima, e, por

consequência, os filhos havidos fora do matrimônio não tinham direito, conforme

previa a lei, de serem reconhecidos.

Assim, por muito tempo a família patriarcal, que é aquela cujo homem exerce

poder sobre a mulher (poder marital) e sobre os filhos (pátrio poder) foi considerada

modelo. Desde a Colônia2, o Império3 e durante boa parte do século XX, quando

veio, principalmente em razão da interferência do Estado, no plano Constitucional, a

sofrer grandes mudanças de função, natureza, composição e, consequentemente,

de concepção. A família que possuía uma estrutura hierárquica foi substituída pela

entidade familiar que valoriza a comunhão de interesses e de vida dos integrantes

da família (LÔBO, 2014, p.01).

A vida familiar e o comportamento social evoluíram, e as relações, que eram

de total desigualdade e rigidamente estabelecidas pelo Código Civil de 1916,

deixaram de ser apenas a perpetuação dos laços de sangue, preservação de

sobrenome e patrimônio, para ser contemporânea e sem um modelo único

(GIRARDI, 2005).

Segundo Dias (2013) a lei sempre vem depois do fato e tem o intuito de

consolidar a realidade e manter aspectos conservadores. A organização da

1 Lei nº 3.071, de 2016 – Revogada pela Lei nº 10.406, de 2002; 2 Período Colonial (1530-1822); 3 Período Imperial (1822-1889).

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sociedade é diretamente relacionada à estrutura familiar e, por isso, o Estado

sempre interveio na sua constituição, principalmente quanto à instituição do

casamento, que era considerado uma espécie de regra de conduta, e incentivava a

multiplicação da população.

Assim, apenas com o advento da Constituição Federal de 1988, é que

diferentes padrões de núcleos familiares passaram a ser reconhecidos por lei, e os

exemplos não se limitam apenas ao casamento, à união estável e à família

democrática. O matrimônio deixou de ser fundamento para a constituição de família

legítima, tornando-se necessário expandir a definição de família e adequar às

necessidades humanas construídas pela sociedade (MADALENO, 2015).

Gonçalves (2014) descreve como família, todas as pessoas ligadas por um

vínculo de sangue, unidas por afinidade ou pela adoção.

Para Dias (2013), na atualidade, é difícil encontrar uma definição de família,

não sendo mais ela patriarcal e hierarquizada, e sim aquela formada por poucos

integrantes e com maior atenção para a mulher, que passou também a ser

responsável por prover o sustento, a educação e a manutenção da família e ser

tratada com maior igualdade em relação ao homem.

Como a legislação brasileira acerca das famílias ainda não conglomera todas

as possibilidades de formação, Tartuce (2012) explica que a doutrina e a

jurisprudência entendem que o rol constitucional familiar é exemplificativo e não

taxativo o que faz admitir as inúmeras manifestações familiares.

Nesta esteira, embora a Constituição Federal e o Código Civil de 2002 não

façam menção expressa sobre as entidades familiares, algumas leis mais recentes

já vêm trazendo um conceito ampliado de família, segundo Tartuce, como é o caso

da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340, de 2006) e a Nova Lei da Adoção (Lei nº

12.010, de 2009).

A Lei Maria da Penha regulamenta uma série de direitos envolvendo família e

em seu artigo 5º, inciso II, refere que “no âmbito da família, compreendida como a

comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos

por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa”, o que reforça a ideia da

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afetividade como laço que sustenta a família.

A mesma lei também passou a reconhecer as uniões homoafetivas,

porquanto mencionou, no caso de violência doméstica, a hipótese de ser praticada

por outra mulher (FARIAS e ROSENVALD, 2010).

A Nova Lei da Adoção consagra o conceito de família extensa ou ampliada,

visto que dispõe no artigo 25, parágrafo único que: “Entende-se por família extensa

ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da

unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou

adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade”, sendo que este

dispositivo foi, inclusive, acrescentado no Estatuto da Criança e do Adolescente4.

Tartuce (2012) alerta sobre uma dúvida existente a respeito destes conceitos,

questionando se seriam utilizados apenas nos limites das próprias legislações ou

não, mas acredita que a tendência é que em todos os âmbitos sejam aceitos, visto

que as novas categorias legais valorizam o afeto existente entre os integrantes da

família contemporânea.

O fato é que as percepções de família matrimonializada, patriarcal,

hierarquizada, heteroparental, biológica e institucional, cederam lugar para uma

família pluralizada, democrática, igualitária, hetero ou homoparental, biológica ou

socioafetiva, construída com base na afetividade e de caráter instrumental

(MADALENO, 2015).

Assim, no contexto social atual, família é a que considera os vínculos afetivos

e a busca pelo bem-estar de seus membros, podendo ser considerada matrimonial,

informal, homoafetiva, paralela ou simultânea, poliafetiva, monoparental, parental ou

anaparental, composta, pluriparental ou mosaico, natural, extensa ou ampliada e

substituta (DIAS, 2013).

Atualmente, para formar a entidade familiar matrimonializada, é preciso

formalizar o vínculo através do casamento pela livre vontade dos noivos, perante o

juiz de paz, respeitando os requisitos previstos no Código Civil de 2002.

4 Lei nº 8.069/1990.

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A iniciativa para a legalização das famílias fora do matrimônio se deu através

da Constituição Federal de 1988, que passou a reconhecer que os relacionamentos,

mais ou menos duradouros, de pessoas de sexos diversos, com o propósito de vida

em comum também são famílias (RODRIGUES, 2002).

A família informal, para Madaleno (2015), é a que rompeu com o conceito de

família unicamente matrimonial, e é pelo autor considerada uma resposta concreta

da evolução da sociedade, cujas famílias continuam se constituindo através dos

relacionamentos estáveis, porém não mais formalizadas pelo casamento.

A união estável que fora muito rejeitada no passado, passou a ser reconhecida

como entidade familiar a partir do disposto no artigo 226, parágrafo 3º da

Constituição Federal: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união

estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua

conversão em casamento”.

O Código Civil, posteriormente, em 2002, passou a dispor no artigo 1.723

caput, que: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e

a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida

com o objetivo de constituição de família assegurar aos conviventes,” bem como

outras disposições como direitos a alimentos (Art. 1.694, caput), direitos sucessórios

e regime de bens (Art. 1.725, caput).

O Novo Código de Processo Civil, instituído pela Lei nº 13.105/2015, que entrou

em vigor em 2016, no artigo 319, inciso II, diferente do que previa o Código de

Processo Civil de 1973, determina que deve ser mencionado, na qualificação das

partes, quanto ao estado civil, a existência de união estável.

No país, o regime matrimonial é monogâmico, ou seja, um indivíduo só pode

contrair núpcias com uma pessoa. Enquanto não extinto um vínculo matrimonial

anterior, não se pode contrair novas núpcias, sob pena de cometer infração criminal,

por bigamia (MADALENO 2015).

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Embora o concubinato5 seja alvo de repúdio social, legal e judicial, Dias

(2013) refere acerca da existência da família paralela ou simultânea, e destaca ser

inegável a existência destas entidades familiares. Formada através das relações de

afeto e diante disso, como a justiça poderia deixar de reconhecer uma união estável

que de fato, existe. A doutrinadora critica o modo como a legislação brasileira lida

com tal entidade familiar, visto que nega direitos à companheira da união estável

que sabia da situação da duplicidade de vida do homem, e reconhece os direitos à

companheira que desconhecia a situação e vivia em uma relação baseada na boa-

fé, sem considerar que em ambas as situações a união estável foi formada.

Os grandes problemas do não reconhecimento da família paralela são

principalmente em razão do benefício previdenciário em caso de falecimento do

varão e quanto à divisão de bens dos casais e o direito de herança dos filhos (DIAS,

2013).

A jurisprudência acerca destas relações conjugais concomitantes ainda não é

pacificada. “A questão de que o concubino impuro receber pensão por morte

também está afetada no STF sob o rito de repercussão geral” 6(PEREIRA, 2015,

p.58).

No mesmo sentido da família acima exposta, existe a família poliafetiva, que

conforme Dias (2013) é considerada uma afronta à moral e aos bons costumes, pois

se trata de mais de uma união, firmado através de escritura pública, que uma única

pessoa contraiu. O grande conflito desta entidade, que também se assemelha à

família paralela ou simultânea, é se um indivíduo firma uma escritura com duas ou

três pessoas, ele constitui família com estas e não se pode negar a sua existência,

principalmente porque se excluiria todos os direitos das partes envolvidas tanto no

direito de família, quanto no direito sucessório.

5 Concubinato, de acordo com Luz (2009), é a relação que envolve pelo menos uma pessoa casada, no popular, conhecidos como amantes. O Código Civil de 2002, no art. 1.727 define como “As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar”. 6 Ementa da repercussão geral: PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. CONCUBINATO IMPURO DE LONGA DURAÇÃO. EFEITOS PARA FINS DA PROTEÇÃO DO ESTADO À QUE ALUDE O ARTIGO 226, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. (RE 669465 RG, Relator: Min. LUIX FUX, julgado em 08 mar. 2012.

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Recentemente, o 15º Ofício de Notas Rio de Janeiro firmou a segunda

escritura pública de união estável poliafetiva. A primeira foi o caso de três mulheres,

em 2015, e neste, em 2016, um homem firmou a escritura com duas mulheres, com

a finalidade de regularizar questões previdenciárias e de plano de saúde. A

justificativa dada pela tabeliã que realizou a escritura, é que tudo que não é proibido,

é permitido, e não existe nenhuma vedação legal quanto ao procedimento que ela

realizou. Ademais, considerou princípios básicos, como da afetividade, da dignidade

da pessoa humana, da personalidade, da autonomia da vontade, da não-

discriminação (RIO..., 2016, texto digital).

Segundo o advogado Marcos Alves da Silva (2015), membro do Instituto

Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), os notários e tabeliões não podem se

recusar a fazer o Contrato Público de União Estável entre mais de duas pessoas,

pois é possível realiza-lo de forma particular, sendo que apenas não terá a

autenticidade das partes. Ainda, conforme o advogado, é um problema a falta de lei,

doutrina e jurisprudência acerca do assunto, pois acarreta o não reconhecimento da

união estável que existe.

Já a família natural é definida pelo artigo 25 do Estatuto da Criança e do

Adolescente por “comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus

descendentes”, e de acordo com Farias e Rosenvald (2010), ela pode ser tanto

biológica quanto socioafetiva.

A família extensa ou ampliada, de acordo com Dias (2013), é aquela que

engloba parentes próximos, cuja criança ou adolescente possua vínculo, de

afinidade ou afetividade.

Esta família também pode ser considerada aquela em que os avós criam os

netos. Ademais, é muito importante para casos em que seja necessária uma família

substituta, pois já existem vínculos familiares e uma maior proteção ao infante

(FARIAS e ROSENVALD, 2010).

Já a família substituta é aquela que acolhe crianças e adolescentes, sem

caráter excepcional, quando não há possibilidade de reinserção na família biológica,

nem inclusão na família extensa, conforme Dias (2013), depois do processo de

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destituição do poder familiar7.

Tem a importante missão de “suprir o desemparo e abandono, ou pelo menos

parte dele, das crianças e adolescentes que não tiveram amparo dos pais

biológicos” (FARIAS e ROSENVALD, 2010, p.75). A família substituta deve

proporcionar à criança e adolescente, conforme o artigo 3º do ECA8: ”(...) todas as

oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental,

moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”.

Regulada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a família

substitua se trata, na maioria dos casos, de futuros pais que se cadastram como

candidatos a adoção e aguardam com grande demora a trajetória rumo a adoção

(MADALENO, 2015).

A família monoparental não é novidade em nossa sociedade, e é aquela na

qual apenas um dos genitores vive com os filhos, e é exclusivamente responsável

por eles, ainda que possa o outro progenitor manter relação com os filhos. Esta

forma de família é muito comum, pois identifica famílias cujos pais não vivam juntos

por opção, um dos pais já tiver falecido, ou que o pai seja desconhecido

(MADALENO, 2015).

A própria Constituição Federal de 1988 trouxe uma evolução à legislação

brasileira, ao referir, no artigo 226, parágrafo 4º, que: “Entende-se, também, como

entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus

descendentes”.

Lôbo (2014) considera um grande avanço esta modalidade de família,

principalmente no que se refere à aceitação da mãe solteira, que antigamente era

considerada anormal. Entende que a proteção do Estado para estas famílias é

necessária devido ao grande número dessas entidades, atualmente, em decorrência

de diversos fatores, como já referidos pelo doutrinador acima citado, quais sejam:

viuvez, separação de fato, divórcio, concubinato, adoção de filho por apenas uma

7 Poder familiar é “um conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido, em igualdade de condições, por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção dos filhos” (DINIZ, 2014, p.617). 8 Lei 8.069, de 1990.

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pessoa e em decorrência das mães solteiras.

A partir da definição da monoparental é possível tentar definir a família

recomposta, pluriparental ou mosaico. De fato, são muitos os nomes que tentam

elucidar esta família, cuja estrutura decorre da pluralidade das relações parentais, as

quais acontecem pelo fim do um vínculo de um casal com filhos e a posterior

formação de novas famílias, com parceiros que já podem ter saído de outras

relações e ter outros filhos (DIAS, 2013).

Assim, os indivíduos que constituem este modelo de família, além de

trazerem seus filhos de relações anteriores, podem vir a ter filhos em comum, e por

isso, Dias (2013, p. 56) muito bem esclarece a entidade familiar, com a clássica

expressão “os meus, os teus, os nossos...”.

Nesta família existirá uma estrutura complexa e variada, sendo todos os

membros passaram a ter novos parentes. Os filhos passarão a ter novos irmãos,

madrasta ou padrasto, os companheiros ou cônjuges novos enteados. Possibilidade,

conforme nosso ordenamento jurídico, através da Lei nº 11.924/09, que acrescentou

o parágrafo 8º ao artigo 57 da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73), é, havendo

motivo ponderável, que seja averbado o nome de família do padrasto ou madrasta à

Certidão de Nascimento do filho, desde que haja concordância deles. (FARIAS e

ROSENVALD, 2009).

Já a família parental ou anaparental se caracteriza pela convivência durante

longos anos, entre indivíduos que podem ser parentes consanguíneos ou estarem

ligados por afinidade, que vivem sob o mesmo teto e tenham estrutura e propósito

de família (DIAS, 2013).

Dias (2013) exemplifica o caso de duas irmãs que vivem juntas e através de

seus esforços adquirem bens, elas formam uma estrutura familiar, uma parceria de

vidas, e por isso, embora inexista conotação de ordem sexual, existindo a

convivência e a comunhão de esforços, cabe aplicar as disposições que tratam o

casamento e a união estável por analogia.

A família eudemonista é o núcleo familiar que busca a felicidade do indivíduo,

a partir da afetividade (MADALENO 2015). Dias (2013) explica que são as famílias

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que são muito envolvidas com a afetividade, o respeito mútuo e a busca pela

felicidade de cada membro. Percebe-se, portanto, que se trata de uma família

admirável que tem como base a realização pessoal e a valorização dos seus

membros.

Por fim, a família homoafetiva, que se dá pela união de duas pessoas do

mesmo sexo. A legislação brasileira sempre considerou a diversidade de sexos

requisito do casamento ou união estável, a constar, tal exigência ainda está

determinada no Código Civil vigente (artigo 1.723).

Dúvida não existe de que duas pessoas do mesmo sexo que vivem uma

relação contínua e duradoura, vivem em união estável (FARIAS e ROSENVALD,

2010). Todavia, ainda falta encarar a realidade sem preconceito. A homoafetividade

não é doença, nem opção, mas a realidade das pessoas que desejam se relacionar

com pessoas do mesmo sexo (DIAS, 2013).

Assim, em 2004, o estado do Rio Grande do Sul, através do Provimento nº 06

/2004-CGJ foi o primeiro a assegurar o direito de casais do mesmo sexo realizarem

escritura pública de união estável homoafetiva. Diante da informação de que era

negada a muitos casais a possibilidade, a 2ª Promotoria de Justiça de Defesa dos

Direitos Humanos, do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, solicitou

ao Colégio Notarial do Brasil, Seção Rio Grande do Sul a determinação. Foi

proferido parecer neste sentido, pelo Juiz-Corregedor Clademir José Ceolin

Missaggia e acolhido pelo então Corregedor-Geral da Justiça, Desembargador

Marcelo Bandeira Pereira, em 27/1/2004 (CARTÓRIOS..., 2004).

Embora as uniões homossexuais de fato já existissem, a jurisprudência foi

muito conservadora e demorou a reconhecer os efeitos jurídicos das famílias

homoafetivas (MADALENO, 2015).

Em 2011 o Supremo Tribunal Federal consolidou tal jurisprudência pela ADPF

n. 132 e da ADI n. 4.277, no REsp n. 1085.646/RS9 e para o doutrinador, a

importância da decisão do STF se dá pela obrigatoriedade do reconhecimento da

família homoafetiva. Desta forma, desde que atendidos os mesmos pressupostos

9 Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 11.05.2011.

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exigidos para a constituição da união entre um homem e uma mulher, é possível

formalizar a união de pessoas do mesmo sexo.

Em 2013, a Resolução do Conselho Nacional de Justiça nº 175, de 14 de

maio de 2013, passou a dispor sobre a habilitação, celebração de casamento civil,

ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo,

em todo território nacional.

Justificada pela decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF

132/RJ e da ADI 4277/DF, a Resolução prevê que desde que não exista

impedimentos legais10 à celebração de um casamento, é permitida também a

realização entre pessoas de mesmo sexo.

A família homoafetiva passou a dispor dos direitos previstos no livro do Direito

de Família do Código Civil brasileiro, como direito a alimentos, a sucessão

hereditária e a adoção. O direito ao uso do nome do companheiro também foi

garantido, nos termos do artigo 57, parágrafos 2º a 6º da Lei dos Registros

Públicos11.

Importante frisar que a entidade familiar deve ser baseada na afetividade,

estabilidade e ostentabilidade e embora possa o casal desejar ter filhos, através da

adoção ou da reprodução artificial, não necessariamente precisa tê-los para ser

assim considerada (LÔBO, 2014).

Ante as diversas possibilidades de família verificadas, se identifica que na

família da atualidade, principalmente foi afastada a ideia de que deve ser fundada

apenas pelo matrimônio, e passou-se a dar grande importância ao afeto, ao amor, à

busca da felicidade e à boa convivência familiar. A busca pela igualdade de gêneros,

a maior proteção das famílias e a aceitação de casais homoafetivo são os grandes

avanços do instituto família.

10 Código Civil, artigos 1.521 e 1.522. 11 Lei 6.015, de 1973.

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2.2 As relações de parentesco

O Código Civil de 2002, Subtítulo II, Capítulo I, dispõe sobre as relações de

parentesco. Assim, o artigo 1.591 define que: “São parentes em linha reta as

pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e

descendentes” e no artigo 1.592 que: “São parentes em linha colateral ou

transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem

descenderem uma da outra”. Além disso, determina que o parentesco pode ser

natural ou civil, dependendo da origem, consanguínea ou não.

Parentesco, em sentido estrito, compreende somente o consanguíneo, sendo

a relação das pessoas que descendem umas das outras, ou de um mesmo tronco.

Em sentido amplo, é possível acrescentar o parentesco por afinidade, decorrente de

adoção e de outras origens (inseminação medicamente assistida) (GONÇALVES,

2014).

De modo geral, “[…] parentesco natural equivale ao genético ou biológico; e

parentesco civil é o que resulta de outra origem, ou seja, de adoção, afinidade, e

parentesco socioafetivo” (LUZ, 2009, p. 156).

Dias (2013), ao conceituar parentesco, refere que ele não se confunde com

família, embora as definições estejam totalmente ligadas, principalmente no que

refere à filiação. As relações de parentesco, portanto, ligam as pessoas de um

determinado grupo familiar, de modo que os cônjuges e companheiros, por exemplo,

não são parentes, mas fazem parte da família, e acabam por manter vínculos de

afinidade com os parentes do par.

O parentesco consanguíneo divide-se, em sua vinculação, em linha reta ou

colateral. Os parentes em linha reta são as pessoas ligadas umas às outras pela

descendência (filho, neto, bisneto, etc.), e ascendência (pai, avô, bisavô, etc). Os

parentes colaterais são as pessoas que são provindas de um vínculo comum, mas

não descendem umas das outras, como por exemplo, irmãos, tios, sobrinhos e

primos. O parentesco conta-se por graus, que estabelecem a distância de uma

geração à outra, cada uma representando um grau (DINIZ, 2014).

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Ademais, a autora diferencia o parentesco natural e por afinidade, mantendo

ligação no que concernem às linhas e graus. Na linha reta, tem-se a afinidade em

razão do casamento, ou união, entre sogro e nora, sogra e genro, padrasto ou

madrasta e enteados. Na linha colateral, o parentesco existe somente com os

irmãos dos cônjuges ou companheiros, sendo neste caso, parentes os cunhados.

As relações de parentesco, deste modo, identificam pessoas pertencentes a

um grupo social, e fundam-se, além do direito, em sentimento de pertencimento a

um grupo familiar, e por valores e costumes cultuados pela sociedade (LÔBO,

2014).

2.3 Conceitos e breve evolução histórica de filiação

A filiação é definida pelo vínculo que existe entre pais e filhos, é a relação de

parentesco consanguíneo entre uma pessoa e aqueles que lhe deram a vida,

podendo ser também uma relação socioafetiva entre pais e filhos adotivos ou

advindos de inseminação artificial (DINIZ, 2014).

No passado, a filiação era definida ainda como legítima e ilegítima. A filiação

legítima era a decorrente das núpcias, e ilegítima de quando os filhos nasciam fora

do casamento. Destes, ainda se diferenciavam os meramente naturais, que nasciam

de pessoas sem impedimentos para o matrimônio e os espúrios, que nasciam de

adulterinos, ou incestuosos, que eram os filhos de clérigos ou freiras (RODRIGUES,

2002).

Para Dias (2013), a necessidade de preservar a entidade familiar é que

autorizava cruelmente a discriminação dos filhos não provindos do matrimônio.

Na evolução do direito brasileiro, a questão liame paternal passou por

diversos impactos. O primeiro é caracterizado pela elaboração de normas, leis,

construções doutrinárias e jurisprudencial que proibiu a discriminação de filhos

havidos fora do matrimônio. O segundo se refere aos avanços da Engenharia

Genética, que através do exame pericial em DNA, põe fim a dúvida da paternidade.

E o terceiro provém do meio social em que uma pessoa está inserida, cujo núcleo

essencial é a família, e passou a ser merecedora de proteção do Estado (ALMEIDA,

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2003).

Após longo período de discriminação dos filhos havidos fora do matrimônio,

veio a estabelecer-se um novo perfil de filiação, de completa igualdade segundo

Madaleno (2015), apenas com a Constituição Federal de 1988, que estabeleceu no

art. 227, § 6º, que “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por

adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações

discriminatórias relativas à filiação”, e, com o princípio da isonomia entre os filhos

que os protege integralmente de quaisquer designações discriminatórias.

Posteriormente, o Código Civil de 2002 passou a dispor sobre filiação, no

mesmo sentido da Carta Magna, baseado no princípio da igualdade entre filhos,

declarando que os filhos havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção,

são detentores dos mesmos direitos e qualificações, não podendo ser discriminados.

Assim, havendo parentesco consanguíneo ou não, através de diversos

critérios pode-se haver filiação. Logo, serão abordadas três possibilidades de vínculo

jurídico que une os pais aos filhos, quais sejam: a filiação biológica, a socioafetiva e

a adotiva.

A filiação biológica é a que decorre do ato de procriação, resulta da relação

sexual ou inseminação artificial entre homem e mulher, e, é isso que difere,

inicialmente, da decorrente de adoção ou socioafetiva (LUZ, 2009).

Farias e Simões (2010) afirmam que o filho biológico é aquele que possui os

genes dos pais, e por consequência, atribuem alguns direitos ao filho, como o de

usar o nome do pai, direito a alimentos e à herança.

Para Lôbo (2014), este vínculo é exclusivamente biológico, mas considera

importante, visto que, por vezes, o indivíduo tem grande interesse em conhecer sua

origem genética, saber quem são seus pais e seus parentes. Essa verdade biológica

define a identidade social e pessoal de alguns indivíduos.

O direito ao conhecimento das origens genéticas iniciou nos tribunais

alemães, com a sentença do Landsgerichts Münster, de 21 de fevereiro de 1990,

que não só reconheceu ser um direito fundamental à personalidade da pessoa, mas,

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considerou que não poderia haver dúvida de que o direito da criança de conhecer

sua origem genética antecede os direitos de seus pais e seus direitos de intimidade

e identidade (MADALENO, 2015).

Assim, a busca pela verdade biológica, embora anteriormente pudesse ser

considerada importante e motivo de preocupação para pais e filhos, o

reconhecimento da paternidade para o Estado jamais foi uma preocupação ou um

temor, tendo em vista que a legislação brasileira estabelecia legalmente que os

filhos havidos fora do matrimônio não podiam ser reconhecidos, supostamente, para

preservar o núcleo familiar, entende Dias (2013).

O direito à identidade genética é entendido como um direito da personalidade,

cuja toda pessoa humana é titular. Conforme Farias e Simões (2010, p. 169):

A origem genética é direito impregnado no sangue que vincula, por parentesco, todas as subsequentes gerações, inexistindo qualquer fundamento jurídico capaz de impedir que o homem investigue a sua procedência e que possa conhecer a sua verdadeira família e saber quem é o seu pai ou o pai do seu pai.

É através deste conceito que se entende que o direito do indivíduo de

conhecer sua verdade biológica se sobrepõe ao dos pais que pretendem preservar

seus direitos de intimidade ou o matrimônio.

Já a filiação socioafetiva condiz com a verdade aparente, consagrando a

afetividade entre os membros de uma família. Salienta Dias (2013), que existe uma

necessidade de manter a estabilidade da família e diante das novas concepções, foi

preciso atribuir um papel secundário à verdade biológica.

Conforme a mesma doutrinadora, a relação de pais e filhos caracteriza-se

mesmo sem ligação biológica, desde que preserve o elo da afetividade e a tutela da

personalidade humana, porquanto isso garante a formação da identidade do

individuo.

Nas modernas estruturas de famílias, passou a ser dada maior importância ao

zelo, ao amor filial e a dedicação dos pais ao filho. Isso revela uma verdade afetiva,

um vínculo de filiação construído espontaneamente pela vontade de possuir uma

ligação, de coração, entre pai e filho. Vale mencionar, que esta relação de afeto não

necessariamente existe em uma filiação biológica (MADALENO, 2015).

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O mesmo doutrinador ainda faz certa crítica quanto à ascendência genética,

pois afirma que não podem ser considerados genitores aqueles que possuem

vínculo consanguíneo, mas não querem e não exercem o verdadeiro papel de pais.

Luz (2009, p. 250) entende que para configurar a filiação socioafetiva é

preciso os elementos: “utilização pelo suposto filho do nome do presumido pai

(nomen), tratamento de filho pelo presumido pai (tratactus) e reputação ou

notoriedade da filiação perante a sociedade (fama)”. Todavia, afirma que, segundo

alguns autores, é dispensável o requisito do sobrenome, como ocorre com os filhos

de criação.

A adoção é o ato judicial pelo qual se estabelece um vínculo fictício de

filiação, trazendo para a família do adotante, na condição de filho, pessoa que lhe

era estranha e passa a constituir um laço de parentesco de 1º grau na linha reta

(DINIZ, 2014).

O vínculo que alicerça a filiação estabelecida através da adoção é idêntico ao

biológico, segundo Farias e Simões (2010), pois em sua essência, ainda que através

de uma sentença judicial, uma criança é inserida em núcleo familiar como se filho

biológico fosse. O adotado perde qualquer vínculo com seus parentes de sangue e

passa a ter sem seu registro o nome dos pais e avós adotivos, sem qualquer

menção a isso.

Conforme os doutrinadores, é mister mencionar que a principal característica

da adoção é que a relação adotante e adotado, quanto a direitos e deveres é

idêntica aos filhos naturais.

2.4 Do direito ao reconhecimento da paternidade

É direito de todo ser humano conhecer suas origens e ter sua paternidade

reconhecida. Conforme Gonçalves (2014), o direito a paternidade é direito

personalíssimo e indisponível, assim, o filho que não foi reconhecido

voluntariamente pode ingressar com ação de investigação.

O reconhecimento do filho vem a ser o ato que declara a filiação havida fora

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do matrimônio, conforme Diniz (2014). De acordo com a doutrinadora, este ato é

declaratório e estabelece a relação de parentesco entre os progenitores e a prole

bem como estabelece as consequências jurídicas.

Conforme o artigo 1.597 do Código Civil vigente há presunção de paternidade

quanto aos filhos concebidos na constância do casamento. Embora não seja prova

de paternidade, visto que é só uma presunção, esta regra vem do Direito Romano, e

se configura em razão da suposição de que entre os cônjuges haja relações sexuais

e fidelidade mútua. Tal presunção, conforme entendimento do Superior Tribunal de

Justiça, se estende à união estável (GONÇALVES, 2014).

Quando o filho não é concebido dentro do casamento ou união estável, o

reconhecimento de filho pode ser voluntário, nos termos do artigo 1.609 do Código

Civil de 2002, que dispõe que o reconhecimento voluntário pode ser feito no registro

de nascimento, por escritura pública ou particular a ser arquivada em cartório, por

testamento, ou por manifestação direta e expressa perante o juiz (GONÇALVES,

2014).

Conforme o doutrinador, a outra hipótese de reconhecimento de filho é a

forçada, que se desenvolve na esfera judicial. A legitimidade ativa para o

ajuizamento da ação, por se tratar de direito personalíssimo, é do filho, que se

menor, será representado pela mãe ou tutor, e os efeitos da sentença que declarar a

paternidade retroagem à data do nascimento.

Dias (2013) entende que o único avanço significativo que o Código Civil de

2002 teve quanto ao reconhecimento de filhos foi repetir, no artigo 1.596, CC, a

regra constitucional que consagra a igualdade entre filhos. Assim, portanto, através

do que prevê a Constituição Federal de 1988, regula-se a matéria em questão em

legislações infraconstitucionais, tais como o Código Civil de 2002, anteriormente

abordado e o Estatuto da Criança e do Adolescente, como será mencionado.

O Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe a respeito do reconhecimento

de filhos no mesmo sentido em que preceitua a Carta Magna e o Código Civil de

2002. O artigo 26 e parágrafo único do ECA garante o reconhecimento de filhos

havidos fora do casamento, no próprio termo de nascimento, por testamento,

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mediante escritura ou outro documento público, qualquer que seja a origem da

filiação, inclusive ressaltando a possibilidade do reconhecimento ser efetuado após o

falecimento do genitor, se este deixou descentes.

Ademais, o reconhecimento de filho é direito personalíssimo e indisponível do

indivíduo, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), artigo

27: “O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e

imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem

qualquer restrição, observado o segredo de Justiça”.

O fato de tal disposição encontrar-se em lei que regula os direitos das

crianças e dos adolescentes, conforme Dias (2013), não significa que direito não se

estende a todos, pelo contrário, por se tratar de direito fundamental à identidade

todos que estiverem na condição de não ter a paternidade biológica reconhecida,

poderão investigar.

Alude Madaleno (2015), que no conteúdo do direito fundamental está

embutida a situação jurídica essencial à realização humana, podendo ser

identificados por “todos aqueles direitos declarados em uma comunidade política

organizada, para satisfação das necessidades ligadas ao reconhecimento dos

princípios da liberdade, da igualdade e dignidade humana” (MADALENO, 2015,

p.48).

Os direitos fundamentais estão elencados no artigo 5ª da Carta Magna, porém

não se restringem somente àqueles. São considerados também os bens e

vantagens prescritos na norma constitucional, podendo ser encontrados de forma

expressa ou decorrente dos princípios adotados pela Constituição (LENZA, 2011).

Quanto à aplicabilidade: “Em regra, as normas que consubstanciam os

direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia e aplicabilidade

imediata” (MORAES, 2012, p. 30). Isto porque dependem do seu próprio enunciado

e são posteriormente aplicados em algumas normas definidoras de direitos sociais,

enquadrados como fundamentais.

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Observa-se, portanto, que o direito fundamental da criança à paternidade,

pode ser reconhecido através dos princípios da dignidade da pessoa humana, do

melhor interesse da criança e do adolescente e ao direito a personalidade.

Os princípios constitucionais vêm em primeiro lugar em qualquer leitura

interpretativa do direito, dispondo de primazia diante da lei, pairando sobre toda a

organização jurídica (DIAS, 2013).

Todavia, lamentavelmente, persiste no Brasil certa omissão das mães em

fornecer o nome paterno da criança ao Oficial de Registro Civil, no momento do

registro de nascimento, ou ainda, de não buscar a regularização posterior de

maneira forçada, o que caracteriza uma verdadeira afronta ao direito de o infante ter

o nome dos ascendentes e do seu genitor (MACIEL, 2014),

Farias e Simões (2011) concluem que o Texto Constitucional vigente

determina no artigo 227, § 6º a isonomia substancial entre s filhos, garantindo a

dignidade da pessoa humana, que também é assegurada pelo artigo 1º, III, da

própria Constituição. Por conta destas diretrizes constitucionais, impõe-se um

aperfeiçoamento na averiguação e reconhecimento da paternidade.

Os mesmos doutrinadores atentam para a sensibilidade do caso, em sintonia

com os avanços da sociedade, visto os avanços tecnológicos e científicos, no qual o

reconhecimento da filiação deve ser elemento de garantia da dignidade do homem.

Ademais, entendem que o reconhecimento da paternidade é uma necessidade

universal a fim de garantir os direitos de personalidade humana.

2.4.1 A prova da paternidade assegurada pelo exame de DNA

A ação de investigação de paternidade, cujo autor não conseguisse

comprovar o vínculo biológico com o réu, segundo Dias (2013), era julgada

improcedente e fazia coisa julgada. O surgimento do teste de DNA revolucionou a

possibilidade de ingressar com nova ação, sendo que a jurisprudência chama de

relativização da coisa julgada com a justificativa dada pelos avanços científicos do

exame genético que fazem prova da paternidade.

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Diante das constantes evoluções científicas, intelectuais e sociais, justo

quando a identificação dos vínculos pela verdade social goza de prestígio cada vez

maior, tendo em vista que o exame genético do DNA é capaz de chegar à verdade

biológica com grau de certeza muito alto. Essa possibilidade ocasionou uma

reviravolta nos vínculos de filiação, pois desencadeou uma busca da filiação natural

em substituição à verdade jurídica, em virtude também do direito à identidade

genética passar a ser considerado um direito fundamental (DIAS, 2014).

A necessidade de descobrir a origem de sua existência e de suas

características biológicas, decorrentes da genética, foi o que incentivou a

Engenharia Genética a descobrir o DNA (DNA Fingerprinting ou Impressões Digitais

do DNA). Como a criança é gerada através do gene de um homem e uma mulher,

quando for-lhe negada a informação de quem são seus pais biológicos, o exame de

DNA é “o mais poderoso elemento esclarecedor da verdade” (ALMEIDA, 2003, p.

89).

O DNA existe em todas as células do corpo humano, o que resulta em

semelhanças entre a pessoa e quem lhe gerou, haja vista que o indivíduo herda

genética de sua mãe e de seu pai. O exame pode atribuir ou excluir uma

paternidade e o resultado positivo para a paternidade varia entre 99,99% a

99,9999%, desta forma, a evidência de paternidade é muito forte. Ademais, quando

o resultado for negativo, este dará 100% de certeza de que não se trata de PA

biológico (ALMEIDA, 2003).

Devido à convicção do resultado do exame, ele é prova mestra na

investigação de paternidade e representa grande avanço no reconhecimento da

filiação, visto que afasta o sistema de presunções de paternidade e passa a ser uma

verdade fática (FARIAS e SIMÕES, 2010)

De outra banda cabe mencionar, conforme os doutrinadores, quanto à

necessidade de fornecer ao processo prova idônea, cuja realização do teste se

realize em laboratório idôneo e com profissionais com formação acadêmica

adequada.

O exame é realizado normalmente entre o pai, a mãe e o filho, para identificar

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todas as partes do DNA do filho; no entanto, é possível realizar o exame ainda que

todas as pessoas envolvidas não possam realizá-lo. No caso de falecimento do

possível pai, é possível realizar o exame com os supostos avós paternos, filhos ou

irmãos dele. Caso o suposto pai não tenha deixado nenhum descendente ou

ascendente, poderá ser feito pela exumação do cadáver (ALMEIDA, 2003).

Neste sentido, em ação de investigação de paternidade post mortem, cuja

ementa segue abaixo, a família do investigado, na intenção de não realizar o exame,

alegou a violação da liberdade física e coação do individuo, frente à determinação

da realização da perícia que comprova ou não a paternidade genética, todavia a

jurisprudência é clara:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. DIREITO DE FAMÍLIA. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. EXAME DE DNA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ORDEM DENEGADA. 1. "A determinação para a realização de exame pericial de DNA, em ação de investigação de paternidade, não importa em violação a direito de ir e vir do paciente, nem configura constrangimento ilegal, amparável pela via do habeas corpus. Precedentes do STJ". (HC 173.367/RJ, Rel. Ministro Vasco Della Giustina (desembargador convocado do TJ/RS), DJe 04/03/2011) 2. Recurso a que se nega provimento. (STJ - RHC: 35330 SC 2013/0015569-1, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 10/12/2013, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/02/2014)

O entendimento é, portanto, no sentido de que a obrigação de realizar o

exame não viola direitos de ir e vir, mas incide apenas no que dispõe o artigo 231 do

Código Civil: “Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não

poderá aproveitar-se de sua recusa”, ou seja, a recusa da realização não deverá

servir para que não ocorra o reconhecimento da paternidade.

Além disso, a recusa da realização do exame acarreta na presunção de

paternidade. A Lei nº 8.560/1992, que regula a investigação de paternidade,

determina no artigo 2º-A, parágrafo único, que “A recusa do réu em se submeter ao

exame de código genético - DNA gerará a presunção da paternidade, a ser

apreciada em conjunto com o contexto probatório”.

O problema da decretação da paternidade presumida é justamente a hipótese

de o indivíduo continuar sem conhecer sua origem biológica. Neste sentido, quando

a ação tenha o propósito de identificar as origens genéticas, é necessário que a

obrigação do suposto pai a realizar o exame seja mais efetiva. Para garantir ao ser

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humano o direito de conhecer sua ancestralidade biológica, o suposto pai deveria se

submeter à realização do exame obrigatoriamente, sob pena de multa pecuniária,

por exemplo, quando se recusasse, para pôr fim à dúvida existente (TARTUCE,

2012).

Por derradeiro, o exame de DNA comprova o vínculo biológico e termina com

a possibilidade de o homem se eximir do registro da criança, por alegação de não

saber se é realmente o pai e através de ação de investigação de paternidade,

poderá o juiz declarar a paternidade. Ademais, embora haja vínculo socioafetivo

entre um indivíduo e quem lhe deu afeto como se seu filho fosse, este jamais deverá

servir para negar outra paternidade pelo critério biológico (FARIAS e SIMÕES,

2010).

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3 A FILIAÇÃO NA REPRODUÇÃO HUMANA MEDICAMENTE

ASSISTIDA

Todo indivíduo é gerado por uma biparentalidade genética, através da qual

nasce o filho de um pai e de uma mãe. No ato de concepção de uma criança são

transmitidas diversas características físicas e psíquicas pelos genitores. A base do

fundamento biológico de um novo ser se dá através da fertilização de um óvulo por

um espermatozoide, sendo ambas células incompletas que, ao se unirem, se

completam e recebem o nome de embrião. Assim, o indivíduo gerado recebe toda

uma herança genética de quem a gerou e é identificado, fundamentalmente pela

identificação de seus ascendentes (ALMEIDA, 2003).

Até o século passado a filiação tinha origem unicamente através do ato

sexual. Todavia, após enorme evolução no campo biotecnológico, técnicas de

reprodução humana medicamente assistida surgiram para revolucionar as formas de

filiação, principalmente na impossibilidade ou dificuldade de um ou ambos indivíduos

gerar um filho, através de concepção natural (DIAS, 2013).

A filiação na reprodução humana medicamente assistida, seja pela

modalidade homóloga seja pela heteróloga, pode ser entendida de diferentes

formas, e distinguida para fins conceituais, por biológica e não biológica. Desta

forma, “a primeira é a aquela em que o filho tem os genes dos pais e a segunda

aquela que decorre da adoção, da socioafetividade ou da reprodução com utilização

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de material genético de doadores” (SCALQUETTE, 2010, p. 44).

A doutrinadora explica que a inseminação artificial heteróloga corresponde

com a filiação socioafetiva, tendo em vista que este método permite casais que não

poderiam ter filhos, indiferente dos motivos, a conceber uma criança com o material

genético de um doador. Já a inseminação artificial homóloga se refere à filiação

biológica, pois, embora o casal necessite de intervenção médica para promover a

fecundação, o material biológico é deles.

3.1 Reprodução medicamente assistida (RMA): conceitos e técnicas

A Reprodução Humana Assistida (RHA) é conceituada como: “a intervenção

do homem no processo de criação natural, com o objetivo de possibilitar que

pessoas com problemas de infertilidade e esterilidade satisfaçam o desejo de

alcançar a maternidade ou a paternidade” (MALUF, 2013, p.193).

A infertilidade é motivo de preocupações e restrições para um considerável

número de casais que desejam filhos. Os fatores podem ser absolutos ou relativos,

tratando o primeiro de pessoas estéreis que têm uma situação irreversível e só

poderão procriar através de RMA; e dos segundos, que tem hipofertilidade, que é

passível de reversão com tratamentos terapêuticos (ALVES e OLIVEIRA, 2014, texto

digital).

Os problemas de reprodução existem desde os primórdios. O Código de

Hamurabi, de 2.000 a.C., já mencionava o fato de alguns casais não conseguirem

reproduzir, e determinava a intervenção de terceiros na relação familiar, para fins de

procriação (MALUF, 2013).

Posteriormente, o Código de Manú, de 1.200 a.C., devido a preocupação da

impossibilidade de gerar descendentes, previa que em caso de esterilidade do

homem, seu irmão deveria inseminar a esposa, para garantir um filho (MALUF,

2013).

O referido código indiano considerava importante encontrar as soluções para

a impossibilidade de ter filhos. Em razão disso, quando se tratava de marido estéril,

dispunha, no artigo 59 do Livro IX que: “Não havendo filhos, a desejada gravidez

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pode ser obtida pela coabitação da esposa, convenientemente autorizada, com um

irmão, ou algum outro parente até sexto grau do marido” (SCALQUETTE, 2010, p.

54).

Segundo a doutrinadora, a técnica utilizada na época era a tradicional,

através da relação sexual. O terceiro ficava encarregado de inseminar a mulher

casada sem filhos, encontrando-a durante a noite para gerar apenas um filho, sendo

que, se fosse necessário, seria permitida a geração de um segundo. Diferente do

caso do homem estéril, quando a mulher sofria do problema não havia possibilidade

de reprodução.

Foi somente no século XVII, em virtude dos grandes desvendamentos

médicos, que se concluiu sobre a possibilidade de um casal poder ser estéril, e não

apenas a mulher, que até então era responsabilizada pela dificuldade ou

impossibilidade de procriação (NAMBA, 2015).

A primeira inseminação artificial realizada com sucesso, que se tem

conhecimento, ocorreu em 1791 e foi realizada por John Luther (NAMBA, 2015).

Loureiro (2009) refere haver informações de experiências de reprodução

artificial realizadas em animais, em 1794, quando um cientista italiano, Spallanzani,

injetou no útero de uma cadela o sêmen de um cachorro e obteve êxito ao fertiliza-

la.

Entre os anos de 1875 e 1890 foi descoberto pela observação de peixes e

mamíferos que a fertilização é realizada através da união de um óvulo e um

espermatozoide (NAMBA, 2015).

Em 1910 houve uma grande evolução nas pesquisas da reprodução artificial,

pois Inavot descobriu uma técnica para conservação do líquido seminal, e

posteriormente utilizado na preservação de gametas e embriões humanos,

utilizando-se de técnicas com baixas temperaturas (LOUREIRO, 2009).

Em 1953, Smith realizou uma inseminação artificial bem sucedida utilizando

de esperma congelado (NAMBA, 2015).

A primeira fertilização in vitro realizada com êxito no mundo foi em 1978,

chama de “bebê de proveta”, Louise Brown foi gerada na Inglaterra, com o auxílio

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dos médicos Patrick Steptoe e Robert Edwards (SCALQUETTE, 2010).

Após este, diversos tratamentos foram realizados utilizando-se da técnica de

fertilização in vitro, inclusive no Brasil, cujo primeiro concretizou-se na cidade de São

José dos Pinhais, em 07 de outubro de 1984 (SCALQUETTE, 2010).

Desde aqueles tempos até os dias atuais, muito se desenvolveram e se

aperfeiçoaram as técnicas de reprodução humana medicamente assistida – o que

gerou uma crescente procura pelos casais e um consequente aumento no número

de clínicas que realizam tais procedimentos.

A Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 2.121 de 2015, em seus

princípios gerais discorre sobre a técnica de reprodução ter a função de auxiliar no

processo de procriação àqueles que possuem dificuldades de reproduzir. Os

procedimentos são utilizados de modo que não acarretem graves riscos para mãe e

para o possível descendente, e tem que haver a possibilidade de sucesso.

Em decorrência da grande busca por auxílio pelos casais com dificuldades de

procriação, atualmente existem diversos procedimentos técnicos para realizar a

reprodução medicamente assistida, podendo-se destacar, dentre estes, a

inseminação artificial e a fertilização in vitro (CARTAXO, 2010, texto digital).

Cabe apontar as diferenças entre alguns termos utilizados na reprodução

humana. A fecundação “consiste na fertilização do óvulo pelo esperma” e pode ser

na modalidade in vitro ou pela “inseminação no corpo da mulher”. A inseminação é

“a colocação do sêmen ou óvulo fecundado na mulher”, e a concepção ocorre após

a fecundação, sendo o resultado da mistura do material genético dos genitores

(MALUF, 2013, p.198).

A técnica da fertilização in vitro é desenvolvida para casais que enfrentam

dificuldade ou impossibilidade de gerar uma criança. Entre as doenças que atingem

as mulheres e que podem desencadear em uma impossibilidade de engravidar,

pode-se mencionar: “problemas nas trompas, anovulação crônica, endometriose ou

com ovários policísticos”, conforme Scalquette (2010, p.71).

A técnica mencionada é explicada pela autora:

A fertilização do óvulo pelo espermatozoide ocorre em laboratório com a

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posterior transferência de embriões. A ovulação é geralmente estimulada, os óvulos são colhidos por punção guiada por ultrassonografia endovaginal. Após serem colocados juntamente com os espermatozoides, são processados em ambiente com cinco por cento de CO² e temperatura de 37ºC e, depois de 24 a 48 horas, são transferidos para a cavidade uterina os pré-embriões formados, contendo de quatro a oito células.

A reprodução artificial substitui a concepção natural quando há dificuldade ou

impossibilidade de um ou de ambos de gerar e ela pode ser homóloga, quando for

através de óvulos e espermatozoides do próprio casal ou heteróloga, quando o

material genético for doado por pessoa anônima (DIAS, 2014).

Na fertilização in vitro, quando se tratar da forma heteróloga, como a

fertilização ocorre em laboratório, com posterior transferência de embriões ao útero

da mulher, tanto o óvulo quanto os espermatozoides podem ser de doadores, não

restando nenhuma vinculação genética entre os pais com o ser gerado. Desta forma,

diversas são as dúvidas quanto às questões ético-jurídicas, como direitos dos filhos,

falta de anuência do homem na utilização do material genético do doador, riscos

para a saúde da doadora de óvulos, riscos ao ser humano gerado, arrependimento

do casal, desejo do reconhecimento da paternidade ou maternidade pelos doadores

ou pelo indivíduo gerado, entre outros (LOUREIRO, 2009).

A inseminação artificial homóloga é o meio artificial de unir o óvulo da mulher

e o sêmen do homem, que não conseguem gerar uma vida sem a ajuda médica.

Nesta modalidade é necessária a vontade expressa do marido enquanto for vivo, ou,

em caso de falecimento deste, é necessário que ele tenha consentido, no momento

do armazenamento do material genético, que a mulher pudesse realizar a

inseminação post-mortem. Nos dois casos se atribui à paternidade ao homem que

assim previamente admitiu (LÔBO, 2014).

Neste sentido, a Resolução 2.121 de 2015 do CFM dispõe que: “É permitida a

reprodução assistida post-mortem desde que haja autorização prévia específica

do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a

legislação vigente”.

Todavia, ocorre na inseminação artificial homóloga post-mortem uma

problemática que envolve os direitos dos indivíduos, pelo fato de a criança já nascer

de pai falecido e restar discussões sobre os direitos sucessórios e de personalidade.

No geral, quando se tratar de inseminação homóloga, como a criança é gerada

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pelos pais biológicos não acarreta em graves problemas na área jurídica

(LOUREIRO, 2009).

Porém, quando se trata de inseminação artificial heteróloga, existe uma maior

insegurança quanto aos direitos da criança, pois o material biológico do filho não

coincide com os pais. Neste sentido, há um receio de que pode “o pai socioafetivo”

do ser gerado se arrepender. A necessidade da aceitação expressa por parte do

marido pode ser uma segurança para a criança, considerando a possibilidade de

repulsa do pai pelo filho (LOUREIRO, 2009).

Nesta modalidade, caso apenas a mulher seja incapaz de reproduzir sem

assistência médica, será utilizado óvulo de uma doadora e o sêmen do marido.

Quando apenas o homem for infértil, será feito o contrário. E no caso de ambos

serem inférteis, tanto óvulo quanto esperma serão de doadores, que serão

implantados no útero da mãe, que gerará o bebê (SANTOS, 2015, texto digital).

Como no modelo heterólogo o material genético utilizado é de doador

anônimo, quando a mãe for mulher casada e o marido consentir a prática da

inseminação artificial, ele será o pai presumido, conforme Código Civil, artigo 1.597,

inciso V12. A manifestação do desejo de ser pai daquela criança é entendida da

mesma forma das adoções, e então acaba por excluir a possibilidade de retratação

(DIAS, 2013) – o que é louvável, tendo em vista a insegurança jurídica que

entendimento contrário acarretaria.

Embora as referências sejam quanto às mulheres casadas, a presunção de

paternidade se estende às mulheres que vivem em união estável para efeito judicial.

Deste modo, caso o pai que consentiu não queira registra a criança, a mãe poderá

buscar o reconhecimento judicialmente (MADALENO, 2015).

Ademais, em virtude da presunção de paternidade, pode ser importante que o

doador possua características semelhantes aos pais socioafetivos, como porte

físico, cor dos cabelos e dos olhos dos donatários. Portanto, embora a identidade do

doador seja preservada, a clínica que mantém os óvulos e espermatozoides deve

divulgar as características físicas dele (MADALENO, 2015).

12 Código Civil, Art. 1.597, inciso V: “Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: [...] havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido”.

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A Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 2.121 de 2015, determina

que a escolha do doador é do médico que realizará o procedimento e: “dentro do

possível, deverá garantir que o(a) doador(a) tenha a maior semelhança fenotípica e

a máxima possibilidade de compatibilidade com a receptora”. Neste sentido,

importante mencionar que a Resolução proíbe a escolha do biótipo da criança, como

a cor dos olhos e dos cabelos e porte físico, por exemplo, assim como a seleção do

sexo da criança.

Quanto à reprodução humana medicamente assistida, é importante

mencionar que, embora diversos doutrinadores referem-se apenas a casais quando

se referem à infertilidade, cabe mencionar que a Resolução do Conselho Federal de

Medicina nº 2.121/2015, que dispõe normas éticas para a utilização das técnicas de

reprodução assistida determina que: “É permitido o uso das técnicas de RA para

relacionamentos homoafetivos e pessoas solteiras, respeitado o direito a objeção de

consciência por parte do médico”.

Quanto à possibilidade de casais homoafetivos utilizarem da técnica, o

Superior Tribunal de Justiça julgou, em Recurso Especial interposto pelo Ministério

Público que era contrário à possibilidade de adoção de criança por pessoas do

mesmo sexo. Assim, quanto à possibilidade de a companheira homoafetiva proceder

na adoção da criança fruto de planejamento do casal, gerada por inseminação

artificial heteróloga, dispõe a jurisprudência:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. UNIÃO HOMOAFETIVA. PEDIDODE ADOÇÃO UNILATERAL. POSSIBILIDADE. ANÁLISE SOBRE A EXISTÊNCIA DE VANTAGENS PARA A ADOTANDA. I. Recurso especial calcado em pedido de adoção unilateral de menor, deduzido pela companheira da mãe biológica da adotanda, no qual se afirma que a criança é fruto de planejamento do casal, que já vivia em união estável, e acordaram na inseminação artificial heteróloga, por doador desconhecido, em C.C.V. II. Debate que tem raiz em pedido de adoção unilateral - que ocorre dentro de uma relação familiar qualquer, onde preexista um vínculo biológico, e o adotante queira se somar ao ascendente biológico nos cuidados com a criança -, mas que se aplica também à adoção conjunta- onde não existe nenhum vínculo biológico entre os adotantes e o adotado. [...] reafirmam o posicionamento adotado pelo Tribunal de origem, quanto à possibilidade jurídica e conveniência do deferimento do pleito de adoção unilateral. Recurso especial NÃO PROVIDO. (STJ - REsp: 1281093 SP 2011/0201685-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 18/12/2012, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/02/2013)

Verifica-se no caso acima referido, julgado em 2013, que embora planejada

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pelo casal, para efetuar o registro da criança em nome das duas mães, foi

necessária a autorização judicial.

Por fim, embora muitas vezes seja mencionada a situação do casal incapaz

de reproduzir, há possibilidade de pessoas solteiras e casais homoafetivos

realizarem os procedimentos.

3.1.2 Os efeitos da inseminação artificial heteróloga para a mãe, o filho e o

doador

Através da contribuição dos movimentos feministas, as mulheres passaram a

dispor de direitos sexuais e reprodutivos. Dentre as discussões acerca do tema, a

mulher com problemas de reprodução passou a receber maior proteção do Estado e

ter a garantia de poder reproduzir, podendo fazê-la de forma natural ou artificial

(BRAUNER, 2003).

Assim, após duas Conferências Internacionais sobre a autonomia de

reprodução das mulheres, ocorridas em Cairo e Pequim, nos anos de 1994 e 1995,

legalmente, a mulher passou a dispor sobre reprodução e planejamento familiar. A

mulher passou a ter a opção de querer reproduzir, decidir quando e como reproduzir,

visto as formas de reprodução artificial (SÁ e NAVES, 2004).

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226 dispõe que: “A família,

base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. Devido a isso, o parágrafo 7º,

do mesmo preceito legal reforça que:

Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

Diante da previsão constitucional, Gozzo (2012, texto digital) entende que o

direito de reprodução da mulher é um tema que se relaciona diretamente à liberdade

dela enquanto ser humano, o qual se liga ao exercício de sua autonomia, na

possibilidade de escolher se quer ter descendentes, ainda que necessite da ajuda da

medicina.

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A proteção à maternidade passou a ser direito garantido pela Constituição

Federal de 1988, mas, felizmente a preocupação do Estado foi um pouco além do

direito de perpetuação da espécie. Passou a oferecer, portanto, melhores condições

e proteção à mãe, como: o direito ao salário-maternidade (alterado pela Lei

10.710/2003), à licença maternidade (CF, art. 7º, XVIII), à assistência social (CF, art.

203, I), à previdência social (CF, art. 201, II), aos direitos sociais (CF, art. 6º), entre

outros (DINIZ, 2014).

Atendendo ao direito constitucional de gerar um ser humano (CF, art. 226), o

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu a respeito de um caso no qual uma

mulher, com trinta e sete (37) anos de idade, infértil, que estava a dois anos

aguardando para realizar técnica de produção humana artificial através do Sistema

Único de Saúde, sem previsão para a realização, neste sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. SAÚDE PÚBLICA. FERTILIZAÇÃO IN VITRO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES. É de conhecimento geral que a saúde é um direito de todos (previsto na Constituição Federal), que deve ser garantido através de políticas públicas, regidas pelos princípios da universalidade e da igualdade de acesso. Caso concreto que autoriza o deferimento da tutela antecipada, diante da urgência e perigo de insucesso do tratamento. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70058698614, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Newton Luís Medeiros Fabrício, Julgado em 28/05/2014).

Cumpre referir que existe a limitação de idade para que a mulher se submeta

ao procedimento de reprodução assistida. A Resolução 2.121 de 2015 do Conselho

Federal de Medicina determina que as candidatas à gestação devam possuir até 50

anos para utilizar as técnicas, pois, uma idade superior implicaria em complicações

na gravidez e na saúde da mulher.

A fundamentação dos desembargadores foi, portanto, no sentido de que

embora o Ministério da Saúde tenha a intenção de garantir o tratamento às mulheres

inférteis, falta agilidade e efetividade - o que, no caso feminino, é prejudicial, na

medida em que as chances de sucesso no procedimento são diretamente

proporcionais à idade da mulher. Ademais, salientam que o assunto é silenciado a

longa data, provavelmente por não ser interessante ao Governo custear os

tratamentos de reprodução assistida (RIO GRANDE DO SUL, 2014).

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Por fim, entendem que por ser a única alternativa para garantir a efetivação

do direito da mulher que deseja reproduzir e não o consegue sem assistência

médica, devem ser utilizadas todas as técnicas éticas e legais que existem hoje na

ciência, afinal, negar este direito seria compactuar com um sistema que oferece o

direito de ser mãe, mas que não tem condições de concretizá-lo (RIO GRANDE DO

SUL, 2014).

Neste aspecto, surge na modalidade de reprodução assistida heteróloga um

conflito de direitos, surgindo dúvida de se o direito reprodutivo da mãe se sobrepõe

ao direito de biparentalidade do filho, considerando que ele já nasceria em uma

família monoparental (MALUF, 2013).

Embora muito realizada na prática, a técnica de reprodução artificial não está a

salvo de críticas. Diniz (2014) opõe-se as técnicas de reprodução humana artificial,

pois entende que ofendem o direito do filho de ser concebido naturalmente e que

desestabilizam a estrutura de um casamento.

Além disso, na hipótese de reprodução artificial homóloga post mortem, a

autora entende que a prática deve ser proibida, pois, embora a criança seja fruto do

ex-marido ou ex-companheiro de sua mãe ela já nascerá de um pai já morto, o que

acarretará em problemas nas questões ético-jurídicas, até na garantia dos direitos

de filho.

Neste sentido, a mesma autora alerta sobre a possibilidade de conflito de

maternidade e paternidade, considerando que a quando a reprodução artificial for

heteróloga a criança poderá ter duas mães ou dois pais, sendo um institucional e o

outro genético.

Entende, outrossim, que embora a ciência tenha colaborado muito para a

preservação da saúde humana, quanto “à criação da vida humana em laboratório”,

seriam necessários mais cuidados, em razão de (DINIZ, 2014, p. 747):

(...) estarem em jogo a dignidade do homem; por haver coisificação do ser humano; por atingir o embrião psicologicamente, deixando marcas indeléveis, trazendo traumas, reações de ordem psíquica e por possibilitar a degeneração da espécie humana, ante a possibilidade, no futuro, de relações incestuosas com o doador do material genético ou com sua prole etc.

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No mesmo sentido discorre Maluf apud Martins, 2013, p.201:

(...) apesar do sucesso da reprodução assistida, que gera grande interesse na população, esta deve ser vista com cautela, pois o uso de uma liberdade, constitucionalmente garantida, pode lesar interesse ou bens jurídicos fundamentais ao homem, a saber, a própria vida, a integralidade física e moral, a privacidade, o conhecimento de sua origem biológica, o acesso à biparentalidade, entre outros.

O direito de reprodução tem que respeitar não só àqueles que escolhem gerar,

mas também os direitos que envolvem o filho que virá, tendo em vista que o direito

ao anonimato do doador implicará no impasse do indivíduo, que poderá não

conhecer sua verdadeira identidade genética e os elementos essenciais à sua

personalidade (GOZZO, 2012, texto digital).

A Lei 8.560/1992, que regula a investigação de paternidade, não menciona a

possibilidade dos filhos advindos de técnica artificial, que foram gerados com óvulo e

ou esperma de doador anônimo ingressar com ação de investigação de paternidade,

o que faz com que a lei não se aplique na hipótese.

O direito ao anonimato do doador, que está previsto na resolução 2.121 de

2015 do CFM, determina que a doação de óvulos e esperma tem que ser voluntária,

sem caráter lucrativo ou comercial e que doadores e receptores não podem ter suas

identidades reveladas. Destarte, resta o questionamento acerca de quais os direitos,

atinentes à pessoa devem ser respeitados.

A escolha de um indivíduo deve levar em consideração os efeitos que provoca

a terceiros. Ao considerar o direito e da vontade de se ter um filho, independente da

necessidade de se utilizar materiais genéticos de pessoa desconhecida, é

necessário refletir também nas consequências que trará ao ser humano que será

gerado e se seus direitos estão sendo garantidos. Na reprodução artificial, o

indivíduo já nasce através da evolução da ciência, mas no retrocesso da

predominância do direito de outra pessoa sobre si (NAMBA, 2015).

3.3 Bioética, biodireito e os aspectos jurídicos da reprodução humana

assistida

Como já visto, é possível utilizar nas técnicas de reprodução medicamente

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assistida, o material genético do próprio casal, ou de doadores. Quanto ao primeiro

modo, não restam dúvidas quanto à paternidade biológica, pois, embora não tenham

concebido o filho através da concepção natural, todos os traços genéticos de ambos

foram repassados ao filho. Todavia, quanto ao segundo modo, pelo fato de ser

utilizado material genético de um doador, estranho a relação, várias dúvidas surgem

e não existe uma legislação que regulamente os direitos e deveres que envolvem a

família (SCALQUETTE, 2010).

Nesta senda surge a bioética, que é o estudo de questões sobre as quais não

existe uma concordância moral a respeito, que envolvem diversas áreas da ciência e

humanas, e tem a intenção de determinar a realização de práticas responsáveis

quando envolverem a vida (MALUF, 2013).

Em 1971 foi referida pela primeira vez a expressão “bioética”, por Van

Rensselaer Potter, que entendia que sua finalidade “é auxiliar a humanidade no

sentido de participação racional, cautelosa, no processo de evolução biológica e

cultural. O meio ambiente seria o cerne da pesquisa” (NAMBA, 2015).

Em 1988, Potter passou a definir bioética como “a combinação da biologia

com os conhecimentos humanísticos diversos constituindo uma ciência que

estabelece um sistema de prioridades médicas e ambientais para a sobrevivência

aceitável” (NAMBA, 2015).

No mesmo sentido, atualmente bioética é definida, em sentido amplo, como a

resposta da ética aos riscos inerentes a situações de degradação do meio ambiente,

destruição do equilíbrio ecológico, utilização de armas químicas e das evoluções da

ciência, como:

(...) tecnociências biomédicas e alusivos ao início e fim da vida humana, às pesquisas em seres humanos, às formas de eutanásia, à distanásia, às técnicas de engenharia genética, às terapias gênicas, aos métodos de reprodução humana assistida, à eugenia, à eleição do sexo do futuro descendente a ser concebido, à clonagem de seres humanos, à maternidade substitutiva, à escolha do tempo para nascer ou morrer, à mudança de sexo em caso de transexualidade, à esterilização compulsória de deficientes físicos ou mentais, à utilização da tecnologia do DNA recombinante, às práticas laboratoriais de manipulação de agentes patogênicos, etc (DINIZ, 2015, p.35).

Destarte, é o campo que estabelece padrões de conduta adequados,

considerando que a ética se aplica de diferentes formas em diversos países e

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devem considerar “ideologia, religião, cultura e o momento histórico” para

estabelecer os valores que serão utilizados nos assuntos da bioética, reputando o

valor soberano da pessoa, da vida, da dignidade, da liberdade e da autonomia do

ser humano, frente às premissas da biomedicina (MALUF, 2013).

O estudo da bioética, baseada em valores e princípios morais ultrapassa o

campo da medicina e envolve “a sociologia, a biologia, a antropologia, a psicologia,

a ecologia, a teologia, a filosofia, dentre tantos outros ramos do conhecimento

humano”. Através de princípios básicos oferece um norte para a resolução de

problemas da vida interdisciplinar. Embora não se tenha uma norma jurídica

específica, são os seus princípios que priorizam a proteção do indivíduo

(LOUREIRO, 2009).

O documento de BELMONT REPORT de 1978, elaborado pelo Congresso

dos Estados Unidos da América para tratar dessas questões, determinou que quatro

são os princípios básicos da bioética, quais sejam: princípio da autonomia, princípio

da beneficência, princípio da não maleficência e o princípio da justiça.

O primeiro se refere à vontade do paciente ou de seu representante legal,

reconhecendo que estes são capazes de decidir sobre a própria vida (corpo e

mente) e ao tratamento que está sendo submetido, desde que sem interferência de

terceiro. O segundo trata do atendimento dos profissionais da área da saúde, que

devem priorizar o bem-estar do paciente, realizando tratamentos sempre para o

bem, nunca fazendo o mal e sempre procurando evitar danos à vida e saúde do

indivíduo. O terceiro se refere à máxima ética médica e a proibição de ocasionar

qualquer dano intencional, e o último impõe que não se prejudique alguém em

benefício de outro (MALUF, 2013).

Namba (2015) entende que são três os princípios utilizados, os quais estão

dispostos no Informe Belmont13, e são: princípio da autonomia, princípio da

13 “O Relatório de Belmont foi promulgado em 1978, numa reação institucional aos escândalos

causados pelos experimentos da medicina desde o início da 2ª. Guerra Mundial. Assim, o Governo e

o Congresso norte-americano constituíram, em 1974, a National Comission for the Protection of

Human Subjects of Biomedical and Behavioral Research, que procurou identificar os princípios éticos

“básicos” que deveriam conduzir a experimentação em seres humanos, o que ficou conhecido

como BelmontReport” (MARELLI, 2013).

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beneficência, e o princípio da justiça.

Para o doutrinador, o princípio da autonomia é o valor que mais abrange a

dignidade humana, pois representa o resguardo da liberdade dos seres humanos.

Ademais, entende que os princípios são restritos, pois não são capazes de atender

todos os problemas normativos, morais e jurídicos de uma sociedade pluralista e

democrática.

Da mesma forma que as revoluções na área das ciências encadeiam em

diversos benefícios ao ser humano, elas produzem riscos. Assim, as experiências

realizadas com material genético e com o corpo humano geram discussões e

questionamentos. O biodireito aborda, desta maneira, estes temas ligados à vida

(MALUF, 2013).

O biodireito é um novo campo do direito, que tem a finalidade de dispor de

normas adequadas, mantendo uma divisão entre direito das coisas e das pessoas.

Todas as questões que envolvem o biodireito são embasadas por princípios

constitucionais fundamentais, como a dignidade da pessoa humana (CF, Art. 1º,

inciso III), direito à vida (CF, Art. 5º, caput), proibição da comercialização de órgãos

do corpo e a preservação do patrimônio genético (LOUREIRO, 2009).

Resultado da união entre bioética e direito, o biodireito determina limites entre

a liberdade dos indivíduos e a proibição de abusos contra o ser humano. Há

possibilidade de perceber dois planos de tutela, o macro e o micro. O macrodireito

está relacionado com o meio ambiente e o microdireito a questões que envolvem a

vida individualizada (MALUF, 2013).

Apesar disso e das técnicas de reprodução humana medicamente assistida

terem iniciado no Brasil em meados de 1980, ainda falta previsão legal acerca do

assunto. Até os dias atuais, apenas o Conselho Federal de Medicina (CFM) é que

regulamenta as técnicas utilizadas (ARANHA, GARRAFA, LUSTOS, MEIRELLES e

VASCONCELOS, 2014, texto digital).

Neste sentido, cabe mencionar o que previa a Resolução CFM nº 2.013/13:

(...) destaca a segurança da saúde da mulher e a defesa dos direitos reprodutivos para todos os indivíduos. Essa é a terceira norma sobre o assunto. A primeira resolução do CFM sobre o tema foi publicada em 1992.

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Houve apenas uma atualização em dezembro de 2010. As resoluções do CFM preenchem lacuna legal, pois não existe regra específica que regulamente a prática da reprodução assistida no Brasil. (grifei).

Ademais, a Resolução CFM nº 2.121 de 2015 que revogou a nº 2.013/13:

No Brasil, até a presente data, não há legislação específica a respeito da reprodução assistida (RA). Tramitam no Congresso Nacional, há anos, diversos projetos a respeito do assunto, mas nenhum deles chegou a termo. O Conselho Federal de Medicina (CFM) age sempre em defesa do aperfeiçoamento das práticas e da obediência aos princípios éticos e bioéticos, que ajudarão a trazer maior segurança e eficácia a tratamentos e procedimentos médicos.

A resolução de conflitos, diante da falta de legislação que regulamente a

reprodução humana artificial é considerada para alguns autores como sendo: “tudo

aquilo que não está proibido está permitido”. Todavia, Maria Helena Diniz entende

que na ausência de norma legal deve-se aplicar o artigo 4º da Lei de Introdução às

Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.557 de 1942), que aponta: “Quando a lei

for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os

princípios gerais de direito” (DINIZ, 2014).

Assim, conforme a doutrinadora, os impasses poderiam ser decididos

considerando dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), os artigos 1514, 1615 e

9916do Código de Ética Médica e a Resolução do CFM nº 2.013/2013, revogado pela

nº 2.121 de 2015.

O Código Civil de 2002 traz apenas um dispositivo que faz referência à

reprodução humana na legislação brasileira. O artigo 1.597, incisos III, IV e V

dispõe, que se presumem filhos, os havidos na constância do casamento,

considerando que: “havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido

o marido”, “havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários,

decorrentes de concepção artificial homóloga” e “havidos por inseminação artificial

heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido”.

Percebe-se, numa primeira leitura do dispositivo, certa falta de adequação do

14 Art. 15: É vedado ao médico: Descumprir legislação específica nos casos de transplantes de órgãos ou de tecidos, esterilização, fecundação artificial, abortamento, manipulação ou terapia genética. 15 Art. 16: Intervir sobre o genoma humano com vista à sua modificação, exceto na terapia gênica, excluindo-se qualquer ação em células germinativas que resulte na modificação genética da descendência. 16 Art. 99: Participar de qualquer tipo de experiência envolvendo seres humanos com fins bélicos, políticos, étnicos, eugênicos ou outros que atentem contra a dignidade humana.

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Código Civil de 2002 ao texto constitucional que também prevê a união estável como

forma de família, haja vista que o texto infraconstitucional somente traz hipóteses de

presunção de filiação nos casos em que estes nasçam na constância do casamento.

De outra banda, segundo o entendimento de Scalquette (2010), o dispositivo

em questão também é questionável por outros dois fatos: pela referência sobre a

necessidade de autorização do marido para realizar as técnicas de reprodução

humana assistida para que se configure a presunção de paternidade, enquanto

deveria constar a necessidade de autorização do casal, visto que a mulher também

precisa concordar em gerar um filho de uma terceira pessoa; e pela referência da

expressão “inseminação” excluir a fertilização in vitro, da previsão legal.

Apesar da falta de legislação acerca da reprodução assistida, que necessita de

solução urgente, existem alguns projetos de lei que visam regulamentar a temática

(MALUF, 2013).

A doutrinadora destaca alguns dos projetos e apresenta suas justificativas. O

Projeto de Lei 1.184/03, apresentado pelo Senador José Sarney, dentre outras

previsões, garantiria o acesso às técnicas, as mulheres solteiras e casais e

possibilitaria a quebra de sigilo dos dados do doador anônimo em casos de

necessidade clínica. O Projeto de Lei 2.855/97, formulado pelo Deputado Confúcio

Moura, também, dentre outros dispositivos, determina quanto ao acesso às técnicas

e a possibilidade de sigilo dos doadores anônimos.

Além destes, faz referência ao Projeto de Lei 120/03, apresentado pelo

Deputado Roberto Pessoa, que regulamentaria a possibilidade da investigação de

paternidade dos seres gerados através da inseminação artificial.

Roberto Pessoa, quando na propositura do Projeto de Lei, em 2003, já

entendia como necessária a possibilidade de investigação de paternidade pela

pessoa gerada através de inseminação artificial heteróloga, e que deveria ser

acrescentado na Lei 8.560, de 29 de dezembro de 1992, que regulamenta a

investigação de paternidade, o seguinte artigo:

A pessoa nascida de técnicas de reprodução assistida tem o direito de saber a identidade de seu pai ou mãe biológicos, a ser fornecido na ação de investigação de paternidade ou maternidade pelo profissional médico que assistiu a reprodução ou, se for o caso, de quem detenha seus arquivos.

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Parágrafo único A maternidade ou paternidade biológica resultante de doação de gametas não gera direitos sucessórios.

A justificativa do então deputado, é que as técnicas de fertilização assistida

devem ser uma preocupação ao legislador brasileiro, tendo em vista que os

procedimentos já são muito avançados no ramo da medicina, mas não no ramo da

bioética. Entende que futuramente a situação do ser humano gerado por gametas de

doadores anônimos poderá gerar inúmeras incertezas e conflitos que ainda não

possuem solução, como a possibilidade do indivíduo buscar alguma relação com a

família biológica ou de poder utilizar o nome do genitor biológico.

O grande impasse, que suplica por regulamentação, para o autor do projeto de

Lei é quanto ao direito à privacidade do doador de gametas e do direito a origens

biológicas do individuo gerado, uma vez que não há como optar por quem tem mais

direito, se o filho gerado ou o pai biológico.

Destarte, os princípios da bioética e a coercitividade do direito devem ser

utilizados para regulamentar a reprodução humana assistida. Os conceitos jurídicos

devem evoluir de acordo com as inovações da ciência (LOUREIRO, 2009).

Enquanto isso, a falta de lei específica sobre o tema no Brasil mantém um grande

conflito no que refere a decisões éticas e jurídicas na reprodução humana

medicamente assistida, como veremos no próximo capítulo.

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4 CONFLITOS BIOÉTICOS NA REPRODUÇÃO HUMANA

MEDICAMENTE ASSISTIDA

Entre o direito ao reconhecimento da origem biológica da pessoa gerada por

inseminação artificial heteróloga e o direito ao anonimato do doador de material

genético existe uma problemática crucial: ao se efetivar um direito, o outro não

poderá ser garantido.

Os direitos envolvidos na reprodução humana assistida são muitos

complexos, pois incluem interesses diversos – tanto é que, até os dias de hoje, a

legislação não os disciplinou no que diz respeito aos laços familiares. (MALUF,

2013).

As complicações que envolvem esta modalidade de reprodução humana

assistida se referem especificamente ao sigilo das pessoas envolvidas: de quem

escolheu gerar, do doador e do ser gerado. Os conflitos ocorrem em razão da

formação de vínculo jurídico entre a criança e as pessoas que desejaram a

concepção dela e da possibilidade (ou não) de vínculo entre o doador anônimo e a

criança gerada através do seu DNA (NAMBA, apud CALMON, 2015, p. 147).

O direito à verdade biológica é construído principalmente pelo princípio da

dignidade da pessoa humana, conjugado com o direito de desenvolvimento da

personalidade, fundamentado pela realização e compreensão da vida íntima da

pessoa (ALMEIDA, 2003).

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A maior crítica quanto aos conflitos existentes na inseminação artificial é da

estudiosa Maria Helena Diniz, que afirma que a reprodução artificial é somente a

solução do problema dos casais estéreis, porquanto acarreta diversos problemas

“jurídicos, éticos, sociais, religiosos, psicológicos, médicos e bioéticos” para a

criança. Ademais, entende que a prática deveria ser coibida, em razão dos riscos de

origem física e psíquica que sofrerá o indivíduo gerado, sem conhecer sua

descendência genética e identidade (2015, p. 683).

Ocorre, todavia, que as famílias formadas com a contribuição genética de

doador são uma realidade, e constituem família legitima. Neste sentido, atenta-se

para o fato da afetividade ter ganhado espaço e pode ter prevalência em relação ao

fator biológico (BRAUNER, 2003).

Considerando o que dispõe a 7ª Convenção Internacional dos Direitos da

Criança e do Adolescente da ONU, de 1989, promulgado pelo Decreto nº 99.710 de

21 de novembro de 1990, no artigo 7, toda criança deve ser registrada após o seu

nascimento, deverá possuir um nome, uma nacionalidade e, na medida do possível

deve conhecer seus pais e ser cuidada por eles.

Entretanto, o direito de conhecer e ser cuidado pelos próprios pais pode não

ser possível em todos os casos, visto que talvez seja necessário optar por não

proporcionar o direito de conhecer os pais biológicos à criança, quando este

encontro pode ser prejudicial a ela (BRAUNER, 2003). A doutrinadora entende que

não há necessariamente um conflito de direitos entre a criança e o anonimato do

doador, pois quem teve que optar pelas práticas de inseminação artificial terá o

comprometimento de informar à criança como foi desejado o seu nascimento.

Ocorre que não cabe responsabilizar a criança gerada através de

inseminação artificial, pela escolha de quem escolheu por gerá-la através com o

sêmen de doador.

Em regra – enquanto a Resolução 2.121 de 2015 é a única que prevê direitos

e deveres para doadores e receptores de gametas e embriões – o direito ao

anonimato do doador prevalece, embora isso implique em grave violação do direito

de identidade e a degeneração da espécie humana. Conforme a estudiosa Maria

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Helena Diniz (2015), o anonimato não deveria ser absoluto, pois o filho provido por

inseminação artificial heteróloga deve saber quem são seus ascendentes, mesmo

sem implicar em qualquer hipótese a filiação, principalmente quando estiver em

idade nupcial.

Para Scalquette (2010), embora a sugestão de Diniz pudesse evitar alguns

problemas envolvendo matrimônio, ainda não se resolveria possíveis problemas

relacionados à saúde das partes envolvidas, bem como problemas físicos e

psicológicos que venha a sofrer o ser gerado.

Em que pese ocorra uma oposição de interesses, e a regulamentação do

assunto esteja longe de se concretizar, uma das situações recorrentes na

inseminação artificial passou, recentemente a ter regra específica. Para se efetuar o

registro de nascimento da criança gerada através de reprodução assistida na

modalidade heteróloga, sempre foi necessária autorização judicial prévia. Não

existia uma regra específica para o registro, sendo sempre necessária a ação

judicial, o que, de acordo com a corregedora nacional de Justiça, ministra Nancy

Andrighi, impossibilitava a muitas crianças o direito mais básico de um cidadão, que

é o registro do nascimento (CORREGEDORIA..., 2016).

Devido a isso, a Corregedoria Nacional de Justiça, por meio do Provimento n.

52, de 14 de março de 2016 determinou que os pais, heteroafetivos ou homoafetivos

poderão comparecer diretamente em cartório para fazer o registro.

Esta possibilidade veio a tentar reduzir ou extinguir os problemas causados

pela antiga exigência. Exemplo de problema que ocorria, está na decisão do

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, abaixo apresentada, na qual, um casal

homoafetivo, que concebeu um bebê utilizando da técnica de fertilização in vitro, no

qual uma das mulheres cedeu os óvulos, os gametas masculinos foram doados por

anônimo, e a implantação dos embriões foi no útero da outra mulher, tudo com o

livre consentimento das pessoas envolvidas (RIO GRANDE DO SUL, 2013).

Durante a gestação, o casal ajuizou ação para o reconhecimento da filiação

com o nome das duas genitoras, a qual foi autorizada em sentença. Todavia, na

sentença o juiz de 1º grau determinou a inclusão da criança no polo passivo, com a

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nomeação de curador especial e ordenou a citação do Laboratório que forneceu o

gameta para a concepção da criança, a fim de preservar o direito da menina em

conhecer sua ancestralidade paterna (RIO GRANDE DO SUL, 2013).

Ocorre que as genitoras da criança agravaram da decisão, por entenderem

que o juiz ultrapassou os limites do pedido, quando julgou o direito da criança de

conhecer sua paternidade biológica. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

então manifestou-se sobre os aspectos polêmicos que envolvem conflito de direitos

que envolvem a reprodução assistida, porquanto presentes no caso:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PEDIDO DE REGISTRO DE NASCIMENTO DEDUZIDO POR CASAL HOMOAFETIVO, QUE CONCEBEU O BEBÊ POR MÉTODO DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA, COM UTILIZAÇÃO DE GAMETA DE DOADOR ANÔNIMO. DECISÃO QUE ORDENOU A CITAÇÃO DO LABORATÓRIO RESPONSÁVEL PELA INSEMINAÇÃO E DO DOADOR ANÔNIMO, BEM COMO NOMEOU CURADOR ESPECIAL À INFANTE. DESNECESSÁRIO TUMULTO PROCESSUAL. INEXISTÊNCIA DE LIDE OU PRETENSÃO RESISTIDA. SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA QUE IMPÕE O REGISTRO PARA CONFERIR-LHE O STATUS QUE JÁ DESFRUTA DE FILHA DO CASAL AGRAVANTE, PODENDO OSTENTAR O NOME DA FAMÍLIA QUE LHE CONCEBEU. 1. Por tratar-se de um procedimento de jurisdição voluntária, onde sequer há lide, promover a citação do laboratório e do doador anônimo de sêmen, bem como nomear curador especial à menor, significaria gerar um desnecessário tumulto processual, por estabelecer um contencioso inexistente e absolutamente desarrazoado. 2. Quebrar o anonimato sobre a pessoa do doador anônimo, ao fim e ao cabo, inviabilizaria a utilização da própria técnica de inseminação, pela falta de interessados. É corolário lógico da doação anônima o fato de que quem doa não deseja ser identificado e nem deseja ser responsabilizado pela concepção havida a partir de seu gameta e pela criança gerada. Por outro lado, certo é que o desejo do doador anônimo de não ser identificado se contrapõe ao direito indisponível e imprescritível de reconhecimento do estado de filiação, previsto no art. 22 do ECA. Todavia, trata-se de direito personalíssimo, que somente pode ser exercido por quem pretende investigar sua ancestralidade - e não por terceiros ou por atuação judicial de ofício. 3. Sendo oportunizado à menor o exercício do seu direito personalíssimo de conhecer sua ancestralidade biológica mediante a manutenção das informações do doador junto à clínica responsável pela geração, por exigência de normas do Conselho Federal de Medicina e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, não há motivos para determinar a citação do laboratório e do doador anônimo para integrar o feito, tampouco para nomear curador especial à menina no momento, pois somente a ela cabe a decisão de investigar sua paternidade. 4. O elemento social e afetivo da parentalidade sobressai-se em casos como o dos autos, em que o nascimento da menor decorreu de um projeto parental amplo, que teve início com uma motivação emocional do casal postulante e foi concretizado por meio de técnicas de reprodução assistida heteróloga. Nesse contexto, à luz do interesse superior da menor, princípio consagrado no art. 100, inciso IV, do ECA, impõe-se o registro de nascimento para conferir-lhe o reconhecimento jurídico do status que já desfruta de filha do casal agravante, podendo ostentar o nome da família que a concebeu. DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70052132370,

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Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 04/04/2013).

O desembargador Rui Portanova justificou a decisão, no sentido de quem

decide doar seu material genético anonimamente, tem a intenção apenas de auxiliar

quem tem o desejo de gerar uma criança e não pode, não tendo o desejo de

conhecer ou conceber ela como filha. Assim, a quebra do sigilo acabaria por

inviabilizar a prática, pois provavelmente não existiriam mais candidatos para a

doação. Entretanto, entende também o desembargador, que o desejo de não ser

identificado se contrapõe ao direito indisponível de reconhecimento do estado de

filiação, previsto no art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente (RIO GRANDE

DO SUL, 2013).

Neste caso, apenas entende não ser necessária a inclusão da criança no polo

passivo e a citação do laboratório, pelo fato do direito de conhecer a paternidade

biológica ser direito personalíssimo, que deve ser exercido apenas por quem

pretende investigar. Ressalta-se que no entendimento dos desembargadores que

julgaram o caso, se a criança quiser, em momento oportuno, ela poderá investigar a

sua paternidade, mesmo que a parentalidade socioafetiva se sobressaia em relação

à biológica (RIO GRANDE DO SUL, 2013).

Se o direito ao sigilo é uma garantia do doador com base na dignidade da

pessoa humana, em contrapartida, o direito à identidade que possui o filho gerado

com material genético doado, igualmente está compreendido na dignidade da

pessoa (SCALQUETTE, 2010).

Tendo em vista o exposto, o grande questionamento que permanece é: se a

criança gerada através de inseminação artificial heteróloga tem o direito de conhecer

sua origem genética e até que ponto o direito ao anonimato do doador de material

genético pode privar o indivíduo de conhecer informações básicas sobre a sua

identidade.

4.1 Do direito à origem – verdade biológica

Cada indivíduo se compreende no mundo, com base na sua história,

identificando-se, naturalmente, pelos dados biológicos de seus progenitores. Desta

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forma, o direito de conhecer a paternidade, aqui referida, corresponde à

necessidade de conhecer a origem biológica, embora se sustente que pai não é

apenas aquele que gera um ser, mas também aquele que proporciona amor e afeto

(ALMEIDA, 2003).

Aliás, o elemento que caracteriza a família contemporânea e fortalece a

relação entre pai e filho é o afeto. No entanto, é necessário observar aspectos da

filiação biológica, principalmente quanto aos direitos de personalidade e ao

resguardo da dignidade humana. Os direitos de personalidade determinam a

proteção dos atributos físicos e morais, porquanto essenciais à projeção do indivíduo

(FARIAS e SIMÕES, 2009).

O direito à origem ou identidade genética, ora abordado, é o direito que

possui a pessoa advinda de inseminação artificial heteróloga de conhecer os

atributos de sua personalidade, e de ter acesso a informações de quem são seus

parentes e quais as peculiaridades da saúde deles. Este direito assegura desta

forma, além da preservação da identidade do indivíduo, as informações necessárias

para evitar o incesto, bem como proporciona a possibilidade de se preservar de

alguma moléstia (DINIZ, 2015).

A identidade pessoal é a continuidade biológica que cada indivíduo possui,

sendo estabelecida pelo nome e aparência. Este conceito é inteiramente ligado com

o direito de personalidade, que deriva da própria genética. (FROZZA e OLIVEIRA,

2013).

A origem genética trata-se de “direito impregnado no sangue que vincula, por

parentesco, todas as subsequentes gerações” e nada pode obstar a pessoa de

conhecer seus parentes biológicos (FARIAS e SIMÕES, apud. MADALENO, 2009).

Entretanto, há de se mencionar que existe uma diferença entre o

reconhecimento da parentalidade (paternidade ou maternidade) e o direito ao

conhecimento da origem genética ou biológica – investigação da ancestralidade -,

embora ambas as ações sejam de investigar a paternidade ou maternidade.

Enquanto o primeiro se refere a um dado cultural que visa à inclusão de um

indivíduo em determinado grupo familiar, o segundo se refere especificamente aos

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dados genéticos. É neste sentido o direito do indivíduo gerado através de

reprodução humana assistida:

Qualquer pessoa tem direito a conhecer sua origem biológica, ainda que não implique atribuição de parentalidade. Pouco importa sua motivação, seja para satisfazer o anseio humano de saber de quem veio, seja para assegurar o direito à saúde (e a vida), para prevenção de doenças geneticamente transmissíveis (LÔBO, 2016, texto digital).

No Brasil, a identidade do ser humano é considerada um direito fundamental.

Nela estão inseridas todas as características dos indivíduos, inclusive o direito de

conhecer a origem genética. Assim:

O direito à identidade pessoal envolve um direito à historicidade pessoal, para que cada um possa saber como foi gerado, a identidade civil de seus progenitores e conhecer o seu primogênito genético, o que pode ser essencial para a prevenção e mesmo cura de doenças hereditárias. É correta a afirmação de que “a bobagem genética é hoje parte da identidade da pessoa”. Visto assim, a fórmula identidade genética compreenderia também o direito ao conhecimento da identidade dos progenitores (CABRAL; CAMARDA, apud KRELL, 2012, texto digital).

É importante esclarecer que não se trata de um dever, mas sim um direito de

quem quiser conhecer seus ascendentes biológicos. Não teriam impedimentos para

se ingressar com uma ação de investigação de paternidade, ou de origem biológica,

por duas razões: uma, que ninguém é obrigado a deixar de fazer alguma coisa, se

não em virtude da lei, e outra, porque se trata de direito fundamental do ser humano

(SALQUETTE, apud. Silva, 2010).

Ademais, conhecer sua ancestralidade, de acordo com julgamento do STJ, de

199117 é: “um direito humano que nenhuma lei e nenhuma Corte pode frustrar

(WELTER, 2003, p. 178).

Destarte, o interesse de esclarecer a origem genética não se refere a uma

possível atribuição da paternidade ou maternidade, pois o indivíduo já está vinculado

a uma família monoparental. A necessidade de conhecer a origem genética é quanto

à identificação que da natureza humana, das características físicas e mentais e

ancestralidade do ser humano. Frise-se, que este interesse não implica em questões

de filiação, na convivência ou quanto a pretensões econômicas (LÔBO, 2016, texto

digital).

17 Ac da 4ª T. do STJ, em 06.04.1991, rel. Sálvio de Teixeira de Carvalho, RSTJ 26∕380.

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Entendimento pouco diferente é do doutrinador Pedro Belmiro Welter, que

refere que na reprodução humana assistida o filho deve ter o direito de conhecer a

paternidade ou maternidade biológica, nos seguintes termos:

Se o filho não tiver um pai, a investigação poderá alcançar todos os efeitos jurídicos; b) se o filho já tiver um pai afetivo, os efeitos serão apenas para: b.1) por necessidade psicológica de conhecer (ser) a ancestralidade; b.2) preservar os impedimentos matrimoniais; b.3) preservar a saúde e a vida, em caso de doença grave genética (2003, p. 188).

No Brasil ainda não se chegou a um consenso sobre a viabilidade de a

pessoa gerada através de inseminação artificial heteróloga investigar sua origem

genética ou se deve-se garantir o direito ao anonimato. Sobre o assunto, ademais,

foi realizada uma votação no Conselho da Europa, que envolveu 14 países, dos

quais, nove decidiram ser a favor do anonimato do doador, enquanto cinco contra,

para garantir o direito da criança (LUZ, 2009).

O estudioso cita os procedimentos de três países: na Inglaterra não é

permitido o direito de conhecer a identidade; já na Suécia e na Noruega, ao atingir a

maioridade, o indivíduo tem direito de conhecer o doador, sem que isto implique na

filiação. A justificativa dos países é que todos devem ter pleno direito de conhecer

sua identidade.

Ademais, conhecer a origem biológica é importante para o desenvolvimento

da pessoa, e é direito que todos possuem pelo simples fato de nascer, e quando

existir a colisão de direitos com o doador anônimo deve prevalecer o direito do filho

por ser a criança a parte mais frágil envolvida, e seus direitos fundamentais serem

essenciais ao seu desenvolvimento (SCALQUETTE, apud VARGAS, 2010).

4.1.1 O princípio da dignidade da pessoa humana e princípio do melhor

interesse da criança e do adolescente

Não é possível apagar a origem biológica da criança pelo fato dela integrar

uma família socioafetiva. A criança ostenta todos os princípios constitucionais,

dentre eles, da liberdade, da prevalência de seus interesses e da dignidade da

pessoa humana. Desta forma, negar o direito de a pessoa saber quem são seus pais

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biológicos não seria um retrocesso e um atentado contra a Constituição Federal?

(WELTER, 2003).

O princípio da dignidade da pessoa humana é o princípio maior, previsto já no

primeiro artigo da Constituição Brasileira18, e é através dele que se estrutura o

Estado Democrático de Direito (DIAS, 2013).

Este princípio está essencialmente ligado a todos os seres humanos,

incluindo o direito à identidade genética e impõe um dever geral de respeito e

proteção. Kant faz uma distinção entre quem possui dignidade e aquilo que tem

preço, assim, entende que o que possui preço pode ser equivalente a outra coisa, e

quem está acima de qualquer preço e não pode ser equiparado a mais nada, possui

dignidade. Deste modo, toda conduta que equipare uma pessoa a uma coisa viola

este princípio (LÔBO, 2015, p.109).

Justamente a preocupação quanto à elevação dos direitos humanos foi o que

levou o constituinte a consagrar a dignidade da pessoa humana como valor máximo

da ordem constitucional. O princípio não significa apenas um limite para atuação do

Estado, mas um dever de não praticar e não permitir a prática de atos que atentem

contra a dignidade humana (DIAS, 2013).

No que concerne à ligação do princípio à família, explica a doutrinadora que a

ordem constitucional lhe dá especial proteção, para preservar as entidades

familiares e desenvolver as qualidades mais relevantes entre os membros da família,

quais sejam: o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o

projeto de vida comum.

Neste sentido, o respeito da dignidade da pessoa humana pode ser

facilmente percebido quando se trata dos grandes avanços da sociedade,

precisamente quando se refere à igualdade entre homens e mulheres,

reconhecimento de famílias não oriundas apenas do matrimônio, mas também no

reconhecimento dos filhos (FARIAS e SIMÕES, 2010).

18 CF, Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e

Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana;

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Madaleno (2015, p 48) complementa a dignidade da pessoa humana por:

[...] ser objetivo fundamental da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, pode se compreender que o respeito a dignidade humana é a base de sustentação para a realização do princípio democrático de direito.

Em razão de a família ter deixado de ser um núcleo com função econômica,

para ser baseado na afetividade, ela passou a ser a condução da valorização e

realização pessoal de seus membros, buscando efetivar a dignidade de cada um. A

criança e o adolescente, por estarem em formação da personalidade e

desenvolvimento, merecem proteção especial (PEREIRA, 2013).

A doutrina da proteção integral foi adotada na Convenção Internacional sobre

os Direitos da Criança, quando reconheceu direitos fundamentais para a infância e

adolescência, incorporada pelo artigo 227 da Constituição Federal de 1988, segundo

Maciel (2014). Conforme a autora, na análise do caso concreto, acima de todas as

circunstâncias deve pairar este princípio, que é o garantidor do respeito aos direitos

fundamentais e que objetivamente atende a sua dignidade como criança.

A Constituição Federal de 1988 expressamente prevê uma síntese do que

são os direitos fundamentais, no artigo 227, caput:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Partindo desse enunciado, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel, frisa:

“Princípio do melhor interesse, é, pois, o norte que orienta todos aqueles que se

defrontam com as exigências naturais da infância e juventude. Materializá-lo é dever

de todos” (2014, p. 70).

O entendimento e a aplicabilidade do princípio podem sofrer variações, pois

sua definição deve ser examinada no caso concreto. Para aplicá-lo, é preciso

identificar o que é mais justo e atende melhor o interesse da criança ou adolescente

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no caso concreto, fazendo distinção entre moral e ética, para acabar com as

exclusões e injustiças baseadas na moralidade. É possível que alguma coisa que

seja ética não seja moral, como por exemplo, negar a adoção a um casal

homossexual pode estar de acordo com o entendimento moral do juiz, mas não é

ético deixar uma criança sem família, porque seria contrário à moral de quem

decidiu. Desta forma, entende-se que é preciso atender sempre a dignidade da

pessoa humana para decidir o que é mais ético ao sujeito (PEREIRA, 2013).

Diferente da norma, os princípios devem ser aplicados proporcionalmente em

cada caso, pois se tem que “nos casos concretos, os princípios têm pesos diferentes

e que os princípios com maior peso têm precedência” (ARRUDA e BARBALHO,

apud ALEXY, 2014, texto digital). Diante disso, no mesmo contexto do conflito de

direitos, ocorre uma colisão de princípios fundamentais, porquanto o que pode

atender o direito a dignidade de uma pessoa, poderá, ainda que sem intenção,

atentar contra a dignidade do outro.

Por derradeiro, é preciso frisar que é fundamental respeitar a dignidade da

pessoa humana das partes envolvidas. Entretanto, de um lado deve-se atender o

princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, garantir a possibilidade

dele conhecer a sua identidade genética, proporcionar os direitos de personalidade e

de biparentalidade genética, e de outro, o dever de garantir o anonimato dos

envolvidos, porquanto se refere a sua privacidade.

4.2 Do direito ao anonimato – Direitos e Deveres do doador de material

genético

O doador de material genético tem a ciência de que seu DNA será utilizado

para gerar um ser, todavia, de maneira alguma ele assume o risco de ser pai ou

mãe. Ao contrário disso, o doador terá a certeza de que não se estabelecerá vínculo

com o ser gerado e que esta pessoa nem mesmo irá lhe conhecer. O doador possui

o direito fundamental de ter resguardada a sua intimidade (NAMBA, 2015).

A Constituição Federal, no artigo 5º, inciso X determina que: “são invioláveis a

intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a

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indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

A proteção da intimidade que a Carta Magna concede às pessoas se refere a

relações familiares e de amizades e envolve sentimentos, devido a isso vem a ser

tão protegida (MORAES, 2012).

Além da previsão constitucional, o Conselho Federal de Medicina, Resolução

2.121 de 2015 determina expressamente que: “Os doadores não devem conhecer a

identidade dos receptores e vice-versa”.

O Código Civil vigente determina também, no artigo 21 que “a vida privada da

pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as

providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”.

Neste sentido, entende-se que caberia ao magistrado decidir, em cada caso, a

possibilidade de contrariar a norma.

No entanto, cabe anotar que é dever do doador, que livremente dispôs de seu

material genético, abrir mão de qualquer incidência de direito que possa intentar

contra a criança gerada, como por exemplo, a direito à convivência e de

interferências que dizem respeito à educação dela (LOUREIRO, 2009).

O anonimato das partes envolvidas fica estabelecido em um termo assinado

por elas, o qual garante a preservação da identidade do doador e que este não terá

interesse em conhecer os beneficiários, e os beneficiários não terão interesse em

conhecer o doador (ARANHA, GARRAFA, LUSTOSA, MEIRELLES e

VASCONCELOS, 2014, texto digital).

Em crítica ao direito à verdade biológica e em defesa do direito ao anonimato,

merece referência o entendimento de Scalquette, apud Brauner (2010, p.81):

O anonimato é imposto tendo em vista a garantia da autonomia e o desenvolvimento normal da família assim fundada. A alegação de que a criança tem direito a conhecer sua origem genética realça a paternidade biológica, conceito já ultrapassado na doutrina mais moderna, uma vez que, atualmente, o Direito está começando a valorizar, de forma gradativa, a paternidade afetiva.

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Ademais, conforme a doutrinadora, a possibilidade de identificar o pai

biológico só deveria ocorrer quando houver casos de doença genética. Neste caso,

seria necessária uma autorização judicial para ter acesso aos dados do doador.

É necessário observar, além do mais, a possibilidade de reduzir o número de

pessoas dispostas a realizarem a doação de óvulos ou espermatozoides, tendo em

vista o receio de que futuramente a situação possa acarretar em deveres para com

os seres gerados pelos seus materiais genéticos.

4.3 . Hipóteses de Investigação da Paternidade Biológica na inseminação

artificial heteróloga

Diversos são os questionamentos que envolvem a possibilidade ou a negativa

de identificar o doador de sêmen na inseminação artificial heteróloga, como: O

direito ao anonimato tira o direito da criança de conhecer sua origem? A criança não

possui o direito de saber quem é seu pai? Quais os problemas psicológicos que esta

situação pode acarretar à criança? A criança teria direito de herança ou pensão

alimentícia? O direito de quem prevalece? (DINIZ, 2015).

Embora a regra do anonimato ainda prevaleça em relação ao direito do

reconhecimento da paternidade na hipótese de reprodução assistida heteróloga, a

colisão de direitos vai além da necessidade psicológica de desvendar a origem. Há

de se considerar também a possibilidade de o indivíduo gerado sofrer de doença

genética e necessitar do auxílio do doador para o tratamento da enfermidade, bem

como a hipótese de se desencadear um relacionamento amoroso entre parentes de

graus muito próximos (pais e filhos, inclusive), sem que os envolvidos saibam desta

condição (BRAUNER, apud. CASABONA, 2003, p.82).

Para tentar dirimir as controvérsias da reprodução humana assistida, seria

necessário usar por analogia as leis sobre adoção do Brasil, pois, tanto na adoção,

quanto nos métodos de reprodução artificial existem os pais biológicos, os pais

socioafetivos e a pessoa que foi concebida, que reclama o direito de conhecer sua

origem (ARANHA, GARRAFA, LUSTOSA, MEIRELLES e VASCONCELOS, 2014,

texto digital).

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O Estatuto da Criança e do Adolescente, portanto, em seu artigo 48 prevê

que: “O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter

acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais

incidentes, após completar 18 (dezoito) anos”. Assim, tem o adotado o direito de

conhecer sua origem biológica e a sua historicidade pessoal.

A ressalva para utilizar desta legislação por analogia, igualmente no caso de

adoção, é a impossibilidade de revogação do vínculo socioafetivo para se firmar o

vínculo biológico (ARANHA, GARRAFA, LUSTOSA, MEIRELLES e

VASCONCELOS, 2014, texto digital).

Contrário a essa possibilidade de equiparação, Edison Tetsuzo Namba

entende não ser possível porque no que refere à adoção, se desconstitui um vínculo

de parentesco, enquanto na reprodução humana assistida heteróloga o vínculo não

existe. Ademais, entende que o querer conhecer a origem biológica não possui

relevância prática, considerando que não cabe fazer menção à filiação, se ela é

biológica, socioafetiva ou jurídica, enquanto a Constituição Federal garante a

igualdade entre filhos (2015).

No entanto, toda fundamentação utilizada para garantir o direito do adotado

de conhecer a sua origem biológica, cabe para os indivíduos que foram gerados

através de inseminação artificial. Neste sentido, o Tribunal de Justiça do Rio Grande

do Sul julgou recurso de apelação interposto contra decisão que julgou

improcedente ação de investigação de paternidade cumulada com petição de

herança e ação negatória de paternidade (RIO GRANDE DO SUL).

No caso em tela, a investigante foi registrada como filha pelo companheiro de

sua mãe, com o qual criou laços de afeto. Veio a descobrir que não era seu pai

biológico apenas na adolescência e que sofreu muito em virtude disso. Todavia,

demonstrou que sua intenção era apenas receber os bens que seriam seus por

direito, enquanto filha biológica. Deste modo, a decisão:

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. SOCIOAFETIVIDADE. DESCONSTITUIÇÃO DO REGISTRO CIVIL. DESCABIMENTO.A moderna concepção de paternidade se enraíza no afeto entre o filho e quem o ampara com o invólucro do carinho e do amor, afastando a obrigação dovínculo biológico. É genitor quem contribui com a carga genética, mas é pai quem cria e protege, dedicando seu sentimento a quem registra

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espontaneamente e cuida durante vários anos. O desfazimento da anotação do nascimento, calcado em interesses apenas patrimoniais, compromete o caráter ético que deve presidir a demanda de filiação. APELAÇÃO

DESPROVIDA, VENCIDA A RELATORA, QUE DAVA PROVIMENTO PARCIAL. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70009571142, SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE

JUSTIÇA DO RS, RELATOR: JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS, JULGADO EM 01/12/2004).

Os desembargadores entenderam não ser possível afastar o vínculo entre a

investigante e seu pai registral, principalmente em razão do motivo alegado pela

autora – direitos sucessórios –, todavia, entendem que o reconhecimento trata-se de

um direito personalíssimo, que condiz com a própria imagem e identidade do ser

humano e, por isso, configura-se como direito fundamental. Desta forma, para

determinarem o direito da investigante de ter sua paternidade biológica reconhecida,

necessitaria de três efeitos jurídicos, quais sejam: a necessidade psicológica para

conhecer a origem biológica; para observar os impedimentos matrimoniais; e para

preservar a saúde e a vida do filho ou dos pais biológicos, em caso de doenças

genéticas graves (RIO GRANDE DO SUL).

Maria Helena Machado entende que existem grandes diferenças entre o filho

adotivo e o filho advindo de inseminação artificial heteróloga, pois o primeiro,

embora estranho biologicamente dos pais, possui o direito de investigar a origem

biológica porque a adoção é um ato oficial e público; enquanto o segundo, supõe “ a

falsificação consciente e oficial, por parte dos pais, numa certidão de nascimento”.

Devido a isso, é tão necessária uma solução jurídica que reconheça os direitos da

criança (2003, p.132).

Ora, enquanto falta legislação, a analogia com o que determina a lei da

adoção é medida adequada. Em vista disso, se o indivíduo entender ser elemento

essencial à sua personalidade, é necessário garantir o mesmo direito do adotado ao

ser humano gerado através de inseminação artificial, embora não acarrete em

nenhuma consequências jurídicas, como guarda, sucessões e outras obrigações, o

adotado que tiver interesse poderá ingressar, através de ação de investigação de

ascendência genética, a sua origem (ROSSATO, 2015).

Destarte, todos têm direito de conhecer sua verdade biológica e pouca

importa sua motivação, seja pelo desejo de conhecer sua ascendência, pela

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preservação da saúde ou para evitar o incesto, é direito fundamental da pessoa

(LÔBO, 2016, texto digital).

4.3.1 Necessidade psicológica

A proteção integral da criança e do adolescente proporciona ao ser humano,

ainda que na fase adulta, o direito de buscar tudo àquilo que beneficie o seu

desenvolvimento físico ou psicológico (MADALENO, apud GOLDHAR, 2015).

A questão emocional que envolve o direito de conhecer a origem e saber

quem é seu pai biológico é muito mais comprometedora para a integração

psicológica da pessoa, do que apenas a falta do sobrenome paterno na certidão de

nascimento (WELTER, 2003).

Neste sentido, se a investigação da origem genética é permitida para atender

uma necessidade psicológica da pessoa adotada, o mais correto não seria permitir

esta possibilidade ao filho concebido através de doador de material genético?

(SCALQUETTE, 2010).

De acordo com a doutrinadora, não são só para as moléstias que envolvem

genética que deveria haver a possibilidade de quebra do sigilo do doador,

considerando que a questão psicológica vai além da preservação da saúde, pois

pode determinar o comportamento do indivíduo durante a vida.

Neste sentido, há de se mencionar, de acordo com a autora Anete

Trachtenberger, que alguns homens, ao exigirem o exame de DNA para reconhecer

a paternidade de uma criança, não raro, possuem um histórico familiar de falta de

reconhecimento de paternidade, ou de abandono paterno. Daí, estas pessoas que

atingiram a idade adulta sem uma relação com a figura paterna entenderem que não

seria um problema outra pessoa enfrentar a mesma situação que em sua infância

enfrentou, situação que acarreta em um ciclo vicioso de seres humanos privados de

conhecer suas ascendências genéticas (WELTER, 2003).

Assim, diante das possíveis consequências negativas que podem causar ao

indivíduo, que se sente incompleto, é necessário considerar a necessidade

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psicológica dos seres humanos, de conhecer sua origem, sua história e identificar

quem são seus parentes consanguíneos.

4.3.2 Impedimentos matrimoniais

A Resolução 2.121/2015 do Conselho Federal de Medicina determina que as

clínicas que realizam os procedimentos de reprodução artificial mantenham um

controle dos nascimentos com o material genético de cada doador, não devendo

produzir mais de duas gestações de crianças de sexos diferentes em uma área de

um milhão de habitantes, com a finalidade de evitar o incesto entre irmãos e pais.

Ocorre, todavia, que esta previsão não é capaz de evitar relacionamentos

entre irmãos. Não difícil, os irmãos podem vir a se conhecerem nesta faixa de um

milhão de habitantes, sem saber da condição consanguínea. Quanto à delimitação

de gestações de crianças de sexos diferentes, a proposição é ultrapassada, visto

que não impede as relações homoafetivas. Por fim, o critério idade para

relacionamento também não segue um padrão, ou seja, existe a possibilidade, por

exemplo, de pais e filhos, avôs e netos, tios e sobrinhos se relacionarem.

O Código Civil vigente estabelece, no Art. 1.521, que não podem casar os

ascendentes com os descendentes, independente de o parentesco ser natural ou

civil, os afins em linha reta, adotante e adotado, irmãos biológicos, afetivos, adotivos

ou bilaterais, bem como demais parentes colaterais, até o terceiro grau.

Conforme refere Scalquette (2013, texto digital), é impossível ter um controle

de incesto, visto que na prática, uma cidade como São Paulo, por exemplo, que

possui mais de 11 milhões de pessoas, pode existir 24 pessoas que são irmãs e não

sabem desta situação. Desta forma, para evitar diversos prejuízos às relações

familiares e sociais, é necessária uma regulamentação urgente sobre o assunto.

Para a doutrinadora Maria Helena Diniz, uma maneira para tentar evitar o

incesto seria a criação de um mecanismo de controle governamental, que possuísse

os dados de todos os dos doadores e receptores de material. Medida esta é

fundamental inclusive para evitar a procriação entre parentes consanguíneos, o que

poderia vir a acarretar possíveis consequências graves à genética dos descendentes

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(2015).

Por fim, verifica-se que a proibição do incesto é a primeira lei que organiza a

sociedade humana, e diferencia-a dos animais. Existe entre as pessoas uma

verdadeira aversão ao incesto, e esta é mais uma razão para se conceder ao

individuo o direito de investigar sua origem (WELTER, 2003).

4.3.3 Doenças genéticas ou hereditárias

Na reprodução humana natural e na medicamente assistida, o direito de

conhecer a verdade biológica, além de atender às necessidades psicológicas e

impedimentos matrimoniais, é necessário para oportunizar ao indivíduo conhecer

sua ascendência genética para evitar ou curar grave doença genética (WELTER,

2003).

Então, se a quebra de sigilo for necessária em razão de alguma moléstia

grave, o pressuposto seria: o bem maior do ser humano, a vida. Teoricamente, a

quebra seria autorizada para salvaguardar a vida do indivíduo (SCALQUETTE,

2010).

De acordo com Maluf (2010, p. 86) “[...] o direito à vida prevalece então em

face dos outros direitos nos casos de conflito.” Portanto, sempre haverá a proteção

do direito à vida em detrimento de qualquer outro direito, mesmo quando ambos

forem amparados por princípios fundamentais, o direito à vida sempre prevalecerá

por ser este o maior bem protegido pelo direito.

Ademais, a Constituição Federal, artigo 5º, inciso XIV: “assegura a todos o

acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao

exercício profissional”. Welter apud Santos (2003) entende ser possível interpretar

tal fundamento legal como uma possibilidade do banco de sêmen ou do médico

revelar algumas informações sobre o doador anônimo, principalmente para

preservar a vida.

Todavia, no caso do doador do material genético, ou do indivíduo gerado

através dele, necessitar da doação de algum órgão, tecido ou parte do corpo a fim

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de auxiliar ou curar grave doença, poderia o doador ou o ser gerado negarem-se de

prestar auxílio um ao outro?

A Lei 9.434/1997, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do

corpo humano para fins de transplante e tratamento, determina, quando se trata das

partes do corpo humano vivo, em seu artigo 9º que “é permitida à pessoa

juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, órgãos e partes do próprio

corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge ou parentes

consanguíneos até o quarto grau”.

Para a realização da doação é necessária uma autorização judicial,

dispensada apenas em relação à medula óssea, ao sangue e ao sêmen. Outrossim,

a autorização por parte do doador deve ser feita preferencialmente por escrito e

diante de testemunhas, sendo revogável, a qualquer momento antes da

concretização, se for a vontade do doador ou seu responsável legal.

O artigo deixa claro que é permitida a doação de tecidos e partes do corpo,

entretanto, ela não é obrigatória. Trata-se da opção do doador ou do indivíduo

gerado pelo material genético do doador, aceitar a prestar o auxílio – um ao outro –,

em caso de necessidade.

Por derradeiro, é importante frisar que não será estabelecido um estado de

filiação. Embora seja concedido o direito de conhecer a origem biológica aos

indivíduos gerados por reprodução assistida, a filiação afetiva, constituída pelos pais

que escolheram conceber a criança, proporcionando a ela todo amor e cuidados que

necessita, prevalecerá.

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5 CONCLUSÃO

Se concepções de família já evoluíram com a Constituição Federal de 1988,

os avanços da Medicina trouxeram novos conceitos e discussões para o seio

familiar, sobretudo, à sociedade. Em especial, a relação paterno-filial passou a ser

valorizada, reconhecida independente de ser biológica, afetiva ou adotiva.

Os avanços científicos na área da reprodução medicamente assistida

trouxeram, por um lado, esperança, às pessoas que não podiam conceber

naturalmente um filho, por outro, trouxe preocupações e discussões, inclusive, de

mérito judicial.

Todo ser humano já nasce dotado de direitos, não diferente, o ser gerado

artificialmente pelo material genético de pessoa anônima. Este tem, igualmente,

direitos fundamentais, à dignidade, à personalidade e à origem biológica,

assegurados. Portanto, todo ser humano é formado por uma biparentalidade

genética e leva consigo características físicas e psíquicas dos seus ascendentes.

Em contraposto ao direito à origem biológica do ser humano gerado por

reprodução humana assistida na modalidade heteróloga aparecem os doadores de

óvulos e gametas, que se disponibilizam a auxiliar pessoas que não conseguem

procriar naturalmente, e têm direito ao anonimato, garantidos pela Resolução do

Conselho Federal de Medicina nº 2.121 de 2015, e pela Constituição Federal, no

que refere a inviolabilidade da intimidade e da vida privada.

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Diante da controvérsia de direitos, observou-se a necessidade de

demonstrar uma breve evolução histórica sobre as técnicas de reprodução

medicamente assistida, sobre a família e a ligação entre pais e filhos, pois tratam-

se de considerações relevantes para a melhor compreensão da problemática.

Desta forma, esta monografia ocupou-se de apresentar, no primeiro capítulo

do desenvolvimento, considerações gerais sobre a família, apresentando um breve

histórico da evolução familiar, abordando conceitos desde os primórdios até os

conceitos mais atuais. Além disso, foi analisada a importância do parentesco, para

que fosse possível analisar, também, os impedimentos matrimoniais.

Por conseguinte, no mesmo capítulo, os conceitos de filiação foram

explanados, inclusive historicamente, fazendo referência às discriminações que os

filhos sofriam. Em virtude disso, foi mencionada a importância do exame científico

que põe fim à dúvida da paternidade, o teste de DNA e, a possibilidade de ação de

reconhecimento para o indivíduo que foi privado de conhecer o pai biológico.

Neste contexto, a filiação foi estudada de forma mais específica na

reprodução humana assistida heteróloga, pelo fato de que a criança já nasce em

uma família afetiva e não existe, ainda, nenhuma legislação específica sobre o

assunto. Ao conceituar as técnicas de reprodução artificial, algumas questões

relevantes como a possibilidade de utilização em mulheres solteiras, casais

homoafetivos, viúvas e pessoas que vivem em união estável, estabelecidas pelo

Conselho Federal de Medicina e pela jurisprudência, foram mencionadas.

Nesta senda surge a bioética e o biodireito. A bioética estuda questões que

envolvem diversas áreas da ciência e humanas, sobre as quais não existe uma

concordância moral, e tem a intenção de determinar a realização de práticas

responsáveis quando envolvem a vida (MALUF, 2013). O biodireito é um novo

campo do direito, que tem a finalidade de dispor de normas adequadas, mantendo

uma divisão entre direito das coisas e das pessoas, embasadas por princípios

constitucionais fundamentais, como direito à vida e à dignidade da pessoa humana

(LOUREIRO, 2009).

O conflito de direitos apresentado neste trabalho reforça a necessidade do

direito acompanhar as evoluções da sociedade e da ciência, preservando o bem

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comum, oferecendo segurança jurídica e garantindo o princípio da dignidade da

pessoa humana. Até o momento, apenas a Resolução nº 2.121∕2015 do CFM dispõe

sobre a reprodução assistida e garante, apenas, o sigilo das partes envolvidas –

doador e receptores, nada considerando quanto ao direito da criança.

Por fim, o terceiro capítulo alcançou o ápice do estudo: a análise do conflito

ético-jurídico existente na reprodução assistida heteróloga, abordando o direito ao

sigilo do doador de material genético e o direito de conhecer a origem biológica que

possui a pessoa gerada pela técnica.

Foi indicada a possibilidade de a Lei da Adoção ser utilizada no caso, por

analogia, porquanto autoriza o adotado conhecer seus ascendentes genéticos,

principalmente através das hipóteses abordadas: necessidade psicológica,

impedimentos matrimoniais e doenças genéticas, mesmas hipóteses sugeridas no

trabalho. Ora, ao proporcionar ao indivíduo adotado este direito, é mais do que

razoável que se conceda, também, ao fruto da reprodução assistida heteróloga.

Dentre os entendimentos favoráveis ao direito à origem genética, destaca-se

o doutrinador Paulo Lobo (2016), que defende que todos têm direito de conhecer

sua ascendência, pouco importando sua motivação. A doutrinadora Scalquette,

apud. Silva (2010) entende que não se trata de um dever e, sim, de uma opção, ou

seja: quem quiser, deve ter o direito de conhecer sua origem. Ademais, a estudiosa

entende que ninguém é obrigado a deixar de fazer alguma coisa, se não em virtude

da lei.

A pesquisa endossa o fato de que não existe lei garantindo a possibilidade de

reconhecer os ascendentes, assim como não há alguma que justifique a possível

negação do direito de conhecer a sua origem ao indivíduo concebido por reprodução

humana assistida na modalidade heteróloga.

Há de mencionar, por outro lado, que o doador disponibiliza seu material

genético, com o exclusivo interesse de ajudar àqueles que possuem o sonho e a

impossibilidade de procriar. Desta forma, não possuem interesse em criar vínculo

com os receptores do material, nem com a criança gerada. Devido a isso, destaca-

se que em nenhum momento sugere-se que seja declarado um estado de filiação e

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que incorram obrigações como alimentos e sucessões ao doador. Trata-se, portanto,

apenas de garantir o direito de conhecer sua verdade biológica, sua ancestralidade,

enquanto atributo essencial à personalidade.

Diante da análise do problema proposto para o estudo – qual direito tem

maior relevância, o direito de sigilo que possui o doador anônimo ou o direito à

origem biológica, que possui o ser humano gerado por material genético de doador?

– pode-se concluir que a hipótese inicial é verdadeira, visto que se reforçou que o

direito à origem genética é direito de personalidade, assegurado pelo princípio da

dignidade da pessoa humana. Saber a sua história, identificar suas características

físicas e psicológicas no seu ascendente é direito de todo ser humano.

A análise, bem como, a elaboração e aprovação de alguma lei que regule o

direito de personalidade na reprodução assistida, para garantir ao indivíduo, enfim, o

direito fundamental à quem está sendo privado dele é urgente e se faz necessária

para atender uma demanda da sociedade moderna.

Por fim, neste panorama, conclui-se que todo ser humano privado de

conhecer sua origem genética tem o direito de conhecê-la. O anonimato do doador

deve ser relativizado, e quando necessário desconsiderado em prol do direito maior:

o direito da pessoa de conhecer a sua origem, intrinsecamente ligado com a

dignidade da pessoa humana.

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