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CENTRO UNIVERSITÁRIO DAS FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS FACULDADE DE DIREITO A LOCAÇÃO NOS SHOPPING CENTERS TÂNIA REGINA ALVES DE OLIVEIRA PEREIRA R.A n.º 505576-4 TURMA: 3209C FONE: 2521-5437 E-MAIL: [email protected]

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EMERSON PENHA MALHEIRO FABRÍCIO DE SANTIS CONCEIÇÃO

CENTRO UNIVERSITÁRIO DAS FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS

FACULDADE DE DIREITO

A LOCAÇÃO NOS SHOPPING CENTERS

TÂNIA REGINA ALVES DE OLIVEIRA PEREIRA R.A n.º 505576-4 TURMA: 3209C

FONE: 2521-5437 E-MAIL: [email protected]

A LOCAÇÃO NOS SHOPPING CENTERS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à banca examinadora do Centro

Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, como exigência parcial para a obtenção do grau

de bacharel em Direito, sob a orientação da Professora Cinira Gomes Lima Melo

São Paulo 2009

CENTRO UNIVERSITÁRIO DAS FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS

FACULDADE DE DIREITO

BANCA EXAMINADORA:

Professora Orientadora: ___________________________ Cinira Gomes Lima Melo

Professor Arguidor: ___________________________

Renata Giovanoni Di Mauro

Professor Arguidor: ___________________________ Aleksander Mendes Zakimi

Dedico este trabalho de conclusão de curso aos meus pais que sempre torceram e continuam torcendo por mim.

Agradeço a todos os meus familiares

que me acompanharam nesta jornada e sempre torceram pelo meu sucesso.

Agradecimento especial ao Flávio,

companheiro, compreensivo e paciente em todas as horas, nunca saiu do meu

lado durante todos esses anos.

Agradeço a todos os meus amigos, especialmente à Andréia, amiga sincera, que sempre me inspirou a concluir essa

trajetória com muita dedicação.

À minha empregadora Savoy que me deu a oportunidade de concluir este

curso.

Aos futuros colegas de profissão, Juliana, Marli, Eneas, Egídio e Carlos

Augusto, pela ajuda e incentivo.

Agradeço também às colegas de sala Tatiane, Vanessa, Michelli e Cíntia, que na vida acadêmica me ajudaram quando passei pelos momentos mais difíceis da

minha vida.

À Professora Cinira que, com muita paciência, me orientou neste trabalho e

ajudou para que ele fosse finalizado.

“O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada,

Caminhando e semeando, no fim terás o que colher.” (Cora Coralina).

SINOPSE

Este trabalho tenta demonstrar a importância que ganhou o

relacionamento entre empreendedores e lojistas, e a necessidade de se

estabelecer normas que regulem o equilíbrio desta relação. Foi

necessário apresentar um apanhado geral da origem do

estabelecimento Shopping Center, passando pelos institutos da locação

e da teoria geral dos contratos até se chegar ao ponto mais polêmico

que envolve esse negócio jurídico: os contratos de locação e sua

natureza jurídica. A partir daí foram analisadas as peculiaridades que

estão presentes neste empreendimento, compreendendo as principais

cláusulas especiais, entre elas, o aluguel fixo e variável, o aluguel em

dobro, a res sperata, a restrição à imutabilidade do ramo de atividade

exercido na área comercial e a proibição da cessão da locação. Foi

também explorado o instituto da responsabilidade civil que também se

faz presente na relação entre empreendedores e lojistas. Por fim, foi

apresentada a conclusão, adotando-se um posicionamento quanto à

natureza jurídica dos contratos de locação nos Shopping Centers.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................... 1

1. SHOPPING CENTER ...................................................................... 4

1.1 Aspectos Históricos ..................................................................... 4

1.2 Surgimento no Brasil ................................................................... 6

1.3 Conceito e Finalidade .................................................................. 9

1.4 Estrutura ...................................................................................... 12

1.4.1 Lojas Âncoras .................................................................... 12

1.4.2 Lojas Satélites .................................................................... 13

1.4.3 Praça de Alimentação ........................................................ 14

1.4.4 Lazer .................................................................................. 14

1.4.5 Estacionamento .................................................................. 14

1.5 Partes ............................................................................................ 16

1.5.1 Empreendedor .................................................................... 16

1.5.2 Lojista ................................................................................. 16

1.5.3 Administrador ..................................................................... 17

2. NOÇÕES GERAIS DOS CONTRATOS ....................................... 19

2.1 Princípios Gerais e Fundamentais ................................................ 19

2.2 Contratos Típicos e Atípicos ........................................................ 25

3. LOCAÇÃO DE IMÓVEIS .............................................................. 31

3.1 Locação – Conceito ...................................................................... 31

3.2 Locação Comercial ....................................................................... 33

4. A LOCAÇÃO NOS SHOPPING CENTERS ................................ 36

4.1 Características Peculiares ........................................................... 36

4.1.1 Natureza Jurídicas dos Contratos nos Shopping Centers.. 37

4.1.2 Aluguel Fixo e Variável .................................................... 45

4.1.3 Aluguel em Dobro ou 13º Aluguel ................................... 48

4.1.4 Res Sperata ........................................................................ 51

4.1.5 Fundo de Promoção ........................................................... 54

4.2 Outras Cláusulas do Contrato de Locação nos Shopping Centers

e a Lei de Locações .................................................................... 57

4.2.1 Respeito ao Tenant Mix ..................................................... 58

4.2.2 Cessão da Locação e Mudança do Quadro Societário da

Empresa Locatária .............................................................. 61

4.3 Ação Renovatória ........................................................................ 66

5. RESPONSABILIDADE CIVIL ..................................................... 69

CONCLUSÃO ...................................................................................... 73

BIBLIOGRAFIA .................................................................................. 79

1

INTRODUÇÃO

É de grande relevância a abordagem do tema proposto neste trabalho,

visto que os Shopping Centers, presentes em várias cidades do mundo, oferecem

tudo aquilo que o consumidor busca: segurança, conforto e comodidade.

No Brasil, seu crescimento teve início nas capitais e foi se espalhando

pelas cidades do interior dos Estados, conquistando considerada importância por

movimentar a economia do País, gerando empregos em diversas áreas e sendo

referência nas expectativas de sucesso de vendas do comércio.

Infelizmente o nosso ordenamento jurídico não acompanhou no

mesmo ritmo a expansão desses centros comerciais. A discussão que envolve a

locação nos Shopping Centers passou a ter crescimento expressivo. Tanto isso é

verdade que, com o aumento das demandas forenses, o Poder Judiciário ficou

com a base legal limitada para aplicar sentenças.

Diversos são os debates calorosos acerca do assunto, principalmente

no que se refere à natureza jurídica dos contratos entre empreendedores e

lojistas, e à legalidade das cláusulas peculiares, entre elas, a fiscalização do

faturamento bruto das vendas para aplicar o aluguel percentual, a cobrança do

aluguel dobrado em dezembro, o pagamento da res sperata e do fundo de

promoção, a restrição à cessão da locação e à imutabilidade do ramo de

atividade.

É por conta destas cláusulas especiais, que hoje tramita na Câmara dos

Deputados, um Projeto de Lei que visa alterar a Lei nº 8.245/91.

2

A aplicação analógica da Lei nº 8.245/91 não parece ser suficiente,

por isso, se faz necessário que a relação entre empreendedor-locador e lojista-

locatário tenha um tratamento diferenciado daquele destinado à locação típica.

Acredita-se que, com um regramento específico para as locações nos

Shopping Centers, as disputas judiciais tenderão a diminuir e as relações

jurídicas inerentes à esse negócio jurídico tal peculiar, além de se tornarem mais

imparciais, resultarão no equilíbrio que tanto se busca.

Em relação à metodologia utilizada neste trabalho, cumpre informar

que as fontes citadas fazem partem da doutrina nacional. Em alguns capítulos

será possível encontrar opiniões semelhantes, enquanto que em outros haverá

posições divergentes.

Fez-se uso também de artigos obtidos na internet, das Leis nºs

8.245/91 e 10.406/2002 e de algumas jurisprudências proferidas pelos Tribunais

de Justiça.

No decorrer do trabalho, será apresentado um panorama geral do

Shopping Center, dividido em cinco capítulos, com ênfase para a natureza

jurídica que envolve esse tipo de locação.

No capítulo 1 é necessário apresentar informações históricas sobre a

origem desses empreendimentos, o surgimento e a evolução no Brasil. Neste

mesmo capítulo será trazido o conceito e a finalidade, além de sua estrutura

física e as pessoas que deles fazem partes. Este capítulo introdutório é essencial

para que se compreenda a diferença entre o comércio de Shopping Center e o

comércio de rua.

3

Já no capítulo 2 encontrar-se-á a abordagem sobre as noções gerais

dos contratos. Será demonstrada a importância da aplicação dos princípios

gerais e fundamentais que fazem parte do nosso ordenamento jurídico nos

negócios jurídicos, e a definição dos contratos típicos e atípicos.

O capítulo 3 cuidará do instituto da locação, propriamente dita, e da

locação comercial citada na Lei de Locações como Locação Não Residencial,

cujo tratamento envolve também a locação nos Shopping Centers, porém, de

forma genérica.

No entanto, é no capítulo 4 que será encontrado o objeto deste estudo:

a locação nos Shopping Centers, com ampla abordagem acerca do tema. De

início, serão analisadas as características peculiares sobre a relação jurídica em

questão, com destaque para a natureza jurídica e para as cláusulas especiais.

E, finalmente, no capítulo 5 considera-se importante mencionar a

discussão sobre a responsabilidade civil que envolve empreendedor e lojistas, já

que isso também está presente nos contratos de locação.

O objetivo deste trabalho é informar que as principais características

que fazem parte do relacionamento entre empreendedor e lojistas não podem ser

desgastadas pela falta de um tratamento diferenciado.

Optar-se-á por demonstrar a importância das discussões e opiniões da

doutrina e algumas soluções dadas pela jurisprudência, e, quando possível, se

posicionando em algumas esferas, mas sem a intenção de apresentar respostas

para os questionamentos mais polêmicos.

4

1. SHOPPING CENTER

1.1 Aspectos Históricos

Antes de iniciar o tratamento deste estudo, é importante apresentar

algumas características históricas destes centros comerciais, mundialmente

conhecidos como Shopping Centers.

Não há até hoje uma unanimidade sobre o surgimento desses centros

comerciais. Algumas correntes afirmam que os Shopping Centers surgiram em

meados da década de 50, nos Estados Unidos, após a Segunda Guerra Mundial,

opinião esta compartilhada por MARIA ELISA GUALANDI VERRI:

Os shopping centers surgiram na década de 50, após a

Segunda Guerra Mundial, nos Estados Unidos da

América, por ter havido ‘aumento no poder aquisitivo da

população, o desenvolvimento da indústria automobilística

e a descentralização da população nas zonas periféricas’,

dentre outros fatores.1

Outras afirmam que os Shopping Centers, na verdade, tomaram forma

no Canadá, também na década de 50 por conta do rigoroso inverno que lá

predomina e da necessidade de haver em um único espaço, um local onde se

pudesse ter a disponibilidade de vários tipos de produtos, serviços,

1 VERRI, Maria Elisa Gualandi. Shopping Centers Aspectos Jurídicos e Suas Origens. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 23.

5

estacionamento, alimentação e diversão, conforme menciona MÁRCIO

PECEGO HEIDE.2

No entanto, o mesmo autor vai mais longe ao citar que:

Existe uma passagem bíblica na qual Jesus expulsa uma

série de mercadores de dentro de um templo, num acesso

de fúria incomum para os que o conheciam. A explicação

do porquê dos mercadores lá se encontrarem vem nas

entrelinhas do texto, que dá a entender que o templo

oferecia algum ‘conforto’ para a permanência dos que lá

ofertavam e buscavam certos produtos.

Na Idade Média muitos eram os mercados centrais, alguns

cobertos, ofereciam condições de estocagem de certa

quantidade de produtos perecíveis além de poder reunir

uma boa quantidade de mercadores que comercializavam

diversos tipos de mercadorias. Lembremos dos enormes

muros que os cercam e os asseguram.3

Ora, com esta citação é possível destacar algumas características que

ajudam a identificar a estrutura destes projetos arquitetônicos: conforto,

condições de estocagem de produtos, reunião de boa quantidade de mercadores,

diversos tipos de mercadorias, muros, segurança, são palavras que facilmente

são encontradas naquilo que os Shopping Centers proporcionam.

Diante disto, não há como afirmar que a origem desses centros de

compras seja dos Estados Unidos ou do Canadá, pois esses países podem ter se

2 HEIDE, Márcio Pecego. Traços Jurídicos, Físicos e Econômicos da Modalidade Chamada Shopping Center. Jan. 2009, Disponível em: <http://www.jusnavegandi.com.br>Acesso em: 02 jan. 2009. 3 Idem. Ibidem.

6

inspirado, cada um a seu modo, no que a História nos apresenta, já que o

pioneirismo de um complexo de serviços e mercadorias surgiu nos primórdios

da Idade Média.

1.2 Surgimento no Brasil

É evidente que países de Primeiro Mundo como Estados Unidos e

Canadá, ainda que não sejam comprovadamente os criadores dessa modalidade

de negócio, inspiraram outras nações e os Shopping Centers foram se

espalhando pelo mundo, e no Brasil, é claro, não poderia ser diferente, porém

por aqui, esse fenômeno começou timidamente conforme elucida MARIA

ELISA GUALANDI VERRI:

Analisada a evolução do comércio varejista, chega-se à

conclusão de que no passado recente só existiam as

chamadas ‘lojas de rua’, e que o comerciante tinha como

preocupação principal a área de alcance de seu comércio,

ou seja, sua vizinhança. Tal preocupação facilitou a

criação, em algumas cidades, de verdadeiras comunidades

de comerciantes em áreas específicas – por exemplo, em

São Paulo, tornaram-se comuns ruas onde só se

comercializavam móveis, lustres ou mesmo artigos para

telefones.

Posteriormente, por criação das administrações

municipais, surgiram os chamados mercados municipais,

que reuniam o comércio alimentício e de utilidades

domésticas.4

4 VERRI, Maria Elisa Gualandi Verri. Op. Cit., p. 21.

7

No pensamento da autora, fica claro que a partir do comércio de rua já

ficou caracterizada a concentração de comerciantes em determinados pontos da

cidade que visavam atrair consumidores, primeiramente atraindo-os com

produtos específicos, e depois com o surgimento dos mercados municipais, a

reunião do comércio alimentício e de utilidades domésticas.

E continua:

Com o tempo foi-se desenvolvendo uma modalidade de

comércio mais sofisticado, com o surgimento das

chamadas galerias, ou centros de compra elitizados, que

reúnem em um mesmo local (normalmente no andar térreo

de grandes edifícios) lojas para comércio de vestuário e

para prestação de serviços (cabeleireiros, agências, etc.).

Também surgiram as lojas de departamento, que integram

em um só estabelecimento os mais diversos objetos de

comércio, da perfumaria aos objetos de cama e mesa, do

vestuário aos móveis.5

Nota-se que a oferta de vários tipos de serviços e produtos começaram

a dar forma ao que hoje os Shopping Centers representam, porém, inicialmente

aquelas prestações de serviços ou mercadorias não estavam direcionadas para

pessoas de classe mais humildes, o seu público alvo era a elite das grandes

sociedades.

E finaliza: Não existe um nível complexo de organização com relação

às galerias e lojas de departamento. Nas galerias há a

5 Idem. Ibidem, p. 22.

8

simples aglomeração de lojas em um mesmo espaço,

sendo os lojistas responsáveis por suas lojas, como se

isoladas loja simples, que tem a peculiaridade de vender

uma variedade imensa de produtos. Trata-se de loja que

demanda, com certeza, um grau de organização interno

acentuado, bem como muita publicidade; no entanto, estes

fatores dependem única e exclusivamente do proprietário.6

Do mesmo modo que as galerias inspiraram os primeiros projetos dos

Shopping Centers, era notável que os proprietários das lojas tinham

independência financeira em relação às suas vendas e/ou ao seu faturamento.

Não havia organização ou associação entre os lojistas e cada um trabalhava de

forma independente. Em poucos anos a estrutura e os conceitos das galerias

ficaram ultrapassados e finalmente surgiu o primeiro Shopping Center brasileiro.

No Brasil, há uma polêmica sobre qual foi o primeiro Shopping

Center aqui construído. Dois shoppings atribuem para si o título de pioneiro,

ambos surgidos na década de 60. De um lado, está o Shopping Iguatemi de São

Paulo, que surgiu em 1966 e de outro lado o Shopping Méier, localizado no Rio

de Janeiro e que abriu suas portas ao público em 1963, no entanto, este último,

talvez não tenha apresentado as verdadeiras características de um Shopping

Center, por isso, o Shopping Iguatemi possui mais referências.7

O fato é que após a década de 70, não demorou muito para que esse

tipo de negócio começasse a ter um crescimento expressivo, inicialmente nas

capitais, depois nas cidades interioranas dos Estados.

6 Idem. Ibidem, p. 22. 7 BRASILIA VIRTUAL.INFO. Tudo sobre Shopping Centers no Brasil. jan, 2009, Disponível em <http://brasiliavirtual.info/tudo-sobre/shopping-centers-no-brasil/>Acesso em: 27 jan. 2009.

9

1.3 Conceito e Finalidade

Na análise histórica, ficou demonstrado que não há uma unanimidade

em relação à criação primígena do Shopping Center, mas o termo “Shopping

Center” tornou-se universal, e igualmente foi adotado pelos brasileiros, tão

receptivos a estrangeirismos.

Para a ABRASCE (Associação Brasileira de Shopping Centers) o

Shopping Center seria um centro comercial planejado sob uma administração

única, composto de lojas destinadas à exploração comercial e à prestação de

serviços, sujeitas às normas contratuais padronizadas, para manter o equilíbrio

da oferta e da funcionalidade, assegurando a convivência integrada e pagando de

conformidade com o faturamento.8

Traduzindo literalmente o termo, Shopping Center nada mais é do que

um centro de compras, onde há a reunião de lojas, serviços, lazer, enfim, um

conglomerado de atividades diversas que atrai consumidores de várias classes

sociais.

LADISLAU KARPAT demonstra um conceito simplista e bem

humorado a respeito dos Shopping Centers:

... O Centro Comercial permite uma conjugação de

utilidade e lazer. Pode se fazer um rápido lanche na hora

do almoço e aproveitar o restante do tempo para se

comprar um sapato. É possível ir ao cinema, e depois, no

local jantar, sem a necessidade do incômodo de se

8 DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos, volume 3. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 55.

10

locomover para outro lugar, apenas para comer. Não resta

dúvida, que pelas razões apontadas, às quais ainda acresço

o fator segurança hoje de extrema importância, os Centros

Comerciais são verdadeiros núcleos de utilidade

destinados à servir a população.9

Segundo LADISLAU KARPAT, o Centro Comercial, como ele

prefere chamar, é um local que transmite prazer ao frequentador que ora faz um

lanche, ora faz compras, e tudo isso agregado à segurança que se faz necessária

nas grandes cidades.

O Professor AMADOR PAES DE ALMEIDA apresenta em sua obra

Locação Comercial (Ação Renovatória) o entendimento do Professor

ALFREDO BUZAID:

O shopping center não é um simples edifício, dividido

em numerosas lojas, com cinemas, butiques, armazéns,

restaurantes e áreas de lazer, cedidas a comerciantes de

atividades diversas. E tampouco é uma variedade de

estabelecimentos comerciais, que expõem à venda tudo ou

quase tudo quanto uma pessoa possa necessitar, a fim de

satisfazer às suas necessidades, comprando e levando em

seu automóvel, que estaciona em lugar próprio, todas as

mercadorias adquiridas.10

E segue na mesma linha de raciocínio ao concordar que:

9 KARPAT, Ladislau. Locação e Aluguéis em Shopping Centers, São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, p. 174. 10 AMADOR apud BUZAID, Alfredo. Locação Comercial (Ação Renovatória), 10 ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 165.

11

Conquanto um conglomerado de estabelecimentos

comerciais, na verdade, os shopping centers, longe de

serem apenas um conjunto de lojas, constituem, ao revés,

verdadeiro centro comercial ao qual convergem não só o

interesse de lojistas, mas também do próprio

empreendedor que participa dos lucros, o que a rigor se

constitui na sua inovação em relação às locações

comerciais comuns.11

Para ambos os autores, o Shopping Center está longe de ser apenas um

projeto arquitetônico que reúne lojas e serviços que atraem clientes interessados

em seus produtos. Na verdade, a sua principal característica é atender aos

interesses dos empreendedores e lojistas que têm como principal objetivo

angariar lucros.

Não discordando dos autores acima, MARIA HELENA DINIZ vai

mais longe ao mencionar que:

O shopping center envolve um complexo organizacional

relativo a sua localização, a sua viabilidade econômica, à

captação de recursos, à adesão ao tenant mix por parte dos

lojistas, que se subordinarão a um contrato normativo, que

traça normas para seu bom funcionamento e sucesso

comercial.12

Nas palavras da autora, não basta apenas haver a captação de

recursos, mas a finalidade é ter sucesso dentro de um empreendimento

organizado que valoriza a localização e a economia.

11 ALMEIDA, Amador Paes de. Locação Comercial (Ação Renovatória), 10 ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 165. p. 165 e 166. 12 DINIZ, Maria Helena. Op. Cit., p. 55.

12

Como resultado, o empreendedor espera que o seu negócio seja

referência para outros centros comerciais, de forma que possa também passar

para os lojistas e frequentadores a segurança de que o seu Shopping Center é

sinônimo de sucesso.

1.4 Estrutura

A estrutura física dos Shopping Centers costuma ter uma

padronização composta por lojas âncoras, lojas satélites, praça de alimentação,

lazer e estacionamento.

1.4.1 Lojas Âncoras

São as lojas de grande porte muito conhecidas pelo público.

Geralmente, são os magazines ou lojas de departamentos que vendem vários

tipos de produtos, tais como: cama, mesa, banho, moda feminina, masculina e

infantil, e algumas delas ampliam ainda mais o seu leque de mercadorias

vendendo eletroeletrônicos, eletroportáteis, móveis, entre outros.

As lojas âncoras costumam atrair grande parte dos consumidores aos

Shopping Centers, e em geral, ficam dispostas em lugares estratégicos onde há a

grande circulação de pessoas pelo mall (corredor).13

13 VERRI, Maria Elisa Gualandi Verri. Op. Cit., p. 27.

13

1.4.2 Lojas Satélites

São as lojas menores compostas por grifes e por outras marcas um

pouco menos conhecidas pelo público em geral.

O site LEXTEC define loja satélite como “loja de pequenas dimensões

que não possui a capacidade de atrair um grande número de pessoas e que por

essa razão se situa perto de uma lojas-âncoras”.14

Embora essa definição seja respeitável, não se pode desprezar o fato

de que existem lojas satélites que atraem o público consumista de determinadas

grifes.

MARIA HELENA DINIZ afirma que

os grandes departamentos que constituem as lojas-âncoras

procurarão favorecer as lojas menores, designadas

“magnéticas”, que usufruirão dos benefícios de seu

aviamento e dos excessos de sua expansão. Assim

enquanto as lojas-âncoras trazem para o shopping a

clientela que constituíram, as lojas satélites, ou

magnéticas, passarão a atrair para si a clientela. Com isso

todas auferirão lucros e vantagens.15

Com esse posicionamento, fica claro que lojas âncoras e lojas satélites

terão suas vantagens e lucros assegurados.

14 LEXTEC, Disponível em <http://www.instituto-camoes.pt/lextec/por/domain_3index/17802.html - 4k ->Acesso em: 06 jan. 2009. 15 DINIZ, Maria Helena. Op. Cit., p. 56.

14

1.4.3 Praça de Alimentação

É a área onde se concentram os restaurantes e as lanchonetes. Não há

como ir a um Shopping Center e encontrar esses estabelecimentos em locais

separados, já que existe uma área destinada especificamente para eles, o que de

uma certa forma, aumenta a concorrência entre esses comerciantes e os

frequentadores têm um variado cardápio à sua escolha.

1.4.4 Lazer

É um mix de atrações formado por cinemas, parques, área de jogos,

enfim, atividades que antes eram encontradas apenas em parques de diversões e

nas ruas podem facilmente ser encontradas nos Shopping Centers.

1.4.5 Estacionamento

É comum os Shopping Centers disporem de estacionamentos amplos

que procuram dar comodidade àqueles que frequentam os centros comerciais

para fazer compras, almoçar, divertir-se, ou simplesmente, passear.

Essas são as características físicas fundamentais de um Shopping

Center, porém, é necessário haver um planejamento da disposição das lojas e,

principalmente, do mix de produtos que serão oferecidos aos seus

frequentadores, como bem define a Revista SEMMA:

O tenant mix do shopping center é planejado com base

nos dados do estudo de mercado, a fim de oferecer ao

15

público freqüentador o perfil de lojas, serviços e demais

operações desejadas, visando também gerar uma

circulação adequada entre todas as áreas do

empreendimento.16

Esse planejamento cabe ao empreendedor que deverá objetivar a

conveniência entre os tipos e tamanhos de lojas e a sua perspectiva de lucro e

dos lojistas.

Além das características físicas citadas acima, há ainda espaços para

banheiros e telefones públicos. É importante salientar que há outras vantagens

atrativas aos consumidores, tais como a segurança e o horário de funcionamento,

conforme ilustra MARIA ELISA GUALANDI VERRI:

Há vantagens, principalmente com relação a

estacionamento, horário de funcionamento e segurança,

além da reunião em um mesmo espaço de uma pluralidade

de opções comerciais, tudo aliado a um ambiente

normalmente agradável.17

Resumindo, pode-se considerar que os Shopping Centers são

“pequenas cidades” que oferecem tudo o que o consumidor procura: artigos de

necessidade, lazer, diversão, alimentação, segurança, enfim, uma série de

facilidades que estão à disposição da população que faz desses

empreendimentos sucesso onde quer que se localizem.

16 SEMMA – Desenvolvimento e Viabilização do Varejo. Disponível em <http://www.semma.com.br/semma_shopping.pdf>Acesso em: 06 jan. 2009. 17 VERRI, Maria Elisa Gualandi Verri. Op. Cit., p. 27.

16

1.5 Partes

Há três figuras que fazem parte da estrutura jurídica dos Shopping

Centers e ocupam funções variáveis, caso a caso. São elas:

1.5.1 Empreendedor

Basicamente, trata-se do empresário que patrocina a construção do

centro comercial. MARIA ELISA GUALANDI VERRI nos oferece o seu

entendimento sobre o empreendedor:

... é aquele que desenvolve a idéia de criação do shopping

center, incluindo o estudo de localização deste, e congrega

a forma organizacional do shopping center, visando

manter um nível no mínimo satisfatório de resultados

econômicos.18

Em outras palavras, além de o empreendedor patrocinar a obra do

Shopping Center, caberá a ele manter a organização e o nível de excelência.

1.5.2 Lojista

É o comerciante que se dispõe em manter sua loja em um Shopping

Center, mas que ao mesmo tempo, se submete às regras por ele impostas.

18 Idem, Ibidem, p.29.

17

Novamente citando MARIA ELISA GUALANDI VERRI, o lojista

“estará sujeito a regulamentos tendentes a uniformizar as práticas do shopping

center do qual participa. É esta característica que faz do lojista de shopping

center uma figura diferente do lojista do chamado ‘comércio de rua’”. 19

Observando de forma panorâmica, o lojista de rua não tem que se

submeter às mesmas obrigações que o lojista de Shopping Center, visto que este,

deverá seguir todos os regramentos peculiares a este tipo de empreendimento,

enquanto que aquele tem independência total na atividade que comercial que

exerce.

1.5.3 Administrador

É a terceira figura que eventualmente poderá ser contratada pelo

empreendedor para administrar o centro comercial, tendo em vista que muitos

Shopping Centers são administrados pelos próprios empreendedores.

MARIA ELISA GUALANDI VERRI enumera as principais funções

do administrador que deverá, “definir o horário e funcionamento do shopping

center”, embora em nosso país haja uma padronização em relação aos horários

de funcionamento dos shoppings, além de

regular o fornecimento de água, luz e gás, o serviço de

carga e descarga, bem como de recolhimento de lixo;

manter a estrutura de pessoal para os serviços comuns, tais

como limpeza, manutenção e segurança, fiscalizar os

19 Idem, Ibidem, p. 30 e 31.

18

comerciantes, seja no âmbito fiscal, seja no âmbito da

apresentação do estabelecimento, representar o

empreendedor extrajudicial e judicialmente, etc.20

Diante de tanta responsabilidade, é evidente que o administrador tem

liberdade para cuidar do empreendimento, e cabe a ele fiscalizar todas as tarefas

e conservar o alto nível de prestação de serviços que o shopping se propõe a

oferecer.

20 Idem, Ibidem, p. 30

19

2. NOÇÕES GERAIS DOS CONTRATOS

2.1 Princípios Gerais e Fundamentais

Ao lado das obrigações de natureza contratual que assumem os

contratantes, devem estar presentes nos contratos princípios fundamentais que a

lei e a doutrina nos apresentam. Neste tópico serão demonstrados os principais

princípios, através de uma visão geral doutrinária.

Diz ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO que a

autonomia da vontade patenteia-se, a cada instante, no

ambiente dos contratos, que nascem sob sua influência

direta. É a vontade, que, ao manifestar-se, retrata o

interesse da pessoa física ou jurídica, no meio social.21

Seguindo o pensamento do autor, é através da vontade que são

firmadas as relações contratuais e os negócios jurídicos. Mas a vontade pode ser

ilimitada ou esbarra em alguns princípios de ordem pública? Vejamos o que nos

ensina SÍLVIO DE SALVO VENOSA:

Em tese, a vontade contratual somente sofre limitação

perante uma norma de ordem pública. Na prática, existem

imposições econômicas que dirigem essa vontade. No

entanto, a interferência do Estado na relação contratual

privada mostra-se crescente e progressiva.22

21 AZEVEDO, Álvaro Villaça, Teoria Geral dos Contratos Típicos e Atípicos: Curso de Direito Civil, 2 ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 25. 22 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p. 371.

20

Opinião semelhante apresenta ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO

quando afirma que:

No mundo atual, sentimos a imperante precisão de que o

Estado intervenha na ordem contratual, para que a mesma

não seja instrumento de escravização. Essa intervenção,

por normas de ordem pública, evita o desiquilíbrio.23

Por conta dessa limitação é necessário saber respeitar a liberdade no

âmbito dos contratos, como também entende ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO.

Para ele, devemos diferenciar a liberdade de contratar com a liberdade

contratual:

Pela primeira (liberdade de contratar) a todos é lícita a

elaboração dos contratos. Todos são livres para realizar

física e materialmente os contratos, desde que preenchidos

os requisitos de validade dos atos jurídicos. Entretanto, no

âmbito da liberdade contratual, na discussão das cláusulas

e condições contratuais, há, na prática, o prevalecimento

da vontade do economicamente forte.24

É evidente que a vontade das partes não está acima de normas gerais e

dos princípios que devem ser respeitados. A vontade deve estar dentro dos

parâmetros reguladores do Direito, e é por isso que o Estado, identificando os

abusos, está cada vez mais interferindo nas relações contratuais com o objetivo

de proteger a parte prejudicada.

23 AZEVEDO, Álvara Villaça, Op. Cit., p. 26. 24 Idem, Ibidem, p. 25.

21

Ainda, no entendimento de SÍLVIO DE SALVO VENOSA, a

liberdade de contratar deve ser vista sob dois aspectos. Pela visão da liberdade

ou não de contratar, propriamente dita, estabelecendo o contrato e seu conteúdo

ou simplesmente escolhendo-se a modalidade do contrato. As partes podem

escolher modelos contratuais do ordenamento jurídico (contratos típicos), ou

podem criar uma modalidade de contrato de acordo com suas necessidades

(contratos atípicos).25

Tanto nos contratos típicos quanto nos contratos atípicos, as normas

de ordem pública e os princípios gerais do Direito devem estar presentes, como

bem assevera ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO:

... não pode a vontade individual ferir a vontade coletiva (a

vontade do Estado), o da predominância da ordem pública,

que resta suprema (...) As normas de ordem pública não

podem ser alteradas pela vontade das partes, porque

representam um pensamento coletivo irremovível.26

Novamente discute-se a hierarquia entre a ordem pública e a ordem

privada. Não há como aceitar que a ordem privada supere a ordem pública, visto

que a proteção é exclusivamente para o interesse coletivo, de forma que a

vontade de uma parte não possa prejudicar a da outra.

Além da autonomia da vontade e da predominância da ordem pública,

o contrato válido e eficaz deve ser cumprido pelas partes. Esse princípio é

conhecido como força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda), segundo

o qual o contrato faz lei entre as partes. Se forem observados os pressupostos e

25 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p. 371. 26 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Op. Cit., p. 26 e 27.

22

requisitos subjetivos e objetivos necessários à sua validade e ao seu

cumprimento, suas cláusulas devem ser seguidas como se fossem imperativos

legais. 27

No entanto, o cumprimento do contrato não está limitado apenas na

fase de sua execução, por conta disso, o legislador previu, in verbis:

Art. 422: Os contratantes são obrigados a guardar, assim

na conclusão do contrato, como em sua execução, os

princípios de probidade e boa-fé.

Identifica-se pelo menos três as fases em que o contrato deve ser

cumprido. Na formação, ainda que apareça de forma implícita na lei, na

execução e na extinção do contrato, e são nessas três fases que estão presentes a

boa-fé objetiva e os bons costumes, conforme leciona ÁLVARO VILLAÇA

AZEVEDO:

... Aí está resguardado o princípio da boa-fé objetiva, ou

seja, a que implica o dever das partes, desde as tratativas

iniciais, na formação, na execução e na extinção do

contrato, bem como após esta, de agir com boa-fé, sem o

intuito de prejudicar ou de obter vantagens indevidas”28

Aqui está sendo analisado o comportamento das partes. Os

contratantes devem ter, acima de tudo, ética ao contratar e ao descontratar,

transmitindo lealdade, honestidade e segurança nas tratativas negociais.29

27 NETO, Nelson Zunino. Pacta Sunt Servanda x Rebus Sic Standibus: Uma breve abordagem. Mai. 1999, Disponível em: <http://www.jusnavegandi.com.br>Acesso em: 07 jan. 2009. 28 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Op. Cit., p. 29. 29 Idem, Ibidem, p. 28 e 29.

23

Destaca-se também do princípio da força obrigatória dos contratos, a

cláusula rebus sic standibus ou a teoria da imprevisão, que protege uma das

partes do contrato, quando há impossibilidade de cumprimento da obrigação

assumida, por brusca alteração da situação inicial, em que o contrato nasceu.30

A expressão rebus sic standibus é originária do Direito Canônico e

pode ser traduzida como “estando as coisas assim” ou “enquanto as coisas estão

assim”. O objetivo é aplicá-la quando ocorrer fato imprevisto ou imprevisível

posterior à celebração do contrato, de forma que a parte prejudicada fica

impedida de cumpri-lo.31

Essa cláusula está prevista no artigo 478 do Código Civil de 200232,

entretanto, para utilizá-la, é necessário que estejam presentes três pressupostos

fundamentais.

Em primeiro lugar, deverá haver uma alteração radical do contrato em

razão de circunstâncias imprevistas e imprevisíveis (álea extraordinária). Como

segundo pressuposto, deve haver o enriquecimento de um dos contratantes e

prejuízo inesperado e injusto do outro, e por fim, o contratante que sofreu o

prejuízo deve demonstrar a onerosidade excessiva que sofreu, tornando-se, para

ele, insuportável a execução do contrato.33

Finalmente o último princípio a ser apresentado será a função social

do contrato que está presente no artigo 421 do Código Civil de 2002, in verbis:

30 Idem, Ibidem,p. 33. 31 NETO, Nelson Zunino. Op. Cit. 32 Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação. 33 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Op. Cit., p. 34 e 38.

24

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão

e nos limites da função social do contrato.

Mais uma vez é o Estado o grande aplicador desta norma, como

comenta ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO:

Esse dispositivo alarga, ainda mais, a capacidade do juiz

para proteger o mais fraco, na contratação, que, por

exemplo, possa estar sofrendo pressão econômica ou os

efeitos maléficos de cláusulas abusivas ou de publicidade

enganosa.34

Nota-se que nem o legislador, nem a doutrina ficaram à margem da

necessidade de integrar esse princípio aos contratos e às relações negociais

existentes na sociedade. Todo contrato deve ter uma função social, conforme

nos ensina MIGUEL REALE:

Assim sendo, é natural que se atribua ao contrato uma

função social, a fim de que ele seja concluído em

benefício dos contratantes sem conflito com o interesse

público.35

E adverte: O que o imperativo da “função social do contrato” estatui

é que este não pode ser transformado em um instrumento

para atividades abusivas, causando dano à parte contrária

ou à terceiros, uma vez que, nos termos do Art. 187

“também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao

34 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Op. Cit., p. 32. 35REALE, Miguel. Função Social do Contrato. Nov. 2003, Disponível em: <http://www.miguel reale.com.br/artigos/funsoccont.htm>Acesso em: 07 jan. 2009.

25

exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo

seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons

costumes.”36

Conclusão, não há que se abusar de direitos protetivos que a lei

dispõe, pois quem o faz deverá responder por seus excessos.

2.2 Contratos Típicos e Atípicos É importante apresentar aqui as principais características dos contratos

típicos e atípicos, visto que os contratos de locação nos Shopping Centers,

atípicos mistos que são, fazem parte do objeto deste estudo.

No mundo dos negócios, como regra geral, impera a autonomia da

vontade que será materializada através de um instrumento contratual que poderá

ou não ser um daqueles descritos na lei. Se a avença contratual estiver descrita

em lei, estaremos diante de um contrato típico, caso essa avença contratual tiver

situações menos comuns, ou sui generis, que estão presentes na sociedade,

porém não tão presentes em lei, tem-se, portanto, um contrato atípico.37

A palavra típico é oriunda do termo latino “typus, i”, que significa

tipo, modelo, molde, original, retrato, forma, exemplar, imagem, classe,

símbolo, que serve de tipo, sendo que “typus” é originário do grego “typos” (o

que foi forjado, batido), do verbo grego “typto” (barjo, forjo).38

36 Idem, Ibidem. 37 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p. 406. 38 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Utilidade do Direito Romano na Caracterização dos Contratos Atípicos, Especialmente o de Utilicação de Unidade em “Shopping Centers”. Jul. 2000, Disponível em: <http://www.dirittoestoria.it/6/Contributi/Azevedo-Caracterização-contratos-atipicos-shoppings-centers:>Acesso em: 14 mar. 2008.

26

A denominação destes contratos é considerada nomenclatura nova

pela doutrina, já que essas expressões não existiam no Direito Romano. Os

romanos foram os principais estudiosos desses tipos de contratos e os

denominavam como contratos nominados e contratos inominados.39

SÍLVIO DE SALVO VENOSA nos traz uma distinção destas espécies

de contratos segundo o Direito Romano:

No Direito Romano, distinguiam-se os contratos

nominados e inominados, segundo fossem eles designados

pelo seu nome ou não. Os contratos nominados eram

formas contratuais completas, geradoras de efeitos

jurídicos plenos. Eram esses contratos protegidos por

ações, possibilitando a execução coativa. Eram os mais

importantes contratos nominados em Roma os de compra

e venda (emptio-venditio), mútuo, sociedade, locação de

serviços, comodato e permuta ou troca.40

O Direito Romano seguia apenas o formalismo e admitia tão-somente

as formas solenes de convenções, selada pelo acordo de vontades, porém com o

rigor de suas formalidades.41

Contudo, essa limitação existiu até a época do Imperador Justiniano,

que consagrou a categoria dos contratos inominados como um complemento e

uma generalização dos contratos reais, já que com a criação de novas figuras

contratuais, nascidas das necessidades sócio-econômicas, desencadeou o

processo de abrandamento do rigor do antigo quadro dos contratos.42

39 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p. 407. 40 Idem, Ibidem, p. 407. 41 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Op. Cit., p. 32. 42 Idem, Ibidem, p. 32.

27

Com o passar dos tempos, os contratos inominados passaram a ter

uma importância maior, dando proteção à parte que cumpria com suas

obrigações que por sua vez, tinha o direito de exigir a contraprestação do

contrato.43

Para SÍLVIO DE SALVO VENOSA, tendo em vista a doutrina

moderna, é mais conveniente a nomenclatura “típicos e atípicos, atendendo a

que não é a circunstância de ter uma designação própria (nomen iuris) que

preleva, mas a tipicidade legal”.44

ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO, além de considerar os termos

nominados e inominados obsoletos, apresenta argumento semelhante ao

mencionar que:

Assim, a aplicar-se, presentemente, essa terminologia,

deverá ela ser entendida com a devida ressalva da

doutrina, pois, muitas vezes, o contrato tem nome, no

ambiente de sua utilização, e não é nominado, dado que

não se encontra, devidamente regulamentado em lei.45

Realmente é mais conveniente adotar a nomenclatura sugerida pela

doutrina moderna, já que o mais importante não é observar se o contrato tem ou

não tem nome, mas se ele está regulamentado pela lei. Inclusive, o próprio

Código Civil de 2002 adotou os termos modernos.46

43 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p. 407. 44 VENOSA apud PEREIRA, Caio Mário da Silva, Op. Cit., p. 408. 45 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Utilidade do Direito Romano na Caracterização dos Contratos Atípicos, Especialmente o de Utilicação de Unidade em “Shopping Centers”, Jus Navegandi, Jul. 2000, Disponível em:<http://dirittoestoria.it/6/Contributi/Azevedo-Caracterização-contratos-atipicos-shoppings-centers:>Acesso em: 14 mar. 2008. 46 Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código.

28

Se faz necessário mencionar que o crescimento populacional, o

desenvolvimento social e econômico, as inovações tecnológicas, enfim, a

evolução dos tempos contribuiu para o aparecimento de várias formas de

contratos, porém a legislação não acompanhou esse crescimento, tratando os

contratos atípicos de forma superficial, sem tratamento específico. Grande parte

da doutrina sente a carência de regulamentação destes contratos.

Na opinião de ANTÔNIO RICCITELLI, o legislador teve a

oportunidade de regulamentar os contratos atípicos na promulgação do Código

Civil de 2002, porém não o fez, conforme descreve:

De fato, a previsão legal sobre contratos atípicos foi

expressamente contemplada pelo legislador infraconstitucional

apenas por um dispositivo, o artigo 425 do Código Civil

de 2002. A nosso ver, perdeu o legislador, não só a grande

oportunidade de aprofundar a análise, determinar a

classificação, o funcionamento e a expressa

regulamentação dos contratos atípicos, bem como, quando

tentou fazê-lo positivou a regulamentação do complexo

tema de maneira superficial e descontrolada. Exagerou no

formalismo ao indicar a resolução dos contratos como

solução única, contrariando frontalmente a orientação

básica da função social dos contratos, tão festejada pela

Comissão elaboradora do novo Código Civil.47

Já ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO alerta a importância de remediar

esta discussão ao afirmar que:

47 RICCITELLI, Antônio. Contratos Atípicos. Disponível em: <http://www.lopespinto.com.br/adv/publier4.0/texto.asp?id=376>Acesso em: 08 jan. 2009.

29

A importância do assunto é indiscutível, e a matéria

necessita de uma regulamentação para que os contratos

inominados sejam mencionados na lei, por meio de

tratamento genérico de princípios que, orientando sua

formação, limitem a autonomia da vontade privada,

evitando-se, com isso abusos e enriquecimento indevido.48

O mesmo doutrinador, inclusive, elaborou em sua obra Teoria Geral

dos Contratos Típicos e Atípicos, o esboço de um anteprojeto de lei para

regulamentar os contratos atípicos onde menciona, no artigo 4º

as partes devem utilizar-se do contrato atípico, segundo

sua função social, observando os princípios da boa-fé

objetiva, desde o momento anterior à formação do

contrato até o posterior a sua extinção; o princípio da

igualdade entre as partes contratantes, e, principalmente, o

da onerosidade excessiva para que não exista

enriquecimento injusto ou indevido.49

Nota-se, porém a sua preocupação em preservar nos contratos atípicos

a presença dos princípios fundamentais que norteiam os contratos e manter um

equilíbrio econômico entre os contratantes.

SÍLVIO DE SALVO VENOSA também contribui com este

pensamento ao citar que:

Outro aspecto que não pode ser esquecido é o fato de que

a reiteração social de uma forma contratual força o

legislador a tipificá-lo. Assim como há contratos típicos

48 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Op. Cit., p. 134. 49 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Op. Cit., p. 201.

30

em total desuso, como a constituição de renda, há

contratos atípicos cuja reiteração está a exigir (ou exigiu)

sua regulamentação, como ocorre com o arrendamento

mercantil (leasing), faturização, franchising etc.50

É necessário que a legislação faça a adequação entre o dinamismo da

sociedade e as relações contratuais. De qualquer forma, há que se ratificar

também, que para o Direito atual, não importa se o contrato é típico ou atípico,

ele faz lei entre as partes e deve ser cumprido.

50 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p. 408.

31

3. LOCAÇÃO DE IMÓVEIS

3.1 Locação – Conceito

Para o Direito Romano haviam três espécies de locação: i) a locatio

conductio rerum, locação de coisas, que ocorria quando o locador cedia ao

locatário o uso de um bem mediante soma em dinheiro; ii) a locatio conductio

operarum, que consistia na locação de serviços, onde um sujeito se comprometia

a prestar um serviço para o outro que o pagava; iii) a locatio conductio operis,

que se tratava da locação de obra ou empreitada, onde um sujeito encomendava

a outro a execução de uma obra mediante pagamento de um preço.51

No entanto, aqui será tratada apenas a locação de coisas que no

contexto atual, se dá mediante uma remuneração em dinheiro, conforme dispõe

o artigo 565 do Código Civil, in verbis:

Art. 565. Na locação de coisas, uma das partes se obriga

a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e

gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição.

(grifo nosso)

Temos aqui presentes características fundamentais que compõem a

locação: coisa, partes, prazo e pagamento.

A coisa não fungível tratada na lei, pode ser móvel ou imóvel, sendo

esta última objeto deste estudo.

51 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos em Espécie, volume 3. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 115.

32

Em relação às partes, o contrato de locação é bilateral, de um lado o

locador e do outro o locatário; e comutativo, pois gera obrigação para ambos,

locador e locatário.52

Segundo LADISLAU KARPAT, o conceito que temos no nosso

Código Civil ... vem a ser aproximadamente uma repetição do artigo

1.022 do Código Civil Português, que descreve a locação

como sendo, ‘(...) O contrato pelo qual, uma das partes se

obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma

coisa, mediante retribuição’. A definição do Código

Português é um pouco mais feliz que a nossa. É que, ao

utilizar a expressão gozo temporário, abrangeu todas as

locações, aquelas por tempo determinado e as celebradas

por período indeterminado. Isto porque, dentro da

conceituação, o gozo da propriedade, será sempre

temporário. Transfere-se o uso por um período, mediante

retribuição. Desta forma, o contrato de locação forma ao

lado de outros, um contrato típico e definido com precisão

em nosso Código Civil.53

No entendimento de LADISLAU KARPAT, o tempo que a lei

brasileira refere é desnecessário, já que para ele, o gozo da propriedade só pode

ser por prazo determinado ou indeterminado.

A locação também é onerosa, por isso, a retribuição ou pagamento são

chamados de aluguel ou aluguer54, que deve ser pago de forma periódica, e o seu

52 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p. 117. 53 KARPAT, Ladislau. Op. Cit., p. 19 54 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p. 120.

33

preço estipulado pelas partes. O mais comum é que essa retribuição seja dada

em dinheiro.55

SÍLVIO DE SALVO VENOSA, considera atual o conceito romano ao

mencionar que ... de forma geral, a locação, dentro do conceito romano

tradicional, é contrato pelo qual um sujeito se compromete,

mediante remuneração, a facultar a outro, por certo tempo,

o uso e gozo de uma coisa (locação de coisas).56

Interpretando as palavras da lei e do doutrinador, existe uma

obrigação recíproca entre as partes, pois enquanto uma delas obriga-se a

entregar a coisa não fungível, a outra, que recebe a coisa, obriga-se a pagar

determinada quantia pelo seu recebimento.

A locação dos imóveis urbanos, incluindo a locação em geral, a

locação residencial, a locação para temporada e a locação não residencial, está

amparada pela Lei nº 8.245/91.

3.2 Locação Comercial

SÍLVIO DE SALVO VENOSA explica que “as disposições gerais do

estatuto civil aplicam-se à locação de móveis e subsidiariamente, quando não

houver disposição específica, em contrário, às locações imobiliárias”.57

55 KARPAT, Ladislau. Op. Cit., p. 24. 56 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p. 116. 57 Idem, Ibidem, p. 116.

34

Destarte, no que tange à locação de imóveis urbanos, deve ser aplicada

a legislação específica, e subsidiariamente, a lei civil quando esta não

estabelecer tratamento contrário.

O doutrinador confirma sua opinião afirmando que “nas locações de

imóveis, há que se obedecer à legislação especial, embora a própria Lei do

Inquilinato ressalve a vigência pelo Código Civil das locações que enumera no

parágrafo único do art. 1º”,58 in verbis:

Art. 1º A locação de imóvel urbano regula-se pelo

disposto nesta Lei.

Parágrafo Único: Continuam regulados pelo Código

Civil e pelas leis especiais:

a) as locações:

1. de imóveis de propriedade da União, dos Estados e

dos Municípios, de suas autarquias e fundações públicas;

2. de vagas autônomas de garagem ou de espaços para

estacionamento de veículos;

3. em apart-hotéis, hotéis-residência ou equiparados,

assim considerados aqueles que prestam serviços regulares

a seus usuários e como tais sejam autorizados a funcionar;

b) o arrendamento mercantil, em qualquer de suas

modalidades.

Ora, conclui-se que excetuando as locações citadas no artigo acima, as

demais, devem ser reguladas pela Lei de Locações.

58 Idem, Ibidem, p. 116.

35

A Lei de Locações, disciplina ao lado das locações residenciais, em

um único diploma legal, as locações não residenciais para as quais, no passado,

vigoravam textos legais extravagantes.59

Fazem parte das locações não residenciais as locações comerciais

comuns, as locações de longa duração que antes eram protegidas pela Lei de

Luvas, atualmente revogada, as locações em Shopping Centers, e as locações

celebradas com pessoas jurídicas.60

As locações comerciais eram reguladas pela Lei de Luvas (Decreto nº

24.150). Com a sua revogação, todos os dispositivos que tratavam de locações

não residenciais foram amparados pela Lei de Locações.61

Hoje as locações não residenciais estão disciplinadas nos Artigos 51

ao 57 da Lei nº 8.245/91.

59 LADISLAU, Karpat. Op. Cit., p. 71. 60 Idem, Ibidem, p. 71. 61 Idem, Ibidem, p. 72.

36

4. A LOCAÇÃO NOS SHOPPING CENTERS

4.1 Características Peculiares

A locação em Shopping Center não se traduz apenas pela ocupação do

espaço físico da loja, tampouco pelo pagamento do aluguel e demais despesas

comuns. Aquele que se interessar em ter um negócio neste tipo de

empreendimento deverá se submeter às suas regras com poucas chances de

modificá-las.

Três são os documentos coligados que regulam os Shopping Centers,

e que juntos, impõem aos contratantes obrigações distintas: i) o contrato de

locação, que define as relações entre empreendedor-locador e o locatário em

relação ao espaço locado; ii) a Escritura Declaratória de Normas

Complementares ao Contrato de Locação que nada mais é do que um

complemento deste contrato com regras do comércio dentro do

empreendimento; iii) o Estatuto da Associação dos Lojistas, que cria um elo de

ligação (sic) entre os lojistas e um mesmo empreendimento com a finalidade de

promovê-lo em campanhas publicitárias.62

Parte da doutrina, como MARIA HELENA DINIZ, por exemplo,

acrescenta àqueles documentos um regimento que visa disciplinar o uso das

lojas e das áreas comuns, o aproveitamento dos serviços pelos frequentadores, a

clientela e os empregados das lojas, porém, caberá ao administrador do

empreendimento controlar a observância e aplicabilidade desse regimento.63

62 LADISLAU, Karpat. Op. Cit., p. 175. 63 DINIZ, Maria Helena. Lei de Locações de imóveis urbanos comentada (Lei nº 8.245/91), 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 242.

37

Por conta deste apanhado de instrumentos será discutida a natureza

jurídica dos contratos em Shopping Centers. No que tange ao seu conteúdo serão

analisadas as características peculiares que neles constam.

4.1.1 Natureza Jurídica dos Contratos nos Shopping Centers

Não há na doutrina posicionamento pacífico em relação à natureza

jurídica dos contratos nos Shopping Centers. Muitas são as correntes que

determinam diversas teorias sobre esse negócio jurídico tão peculiar, talvez seja

por isso que ele necessite de um regramento específico em nossa legislação.

RUBENS REQUIÃO, por exemplo, citou uma decisão judicial em

que, erroneamente, foi comparada a locação nos Shopping Centers com

sociedade em conta de participação, isso porque, naquele caso, em virtude da

cláusula de aluguel percentual, o locador foi transformado como sócio do

locatário no empreendimento.64

LUÍS ANTÔNIO DE ANDRADE nos adverte sobre o perigo de tal

comparação, visto que na sociedade em conta de participação deve haver o

rateio de lucros e perdas entre os sócios, o que na locação em questão, isso não

acontece. Se assim fosse, tal cláusula seria leonina.65

64 REQUIÃO, Rubens. Op. Cit. in: “Shopping Centers”, Aspectos Jurídicos / coordenadores: José Soares e Silveira Lôbo e Carlos Augusto da Silveira Lôbo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, p. 127 (o caso concreto não foi mencionado, apenas exemplificado). 65 ANDRADE, Luís Antônio de. Op. Cit. in: “Shopping Centers”, Aspectos Jurídicos p. 177.

38

A doutrina não nos apresenta uma teoria que defenda que a locação

nos Shopping Centers se assemelham às joint ventures, porém, muitos autores

apresentam paralelos sobre estes dois institutos.

Para MARIA ELISA GUALANDI VERRI, há diferenças notáveis

nestas duas figuras. Até porque quando há a concretização de um Shopping

Center, a interação que existe entre empreendedores e lojistas não configura a

joint venture, já que para esta, existe uma limitação temporal:66

De início, a joint venture é a parceria por um tempo

determinado, somente para um projeto específico, que tem

início, meio e fim. Ao contrário, o shopping center é um

empreendimento de duração ilimitada.67

Outros doutrinadores também demonstram que não há analogia entre

os Shopping Centers e a joint venture, como DINAH SONIA RENAULT

PINTO salienta:

Como podemos observar, os pontos afins são muito

tênues (associações de companhias, no caso da joint

venture para um determinado fim e associação de

empreendedores de lojistas em se tratando de shopping

center), mas as divergências são grandes (não há

intervenção governamental e o shopping center não possui

personalidade jurídica).68

66 VERRI, Maria Elisa Gualandi, Op. Cit., p. 97. 67 Idem, Ibidem, p. 96. 68 VERRI apud PINTO, Dinah Sonia Renault, Op. Cit., p. 97.

39

Ficou demonstrado, portanto, que a joint venture deve ter

personalidade jurídica e pode ser controlada pelo Estado. MARIA HELENA

DINIZ traz um conceito sobre a joint venture com seus principais propósitos:

... são associações de empresas, principalmente para

incentivar a formação de companhias tripartidas, em que

uma empresa multinacional se associa a grupos de

controle privado brasileiro e uma empresa estatal.69

Já o Professor MARCO AURÉLIO GUMIERI VALÉRIO define a

joint venture como

um acordo de parceria visando a consecução de um

projeto em conjunto, cuja importância e complexidade

reclamam a integração funcional, sem a qual, dificilmente

o empreendimento se concretizaria. 70

O que se sabe é que não se pode comparar a relação contratual de

lojistas e empreendedores com sociedade em conta de participação por faltar o

elemento essencial, a affectio societattis, ou seja, a manifestação de vontade de

se manter em sociedade. Também não é possível comparar Shopping Center

com joint venture, visto que esta apresenta relações pessoais entre sócios perante

terceiros, além de ter personalidade jurídica, o que não acontece com os

Shopping Centers.71

69 DINIZ, Maria Helena. Op. Cit., p. 67. 70 VALÉRIO, Marco Aurélio Gumieri. Cláusula Compromissária nos Contratos de Joint Venture, Jus Navegandi, Jun. 2002, Disponível em:< http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4175:>Acesso em: 23 jan. 2008. 71 DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos, Op. Cit., p. 67.

40

Outra comparação que é bastante comum é a semelhança com o

condomínio. O Professor ORLANDO GOMES apresenta a seguinte analogia:

O shopping center é um núcleo unitário de interesses.

Não chega a ser uma pessoa jurídica. Assemelha-se ao

condomínio especial da chamada “propriedade horizontal”

– semelhança que pode continuar a ser explorada pela

contribuição que a análise comparativa proporciona ao

estudo do novo complexo mercantil e esclarecimento de

sua natureza jurídica. 72

Isso porque nos centros comerciais os locatários participam com o

rateiamento das despesas do empreendimento tal qual o condomínio, porém, os

condôminos de cada unidade autônoma gozam de independência, desde que

obedecidas a sua destinação e a Convenção Condominial, além disso, o

incorporador, ao vender as unidades, se desligará por completo do

empreendimento.73

Mas ORLANDO GOMES concorda que a natureza jurídica dos

contratos nos Shoppings Centers não se trata de condomínio por apresentar as

seguintes diferenças: Não se verifica a divisão característica entre

propriedades individuais e propriedade comum

funcionalmente coligadas. Não há, senão

excepecionalmente, unidades autônomas pertencentes a

distintas pessoas e partes indivisas em compropriedade

forçada. Não se conjugam, em suma, partes privativas e

72 GOMES, Orlando, Op. Cit in: “Shopping Centers”, Aspectos Jurídicos, p. 91. 73 DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos, Op. Cit., p. 67.

41

partes comuns, eis que inexiste propriedade autônoma de

qualquer unidade do conjunto.74

Como visto, nos Shopping Centers, os espaços comerciais são

ocupados por locatários, exceto raríssimos casos em que os lojistas são

proprietários de suas lojas.

Além das diferenças acima, há ainda, a fiscalização constante do

empreendedor ou do administrador que farão valer as normas disciplinares

aplicáveis aos ocupantes das áreas comerciais.75

Há ainda, quem diga que o contrato de locação em Shopping Center

possui características de contrato de adesão, devida a imutabilidade da Escritura

Declaratória de Normas Complementares ao Contrato, do Estatuto da

Associação dos Lojistas e do Regimento Interno.

SÍLVIO RODRIGUES nos apresenta a diferença entre os contratos

em geral e os contratos de adesão. Para ele, nos contratos em geral é possível,

em uma determinada fase, haver o debate das cláusulas da avença, em

contrapartida, nos contratos de adesão, todas as cláusulas são previamente

estipuladas por uma das partes, cabendo à outra apenas aceitá-las, sem introduzir

modificações.76

Nota-se que a locação aqui tratada não está atrelada a uma simples

adesão, visto que, na locação, ainda que na fase preliminar, há o debate de ideias

e tratativas comerciais que interessarem para ambas as partes. Isso não acontece

74 GOMES, Orlando, Op. Cit., p. 91. 75 DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos, Op. Cit, p. 67. 76 VERRI apud RODRIGUES, Sílvio, Op. Cit., p. 90.

42

no contrato de adesão, já que não existe discussão em fase alguma, o que ocorre

é a imposição das cláusulas do contrato para quem quer contratar determinado

serviço.

Para MARIA ELISA GUALANDI VERRI pouco pode ser negociado

entre lojista e empreendedor, mas admite que o contrato de locação nos

Shopping Centers representa um contrato atípico misto com características de

contrato de adesão.77

A corrente acima será afastada, pois na relação em questão constam

situações atípicas materializadas no contrato de locação que não as tipificam

como contrato de adesão. Apenas para que não restem dúvidas, observemos o

seguinte acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Sergipe, in verbis:

APELAÇÕES CÍVEIS. SHOPPING CENTER.

DESPEJO. RESCISÃO CONTRATUAL C/C

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E

MATERIAIS. PRELIMINARES REJEITADAS.

MÉRITO. APLICAÇÃO DO ART. 54 DA LEI Nº

8.245/91. INAPLICABILIDADE DO CDC NA ESPÉCIE

DIANTE DA RELAÇÃO TRAVADA ENTRE

AGENTES EXPLORADORES DE ATIVIDADE

ECONÔMICA. NÃO CARACTERIZADO

CONTRATO DE ADESÃO POR FALTA DE

INEVITABILIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DA

BOA-FÉ OBJETIVA E DA FUNÇÃO SOCIAL DOS

CONTRATOS. INDENIZAÇÃO POR DANOS

MATÉRIAS REFERENTES ÀS BENFEITORIAS

DEFINITIVAMENTE INCORPORADAS AO IMÓVEL

77 VERRI, Maria Elisa Gualandi, Op. Cit., p. 92.

43

E PASSÍVEIS DE UTILIZAÇÃO PELOS ULTERIORES

LOCATÁRIOS E ÀS DESPESAS EFETIVADAS A

TÍTULO DE RES SPERATA. PRINCÍPIO QUE VEDA

O ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. DANOS

MORAIS DESCARACTERIZADOS. O INSUCESSO

DO NEGÓCIO É RISCO INERENTE AO COMÉRCIO,

ASSUMIDO PELO EMPRESÁRIO." CONHECIMENTO

E IMPROVIMENTO DO RECURSO INTERPOSTO NA

AÇÃO DE DESPEJO E PARCIAL PROVIMENTO DO

APELO MANEJADO NA AÇÃO DE RESCISÃO

CONTRATUAL. DECISÃO UNÂNIME. (grifo nosso).

(...) Por outro lado, a tais obrigações correspondem

deveres e direitos do empreendedor, que também não são

comuns. Direitos e obrigações, reciprocamente assumidos,

que resultam de contratação complexa, difusa e atípica.

Note-se que todas as regras são impostas pelo

empreendedor; porém, não se caracteriza contrato de adesão

por faltar o requisito da inevitabilidade. O interessado em ser

lojista não está obrigado a sê-lo, ou pelo menos não está

obrigado a tornar-se lojista naquele empreendimento, o

que já não acontece com o interessado no fornecimento de

água, energia elétrica, transporte coletivo, etc.78

Como teoria, é possível apresentar a opinião de ÁLVARO VILLAÇA

AZEVEDO que considera de natureza atípica mista a relação entre

empreendedores e lojistas, apresentando sua própria classificação para os

contratos atípicos, subdivididos em: contrato atípico no sentido estrito,

propriamente dito, e contrato atípico misto, formado por elementos típicos do

78 Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Apelação Cível nº 3771/2007. Relator: Desembargadora Clara Leite de Rezende. DJ: 10/03/2008. Disponível em <http://www.cjo.tj.se.gov.br/tjnet/jurisprudencia/processo_prod.wsp> Acesso em: 31 jan. 2009.

44

contrato de locação e pelos elementos atípicos que serão apresentados a seguir.

A atipicidade mista é conceituada assim:

... o elemento típico quando somado com outro elemento

típico, ou, mesmo, atípico desnatura-se, compondo esse

conjunto de elementos um novo contrato, uno e complexo,

com todas as suas obrigações, formando algo individual e

indivisível.79

Esse professor ensina ainda que, para se descobrir a tipicidade ou

atipicidade do contrato, é preciso fazer uma análise profunda das prestações de

dar, fazer ou não fazer, embora essas prestações estejam presentes tanto em

contratos típicos quanto atípicos.

A doutrina majoritária80 também milita na atipicidade mista desta

relação contratual, no entanto, há opiniões curiosas como a de RUBENS

REQUIÃO, por exemplo, que não vê no centro comercial uma figura modelada

por um contrato, mas a coordenação ou coligação de vários contratos, que

juridicamente estruturam a organização e a atividade.81

Já WASHINGTON MONTEIRO DE BARROS é categórico ao

afirmar que “esse contrato é, desenganadamente, o de locação, embora com

algumas peculiaridades que, todavia, não chegam a descaracterizá-lo”.82

79 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Utilidade do Direito Romano na Caracterização dos Contratos Atípicos, Especialmente o de Utilização de Unidade em “Shopping Centers”, Op.Cit.. 80 MARIA HELENA DINIZ, ORLANDO GOMES, MARIA ELISA GUALANDI VERRI e CELSO MARINI. 81 REQUIÃO, Rubens, Op. Cit., p. 142. 82 MONTEIRO, Washington de Barros, Op. Cit. in: “Shopping Centers”, Aspectos Jurídicos, p. 160.

45

Ora, por este raciocínio, o contrato de Shopping Center, sendo

simplesmente de locação seria um contrato tipificado, não haveria, portanto, a

necessidade de receber um tratamento especial da legislação.

É respeitável a opinião deste professor, mas esta postura vai contra a

teoria moderna apresentada majoritariamente pela nossa doutrina, que sempre

buscou normalizar a relação contratual do negócio jurídico aqui explorado, de

forma que sejam respeitados os princípios gerais e fundamentais que regulam o

nosso ordenamento jurídico.

4.1.2 Aluguel Fixo e Variável

O aluguel nos Shopping Centers não acompanha o mesmo critério das

locações em geral.

O sistema adotado pelos Shopping Centers é estabelecer um valor

como aluguel fixo, designado de mínimo, e um valor variável, que resulta da

aplicação de um determinado percentual sobre as vendas mensais, que serão

apuradas pelo empreendedor ou pelo administrador.83

Essa forma de arrecadação de aluguel não é nova, pois, LADISLAU

KARPAT cita o caso de uma casa de espetáculos que cobrava o aluguel com

uma quantia fixa por ano, além de uma certa quantia extra por cada espetáculo.84

MARIA ELISA GUALANDI VERRI, também contribui com

informação semelhante ao relembrar que:

83 Idem, Ibidem, p. 175. 84 KARPAT, apud MATTOS, João de, Op. Cit., p. 175.

46

Muito antes de existir shopping center no País já se

avençava aluguel composto de dois fatores: uma quantia

certa e líquida mensal e uma variante percentual sobre o

faturamento.85

O aluguel fixo ou mínimo é estabelecido de acordo com os metros

quadrados que a loja possui, podendo, inclusive, ser objeto de revisional caso se

mostre defasado com o mercado, e desde que decorrido o prazo trienal exigido

em lei.86

O aluguel variável ou percentual é calculado sobre a percentagem na

receita bruta sobre as vendas da loja, resultando em uma prestação pecuniária

proporcional ao faturamento mensal da atividade comercial do lojista.87

No entanto, o aluguel percentual somente deverá ser pago se suplantar

o valor do aluguel mínimo, neste caso, o lojista ou locatário deverá pagar

quantia correspondente à diferença entre os dois alugueres.88

De acordo com a MARIA HELENA DINIZ, esta maneira de cobrar o

aluguel dos lojistas de Shopping Center é válida, pois o empreendedor compensa

o que deixa de ganhar em lojas menos rentáveis, além de alcançar lucros e obter

retorno do capital investido no empreendimento.89

LADISLAU KARPAT também se mostra favorável ao

posicionamento de MARIA HELENA DINIZ. Para ele o empreendedor irá

85 VERRI, apud PEREIRA, Caio Mário da Silva, Op. Cit., p. 57. 86 DINIZ, Maria Helena, Tratado Teórico e Prático dos Contratos. Op. Cit., p. 62. 87 Idem, Ibidem, p. 62. 88 Idem, Ibidem, p. 62. 89 Idem, Ibidem, p. 62.

47

administrar o empreendimento com o resultado financeiro obtido e poderá ainda

planejar futuras melhorias e expansões para enfrentar a concorrência.90

A propósito, o Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu um acórdão,

concordando com a posição dos doutrinadores acima, com votação unânime,

conforme é possível verificar in verbis:

LOCAÇÃO. AÇÃO ORDINÁRIA DE REVISÃO

CONTRATUAL. (...) POSSIBILIDADE DE

PACTUAÇÃO DE ALUGUEL MÍNIMO E EM

PERCENTUAL. POSSIBILIDADE DE COBRANÇA

DE ALUGUEL EM DOBRO. CLÁUSULAS

PREVIAMENTE ACORDADAS. CONTRATO QUE SE

SUBMETE AO ARTIGO 54 DA LEI INQUILINÁRIA.

(...) OBSERVÂNCIA DA REGRA DO ARTIGO 421 DO

CÓDIGO CIVIL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.

APELO IMPROVIDO. (grifo nosso).

(...) Não existe ilegalidade na cobrança de aluguel mínimo

reajustável e aluguel em percentual sobre o faturamento. A

doutrina mostra que não existe abusividade nesse

procedimento.

(...) Ora, essa estipulação de aluguel dentre dois

parâmetros, um variável e dependente do faturamento

bruto e outro fixo e mínimo, nada tem de abusividade e é

corriqueira em locações em shopping centers.91

Demonstra-se aqui, portanto, que não há abusos por parte do

empreendedor em fixar um valor mínimo de aluguel e outro variável.

90 LADISLAU, Karpat. Op. Cit., p. 178. 91 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Seção de Direito Privado – 32ª Câmara. Apelação com Revisão nº 1186802-0/5. Relator: Desembargador Ruy Coppola. DJ: 13/11/2008. Disponível em <http://www.cjo.tj.sp.gov.br/jurisprudencia>Acesso em: 30 dez. 2008.

48

Existe, porém, uma preocupação em relação à forma de apuração das

vendas efetuadas pelo lojista, já que esta apuração é feita na “boca do caixa”,

como se diz comumente92, de modo que, o empreendedor ou seus prepostos

fazem a fiscalização no horário de funcionamento das lojas, mas é preciso

estabelecer que essa fiscalização deve ser discreta e comedida, como explica

LADISLAU KARPAT: ... uma fiscalização ostensiva que resulte em prejuízo de

vendas para o lojista não é adequada ou mesmo

aconselhável. Assim, o que se aconselha é que a

documentação contábil necessária, sujeita à verificação,

esteja em local onde não se atrapalhe a atividade exercida

no local. Ademais, também é aconselhável que o locador

não envie prepostos para fazer averiguações, em número

maior do que o necessário.93

A sugestão dada pelo doutrinador é interessante, pois se houver a

possibilidade de o locatário deixar os documentos contábeis em local de fácil

acesso, não será importunado no seu horário de trabalho e a fiscalização poderá

ser mais rápida sem lhe causar maiores constrangimentos.

4.1.3 Aluguel em Dobro ou 13º Aluguel

É comum o lojista ser obrigado a pagar o décimo terceiro mês de

aluguel nos meses de dezembro de cada ano como se fosse um décimo terceiro

salário, inclusive, MARIA ELISA GUALANDI VERRI fez essa analogia ao

mencionar que “a alegação é de que tal obrigação existe justamente para cobrir o

92 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Atipicidade mista do contrato de utilização de unidade em centros comerciais e seus aspectos fundamentais, Jus Navengandi, Set. 1989, Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/pecas/texto.asp?id=405 >Acesso em: 14 mar. 2008. 93 LADISLAU, Karpat. Op. Cit., p. 180.

49

pagamento do décimo terceiro salário devidos aos empregados utilizados pela

administração do shopping center.”94

MARIA HELENA DINIZ discorda dessa afirmativa. Para ela, o termo

“décimo terceiro aluguel” não é apropriado porque não é decorrente de mais um

aluguel e sim de uma forma organizacional do Shopping Center, já que o

objetivo é haver cooperação entre empreendedor e lojistas, e com o aluguel das

lojas, o empreendedor participa dos lucros obtidos por elas, e em contrapartida,

lhes oferece segurança e publicidade. E como dezembro proporciona maior

lucro ante as festas natalinas, o lojista paga remuneração mais alta, podendo

ocorrer o mesmo na Páscoa, Dia das Mães, Dia dos Namorados, o que geraria o

décimo quarto, décimo quinto ou décimo sexto mês de aluguel.95

O que ocorre na prática é inicialmente o lojista concordar com esta

cláusula, e depois voltar-se contra ela. Sentindo a dificuldade do comércio,

depois de um tempo, passa a questionar sua validade, muitas vezes alegando não

ter previsão legal.

Em 2002, a então Deputada Federal Zulaiê Cobra apresentou o

Projeto de Lei nº 7.137/2002, com o objetivo de “equilibrar a relação contratual

de locação de imóveis comerciais, principalmente em shopping centers”, e uma

das suas propostas é a proibição da cobrança do décimo terceiro mês de

aluguel.96Atualmente este projeto encontra-se em fase de tramitação na Câmara

dos Deputados.97

94 VERRI, Maria Elisa Gualandi, Op. Cit., p. 58. 95 DINIZ, Maria Helena, Tratado Teórico e Prático dos Contratos, Op. Cit., p. 63. 96 DIREITONET – NOTÍCIA. Projeto de Lei muda regras de contratos de locação comercial, Agência Câmara, Disponível em <http://www.direitonet.com.br/noticias/x/40/24/4024/p.shtml>Acesso em: 28 mar. 2008. 97 Informação fornecida pelo Centro de Documentação e Informação através do e-mail: [email protected] e pela Seção de Atendimento a População/SECOM, pelo e-mail: [email protected].

50

Respondendo ao questionamento se considera ou não válida tal

cláusula, LADISLAU KARPART defende a cobrança do aluguel em dobro.98

Posição semelhante apresentou a decisão do Tribunal de Justiça do

Estado de São Paulo ao dar provimento parcial aos Embargos à Execução,

in verbis:

EMBARGOS À EXECUÇÃO - ACOLHIMENTO DOS

EMBARGOS OPOSTOS PELO SÓCIO E REJEIÇÃO

DAQUELES OFERECIDOS PELA PESSOA JURÍDICA

- TEMPESTIVIDADE DOS EMBARGOS

APRESENTADOS DENTRO DO PRAZO DO ART. 738,

I, DO CPC - AUSÊNCIA DE NULIDADE DA

EXECUÇÃO QUE SE LASTREIA EM TITULO

EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL REVESTIDO DE

LIQUIDEZ - AUSÊNCIA DE NULIDADE DA FIANÇA,

NÃO VEDADA PELO CONTRATO SOCIAL -

FIANÇA, ADEMAIS, PRESTADA A OUTRA

EMPRESA DO MESMO GRUPO FAMILIAR, SENDO

AMBAS REPRESENTADAS POR UM ÚNICO SÓCIO,

A EVIDENCIAR O INTERESSE DA SOCIEDADE EM

PRESTAR A GARANTIA - JUROS DE 1% AO MÊS,

MULTA DE 10% E ALUGUEL EM DOBRO NO MÊS

DE DEZEMBRO PREVISTOS EM CONTRATO -

CLÁUSULA CONTRATUAL DISPONDO SOBRE O

PERCENTUAL DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

SOMENTE SE APLICA AOS CASOS DE DESPEJO

POR FALTA DE PAGAMENTO - EXCLUSÃO DO

RESPECTIVO VALOR, INSERIDO NA PLANILHA DE

CÁLCULO QUE INSTRUI A EXECUÇÃO - RECURSO

98 KARPAT, Ladislau. Op. Cit., p. 181.

51

PARCIALMENTE PROVIDO PARA ESSE FIM. (grifo

nosso).

(...) A irresignação quanto ao aluguel dobrado do mês de

dezembro é improcedente, porque a "Escritura

Declaratória de Normas Gerais Regedoras das Locações

de salões de uso comercial do Shopping Center Iguatemi

Campinas", incorporada ao contrato de locação,

estabelece, em sua cláusula 7.8 que "no mês de dezembro

de cada ano, o valor mínimo mensal reajustável eqüivalerá

sempre ao dobro de seu valor normal (fls. 46 da

execução).99

Como se vê, às vezes os contratos podem não trazer a previsão da

cobrança do décimo terceiro mês de aluguel, porém, certamente, esta cláusula

estará presente na Escritura Declaratória de Normas Complementares ao

Contrato, sendo, portanto, válida a cobrança de tal valor.

4.1.4 Res Sperata

Trata-se de reserva de espaço devidamente materializada em

documento apartado ao contrato de locação. É uma maneira que o futuro lojista

tem de garantir que terá seu lugar assegurado em uma das unidades do centro

comercial.

Normalmente, essa garantia é representada por um pagamento feito ao

empreendedor antes da efetivação da relação entre ele e o lojista, o que não

99 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Seção de Direito Privado – 28ª Câmara. Apelação com Revisão nº 641467/00. Relator: Desembargador César Lacerda. DJ: 12/07/2005. Disponível em <http://www.cjo.tj.sp.gov.br/jurisprudencia>Acesso em: 08 jan. 2009.

52

impede que esse ajuste seja feito concomitantemente com a assinatura do

instrumento firmado entre empreendedor e lojista para a utilização da unidade

do Shopping Center.100

Não há que se confundir a res sperata com luvas, visto que aquela tem

a finalidade de reservar um espaço no empreendimento ao lojista, através de

pagamento antecipado das despesas a serem feitas durante a construção da obra,

enquanto que as luvas representam a soma paga pelo locatário ao locador, na

locação comercial, pela valorização do local, acrescentando-lhe o valor

original.101

Para MARIA HELENA DINIZ a res sperata servirá para integrar o

fundo de comércio do empreendimento:

Esse contrato, que se perfaz na fase da construção do

shopping, não se confunde com o que vigorará, após a sua

edificação, para o uso das lojas. Isto é assim porque o

lojista, ao ingressar no empreendimento, tem por escopo o

fundo de comércio do empreendedor e em contrapartida

vem a remunerá-lo por meio da res sperata.102

Opinião contrária apresenta ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO:

Não me parece que a “res sperata” seja a construção do

centro comercial, ou a formação do seu fundo de empresa,

100 VERRI, Maria Elisa Gualandi, Op. Cit., p. 80. 101 MARINI, Celso. Shopping Center, Jus Navengandi, Mai. 2000, Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=609 >Acesso em: 14 mar. 2008. 102 DINIZ, Maria Helena, Tratado Teórico e Prático dos Contratos. Op. Cit., p. 61.

53

tanto que a utilizadora, mesmo durante a construção do

“shopping”, não espera o empreendimento ou o fundo

deste, como coisa a ser adquirida, mas, de futuro, espera,

sim, auferir lucros, em face de toda a promoção levada a

efeito.103

Independente das opiniões dos doutrinadores, a jurisprudência tem se

posicionado favorável à cobrança da “res sperata” como é possível observar na

decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, in verbis:

- LOCAÇÃO - EMBARGOS À EXECUÇÃO - AÇÃO

DIRECIONADA CONTRA EMPRESA LOCATÁRIA E

SUA FIADORA EMBARGOS A EXECUÇÃO

OFERTADOS POR SÓCIA DA LOCATÁRIA –

ILEGITIMIDADE RECONHECIDA - EXTINÇÃO

DEVIDA DOS EMBARGOS EM RELAÇÃO À PARTE

ILEGÍTIMA - A EXIGÊNCIA DA CHAMADA 'RES

SPERATA', NOS CONTRATOS DE RESERVA DE

ESPAÇO EM 'SHOPPING CENTERS', NÃO E

NULA NEM OFENDE O ARTIGO 29 DO DECRETO

N° 24150/34 (QUE FOI REVOGADO PELA LEI

8245/91), POSTO TRATAR-SE DA REMUNERAÇÃO

PELA CESSÃO AO LOJISTA DA PARCELA DO

FUNDO DE COMÉRCIO PERTENCENTE AO

EMPREENDEDOR - A SOLIDARIEDADE ENTRE

FIADORA E LOCATÁRIA AFIANÇADA E A

RENÚNCIA DA PRIMEIRA AO BENEFÍCIO DE

ORDEM DETERMINA A LEGITIMIDADE DE AMBAS

103 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Atipicidade mista do contrato de utilização de unidade em centros comerciais e seus aspectos fundamentais, Jus Navengandi, Set. 1989, Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/pecas/texto.asp?id=405 >Acesso em: 14 mar. 2008.

54

NA EXECUÇÃO DE DIVIDA PROVENIENTE DA

LOCAÇÃO RECURSO NÃO PROVIDO. (grifo nosso).

Na verdade, este Tribunal tem considerado "lícito e

legítimo o pagamento do valor correspondente à chamada

‘res sperata', nos contratos de reserva de espaço em

'shopping centers', posto tratar-se da remuneração pela

cessão ao lojista da parcela do fundo de comércio

pertencente ao empreendedor, essa exigência não é nula

nem ofende o artigo 29 do Decreto n° 24150/34 (que foi

revogado pela Lei 8245/91).104

De fato, a res sperata dá subsídio ao lojista para garantir a ocupação

de seu espaço ao empreendimento, no entanto, é necessário mencionar que a

finalidade da res sperata vai além desses conceitos.

Ao aderir ao empreendimento com o pagamento da res sperata, o

locatário estará fazendo valer o seu direito de continuar no espaço locado e pedir

a renovação de seu contrato de locação após o prazo de cinco anos, no mínimo.

Este direito está amparado no artigo 51 da Lei nº 8.245/91 que será tratado

adiante.

4.1.5 Fundo de Promoção

Ao ingressar em um centro comercial, o lojista deverá fazer parte do

quadro da Associação dos Lojistas do Shopping Center, e consequentemente

contribuir com o fundo de promoção.

104 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Seção de Direito Privado – 28ª Câmara. Apelação com Revisão nº 984983-0/4. Relator: Desembargadora Silvia Rocha Gouveia. DJ: 04/11/2008. Disponível em <http://www.cjo.tj.sp.gov.br/jurisprudencia>Acesso em: 09 jan. 2009.

55

O empreendedor também concorrerá com a contribuição ao fundo de

promoção, pagando importância proporcional às contribuições dos lojistas,

porém, compete à Associação dos Lojistas administrar esse fundo em proveito

coletivo dos próprios lojistas.

RUBENS REQUIÃO destaca a importância de ter o empreendedor

como membro da Associação dos Lojistas:

Daí por que também o empreendedor deve para ele

contribuir, pois as atividades decorrentes da propaganda e

das promoções vão se refletir no prestígio do nome do

“centro comercial”, aumentando sua produção, da qual

participa o locador.105

A Associação dos Lojistas é pessoa jurídica de direito privado sem

fins lucrativos e cabe a ela cultivar as relações entre os lojistas, promovendo-

lhes intercâmbio de informações e experiências; praticar atos que beneficiam os

interesses dos associados; e promover a divulgação das atividades do shopping

utilizando os recursos do fundo de promoção.106

Destarte, destaca-se, portanto, a finalidade principal do fundo de

promoção que é promover o empreendimento e consequentemente as lojas que

dele fazem parte.

Com as campanhas publicitárias, ações de marketing e outras

promoções ganha o empreendedor que terá aumento da frequência do público

nos corredores e o prestígio do shopping; ganha o lojista que com o aumento do

105 REQUIÃO, Rubens. Op. Cit. in: “Shopping Centers”, Aspectos Jurídicos, p. 149. 106 DINIZ, Maria Helena, Tratado Teórico e Prático dos Contratos, Op. Cit., p. 60.

56

movimento refletirá no aumento de sua clientela; e ganha até o consumidor que

poderá ter um atendimento personalizado e produtos de melhor qualidade.

Como se trata de uma contribuição obrigatória, LADISLAU

KARPAT questiona se o locatário pode ser despejado pelo não pagamento do

fundo de promoção, apresentando dois posicionamentos:

(...) a Associação dos Lojistas é a destinatória da

importância arrecadada a título de fundo promocional. Por

tal circunstância, retira do empreendedor, a legitimidade

de promover o despejo por falta de pagamento,

exclusivamente no tocante a esta verba.

Por outro lado, o lojista, que ao aderir ao

empreendimento, se comprometera a pagar esta despesa, e

não esteja cumprindo esta, infringindo o contrato de

locação, como as demais disposições nas quais conste a

obrigatoriedade desta contribuição. Nesta conformidade, a

locatária pode sofrer ação de despejo, tendo como

fundamento infração contratual.107

Ora, se da locação de Shopping Center fazem parte o Contrato de

Locação, a Escritura Declaratória de Normas Complementares ao Contrato de

Locação e o Estatuto da Associação dos Lojistas, parece claro que o

empreendedor tem legitimidade ativa para ingressar com uma eventual ação de

despejo em face do locatário que não contribui com o fundo de promoção.

De qualquer forma, empreendedor e lojista devem atentar para as

vantagens que o fundo de promoção promoverá aos seus negócios.

107 KARPAT, Ladislau, Op. Cit., p. 188 e 189.

57

4.2 Outras Cláusulas do Contrato Atípico de Locação nos Shopping

Centers e a Lei de Locações

Os contratos de utilização de unidades em Centros Comerciais, que se

realizam para ocupação de seus magazines, restaurantes e lanchonetes, são,

geralmente, chamados, simplesmente, de contratos de locação.108

As peculiaridades mencionadas no item anterior fazem parte das

obrigações as quais se submetem os lojistas que ingressam no empreendimento

de Shopping Center, porém outras obrigações também constam nas cláusulas

desses contratos.

Embora não haja legislação específica que regule esses contratos, a

Lei 8.245/91 dispõe de um artigo que trata exclusivamente das locações em

Shopping Centers, in verbis:

Art. 54. Nas locações entre lojistas e empreendedores de

shopping center, prevalecerão as condições livremente

pactuadas nos contratos de locação respectivos e as

disposições procedimentais previstas nesta Lei.

§ 1º O empreendedor não poderá cobrar do locatário em

shopping center:

a) as despesas referidas nas alíneas a, b e d do parágrafo

único do art. 22; e

b) as despesas com obras ou substituições de

equipamentos, que impliquem modificar o projeto ou o

108 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Atipicidade mista do contrato de utilização de unidade em centros comerciais e seus aspectos fundamentais, Jus Navengandi, Set. 1989, Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/pecas/texto.asp?id=405 >Acesso em: 14 mar. 2008.

58

memorial descritivo da data do habite-se e obras de

paisagismo nas partes de uso comum.

§ 2º As despesas cobradas do locatário devem ser previstas

em orçamento, salvo de casos de urgência ou força maior,

devidamente demonstradas, podendo o locatário, a cada 60

(sessenta) dias, por si ou entidade de classe exigir a

comprovação das mesmas.

Por conta dessa liberdade de contratar que a doutrina há muito clama

por uma regulamentação legal nos contratos de Shopping Center, pois nos

moldes atuais, o empreendedor fica livre para sobrepor sua autonomia da

vontade prejudicando a parte economicamente mais fraca, neste caso, o

locatário.

Muitas são as cláusulas controvertidas que compõem os contratos de

locação de Shopping Center, além daquelas relativas ao aluguel fixo, variável e

dobrado, a res sperata e o fundo de promoção, há ainda a imutabilidade do ramo

de comércio e a proibição da cessão da locação, que serão tratadas a seguir.

4.2.1 Respeito ao Tenant Mix

Conforme já visto, ao investir em um empreendimento, o empresário

deverá fazer um planejamento mercadológico das lojas que ocuparão o centro

comercial. Esse planejamento é conhecido como tenant mix.

O lojista, por sua vez, deverá apresentar, previamente, o projeto de

instalação de sua loja, com estudos sobre a configuração interna, decoração e o

59

mix de produtos a serem comercializados, cabendo ao empreendedor concordar

ou não com o projeto.109

Sendo aceito seu projeto, o lojista terá ciência de que não poderá

modificar a disposição de sua loja, tampouco o mix de produtos que

comercializa, salvo se houver a anuência do locador.

O Professor RUBENS REQUIÃO justifica essa imposição da seguinte

maneira:

Assim como o locador, nos contratos de locação comum,

pode destinar o uso da locação para determinado fim –

locação residencial ou locação comercial – a mesma

faculdade se arroga o empreendedor, distribuindo os

planos de lojas em função dos ramos de negócios.

Estabelece-se, dessa forma, no contrato de locação, a

cláusula que os locatários não poderão variar de ramo de

negócio, no curso do empreendimento, cingindo-se àquele

a que a loja foi destinada. Por esse meio o “centro

comercial” consegue manter imutavelmente diversificado

o empreendimento original planificado, sem desagregá-

lo.110

De fato é conveniente estabelecer essa proibição nos contratos, pois

seria imaginável que os lojistas, insatisfeitos com suas atividades ou

rendimentos, ficassem livres para mudar os seus produtos de forma que,

inevitavelmente, ficaria prejudicada a diversidade de lojas e serviços do

shopping.

109 VERRI, Maria Elisa Gualandi, Op. Cit., p. 60. 110 REQUIÃO, Rubens. Op. Cit., p. 153.

60

Destarte, observemos o julgado dos Embargos proferido pelo Tribunal

de Justiça de São Paulo, in verbis:

EMBARGOS À EXECUÇÃO. LOCAÇÃO.

INSUCESSO DO EMPREENDIMENTO. NÃO

DEMONSTRAÇÃO DO NEXO. IMPROCEDÊNCIA

A SER RECONHECIDA RECURSO IMPROVIDO. É

direito e faculdade do Empreendedor estabelecer da

melhor forma o "Tenant-Mix", como bem demonstrou a

Requerida, para beneficio dos comerciantes e

consumidores.111 (grifo no original).

A proibição que afronta o tenant mix não está só restrita ao ramo de

atividade dos locatários, mas também à disposição das lojas, que devem ficar

localizadas de acordo com o projeto inicial, desta forma, evita-se, por exemplo,

que uma loja de calçados se instale no local destinado à área de alimentação.112

Nada impede, porém, que ao fazer o planejamento, o empreendedor

disponibilize espaços para lojas que atuam no mesmo segmento. Isso não quer

dizer que essas lojas sejam instaladas em locais muitos próximos, já que nesses

casos, ocorre um estudo arquitetônico milimetricamente calculado, com o

objetivo de manter a concorrência saudável e evitar um entrechoque de

interesses comerciais.

Tanto a doutrina quanto a jurisprudência se mostram favoráveis à

cláusula de imutabilidade do ramo de atividade dos locatários, já que a intenção

111 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Seção de Direito Privado – 31ª Câmara. Apelação com Revisão nº 1035133-0/3. Relator: Desembargador Armando Toledo. DJ: 15/08/2006. Disponível em <http://www.cjo.tj.sp.gov.br/jurisprudencia>Acesso em: 23 jan. 2009. 112 KARPAT, Ladislau. Op. Cit., p. 199.

61

é manter a qualidade do ramo negocial, a capacidade e idoneidade dos

comerciantes, a fiscalização e os lucros.

4.2.2 Cessão da Locação e Mudança do Quadro Societário da

Empresa Locatária

O artigo 13 da Lei nº 8.245/91 reuniu três institutos que tratam da

transferência da posse direta do imóvel, quais sejam, a cessão, a sublocação e o

empréstimo, in verbis: Art. 13. A cessão da locação, a sublocação e o

empréstimo do imóvel, total ou parcialmente, dependem

do consentimento prévio e escrito do locador.

§1º Não se presume o consentimento pela simples demora

do locador em manifestar formalmente a sua oposição.

§2º Desde que notificado por escrito pelo locatário, de

ocorrência de uma das hipóteses deste artigo, o locador

terá o prazo de 30 (trinta) dias para manifestar

formalmente a sua oposição.

Assim, fica claro que o locador não está obrigado a aceitar a

transferência da posse do imóvel, seja por cessão, sublocação ou empréstimo.

Aqui será tratado o tema que trata exclusivamente da cessão da locação nos

Shopping Centers.

Nas locações em Shopping Centers há disposição expressa que proíbe

a cessão da locação sem a anuência do locador. Esta proibição pode ser

encontrada no contrato de locação ou na Escritura Declaratória de Normas

Complementares ao Contrato de Locação.

62

Com esta proibição supõe-se que o locador quer evitar qualquer tipo

de modificação pessoal do locatário, visto que pode integrar em seu

empreendimento pessoa insolvente ou inidônea que não venha a cumprir com as

obrigações assumidas pelo locatário que lhe ceder o espaço.

A jurisprudência e a doutrina majoritária entendem válida a cláusula

de proibição de cessão de espaço.

Para CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, por exemplo, a

substituição de usuário pode romper o equilíbrio global.113

No mesmo sentido opina MARIA ELISA GUALANDI VERRI ao

mencionar que se não fosse válida a proibição de cessão, a organização do

Shopping Center seria colocada em risco já que o cessionário poderia modificar

também a destinação originária do espaço locado.114

O Professor ORLANDO GOMES não só considera lícita a cláusula

proibitiva da cessão da locação como também a julga inerente às locações em

Shopping Centers.115

É importante mencionar também que a alteração, direta ou indireta de

mais da metade do capital social de empresa locatária em Shopping Center pode

caracterizar, ainda que implicitamente, cessão da locação. Nesta questão,

RUBENS REQUIÃO considera defeso a transferência das quotas da sociedade

locatária, sem anuência do locador:

113 PEREIRA, Caio Mário da Silva, Op. Cit. in: “Shopping Centers”, Aspectos Jurídicos p. 83. 114 VERRI, Maria Elisa Gualandi, Op. Cit., p. 61. 115 GOMES, Orlando, Op. Cit., p. 107.

63

Através da alteração do quadro de controle do capital da

sociedade é fácil obter a substituição das pessoas

representativas das pessoas jurídicas. Proibindo essa

mudança ou alteração, impede-se, por via travessa, a

substituição efetiva do locatário.116

Neste sentido, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais proferiu o

seguinte Acórdão, in verbis:

AÇÃO DE DESPEJO C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS

E ACESSÓRIOS DA LOCAÇÃO - CESSÃO DE

COTAS DA SOCIEDADE QUE FUNCIONAVA NO

IMÓVEL - AUSÊNCIA DE ANUÊNCIA DO

LOCADOR - RESPONSABILIDADE DO LOCATÁRIO

E FIADORES PELOS ALUGUÉIS E ENCARGOS -

VALOR DO ALUGUEL - PREVISÃO CONTRATUAL -

REDUÇÃO DA MULTA MORATÓRIA COM BASE

NO CÓDIGO CIVIL - POSSIBILIDADE. - Não é válida

frente ao locador a cessão de cotas da sociedade que

funcionava no imóvel, sem expressa anuência dele. -

Nesse caso, permanece a responsabilidade do locatário e

seus fiadores pelos débitos relativos ao imóvel até a

desocupação. - Inexistindo prova em sentido contrário, o

valor do aluguel é aquele previsto no contrato. - A redução

da multa pode ser efetivada com base nas disposições do

Código Civil, que autoriza o julgador a reduzi-la

eqüitativamente, quando se mostrar excessiva e se

desvirtuar da sua finalidade, de garantir o pagamento, sem

causar enriquecimento indevido de uma das partes. - É

abusiva a multa moratória fixada em 20% sobre o valor

116 REQUIÃO, Rubens, Op. Cit. in: “Shopping Centers”, Aspectos Jurídicos, p. 151.

64

das prestações, devendo a penalidade ser reduzida para o

patamar de 2%.

(...) No entanto, a notificação de f. 59 foi emitida pelos

primeiros apelantes à Administradora de Imóveis, somente

após a formalização da cessão da transferência de cotas,

sendo certo que deveria ser enviada no mínimo trinta dias

antes, para que a locadora manifestasse a sua concordância

ou oposição(...).117

Esta também seria uma forma de burlar a cláusula proibitiva da cessão

da locação. Com as vendas ou a transferência de mais da metade das quotas que

compõem o capital social da sociedade, mudam também as pessoas responsáveis

pela locação. A pessoa jurídica passaria a ser apenas uma espécie de “escudo”

para aqueles que não têm mais a intenção de continuar atuando no centro

comercial e para os adquirentes das quotas fazerem o que quiser.

Na prática, mesmo com a anuência, os Shopping Centers costumam

cobrar uma taxa de transferência pela cessão nas locações. 118

Muitas vezes, o lojista acaba não suportando cumprir com tantas

obrigações, e se vê forçado em tentar ceder o espaço para outrem. É uma forma

de tentar reaver a quantia paga (res sperata) quando aderiu ao empreendimento,

afinal, se resolver, unilateralmente, rescindir o contrato, não terá o ressarcimento

deste valor, e se verá prejudicado economicamente.

117 Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Cível nº 470.475-6. Relator: Desembargadora Heloísa Combat. DJ: 07/04/2005. Disponível em <http://www.cjo.tjmg.gov.br/juridico>Acesso em: 31 jan. 2009. 118 GAVAÇA, Adriana. Loja em Shopping: sonho caro para o varejo. Out. 2004, Disponível em: <http://www.cerveiraedornellas.com.br/loja_em_shopping.htm>Acesso em: 10 jan. 2009.

65

Se o locador concordar com a cessão, o cessionário pagará a

importância ao cedente. Se o locador não anuir, cedente e cessionário poderão

praticar alguns artifícios para tentar burlar a cláusula proibitiva da cessão, como

a mudança do quadro societário, por exemplo, de forma que tentarão manter

suas vantagens desejadas, e ainda, sem pagar a taxa de transferência devida. Se a

rescisão da locação for unilateral por iniciativa do empreendedor, caberá a ele

indenizar o locatário.119

Para LADISLAU KARPAT, não é possível proibir a cessão das

quotas sociais já que isso não está amparado pelo artigo 13 da Lei de Locações,

mas concorda que os Shopping Centers são empreendimentos exclusivos, muito

diferentes das lojas de rua, onde se pratica o comércio unitário e isolado, e que

estando presente a cláusula proibitiva da cessão de locação, seja no contrato de

locação ou na Escritura Declaratória de Normas Complementares ao Contrato de

Locação, estará consagrado um regramento que faz lei entre as partes e deverá

ser cumprido.120

Acompanhando o entendimento jurisprudencial e doutrinário, é

possível a proibição de cessão de locação nos Shopping Centers, de forma que

limita os lojistas a praticar atos que possam vir a prejudicar o centro comercial e

o empreendedor, que se preocupou em escolher comerciantes idôneos e

comércios respeitáveis com o objetivo de proteger o seu empreendimento.

119 DINIZ, Maria Helena apud NOGUEIRA, Antônio de Pádua Ferraz,Tratado Teórico e Prático dos Contratos, Op. Cit., p. 62. 120 KARPAT, Ladislau. Op. Cit., p. 205.

66

4.3 Ação Renovatória

A Lei de Locações, ao incluir o parágrafo segundo no artigo 52121,

eliminou uma lacuna existente no antigo sistema que não protegia as relações

entre empreendedor e lojista, principalmente no que tangia ao fundo de

comércio.122

Embora a intenção do legislador tenha sido dar proteção à ambas as

partes, é inegável que para o lojista essa conquista teve um alcance maior, já que

com sua adesão ao empreendimento, o seu fundo de comércio ficou preservado.

Neste sentido já se posicionava RUBENS REQUIÃO:

Na ação renovatória comum, que leva em consideração a

locação isolada, em que o locatário atua em todo o

processo de criação do fundo de comércio que é seu,

decorrente de sua atividade, e se integra em parte no valor

do imóvel, torna-se justo que ele usufrua essa propriedade

individual, que o Direito passa a proteger e, em certos

casos, a indenizar.123

Para exercer o direito da renovatória, é necessário que o locatário

preencha os mesmos requisitos legais que os demais locatários nas locações

comerciais, a saber: contrato originário por escrito e com prazo determinado, o

prazo mínimo do contrato ou a soma dos prazos deve ser de no mínimo cinco

121 § 2º Nas locações de espaço em shopping centers, o locador não poderá recusar a renovação do contrato com fundamento no inciso II deste artigo. (II – o imóvel vier a ser utilizado por ele próprio ou para transferência de fundo de comércio existente há mais de 1 (um) ano, sendo detentor da maioria do capital o locador, seu cônjuge, ascendente ou descendente). 122 DINIZ, Maria Helena, Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada (Lei nº 8.245/91), Op. Cit, p. 237. 123 REQUIÃO, Rubens, Op. Cit in: “Shopping Centers”, Aspectos Jurídicos, p. 142.

67

anos ininterruptos, a exploração do ramo de atividade do locatário deve ter no

mínimo três anos, também ininterruptos.124

Além dos requisitos acima, deve-se respeitar os requisitos processuais

descritos no artigo 282 do Código de Processo Civil, e propor a ação no prazo

interregno de um ano, no máximo, até seis meses, no mínimo, anteriores à data

da finalização do contrato, juntada de provas dos requisitos mencionados no

parágrafo anterior, indicação das condições para renovação e apresentação de

fiador idôneo e solvente.125

No mesmo direito concorrem o sucessor e o cessionário locatário,

desde que cumpridas todas as exigências acima.

Em relação ao direito em questão, MARIA HELENA DINIZ e

ORLANDO GOMES, levantam uma discussão que parece ser bastante

relevante.

A renovação compulsória das locações de lojas, no que se refere à

renovação do aluguel, deve ser afastada, pois afeta diretamente o equilíbrio da

economia contratual tão necessária à organização do Shopping Center. Explica-

se: ao ingressar com a ação renovatória, o locatário quer assegurar a

continuidade negocial, e o empreendedor, em razão da renovatória, busca

revisão do aluguel mínimo mensal. O entendimento desses doutrinadores é que

não pode o órgão judicante alterar o aluguel, pois o seu valor é fruto do

faturamento da loja, calculado sob forma percentual, maior nos meses em que a

124 Idem Ibidem, p. 229 e 230. 125 DINIZ, Maria Helena, Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada (Lei nº 8.245/91), Op. Cit, p. 307-314.

68

venda aumenta, menor quando cai. Aluguel fixo e variável devem permanecer

inalterados.

Porém, há opiniões em contrário, como nos demonstra CELSO

MARINI que acredita que é viável o procedimento que adéqua a fixação de um

novo locativo, que leva em consideração a valorização do local, ajustando o

valor fixo e o valor variável.126

Alguns doutrinadores consideram discriminatória a remuneração

percentual diferenciada entre lojistas que exploram a mesma atividade

comercial, o que é bastante compreensível.

MARIA HELENA DINIZ justifica seu posicionamento ao mencionar

que o empreendedor deve participar dos lucros, por isso, é lícita a cláusula de

renúncia à renovação, tão comum a esse tipo de contrato, afinal, o lojista

é beneficiado pelos serviços que o empreendedor patrocina e o protege da

concorrência quando limita um determinado número de lojas com a mesma

atividade.127

É necessário, porém, no momento da renovatória, analisar a situação

econômica do país, o movimento do comércio e os resultados obtidos ao longo

da relação contratual. Nenhuma das partes, em detrimento da outra, pode ficar

vantajosamente superior.

126 MARINI, Celso. Op. Cit. 127 DINIZ, Maria Helena, Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada (Lei nº 8.245/91), Op. Cit, p. 307-314.

69

5. RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil está amparada no artigo 927 do Código Civil

de 2002.128 No que tange à responsabilidade civil em Shopping Center, não há

legislação que lhe dê tratamento exclusivo, por isso, aqui ela será tratada de uma

forma genérica, bem como dispõe a lei.

Quando se fala em responsabilidade civil em Shopping Center, é

comum remetê-la apenas ao estacionamento, mas é possível aplicá-la em outras

categorias, podendo envolver empreendedor, lojista e administrador.

Diz SÍLVIO DE SALVO VENOSA que “a responsabilidade civil

somente ocorrerá se puder ser imputada a um agente, ainda que terceiro

responda por essa conduta, como ocorre com frequência.”129

Desta forma, para se imputar a responsabilidade civil a alguém, o caso

fático deverá ser analisado.

O Professor CELSO MARINI considera viável ação regressiva contra

lojistas ou associação que os represente, quando houver atos lesivos nas

dependências do shopping.130

Discordando do posicionamento acima, MARIA ELISA GUALANDI

VERRI considera que danos ocorridos nas áreas comuns, como escadas rolantes

e áreas de acesso, são de responsabilidade única e exclusiva do empreendedor,

128 Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. 129 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p. 474. 130 MARINI, Celso. Op. Cit.

70

bem como o furto no interior das lojas já que ele prima pela segurança do

empreendimento como um todo.131

Continuando na opinião da doutrinadora, a mesma levanta uma

questão simples no que se refere à imputação de responsabilidade do lojista:

Pelos eventos perpetrados no interior das lojas, à

evidência, respondem os lojistas. Trata-se de natural

consequência da posse direta do imóvel. Do mesmo modo,

pelos atos ilícitos dos seus prepostos.132

Alerta, ainda, pela dificuldade em atribuir responsabilidade civil por

atos ocorridos na área externa da loja, considerando que:

Seja como for, em caso de dúvida, o prejudicado deve

acionar diretamente o empreendedor. Sua figura, com

efeito, está por trás de tudo quanto acontece na

organização, da qual ele é o criador e o mais interessado

no sucesso, por ser seu beneficiário direto.133

De qualquer maneira, é preciso apurar se os atos lesivos praticados

realmente podem ser atribuídos aos lojistas ou se houve falha na vigilância da

segurança contratada para resguardar aquele local.

Explorando outras esferas quanto à responsabilidade civil, é pacífico o

entendimento que cabe ao lojista cuidar da qualidade das mercadorias que

131 VERRI, Maria Elisa Gualandi, Op. Cit., p. 127. 132 VERRI, Maria Elisa Gualandi apud MONTENEGRO, Antônio Lindberg, Op. Cit., p. 124. 133 Idem, Ibidem, p. 124.

71

comercializa, não sendo atribuída ao empreendedor a responsabilidade por

eventuais danos decorrentes de produtos de origem duvidosa.

O que não é pacífico é a responsabilidade civil em relação ao

estacionamento de veículos, que assim como a segurança, é de responsabilidade

do empreendedor. Não obstante à esta polêmica optou-se por não discuti-la aqui

por não ser objeto deste estudo.

Muito se questiona a respeito de outros sinistros, como o incêndio, por

exemplo. O Código Civil de 1916134 nos apresentava uma solução que não foi

abraçada pelo legislador em 2002.

Normalmente, as cláusulas dos contratos de Shopping Centers, ou os

demais documentos que o complementam, impõem aos locatários a contratação

de seguro para assegurar os seus bens.

No entanto, ambas as partes devem contratar a prestação deste tipo de

serviço, visto que o empreendedor deve resguardar pelas áreas comuns e pela

estrutura física do shopping, envolvendo instalações elétricas, hidráulicas,

equipamentos em geral, além de danos a terceiros. O lojista, por sua vez, deverá

providenciar o asseguramento de seus bens e mercadorias para não ter eventuais

prejuízos.

134 Art. 1.208. Responderá o locatário pelo incêndio do prédio, se não provar caso fortuito ou força maior, vício de construção ou propagação de fogo originado em outro prédio. Parágrafo Único. Se o prédio tiver mais de um inquilino, todos responderão pelo incêndio, inclusive o locador, se nele habitar, cada um em proporção da parte que ocupe, exceto provando-se ter começado o incêndio na utilizada por um só morador, que será o único responsável.

72

A doutrina considera válida a imposição desta cláusula, visto que a

prerrogativa é favorável ao lojista e a todos em geral.135

De qualquer forma, qualquer que seja o evento ocorrido, a

responsabilidade civil somente deverá ser atribuída se for possível identificar

o(s) causador(es) de determinado ato lesivo, seja nas áreas comuns do shopping

ou nas áreas internas das lojas.

135 VERRI, Maria Elisa Gualandi, Op. Cit., p. 132.

73

CONCLUSÃO

Cabe mencionar aqui as principais conclusões atribuídas a este estudo,

dando-se destaque maior à natureza jurídica decorrente da relação negocial entre

empreendedor-locador e lojista-locatário.

No que se refere à origem dos Shopping Centers conclui-se que já na

Idade Média surgiram traços que facilmente podem ser encontrados naquilo que

os conceituam. Afinal, eram muitos os mercados centrais que ofereciam

produtos estocados, ainda que de forma precária, e reuniam mercadores, o que

hoje conhecemos como comerciantes, além de se fixarem em um único local

cercado por muros.

Diante de tal referência, estamos diante de características que

encontram-se presentes nos centros comerciais, que foram se aprimorando ao

longo dos anos, resultando nos empreendimentos que estão espalhados pelo

mundo.

Como conceito, é possível afirmar que os Shopping Centers tratam-se

da reunião de vários tipos de comércio e prestações de serviços em estrutura

física e administração únicas, com a finalidade de proporcionar conforto e

comodidade ao consumidor. Neste objetivo, empreendedor e lojistas trabalham

em conjunto, pois querem demonstrar um nível de excelência em seus negócios

para assim alcançarem o faturamento, e consequentemente, o lucro.

Ficou demonstrado que para compor esses centros comerciais é

necessária a presença de grandes magazines, que com seu forte apelo popular,

atrai muitos consumidores.

74

Não obstante, porém, as lojas satélites igualmente têm sua

importância, já que grifes exclusivas também têm sua carteira de clientela

cativa.

Os serviços de lazer, tais como, cinemas, parques, restaurantes ou fast

food contribuem naquilo que se propõem em oferecer: a diversão.

Se faz necessário lembrar também da segurança e do estacionamento.

Itens de extrema necessidade nesses empreendimentos que são atrativos por

apresentarem comodidade não só aos frequentadores, mas também àqueles que

ocupam os centros comerciais.

Com tantos comércios e serviços em um único espaço físico, não se

pode esquecer que a importância dos Shopping Centers não está limitada apenas

às relações de consumo, visto que são grandes geradores de empregos, o que

contribui com a economia no país, principalmente nos meses que antecedem as

festas natalinas, época em que o faturamento cresce em ritmo acelerado.

A expansão desses empreendimentos é tão significativa que seu

crescimento ocasionou o aumento das lides forenses que envolvem o

relacionamento entre empreendedor-locador e lojistas-locatários.

Muito se reclama por não haver uma legislação específica que trate

deste assunto. Com o aumento das demandas, o Poder Judiciário ficou com seu

respaldo jurídico reduzido, já que a base legal é superficial.

De qualquer forma, há que se preservar nos contratos os princípios

gerais e fundamentais que fazem parte de nosso ordenamento jurídico, quais

75

sejam, a autonomia da vontade, as normas de ordem pública, o pacta sunt

servanda, a boa-fé, os bons costumes e a função social do contrato.

Antes de se aprofundar na natureza jurídica que envolve a locação nos

Shopping Centers foi necessário demonstrar a diferença entre os contratos

típicos e os contratos atípicos, já que pela análise demonstrada, ficou claro que

os contratos típicos são aqueles que têm tratamento legal, enquanto que os

atípicos receberam apenas um artigo na promulgação do Novo Código Civil, em

2002.

Em seguida, foi preciso apresentar a locação, em seu conceito geral e a

locação comercial (não residencial), para diferenciá-las das locações nos

Shopping Centers. A locação está amparada pela Lei nº 8.245/91.

No que se refere à locação nos Shoppings Centers, o referido diploma

legal acima destinou dois artigos que citam este tipo de negócio jurídico: o

artigo 52, e de forma um pouco mais ampla, o artigo 54.

Mencionados artigos servem de base para regular as relações entre

empreendedor-locador e lojista-locatário. Embora esteja estabelecido que as

condições devem ser tratadas livremente, estes artigos estão longe de resolver

conflitos, haja vista, que é cada vez mais comum, haver debates mais calorosos

ante a hipossuficiência do lojista diante da vontade do economicamente mais

forte, o empreendedor.

Considera-se indispensável informar que com o crescimento

populacional, o avanço tecnológico e as conquistas de mercado, surgirão novas

76

formas de se contratar, surgindo novos tipos de contratos que hoje, não fazem

parte da nossa legislação.

Diversas são as características peculiares que envolvem os contratos

de locação nos Shopping Centers, talvez por isso, a doutrina apresenta várias

teorias que tentam desvendar a natureza jurídica destes contratos.

Vale ratificar, sucintamente, cada uma delas, a fim de filiar-se apenas

àquela que apresenta argumentos mais convincentes.

Não se pode confundir a locação em Shopping Centers com sociedade

em conta de participação, pois ficou demonstrado que o empreendedor não é

sócio do lojista, já que não participa das perdas e lucros que este venha obter.

Também não se trata de joint venture por esta ter personalidade

jurídica e controle estatal, além de ser uma parceria temporária entre empresas e

associações para determinado projeto.

É comum se comparar a relação aqui discutida com condomínio, no

entanto, o condômino que obedece a destinação do imóvel e a Convenção

Condominial tem autonomia e independência, e o incorporador, ao vender as

unidades autônomas, se desliga, por completo, do empreendimento.

Igualmente não se pode afirmar que é contrato de adesão, pois o

lojista não é obrigado a ingressar no empreendimento, e, ainda assim, quando

ingressa, discute as tratativas negociais na fase preliminar, diferentemente com o

que ocorre na adesão de serviços básicos essenciais, como água, luz, gás,

77

telefone, em que os contratos são feitos em massa com os mesmos valores de

acordo com o consumo.

E por fim, não é possível classificar os contratos de locação nos

Shopping Centers simplesmente como locação por faltar neles os elementos

atípicos. É possível sim, por falta de regramento específico, aplicar o instituto da

locação por analogia, sem que se esqueça da atipicidade que os caracterizam.

Não obstante às características de locação, optou-se por filiar-se à

teoria do contrato de locação nos Shopping Centers como contrato atípico misto

por esta teoria apresentar argumentos que fundamentam ser esta relação jurídica

composta pelos elementos do contrato de locação e pelos elementos atípicos, tais

como: aluguel fixo e variável, aluguel em dobro, res sperata, fundo de

promoção, imutabilidade do ramo de negócio e proibição da cessão da locação.

As cláusulas que constam na Escritura Declaratória de Normas

Complementares ao Contrato de Locação, no Estatuto da Associação dos

Lojistas e no Regimento Interno, são complementos ao contrato de locação, o

que reforça ainda mais a atipicidade mista desta relação contratual.

Confirma-se, ainda, que o legislador foi cuidadoso ao incluir no artigo

52 da Lei de Locações o parágrafo segundo que dá direito à renovação da

locação por iniciativa do lojista. Essa é uma forma de proteger o fundo de

comércio do lojista, constituído por bens materiais e imateriais, que ao aderir ao

empreendimento, com o pagamento da res sperata, garantiu a sua reserva no

espaço comercial, visto que, se dele for afastado unilateralmente pelo

empreendedor, deverá ser indenizado.

78

É evidente também que o lojista poderá ser afastado do

empreendimento se praticar atitudes contrárias àquelas estabelecidas no

contrato, tais como: o não pagamento do aluguel e das despesas acessórias, a

não apresentação dos documentos contábeis, a não associação ao quadro da

Associação dos Lojistas e a alteração do seu ramo de atividade.

Destarte, a peculiaridade que envolve os Shopping Centers se faz

presente em seus contratos e demais documentos que o complementam. Aquele

que ingressar neste tipo de negócio, deverá conhecer minuciosamente todos os

seus aspectos característicos e estar ciente que seu trabalho não estará restrito

apenas ao interesse individual, mas a interesses coletivos.

As cláusulas atípicas descritas no decorrer deste estudo não

demonstram ilegalidade, pelo contrário, essas limitações muitas vezes são

necessárias para proteger lojistas e empreendedores, porém, como busca-se o

equilíbrio nesta relação jurídica, é necessário que haja um enquadramento maior

destes contratos no nosso ordenamento jurídico.

79

BIBLIOGRAFIA

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AZEVEDO, Álvaro Villaça. Atipicidade mista do contrato de utilização em

centros comerciais e seus aspectos fundamentais. Jus Navegandi, set.

1989. Disponível em:http://jus2.uol.com.br/pecas/texto.asp?id=405>Acesso

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