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CENTRO UNIVERSITÁRIO CESMACENSINO E QUALIFICAÇÃO SUPERIOR – EQUALIS
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO “LATO SENSU”CLÍNICA MÉDICA DE FELINOS
Desvio Portossistêmico em Felino:Relato de Caso
Claudia Medina de Oliveira
São Paulo / SP
2016
Claudia Medina de Oliveira
Desvio Portossistêmico em Felino:Relato de Caso
Monografia apresentada como requisito final à aprovação no Curso de Pós-Graduação Especialização em Clínica Médica de Felinos, do Centro de Estudos Superiores de Maceió, promovido pela Equalis, orientada pela MV. Me. Fernanda Fidelis Gonsales
São Paulo – SP2016
Resumo
Desvios portossistêmicos ou shunts portossistêmicos podem ser definidos como
comunicações venosas anormais que permitem que o sangue proveniente do sistema porta
entre na circulação venosa sistêmica sem realizar passagem hepática. São condições clínicas
pouco frequentes na clínica de felinos em comparação com os cães, sendo também de difícil
diagnóstico. Podem ser congênitos ou adquiridos, solitários ou múltiplos, além de intra ou
extra-hepáticos. Os sinais clínicos associados aos desvios portossistêmicos são variáveis e
inespecíficos, podendo ser intermitentes. Para a realização do diagnóstico devem ser
utilizados exames laboratoriais e de imagem, sendo os mais específicos e menos invasivos a
dosagem de ácidos biliares pré e pós prandial e a ultrassonografia abdominal com avaliação
vascular por doppler. O tratamento de eleição é cirúrgico para atenuação do vaso anômalo,
devendo ser realizado manejo clínico concomitante. O presente relato descreve o caso clínico
de um gato, raça persa, macho, 18 meses, com sinais clínicos de doença do trato urinário
inferior, evoluindo para quadro convulsivo por quadro compatível encefalopatia hepática 24
horas após realização de uretrostomia. Foi evidenciado aumento das concentrações de ácidos
biliares e localizado vaso anômalo extra-hepático através de ultrassonografia abdominal com
avaliação vascular por doppler. Paciente submetido a manejo clínico seguido de procedimento
cirúrgico, para atenuação do vaso anômalo com anel ameróide. Um procedimento cirúrgico
foi suficiente para obliteração total do vaso anômalo dentro de 45 dias de pós operatório,
sendo que o animal encontra-se em ótimo estado geral, sem recidivas do quadro passados 16
meses do procedimento.
Palavras-chave: shunt, fígado, gato
Listas de ilustrações e tabelas
Lista de ilustrações
Figura 1: Tipos de desvio portossistêmicos extra-hepáticos mais comuns em cães e
gatos...................................................................................................................................... 10
Figura 2: Classificação dos desvios intra-hepáticos............................................................. 11
Figura 3: Desvios extra-hepáticos congênitos...................................................................... 17
Figura 4: Cateterização de veia jejunal para administração de contraste para realização
de portovenografia mesentérica............................................................................................ 19
Figura 5: Atenuação de desvio extra hepático através de sutura.......................................... 29
Figura 6: Atenuação de desvio extra-hepático através de anel ameróide e banda de
celofane................................................................................................................................. 31Figura 7: Imagens de exame ultrassonográfico abdominal com avaliação vascular por
doppler realizado no dia 13/06/2014.................................................................................... 44Figura 8: Imagens de exame ultrassonográfico abdominal com avaliação vascular por
doppler realizado no dia 13/06/2014.................................................................................... 45
Figura 9: Fotografia realizada no trans-cirúrgico evidenciando-se isolamento de vaso
anômalo e colocação de anel constritor ameroide................................................................ 46
Figura 10: Imagens de exame ultrassonográfico abdominal com avaliação vascular por
doppler realizado no dia 25/09/2014.................................................................................... 48Figura 11: Imagens de exame ultrassonográfico abdominal com avaliação vascular por
doppler realizado no dia 25/09/2014.................................................................................... 49Figura 12: Imagens de exame ultrassonográfico abdominal com avaliação vascular por
doppler realizado no dia 16/10/2014.................................................................................... 51
Lista de tabelas
Quadro 01: Comparativo entre diferentes técnicas para atenuação dos desvios portossistêmicos.................................................................................................................. 33Quadro 02: Exames bioquímicos realizados no dia 24/05/14............................................. 35Quadro 03: Hemograma realizado no dia 24/05/14............................................................ 36Quadro 04: Exame de urina tipo 01 realizado no dia 24/05/14........................................... 37Quadro 05: Laudo de exame ultrassonográfico abdominal realizado no dia 24/05/14....... 38Quadro 06: Exames complementares realizados dia 28/05/14............................................ 40Quadro 07: Laudo de exame ultrassonográfico abdominal com avaliação vascular por doppler realizado no dia 13/06/14....................................................................................... 42Quadro 08: Exames complementares realizados dia 01/07/14............................................ 45Quadro 09: Laudo de exame ultrassonográfico abdominal com avaliação vascular por doppler realizado no dia 25/09/14....................................................................................... 47Quadro 10: Laudo de exame ultrassonográfico abdominal com avaliação vascular por doppler realizado no dia 16/10/14....................................................................................... 50
Lista de Abreviaturas: siglas, símbolos e acrônimos
µ MicroL Litro
cm Centímetros SegundoT Vértebra torácica
mmHg Milímetros de mercúrioH2O Água°C Graus Celsiusg Gramas
mg Miligramasmm3 Milímetro cúbicodL Decilitropg Picogramas
SID Semel in die – uma vez ao diaBID Bis in die – duas vezes ao diaTID Ter in die – três vezes ao diaIV IntravenosaUI Unidades internacionaisPO Per os – via oralkg Quilograma
Sumário
Introdução............................................................................................................................. 071. Revisão de literatura......................................................................................................... 092.Sintomas............................................................................................................................ 113.Diagnóstico........................................................................................................................ 13 3.1 Hematologia e bioquímica...................................................................................... 13 3.2 Urinálise................................................................................................................. 14 3.3 Exames de imagem................................................................................................. 15 3.3.1 Ultrassonografia abdominal........................................................................ 15 3.3.2 Radiografia abdominal................................................................................ 18 3.3.3. Cintilografia................................................................................................ 18 3.3.4. Portovenografia mesentérica...................................................................... 19 3.3.5. Tomografia computadorizada..................................................................... 204.Tratamento......................................................................................................................... 21 4.1. Tratamento clínico................................................................................................. 21 4.1.1. Manejo alimentar........................................................................................ 22 4.1.2. Lactulose e probióticos............................................................................... 24 4.1.3. Antibióticos................................................................................................ 24 4.1.4. Anticonvulsivantes..................................................................................... 25 4.1.5. Abordagem de animais em encefalopatia hepática.................................... 25 4.2. Tratamento cirúrgico............................................................................................. 26 4.2.1. Considerações anestésicas.......................................................................... 27 4.2.3. Atenuação através de sutura....................................................................... 28 4.2.4. Colocação de anel constriror ameróide e bandas de celofane.................... 30 4.2.5. Outras considerações cirúrgicas................................................................. 31 4.2.6. Complicações pós cirúrgicas...................................................................... 325. Relato de caso................................................................................................................... 35Discussão e conclusão.......................................................................................................... 53Referências........................................................................................................................... 55
INTRODUÇÃO
Desvios portossistêmicos ou shunts portossistêmicos podem ser definidos como
comunicações venosas anormais que permitem que o sangue proveniente do sistema porta
entre na circulação venosa sistêmica sem realizar passagem hepática (TILSON &WINKLER,
2008). Desta forma, as toxinas, como os compostos amoniacais, que seriam normalmente
removidas e metabolizadas pelo fígado permanecem na circulação (MURPHY et.al. 2001).
São condições raras em felinos, acometendo cerca de 4,8/10.000 animais (RULAND et.al.,
2009). Os desvios portossistêmicos podem ser congênitos ou adquiridos. Desvios adquiridos
ocorrem secundariamente a doenças hepáticas que resultam em hipertensão portal crônica,
como cirrose hepática e hepatites crônicas (TIVERS & LIPSCOMB, 2011; TILLEY &
SMITH, 2011). Ainda no que se refere à classificação, podem ser solitários ou múltiplos
(HAVIG, 2002) , além de intra ou extra-hepáticos (BROOME et.al.2004). Em gatos, os shunts
extra-hepáticos, únicos e porto-cava são os mais comuns, atingindo cerca de 75% dos
pacientes acometidos. Existe predileção racial, incluindo Siameses, Birmaneses, Persas e
Himalaios, sem que haja explicação concreta para tal fato (FOSSUM, 2008).
Os sinais clínicos associados aos desvios portossistêmicos são variáveis e
inespecíficos. Os sinais comumente não são constantes e podem ser intermitentes. A maioria
dos animais apresenta sintomas gastroentéricos (vômito, diarreia), urinários (cistites e
urolitíases) ou neurológicos (convulsões, “head press”, “head tilt”, etc) (LIPSCOMB et.al.,
2007; BROOME et.al.2004). Estes sinais podem ou não estar associados a encefalopatia
hepática (WILLI et al., 2005).
Exames de rotina hematológicos e bioquímicos são úteis na investigação de gatos
com suspeita de desvio portossistêmico, particularmente para excluir outros diagnósticos
diferenciais. Porém, as alterações normalmente são inespecificas, e resultados normais não
excluem a possibilidade de shunt (TIVERS & LIPSCOMB, 2011). Os testes bioquímicos
frequentemente revelam hipoalbuminemia, baixa colesterolemia, baixa de uréia sérica
(FOSSUM, 2008). A avaliação dos ácidos biliares séricos é o teste laboratorial mais
comumente usado para avaliar a função hepática em animais com desvio portossistêmico
(BROOME et al., 2004), além de ser o mais acurado para diagnóstico de doenças
hepatobiliares (TIVERS & LIPSCOMB, 2011). A urinálise pode revelar baixa densidade
urinária, particularmente em gatos com poliúria/polidipsia (LEVY,1995). Também pode haver
evidências de cristais de biurato de amônio na análise do sedimento, apesar de não ser algo
tão comum, atingindo cerca de 20-43% dos animais acometidos (BERGER, 1986).
O exame ultra-sonográfico abdominal é útil na identificação de shunts em cães e
gatos e para avaliar a velocidade da passagem sangüínea pela veia porta (LAMB, 1998;
FAVERZANI et al., 2003), sendo freqüentemente empregado por ser um método não-invasivo
(WINKLER et al., 2003; BROOME et al., 2004). Também pode ser utilizado pra identificar o
vaso anômalo e fornecer informações sobre o tipo e sua localização (LAMB, 1998).
A cintilografia portal é realizada utilizando-se um composto radioativo,
normalmente o tecnécio 99 (99Tc), para verificar o fluxo sanguíneo portal (MOON, 1990).
Apresenta boa sensibilidade e especificidade (LEVY et.al., 1990).
A portovenografia mesentérica é uma técnica de exame contrastado, que utiliza-se
de fluoroscópio, permitindo que a imagem seja obtida ao mesmo tempo que o procedimento
cirúrgico, excluindo a necessidade de movimentação do paciente para a realização de
radiografias ou mesmo de realização de dois procedimentos distintos (TIVERS &
LIPSCOMB, 2011).Este tipo de exame pode indicar se o desvio é extra ou intra-hepático. A
injeção do contraste pode ser através de via jejunal ou retrógrada transvenosa (FOSSUM,
2008).
A cirurgia é o tratamento de escolha para a maioria dos animais com desvios
portossistêmicos, pois a função hepática pode se deteriorar à medida que a maior parte do
sangue é desviada para fora do fígado (FOSSUM, 2008). Podem ser utilizadas técnicas de
atenuação total ou parcial através de sutura, colocação de bandas de celofane ou de anel
ameróide. Apesar de muitos gatos poderem apresentar sintomas clínicos inespecificos e
intermitentes, alguns gatos com desvios portossistêmicos apresentam sinais clínicos graves no
momento do diagnóstico e necessitam de tratamento clínico para estabilização antes da
realização do procedimento cirúrgico, como a utilização de fluidoterapia, antibióticos,
anticonvulsivantes e demais medidas de suporte necessárias. O animal deve retornar aos
parâmetros clínicos normais sem recidivas dos sintomas anteriormente apresentados pelo
período mínimo de duas semanas, de acordo com alguns autores. Este tipo de tratamento
promove melhorias no quadro de encefalopatia hepática devido redução dos níveis de amônia
(e de outras toxinas), mas não corrige a causa de base, que é o vaso anômalo (TIVERS &
LIPSCOMB, 2011).
Estudos demonstram bom prognóstico aos animais onde se efetua o tratamento
cirúrgico, porém a escolha da técnica ainda é controversa. Sabe-se que o prognóstico está
intimamente ligado à atenuação completa do vaso anômalo, dado que a persistência do desvio
levará à manutenção dos sinais clínicos, trazendo depreciação da qualidade de vida (TIVERS
& LIPSCOMB, 2011; LIPSCOMB, 2007, RULAND, 2009). A manutenção apenas de
tratamento clínico pode atenuar sinais clínicos, porém não traz melhora dos exames
laboratoriais nem resolução da causa de base (FAVERZANI et.al., 2003)
1. REVISÃO DE LITERATURA
O fígado é a maior glândula do corpo. É o sítio primário de metabolismo
(detoxificação) de muitas substâncias e exerce papel central no metabolismo de proteínas,
gorduras e carboidratos. O fígado é responsável por muitas funções, incluindo o metabolismo
de susbtâncias tóxicas absorvidas do trato gastrointestinal, que são transportadas ao fígado
através da veia portal. Infelizmente, os sinais clínicos de doença hepática podem não estar
aparentes até que a doença esteja avançada e a disfunção irreversível. A insuficiência hepática
pode se refletir em muitos outros sistemas de órgãos, incluindo o sistema nervoso central,
rins, intestino e coração. O fígado produz a maioria das proteínas plasmáticas, incluindo
albumina, alfa-globulinas, beta-globulinas, fibrinogênio e protrombina (FOSSUM, 2008).
Desvios portossistêmicos ou shunts portossistêmicos podem ser definidos como
comunicações venosas anormais que permitem que o sangue proveniente do sistema porta
entre na circulação venosa sistêmica sem realizar passagem pelo fígado (TILSON
&WINKLER, 2008). Desta forma, as toxinas que seriam normalmente removidas e
metabolizadas pelo fígado permanecem na circulação, por exemplo, amônia,
metionina/mercaptanos, ácidos graxos de cadeia curta, ácido gama amino butírico, entre
outras (MURPHY et.al. 2001). Em gatos com desvios, o sangue contendo estas substâncias é
desviado através do vaso anômalo, resultando em níveis elevados dessas toxinas na circulação
sistêmica, levando a sinais de encefalopatia hepática (TIVERS & LIPSCOMB, 2011,
FOSSUM, 2008, BUNCH, 2003).
Desvios portossistêmicos congênitos não são comumente vistos em felinos, com
uma incidência relatada de 4,8 para cada 10.000 gatos atendidos (RULAND et.al. 2009). O
primeiro relato de desvio extra-hepático em um gato foi publicado em 1980 nos Estados
Unidos (VULGAMOTT et.al.,1980).
Os desvios portossistêmicos podem ser congênitos ou adquiridos. O shunt
congênito, presente ao nascimento, consiste em uma comunicação venosa anormal entre o
sistema porta e a vascularização sistêmica, resultando em diversas possibilidades de trajetos
vasculares, permitindo drenagem anormal do fluxo sanguíneo entre a veia porta e a circulação
sistêmica. Desvios adquiridos ocorrem secundariamente a doenças hepáticas, como cirrose
hepática e hepatites crônicas, que resultam em hipertensão portal crônica (TIVERS &
LIPSCOMB, 2011; TILLEY & SMITH, 2011). Ainda no que se refere à classificação, podem
ser solitários ou múltiplos (HAVIG, 2002) , além de intra ou extra-hepáticos (BROOME
et.al.2004). As duas veias mais comuns que servem como ponto de conexão para o vaso
anômalo são a veia cava caudal e a veia ázigos (Figura 01) (ZORAN, 2012).
Em gatos, os shunts extra-hepáticos, únicos e porto-cava são os mais comuns,
atingindo cerca de 75% dos pacientes acometidos. Existe predileção racial, incluindo
Siameses, Birmaneses, Persas e Himalaios, sem que haja explicação para tal fato. Machos
parecem ser mais predispostos (ZORAN, 2012 e FOSSUM, 2008). Não foram encontrados
dados brasileiros acerca de tais afirmações. A maioria dos animais com desvios congênitos
começa a demonstrar sinais clínicos da doença no primeiro ano de vida (BROOME et al.,
2004), mas a faixa etária, por si só, não deve ser utilizada para diferenciar shunts congênitos
de adquiridos (WINKLER et al., 2003), devendo-se aliar dados de anamnese aos exames
complementares para correto diagnóstico.
Com relação aos desvios intra-hepáticos, podemos dividi-los em três formas
distintas, dependendo do lobo hepático envolvido: divisão direita (lobos lateral direito e
caudal), divisão central (lobos medial direito e quadrado) e divisão esquerda (lobos medial
esquerdo e lateral). A maioria dos shunts intra-hepáticos felinos são de divisão esquerda
(TIVERS & LIPSCOMB, 2011) (Figura 2).
Figura 1: Tipos de desvio portossistêmicos extra-hepáticos mais comuns em cães e gatos.(A) Veia porta para veia cava caudal (B) Veia porta para veia ázigos (C)veia gástrica esquerda para veia cava caudal (D) Veia esplênica para veia cava caudal (E) Veia gástrica esquerda, mesentérica cranial, mesentérica caudal ou gastroduodenal para veia cava caudal (F) Combinação das anteriores (FOSSUM, 2008)
Como resultado desta circulação anormal, temos que, em pacientes com desvios
portossistêmicos, a perfusão hepática através da veia porta é inversamente proporcional ao
volume que passa pelo shunt (KUMMELING et al., 2004), resultando em falha do
desenvolvimento hepático (STERCZER et al., 1999) e falência hepática progressiva
(FAVERZANI et al.,1999). Além disso, substâncias hepatotrópicas importantes do pâncreas
(p.ex. insulina) e intestinos não atingem o fígado, resultando em atrofia hepática ou apenas
redução de seu tamanho normal. Quando o sangue portal se desvia do fígado, muitas
substâncias que são normalmente metabolizadas ou excretadas pelo fígado entram na
circulação sistêmica (FOSSUM, 2008).
2. SINTOMAS
Os sinais clínicos associados aos desvios portossistêmicos são variáveis e
inespecíficos. Os sinais comumente não são constantes e podem ser intermitentes. Além do
mais, alguns gatos podem ser assintomáticos e a condição pode ser apenas diagnosticada
através de anormalidades em exames laboratoriais de rotina. A maioria dos animais apresenta
sintomas gastroentéricos, neurológicos ou urinário (TIVERS & LIPSCOMB, 2011).
Sinais gastrointestinais foram relatados em cerca de 24 a 71% dos felinos
acometidos(LIPSCOMB et.al., 2007), incluindo vômitos, diarréia, anorexia e ptialismo
(FOSSUM, 2008; BROOME et al., 2004), sendo este último presente em cerca de 67 a 84%
dos gatos (HAVIG, 2002). Estes sinais podem ou não estar associados a encefalopatia
Figura 2: Classificação dos desvios intra-hepáticos. (A) Divisão esquerda, onde o vaso anômalo (PV) se curva para a esquerda , inserindo-se na veia cava caudal (CVC)(B) Divisão central, onde a veia porta apresenta um aumento focal em sua porção central do fígado (C) Divisão direita, onde o vaso se curva para a direita (D'ANJOU, 2007)
hepática (WILLI et al., 2005). Porém, é importante ressaltar que animais em encefalopatia
hepática podem ter níveis de amônia séricos normais, levando-se a crer que vários outros
aspectos estão implicados na patogênese do quadro clínico, como a associação do aumento de
outras variadas substâncias tóxicas (como a fenilalanina, metionina, tirosina, triptofano),
aumento de inibidores de ácido gama amino butírico, aumento de mercaptanos, etc. Acredita-
se que a gravidade dos sinais clínicos de encefalopatia hepática está associada ao sinergismo
de tais alterações e não somente ao aumento individual de cada substância, explicando-se
parcialmente a variação de sinais clínicos entre indivíduos com as mesmas dosagens séricas
de toxinas (KENT, 2009).
A grande maioria dos gatos (>93%) apresentam algum grau de alterações
neurológicas, incluindo convulsões, ataxia, cegueira, alterações comportamentais, agressão,
letargia, “head pressing” e tremores (LIPSCOMB et.al., 2007; BROOME et.al.2004). Estes
sinais podem apresentar piora pós prandial, pois há um aumento de metabólitos circulantes
provenientes da alimentação que deveriam ser metabolizados pelo fígado (LEVY et.al., 1995).
Diminuição do processamento hepático de fármacos se manifesta como a baixa tolerância a
agentes anestésicos ou sedativos em alguns dos pacientes afetados, levando ao prolongamento
do tempo de recuperação pós anestésica ou à precipitação de crises de encefalopatia hepática
(BROOME et al., 2004, TIVERS & LIPSCOMB, 2011).
Os sintomas relacionados com o trato urinário incluem poliúria, estrangúria,
hematúria, disúria, obstrução uretral e formação de cristais de urato de amônia na urina. Os
animais podem ter ainda polidipsia e poliúria (FOSSUM, 2008; BROOME et al., 2004).
Apesar da formação dos cristais de urato ser frequentemente associada aos desvios
portossistêmicos, um estudo retrospectivo realizado com felinos não conseguiu estabelecer
correlação direta com a doença, sendo necessários mais estudos (DEAR et.al., 2011).
Alguns animais possuem crescimento menor do que o normal (MILLER &
FOWLER, 2006) ou possuem baixo escore corporal (TIVERS & LIPSCOMB, 2006). Além
disso, de 13 a 64% dos gatos possuem íris com coloração acobreada, sem que haja explicação
para tal (LIPSCOMB, et.al., 2007). Uma alta taxa de criptorquidismo nos gatos com shunt
também foi relatada, porém não foram encontrados estudos que estabeleceram correlação
positiva (LEVY et.al., 1995). A maioria dos animais com desvios portossistêmicos apresenta
microhepatia, e os rins podem parecer proeminentes ou aumentados (FOSSUM, 2008).
3. DIAGNÓSTICO
3.1. Hematologia e bioquímica
Exames de rotina hematológicos e bioquímicos são úteis na investigação de gatos
com suspeita de desvio portossistêmico, particularmente para determinar outros diagnósticos
diferenciais. Porém, as alterações normalmente são inespecíficas, e resultados normais não
excluem a possibilidade de shunt (TIVERS & LIPSCOMB, 2011).
Anormalidades hematológicas podem incluir microcitose com eritrócitos
normocrômicos, anemia não regenerativa leve, formação de hemácias em alvo ou
poiquilocitose. A baixa concentração de ferro no sangue parece estar relacionada com o
desenvolvimento de microcitose nesses animais, estando presente em cerca de 27 – 54%
destes animais (TIVERS & LIPSCOMB, 2011; FOSSUM, 2008).
Os testes bioquímicos frequentemente revelam hipoalbuminemia, baixa
colesterolemia, baixa de uréia sérica (FOSSUM, 2008). A baixa de uréia é um dos achados
mais comuns, atingindo cerca de 61 a 100% dos gatos acometidos (BERGER et.al, 1986;
CENTER et.al., 1990, HAVIG, 2002). Isto ocorre devido à redução do metabolismo de
amônia em uréia pelo fígado, que se encontra com sua função reduzida. A creatinina também
pode estar reduzida em reflexo à pouca massa muscular presente nestes animais (TIVERS &
LIPSCOMB, 2011). A baixa de albumina e de proteínas totais ocorre devido à redução da
síntese pelo fígado, podendo ser considerada um sinal de insuficiência hepática(CENTER,
et.al., 1990).
Os níveis de fosfatase alcalina e de alanina amino transferase podem estar normais
ou levemente aumentadas. Isto sugere uma redução na perfusão hepática levando a danos
celulares por hipóxia e consequente extravasamento enzimático (CENTER, et.al., 1990). A
avaliação dos ácidos biliares séricos é o teste laboratorial mais comumente usado para avaliar
a função hepática em animais com desvio portossistêmico (BROOME et al., 2004), além de
ser o mais acurado para diagnóstico de doenças hepatobiliares. Porém, ele não é capaz de
diferenciar desvios portossistêmicos de outras doenças hepáticas. (TIVERS & LIPSCOMB,
2011). Esta dosagem tem se mostrado o teste com maior sensibilidade, especificidade e valor
preditivo para diagnóstico no desvio portossistêmico em felinos (CENTER, 1986). A
mensuração da concentração de ácidos biliares é primariamente utilizada devido a
estabilidade química dos ácidos biliares no soro (WINKLER et al., 2003; BRIGHT et al.,
2006). Os ácidos biliares são sintetizados a partir do colesterol no fígado. Mesmo com
falência hepática, há uma grande capacidade de armazenagem para a produção dos ácido
biliares. Os ácidos biliares são conjugados com taurina ou glicina e armazenados na vesícula
biliar. Após um período de jejum, a concentração de ácidos biliares é baixa no soro dos felinos
normais. A ingestão de alimento resulta na liberação de colecistoquinina, que estimula a
contração da vesícula biliar e libera ácidos biliares no duodeno. A maior parte da bile é
reabsorvida por transporte ativo no íleo, e uma pequena quantidade é absorvida através do
intestino, havendo perda de apenas cerca de 5% pelas fezes. Um fígado normal realizará a
recaptação da bile no sangue muito rapidamente após a absorção intestinal. Portanto, apenas
uma pequena quantidade pode ser detectada de maneira transitória na circulação de animais
normais. Entretanto, em animais com desvio portossistêmico, os ácidos biliares que são
reabsorvidos pelo intestino são desviados para a circulação sistêmica ao invés de seguir para o
fígado através da veia porta, gerando aumento prolongado da concentração de ácidos biliares
no sangue (TIVERS & LIPSCOMB, 2011). Recomenda-se a coleta de duas amostras
sangüíneas, sendo uma após 12 horas de jejum e a outra duas horas após uma refeição
(BONELLI et.al., 2008). Em animais com função hepática normal a concentração de ácido
biliares em jejum é baixa (2,3 – 3,1 µmol/L) e moderadamente aumentados pós prandial (5,3
– 9,9µmol/L), apesar dos valores de referência apresentarem variações dependendo do
laboratório. Gatos com desvios portossistêmicos podem ter concentrações até dez vezes
maiores que o limite máximo (CENTER, 1986).
O teste dos níveis de amônia, que podem estar elevados no desvio
portossistêmico, só requer uma amostra, mas a amônia é instável in vitro, dificultando a
realização do teste (WINKLER et al., 2003). O teste de tolerância à amônia é um teste muito
sensível, mas pode apresentar inconvenientes, como êmese e diarréia. Medindo-se à
concentração de amônia no sangue 6 e 8 horas pós prandial parece ser mais sensível do que a
medição da amônia em jejum, mas ainda é menos específico do que o teste de tolerância
(FOSSUM, 2015).
A determinação da atividade da proteína C é um teste sensível para diferenciar
doenças hepatobiliares. Cães com desvio portossistêmico congênito tiveram menores níveis
de atividade de proteína C (<70% em 88% dos cães) do que cães com displasia microvascular
(> ou = 70% em 95 dos cães) (TOULZA, 2006).
3.2. Urinálise
A urinálise pode revelar baixa densidade urinária, particularmente em gatos com
poliúria/polidipsia (LEVY,1995). Também pode haver evidências de cristais de biurato de
amônio na análise do sedimento, apesar de não ser algo tão comum, atingindo cerca de 20-
43% dos animais acometidos (BERGER, 1986). Em animais normais, o ácido úrico,
proveniente do metabolismo da purina, é metabolizado no fígado. Em gatos com desvios
portossistêmicos, a capacidade metabólica hepática fica reduzida, levando a um aumento de
amônia sérica e de ácido úrico, que é excretado pela urina. Como o ácido úrico é
relativamente insolúvel, há a formação dos cristais (TIVERS & LIPSCOMB, 2011). Um
estudo retrospectivo com gatos com urolitíase por urato não conseguiu estabelecer correlação
positiva entre shunt e urolitíase por urato, porém sugere que os todos os animais com este tipo
de cristalúria devem ser investigados para a ocorrência de hepatopatias, em particular desvios
portossistêmicos (DEAR, et.al., 2011).
3.3.Exames de Imagem
3.3.1.Ultrassonografia abdominal
O exame ultra-sonográfico abdominal é útil na identificação de shunts em cães e
gatos e para avaliar a velocidade da passagem sangüínea pela veia porta (LAMB, 1998;
FAVERZANI et al., 2003), sendo freqüentemente empregado por ser um método não-invasivo
(WINKLER et al., 2003; BROOME et al., 2004). Também pode ser utilizado pra identificar o
vaso anômalo e fornecer informações sobre o tipo e sua localização (LAMB, 1998).A
ultrassonografia tem sido reportada como tendo sensibilidade e especificidade de 100% em
um estudo, com 13/14 gatos tendo o desvio portossistêmico sendo corretamente identificado
em relação ao seu tipo, Porém, a grande valia do exame ultrassonográfico está na habilidade
do operador (LAMB, 1996), que deve ter um entendimento profundo sobre o sistema porta, e
compreensão do uso das ferramentas do Doppler espectral e colorido (SZATMARI, 2004).
Além da avaliação hepática, o exame ultrassonográfico permite a avaliação de
outras estruturas abdominais, como o sistema urinário, comumente afetado em animais com
desvios portossistêmicos. Adicionalmente, pode fornecer valiosas informações a respeito do
fluxo sanguíneo, que podem ser utilizadas como parâmetro de acompanhamento no decorrer
do tratamento (SZATMARI et.al., 2004).
A ultrassonografia apresenta importantes fatores limitantes, alguns deles difíceis
de serem transpostos. A presença de conteúdo gastrointestinal (gás e alimento) pode ser
contornada na maioria dos pacientes. Entretanto, o sistema porta pode ser de difícil acesso em
pacientes com tamanho hepático reduzido, quando nesta situação está localizado dentro do
gradil costal, dificultando visibilização e avaliação do órgão. Em uma grande parte dos
pacientes notamos uma grande atenuação do feixe sonoro, sendo um desafio visibilizar
adequadamente a veia porta , assim como mensurar seu tamanho e avaliar as características de
fluxo (D'ANJOU et.al., 2007).
O tamanho do figado é subjetivamente estimado utilizando-se critérios como
formato, contorno, sua extensão caudal em direção aos arcos costais e a distância entre o
estômago e o diafragma. Em animais com microhepatia, o baço normalmente esta deslocado
cranialmente e o fígado é difícil de ser visibilizado, mesmo utilizando-se uma boa janela
acústica e com o trato gastrointestinal vazio. A vesícula biliar também pode parecer
relativamente grande em comparação ao parênquima hepático (LAMB, 1998).
O fluxo sanguineo aferente ao fígado é suprido principalmente pela veia porta ,
que contribui para cerca de 70-80% da perfusão hepática total. Em animais com desvios
portosistêmicos, o fluxo sanguíneo hepático arterial aumenta para compensar a redução do
fluxo venoso. O parênquima hepático é usualmente homogêneo e com ecogenicidade normal
em cães e gatos com desvios portossistêmicos (LAMB, 1998).
Em relação à vasculatura hepática, temos que as ramificações portais são menores
e mais difíceis de serem identificadas em animais com desvios portossistêmicos, por causa da
redução do fluxo sanguíneo portal. Infelizmente essas mensurações são subjetivas, dado que
não há consenso em como avaliar o tamanho dos vasos intra-hepáticos (D'ANJOU et.al.,
2007).
Através do exame ultrassonográfico podemos avaliar vários aspectos em relação à
veia porta principal. Esta veia é formada pela confluência da veia esplênica e das veias
mesentéricas craniais e caudais, e recebem uma pequena ramificação da veia gastroduodenal
antes de entrar no fígado (EVANS, 1990). Por conta da grande variação em tamanho tanto em
cães quanto em gatos, recomenda-se que a avaliação de seu diâmetro seja feita através da
razão de seu diâmetro luminal máximo com o da aorta. Em cães e gatos, resultados entre 0,7 a
1,25 são considerados normais. Podemos considerar excluída a possibilidade de shunt
portossistêmico extra-hepático congênito se essa relação for maior ou igual a 0,8 (D'ANJOU,
2007). A velocidade do fluxo sanguíneo portal, assim como sua regularidade, podem ser
avaliados através do Doppler espectral, sendo que valores entre 10 a 18 cm/s em gatos são
considerados normais (LAMB, 1996). Nos desvios portossistêmicos intrahepáticos, a
velocidade tende a aumentar, frequentemente atingindo valores superiores a 50cm/s. Já em
desvios extra-hepáticos congênitos, a velocidade está comumente reduzida (<15cm/s), sendo
mais difícil de mensurar, devido à redução do tamanho hepático (SZATMARI, 2004). Já a
regularidade do fluxo costuma ser mais simples de ser avaliada, sendo habitualmente irregular
em animais acometidos. Esta irregularidade costuma ser mais evidente nas proximidades do
vaso anômalo (D'ANJOU, 2007).
Em relação à veia cava caudal, os desvios, sejam eles intra ou extra-hepáticos,
usualmente causam um aumento do diâmetro vascular cranialmente à inserção do vaso
anômalo, além de provocar turbulência no fluxo sanguíneo (Figura 03) (D'ANJOU, 2007;
LAMB, 1998).
A aorta não serve apenas como um ponto de referência para estimar o tamanho da
veia porta, mas também pode ser utilizada para localização de shunts do tipo porto-ázigos. Em
alguns pacientes com esse tipo de desvio, o vaso contendo fluxo cranial pode ser observado
na direita da aorta descendente, entrando no hiato aórtico, indicando um aumento da veia
ázigos com desvio de fluxo ou até mesmo o próprio desvio antes da terminação. Em animais
Figura 3: Desvios extra-hepáticos congênitos. (A,B) Desvios portocava em dois cães. Um vaso anômalo conecta-se à veia cava caudal (CVC). A mudança na direção do fluxo sanguíneo no desvio (setas)em (B) resultam em mudança da cor no sinal do Doppler. (C) Desvio porto-ázigos em cão. Um vaso grande e tortuoso se curva para a direita do estômago (GC) e segue em direção ao diafragma (setas). (D) Desvio porto-ázigos em gato. Um grande vaso é visibilizado ao redor do esôfago(E), entrando dorso-cranialmente em direção ao diafragma, oposto à veia cava (D'ANJOU, 2007)
normais, aveia ázigos não é visibilizada ultrassonograficamente (D'ANJOU, 2007).
3.3.2. Radiografia abdominal
Radiografias abdominais podem ser utilizadas como forma complementar de
diagnóstico, mas trazem poucas informações adicionais a respeito dos desvios
portossistêmicos. Podem ser vistos microhepatia e perda de definição dos órgãos abdominais
em gatos com baixo escore corporal, sem que esses achados sejam característicos (TIVERS &
LIPSCOMB, 2011).
3.3.3. Cintilografia
A cintilografia portal é realizada utilizando-se um composto radioativo,
normalmente o tecnécio 99 (99Tc), para verificar o fluxo sanguíneo portal (MOON, 1990).
Apresenta boa sensibilidade e especificidade (LEVY et.al., 1990). Com o gato sob sedação, 99Tc é aplicado no cólon, onde é rapidamente absorvido para o sistema porta. Uma câmera
gama registra o caminho do composto radioativo. Em animais normais, a área ocupada pelo
fígado é a primeira a apresentar luminescência. Em gatos com desvios portossistêmicos, a
área hepática não apresenta alterações, enquanto a área cardíaca é a primeira a apresentar
luminescência significativa. Através de cálculos matemáticos, pode-se obter a porcentagem de
sangue desviado do fígado (DANIEL et.al., 1991).
Uma alternativa para a técnica transretal é a utilização da cintilografia trans-
esplênica, onde a injeção do contraste é realizada no parênquima esplênico, guiada por exame
ultrassonográfico. Esta variação necessita de uma menor quantidade de radioisótopo (25% se
comparado à técnica transretal) um menor tempo para escaneamento e maior possibilidade de
obtenção de informações a respeito da conformação do vaso anômalo. A maior dificuldade
encontra-se em realizar a aplicação do contraste no baço, devido ao tamanho reduzido do
órgão em comparação ao cão (VANDERMEULEN et.al., 2011).
Apesar da cintilografia apresentar um alto valor preditivo positivo na detecção de
shunts, também há desvantagens importantes. Entre elas podemos citar a não especificidade
quanto à localização do desvio, necessidade de licença específica para manuseio de
radioisótopos, custo alto dos equipamentos de imagem e isolamento dos animais após a
realização do exame (TILSON & WINKLER, 2008).
Não foram encontrados dados acerca da realização deste exame no Brasil.
3.3.4. Portovenografia mesentérica
Esta técnica de exame contrastado, que utiliza-se de fluoroscópio, permite que a
imagem seja obtida ao mesmo tempo que o procedimento cirúrgico, excluindo a necessidade
de movimentação do paciente para a realização de radiografias ou mesmo de realização de
dois procedimentos distintos (TIVERS & LIPSCOMB, 2011).Este tipo de exame pode indicar
se o desvio é extra ou intra-hepático. Se a extensão caudal do desvio for cranial a T13, o
desvio provavelmente é intra-hepático. Se a extensão caudal do desvio for caudal a T13, ele
provavelmente é extra-hepático (FOSSUM, 2008).
A injeção do contraste pode ser através de via jejunal ou retrógrada transvenosa.
Na técnica jejunal, o contraste é injetado diretamente em uma veia jejunal próxima à borda
mesentérica, durante procedimento cirúrgico. As imagens devem ser efetuadas enquanto o
último mililitro de contraste for injetado (Figura 4) (FOSSUM, 2008).
Já na portografia retrógrada transvenosa, não há a necessidade de procedimento
cirúrgico. O contraste é injetado através da introdução de um cateter na veia jugular, que
segue em direção à veia cava cranial e à veia ázigos. Na veia ázigos deve-se avançar o cateter
o máximo possível, sem resistência. Neste momento inflar gentilmente o balão de forma
apenas a ocluir o vaso. Após a oclusão, realizar a injeção de contraste (1 a 2ml/kg) avaliando-
se simultaneamente com fluoroscópio. Esta injeção normalmente resulta em um
preenchimento retrógrado dos vasos intercostais e vertebrais. É comum observar o contraste
Figura 4: Cateterização de veia jejunal para administração de contraste para realização de portovenografia mesentérica (TIVERS & LIPSCOMB, 2011).
fluir em um modo retrógrado através da veia cava abdominal. Após a injeção inicial, na veia
ázigos, recolher o cateter para o interior do átrio direito e então avança-lo caudalmente através
do átrio direito e da veia cava caudal. Posteriormente, avançar o cateter para uma posição
imediatamente cranial ao diafragma. Quando o cateter estiver posicionado, inflar o balão para
ocluir a veia cava caudal. Novamente realizar injeção de contraste (1-2ml/kg) durante
avaliação fluoroscópica. A oclusão da veia cava caudal resulta em preenchimento retrógrado
da veia cava abdominal e do desvio. Esta última técnica apenas é indicada em cães nos quais a
presença de um desvio é questionada devido a um histórico atípico, achados discordantes
entre exames de imagem ou quando a identificação cirúrgica do desvio não foi bem sucedida
(FOSSUM, 2008). Não foram encontrados dados acerca da realização desta técnica em
felinos.
Apesar da portovenografia não ser essencial em todos os casos, alguns autores
realizam em todos os gatos com suspeita de desvios portossistêmicos por apresentarem várias
vantagens, dentre elas: permite diagnóstico definitivo dos desvios portossistêmicos, assim
como a exclusão destes em animais com doenças hepáticas onde se havia suspeita; define
exatamente a localização e a morfologia do vaso anômalo; descarta ou confirma a
possibilidade de um segundo desvio congênito ou de múltiplos desvios adquiridos; pode ser
utilizada logo após a atenuação do vaso anômalo para confirmar a correta identificação do
desvio assim como de seus possíveis ramos; permite visibilização dos ramos vasculares intra-
hepáticos antes e depois da atenuação, sendo útil na decisão de se ocluir completamente o
vaso anômalo ou não (TIVERS & LIPSCOMB, 2011). No Brasil não há grande
disponibilidade de aparelhos de fluoroscopia para uso em medicina veterinária, não sendo
estas técnicas efetivamente realizadas na rotina.
3.3.5. Tomografia computadorizada
A tomografia computadorizada é um novo método para o diagnóstico de
anomalias vasculares portais. A velocidade de escaneamento, resolução espacial e de contraste
e a capacidade de demonstração de imagem fazem dela uma excelente ferramenta para
localizar vasos anômalos. É fundamental a utilização correta dos parâmetros técnicos como
tempo de captação da imagem, quantidade de contraste e pausa respiratória para aquisição de
imagens diagnósticas. Necessita de sedação e/ou anestesia geral, podendo precipitar quadros
de encefalopatia hepática (ZWINGENBERGER , 2009) .
Um estudo retrospectivo comparou a sensibilidade e a especificidade da
tomografia computadorizada e da ultrassonografia abdominal na detecção de desvios
portossistêmicos em cães. A sensibilidade da tomografia na detecção dos desvios foi de 96%
em comparação com 68% obtidos com a ultrassonografia (P<0,001). A especificidade da
tomografia e da ultrassonografia foram de 89% e 84% respectivamente (P=0,727). A
tomografia computadorizada detectou corretamente a origem dos vasos anômalos em 15 dos
16 animais e a correta inserção em 15 de 16 animais com desvio congênito. A ultrassonografia
abdominal detectou a correta origem em 24 dos 30 cães e a correta inserção em 20 dos 33
cães com desvios congênitos. Desvios múltiplos adquiridos foram vistos em 4 de 5 cães
através da tomografia e em 1 de 6 cães através da ultrassonografia. Concluiu-se que a
tomografia tem 5,5 vezes mais chance de de acertar corretamente a presença ou ausência do
desvio quanto comparado à ultrassonografia (P=0,02) (KIM ET.AL., 2013).
Atualmente existe grande disponibilidade de tomógrafos no Brasil para uso em
medicina veterinária, podendo esta técnica ser utilizada para diagnóstico e planejamento pré-
operatório.
4. TRATAMENTO
A cirurgia é o tratamento de escolha para a maioria dos animais com desvios
portossistêmicos, pois a função hepática pode se deteriorar à medida que a maior parte do
sangue é desviada para fora do fígado. A expectativa de vida de animais que recebem
tratamento conservador é relatada como sendo de 2 meses a 2 anos. Indica-se o tratamento
conservador em animais assintomáticos que foram acidentalmente diagnosticados e/ou
maiores de 7 anos, que apresentam sintomas clínicos mínimos. Deve-se considerar a
mortalidade relatada de 7% associada à cirurgia versus a probabilidade de deterioração do
estado geral, caso a cirurgia não seja realizada. Outra indicação é quando há alterações
histológicas, como fibrose hepática em ponte ou hiperplasia biliar em ponte, que podem se
tornar complicações pós cirúrgicas, culminando em hipertensão portal (FOSSUM, 2008). Não
há trabalhos comparando tratamentos clínico e cirúrgico no gato, porém há este tipo de estudo
no cão, e, em termos de comparação do tempo de sobrevida, o tratamento cirúrgico foi
preferido (GREENHALGH et.al., 2010).
4.1. Tratamento clínico
Muitos gatos com desvios portossistêmicos apresentam sinais clínicos graves no
momento do diagnóstico. O tratamento clínico é usado para estabilizar o animal antes da
realização do procedimento cirúrgico. O animal deve estar estabilizado por no mínimo 2
semanas. Este tipo de tratamento promove melhorias no quadro de encefalopatia hepática
devido redução dos níveis de amônia (e de outras toxinas), mas não corrige a causa de base,
que é o vaso anômalo (TIVERS & LIPSCOMB, 2011).
4.1.1. Manejo alimentar
O manejo alimentar é muito importante para o controle do quadro de
encefalopatia hepática, devendo preencher alguns pré-requisitos: alta digestibilidade para
reduzir resíduos da flora colônica; conter baixos níveis de proteínas, sendo estas de alto valor
biológico com altos níveis de aminoácidos de cadeia ramificada e arginina, e baixos níveis de
aminoácidos aromáticos e metionina; ter carboidratos como fonte energética principal; conter
níveis adequados de vitaminas e minerais (TIVERS & LIPSCOMB, 2011; TILSON &
WINKLER, 2002; FOSSUM, 2008).
Uma dieta com fonte de arginina é muito importante nos felinos, dado que esta é
utilizada na conversão de amônia para uréia. A quantidade recomendada é de 1,0 gramas/100
gramas de matéria seca para gatos adultos e de 1,07 – 1,11 g/100gramas de materia seca para
gatos em crescimento (FEDIAF, 2011). Não foram encontrados dados específicos da
necessidade de arginina para felinos com desvios portossistêmicos.
A modificação da fonte proteica é a parte mais importante do manejo dietético,
porém é também a parte mais desafiadora. Gatos possuem obrigatoriamente uma alta taxa de
oxidação proteica devido a uma baixa capacidade de realizar regulação do catabolismo
proteico em casos de privação alimentar de proteínas. Muitos gatos acometidos por
encefalopatia hepática são pequenos e possuem baixo escore corporal. Uma restrição proteica
alimentar poderia exacerbar os sinais de encefalopatia hepática devido à aceleração da
oxidação proteica, com consequente produção de amônia. Os niveis de proteínas dietéticos
devem atingir as necessidades nutricionais sem serem excessivamente altos. Esse balanço é
dificil de ser presumido em cada animal, e o nivel de restrição deve ser titulado como o maior
possível em que não haja sinais clínicos de encefalopatia (TABOADA et.al., 1990; TIVERS &
LIPSCOMB, 2011). A quantidade mínima recomendada de proteína para felinos adultos é de
25 gramas/100 gramas de matéria seca e de 28-30 gramas/100 gramas de materia seca para
felinos em crescimento (FEDIAF, 2011).
A quantidade e o tipo de proteína que deve ser administrada ao paciente
hepatopata ainda é um assunto bastante controverso. A princípio, animais com alteração
hepática devem ser alimentados com tanta proteína puderem tolerar. A restrição protéica
quando prescrita de forma incorreta pode induzir ou agravar o estado de subnutrição, piorar as
funções hepáticas para a síntese protéica, e resultar em balanço calórico e nitrogenado
negativos. Até o momento não são conhecidas as necessidades protéicas para a regeneração
do tecido hepático em cães e gatos. A quantidade necessária para manutenção, reparação e
regeneração celular variam com o tipo e gravidade da hepatopatia. Em afecções
acompanhadas por inflamação e regeneração tissular recomenda-se uma leve suplementação
de proteína. Pacientes com insuficiência hepática crônica são hipermetabólicos e os que
apresentam lesão hepática inflamatória ou necrose necessitam de mais nitrogênio e energia.
Para estes casos, recomenda-se a ingestão diária de 2-3g de Proteína por Kg de peso corporal
para cães e 5g de Proteína por Kg de peso corporal para gatos . A qualidade e a digestibilidade
da proteína é extremamente relevante, sendo recomendado fontes como o ovo e o leite. A
restrição somente está recomendada para animais com sinais de encefalopatia hepática. Estes
pacientes responderam de forma positiva com a utilização de 2,11g de proteína bruta por kg
de peso corporal ao dia, o equivalente a 14-16% do total calórico dietético ou 15-20% da
matéria seca para cães e 25-30% das calorias (25-30% da matéria seca) para gatos. As
recomendações mais recentes indicam 1-1,5g de proteína por Kg de peso corporal para cães e
3-4g de proteína por Kg de peso corporal para gatos. Os quadros de cirrose que apresentam
encefalopatia hepática são mais difíceis de serem conduzidos. Esses animais necessitam de
aporte protéico para manutenção do balanço nitrogenado, porém a ingestão de proteína pode
resultar em encefalopatia. Por outro lado, se entrarem em balanço nitrogenado negativo,
podem ficar desnutridos, com piora da função hepática e estado geral. A manutenção do
balanço nitrogenado pode apresentar efeitos positivos sobre a EH, pois facilita a regeneração
hepática e aumenta a capacidade da musculatura em metabolizar amônia (BRUNETTO et.al.,
2009).
A quantidade de proteína não é o único fator que deve ser avaliado em animais em
fase de crescimento. Particularmente, antes dos 6 meses de idade, devemos nos atentar às
necessidades de outros nutrientes, como cálcio e fósforo, que são muito maiores do que as
presentes nas dietas comerciais com restrição proteica (por exemplo, para animais hepatopatas
ou nefropatas). Caso os níveis mínimos não forem atingidos, uma suplementação deve ser
realizada, ou mesmo uma dieta formulada por veterinário nutricionista deve ser utilizada
(TIVERS & LIPSCOMB, 2011).
Importante salientar que no Brasil não estão disponíveis comercialmente dietas
para felinos hepatopatas, sendo estas substituídas por dietas formuladas para pacientes
nefropatas, por serem as únicas disponíveis com restrição em proteínas.
4.1.2. Lactulose e probióticos
A lactulose é um dissacarideo sintético que não é nem hidrolisado e nem
absorvido pelo intestino delgado. No cólon é hidrolisado pelas bactérias entéricas
(principalmente por Bacteroides sp.) em ácidos lático, acético e fórmico. Esses ácidos
orgânicos reduzem o pH dos conteúdos colônicos e aumenta osmoticamente a quantidade de
água das fezes. Essa acidificação resulta na produção de uma maior quantidade de amônio
(NH4+) do que de amônia (NH3), que não é absorvido pela mucosa intestinal, além de reduzir
a quantidade de amônia absorvida (TIVERS & LIPSCOMB, 2011).
Os probióticos estão sendo utilizados para combater a hiperamonemia em
pacientes humanos. A utilização de bactérias como Bifidobacterium bifidum e Streptococcus
faecium diminuem competitivamente a microbiota produtora de urease, reduzindo a absorção
da amônia (BRUM et.al., 2007).
Em um trabalho realizado com um cão da raça maltês com desvio portossistêmico,
comparou-se o controle da hiperamonemia utilizando-se lactulose (1ml/TID), probiótico
(2g/dia) e uma associação dos dois componentes. A maior redução de amônia sérica foi obtida
com a associação dos dois componentes, sendo que o uso isolado do probiótico não
demonstrou ser uma alternativa efetiva (BRUM, et.al, 2007).
Em felinos indica-se ima dose inicial de lactulose variando entre 0,5 a 5ml a cada
8 horas, sendo que esta dose e frequência podem ser modificados de acordo com as
manifestações clínicas, tendo também como objetivo a obtenção de 2 a 3 defecações diárias
pastosas, sem causar diarréia. Em animais inconscientes, a administração pode ser realizada
sob a forma de enema, na proporção de uma parte de lactulona para 2 partes de água morna
(TILSON & WINKLER, 2007; TIVERS & LIPSCOMB, 2011). Não foram encontrados
dados a respeito da dose e frequência do uso dos probióticos nos felinos, dado que estes
podem ser encontrados em diversas formulações comerciais e com diferentes bactérias.
4.1.3. Antibióticos
Os antibióticos são indicados em animais com desvios portossistêmicos para
reduzir a flora bacteriana que produz muitas das toxinas que induzem ao quadro de
encefalopatia hepática. Idealmente, esses antibióticos não devem ser absorvidos pelo intestino
e devem ser efetivos contra bactérias produtoras de amônia. Ampicilina (10-20mg/kg PO, IV
TID), amoxicilina+clavulanato de potássio (12,5mg/kg PO, IV BID), amoxicilina (15-
20mg/kg PO TID), neomicina (20mg/kg PO, enema BID a TID) e metronidazol (10mg/kg PO
BID) podem ser utilizados de forma contínua. Todos os antibióticos apresentam efeitos
similares, não havendo predileção no momento da escolha (TABOADA et.al., 1990, TIVERS
& LIPSCOMB, 2011; TILSON & WINKLER, 2002).
4.1.4. Anticonvulsivantes
Gatos com alterações neurológicas que não respondem ao tratamento clínico de
encefalopatia hepática, ou aqueles com quadros convulsivos não controlados ou em status
epileticus devem receber medicações anticonvulsivantes (por exemplo, fenobarbital). O
fenobarbital é metabolizado no fígado, portanto, a menor dose possível deve ser utilizada e
estes animais devem frequentemente monitorados, sendo a primeira dosagem sérica de
fenobarbital realizada após 15 dias do início da terapia. Uma dose de 1,5 – 3mg/kg a cada 12
horas tem se mostrado efetiva. A redução da dose pode ser realizada a partir de 3 a 6 meses
sem episódios convulsivos, ou caso sejam obtidos resultados apresentando toxicidade do
fármaco (TIVERS & LIPSCOMB, 2011). Os níveis séricos das transminases e da fosfatase
alcalina podem aumentar com a terapia prolongada, não sendo necessariamente indicativos de
doença hepática, podendo ser apenas devido indução enzimática. Recomenda-se hemograma
completo e perfil bioquímico a cada 6 meses . O levetiracetam (20mg/kg PO TID) é uma
alternativa ao fenobarbital e tem a vantagem de ter um inicio de ação mais rápido e não ter
metabolização hepática. Porém, possui alto custo comparado ao fenobarbital (ANDRADE
NETO, 2015). É importante lembrar que o brometo de potássio não é recomendado para uso
em gatos devido à alta incidência de complicações, incluindo dispneia (TIVERS &
LIPSCOMB, 2011).
4.1.5. Abordagem de animais em encefalopatia hepática
Em alguns casos, gatos podem se apresentar em colapso, comatosos ou em status
epileticus devido encefalopatia hepática. Esses episódios podem ser precipitados por
utilização de anestésicos ou qualquer outra medicação utilizada no tratamento de uma
comorbidade. Gatos que apresentam episódios eméticos podem apresentar desequilíbrios
ácido-base (principalmente alcalose metabólica), alterações eletrolíticas (hipocalemia),
desidratação e hipovolemia. A alcalose resulta na formação de amônia, que se difunde mais
rapidamente para o sistema nervoso central (TIVERS & LIPSCOMB, 2011).
Além de todas as medidas citadas nos tópicos anteriores, os animais com desvios
portossistêmicos e encefalopatia hepática devem receber cuidados gerais de suporte incluindo
fluidoterapia intravenosa (NaCl 0,9% ou NaCl 0,45% + dextrose 2,5%), reposição de potássio
e glicose conforme necessário (FOSSUM, 2008). Em casos de suspeita de edema cerebral em
animais normovolêmicos, deve-se utilizar manitol (0,25 – 0,5g/kg IV durante 30 minutos,
dose única), oxigenioterapia e n-acetilcisteína. Em animais inconscientes ou incapazes de
receber medicação via oral, a lactulose pode ser administrada através de enemas de retenção,
para “limpeza” mecânica do cólon, reduzindo a flora bacteriana produtora de amônia, na
proporção de uma parte de lactulona para 2 partes de água morna (TIVERS & LIPSCOMB,
2011).
Caso o animal esteja convulsionando, podem ser administrados diazepan (0,5 –
1,0 mg/kg IV, máximo de 3 repetições), fenobarbital (uma dose total máxima de 8 – 12mg/kg
pode ser administrada em bolus de 2-3mg/kg IV até controlar as crises convulsivas. Aguardar
pelo menos 20 – 30 minutos entre as aplicações. Uma vez administrado, o fenobarbital deve
ser continuado na dose de 1,5 – 3mg/kg BID), levetiracetam (20mg/kg IV ou como enema de
retenção a cada 8 horas, seguindo-se a mesma dose via oral após recuperação da consciência
). Caso animal ainda não cesse as crises convulsivas, utilizar propofol (0,5 – 1mg/kg bolus IV
seguido de infusão contínua de 0,05 – 0,4mk/kg/min) (TIVERS & LIPSCOMB, 2011).
4.2. Tratamento cirúrgico
O tratamento cirúrgico é recomendado para a maioria dos pacientes com desvios
portosistêmicos. O propósito do procedimento é identificar o vaso anômalo e atenuá-lo,
redirecionando o fluxo sanguíneo para o fígado e restaurar a função hepática. Teoricamente, o
tratamento cirurgico oferece a melhor alternativa a longo prazo para o felino, (TIVERS &
LIPSCOMB, 2011), dado que não há trabalhos comparando tratamentos clínico e cirúrgico no
gato. Porém há este tipo de estudo no cão, e, em termos de comparação do tempo de
sobrevida, o tratamento cirúrgico foi preferido (GREENHALGH et.al., 2010).
O procedimento cirúrgico deve ser realizado através de incisão na linha média
ventral a partir da cartilagem xifóide caudal, e o sistema porta é examinado. No caso de
desvios intra-hepáticos e fístulas arterio venosas a incisão pode se estender cranialmente
através do processo xifóide e das esternebras caudais (RADLINSKY, 2015).
Uma completa exploração abdominal é realizada antes de se atentar à região do
desvio. A identificação do vaso anômalo requer grande habilidade do cirurgião e
conhecimento sobre o sistema portal de animais sadios (TILSON & WINKLER, 2002). A veia
porta é formada pela confluência das veias mesentérica cranial, caudal e da veia esplênica. A
veia esplênica entra na veia porta no nível da junção toracolombar. As veias
frenicoabdominais terminam na veia cava caudal aproximadamente 1 centímetro cranialmente
às veias renais. Qualquer veia que entre na veia cava caudal cranialmente às veias
frenicoabdominais (antes das veias hepáticas) podem ser consideradas estruturas anômalas
(RADLINSKY, 2015).
4.2.1. Considerações anestésicas
O procedimento anestésico tende a ser difícil em animais com desvios
portossistêmicos. A grande maioria dos agentes anestésicos, com exceção do isoflurano e do
sevoflurano, requer metabolização hepática. Podem ser usados opióides como pré anestésico e
analgesia, permitindo uma menor concentração de agentes inalatórios, como por exemplo
butorfanol ( 0,2 – 0,4mg/kg IM), buprenorfina (5 – 15 mcg/kg IM) ou hidromorfona
(0,05mg/kg IM). Alguns autores recomendam indução anestésica através de máscara
(isoflurano ou sevoflurano), porém esta técnica pode ser estressante. Uma baixa dose de
propofol via intravenosa (4mg/kg ou dose-efeito) pode ser utilizada, permitindo uma rápida
intubação (SCHUNK, 1997, FOSSUM, 2008).
Após anestesiados, estes pacientes devem ser devidamente monitorados,
prevenindo-se hipotermia, hipotensão e hipoglicemia. Um fator preventivo importante é a
redução máxima do tempo anestésico. A hipotermia pode ser prevenida com a utilização de
mantas térmicas e fluidoterapia aquecida durante o procedimento cirúrgico. Caso essas
medidas não sejam efetivas, pode-se realizar lavagem da cavidade abdominal com solução
salina aquecida, mantendo-se a solução em contado com as visceras por vários minutos.
Fluidoterapia transoperatória deve incluir de 2,5% a 5% de dextrose, ou solução salina 0,9%
+glicose 5%, que deve ser mantida até completa recuperação anestésica, de acordo com
dosagens de glicemia, que deve ser checada a cada 30 minutos. A fluidoterapia deve ser
mantida em doses de manutenção até que o animal volte a se alimentar. (TILSON &
WINKLER, 2002, LIPSCOMB, 2007). Alguns pacientes podem necessitar de suporte
inotrópico ( dobutamina 2 a 10 mcg/min IV ou dopamina 2 a 10 mcg/kg/min IV), devendo ser
monitorados para a ocorrência de arritmias ou taquicardia (FOSSUM, 2008).
4.2.3. Atenuação através de sutura
A primeira técnica cirúrgica descrita foi a atenuação do vaso anômalo usando uma
ligadura de fio de seda, em 1982. Entretanto, alguns gatos com vasculatura hepática pouco
desenvolvida não conseguem acomodar todo o fluxo sanguíneo proveniente do vaso anômalo,
resultando em hipertensão portal , que é rapidamente fatal se o vaso ocluido for à esquerda.
Consequentemente, a atenuação aguda total somente é possível em uma proporção dos
pacientes. Por isso, é importante inicialmente ocluir parcialmente o vaso anômalo e mensurar
a pressão portal. Caso haja hipertensão portal, mesmo que subjetiva, uma atenuação parcial é
realizada no intuito de produzir um aumento de pressão portal aceitável, para que o efeito
visceral seja mínimo ou inexistente (TIVERS & LIPSCOMB, 2011). A pressão portal deve ser
cuidadosamente verificada antes e durante a oclusão do vaso, através da colocação de um
cateter intravenoso (20 - 24gauge) em uma veia mesentérica, fixado com fio de seda 4-0. Uma
extensão estéril é preenchida com solução salina e anexada ao cateter e a outra extremidade
fixada a um manômetro. De acordo com o fechamento do vaso o nível do manômetro deve
subir, refletindo o aumento da pressão (TILSON & WINKLER, 2002). As pressões portais
pós ligadura não devem exceder 10cm H2O (8mmHg) acima das pressões de base ou 20 a 23
cm H2O (15 a 18mmHg). Deve-se observar as visceras para verificar se há congestão
esplênica durante 5-10 minutos. Caso isto ocorra, soltar a ligadura (RADLINSKY, 2015)
(Figura 05).
Podem ser utilizados diferentes materiais, sendo que o polipropileno é mais
indicado que a seda, por ter maior resistência e segurança do nó, podendo ser utilizado fio 2-
0. A seda perde a força de tensão e é lentamente absorvida pelo organismo, dentro de um
período de 2 anos (TIVERS & LIPSCOMB, 2011, TILSON & WINKLER, 2002).
A ligadura total é possível em cerca de 29 – 43% dos gatos (LIPSCOMB et.al,
Figura 5: Atenuação de vaso anômalo através de sutura (a) Laparotomia exploratória em um gato com desvio extrahepático. O estômago foi retraído caudoventralmente,revelando o vaso anômalo na região do cardia gástrico. (b) Dissecção cuidadosa ao redor do desvio (c) Dois fios de sutura (polopropileno) foram passados ao redor do vaso anômalo para permitir oclusão temporária e subsequente ligação. (d) o gato tolerou ligadura total do vaso anômalo e a sutura foi realizada, O outro fio de sutura será retirado antes do fechamento da cavidade abdominal. (TIVERS & LIPSCOMB, 2011)
2007). Alguns relatos descrevem gatos com atresia portal, onde a veia porta era
subdesenvolvida ou mesmo ausente. Alguns autores acreditam que a aplasia portal verdadeira
é extremamente rara em gatos (TIVERS & LIPSCOMB, 2011). Uma veia pouco desenvolvida
pode não ser vista no momento da laparotomia, mas pode ser tornar evidente após oclusão
temporária do desvio. Igualmente, alguns estudos tem mostrado que, enquanto pode não haver
opacificação na vasculatura intra-hepática na portovenografia mesentérica antes da atenuação,
há uma opacificação significante após a oclusão temporária do vaso (LIPSCOMB, 2007).
Gatos com atenuação parcial apresentam uma frequência maior de recidiva dos
sinais clínicos, usualmente atribuído à persistência do vaso anômalo, mas também pode ser
devido ao desenvolvimento de novos desvios adquiridos (LEVY et.al., 1995). Um segundo
procedimento cirúrgico a ser realizado cerca de 2 – 3 meses após o primeiro, permite uma
atenuação completa do vaso anômalo em gatos tratados inicialmente com a atenuação parcial.
Durante este tempo a vasculatura hepática vai se desenvolver, permitindo atenuação completa
na maioria dos casos (VANGUNDY et.al., 1990).
4.2.4. Colocação de anel constriror ameróide e bandas de celofane
A colocação de anel ameróide tem ganhado popularidade na atenuação de desvios
portossistêmicos. O anel é composto por caseína higroscópica comprimida dentro de uma
banda de metal, com um canal central, permitindo que seja posicionado ao redor do vaso
anômalo. Após o correto posicionamento, é colocada uma trava fechando a extremidade
aberta do anel, impedindo que este saia do vaso. O constritor absorve o fluido abdominal,
levando à expansão da caseína de maneira centrípeta, causando oclusão gradual do vaso
anômalo. A presença de uma proteína exógena também acarreta uma reação inflamatória que
auxilia na oclusão. Admite-se que a oclusão gradual permite que a vasculatura hepática se
adapte e se regenere em tempo hábil, sem acarretar em hipertensão portal (TILSON &
WINKLER, 2002; TIVERS & LIPSCOMB, 2011). Esta técnica também é indicada pois
previne que o animal passe por múltiplos procedimentos cirúrgicos nos casos onde não é
possível a atenuação completa. Espera-se que o vaso esteja completamente ocluido dentro de
algumas semanas ( TIVERS & LIPSCOMB, 2011).
Pode não ser necessária a mensuração da pressão portal durante este tipo de
procedimento, porém muitos autores indicam que ela seja mensurada (RADLINSKY, 2015;
TILSON & WINKLER, 2002), TIVERS & LIPSCOMB, 2011). O tempo para oclusão do
vaso é imprevisível, podendo ocorrer antes do previsto, acarretando em hipertensão portal
devido ao aporte de grande fluxo sanguíneo ao fígado antes do correto desenvolvimento da
vasculatura portal. Pode ocorrer o desenvolvimento de novos vasos anômalos. Uma das
recomenrações para a colocação do constriror ameróide baseia-se na gravidade da hipertensão
portal durante a oclusão do vaso anômalo . Deve ser realizada a colocação de maneira
cautelosa em pacientes com alta pressão portal (>25-28 cmH2O), optando-se por oclusão
parcial do vaso, sempre (TILSON & WINKLER, 2002). O ameróide deve caber no vaso sem
comprometer o lúmen, no entanto, evitar a utilização de um ameróide muito grande, pois o
peso do dispositivo pode causar torção do vaso, obstruindo o fluxo prematuramente
(RADLINSKY, 2015) (Figura 06).
A colocação de banda de celofane possui o mesmo intuito de oclusão gradual do
vaso anômalo, causando obstrução parcial do desvio no momento da colocação, levando à
obstrução total com o passar do tempo, devido reação inflamatória local. Porém, a reação
inflamatória é imprevisível, podendo não ocluir o vaso ou ocluir antes do previsto
(RADLINSKY, 2015, TILSON & WINKLER, 2007, TIVERS & LIPSCOMB, 2011, HUNT,
2004) (figura 06).
4.2.5. Outras considerações cirúrgicas
Em animais com desvios portossistêmicos devem ser consideradas comorbidades
que necessitem de tratamento cirúrgico. É comum a existência de cálculos vesicais, que
devem ser retirados na mesma cirurgia de atenuação do desvio, no intuito de evitar um
Figura 6: Atenuação de vaso anômalo através de colocação de anel ameroide e banda de celofane (a) Anel ameróide posicionado no vaso anômalo (b) banda de celofane posicionada no vaso anômalo (TIVERS & LIPSCOMB, 2011).
segundo procedimento anestésico. Caso a cirurgia esteja muito prolongada ou hajam
complicações transoperatórias, a remoção dos cálculos pode ser feita em um segundo
procedimento. Recomenda-se também que os animais acometidos sejam castrados, evitando a
reprodução, dado que a doença tem caráter congênito. Durante o procedimento de atenuação
do desvio podem ser coletadas amostras hepáticas para exame histopatológico, no intuito de
identificar doenças hepáticas concomitantes, especialmente no caso de desvios adquiridos
(TIVERS & LIPSCOMB, 2011).
4.2.6. Complicações pós cirúrgicas e prognóstico
Apesar da cirurgia para correção do desvio ser considerada com pouco risco de
sangramento, há o risco de uma grande hemorragia, caso o vaso anômalo seja incisionado
acidentalmente. O pequeno tamanho dos felinos com desvios portossistêmicos aumenta a
chance de um sangramento fatal em caso de hemorragia. Além disso, existe o risco de
hipertensão portal aguda caso haja a necessidade de ligação do vaso anômalo para controlar o
sangramento. Hipertensão portal fatal pode ocorrer durante a cirurgia ou no período pós
operatório e pode ser atribuída à oclusão total do desvio. Enquanto que a mensuração da
pressão portal durante o procedimento ajuda a prevenir tal condição, muitos fatores como
profundidade da anestesia, posição do paciente, tromboembolismo e movimentação do anel
ameróide apresentam potencial risco de causar hipertensão portal (TILSON & WINKLER,
2002).
As complicações pós operatorias mais comuns referem-se às alterações
neurológicas e são relatadas em cerca de 13,3 – 37% dos casos (HAVIG, 2002; LIPSCOMB,
2007; HUNT, 2004). A etiologia dessas alterações ainda não está elucidada, porém não parece
estar relacionada a encefalopatia hepática, desequilíbrio eletrolítico, hipoglicemia ou
hiperamonemia, dado que seus níveis tendem a estar normais ou marcadamente reduzidos
comparando-se aos resultados pré-operatórios (LIPSCOMB, 2007). Estes sinais tendem a
variar em forma e gravidade, podendo se manifestar sob a forma de tremores, ataxia, cegueira,
depressão, fraqueza, hiperestesia, convulsões. As convulsões usualmente ocorrem dentro das
primeiras 72 horas pós cirurgia, recomendando-se monitoramento frequente (LIPSCOMB,
2007; KYLES, 2002).
Dados recentes sugerem que a maioria dos gatos apresenta boa evolução após o
procedimento cirúrgico, o que pode ser comparado a resultados obtidos em cães
(LIPSCOMB, 2007). Entretanto, muitos dos estudos se baseiam em avaliações subjetivas
fornecidas pelos proprietários, como sonolência, períodos alheios ao ambiente, apetite
seletivo, etc. Apesar de alguns dados objetivos terem sido utilizados em alguns estudos, como
dosagem de ácidos biliares e cintilografia, a grande maioria apresentou avaliações em curto
prazo (6 meses ou menos), sendo escassos estudos a longo prazo recentes. Portanto,
permanece obscuro se estes animais apresentam atenuação total do desvio após a cirurgia e
que proporção desenvolve desvios adquiridos (TIVERS & LIPSCOMB, 2011; HAVIG, 2002;
LIPSCOMB, 2007; KYLES, 2002, HUNT, 2004)(quadro 1 ).
Quadro 1: Comparativo entre diferentes técnicas de atenuação de desvio portossistêmico (TIVERS & LIPSCOMB, 2011)
Estudo Nº de gatos
Método de atenuação
Complicações neurológicas pós operatórias
Taxa de mortalidade
Evolução a curto prazo Evolução a longo prazo
White et.al., 1996
06 Sutura (5 parciais, 1 total)
16,7% (1/6 com complicações severas
16,7% Excelente em 4/5 (80%) dos gatos (2-18 meses): Clinicamente normais, sem medicações. 2 gatos morreram ou foram eutanasiados devido causas não relacionadas. Regular em 1/5 (20%) dos gatos (24 meses): necessitaram de medicação para controlar sinais. Morreram de causas não relacionadas.
Wolschrijn et.al., 2000
15 Sutura 13,3% (2/15 gatos alterações neurológicas graves, como status epileticus e coma
20% (3/15 gatos
morreram
Havig and Tobias, 2002
12 Anel ameróide
33,3% (4/12 gatos , todos apresentavam alterações no pré cirurgico
0% Avaliação após 3 meses de cirurgia : 5/12 (41,7%) clinicamente normais ; 7/12 (58,3%) continuaram com alterações neurológicas
Excelente em 2/9 gatos (22,2%) (10-60 meses): clinicamente normais, atenuação completa do desvio.Bom em 1/9 gatos (11,1%) (10 meses): clinicamente normais, persistência do desvio à cintilografia, necessitaram de medicações para controle dos sinaisRegular em 2/9 (22,2%) gatos ( 6 meses): sobreviveram, porém com progressão e recidiva dos sinais neurológicos, sob manejo clínicoRuim em 4/9 (44,4%) gatos ( 6-36 meses): eutanasiados devido persistência ou progressão dos sinais neurológicos
Kyles et.al., 2002
23 Anel ameróide
Mais de 77% (17/22), incluindo cegueira (10), hipertermia (6), alterações comportamentais (5), encefalopatia (5), convulsões (3), convulsões focais (1), coagulopatia (1), tremores (1), seroma (1), reação
4,5% (1/22 gatos
morreram devido status
epileticus)
Avaliação após 2-3 meses após cirurgia : 13/14 (92,9%) clínicamente normais; 1/14 (7,1%) convulsões intermitentes; 10/14 permanecem em tratamento médico; 8/14 (57%) persiste comunicação à cintilografia
Excelente em 15/20 (75%) dos gatos (3-51 meses): clinicamente normais, sem medicação ( 6 com dietahipoproteica), 5 com persistência do desvio à cintilografiaBom em 1/20 (5%) dos
transfusional (1) gatos (41-42 meses): episódios ocasionais de letargia, sem tratamento médico.Regular em 1/20 (5%) dos gatos (41-42 meses):episódios ocasionais de letargia, em tratamento médico.Ruim em 3/20 (15%) dos gatos (6-44 meses): progressão dos sinais clínicos, um morreu em status epileticus, 2 eutanasiados
Estudo Nº de gatos
Método de atenuação
Complicações neurológicas pós operatórias
Taxa de mortalidade
Evolução a curto prazo Evolução a longo prazo
Hunt et.al., 2004
5 Banda de celofane
20% ( 1/5 sofreram complicações neurológicas)
0% Avaliação após pelo menos 2 meses após cirurgia: 3/5 (60%) clinicamente normais, função hepática normal; 2/5 (40%) clinicamente normais, aumento de concentração de amônia; 1/5 oclusão incompleta do shunt; 1/5 multiplos shunts adquiridos
Lipscomb et.al., 2007
49 Sutura (28 parciais, 21 atenuação total)
37% (18/49 dos gatos sofreram algum tipo de complicação neurológica incluindo convulsões (11), tremores (8), hiperestesia (8), cegueira (8), ataxia (8) e depressão/fraqueza (4)
4,1% (2/49 gatos foram eutanasiados devido a
convulsões)
Avaliação após 0,25 a 6 meses após a cirurgia: 12/36 (33,3%) ácidos biliares normais, 24/36 (66,6%) ácidos biliares anormais, 12/23 (52,2%) amônia normal, 11/23 (47,8%) amônia anormal. 12/28 gatos com atenuação parcial realizaram uma segunda cirurgia: 9/12 atenuação completa, 2/12 permaneceram com atenuação parcial, 1/12 apresentaram multiplos desvios adquiridos
Excelente em 20/36 (56%) dos gatos (6-105 meses): clinicamente normais, sem medicação.Bom em 7/36 (19%) dos gatos (10-73 meses): sinais clínicos mínimos, sem medicação.Regular em 7/36 (19%) dos gatos (15-79 meses): três com sinais moderados de encefalopatia hepática, quatro com convulsões intermitentes, todos em tratamento médico.Ruim em 2/36 (6%) dos gatos (4-9 meses): eutanasiados devido a convulsões persistentes.
Cabassu et.al., 2011
9 Banda de celofane
22,2% (2/9 gatos sofreram complicações neurológicas graves que resultaram em convulsões persistentes
22,2% (2/9 eutanasiado
devido a convulsões)
Avaliação de ácidos biliares de 3 – 12 meses após cirurgia: 5/5 (100%) ácidos biliares normais
Excelente em 4/7 (57,1%) dos gatos(>0,5 - <36 meses): clinicamente normais, sem medicação.Bom em 1/7 (14,3%) dos gatos (>36 meses): ptialismo persistente.Regular em 1/7 (14,3%) dos gatos (>36 meses): cistotomia para remoção de cálculos de biurato de amônio.Ruim em 1/7 (14,3%) dos gatos (3,5 meses): eutanasiados devido recidiva dos sinais clínicos
5. RELATO DE CASO
Animal da espécie felina, macho, raça Persa, com 18 meses de idade, cor amarelo,
olhos cor de cobre, atendido em um hospital veterinário particular situado na cidade de
Jundiaí - SP no dia 24 de maio de 2014, com quadro de apatia e anuria nas últimas 12 horas. A
proprietária relatou que o encontrou em decúbito lateral na liteira após diversas tentativas de
micção sem sucesso. Referiu como antecedentes mórbidos tratamento de quadro de hematúria
há 30 dias com amoxicilina + clavulanato 20mg/kg/BID/20 dias, com resolução completa do
quadro após evidenciação de melhora clínica em conjunto com exames de urina tipo 1 e
urocultura e antibiograma. Animal domiciliado, sem acesso à rua, com 10 contactantes
felinos assintomáticos. Alimentado com ração seca Royal Canin ® gatos adultos, água ad
libitum. Não castrado. Imunizado com vacinas quádrupla e anti-rábica éticas, com número de
doses e intervalos corretos. Vermifugado há 4 meses (proprietária não soube referir qual
medicação e respectiva dose).
Ao exame físico apresentava-se prostrado, mucosas normocoradas, hidratação
adequada, bexiga repleta e dor à palpação abdominal, auscultação cardiaca sem alterações,
taquipneia, temperatura retal 37,8ºC, linfonodos sem alterações. Realizado sedação com
acepran 0,05mg/kg + tramal 2mg/kg via intramuscular e tentou-se realizar micção forçada
através de massagem vesical, sem sucesso. Optou-se por anestesiar animal com propofol
5mg/kg via intravenosa e realizar sondagem uretral para reestabelecimento de fluxo urinário.
Realizados exames complementares (quadros 02,03,04 e 05)
Quadro 02: Exames bioquímicos realizados no dia 24/05/2014
FUNÇÃO RENALValores obtidos Valores de Referência
Uréia 19mg/dL 35 – 60mg/dLCreatinina 0,8mg/dL 0,8 – 1,8mg/dLMaterial: Soro Método: cinético
Quadro 03: Hemograma + plaquetas realizado no dia 24/05/2014
HEMOGRAMA + PLAQUETASValores Obtidos Valores de referência
Série VermelhaEritrócitos 6,60 milhões/mm³ 5,00 – 10,00 milhões/mm³Hemoglobina 8,1 g/dL 8,00 – 15 g/dLHematócrito 26 % 24 - 45%VCM 39 µ³ 39 – 55 µ³HCM 12 pg 13 – 17 pgCHCM 31 % 30 - 36%Proteína total 5,4 g/dL 6,0 – 8,0 g/dLPlaquetas 200.000 /mm³ 300.000 – 800.000/mm³Eritroblastos 0 eritroblasto(s) em 100
leucócitos Observações: Anisocitose+
Proteína Plasmática repetida e confirmada
Série BrancaLeucócitos 8.600 5.500 – 19.000Leucócitos corrigidos
8.600 5.500 – 19.000
Relativo ( %)
Absoluto (/ µL)
Relativo ( %)
Absoluto (/ µL)
Mielócitos 0,00 0,00Metamielócitos 0,00 0,00Neutrófilos bastonetes
1,0 86 0 – 30 0 - 300
Neutrófilos segmentados
80 6.880 35 – 75 2.500 – 12.500
Eosinófilos 0,00 0,00 0 – 12 0 – 1.500Basófilos 0,00 0 ,00 0 – 1 0 - 50Linfócitos 12 1.032 20 – 55 1.500 –
7.000Monócitos 7,0 602 1 – 4 50 - 850
Quadro 04: Exame de urina tipo 1 realizado no dia 24/05/2014
EXAME DE URINA TIPO 1Valores obtidos Valores de referência
Densidade 1,040 1,025 – 1,060Aspecto Turvo LímpidoCor Amarelo ouro Amarelo citrinoOdor Fétido Sui generisVolume 35 mLEXAMES QUÍMICOSpH 6,5 5,5 – 7,5Glicose Negativo NegativoNitrito Negativo NegativoProteínas Presente ++ Negativo-TraçosCorpos cetônicos Negativo NegativoUrobilinogênio Normal (até 1mg/dL) Normal (até 1mg/dL)Bilirrubina Negativo NegativoSangue Presente ++++ NegativoSEDIMENTOHemácias 2.016.000 /mL até 5.000/mLLeucócitos 525.000 /mL até 10.000/mL Células Raras de Descamação Raras Cristais Frequentes de Urato
AmorfoAusentes a Raros
Cilindros Ausentes AusentesMuco Ausentes AusentesBactérias Presentes + AusentesObservação: coleta através de sonda
Quadro 05: Laudo de exame ultrassonográfico realizado no dia 24/05/2014
ULTRASONOGRAFIA ABDOMINAL SEM AVALIAÇÃO VASCULAR POR DOPPLERBexiga Repleção adequada por conteúdo anecóico com pontos ecogênicos em
suspensão(sugere aumento de celularidade) e acentuada quantidade de pontos hiperecogênicos que ao se depositarem na parede vesical formam sombreamento acústico posterior (microcálculos do tipo arenoso), além de aglomerado ou cálculo irregular medindo 0,6cm de diâmetro.Formato preservado, paredes normoespessas e mucosas lisas.
Fígado Dimensões preservadas, contornos definidos, margens regulares, parênquima homogêneo,ecotextura preservada, porém de ecogenicidade aumentada (Infiltração gordurosa?/ hepatopatia?).Arquitetura vascular de calibre e trajeto preservados.
Vesícula biliar Repleta por conteúdo anecogênico homogêneo, paredes normoespessas, mucosas lisas. Não há sinais ecográficos de alterações em vias biliares intra ou extra hepáticos.
Baço Dimensões com pequeno aumento de tamanho (Esplenomegalia), contornos definidos,margens regulares, parênquima homogêneo e ecogenicidade mantida. Arquitetura vascular de calibre e trajeto preservados.
Rins Direito e esquerdo em topografia habitual, simétricos, porém aumentados medindo respectivamente 4,5cm e 4,4cm de comprimento cada, contornos definidos e regulares,distinção corticomedular preservada e corticais com ecogenicidade aumentada (hiperplasia/Nefropatia).
Estômago Moderada repleção por conteúdo gasoso não sendo possível a visibilização do conteúdo estomacal. Paredes passíveis de visibilização apresentando estratificação em camadas normais e espessuras dentro da normalidade para o porte do animal medindo 0,14cm.
Intestino Duodeno regular e normoespesso medindo 0,2cm. Demais segmentos de alças intestinaispassíveis de visibilização com diâmetro uniforme, paredes normoespessas, estratificação parietal preservada, conteúdo luminal predominantemente ausente, peristaltismo evolutivo e distribuição topográfica normal. Cólon descendente com paredes normoespessas. Linfonodos jejunais e mesentéricos sem alterações ecográficas dignas de nota.
Pâncreas Dimensões preservadas medindo cerca de 0,5cm de espessura em ramo direito e ecogenicidade preservada.
Outros Não há sinais ecográficos de líquido livre em cavidade abdominal. Linfonodos ilíacos mediais de dimensões preservadas, parênquimas
homogêneos e de ecogenicidades normais
Animal permaneceu internado durante os 3 dias subsequentes com sonda de
espera ( PVC atóxico flexível, nº 4), devido a protocolos de conduta clínica do hospital.
Permaneceu com bom débito urinário, normorexia, normodipsia, normoquezia. Porém,
apresentou comportamento anormal, caracterizado por andar em círculos, agitação, midríase e
agressividade, inicialmente atríbuídos ao uso do cloridrato de tramadol na sedação prévia à
passagem de sonda e à permanência em ambiente hospitalar. Realizados terapia com
amoxicilina de longa ação (Agemoxi L.A.®) 15mg/kg a cada 48 horas, dipirona
25mg/kg/SID, fluidoterapia solução ringer com lactato via intravenosa 50ml/kg/dia.
No terceiro dia de internação foi retirada a sonda de espera, porém animal
apresentou novamente quadro de obstrução uretral, optando-se pela realização de uretrostomia
perineal. Protocolo anestésico realizado por indução com fentanil 2mcg/kg/IV e propofol
3mg/kg/IV. Manutenção realizada com isoflurano através de intubação com sonda orotraqueal
nº 3,5 em circuito avalvular Mapleson D®. Procedimento cirúrgico e anestésico sem
intercorrências. Paciente mantido internado por mais 3 dias com o seguinte protocolo
medicamentoso: ceftriaxona 50mg/kg/IV/SID, cloridrato de tramadol 2mg/kg/BID, dipirona
25mg/kg/SID, meloxican 0,1mg/kg/SC/SID, fluidoterapia com solução Ringer com lactato
50ml/kg/dia/IV. Animal apresentou prolongada recuperação anestésica, em torno de 5 horas.
Após este período alimentou-se espontaneamente, mantendo-se sempre mais agressivo que o
comportamento normal referido pela proprietária.
No segundo dia do pós operatório (28/05/2014), animal apresentou crises
convulsivas generalizadas, caracterizadas por decúbito lateral,perda de consciência, sialorréia,
tremores, micção e defecação. Medicado com diazepan 0,5mg/kg/IV sem resposta, sendo
necessária mais uma aplicação em igual dose para cessamento da crise convulsiva. Realizada
mensuração do valor de glicemia imediatamente após a crise, sendo este 115mg/dL.
No intuito de diagnosticar a causa da crise convulsiva, foi realizada revisão de
todo o quadro clínico e laboratorial do animal pelo corpo técnico do hospital. Anormalidades
que antes passaram desapercebidas foram evidenciadas, como: níveis baixos de uréia
(19mg/dL), proteínas totais baixas (5,4g/dL), presença de cristais de urato na urina, rins
aumentados ao exame ultrassonográfico, as alterações comportamentais durante internação,
além de início de crises convulsivas após procedimento anestésico e pós cirúrgico com uso de
medicações com metabolismo majoritariamente hepático. Associando-se as alterações e
particularidades encontradas, além da faixa etária do paciente, aventou-se a possibilidade de
desvio porto sistêmico/shunt porta hepático.
Inicialmente, optou-se por reduzir ao máximo as medicações utilizadas, passando
o protocolo a ser composto por amoxicilina de longa ação 20mg/kg a cada 48 horas/3 doses,
dipirona 25mg/kg/SID/4 dias. Instituiu-se também a utilização de medicações com potencial
antioxidante como acetilcisteina 70mg/kg/IV/TID/7 dias. No intuito de reduzir microbiota
intestinal produtora de amônia utilizados também lactulose 2ml/TID/PO, metronidazol
7,5mg/kg/IV/BID/5 dias. Para controle das crises convulsivas administrado fenobarbital
2mg/kg/BID. Fluidoterapia de manutenção com fluido ringer simples 50ml/kg/dia/IV.
No dia 28/05/2014 realizada coleta de exames complementares (quadro 06).
Quadro 06: Exames complementares realizados no dia 28/05/2014.
Valores obtidos Valores de referênciaFUNÇÃO HEPÁTICAAlanina amino transferase (ALT/TGP) 99 UI/L 10 – 80 UI/LFosfatase alcalina (FA) 21 UI/L 10 – 92 UI/LGama glutamil transferase (GGT) 6 UI/L 1 – 10 UI/LAspartato amino transferase (AST) 205 UI/L 10 – 80 UI/LProteína total 5,7 g/dL 5,4 – 7,6 g/dLAlbumina 1,8 g/dL 2,1 – 3,9 g/dLBilirrubinas totais 0,3 mg/dL 0,1 – 0,6 mg/dLBilirrubina direta 0,2 mg/dL 0,0 – 0,1 mg/dLBilirrubina indireta 0,1 mg/dL 0,0 – 0,35 mg/dLDOSAGEM ÁCIDOS BILIARESÁcidos biliares em jejum 17,78 µMol/L 0 – 13 µMol/LÁcidos biliares pós prandial 40,71 µMol/L 0 – 25 µMol/LELETRÓLITOSSódio 157 mEq/L 145 – 157 mEq/LPotássio 3,17 mEq/L 3,8 – 4,58 mEq/L
Paciente apresentou melhora gradativa do quadro, estabilizando quadro
neurológico e comportamental nos dias seguintes. Realizada reposição de potássio baseado
nos resultados laboratoriais, via intravenosa. Apresentou crises convulsivas (cerca de 8 crises)
apenas nos primeiros 2 dias. As 2 primeiras crises não foram de fácil controle, necessitando de
1mg/kg de diazepan intravenoso, porém as demais foram facilmente controláveis com doses
baixas de diazepan (0,2mg/kg), associado ao fenobarbital 2mg/kg/IV/BID.
Animal recebeu alta da internação no dia 03/06/2014 com prescrição de
acetilcisteína xarope 50mg/kg/BID/PO/ANR, lactulose xarope 2ml/BID/PO/ANR,
fenobarbital 1mg/kg/BID/ANR, ração Royal Canin Renal® (devido à indisponibilidade de
rações terapêuticas voltadas para felinos hepatopatas no Brasil, o uso da ração para nefropatas
é indicada pelos fabricantes devido aos níveis nutricionais mais próximos aos adequados para
um hepatopata). Solicitado ao proprietário retornos a cada 48 horas para reavaliação e
fluidoterapia com solução fisiológica 150ml via subcutânea no intuito de facilitar a
detoxificação dos metabólitos, evitando crises de encefalopatia. Frente à suspeita de shunt,
solicitado exame de ultrassonografia abdominal com doppler para adequada avaliação da
vascularização hepática.
Animal permaneceu estável até o dia 09/06/2014 quando foi novamente internado
devido quadro compatível com encefalopatia hepática. Apresentava-se alheio ao ambiente,
incoordenado, decúbito lateral, reflexos de ameaça ausentes, pupilas pouco reativas,
taquicardia e taquipneia, mucosas normocoradas, hidratação adequada, palpação abdominal
sem alterações, linfonodos sem alterações, T= 37,8°C. Animal medicado com metronidazol
7,5mg/kg/IV/BID, fluidoterapia com solução fisiológica. Apresentou melhora clínica dentro
de 12 horas, sendo liberado no dia seguinte com as mesmas medicações anteriores, acrescida
do metronidazol 7,5mg/kg/PO por 5 dias.
No dia 13/06/2015 paciente realizou exame de ultrassonografia com doppler
(quadros 07 e figuras 07 e 08).
Quadro 07: Laudo de exame ultrassonográfico abdominal com avaliação vascular por doppler realizado em 13/06/2014
ULTRASSONOGRAFIA ABDOMINAL COM AVALIAÇÃO VASCULAR POR DOPPLERFígado As margens hepáticas foram observadas dentro dos limites dos rebordos
costais. Contornos regulares e parênquima homogêneo.Vesícula biliar Repleta, paredes normoespessas e conteúdo anecogênico. Não há
evidências sonográficas de alterações em vias biliares intra ou extra hepáticas.
Veia porta Diminuição de seu calibre medindo 0,2cm de diâmetro.Proporções reduzidas entre os vasos (veia porta, veia cava caudal e aorta abdominal)VP/VCC = 0,32VP/AO = 0,39
Observação Presença de vaso de aspecto tortuoso localizado caudalmente ao hilo portal, comunicando-se com a veia cava caudal na altura do décimo ao décimo primeiro espaço intercostal. Este vaso apresenta fluxo hepatofugal. Este vaso mede entre 0,24cm de diâmetro (próximo ao local de comunicação com a veia cava caudal) e entre 0,42 a 0,75 cm de diâmetro distalmente a esta região (próximo ao hilo portal). No local da comunicação do vaso anômalo com a veia cava caudal,observou-se turbilhonamento do fluxo sanguíneo em veia cava caudal. Imagem ecográfica compatível com desvio portossistêmico extra-hepático porto-cava congênito.
Baço Pequeno aumento de tamanho, contornos regulares, parênquima homogêneo.
Rins Direito e esquerdo medindo aproximadamente 4,13 e 4,09 cm de comprimento, respectivamente. Contornos regulares, distinção da região córtico medular e parênquima homogêneo. Não há sinais de litíases ou hidronefrose.
Ureteres Não foram observadas alterações sonográficas dignas de nota em topografia de ureteres neste exame.
Bexiga Repleção moderada. Em seu interior observou-se conteúdo líquido anecóico e duas estruturas hiperecogênicas formadoras de sombra acústica posterior (cálculos vesicais), medindo 0,1 e 0,15 cm de comprimento.
Estômago Parede gástrica de espessura normal.Alças intestinais Distribuição normal dos segmentos intestinais. Paredes normoespessas,
sendo possível identificar a estratificação parietal.Veia cava caudal Diâmetro vascular: 0,63cm
No local da comunicação da veia cava caudal com o vascularização
anormal observou-se turbilhonamento de seu fluxo sanguíneo. Aorta abdominal Diâmetro vascular: 0,51cm. Paredes normoespessas e conteúdo
anecogênico normal.Observações Não foi verificado aumento de tamanho de linfonodos abdominais
Não há evidências ultrassonográficas de presença de líquido livre abdominal.Não foram visibilizadas alterações dignas de nota em topografia de pâncreas.
Figura 07 : Imagens de exame ultrassonográfico com avaliação vascular por doppler realizado em 13/06/14
Figura 08: Imagens de exame ultrassonográfico com avaliação vascular por doppler realizado em 13/06/14
Com a realização do exame ultrassonográfico, aliados aos demais exames
laboratoriais, confirmou-se suspeita de desvio portossistêmico ou “shunt” porta hepático.
Dentre as opções de manejo clínico ou realização de procedimento cirúrgico para
o tratamento da afecção, optou-se pela segunda opção, devido ser a única possibilidade de
resolução definitiva do quadro, aliada à qualidade e expectativa de vida.
Devido a opção da proprietária e indisponibilidade do cirurgião, o procedimento
cirúrgico foi realizado após 2 meses do diagnóstico. Até então o animal foi mantido com
manejo alimentar e clínico, realizado através da realização de fluidoterapia com solução
fisiológica ou ringer simples por via subcutânea (150ml) em dias alternados, acetilcisteína
35mg/kg/BID, lactulona 1ml/BID, metronidazol 7 mg/kg/bid, fenobarbital 1mg/kg/SID.
Animal permaneceu estável, apresentando apenas uma crise compatível com quadro de
encefalopatia hepática. Animal reavaliado pelo menos 3 vezes por semana. Foram realizados
exames pré cirurgicos para avaliar tempo de coagulação do animal e tipagem
sanguínea(quadro 08).
Quadro 08: Exames complementares realizados em 01/07/2014
PERFIL COAGULAÇÃO Valores obtidos Valores de referênciaTempo de protrombina (TP) 15 segundos 7 a 12 segundosAtividade de protrombina 70% >70%Tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPA)
35 segundos <15 segundos
Fibrinogênio 188mg/dL 50 – 300mg/dLTIPAGEM SANGUÍNEA Tipo B
A técnica cirúrgica escolhida para o paciente foi a colocação de anel constritor
ameróide com diâmetro de 7mm para obliteração gradual do vaso anômalo. Animal submetido
à sedação, propofol 4mg/kg/IV. Manutenção realizada com isoflurano através de intubação
com sonda orotraqueal nº 3,5 em circuito avalvular Mapleson D®. Realizadas 3 mensurações
de glicemia durante o período, não se evidenciando alterações. Fluidoterapia intravenosa com
solução de ringer com lactato. Foi realizada incisão supra umbilical de pele, tecido subcutâneo
e musculatura. Realizado localização do desvio através do rebatimento do fígado
cranialmente. A região foi dissecada, isolando-se o vaso anômalo com pinça Kelly curva e fio
de nylon 2-0 e sendo encaixado o anel constritor ameróide (Figura 9). Todo o procedimento
ocorreu sem intercorrências cirúrgicas ou anestésicas. A despeito do tempo de protrombina,
atividade de protrombina e tromboplastina parcial ativados alterados, o animal não apresentou
qualquer discrasia sanguínea durante o procedimento, não sendo necessária transfusão de
hemocomponentes. Realizadas suturas das camadas teciduais com nylon 3-0 pontos simples
separados.
Animal permaneceu internado durante 3 dias com o seguinte protocolo:
ampicilina 22mg/kg/IV/TID, morfina 0,2mg/kg/SC/TID, dipirona 25mg/kg/SC/SID,
acetilcisteina 35mg/kg/IV/TID, lactulona 2ml/PO/BID, fluidoterapia ringer simples IV
50ml/kg/IV/dia. Animal não apresentou alterações neurológicas no pós operatório.
Permaneceu normotenso e normoglicêmico. Recebeu alta com prescrição de ampicilina
22mg/kg/PO/TID/7 dias, dipirona 25mg/kg/PO/SID, lactulona 2ml/BID, acetilcisteína
35mg/kg/TID,manter fenobarbital 1mg/kg/SID (dado que animal estável e sem convulsões,
optou-se por manter em subdose).
Após cerca de 45 dias após a cirurgia foi realizado exame ultrassonografico
controle para verificar se a oclusão do vaso anômalo pelo anel ameróide havia sido completa
(quadros 09 e figuras 8 e 9 ).
Figura 9: Fotografia realizada no trans cirúrgico evidenciando-se isolamento de vaso anômalo e colocação de anel constritor ameroide
Quadro 09: Laudo de exame ultrassonográfico abdominal com avaliação vascular por doppler realizado em 25/09/2014
ULTRASSONOGRAFIA ABDOMINAL COM AVALIAÇÃO VASCULAR POR DOPPLERFígado As margens hepáticas foram observadas dentro dos limites dos rebordos
costais. Contornos regulares e parênquima homogêneo.Vesícula biliar Repleta, paredes normoespessas e conteúdo anecogênico. Não há
evidências sonográficas de alterações em vias biliares intra ou extra hepáticas.
Veia porta Diâmetro vascular: 0,35cm. Paredes normoespessas e conteúdo anecogênico normal. Ao ultrassom doppler pulsado a velocidade de fluxo sanguíneo portal mediu de 17cm/s a 20 cm/s (velocidade normal). Não foram observadas alterações hemodinâmicas em veia porta.
Baço Moderado aumento de tamanho, contornos regulares, parênquima homogêneo.
Rins Direito e esquerdo medindo aproximadamente 4,07 e 4,01 cm de comprimento, respectivamente. Contornos regulares, distinção da região córtico medular e parênquima homogêneo. Não há sinais de litíases ou hidronefrose.
Ureteres Não foram observadas alterações sonográficas dignas de nota em topografia de ureteres neste exame.
Bexiga Repleção moderada. Observou-se espessamento de parede em região de ápice medindo 0,21cm de espessura, sugerindo processo inflamatório localizado. Nesta região, em sua parede interna, observou-se conteúdo ecogênico aderido à sua parede (muco ou coágulo sanguíneo). Presença de conteúdo líquido anecóico e pequenas estruturas hiperecogênicas (cálculos do tipo “arenoso”) em pequena quantidade.
Estômago Parede gástrica de espessura normal.Alças intestinais Distribuição normal dos segmentos intestinais. Paredes normoespessas,
sendo possível identificar a estratificação parietal. Presneça de moderada quantidade de gases.
Veia cava caudal Diâmetro vascular: 0,37cmNão foi observada presença de turbilhonamento de fluxo sanguíneo nem alterações hemodinâmicas em seu interior.
Aorta abdominal Diâmetro vascular: 0,45cm. Paredes normoespessas e conteúdo anecogênico normal.
Observações Não foi verificado aumento de tamanho de linfonodos abdominaisNão há evidências ultrassonográficas de presença de líquido livre abdominal.Não foram visibilizadas alterações dignas de nota em topografia de pâncreas.
Figura 11 : imagens de exame ultrassonográfico com avaliação vascular por doppler de 25/09/14
Porém devido a presença de artefatos gasosos, não foi possível visibilizar
adequadamente a região, sendo realizado exame controle no dia 16/10/2014 (quadro 10 e
figura 12)
Quadro 10: Laudo de exame ultrassonográfico abdominal com avaliação vascular por doppler realizado em 16/10//2014
ULTRASSONOGRAFIA ABDOMINAL COM AVALIAÇÃO VASCULAR POR DOPPLERFígado As margens hepáticas foram observadas dentro dos limites dos rebordos
costais. Contornos regulares e parênquima homogêneo.Vesícula biliar Repleta, paredes normoespessas e conteúdo anecogênico. Não há
evidências sonográficas de alterações em vias biliares intra ou extra hepáticas.
Veia porta Diâmetro vascular: 0,35cm. Paredes normoespessas e conteúdo anecogênico normal. Ao ultrassom doppler pulsado a velocidade de fluxo sanguíneo portal mediu de 13cm/s a 25 cm/s (velocidade normal). Não foram observadas alterações hemodinâmicas em veia porta.
Observações Visibilização de um curto segmento de vaso anômalo medindo 1,13 cm de comprimento por 0,53 cm de diâmetro a partir da veia porta até obliteração pelo anel ameróide. Em sua porção mais próxima ao anel ameróide, observou-se conteúdo ecogênico medindo cerca de 0,4cm de comprimento, podendo sugerir trombo.
Baço Moderado aumento de tamanho, contornos regulares, parênquima homogêneo.
Rins Direito e esquerdo medindo aproximadamente 3,99 e 3,91 cm de comprimento, respectivamente. Contornos regulares, distinção da região córtico medular e parênquima homogêneo. Não há sinais de litíases ou hidronefrose.
Ureteres Não foram observadas alterações sonográficas dignas de nota em topografia de ureteres neste exame.
Bexiga Repleção moderada. Presença de conteúdo líquido anecóico, particulas ecogênicas em suspensão (sedimento urinário) e pequenas estruturas hiperecogênicas (cálculos do tipo “arenoso”) em pequena quantidade.
Estômago Parede gástrica de espessura normal.Alças intestinais Distribuição normal dos segmentos intestinais. Paredes normoespessas,
sendo possível identificar a estratificação parietal. Presneça de moderada quantidade de gases.
Veia cava caudal Não foi observada presença de turbilhonamento de fluxo sanguíneo nem alterações hemodinâmicas em seu interior.
Observações Não foi verificado aumento de tamanho de linfonodos abdominaisNão há evidências ultrassonográficas de presença de líquido livre abdominal.Não foram visibilizadas alterações dignas de nota em topografia de pâncreas.
De acordo com os exames de imagem, houve obliteração completa do vaso
anômalo dentro de 60 dias da realização do procedimento cirúrgico. Observa-se que houve
resolução da comunicação anômala vascular, assim como de seus impactos orgânicos,
demonstrados pela diminuição das silhuetas renais e normalização da relação entre diâmetros
vasculares entre veia porta, veia cava e aorta abdominal.
Atualmente animal em bom estado geral, sem alterações clínicas devido ao desvio
portossistêmico. Apresentou ganho de peso corpóreo (1 kg). Realiza manejo de doença de
trato urinário inferior devido a infecções bacterianas recorrentes, provavelmente devido à
uretrostomia.
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
A partir do presente relato podemos concluir que o desvio portossistêmico pode se
apresentar na clínica médica de pequenos animais sob diversas formas, não necessariamente
havendo queixa principal relacionada, como no presente caso, onde o quadro inicial referiu-se
à doença do trato urinário inferior. Demonstrou-se a necessidade de atenção em todas as
etapas de anamnese, exames clínicos e laboratoriais de todos os pacientes atendidos, para que
quadros como esse não passem desapercebidos, podendo incorrer em perda da vida do
paciente.
Os sinais clínicos apresentados pelo animal, relativos aos sistemas urinário e
nervoso, em conjunto com o relato da proprietária sobre o animal apresentar menor
desenvolvimento corpóreo em relação aos demais da ninhada e possuir olhos com irís cor de
cobre foram fundamentais no delineamento do caso, permitindo a correta suspeição e
posterior confirmação com exames laboratoriais.
Escolheu-se a técnica cirúrgica de colocação de anel ameróide devido à facilidade
e menor risco de complicações pós cirúrgicas, o que permitiu atenuação gradual do vaso
anômalo em tempo adequado, sem a necessidade de um novo procedimento para correção
definitiva. Apesar de ser indicado em literatura, o cirurgião optou por não mensurar a pressão
portal durante o procedimento.
Até a presente data o animal permanece em ótimo estado geral, porém deve ser
monitorado frequentemente devido à possibilidade de desenvolvimento de novos shunts.
O presente caso corrobora com todos os dados de literatura tanto em relação aos
sinais clínicos e sintomas quanto em relação aos exames laboratoriais. Foram utilizados
tratamentos clínicos também descritos em literatura, sendo bem sucedidos.
Em relação à literatura, notou-se escassez de dados brasileiros acerca da afecção,
não estando disponíveis dados como prevalência, estudos das diferentes técnicas cirúrgicas e
exames complementares. Notou-se também déficit de publicações com dados comparativos
das diferentes opções de tratamento a longo prazo nos felinos, tanto médico quanto cirúrgico,
o que permitiria uma escolha mais fundamentada da técnica a ser utilizada. Comparando-se
com a quantidade de publicações encontradas relativas a caninos, nota-se uma grande
diferença, sendo as publicações de felinos escassas e em sua maioria com número pequeno de
animais avaliados. Não foi possível elucidar se a afecção é realmente menos prevalente nos
gatos do que nos cães ou se é apenas pouco diagnosticada. São necessários mais estudos na
espécie felina para que sejam realizados os melhores exames diagnósticos e escolhidas as
melhores técnicas de tratamento. A medicina felina é uma área em expansão e necessita de
mais fundamentação técnico-científica, para que não sejam apenas extrapolados tratamentos
feitos em outras espécies, haja visto as enormes particularidades envolvidas, sejam elas
metabólicas, fisiológicas e/ou comportamentais.
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