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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL ALFREDO MONTEIRO DE SOUSA UMA ANÁLISE SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA EM FORTALEZA-CE FORTALEZA 2013

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ

FACULDADE CEARENSE

CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

ALFREDO MONTEIRO DE SOUSA

UMA ANÁLISE SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A POPULAÇÃO EM

SITUAÇÃO DE RUA EM FORTALEZA-CE

FORTALEZA

2013

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ALFREDO MONTEIRO DE SOUSA

UMA ANÀLISE SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A POPULAÇÃO EM

SITUAÇÃO DE RUA EM FORTALEZA-CE

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Serviço Social do Centro de Ensino Superior do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social. Orientadora: Prof.ª Maria Elaene Rodrigues Alves.

.

FORTALEZA

2013

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ALFREDO MONTEIRO DE SOUSA

UMA ANÁLISE SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A POPULAÇÃO EM

SITUAÇÃO DE RUA EM FORTALEZA-CE

Monografia apresentada como pré-requisito para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense - FAC, tendo sido aprovado pela Banca Examinadora.

Data da aprovação:___/___/___

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________

Prof.ª Ms. Maria Elaene Rodrigues Alves (Orientadora)

Faculdade Cearense

______________________________________________________

Prof.ª Dra. Aurineida Maria Cunha

Universidade Estadual do Ceará

______________________________________________________

Prof.ª Ms. Valney Rocha Maciel

Faculdade Cearense

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Dedico este trabalho aos homens e

mulheres que habitam nas ruas, à minha

família e aos amigos e amigas que de

forma direta ou indireta contribuíram para

sua realização.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar a Deus, por me conceder o dom da vida e que na sua infinita misericórdia não me deixou desistir no meio do caminho diante de tantos desafios que foram superados. A toda minha família, de modo particular aos meus pais Jonas e Efigênia, que mesmo estando longe me deram apoio, dedicação e força com suas orações, contribuindo para que eu superasse os obstáculos. Aos missionários combonianos que me proporcionaram a oportunidade de acessar o ensino superior. Agradeço de modo particular aos irmãos da comunidade de Fortaleza, Pe. Gustavo, Pe. Marcos, Pe. Justino, Pe. Juan e Pe. Alessio, por terem me compreendido e me incentivado durante este percurso acadêmico. Aos colegas com que iniciamos o Curso juntos e que, por algum motivo, não poderão continuar, e àquelas que perceberam que não se identificavam com o Serviço Social. Eu não poderia deixar de mencionar as companheiras de estudo da turma 2010.1 (manhã); juntos passamos por momentos de alegrias, tristezas, tensões, reconhecimento, decepções, vitórias e debates. Momentos estes que me fizeram crescer como pessoa e como futuro profissional e ficaram registrados nos anais de minha vida. A você Áurea Gomes, Emilie Kluwen, Ana Berly, Sumara Frota, Natália Onofre, Lorena Maria, Luciane Cosme, Cristiane Magalhães, Cícera Vieira, Claudiana Lima, Elizandra Carvalho, Liliane Severiano, Liziane Amora, Débora Rebouças, Andréa Ferraz e Ana Neila. A vocês só tenho a dizer muito obrigado por percorrermos este caminho juntos. Às queridas e inesquecíveis amigas da turma 2010.1 (noite), Fabrícia Maria, Natália Rolim e Diana Soares, pelas altas discussões e momentos de construção coletiva dos trabalhos acadêmicos. Obrigado pela bela parceria. A nossa tríade Fabíola Souza e Mirna Luciana, que juntos tivemos altas reflexões filosóficas, não somente no mundo das ideias, e sim no mundo da vida real, proporcionando-me um amadurecimento gradual, além de iniciar a construção coletiva no Movimento Estudantil de Serviço Social (MESS). À querida Ana Caroline, pelo companheirismo, carinho e pela construção coletiva que iniciamos no MESS. Você será uma grandiosa Assistente Social. Às ilustres e agradáveis da turma 2010.2 (manhã), Mariane de Sales, Natália Lopes, Jéssica Uchôa, Mariane Guimarães e Mayara Paiva. Obrigado pelas suaves discussões e alegrias que juntos vivemos neste curto tempo. As grandes companheiras de pesquisa de campo sobre a População em Situação de Rua Emanuele Moreno e Emanuela Sales. Não esquecerei as divergências de ideias que confluíram para o nosso êxito, dos momentos de angústia e de crise sobre a aproximação com o cotidiano dos sujeitos da pesquisa.

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Não poderia deixar de registrar meus agradecimentos ao corpo docente da Faculdade Cearense, de modo particular a Mônica Duarte, Maria Elia, Renato Ângelo, Mário Henrique, Eveline Alves, Rubia Cristina, Aniele Brilhante, Joelma Freitas, Hamilton Teixeira e Lenha Aparecida. A vocês só tenho a agradecer a imensurável contribuição neste percurso da aprendizagem acadêmica que levarei para além dos muros da Faculdade. A professora Maria Elaene, que gentilmente se disponibilizou ser a minha orientadora e me ajudou a ter um olhar mais detalhado e crítico sobre a população em situação de rua, bem como me auxiliando nos momentos de angústia no decorrer deste trabalho. Às professoras Valney Rocha e Aurineida Maria Cunha por aceitarem participar da Banca Examinadora. Às minhas inesquecíveis supervisoras de campo Ana Renata da Hora e Erlania Lima. Obrigado por me ajudarem com muita paciência a fazer a mediação entre as dimensões teóricas e a prática profissional no campo de estágio supervisionado. Às colegas de estágio Jocasta Barbosa, Vinelia Braga, Ana Paula, Lucilene e Isabela Maria, por me proporcionarem discussões críticas e amadurecidas sobre a prática profissional do assistente social. Aos sujeitos da pesquisa que se dispuseram livremente a conceder informações para este trabalho. À Pastoral do Povo da Rua, com sua pedagogia simples e acolhedora que prioriza a essência da pessoa humana tendo um olhar crítico diante da realidade de tantas violações de direitos da população em situação de rua. Às minhas queridas amigas Leidiane Macedo e Keliane Macedo, que mesmo estando distante geograficamente estiveram sempre presentes, me acompanhando, degrau por degrau, me apoiando e dando forças, principalmente, nos dias de fadiga e estresse.

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“Diz-se violento o rio que tudo arrasta,

mas não se dizem violentas as margens

que o oprimem”.

Bertolt Brecht

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RESUMO

O presente estudo consiste em apresentar uma análise sobre as Políticas Públicas para a População em Situação de Rua e seus desafios na materialização da Política Nacional da População em Situação de Rua, em Fortaleza-CE. Nosso objetivo foi compreender como o fenômeno população em situação de rua foi constituído historicamente e quais as suas configurações na contemporaneidade, elencando suas principais características e partindo do pressuposto de que este fenômeno é uma expressão da questão social inerente ao desenvolvimento capitalista. Contextualizando o surgimento das cidades e como se dá os conflitos de classe nesse âmbito, o trabalho apresenta também uma breve análise das políticas sociais, identificando que políticas públicas são direcionadas a esta população atualmente, enfatizando a Política Nacional para a População em Situação de Rua, e como se dá a sua concretização na conjuntura atual. Objetivou-se compreender qual a percepção que estas pessoas têm sobre as políticas públicas, bem como levantar um perfil socioeconômico e identificar quais as políticas públicas existentes em Fortaleza direcionadas a população em situação de rua. Para alcançar tais objetivos, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, documental e, posteriormente, a pesquisa de campo, cujo método de análise foi o materialismo histórico dialético, sendo realizada por meio de entrevistas semiestruturadas. A pesquisa configura-se de caráter qualitativo. O cenário da pesquisa foi à Casa Do povo Da Rua Dom Luciano Mendes. Na pesquisa podemos observar que poucos entrevistados conhecem as políticas públicas em Fortaleza e, consequentemente, não as acessaram. Analisamos que as políticas existentes são insuficientes para o número que aumenta diuturnamente da população em situação de rua. Ressaltamos que a mais conhecida é a política de Assistência Social, por isso, nos detemos mais na abordagem sobre a mesma.

Palavras-Chave: População em Situação de Rua. Cidade. Políticas Sociais.

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ABSTRACT

The present study is to present an analysis on government policies for the homeless population and its challenges in the realization of the national population policy situation in Fortaleza - Ce Street. Our goal is to understand how the phenomenon of population living on the street outside historically constituted and what its settings in contemporary, listing its main characteristics and assuming that this phenomenon is an expression of social issues inherent in capitalist develop ment. Contextualizing the emergence of cities and as the class conflict in this context , the paper also presents a brief analysis of social policies identifying which public policies are directed toward this population currently emphasizing the national policy for the people on the streets and how if its implementation in the current conjuncture . The objective is to understand the perception that these people have about public policies, raise a socioeconomic profile and identify which existing public policies in Fortaleza directed to the homeless population. To achieve these goals a bibliographical, documentary research and later fieldwork was conducted, the method of analysis was the dialectical historical materialism, being conducted through semi-structured interviews. The research sets up a qualitative character. The setting of the research was to house the people of Rua Dom Luciano Mendes. In the survey we can see that few respondents know the policies in Fortaleza and also did not have access. What is to analyze the existing policies that are insignificant to the number of people on the street that is most known is the policy of social welfare, so we stop over in approach.

Key words: Population Living on the Street. City. Social Policies.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CAPS - Caixa de Aposentaria e Pensão

CENTROP - Centro de Referência Especializado para a População em Situação de

Rua

CF - Constituição Federal

CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

EAN - Espaço de Acolhimento Noturno

IAPS - Instituto de Aposentadoria e Pensão

LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social

MDS - Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome

MNPR - Movimento Nacional da População em Situação de Rua

ONU - Organização das Nações Unidas

PIB - Produto Interno Bruto

PNAS - Política Nacional de Assistência Social

PNPSR - Política Nacional para a População em Situação de Rua

PSE - Política Social Especial

SEMAS - Secretaria Municipal de Assistência Social

SEA - Serviço Especializado de Abordagem de Rua

SETRAS - Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Combate à Fome

SMS - Secretaria Municipal de Saúde

STDS - Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social

SUAS - Sistema Único de Assistência Social

VLT - Veículo Leve sobre Trilhos

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11

1 O CAMINHO QUE NOS APROXIMOU DA REALIDADE DOS SUJEITOS ........ 13

1.1 Percurso Metodológico ..................................................................................... 13

1.2 O Cenário da Pesquisa ..................................................................................... 19

1.3 O perfil dos sujeitos entrevistados .................................................................... 20

2 AS CIDADES E A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA ................................ 25

2.1 Contextualização das cidades .......................................................................... 25

2.2 A cidade de Fortaleza: alguns aspectos de sua história ................................... 29

2.3 População em Situação de Rua: quem são e quais suas características? ....... 33

3 AS POLÍTICAS PÚBLICAS E A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA ........... 41

3.1 Uma análise das Políticas Públicas .................................................................. 41

3.2 A Política Nacional para a População em Situação de Rua e os desafios para

sua concretização ..................................................................................................... 49

3.3 Os desafios na materialização das Políticas Públicas para a População em

Situação de Rua em Fortaleza .................................................................................. 53

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 60

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 63

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como principal objetivo fazer uma análise sobre a

população em situação de rua, considerando seus aspectos sócio-históricos,

configurações e características, especialmente na contemporaneidade, fazendo uma

relação com o espaço urbano, considerando que este é o lugar onde vive e

sobrevive o público alvo de nossa pesquisa.

Analisamos a cidade como palco do desenvolvimento capitalista, onde se

efetivam as desigualdades sociais inerentes a esse modelo de desenvolvimento

econômico, e identificando, ainda, o surgimento e construção das políticas sociais e

políticas públicas direcionadas àqueles que estão em situação de extrema pobreza,

como é o caso da população em situação de rua, bem como os desafios para a

concretização das políticas públicas conquistadas por meio da luta coletiva destas

classes.

O interesse de pesquisar sobre este público deu-se no ano de 2009, ao

iniciar um trabalho voluntário como agente da Pastoral do Povo da Rua (PPR), em

Fortaleza. Posteriormente, em 2011, edificavam-se as primeiras bases da pesquisa

científica com um projeto de pesquisa intitulado “Pessoas em situação de rua e a

exclusão social”. Havia também a vontade de sair do senso comum e fazer uma

pesquisa sobre o público alvo das ações da Pastoral de Rua, e foi a partir de então

que adentramos neste universo que antes era desconhecido.

O objetivo geral deste trabalho é compreender qual o entendimento da

população em situação de rua sobre as políticas públicas voltadas para esse

segmento, em Fortaleza. Já os objetivos específicos são: identificar as políticas

públicas existentes na referida cidade direcionada a estes indivíduos; levantar o

perfil socioeconômico; e verificar qual o entendimento dos sujeitos pesquisados

sobre as políticas públicas.

As categorias de análises que escolhemos para o estudo foram as

seguintes: cidade, políticas sociais e população em situação de rua, que por sua vez

estão distribuídas nos três capítulos que compõem este trabalho.

No capítulo I, intitulado “O caminho que nos aproximou da realidade dos

sujeitos”, tratamos do percurso metodológico, das motivações que impulsionaram

este trabalho e dos instrumentais de coleta de dados que foram utilizados, bem

como da aproximação com o objeto da pesquisa, o cenário e, por fim, o perfil dos

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sujeitos pesquisados.

No capítulo II, tendo como título “As cidades e a população em situação

de rua”, abordamos a constituição das cidades e os aspectos referentes a este

espaço urbano como lócus do desenvolvimento capitalista, bem como a relação com

a população de rua. Em seguida, mencionamos aspectos históricos das expressões

da questão social no contexto cearense, relatando alguns aspectos referentes à

cidade de Fortaleza e de sua formação sócio-histórica, destacando o

desenvolvimento econômico e político. Por fim, falamos detalhadamente sobre a

população em situação de rua, seu surgimento e suas características.

Já no capítulo III, intitulado “As políticas públicas e a população em

situação de rua”, analisamos as políticas sociais como resposta do Estado às

diversas expressões da questão social e mencionamos suas características,

configurações e trajetória, além de frisarmos como esta política tem se constituído e

se caracterizado no contexto brasileiro. Tratamos ainda da política pública

direcionada a esta população, que é a Política Nacional para a População em

Situação de Rua e os desafios para sua concretização a nível nacional e em

Fortaleza.

Por fim, nas considerações finais, fazemos uma análise, de forma rápida,

de todo o trabalho, no aspecto conceitual e de alguns achados da pesquisa que

contribuíram para que possamos aprofundar nossos conhecimentos e para fazermos

intervenções em um futuro profissional e militante em relação a esse grupo, que por

sinal, é muito heterogêneo e vivem muitos estigmas por parte da sociedade e do

Estado. Em relação às políticas públicas, temos consciência dos limites destas na

cidade de Fortaleza e dos desafios na materialização da Política Nacional da

População em Situação de Rua.

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1 O CAMINHO QUE NOS APROXIMOU DA REALIDADE DOS SUJEITOS

1.1 Percurso Metodológico

A cada dia, nas grandes e médias cidades do Brasil, percebemos o

aumento constante de pessoas que utilizam o espaço das ruas como moradia, ou

que retiram dela o seu sustento. A população em situação de rua está inserida entre

os grupos que se encontram em condições de extrema pobreza e que ao longo da

história estiveram invisíveis aos olhos do Estado, no que se refere à garantia de

direitos, e, por muitas vezes, tratados por meio da repressão ou simplesmente

deixados de lado. Ao lançar um olhar sobre a sociedade, visualizamos que esta

também vem desenvolvendo ações de cunho assistencialista, filantrópico e,

inclusive, de caráter religioso, desconsiderando os direitos sociais inscritos nos

marcos legais direcionados a este público. Diante deste quadro, faz-se necessário a

realização de pesquisas que venham a possibilitar conhecer detalhadamente o

contexto onde se inserem estas pessoas, bem como os fatores que determinam tal

situação.

O meu primeiro contato com pessoas em situação de rua ocorreu no ano

de 2009, quando iniciei um trabalho voluntário como agente da Pastoral do Povo da

Rua, em Fortaleza. Como missionário, inicialmente recebi a proposta para uma

experiência de seis meses em uma delegacia de polícia civil, junto aos detentos, no

município de Maracanaú, na promoção e defesa dos direitos humanos, e,

paralelamente junto aos moradores de rua na Pastoral do Povo da Rua. Como no

ano anterior já havia realizado um trabalho no sistema penitenciário na cidade de

São Luís, no Maranhão, na evangelização e promoção dos direitos humanos, então

optei por conhecer mais de perto esta outra realidade, agora junto à população em

situação de rua da capital cearense.

A partir desse contato direto com o público, algo me inquietou, e sempre

ao sair no final de tarde da casa de acolhida Dom Luciano Mendes, e ao voltar pra

casa, me questionava: O que eles pensam sobre as condições em que vivem?

Existe alguma política pública direcionada a eles em Fortaleza? Quais as

dificuldades de viver na rua? Quais vínculos eles mantêm com suas famílias?

Recordo um dia em que eu estava esperando o ônibus para voltar para casa,

quando, de repente, avistei um senhor que vivia em situação de rua, que era

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deficiente físico, e pedia esmolas às pessoas que ali estavam no ponto de ônibus.

Então, ele se aproximou de mim estendendo a mão e pediu uma moeda; falei que

não tinha e ele abre um sorriso largo e diz “tem problema não, irmão, só a sua

atenção vale mais que uma moeda”. Aquela frase curta, mas carregada de

significado, só aguçou minha curiosidade em saber mais das condições de vida

daquele homem e de tantos outros que vivem nessas condições. E não basta dar

somente uma moeda ou alimentação para a população em situação de rua, pois é

preciso conhecer sobre seu cotidiano, bem como forjar espaços de discussão e

efetivação de seus direitos. Dessa forma, serão concretizadas as políticas públicas

direcionadas a esta população, que historicamente foi tratada com estigmas tanto

pela sociedade civil, como pelo poder público, sendo, muitas vezes, tratados pelo

viés da caridade religiosa, preconceito ou tutela do Estado, sem considerar essas

pessoas como sujeitos de direitos.

Nessa trajetória de trabalho como agente da Pastoral do Povo da Rua,

observamos que as pessoas, de um modo geral, têm imagens e percepções

estereotipadas sobre esses sujeitos, principalmente as propagadas pela mídia e

reforçadas pelo senso comum que apreendem uma imagem daqueles que habitam

as ruas como sendo “vagabundos”, analfabetos, mendigos, drogados ou loucos.

Assim, tiram conclusões equivocadas sem conhecer os fatores e as consequências

que os levaram a morar na rua e como se caracteriza o seu cotidiano.

Nasce daí a vontade de realizar uma pesquisa científica com a população

em situação de rua motivada principalmente pela curiosidade de conhecê-los

melhor, bem como de tornar visível alguns aspectos relacionados às políticas

públicas direcionadas a estes indivíduos.

Quando cursava o 4º semestre do curso de Serviço Social, na Faculdade

Cearense, no ano de 2011, na disciplina de Pesquisa em Serviço Social II já iniciei

as primeiras bases desta pesquisa com um projeto de pesquisa intitulado “Pessoas

em situação de rua e exclusão social”. Aproveitando o ensejo, que a elaboração do

projeto era exigência da ementa desta disciplina, iniciei o estudo cientifico sobre esta

população que é descartada pela sociedade do consumo.

Por entender que a pesquisa é algo em construção e que este trabalho é

algo inicial, temos consciência que mesmo com todos os limites, esta pesquisa irá

contribuir em mostrar a problemática enfrentada por essa população pobre e que

vive à margem dos seus direitos na sociedade capitalista.

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Toda aproximação investigativa passa pela identificação do pesquisador

com o público que irá ser pesquisado, ou seja, é necessário apaixonar-se

constantemente para conhecer um universo permeado de encontros, desencontros,

crenças, valores e formas de viver diferentes daquela do mundo em que o

pesquisador está inserido. Nesse sentido, Minayo (2011) ao escrever sobre o objeto

e os aspectos que permeiam a pesquisa em Ciências Sociais, afirma que:

O objeto das ciências sociais é histórico. Isto significa que cada sociedade humana existe e se constrói num determinado espaço e se organiza de forma particular e diferente de outras. Por sua vez, todas as que vivenciam a mesma época histórica tem alguns traços comuns, dado o fato de que vivemos num mundo marcado pelo influxo das comunicações. Igualmente, as sociedades vivem o presente marcado por seu passado e é com tais determinações que se constrói seu futuro, numa dialética constante entre o que está dado e o que é fruto de seu protagonismo (MINAYO, 2011, p. 12).

A metodologia permite nos aproximarmos com rigor e de forma criteriosa

do objeto de nossa investigação, para assim poder conhecer e desvelar aquilo que

está subjacente nas entrelinhas da realidade. Neste sentido, a metodologia:

[...] inclui simultaneamente a teoria da abordagem (o método), os instrumentos de operacionalização do conhecimento (as técnicas) e a criatividade do pesquisador (sua experiência, sua capacidade pessoal e sua sensibilidade) (MINAYO, 2011, p. 14).

O método escolhido para compreender e analisar a realidade complexa e

contraditória foi o materialismo histórico dialético, pois este nos dá elementos para

compreensão da realidade que está em constante movimento e transformação nesta

relação entre homem e sociedade, além de permitir compreender a totalidade que

permeia esta relação teoria e prática, segundo Minayo (2011, p. 24):

Enquanto método, propõe a abordagem dialética que teoricamente faria um desempate entre o positivismo e o compreensivismo, pois junta a proposta de analisar os contextos históricos, as determinações socioeconômicas dos fenômenos, as relações sociais de produção e de dominação com a compreensão das representações sociais. A dialética trabalha com a valorização das quantidades e da qualidade, com as contradições intrínsecas as ações e realizações humanas, e com o movimento perene entre parte e todo e interioridade e exterioridade dos fenômenos.

Portanto, o método de análise escolhido nos permite ter uma visão do

todo que compõe as particularidades da formação do tecido social, onde estão

inseridos os sujeitos da pesquisa.

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No tocante à natureza da pesquisa, esta se configura como qualitativa.

Este tipo de pesquisa, nas Ciências Sociais, como diz Minayo (2011), trabalha com

um conjunto de realidades humanas que não é possível quantificar, ou seja, são

valores, crenças, sentimentos, atitudes, relações sociais, enfim, trabalha-se com

tudo aquilo que compõe as histórias da vida humana.

Optamos por realizar a pesquisa qualitativa, pois pretendíamos dar mais

relevância às histórias de vida dos sujeitos da pesquisa e a esse conjunto que

compõe as relações humanas neste campo. Entendemos que estes aspectos não

podem ser quantificados, pois são, antes de tudo, dimensões não mensuráveis ou

que não podem ser medidas por gráficos ou tabelas.

Para conhecer melhor o objeto estudado, como em toda pesquisa,

realizamos uma pesquisa bibliográfica e documental, para desta forma ter acesso ao

que outros estudiosos desta área já pesquisaram e escreveram sobre este grupo

populacional, bem como permitir o acesso à pesquisas censitárias, leis e outros

documentos referentes ao objeto pesquisado. Sobre o primeiro tipo de pesquisa,

como define Barros e Lehfeld (1990, p. 340), “a pesquisa bibliográfica é de grande

eficácia ao pesquisador porque ela permite obter conhecimentos já catalogados em

bibliotecas, editoras, internet, videotecas etc.”, ou seja, a pesquisa bibliográfica nos

permite ter acesso a um material que já passou por rigorosa análise científica, e

podemos afirmar que é um material que já foi lapidado. Já a pesquisa documental se

“caracteriza por ser um material que não passou ainda por um tratamento analítico

ou que ainda pode ser reelaborado de acordo com os objetivos da pesquisa‟‟(GIL,

2008, p. 46).

Tendo acessado livros, documentos e outras fontes de pesquisa

referentes à população em situação de rua, é chegado o grande momento de ir a

campo, de ir ao encontro dos sujeitos da pesquisa por meio da pesquisa de campo.

Sobre este método de coleta de dados, Minayo (2011, p. 61) define que:

O trabalho de campo permite a aproximação do pesquisador da realidade sobre a qual formulou uma pergunta, mas também estabelecer uma interação com os “atores” que conformam a realidade e, assim, constrói um conhecimento empírico importantíssimo para quem faz pesquisa social.

A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista semiestruturada1

1 Ver anexo p. 76.

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com 14 perguntas abertas e fechadas. Durante a realização das entrevistas

enfrentamos alguns desafios, como a transitoriedade e inconstância próprias do

público que vive nas ruas e que se caracterizam como pessoas nômades. Por

exemplo: algumas vezes marcamos entrevistas com algumas pessoas, e chegando

o dia marcado, estas não compareciam, pois tinham ido para outro logradouro

distante da Casa do Povo da Rua, por motivo de trabalho ou por conflitos pessoais,

que os obrigava a migrar para outros pontos da cidade. Outro aspecto que

destacamos, é o fato de ter adentrado em um mundo desconhecido daquele que nos

é familiar, possibilitando desmistificar símbolos, comportamentos e a própria cultura

da população em situação de rua.

Este método de coleta de dados permite ao pesquisador deixar o

entrevistado à vontade para responder às perguntas, podendo também fazer

perguntas auxiliares caso seja necessário. Sobre este aspecto, Minayo (2011, p. 64)

enfatiza suas características e objetivos afirmando que a:

Entrevista é acima de tudo uma conversa a dois, ou entre vários interlocutores, realizada por iniciativa do entrevistador. Ela tem o objetivo de construir informações pertinentes para um objeto de pesquisa, e abordagem pelo entrevistador, de temas igualmente pertinentes, com vistas este

objetivo.

Dessa forma, a entrevista possibilita conhecer detalhadamente os sujeitos

da pesquisa e o ambiente onde são construídas suas histórias de vida.

A pesquisa de campo teve como lócus a Casa do Povo, localizada na Rua

Dom Luciano Mendes. Ao todo foram entrevistadas 10 pessoas, sendo que nove

entrevistas foram realizadas no turno da tarde e uma no período noturno.

Ressaltamos que as entrevistas na Casa foram realizadas conforme o horário de

atendimento deste espaço de acolhida, ou seja, entre 14:00 e 17:00 horas.

Escolhemos este espaço como lócus da pesquisa por ser uma instituição que atende

a população em situação de rua, tendo um reconhecimento na cidade, por parte dos

sujeitos pesquisados, além da nossa experiência, e por esta Instituição facilitar o

acesso aos sujeitos de nossa pesquisa.

A casa recebe, no máximo, 50 pessoas por dia. Inicialmente, delimitamos

dez por cento desse total para serem entrevistados, que seriam, no caso, cinco

entrevistas a serem realizadas. No decorrer da pesquisa, resolvemos ampliar para

dez entrevistas, devido a objetividade das respostas, sendo que alguns ficavam

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inquietos. Então, resolvemos ampliar mais a quantidade de entrevistados para

garantir uma pesquisa com maior profundidade. Assim, selecionamos os seguintes

critérios: frequentar a Casa do Povo da Rua Dom Luciano Mendes; ser maior de 18

anos de idade; estar a mais de um ano nas ruas; já ter tido acesso a alguma política

pública no período que está em situação de rua; e, também, quem nunca acessou

nenhuma política pública. Ressaltamos que todas as entrevistas foram autorizadas

por eles, que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, autorizando

o uso das informações pra fins desta pesquisa científica.

Durante o período de aproximação e ao convidá-los para participar da

pesquisa, foram muitas as respostas; alguns até aceitavam participar, mas quando

eram informados de que a entrevista seria gravada em aparelho de áudio, logo

desistiam; outros, ao serem convidados, imediatamente verbalizavam “vai cair

dinheiro no meu bolso? Se for cair, eu participo”.

É compreensível tal discurso, considerando o contexto econômico e as

relações da sociedade capitalista que são permeadas por disputas e competições,

aliada a situação em que a população de rua se encontra. Muitas vezes, alguns

externam esses tipos de relações, por também fazerem parte desse contexto, de

forma mais profunda, de disputa, desconfiança, relações de trocas, favores ou

“barganha”.

Ao iniciar a pesquisa de campo, senti um grande dilema e uma dificuldade

em distinguir a postura de agente de pastoral do povo da rua e pesquisador da

população em situação de rua. Neste sentido, minha orientadora contribuiu de forma

a me direcionar e fazer-me refletir na condução da pesquisa de campo, e também

nas indicações de leituras referentes à população em situação de rua. Esse dilema

foi difícil, mas consegui me afastar um pouco da postura de educador e adentrar na

pesquisa de forma crítica e comprometido com a realidade colocada pelos

entrevistados.

Ressaltamos que o acesso aos sujeitos pesquisados não foi difícil,

contudo a dificuldade encontrada neste percurso foi que estes, por muitas vezes, se

recusavam em participar das entrevistas. Entendemos que pesquisar esse segmento

sempre será algo desafiador por serem sujeitos heterogêneos e que o tempo deles é

diferente do nosso, no sentido das suas necessidades humanas e sociais, e exigem

destes serem mais pragmáticos em alguns momentos.

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1.2 O Cenário da Pesquisa

O cenário escolhido como lócus para realização da pesquisa foi a Casa

do Povo da Rua Dom Luciano Mendes, localizada à rua Coronel Ferraz, nº222,

Centro. O espaço está ligado a Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de

Fortaleza. A Casa é um local de acolhimento com atividades diárias de lazer,

exibição de filmes, momentos celebrativos, cursos, formação política, humana e

religiosa. Aberta das 14h às 17h, de segunda a sexta, também atende às

necessidades básicas como banho, lavagem de roupa e espaço para descanso

temporário. O maior objetivo é ser um ponto de referência e oferecer auxílio para

que essas pessoas encontrem documentos perdidos e recebam orientação jurídica,

caso necessitem, bem como encaminhamento para retirada de documentos oficiais.

Sua fundação se deu em junho de 2008.

A casa dispõe em seu espaço físico, de uma secretaria, uma sala para

atendimento individual, uma cozinha, banheiros masculinos e femininos, pias para

lavagem de roupa, além de uma sala para reuniões e outras atividades.

A Pastoral do Povo da Rua está articulada nacionalmente com as

pastorais sociais, órgão vinculado a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, por

meio da comissão para o serviço da caridade, da justiça e da paz, sendo um de seus

objetivos ser presença na sociedade, desenvolvendo ações junto às pessoas em

situação de rua, às crianças em situação de risco, sem terra, sem teto, mulheres

marginalizadas, às populações negras, junto aos presidiários, aos pescadores,

dentre outros grupos onde desenvolve sua missão (CNBB, 2008).

Podemos perceber que a PPR tem metodologia, objetivos e estratégias

próprias direcionadas ao público que se encontra nas ruas, como mencionado a

seguir:

A nossa metodologia de ação deve possibilitar que eles intervenham e tornem-se sujeitos de sua própria transformação. Nesse sentido, quanto mais grupos conquistarem seus espaços políticos, falarem com sua voz e forem reconhecidos como sujeitos de diretos e deveres, mais estaremos revertendo os processos de exclusão e apresentando as bases para a criação de novas relações e, consequentemente, para a construção de uma sociedade solidaria e participativa, como tanto almejamos (PASTORAL DO POVO DA RUA, 2003, p. 50).

Seus objetivos consistem em transformar as situações de exclusão em

projeto de vida para todos, por meio da aproximação, respeitando e reconhecendo

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seus direitos, historicamente violados, e assim restabelecer a dignidade de ser

humano, reconhecendo-os na sua individualidade com autonomia de pensamento e

ação (PASTORAL DO POVO DA RUA, 2003).

Em Fortaleza, a Instituição, por meio da formação política, visa promover

o protagonismo desses sujeitos, além de torná-los conhecedores dos direitos sociais

e individuais, bem como tornar conhecida a política nacional para esta população.

Para isso, a Pastoral estabelece parcerias com outras entidades e especificamente

com o poder público municipal, Defensoria Pública do Estado, Ministério Público

Estadual, Secretaria de Justiça Estadual, Centro de Defesa dos Direitos Humanos

da População em Situação de Rua, Movimento Nacional da População em Situação

de Rua, dentre outros.

A Casa do Povo da Rua Dom Luciano Mendes é para a população em

situação de rua um espaço de acolhida, descanso, e porque não dizer de refúgio,

pois é ali, que nas tardes quentes desta cidade, essas pessoas encontram um

espaço para banho e para um momento de lazer por meio de jogos ou filmes. A casa

também é para eles um ponto de referência quando carecem fazer algum

procedimento que necessita comprovar residência, receber ou fazer ligações para

seus familiares, ou como ponto de referência quando estes viajam a trabalho ou

para o lazer.

1.3 O perfil dos sujeitos entrevistados

Sobre o perfil dos sujeitos entrevistados, no instrumental utilizado para

coleta de dados, consta o nome completo dos sujeitos da pesquisa. Para preservar a

identidade dos mesmos, decidimos utilizar nomes de ruas e avenidas do centro de

Fortaleza para se referir a eles quando formos citar suas falas no decorrer da análise

das informações obtidas, pois as ruas citadas são lugares que eles transitam ou até

mesmo dormem durante o dia ou à noite. Portanto, há certa identificação dos

sujeitos com estes espaços. Dito de outro modo, as ruas são um:

[...] dos principais espaços públicos, não é simplesmente um lugar de passagem e circulação. É, também, o lugar do encontro, do movimento, da mistura como teatro espontâneo. É neste contexto de situações e relações, que os diferentes usos do solo urbano se intensificam, marcando o desenvolvimento da cidade [...] (ALVES, 2013, p. 46).

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Percebemos ainda, que o espaço das ruas, se olharmos de forma

minuciosa, transmite muitos significados, inclusive o de segregação social, de

desenvolvimento das desigualdades sociais, sendo este o espaço onde essas

pessoas têm os seus encontros e desencontros com as possibilidades de vida e de

morte, por meio de oportunidades oferecidas ou estando expostos a todo e qualquer

tipo de violência.

As ruas e avenidas escolhidas foram as seguintes: Major Facundo,

Floriano Peixoto, Coronel Ferraz, Pedro Pereira, Guilherme Rocha, Pedro I, General

Sampaio, e as avenidas Tristão Gonçalves, Duque de Caxias e Santos Dumont.

No roteiro da entrevista semiestruturada foram abordados os seguintes

aspectos: dados pessoais, sobre a situação de rua, políticas públicas, serviços

ofertados a este segmento da população, sobre os motivos que lhes levaram às

ruas, bem como qual o tratamento dado tanto pelo Estado como pela sociedade.

Optamos por fazer as análises a partir das falas dos sujeitos entrevistados

no decorrer de todo o trabalho, a começar pelo capítulo I, e não reservar tais

informações somente ao final do capítulo III, como já visto em trabalhos desta

natureza. Apresentamos a seguir o perfil dos sujeitos entrevistados.

Guilherme Rocha

Solteiro, tem 35 anos de idade e é natural do município de Pacajus, no

Ceará. É do sexo masculino, declarou-se heterossexual, é de cor parda, e cursou

até a 2ª série do ensino fundamental. Trabalhava como ajudante de pedreiro e

atualmente exerce a função de guardador de carros, de onde obtém sua renda. Não

tem filhos e está na rua há oito anos. O motivo pelo qual foi para rua, refere-se a

desavenças familiares e ao uso de substâncias psicoativas.

Floriano Peixoto

Solteiro, do sexo masculino, declarou-se heterossexual, de cor branca,

tem 50 anos de idade, e é natural de Fortaleza. Estudou até a 7ª série do ensino

fundamental e tem um filho. É garçom, mas atualmente está desempregado,

afirmando que se afastou por conta do uso de substâncias psicoativas. Está na rua

há cinco anos e afirmou que o principal motivo de sair de casa foi devido à

desavença familiar.

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Coronel Ferraz

Solteiro, do sexo masculino, declarou-se heterossexual, de cor morena,

tem 39 anos de idade, tem o ensino fundamental completo, e é natural de Palmácia,

Ceará. Sua profissão é zelador, contudo, atualmente, está desempregado e sua

renda provém do programa Bolsa família. Tem um filho e está na rua há oito anos.

Guilherme Rocha

Solteiro, tem 32 anos de idade, é do sexo masculino, declarou-se

heterossexual, e é natural de Fortaleza. Cursou até a 8ª série do ensino fundamental

e sua profissão é de serralheiro e soldador. Tem uma filha e vive na rua há um ano,

afirmando que está em situação de rua por desavença com vizinhos.

Pedro I

Solteiro, do sexo masculino, declarou ser heterossexual, de cor morena,

cursou ate a 8ª série do ensino fundamental, tem 38 anos de idade, e é natural de

Fortaleza. Sua profissão é pintor-letrista, tem cinco filhos e está na rua desde sua

infância, afirmando ser morador de rua.

General Sampaio

Solteiro, do sexo masculino, declarou-se heterossexual, tem 26 anos de

idade, é de cor morena, cursou até a 8ª série do ensino fundamental, é natural de

Fortaleza. Está desempregado, não tem filhos, e afirmou que está em situação de

rua há um ano.

Pedro Pereira

Solteiro, do sexo masculino, declarou-se heterossexual, tem 64 anos de

idade, é de cor morena, natural de Fortaleza. Sua ocupação era segurança e

cobrador de ônibus, contudo, não exerce mais nenhuma destas profissões. Não tem

filhos e há cinco anos vive na rua. Afirma que um dos motivos de ir para a rua foi o

uso de bebida alcoólica.

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Tristão Gonçalves

Solteiro, do sexo masculino, declarou-se heterossexual e de cor parda,

têm o ensino fundamental completo, 40 anos de idade, e é natural de Fortaleza.

Exerce a função de “flanelinha”, e gerou três filhos. Atua como militante do

Movimento Nacional da População em Situação de Rua no estado do Ceará, e

iniciou sua militância em defesa dos direitos da população em situação de rua no

ano de 2010. Já frequentou espaços públicos ligados a Prefeitura Municipal de

Fortaleza que executam a política nacional. Está há 19 anos na rua. Negou-se a

falar por quais motivos está na rua, apenas disse que foi por problemas familiares.

Duque de Caxias

Solteiro, do sexo masculino, declarou ser heterossexual, cursou o ensino

médio completo, têm 54 anos de idade, é natural de Fortaleza. Exerce a função de

manobrista, têm um filho, e o motivo de ter ido para a rua foi por causa da morte de

sua genitora.

Santos Dumont

Solteiro, do sexo masculino, declarou-se heterossexual, cursou até a 5ª

série do ensino fundamental, tem 57 anos de idade, e é natural de Fortaleza. Sua

profissão é servente, tem um filho, e vive na rua há mais de quinze anos; afirma que

o motivo de ter ido para a rua foi desavença familiar.

Entendemos que para a compreensão detalhada do objeto de estudo é

necessário delimitar um recorte desta complexa realidade onde este trabalho se

encontra, portanto, faz-se necessário eleger algumas categorias que compõem este

cenário social. As categorias que escolhemos a partir do recorte de estudo

“População em situação de rua: uma análise sobre as políticas públicas voltadas

para esse segmento em Fortaleza, Ceará”, ora exposto, foram: cidade, população

em situação de rua, e, por último, políticas sociais. As categorias foram analisadas

nos capítulos I e II, na cronologia que segue o texto, onde fazemos, também, a

análise conjunta da fala dos sujeitos da pesquisa.

As perguntas de partida que orientam o nosso trabalho foram: Quais as

políticas públicas ofertadas à população em situação de rua em Fortaleza? Quais as

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dificuldades de viver na rua? O que pensam estas pessoas sobre as políticas

sociais? Quais as políticas eles acessam?

Foi a partir destas indagações que conduzimos este trabalho, tentando

responder, no decorrer das análises, tanto com teoria, como relacionando com as

informações coletadas na pesquisa de campo.

A seguir, abordamos a categoria cidade como um lugar próprio do

desenvolvimento capitalista e de segregação das classes sociais. Posteriormente,

falamos das configurações e constituição da população em situação de rua e qual é

o tratamento dado a estas pessoas historicamente.

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2 AS CIDADES E A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA

2.1 Contextualização das cidades

Para compreender o fenômeno denominado população em situação de

rua, faz-se necessário primeiro entender como foi constituído o lugar onde vivem e

sobrevivem estas pessoas. Portanto, faremos uma breve contextualização e

caracterização da cidade em seus diversos períodos históricos, levando em

consideração o direito de habitar no espaço urbano.

O nascimento e a formação das cidades não acontecem de forma

harmonizada, pois são, principalmente, um lugar de disputas e tensões em seus

diversos níveis, e desde sua gênese a cidade tem se caracterizado por ser um

espaço de constantes conflitos. Desta forma, infere-se que desde sua formação, a

cidade se caracteriza por ser um espaço de permanente disputa, e de acordo com

Harvey (2013, p. 29), “as cidades sempre foram lugares de desenvolvimento

geográficos desiguais”, e porque não dizer, um palco de disputas políticas e

econômicas com interesses diversos. Segundo o mesmo autor, esta forma desigual

de desenvolvimento do espaço urbano, consequentemente causa conflitos sociais,

fazendo deste ambiente um lugar que não está em harmonia e que convive

historicamente com certas tensões.

Neste espaço citadino de tensões, historicamente vive e sobrevive a

população em situação de rua, que para uma parte da sociedade, é vista como

aqueles que incomodam ou “enfeiam” as ruas da cidade. Desta forma, usa-se da

força policial ou de segurança privada para expulsá-los, e neste sentido, expomos a

fala de um dos sujeitos da pesquisa que, ao falar como é a vivência na rua, assim

verbaliza:

[...] a gente tem a dificuldade até de ficar numa praça [...] que não pode ficar numa praça que, às vezes, a polícia bota pra correr. Até pra dormir numa calçada a noite o vigia das lojas vem e bota a gente pra correr das calçadas. Então, é muito difícil, por isso que a gente não vive, a gente sobrevive nas ruas [...] (TRISTÃO GONÇALVES, 49 anos).

Percebemos desta forma, que a maneira de tratamento dada àqueles que

ocupam ou permanecem no espaço urbano é a repressão, seja ela física ou até

mesmo pela higienização social. Sabemos que atos como este acontecem

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cotidianamente com estas pessoas Brasil afora: assassinatos em série, expulsão

com jatos de água, pessoas de rua sendo queimadas vivas em vias urbanas. Estas

ações representam uma ideia quase que predominante de caráter moralista, que

aponta que estas pessoas não devem ocupar o espaço urbano que é publico, pois

podem representar uma ameaça à ordem, afinal, estão fora do padrão como

consumidores do mercado social vigente.

É a partir do desenvolvimento do capitalismo industrial, que a cidade

começa a ter a configuração de espaço de conflitos e disputa, pois é nesse espaço

que se dá a acumulação capitalista por meio da força de trabalho, gerando, assim,

os conflitos entre as diversas classes que aí habitam. Pois é a partir do capitalismo

que a cidade se torna um lugar de extrema importância como território de

desenvolvimento das forças produtivas.

De acordo com Cunha (2008, p. 66), a formação e a configuração das

cidades no desenvolvimento capitalista industrial, se destaca por ser um lócus

privilegiado para o desenvolvimento das forças produtivas. Também das relações

entre as classes e da propriedade, sendo neste espaço geográfico que o capital

busca estruturar uma economia eminentemente urbana, sendo nele mesmo que

acontece a concretização das desigualdades sociais, pois não há uma

homogeneidade das relações sociais entre capital e trabalho e sim a separação de

classes, onde uma detém dos meios de produção e a outra da força de trabalho.

Decorrente destas relações antagônicas e de desigualdades entre

classes, podemos perceber a partir da fala dos sujeitos, que em sua extrema

situação de pobreza, eles assim denominam esta visão social da acumulação por

um pequeno grupo, enquanto outros não têm ao menos como custear as

necessidades básicas. Segue a opinião de um entrevistado: “a população de rua,

pra falar a verdade, não vive, vegeta, porque o povo da alta sociedade trata eles

como porco, cachorro como animal, (...) não trata a gente como gente (...)”

(SANTOS DUMMONT, 57 anos).

A cidade se caracteriza por ser um espaço de concretização das relações

sociais capitalistas e das relações sociais entre pessoas, um espaço de ideologias

em constante confronto, onde se encontra um vasto mercado para consumidores,

comerciantes, setores da economia de bem e serviços. Outro olhar sobre a cidade, é

que esta é vista por muitos como o lugar de desenvolvimento onde há melhores

condições de vida.

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Na contemporaneidade, a cidade tem dimensões bem complexas e se

apresenta como afirma Dias (1999) apud Maciel (2004, p.18):

[...] uma teia complexa dialética construída cotidianamente a partir dos lugares, símbolos, culturas, historicidades, temporalidades e espacialidade, sonhos, pesadelos e utopias, individualidades e coletividades, realismo e misticismo, 'razão técnica' e pensamento mágico, analfabetismo e comunicação via Internet. Essa teia é produzida, em macro escala, pela tensão contínua entre os trabalhadores e os proprietários do capital, e pela ação de todos sobre o meio ambiente natural e construído. A nível micro, o espaço urbano é construído por uma infinidade de redes de interesses 'tribais', lado a lado com redes de solidariedade e convivialidade.

Portanto, a cidade, é esse emaranhado de relações complexas e

contraditórias, sendo ao mesmo tempo dinâmica, e que vai se tornando um corpo

funcional.

De acordo com Mumford (1998), é reduzido aplicar uma única definição

isolada para abarcar toda a constituição das cidades, desde seu nascimento até seu

mais complexo desenvolvimento em suas diversas fases, pois não há um conceito

fechado que se aplique à complexidade das cidades.

O processo de transformação do espaço urbano em um palco de disputas

por diversos interesses, a partir da fase do capital industrial, faz com que este

espaço que historicamente é catalisador de conflitos, tenha suas características

especificas em cada período e lugar.

No contexto brasileiro, é preciso destacar que o processo de urbanização

não acontece de forma desvinculada das mudanças socioeconômicas e políticas

que ocorrem em cada período histórico a nível global. Para Pinheiro (2007), este

processo se divide em, pelo menos, três momentos, para ocupar e organizar o

espaço urbano que acompanham as transformações de organização da economia e

da política.

No período colonial, a função primordial da cidade era de ser um centro

de controle administrativo e ideológico da colônia, pelo qual se propagava o poder

colonizador.

Com a industrialização, a cidade é estruturada como espaço de produção

e comercialização de produtos e mão de obra, bem como das migrações do campo

para a cidade. É a partir de então que se torna nítida a segregação de classes no

território urbano, pois não havia planejamento urbano para alocar essa população

que era atraída para os centros urbanos, sendo este abrupto processo próprio do

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desenvolvimento capitalista.

Posteriormente, com a globalização e flexibilização do capital, a

ocupação do espaço não se dá mais pelo movimento rural-urbano, mas sim pelo

movimento urbano-urbano, ou seja, a aglomeração de pessoas que vivem, em sua

maior parte, nas grandes metrópoles do país, desta forma, sem planejamento, as

metrópoles no processo de urbanização se apresentam como um lugar de

desigualdade social.

Em sua grande maioria, as metrópoles brasileiras não foram planejadas

de forma racional para abarcar as massas que acorrem a esse lugar de

desenvolvimento, vendo-o como uma oportunidade de ascensão social e de

melhores condições de vida. Em decorrência disso, haverá a ocupação deste

espaço de forma desordenada, gerando, assim, demandas a partir das

necessidades humanas, agora no contexto de um aglomerado urbano e,

consequentemente, uma precarização das condições de vida. Em outras palavras:

A cidade é, portanto, enquanto ligada as forças produtivas, a sede desse vasto processo contraditório. Ela absorve campo e contribui para a destruição da natureza; destrói, ela também, suas próprias condições de existência e deve restabelecê-las de uma maneira sistemática (LEFEBVRE, 1999, apud CUNHA, 2008, p. 66).

É neste espaço de disputas antagônicas e a partir das necessidades

humanas, que emerge o debate sobre o direito à cidade, onde todos tenham acesso

e possam usufruir dos espaços de forma justa e democrática. Nesse sentido, afirma

Soares (2007 p. 02) que “os grandes monopólios financeiros e industriais formam

blocos de poder que influenciam de forma decisiva as políticas dos estados

nacionais, principalmente através das orientações das agências multilaterais, dentre

elas o Banco Mundial”. Inferimos, portanto, que a partir dessas políticas

internacionais, os estados nacionais perdem a autonomia, inclusive no que se refere

à elaboração de políticas sociais que atendam aos princípios democráticos de cada

nação passando, assim, a serem condicionadas aos ditames de órgãos

internacionais.

Nesta perspectiva do direito de habitar o espaço urbano e da defesa dos

direitos humanos, como está impresso nos princípios da PNPSR, que estabelece

diretrizes para a responsabilização de todo e qualquer ato de violência tendo a

população em situação de rua como público alvo, o tipo de cena que descreve a

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seguir um dos entrevistados, é comum no cotidiano desta população. Eis a

descrição:

[...] não foi comigo não, o policial sabe que é morador de rua os cara mete a “chibata”, como eu vi na praça dos leões; faz uns dois meses, viu, aí o cara não tava fazendo nada, só porque era morador de rua, meteu o cassetete, aí, discriminação, o cara não tava fazendo nada [...] (CORONEL FERRAZ, 39 anos).

De acordo com Junior (2005), o direito à cidade aparece como condição

para uma convivência justa, humana e democrática, pois o modelo citadino na

contemporaneidade se edifica de forma a degradar e desvalorizar o meio ambiente,

privatizando os espaços públicos, e gerando, dessa forma, exclusão e segregação

social no espaço urbano, pois não há planejamento urbano e sim aligeirados

processos de urbanização.

No Brasil, é de grande relevância a construção coletiva de várias

organizações de caráter não governamental, movimentos sociais, pesquisadores e

associação de profissionais que têm defendido uma plataforma de reforma urbana,

(um conjunto de estratégias), a partir da Constituição Federal de 1988, tendo como

objetivo primordial o direito à cidade. O intuito é de modificar e construir uma reforma

urbana que venha a amenizar a segregação, discriminação e desigualdade social, e

adotar o direito à cidade como direito fundamental humano, possibilitando, desta

forma, a participação popular no planejamento e gestão das cidades. No subtítulo

seguinte, falaremos sobre alguns aspectos que compõem a cidade de Fortaleza.

2.2 A cidade de Fortaleza: alguns aspectos de sua história

As mudanças ocorridas no espaço urbano brasileiro também estão

presentes no Estado do Ceará e especificamente na cidade metrópole de Fortaleza.

O Estado do Ceará, como parte integrante do semiárido nordestino, que

abrange a maior parte de sua área geográfica, durante ao longo da história sofre as

consequências da escassez de chuvas nos períodos de secas, obrigando o

sertanejo a sair de sua terra e ir em busca de melhores condições de vida, sendo,

portanto, a cidade de Fortaleza um dos destinos mais procurados pelos chamados

retirantes advindos do interior do Estado. Contudo, a inconstância das chuvas não

se tornaria um entrave para a convivência no semiárido, se as relações políticas

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levassem em consideração as manifestações climáticas.

De acordo com Neves (2007, p. 77), até meados do século XIX, a

instabilidade das chuvas no sertão não se configurava como um grave problema

para aqueles que habitavam ali, bem como para as elites que dominavam

politicamente e economicamente o sertão cearense; era suportável. Predominava

nesse contexto, a criação de gado e a agricultura de subsistência, tendo uma

profunda relação paternalista dos fazendeiros ou donos de terras. No entanto, na

segunda metade do século XIX, dois acontecimentos foram marcantes para que

esse quadro socioeconômico fosse transformado.

Primeiro, foi a valorização das terras como um bem econômico, e o

segundo, o forte aumento da cultura do algodão por todo o Estado, fazendo com que

houvesse o povoamento e a ocupação do território além de uma vasta produção

desse produto. Com isso, a proteção paternalista se tornou insuficiente, se

compararmos o crescente número dos que se encontravam nesta situação.

Portanto, é a partir do ano de 1877 que se considera o chamado polígono

das secas como um problema de grande relevância social, se caracterizando como

uma expressão da questão social e não podendo mais ser ignorado tanto pelo

Estado, como pela sociedade civil cearense. O trato, a partir de então, com as

consequências das secas e daqueles que fugiam do sertão para sobreviver é

diverso, vai desde a repressão à segregação.

É a partir desses acontecimentos que podemos compreender o acelerado

processo de urbanização da cidade de Fortaleza e onde foram morar aqueles que

acorriam à cidade para se refugiar das consequências da estiagem.

Segundo Cunha (2008, p. 68), “essas pessoas, em sua maioria, eram

vaqueiros, pequenos proprietários, pequenos comerciantes falidos, indigentes

homens, mulheres e crianças” que viajam rumo à Fortaleza a pé ou de trem, como

afirma Farias (2009, p. 263), “o caminho dos trilhos se torna uma referência para o

migrante sertanejo”. Dessa forma, sair daquele lugar de escassez era, para muitos,

sair em busca da salvação de sua própria vida ou de seus familiares.

Contudo, paralelo a isso, as elites fortalezenses ao ouvir a notícia de que

retirantes se dirigiam à cidade, imediatamente pressionaram as autoridades políticas

para tomar providências. É a partir dai que se criam lugares de segregação e

isolamento destes marginalizados, ou seja, os campos de concentração que se

caracterizavam como um acampamento murado ou cercado de arame farpado, onde

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eram “depositados” os flagelados da seca.

Alguns campos de concentração tinham uma mínima estrutura como:

posto médico, cozinha, barbearia, banheiros, capela e casebres divididos em

pavilhões para homens solteiros, viúvas e famílias. Ainda haviam oficinas

(carpintaria, olaria e alfaiataria), pois era uma preocupação das autoridades evitar a

ociosidade. Posteriormente, aqueles que tivessem um bom desempenho seriam

convocados a trabalhar em obras do Governo (FARIAS, 2009).

Essa realidade, especificamente dos campos de concentração, demonstra

as marcas da desigualdade que faz parte da história desta cidade e denuncia o

modo como eram tratadas uma das expressões da questão social.

Posteriormente, na década de 1940, houve a busca pelo aformoseamento

da cidade, e para isso, foram realizadas diversas obras de reestruturação, como a

pavimentação de vias, instalação de rede telefônica, construção de espaços de

lazer, construção de cinemas, iluminação pública, bem como a reforma na Praça do

Ferreira, dentre outras. Com as mudanças, principalmente no centro da cidade, as

elites migram para locais mais afastados, dando início aos bairros como

Jacarecanga, Benfica, Praia de Iracema e, posteriormente, Aldeota (CUNHA, 2008,

p. 68).

Concomitantemente, surgiam as primeiras favelas; ora, se a cidade não

oferecia condições de infraestrutura aos moradores onde todos pudessem ter

moradias dignas, só restava àqueles que chegavam ocupar as dunas, manguezais e

margens de rios para fincar moradia (SILVA, 2005 apud CUNHA, 2008, p. 68).

Fortaleza é conhecida por muitos, inclusive, divulgada pela indústria do

turismo como a cidade das belas praias, de belezas naturais exuberantes, conhecida

também por seus diversos cartões postais, como a Praça do Ferreira, o Centro de

Arte e Cultura Dragão do Mar, o Teatro José de Alencar, a Ponte Metálica, a

Catedral Metropolitana, dentre muitos outros; ou por sua culinária diversificada, pela

hospitalidade de seu povo, sendo esta uma característica do povo cearense. Outro

ponto de referência de Fortaleza é esta ser atribuída como a “capital do humor”.

Contudo, essa é apenas uma amostra superficial da capital cearense, há

o outro lado da história, desde sua formação, enquanto cidade denuncia outras

realidades. Percebe-se que se torna cada vez mais visível a segregação espacial

entre classes, tornando notável o crescimento populacional de forma desordenada,

seguido das desigualdades sociais. Em outras palavras, assim denomina-se:

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A cidade revela em seu território as contradições próprias das relações capital trabalho manifestas em lutas e nas relações políticas entre as forças que controlam o governo central e o governo local, de modo particular, nas condições de vida das classes sociais (CUNHA, 2008, p. 68).

Os conflitos existentes na cidade nascem, portanto, da relação antagônica

entre capital e trabalho, dos diversos projetos ideológicos em jogo, sendo a classe

trabalhadora aquela que está na ponta dessas relações e sofre os seus impactos de

forma excludente.

Se o crescimento urbano abrupto e desordenado não é sinônimo de

desenvolvimento econômico e social, isso se torna visível com o preocupante

quadro das desigualdades sociais presente na cidade de Fortaleza. Neste sentido, a

Organização das Nações Unidas (ONU) em seu relatório sobre as cidades latino-

americanas, em estudo realizado no ano de 2012, constatou que a cidade de

Fortaleza é a segunda cidade com maior desigualdade do Brasil, ficando atrás

apenas de Goiânia. Entre as trinta e sete cidades pesquisadas, é a que tem a menor

representação do Produto Interno Bruto (PIB) municipal, se comparado com o PIB

nacional, além de estar entre as oito cidades do país que apresentam o menor PIB

(MAIA, 2012).

Paralelamente a isso, as gestões administrativas (Municipal e Estadual)

têm destinado maiores investimentos para as grandes obras e projetos voltados para

mega eventos, como a Copa do Mundo de Futebol, sendo vendida uma imagem

mercadológica da cidade. Constrói-se uma cidade para “turista ver”, e nesse sentido,

ações estratégicas são desenvolvidas com campanhas de divulgação,

reestruturação dos principais pontos turísticos, bem como a elaboração de uma

política de apoio ao turista como elemento desenvolvimentista (CUNHA, 2013, p.

02).

Podemos mencionar também, as grandes obras que vêm sendo

construídas na cidade, tendo em vista o mega evento da Copa do Mundo de

Futebol. Obras como a reforma da Arena Castelão, a construção de túneis e

viadutos, a construção de um Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), dentre outras. Estas

obras, em sua maior parte, recebem investimentos dos cofres públicos, e junto a

isso, ouve-se o discurso que as obras irão melhorar a mobilização urbana. Contudo,

acompanhado a estas vem a violação de direitos relacionados à moradia, como é o

caso das famílias que moram da Parangaba ao Mucuripe, por onde irá correr o VLT;

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pelo menos 1.500 famílias estão sendo ameaçadas de remoção (CUNHA, 2013, p.

05).

De forma nítida, vê-se que remoções e despejos são violações de direitos

correntes em mega eventos desta natureza, como já aconteceu em países que já

sediaram o mundial de futebol. Nesse sentido:

No plano das imagens, é a cidade que está no centro da cena, a cidade tornada sujeito que, em determinadas circunstâncias, transforma os próprios cidadãos em meros figurantes, atores secundários de seu roteiro (SANCHEZ, 2003, p. 538).

Em outros termos, as pessoas são tratadas sem importância, onde seus

direitos são negados, violados e, muitas vezes, aquele que deveria garantir esses

direitos conquistados por meio de luta, usa o militarismo para combater qualquer

manifestação que se posicione contra a ordem.

2.3 População em Situação de Rua: quem são e quais suas características?

O fenômeno denominado nos dias atuais como população em situação de

rua, foi constituído historicamente tendo suas particularidades específicas em cada

contexto histórico, considerando a sua formação socioeconômica, política e social,

bem como as suas complexidades.

Para Bursrztyn (2003) “viver no meio da rua” não é um fenômeno novo,

contudo, remonta o início da formação das cidades industriais no contexto europeu.

É tanto, que a literatura científica e romancista da época já se preocupava em

mencionar em seus textos sobre esta população que vivia ou utilizava o espaço

urbano como moradia ou como espaço para desempenhar seus ofícios. Citamos o

caso da obra “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, o romancista Charles Dickens, e do

pensamento político de Marx e Engels.

Para Simões Júnior (1992), desde a antiguidade já haviam pessoas que

habitavam as ruas e viviam de pedir esmolas. Com o advento do capitalismo e seu

desenvolvimento industrial e urbano, os trabalhadores que antes desenvolviam

ofícios como artesãos ou camponeses, e ainda os pequenos proprietários de terra,

agora somente dispõem da sua força de trabalho para vender. Havia também outras

pessoas que estavam na condição de marginais, mendigos, ou ainda os que não

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serviam ou não estavam aptos para o mercado de trabalho industrial, porque não se

encaixavam nos padrões e exigências do novo sistema econômico, passando, desta

forma, a viver da caridade pública, e pertencentes ao que Marx denomina de

exército industrial de reserva. Este assim se caracteriza por ser:

[...] uma população trabalhadora excedente é produto necessário da acumulação ou do desenvolvimento da riqueza com base no capitalismo, essa superpopulação torna-se, por sua vez, a alavanca da acumulação capitalista, até uma condição de existência do modo de produção capitalista. Ela constitui um exército industrial de reserva disponível, que pertence ao capital de maneira tão absoluta, como se ele o tivesse criado à sua própria custa. Ela proporciona às suas mutáveis necessidades de valorização o material humano sempre pronto para ser explorado, independente dos limites do verdadeiro acréscimo populacional (MARX, 1996, p. 262-263).

É essa parte de trabalhadores que mesmo estando disponível como

reserva, posteriormente não conseguirá acessar novamente o mercado de trabalho

industrial, passando a viver na condição de mendicantes e até mesmo em situação

de rua.

Outra categoria que aqui elencamos para identificar aqueles que se

encontravam nesta condição, é o lumpemproletariado, o termo que para Marx

(1996), abarcaria aquela parte de trabalhadores livres que nunca conseguiram sua

ascensão da condição lumpenproletária de acessar o mercado emergente de

trabalho industrial, e dentre estes, estariam os ex-escravos, plebeus, saltimbancos,

presidiários libertos, mendigos, enfim, toda uma horda de desintegrados da

sociedade (MARX e ENGELS, 2001).

Já o termo pauperismo, refere-se à lei geral da acumulação capitalista, ou

seja, está diretamente imbricado com a própria estrutura de desenvolvimento do

sistema capitalista em sua fase industrial, onde a concentração de riquezas nas

mãos de poucos faz com que a classe trabalhadora seja submetida a um situação

de pobreza extrema. Nas palavras do próprio Karl Marx (1996, p. 273), assim o

denomina:

O pauperismo constitui o asilo para inválidos do exército ativo de trabalhadores e o peso morto do exército industrial de reserva. Sua produção está incluída na produção da superpopulação relativa, sua necessidade na necessidade dela, e ambos constituem uma condição de existência da produção capitalista e do desenvolvimento da riqueza.

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Observa-se, portanto, que mesmo com o crescimento da riqueza

socialmente produzida e com um moderno desenvolvimento das forças produtivas,

nesta fase específica do capitalismo, a distribuição de renda não se dá de forma

homogênea, conforme as necessidades humanas, pois na sua gênese, esta forma

de sociabilidade não contempla tais necessidades.

Ao passo que se desenvolvia o modo de produção capitalista,

aumentavam as disparidades entre aqueles que detinham os meios de produção

inseridos nos processos de geração de riquezas, bem como na sua distribuição,

dentre os que apenas tinham a sua força de trabalho para sobreviver; sendo que

estes últimos não tinham acesso aos postos de trabalho, ficando assim relegados

aos cuidados do poder público por meio da assistência social, da filantropia

oferecida por entidades religiosa, e pela caridade privada.

Nesse sentido, não é diferente o que denuncia a realidade nos dias de

hoje no trato direcionado a esta população, embora já se tenha nos marcos legais,

políticas públicas que garantem, ao menos, os “mínimos sociais”. A realidade mostra

que em Fortaleza, a maioria dos espaços frequentados por moradores de rua em

busca de alguma assistência são de instituições ligadas a sociedade civil, onde se

desenvolvem um trabalho de cunho caritativo, religioso e assistencialista. Ao

mencionar as instituições que frequentam assim os entrevistados verbalizam:

Frequento lá na Irmã Inês, na casa da sopa [...]. Eles são sempre educado,

às vezes são rígido, às vezes eu até acho bom, porque que se não vira a

casa da mãe Joana [...] (GUILHERME ROCHA, 35 anos).

[...] eu procuro os espaços não governamentais, eu sou muito desacreditado

no assunto de procurar, de recorrer às instituições governamentais, tanto do

Estado como da Prefeitura (PEDRO I, 38 anos).

Por um lado, percebemos uma insuficiência das políticas públicas estatais

em abarcar todas as demandas desta população, e por outro ângulo, vê-se uma

forte comoção e um sentimento de compaixão da sociedade civil em atender por

meio da caridade e da filantropia algumas necessidades imediatas que seriam de

responsabilidade do Estado, em vez de unir-se a estes sujeitos tomando para si

suas bandeiras de luta em uma empreitada constante pela efetivação das políticas

sociais que já foram inscritas nos marcos legais. Diante desse quadro, observa-se a

presença impressa do terceiro setor que assim nestes termos:

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[...] aponta-se a transferência dos serviços sociais para a sociedade civil, sob o discurso ideológico da “autonomia”, “solidariedade”, “parceria” e “democracia”, enquanto elementos que aglutinam sujeitos diferenciados. No entanto, vem se operando a despolitização das demandas sociais, ao mesmo tempo em que desresponsabiliza o Estado e responsabiliza os sujeitos sociais pelas respostas às suas necessidades sociais (ALENCAR, 2009, p. 8).

Desta forma o acesso a moradia em espaço privado se torna cada vez

mais difícil, pois a renda que obtinham era insuficiente até mesmo para as

necessidades imediatas. Tais condições de vida obrigam estas pessoas a utilizar os

espaços públicos, ou seja, a rua, como domicílio ou como ambiente de

sobrevivência. Estes ainda são vistos como uma ameaça na medida em que são

considerados como uma possibilidade de perigo a segurança e a ordem social.

Nesse sentido, visualizamos as diversas formas de reação da sociedade

que vai desde a caridade, repressão à indiferença, não querendo admitir que

naquelas condições está um cidadão como qualquer outro inserido no padrão de

sociedade predominante, ou seja, a forma de sociabilidade capitalista.

Aqui, mencionamos a partir do olhar dos sujeitos o que acontece em seu

cotidiano:

A sociedade fica esquisita, né? Ainda tem muita gente de coração bom, gente que ainda olha e se sensibiliza com a situação; mas enquanto para outros, você parece que não existe, só você mesmo sentindo na pele isso (PEDRO I, 38 anos).

[...] a sociedade vê a população de rua não como necessitado, mas eu acredito, como marginal, [...] não generalizando toda a sociedade, mas a maioria vê como viciados, como marginal que não pode ter oportunidade pra nada. Só de tá ali [...] a sociedade por inteiro tenta ajudar, né? [...] Desenvolver o país pra que essas pessoas tenha direito garantido, muitas vezes, [...] você vai passando numa rua, vai ver a pessoa, só porque você tá desarrumado, aquela pessoa pega e atravessa a rua, vai pro outro lado; ou então, quando a pessoa vê um morador de rua, vai e pede pra o policial ou um guarda de loja acompanhar até passar, pois pensa que a gente é ladrão (TRISTÃO GONÇALVES, 40 anos).

Ao mesmo tempo em que o sistema capitalista vai se desenvolvendo e se

consolidando, vai também produzindo desigualdades sociais de forma avassaladora,

além de produzir um exército industrial de reserva que não estão incluídos no ciclo

de produção de mercadorias. Dessa forma, a exclusão social está relacionada

diretamente com aspectos econômicos, e aqueles que não conseguem acessar o

mercado de trabalho ficam à margem e na condição de sobrantes. A população em

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situação de rua é um dos segmentos que vivencia esse processo, seja de forma

cíclica ou permanente. A este aspecto, Bursrztyn (2003, p. 28) afirma que:

Populações empobrecidas vêm sendo empurradas no rumo da exclusão, na medida em que enveredamos por uma lógica econômica que é capaz de propiciar um incremento notável da produção, paralelamente a uma brutal redução do emprego e de trabalho humano. Nesse sentido algumas categorias de trabalhadores são jogadas no desemprego e, passado algum tempo, podem torna-se desnecessários ao circuito econômico, configurando custos (gastos em políticas sociais) e riscos (de segurança) para os que ainda estão engajados.

Podemos perceber que estes indivíduos, diante de um sistema de

desenvolvimento econômico que tem como principais fundamentos o lucro e a

concentração de renda nas mãos de um grupo reduzido, encontram-se em uma

condição de “excluídos”, e mesmo estando em condições normais para o trabalho,

acabam por não acessarem os meios de produção e, consequentemente, são

lançados na situação de extrema pobreza.

Em primeiro lugar, ressaltamos que são vários os fatores considerados

para identificar as características relacionadas à população em situação de rua. Um

aspecto predominante nesse grupo populacional é a sua heterogeneidade. Sendo

assim, deriva, portanto, várias denominações que se referem às pessoas que vivem

nas ruas, ou seja, há várias formas de entender. No entanto, o conceito que

abordamos neste trabalho é o de população em situação de rua. Como destaca Silva

(2009, p. 91):

O fenômeno social população em situação de rua constitui uma síntese de múltiplas determinações, cujas características, mesmo com variações históricas, o tornam um elemento de extraordinária relevância na composição da pobreza nas sociedades capitalistas.

Em outras palavras, a autora afirma que esse fenômeno social é

constituído por um conjunto de determinações que têm suas características próprias

em cada contexto sócio-histórico e geográfico, fazendo parte de um grupo

populacional que vivencia a pobreza extrema na sociedade capitalista.

Destaca-se que nos estudos contemporâneos sobre este grupo, a

heterogeneidade é uma das características que mais tem se apresentado,

mostrando assim, que essas pessoas têm trajetórias de vida diferenciadas com

diversos interesses, vínculos ou ainda perfis socioeconômicos divergentes. A parcial

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conclusão que se chega, é que não há um único perfil, mas sim perfis.

Concomitantemente, sobressaem como características específicas

predominantes deste grupo: os vínculos familiares fragilizados ou interrompidos; a

pobreza extrema e, consequentemente, a falta de moradia convencional e regular;

bem como a utilização da rua como espaço de moradia, de onde advém o sustento

de forma temporária ou permanente (SILVA, 2009).

Assim, de acordo com a pesquisa de campo realizada que apresentamos

neste trabalho, podemos identificar que dos dez entrevistados, sete mencionaram o

rompimento dos vínculos familiares como motivo para estar morando ou estar em

situação de rua. Contudo, são identificados outros motivos que iremos mencionar

posteriormente. Reproduzimos a seguir um destes relatos:

Moradia mesmo, meus pais faleceram, eu morava com meu irmão, aí ele ficava com “piadazinha”: “essa casa aqui vai ser dos meus filhos”. Aí fui me aborrecendo e saí pra evitar. Tenho 07 irmãos, mas eu morava na casa da minha mãe com meu irmão, só um deles. Aí ela morreu, eu abandonei e ele queria ficar com a casa (FLORIANO PEIXOTO, 50 anos).

Percebemos, portanto, que mesmo sendo um grupo heterogêneo há

características que se destacam em estudos realizados sobre o grupo populacional.

Em sintonia com as características já mencionadas, Costa (2005, p. 05)

afirma que:

[...] a população em situação de rua é um grupo populacional heterogêneo, composto por pessoas com diferentes realidades, mas que tem em comum a condição de pobreza absoluta e a falta de pertencimento a sociedade formal. São homens, mulheres, famílias inteiras, grupos que têm em sua trajetória a referência de ter realizado alguma atividade laboral, que foi importante na constituição de suas identidades sociais. Com o tempo, algum infortúnio atingiu suas vidas, seja a perda do emprego, seja o rompimento de algum laço afetivo, fazendo com que aos poucos fossem perdendo perspectiva de projeto de vida, passando a utilizar o espaço da rua como sobrevivência e moradia.

Os termos comumente utilizados nos estudos e pesquisas referentes a

este público aparecem como: pessoas em situação de rua, morador de rua, e, por

último, População em Situação de Rua. Como já descrito anteriormente, nos

deteremos aqui em discorrer sobre a última definição, considerando que este termo

tem dimensões mais abrangentes e as outras denominações fazem parte do grupo

macro denominado população em situação de rua.

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Vieira, Bezerra e Rosa (1994) consideram três momentos importantes

para identificar a relação destas pessoas com a rua, sendo os seguintes: “as

pessoas que ficam nas ruas” de forma circunstancial, e nesse caso, alguns motivos

são identificados, como o desemprego ou por estarem migrando à procura deste, e

consequentemente, por estarem no ambiente da rua e expostos a todo tipo de

violência, frequentam espaços que, normalmente, são movimentados, como

rodoviárias, albergues ou outros locais de grande movimentação.

Tem também “as pessoas que estão na rua”, ou seja, aquelas pessoas

que já consideram o espaço da rua como um lugar possível de habitar e começam a

construir relações com aqueles que já vivem no ambiente urbano, passando a fazer

trabalhos informais para adquirir alguma renda para prover seu sustento.

Por último, “as pessoas que são da rua”, estes, por já estarem na rua há

um longo período, consequentemente sofrem o desgaste físico e mental decorrente

também do uso de drogas lícitas ou ilícitas, e da alimentação precária, bem como

estão expostos a todo tipo de violência.

Percebemos que mesmo alguns se considerando em situação de rua, ao

passar do tempo podem se tornar moradores de rua, ao se acomodarem a esse

cotidiano ou até mesmo por não terem oportunidade de sair desta situação.

Sobre este aspecto, Guilherme Rocha (35 anos) afirma:

Eu me considero morador de rua porque [...] eu me considerava em situação de rua, mas do jeito que eu vivo, acho que já sou morador de rua. Já faz algum tempo que eu tô na rua, certo? Num consegui sair dela ainda, então quer dizer que sou morador de rua. [...] não sei, mas [...] sou muito dependente químico, sou muito “drogueiro”.

Ao nosso entender, assim como a autora, na rua não habita somente o

“morador de rua”, mas são vários atores que utilizam este espaço para sua

sobrevivência, necessitando, assim, de uma definição mais abrangente. Daí a

escolha pelo termo população em situação de rua, pois compreendemos que este é

mais abrangente para se referir a este grupo populacional que vive e sobrevive nas

ruas.

Em consonância com esta definição, assim também a Política Nacional

para Inclusão Social da População em Situação de Rua considera que são múltiplos

os grupos de pessoas que vivem ou estão na rua, e dentre estes estão: imigrantes,

desempregados, egressos dos sistemas penitenciário ou psiquiátrico, dentre muitos

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outros que compõem esse grupo populacional (BRASIL, 2008).

No marco legal que institui a PNPSR, assim literalmente expressa o artigo

1º, parágrafo único:

Para fins deste decreto, considera-se população em situação de rua o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória (LEI 7053, 2009).

Desta forma, percebe-se, portanto, que a definição população em

situação de rua é de caráter mais abrangente que as outras determinações

consideradas anteriormente.

O fenômeno presente nas grandes cidades brasileiras torna visível a

desigualdade social que historicamente faz parte da essência desta sociedade,

estruturada a partir dos moldes socioeconômicos do capitalismo. Nessa perspectiva,

o fenômeno está presente desde o início da formação das cidades brasileiras

(CARVALHO, 2002).

Historicamente, as pessoas que vivem nesta situação foram tratadas

como “vadios” e “vagabundos”, sendo vistas como pessoas que ameaçavam a

ordem pública, tanto pelo Estado, como pela sociedade, indo desde a caridade,

repressão à omissão (BURSTYN, 2003).

Em nossos dias, esse tratamento não se diferencia muito daquele de

tempos passados, pois hoje predomina mais a caridade do que a efetivação de

políticas públicas que possibilitem a mudança da condição de vida das pessoas que

habitam ou que estão nas ruas. Contudo, relacionado às políticas sociais, houve um

avanço no que se refere às legislações que possam garantir o acesso destas

pessoas às políticas sociais. Consideramos que o Movimento Nacional para a

População em Situação de Rua tem uma importante contribuição para tais

conquistas. Foi necessária uma mobilização coletiva, por meio de uma articulação

entre outros movimentos, que junto à população em situação de rua articularam um

trabalho voltado para sua garantia de direitos. É sobre tais políticas públicas

direcionadas a este segmento que trataremos no capítulo seguinte.

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3 AS POLÍTICAS PÚBLICAS E A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA

3.1 Uma análise das Políticas Públicas

Neste capítulo, faremos uma breve análise sobre a política pública,

delineando como foi constituída historicamente e especificamente no Brasil.

Mencionaremos ainda, a política nacional para a população em situação de rua e os

seus desafios para ser concretizada, e, por fim, trataremos da sua concretização de

seus desafios na sua materialização no município de Fortaleza.

A desigualdade é uma marca ainda profundamente arraigada em nossa

sociedade, que impõe a população em situação de rua uma condição de

inferioridade, preconceito e subalternidade. Implementar políticas públicas que visem

essas pessoas serem incluídas em nossa sociedade é um grande desafio. Outro

ponto, é que essas políticas sejam capazes de alterar essa situação e não tratem a

população em situação de rua como “coitadinhos”, e nem com políticas de

assistencialismo ou “de favor”. Nesse sentido, requer um reconhecimento dessas

pessoas como sujeitos de direitos, sendo, portanto, um desafio a ser colocado na

ordem do dia. De acordo com Alves e Viana (2008, p. 17):

Por políticas públicas compreendemos as respostas do Estado frente às demandas da sociedade que, de forma propositiva ou não, expõe suas necessidades e expressa seu poder de pressão no sentido de publicizar tais necessidades. As políticas públicas que resultam dessa relação entre Estado e sociedade civil devem ser entendidas como processos sociais, de caráter histórico, contínuo e inacabado, constituídos por sujeitos cuja ação é responsável pela ampliação das políticas sociais.

Em distintos momentos históricos, a configuração desses sujeitos e as

relações que desenvolvem entre si se modificam, alterando dinâmicas na sociedade

civil e no âmbito do poder público. Como sujeitos de pressão e ação com

capacidade para provocar mudanças sociais, com vistas à garantia de direitos e

igualdade social, podemos ressaltar a atuação dos movimentos sociais em suas

diversas vertentes, dos sindicatos, dos partidos políticos etc.

A política pública não pode ser confundida com política estatal ou de

governo, e muito menos com a iniciativa privada, mesmo que, para a sua realização,

ela requeira a participação do Estado, dos governos e da sociedade, e atinja grupos

particulares e indivíduos. Essa concepção contraria a ideia corrente de que a política

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pública, para ser duradoura e sobreviva a diferentes mandatos governamentais,

deva se transformar em política de Estado, por oposição à política de Governo.

Desde os primórdios, a política, na essência de seu termo, se caracteriza

por ser uma relação desigual entres pessoas diferentes, e porque não afirmar,

desiguais, com a tentativa de amenizar essas disparidades. Nesse sentido, afirma

Arendt (1998, p. 21) que “a política trata da convivência entre diferentes”, e, dessa

forma, surge para mediar os conflitos entre homens e mulheres que se organizam

para buscar objetivos comuns. Caso contrário, se estabeleceria um caos, à medida

que todos buscassem seus interesses e objetivos particulares. Portanto, a política

não é própria da natureza do homem, mas é imposta pela convivência em sociedade

(PEREIRA, 2009).

Trata-se, portanto, de um modo de organização política onde predomina o

interesse comum da vontade popular, e não da vontade e imposição dos que

governam. Dito de outro modo, uma marca específica das políticas públicas é o

caráter de que é uma política de todos, pois o termo pública não se remete ao fato

de ser estatal.

Essa intervenção do Estado e da sociedade possui algumas

características bem específicas, como veremos a seguir:

a) Constitui um marco ou linha de orientação para a ação pública, sob a responsabilidade de uma autoridade também pública (um organismo que aloca e administra bens públicos, como saúde, educação, assistência, entre outros), sob o controle da sociedade. b) Visa concretizar direitos sociais conquistados pela sociedade e incorporados nas leis. [...] os direitos sociais declarados e garantidos em leis são, de regra, conquistas públicas, as quais, por sua vez, operacionalizam-se por meio de programas, projetos e serviços [...]. c) Guia-se pelo princípio do interesse comum, ou público, e da soberania popular, e não do interesse particular e da soberania dos governantes. d) Deve visar à satisfação das necessidades sociais e não da rentabilidade econômica privada, [...] das necessidades do capital (PEREIRA, 2009, p. 95-96).

Em síntese, a política se direciona a execução de direitos sociais

atendendo às demandas reais da sociedade, tendo como objetivo fundamental, a

intervenção para mudar a realidade concreta, sendo desta forma planejada, avaliada

e direcionada pela coletividade, agregando, ainda, a correlação de forças que se dá

nesse campo.

Segundo Granemann (2009), só se pode considerar a existência de

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políticas sociais a partir da fase do capitalismo, em seu estágio industrial, onde

predomina a propriedade privada e o trabalho livre. Sendo a partir dessa relação que

emergem duas classes sociais fundamentais: a burguesia e o proletariado.

É interessante perceber a cronologia histórica que segue este processo

nas diversas fases do capitalismo, em seu estágio concorrencial com a

predominância das ideias liberais, as quais preconizavam que o mercado econômico

deveria regular as relações sociais e a igualdade de oportunidades entre todos.

Cabia ao Estado não intervir na economia, pois era o mercado que resolveria todos

os desníveis neste âmbito. Contudo, isso era apenas uma ideologia, pois o Estado,

desde a instituição do capitalismo, esteve a serviço de grupos da burguesia que

detêm a sua direção.

O Estado, nessa etapa, somente entrava em cena em alguns momentos

específicos para “proteger a propriedade privada; agir em situações emergenciais;

formar e controlar efetivos de defesa e repressão, os exércitos” (NETTO,1992 apud

GRANEMANN, 2009, p. 12). Nessa fase específica, o Estado não desenvolvia

políticas sociais, pois sua estrutura e atuação estavam voltadas para o controle,

sobretudo para manter a ordem.

Já na fase do capitalismo monopolista, ocorreram significativas

intervenções no âmbito social. O Estado, que antes não intervia na economia, agora

realizava ações, inclusive pela necessidade de preservação da expansão do modo

de produção capitalista a nível mundial. Essa intervenção que articula ações

econômicas e políticas é um campo onde se delineia e se edifica as políticas sociais

(GRANEMANN, 2009).

Podemos perceber que o Estado nessa fase de desenvolvimento, muda

seu tratamento, pelo menos de forma parcial, com a classe trabalhadora, fazendo

intervenções por meio das políticas sociais. Contudo, isso não se deve somente a

iniciativa da classe dominante, mas, sobretudo, ás reivindicações e à luta organizada

dos trabalhadores.

Vale destacar a luta da classe trabalhadora, que teve um papel

fundamental em tensionar essa nova ordem social. As primeiras iniciativas de

políticas sociais só podem ser compreendidas como continuidade do Estado liberal

para o Estado social. Contudo, não houve mudanças no que se refere a estrutura do

sistema capitalista. Mudanças ocorreram apenas na estrutura do Estado, que

incorporou aspectos socialdemocrata em um contexto econômico novo, ganhando

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uma dimensão de caráter social, investindo mais em políticas sociais (BEHRING,

2011).

A participação da classe trabalhadora foi fundamental para essa mudança

histórica. Nesses termos:

A mobilização e organização da classe trabalhadora foram determinantes para a mudança da natureza do estado liberal no final do século XIX e início do século XX. Pautada na luta pela emancipação humana, na socialização da riqueza e na instituição de uma sociabilidade não capitalista, a classe trabalhadora conseguiu assegurar importantes conquistas na dimensão dos direitos políticos, como direito de voto, de organização em sindicatos e partidos, livre expressão e manifestação (BARBALET, 1989 APUD BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 63-64).

Desta forma a luta da classe trabalhadora contribuiu significativamente

para alargar os direitos sociais e colocar em questão a função do Estado no sistema

capitalista.

Em relação à população em situação de rua, a realidade é bem complexa,

mas percebemos que existem lutas e mobilizações no sentido do reconhecimento

por parte da sociedade e Estado, em relação às políticas públicas para esse

segmento. Há, portanto, certa tensão que se constrói entre essas classes com

disparidades econômicas exorbitantes. A fala a seguir retrata este aspecto: “[...] e se

souberem de alguma coisa, „ah, ele está em situação de rua, vamos ajudar‟.

„Morador de rua? Você é louco rapaz? São ladrões, são viciado em tóxicos‟.

Loucura, a onda é esta [...]” (DUQUE DE CAXIAS, 54 anos).

A este respeito, podemos mencionar as reivindicações da população em

situação de rua no que se refere à luta coletiva por políticas publicas, bem como a

sua organização política por meio do movimento nacional da população em situação

de rua (MNPR). Então, citamos a fala de um dos sujeitos entrevistados:

[...] Tomei conhecimento quando eu tava no centro, aí, lá teve uma votação pra umas pessoas pra ter uma pessoa que representasse a população em situação de rua, lá no dia. Aí, então, os meninos votaram pra mim, pra que eu fosse representante deles, aí nesse mesmo dia eu fui convidado pra ser representante deles. Aí eu fui na Pastoral, foi que o pessoal me levaram pra conhecer o MNPR, e lá foi que eu tive conhecimento, [...] estudei a política nacional, tenho conhecimento da política municipal, e agora da estadual. Eu fui ter conhecimento assim, tudo começou com esse processo, né? Eu tava lá, teve essa votação, eu fui convidado pra ser representante e me capacitei. Aí conheci as políticas públicas (TRISTÃO GONÇALVES, 40 anos).

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Assim, a organização política da população em situação de rua permite

um melhor conhecimento dos direitos sociais e individuais, bem como a

oportunidade de forjar espaços de diálogo e debate para a concretização de políticas

publicas.

Podemos neste ponto fazer um paralelo com as políticas sociais que a

população em situação de rua tem conquistado por meio da luta coletiva organizada,

e um novo tratamento que o Estado vem assumindo com esse público, como

analisamos nesta fala a seguir:

[...] Já tenho participado de algumas reivindicações do movimento população de rua, conseguimos algumas coisas, mas foi pouco. Por exemplo, o aluguel social, que é benefício do Governo Federal, que passa para o morador de rua no valor de R$ 350,00 reais, pra ele não ficar na rua, pra ele ficar em um canto locado e prestar conta todos os meses com o recibo do condomínio e com o síndico, pra provar que aquela pessoa está realmente morando e não está gastando o dinheiro com outra coisa (PEDRO I, 38 anos).

Visualizamos dessa forma, que há uma mobilização coletiva desta

população que a cada dia cresce, com o objetivo de reivindicar políticas públicas,

como é o caso do benefício eventual aluguel social2.

Vale salientar, que essa mudança administrativa do Estado, a partir do

Welfare State, não é mérito ou benevolência da classe dominante ou uma estratégia

para manter a hegemonia do sistema, mas tal mudança se deve, também, a

organização coletiva da classe trabalhadora, que se posicionaram como agentes de

conquistas sociais. Este episódio se configura, sobretudo, como um conflito entre

classes (PEREIRA,1998).

As políticas sociais e a elaboração de proteção social se configuram como

uma resposta às mais diversas expressões da questão social e sua concretização se

dá de forma fragmentada e setorializada (BEHRING; BOSCHETTI, 2009). Sendo

que a questão social é parte constitutiva do sistema capitalista, e nestes termos ela

se expressa:

Considerando que está subjacente às suas manifestações concretas, o processo de acumulação do capital, produzindo e reproduzindo com a

2 O aluguel social é um benefício de caráter eventual, previsto na Política Nacional de Assistência

Social (PNAS). Estes são direcionados aos cidadãos e às famílias em decorrência de morte, nascimento, calamidades públicas e situação de vulnerabilidade temporária (PNAS, 2004, p. 64).

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operação da lei do valor, cuja contra face é a subsunção do trabalho pelo capital, desigualdade social, o crescimento da pauperização absoluta e relativa e a luta de classes [...]. A questão social, nessa perspectiva, é expressão das contradições inerentes ao capitalismo (BEHRING e SANTOS, 2009, p. 271).

Em outros termos, a questão social é objeto de intervenção do Estado

capitalista, como afirma Iamamoto (2001, p. 16-7), esta se constitui como um:

[...] conjunto das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do Estado. Tem sua gênese no caráter coletivo da produção contraposto a apropriação privada da própria atividade humana - o trabalho, das condições necessárias à sua realização, assim como de seus frutos. É indissociável da emergência do „trabalhador livre‟, que depende da venda de sua força de trabalho como meio de satisfação de suas necessidades vitais. A questão social expressa, portanto, disparidades econômicas, políticas e culturais das classes sociais, mediatizadas por relações de gênero, características étnico-raciais e formações regionais, colocando em causa as relações entre amplos segmentos da sociedade cível e o poder estatal.

As políticas sociais são uma resposta do Estado às expressões da

questão social. Nesse sentido, essas políticas passam pela correlação de forças no

embate político entre classes sociais. O referencial teórico para a compreensão

nesses termos refere-se à teoria social crítica de Marx, pois estas não possuem

apenas um caráter de redistribuição de renda ou de riqueza, mas atende, sobretudo,

às necessidades do capital e de sua reprodução, e, para muitos, significa uma

questão de sobrevivência para a reprodução da força de trabalho (BEHRING, 2009).

No que se refere às políticas públicas no contexto brasileiro, seu

surgimento e desenvolvimento devem ser considerados a partir de suas

particularidades históricas, que nestas terras aconteceram, e que têm fatores

determinantes no sistema de proteção social atual. A formação do sistema

capitalista ocorreu de forma diferenciada daquela dos países considerados do

capitalismo central, portanto, pode-se considerar que o Brasil é um país que se

encontrava na periferia do mundo capitalista (BEHRING;BOSCHETTI, 2011).

A economia e a sociedade brasileira, desde sua colonização, no

entendimento de Behring & Boschetti (2011), tendem a se organizar para fora, com

uma certa dependência do mercado mundial, sendo a partir da instituição do Estado

nacional com a Proclamação da Independência, que se rompe parcialmente a

dominação burguesa agrária do pais.

Essas políticas econômicas têm forte influência até mesmo no

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entendimento sobre a cidadania, e nesse sentido:

[...] esse movimento é marcado pela ausência de compromisso com qualquer defesa mais contundente das elites econômicas políticas, o que é uma marca indelével da nossa formação, fato que é fundamental para pensar a configuração da política social no Brasil (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 75).

Destaca-se, portanto que a “democracia” apenas era válida para a classe

dominante e que esta utilizava a máquina do Estado para suprir seus interesses

individuais (BEHRING; BOSCHETTI, 2011).

O Estado brasileiro é edificado sobre o liberalismo formal, ao menos na

teoria, pois na prática predomina o patrimonialismo, para assim respaldar os

interesses e privilégios das classes dominantes. É nesse pano de fundo que se

desenvolvem as políticas sociais brasileiras, e com ela as suas contradições e

particularidades, próprias de uma sociedade fundada no patriarcalismo, na “política

do favor” e do “merecimento”.

As primeiras iniciativas de políticas públicas no Brasil se dão na primeira

metade do século XX, em um país que começava a sua industrialização. É a partir

de então que se iniciam, também, as primeiras lutas da classe trabalhadora e,

posteriormente, as primeiras legislações trabalhistas. Contudo, isso não se dá de

forma harmônica, mas se configura como uma correlação de força entre classes.

Este conflito contribui significativamente para a conquista dos direitos sociais,

trabalhistas e previdenciários, sendo estas as principais bandeiras de luta da classe

trabalhadora.

Posteriormente, algumas iniciativas de proteção social, como a Lei Eloy

Chaves, que impunha a obrigatoriedade de criar caixas de aposentadoria e pensão

(CAPS) que estavam articuladas com os IAPS (Instituto de Aposentadoria e

Pensão): era um modelo previdenciário social que se iniciava no Brasil.

Vale destacar que essa relação entre Estado e sociedade civil é

profundamente marcada pelo “favor”, clientelismo, tutela e assistencialismo que

percorre também as políticas sociais. Essa configuração tem uma gradual mudança

com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (BEHRING; BOSCHETTI,

2011).

É com a Carta Magna que é instituída no país a Seguridade Social, com o

tripé Previdência Social, Saúde e Assistência Social, explícita no artigo 194, nestes

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termos: “a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de

iniciativas dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos

relativos à saúde a previdência e a assistencial social” (CONSTITUIÇÃO FEDERAL,

2011a, p. 129).

A seguridade social, nos países capitalistas, se constitui tendo como

referencial sempre a organização social do trabalho, que, geralmente, seguem dois

modelos. Um é o de Otton Von Bismarck, da Alemanha, no qual o trabalhador

deveria contribuir previamente, ou seja, tinha um caráter contributivo e o seu

financiamento era feito por empregados e empregadores. Outro modelo de seguro

social implantado foi o modelo de Beveridge, formulado na Inglaterra no ano de

1942, sendo este modelo adotado pelo Welfare State, se opondo aquele anterior, e

que se caracterizava por ser universal e direcionado a todos os cidadãos sem

necessitar de contribuição prévia; contudo, garantia os mínimos sociais.

A seguridade social brasileira incorporou características dos dois modelos

de seguro social, como bem afirma Boschetti (2009, p. 01), “ao restringir a

previdência aos trabalhadores contribuintes, universalizar a saúde e limitar a

assistência social a quem dela necessitar”. Interessa-nos aqui nos determos sobre a

política de assistência social, sendo esta uma das políticas acessadas pela

população em situação de rua. Reiteramos que no Brasil, a política nacional

direcionada a este público está, sobretudo, no âmbito da assistência, tendo o MDS

como órgão que direciona e financia esta política.

Ao longo da historia, a assistência foi executada por grupos religiosos,

humanitários e políticos, com forte caráter de benesse e permeado de interesses

baseado na troca e no favor, deixando aqueles que recebiam tais “migalhas” em

uma situação de dependência, subalternidade, sem assim promover sua autonomia,

ou seja, não passava de um mero assistencialismo.

Diferentemente dessa prática social, a assistência social como política

pública de direito, assim se constitui: “direito de cidadania e, portanto, dever do

Estado. Como responsabilidade do Estado, a assistência social perde o caráter de

seletividade e transforma-se em princípio universal” (SOUZA, 2009, p. 84).

O marco legal da assistência social como política pública de direito no

Brasil vem com a Constituição Federal de 1988. Somente a partir daí que é instituída

a concepção de uma política não contributiva e universal, tendo como objetivo

viabilizar o acesso a outras políticas sociais para desta forma garantir o exercício da

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cidadania (SOUZA, 2009).

No entanto, somente em 1993 é homologada a Lei Orgânica da

Assistência Social (LOAS) (Lei nº 8.742/1993) que irá regulamentar os artigos 203 e

204 da CF. Muitos são os desafios que se colocam para a verdadeira concretização

desta Lei, a começar pelo desconhecimento, tanto dos gestores como dos usuários

da assistência social, e, por muitas vezes, com práticas conservadoras de caráter

assistencialista, de benesse e de favoritismo (SOUZA, 2009).

A política de assistência social ganha reestruturação com a criação do

Sistema Único de Assistência Social (SUAS), no ano de 1994, tendo como marco as

deliberações da IV Conferência Nacional de Assistência Social, em que se percebeu

a necessidade de criar um padrão com um sistema de serviços assistenciais, assim

denominados de proteção básica e proteção especial, subdividido em média e alta

complexidade (SOUZA, 2009).

Destacamos que é na Proteção Social Especial (PSE) que estão inseridos

os serviços direcionados à população em situação de rua, onde trataremos a seguir,

bem como os seus desafios para ser concretizada.

3.2 A Política Nacional para a População em Situação de Rua e os desafios

para sua concretização

Sabe-se que o trato dado a população em situação de rua no Brasil,

historicamente, foi permeado pelo assistencialismo, caridade e pela tutela, tanto pela

sociedade civil, como também pelo Estado, além dos vários estigmas que estas

pessoas vêm sofrendo por morarem nas ruas ou utilizarem esse espaço como meio

de sobrevivência.

Sobre o aspecto da estigmatização, sempre foi algo que esta população

sofreu, sendo vista por parte da sociedade como um perigo ou ameaça à ordem

social. Mencionamos então, o relato que trata deste aspecto:

Vê a pessoa diferente, né? O cara vai passando aqui do lado, todo sujo assim, né? Pensa que a gente vai assaltar, né? O pessoal tem é medo do “nego”, principalmente mulher, né? Fica segurando a bolsa. Vai passando, aí o pessoal pensa que a gente vai assaltar ó, só que a gente não vai, né? (GENERAL SAMPAIO, 26 anos).

Essa realidade começa a mudar gradualmente a partir da década de

1990, quando a população em situação de rua, com apoio de movimentos sociais e

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instituições religiosas, inicia sua organização política com o intuito de reivindicar

políticas sociais e direitos civis historicamente negados e violados. Não obstante,

muito ainda pode e deve ser realizado. Neste contexto, um novo direcionamento e

relação com a população em situação de rua se inicia, como assim acontece.

[...] As instituições de apoio e ajuda a população em situação de rua direcionam-se para afirmação do acesso desta população ao direito humano à vida e à dignidade. Estas instituições buscaram ainda, superar o caráter assistencialista e repressor da ação junto as pessoas em situação de rua com a introdução, no trabalho cotidiano, de um novo trato metodológico que priorizava a organização e o protagonismo como instrumento de resgate de direitos de cidadania das pessoas em situação de rua (BRASIL, 2011b, p. 15).

Dessas iniciativas, nasceu uma rede articulada na construção de políticas

publicas direcionada para a população em situação de rua, tornando visível uma

realidade social que não se podia mais tolerar.

No ano de 2005, são edificadas as bases da Política Nacional para a

População em Situação de Rua, a partir do I Encontro Nacional da População em

Situação de Rua, planejado e realizado pela Secretaria de Assistência Social do

Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Este encontro tinha como objetivos

definir estratégias para a elaboração de políticas públicas direcionadas a esse

público. No ano seguinte, é instituído por decreto o grupo de trabalho interministerial

para a elaboração de estudos e preparação de propostas para a articulação de

políticas públicas voltadas para a população em situação de rua (BRASIL, 2011b).

A consolidação, no que se refere ao marco legal, se dá com o decreto de

Lei presidencial nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009, que institui a Política

Nacional para a População em Situação de Rua tendo a intersetorialidade como elo

que direciona toda sua estrutura. Os princípios da PNPSR são os seguintes:

I - respeito à dignidade da pessoa humana; II - direito à convivência familiar e comunitária; III - valorização e respeito à vida e à cidadania; IV - atendimento humanizado e universalizado; V - respeito às condições sociais e diferenças de origem, raça, idade, nacionalidade, gênero, orientação sexual e religiosa, com atenção especial às pessoas com deficiência (BRASIL, 2009).

Tais princípios direcionam as ações para gestão, atendimento, avaliação,

e monitoramento da PNPSR, com o intuito de assegurar direitos historicamente

negados a esta parte da população que está em situação de vulnerabilidade social.

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Seus objetivos assim se constituem:

I - assegurar o acesso amplo, simplificado e seguro aos serviços e programas que integram as políticas públicas de saúde, educação, previdência, assistência social, moradia, segurança, cultura, esporte, lazer, trabalho e renda; II - garantir a formação e capacitação permanente de profissionais e gestores para atuação no desenvolvimento de políticas públicas intersetoriais, transversais e intergovernamentais direcionadas às pessoas em situação de rua; III - instituir a contagem oficial da população em situação de rua; IV - produzir, sistematizar e disseminar dados e indicadores sociais, econômicos e culturais sobre a rede existente de cobertura de serviços públicos à população em situação de rua; V - desenvolver ações educativas permanentes que contribuam para a formação de cultura de respeito, ética e solidariedade entre a população em situação de rua e os demais grupos sociais, de modo a resguardar a observância aos direitos humanos; VI - incentivar a pesquisa, produção e divulgação de conhecimentos sobre a população em situação de rua, contemplando a diversidade humana em toda a sua amplitude étnico-racial, sexual, de gênero e geracional, nas diversas áreas do conhecimento; VII - implantar centros de defesa dos direitos humanos para a população em situação de rua; VIII - incentivar a criação, divulgação e disponibilização de canais de comunicação para o recebimento de denúncias de violência contra a população em situação de rua, bem como de sugestões para o aperfeiçoamento e melhoria das políticas públicas voltadas para este segmento; IX - proporcionar o acesso das pessoas em situação de rua aos benefícios previdenciários e assistenciais e aos programas de transferência de renda, na forma da legislação específica; X - criar meios de articulação entre o Sistema Único de Assistência Social e o Sistema Único de Saúde para qualificar a oferta de serviços; XI - adotar padrão básico de qualidade, segurança e conforto na estruturação e reestruturação dos serviços de acolhimento temporários, de acordo com o disposto no art. 8º; XII - implementar centros de referência especializados para atendimento da população em situação de rua, no âmbito da proteção social especial do Sistema Único de Assistência Social; XIII - implementar ações de segurança alimentar e nutricional suficientes para proporcionar acesso permanente à alimentação pela população em situação de rua à alimentação, com qualidade; e XIV - disponibilizar programas de qualificação profissional para as pessoas em situação de rua, com o objetivo de propiciar o seu acesso ao mercado de trabalho (BRASIL, 2009).

Percebe-se, portanto, que os objetivos da política nacional estão se

concretizando, mas de forma parcial e insuficiente para atender a demanda

crescente da população em situação de rua. A elaboração e implementação

intersetorial de políticas públicas para a população em situação de rua é, sem

dúvida, um reconhecimento das lutas históricas aos direitos daqueles que vivem nas

ruas, pois o estágio de desenvolvimento econômico que já atingiu o país é

incompatível com a situação de pobreza extrema em que se encontram estes

indivíduos (BRASIL, 2011b).

Contudo, a conquista no marco legal de políticas sociais não significa

automaticamente a sua concretização na prática, pois alguns desafios surgem para

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sua efetivação, sendo eles apresentados a seguir.

A estigmatização social historicamente direcionada a estas pessoas,

inclusive pelo poder público, contribui para a impossibilidade de acesso às políticas

públicas e à construção de um projeto de vida para sair da situação de rua (BRASIL,

2011b).

Outro desafio que se apresenta é a concretização da intersetorialidade,

como preconiza a política. Nestes termos:

A Política Nacional para a População em Situação de Rua (2009) enfoca a intersetorialidade como uma estratégia de negociação permanente para o desenvolvimento de serviços, programas projetos e benefícios que atendam aos direitos humanos das pessoas em situação de rua nas diversas políticas públicas, de modo a formar uma rede que assegure a efetividade e a qualidade de atenção ofertada (BRASIL, 2011b, p. 18).

E por último, se coloca como obstáculo ou desafio para a concretização, a

falta de conhecimento, tanto da população em geral como da população em situação

de rua, sobre a política nacional e porque não dizer, o desconhecimento até de

gestores e profissionais que atuam nesta área.

A este respeito, já preconizado na Lei 7.053/2009, que estabelece

diretrizes no que se refere à organização política da população em situação de rua

afirmando que deve haver o incentivo a esta organização política, bem como a sua

partição em instâncias de controle social, no monitoramento, implementação e

avaliação de políticas públicas e que o Estado deve promover a autonomia destes

cidadãos. Esta promoção pode oferecer um maior conhecimento das políticas

direcionadas a esta população. Contudo, no relato a seguir, constatamos o contrário.

[...] não adianta falar em políticas públicas pra população de rua, se a população de rua não está vivendo aquelas políticas públicas, se os direitos estão sendo violados, estão sendo negados nas instituições governamentais. Políticas públicas é o que o morador menos fala entre si, eu acho que deveriam estudar como enfiar isso na cabeça da gente, porque até o prezado momento, políticas públicas pra nós não está representando nada. [...] já vi assistentes sociais que não têm um pingo de experiência ali, de estar executando aquele cargo, colocada por conhecimento “ah, eu te conheço, tem uma vaguinha aqui pra enquadrar você”, sem nunca ter feito um curso de capacitação pra saber lidar como assistente social, com o morador de rua quando ele vier conversar com ela. Não tem um preparamento, o morador de rua fica que nem “bola de basquete”, ele fica jogando de um pra outro, e o morador de rua acaba desistindo daquela situação (PEDRO I, 38 anos).

No que se refere à capacitação de profissionais, a já referida Lei também

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preconiza que deve acontecer a capacitação permanente para profissionais que

estão inseridos em instituições que executam as políticas públicas direcionadas à

população em situação de rua.

3.3 Os desafios na materialização das Políticas Públicas para a População em

Situação de Rua em Fortaleza

De acordo com as leituras bibliográficas, pesquisas documentais, jornais,

dentre outras fontes consultadas, podemos inferir que as políticas sociais com mais

ações, projetos e programas voltados para a população em situação de rua, é a

política pública de assistência. Podemos fazer esta constatação ainda, a partir das

falas dos sujeitos da pesquisa que, ao serem indagados sobre as políticas públicas

direcionadas a eles, apontam outros serviços que são executados pontualmente,

como por exemplo: o consultório de rua3 e o aluguel social4. Sobre este aspecto,

reproduzimos aqui a fala de um dos sujeitos:

Não, atende não, porque tem muito morador na rua sofrido, doente; tem gente que anda caxingando, outros com febre, dor de cabeça. É muita gente sofredor, e aquela Kombi ninguém vê mais, sumiu aquela Kombi que passa pro povo da rua, que é da saúde (FLORIANO PEIXOTO, 50 anos).

Deixa a desejar em muitas coisas, mas a gente não pode fazer nada [...]. Eu entrei no Bolsa Família já tá com quase três meses e num vi resultado não [...] (GUILHERME ROCHA, 35 anos).

3 Os Consultórios de Rua constituem uma modalidade de atendimento extramuros dirigida aos

usuários de drogas, que vivem em condições de maior vulnerabilidade social e distanciados da rede de serviços de saúde e intersetorial. São dispositivos clínico-comunitários que ofertam cuidados em saúde aos usuários em seus próprios contextos de vida, adaptados para as especificidades de uma população complexa. Promovem a acessibilidade a serviços da rede institucionalizada, a assistência integral e a promoção de laços sociais para os usuários em situação de exclusão social, possibilitando um espaço concreto do exercício de direitos e cidadania. Sua estrutura de funcionamento conta com uma equipe volante mínima com formação multidisciplinar constituída por profissionais da saúde mental, da atenção básica, de pelo menos um profissional da assistência social, sendo estes: médico, assistente social, psicólogo, outros profissionais de nível superior, redutores de danos, técnicos de enfermagem e educadores sociais. Além desses, eventualmente, poderá contar com oficineiros que possam, estrategicamente, desenvolver atividades de arte-expressão. Para o desenvolvimento de suas atividades necessita de carro tipo “perua” (van), usado para fazer o deslocamento da equipe profissional e dos materiais necessários à realização das ações. O carro, além de transportar a equipe e os insumos, tem a função de se constituir como referência para os usuários (BRASILIA, 2010). 4 O aluguel social é executado pela Fundação de Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza

(HABITAFOR), em parceria com a Secretaria de Trabalho, Desenvolvimento Social e Combate a Fome (Setra), a partir do Decreto Lei Municipal nº0222/11, que institui o programa de locação social em Fortaleza. Sobre a definição de aluguel social, ver o item 3.1 deste capítulo, seguido da fala dos sujeitos.

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Podemos perceber a partir desta fala, a presença de algumas doenças

que a população em situação de rua é acometida neste ambiente urbano e a

necessidade de uma política de saúde que direcione ações articuladas em rede para

este segmento. A Kombi a que se refere o entrevistado é o veículo utilizado pela

equipe multidisciplinar do consultório de rua, que realiza as abordagens a este

público, sobretudo no período noturno. O consultório de rua está sobre a

coordenação da Secretaria Municipal de Saúde (SMS).

Constatamos que na realidade, a implantação da política de assistência

social, como estabelece os marcos legais do SUAS, no município de Fortaleza, é

recente. Seu início se deu no ano de 2005, quando foi criada pela primeira vez a

Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS). Com a criação de uma

secretaria específica para gerenciar a assistência social, a partir do viés de política

pública como direito de todos e dever do Estado, se ultrapassa o caráter

assistencialista historicamente presente neste âmbito, como assinala Alves e

Campos (2012, p. 14):

Criar a primeira Secretaria de Assistência Social foi um fato histórico, por ser uma decisão política que se contrapõe às relações clientelistas e “politiqueiras” antes existentes no campo da assistência social. [...] A criação da SEMAS coincide, portanto, com os avanços nacionais que a assistência social vem tendo no âmbito federal, quando se instituiu o Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

É a partir do estabelecimento da assistência social como direito de todos

e dever do Estado, com a Lei orgânica da assistência social (LOAS) que podemos

pensar em políticas públicas para a população em situação de rua no município de

Fortaleza.

Essa construção se dá no âmbito municipal articulado com grupos,

movimentos sociais e representantes da população de rua, e ocorre no ano de 2008

quando acontece o seminário Política Nacional para Inclusão Social da População

em Situação de Rua, onde se tinha como objetivo debater junto com representantes

do MDS a implantação de políticas públicas direcionadas a população em situação

de rua, onde foi também apresentada a Política Municipal Intersetorial para

População de Rua (LIMA, 2008).

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Com a instituição da SEMAS5, foram criados os equipamentos sociais

para atender as demandas referente aos direitos da população em situação de rua,

edificados sempre nos paramentos do SUAS. Iniciava, portanto, uma rede de

equipamentos geridos e coordenados pela própria SEMAS, para efetivar direitos

desta população que, historicamente fora tratada como escória da sociedade, pela

primeira vez em Fortaleza, são tratados como sujeitos de direitos.

Inicialmente, foi criado o Centro de Referência Especializado para a

População em Situação de Rua (CENTROPOP). Este compõe um conjunto de

projetos, programas e serviços que contribuem para a superação e para a saída

destas pessoas da rua. A instituição também providencia encaminhamentos de

documentação oficial, cadastros em programas sociais, atividades socioeducativas,

e artísticas.

Outro equipamento criado foi o Espaço de Acolhimento Noturno (EAN),

que tem a função de acolher as pessoas em situação de rua para pernoite e ainda

oferta atividades socioeducativas, artísticas, lúdicas, culturais e socioassistenciais6.

Há também a casa de passagem Elizabete de Almeida Lopes que oferece

acolhimento temporário para pessoas que tenham seus direitos violados ou estejam

em situação de risco social.

Para compor esse quadro da área da assistência social, tem ainda o

Serviço Especializado de Abordagem (SEA) de rua; este atua nos pontos da cidade

onde se encontra a população em situação de rua por meio de abordagem,

informando sobre os serviços socioassistenciais que são oferecidos a esta

população, além de fazer articulação com outros serviços da rede com o intuito de

suprir as demandas imediatas identificadas pela equipe de abordagem.

Todos esses serviços socioassistenciais estão inseridos na modalidade

da PSE, definida pela PNAS que compõe o SUAS:

A proteção social especial é a modalidade de atendimento assistencial destinada a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e/ou psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medida socioeducativa, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras (BRASIL, 2004).

5 A partir de 2013 foi alterada sua configuração para Secretaria de Trabalho, Desenvolvimento Social

e Combate à Fome (SETRA), pela atual gestão municipal. 6 Todas as informações referentes aos equipamentos socioassistenciais coordenados pela SETRA

foram retirados do site: <http://www.fortaleza.ce.gov.br/servicos/cidadao/assistencia-social-semas/populacao-em-situacao-de-rua>. Acesso em: 08 jan. 2014.

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Portanto, a PSE contempla aqueles cidadãos e cidadãs que tiveram os

vínculos familiares interrompidos ou estão fragilizados, como é o caso da população

em situação de rua.

Atualmente, os serviços socioassistenciais que compõem a rede outrora

mencionada, destinados a população em situação de Rua em Fortaleza, são

compostos por dois Centropop, pela casa de passagem Elizabete de Almeida Mota e

pelo SEA, além de ações pontuais como o consultório de rua e o aluguel social.

Paralelamente a essa construção de políticas públicas como direito

constitucional, vê-se também uma forte atuação da sociedade civil por meio do

terceiro setor e da filantropia. Historicamente, a sociedade civil se “compadeceu” em

ajudar, por meio de ações caritativas e assistencialistas, as classes pauperizadas, e

entre estas, está à população em situação de rua.

Em Fortaleza são inúmeras as instituições que desenvolvem algum

trabalho assistencialista e caritativo junto a esta população, e aqui destacamos

ações de algumas delas. Compõem esse quadro o Refeitório São Vicente de Paulo,

o Albergue Shalom de Promoção Humana, a Pastoral do Povo da Rua, o Grupo

Espírita com a Casa da Sopa, a Toca de Assis masculina e feminina, dentre outros.

O refeitório São Vicente de Paulo tem como principais objetivos:

[...] estimular o resgate de sua cidadania. Além da evangelização, são oferecidos: higienização – os frequentadores podem tomar banho no local, um lanche, formação profissional, incentivo para retornar à família, alfabetização, assistência médica com os voluntários da Sociedade Médica São Lucas, e almoço (AGÊNCIA DA BOA NOTÍCIA, 2012).

O Albergue Shalom tem como principais atividades encontros de

formação humana e espiritual, acompanhamento pessoal, atividades ocupacionais,

grupo de oração, grupo dos doze passos, grupo de recaídas e grupo de recitação do

terço. Preocupa-se ainda com a reinserção no mercado de trabalho. Para isso, são

feitas parcerias com a Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS) e

com instituições particulares, a fim de oferecer cursos de capacitação por meio de

oficinas profissionalizantes (AMOR FILIAL, 2013).

Outra instituição que também oferece este tipo de assistência à

população em situação de rua é a Pastoral do Povo da Rua, vinculada a

Arquidiocese de Fortaleza. Seu principal objetivo é a promoção humana destas

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pessoas por meio de orientação sociojurídica, encaminhamento para retirada de

documentação oficial, bem como encontros para discutir políticas públicas; oficinas

de música, exibição de filmes seguido de debate. Também são ofertados retiros

espirituais, celebração eucarística e passeios (FÉLIX, 2009).

A pastoral também trabalha em articulação com o Movimento Nacional da

População em Situação de Rua, com o Centro de Defesa de Direitos Humanos da

População em Situação de Rua, bem como a outros órgãos a nível nacional e local,

que atuam na construção, execução e monitoramento da Política Nacional para a

População em Situação de Rua.

Percebemos neste cenário, a atuação do terceiro setor, com a concessão

do Estado quando delega à sociedade civil a execução de serviços que, em tese,

seriam de sua responsabilidade. Assim, esta relação entre Estado e terceiro setor

pode ser compreendida, segundo Montaño (1999, p. 27):

A parceria entre Estado e o „terceiro setor‟ tem a clara função ideológica de encobrir o fundo, a essência do fenômeno, ser parte da estratégia de reestruturação do capital, a fetichezá-lo em „transferência‟, levando a população a um enfrentamento/aceitação deste processo dentro dos níveis de conflitividade institucional aceitáveis para a manutenção do sistema, e ainda mais, para manutenção da atual estratégia do capital e seu projeto hegemônico: o neoliberalismo.

O estado no contexto neoliberal se configura como mínimo e a serviço

das classes dominantes. Faleiros (2000, p. 27) assinala a configuração do Estado

nestes termos:

O estado, ao aparecer como consensual, vem esvaziar as lutas de classes e controlar os movimentos sociais, concedendo certos mínimos históricos exigidos pelas classes subalternas depois de muita pressão por parte destas últimas, o que mostra seu compromisso com as classes dominantes.

Mencionamos como exemplo deste quadro o cenário de Fortaleza, onde

há o início de uma estrutura socioassistencial e os serviços ainda são insuficientes

para atender a demanda da população em situação de rua, mostrando, assim, a

ausência de políticas públicas que possam atingir toda esta população.

Mesmo já tendo uma moldura desta política no município de Fortaleza,

muito ainda falta ser concretizado que esteja consonante com os princípios e

diretrizes da PNPSR. Elencamos alguns desafios que se apresentam para a

abrangência desse leque de direitos.

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A dimensão do trabalho articulado por meio da intersetorialidade

das políticas públicas, como preconiza o artigo 10º da Lei

7.053/2009.

A dificuldade de acompanhamento e monitoramento de

concretização da política nacional como instituída nos marcos

legais.

E por último, o desconhecimento da sociedade como um todo da

política nacional e também da própria população em situação de

rua.

Podemos constatar que para sua concretização, é fundamental que este

público conheça e se aprofunde, por meio de formação, a respeito do que preconiza

os marcos legais da política nacional, sendo de caráter dos entes que aderirem à

política, tendo a responsabilidade de dar “sugestões” para o aperfeiçoamento e

melhoria das políticas sociais voltadas para esse segmento. Paralelo a isso, assim

falam os sujeitos da pesquisa sobre a concretização e a divulgação desta referida

política:

Falta muita coisa pra chegar até nós, mais trabalho de conscientização da Prefeitura, pra gente poder entender melhor essas políticas. Como te falei, é a questão da desorganização dos cargos públicos, da Prefeitura que não funciona (PEDRO I, 38 anos).

Diante desse quadro, no contexto de Fortaleza verificamos que ao mesmo

tempo em que houve um avanço na concretização das políticas públicas

direcionadas à população em situação de rua, avançou também o número de

instituições ligadas ao terceiro setor por meio de instituições religiosas. Essa

realidade se comprova Na configuração do Estado mínimo no tocante às políticas

sociais no contexto neoliberal. Dito de outra forma acontece uma contrarreforma

quanto ao papel do Estado em relação ao financiamento e execução das políticas

sociais, como afirma Behring (2008, p. 31), “é a reforma do Estado orientada para o

mercado [...] tendo em vista ampliar/assegurar a rentabilidade do capital”.

Nesse sentido, visualizamos que o Estado se preocupa mais em investir

nas áreas econômicas (no mercado) do que nas políticas sociais direcionadas aos

que estão em situação de extrema pobreza. Enfatizando sua postura, mencionamos

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a fala dos sujeitos da pesquisa relacionadas ao tratamento do Estado segundo a

visão dos usuários:

Eu acho que o Estado vê a gente como as últimas pessoas do mundo que não merece sabe o quê? Um cuidado de pessoa mais humana, sempre vê a gente como bicho, não sei [...]. Que a gente tá ali porque quer, porque quer ser vagabundo [...] (GUILHERME ROCHA, 35 anos).

A partir deste depoimento, percebe-se certa ausência do Estado no que

se refere a um olhar mais humanizado direcionado as políticas públicas, que possam

contribuir para a superação de extrema pobreza da população em situação de rua.

Contudo, sabemos que a organização política é fundamental para reivindicar direitos

que já estão estabelecidos constitucionalmente e que devem ser concretizados.

Em nossas análises, pudemos verificar que o acesso às políticas públicas

nem sempre oportunizam a superação da situação de rua. Contudo, em alguns

casos, estas pessoas conseguem emergir dessa situação com o apoio de entidades

ligadas ao terceiro setor ou com apoio da própria família.

A efetivação das políticas públicas, se não passar pelo conhecimento das

condições socioeconômicas dos usuários, serão meramente ações paliativas que

apenas reproduzem um ciclo de tutela estatal e dependência dos “mínimos sociais”

aos usuários. Portanto, faz-se necessário a realização de pesquisas comprometidas

em conhecer e valorizar as singularidades dos sujeitos de direitos, neste caso, a

população em situação de rua, bem como a capacitação permanente de

profissionais que tenham compromisso ético com os princípios do que estabelece os

marcos legais das políticas de assistência social, como direito de todos e dever do

Estado. Enfatiza-se que é necessária uma articulação tanto do poder público, como

da sociedade civil, com o intuito de sanar as contradições que outrora se

apresentam na concretização da Política Nacional para a População em Situação de

Rua.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer desta breve análise e pesquisa do tema a que nos propomos,

consideramos alguns pontos e achados durante o percurso percorrido que

descrevemos.

Ao adentrarmos no estudo do tema por meio da literatura referente à

formação do fenômeno denominado população em situação de rua, identificamos

que este se constitui como uma expressão da questão social inerente ao

desenvolvimento do sistema capitalista em sua fase industrial. Podemos conhecer

com mais detalhes os fatores condicionantes que lhes levam às ruas, os aspectos

socioeconômicos, culturais e sociais que contribuíram para que estes indivíduos

fossem viver “no meio da rua” ou utilizar-se deste espaço para retirar seu sustento,

e, assim, nos dar elementos para conhecer e entender a conjuntura social que

historicamente estes estão vivendo.

Dessa forma, nos permitiu sair do senso comum, das conclusões

equivocadas ao que se refere à população em situação de rua, pois se conhecemos

detalhadamente a sua formação sócio-histórica, teremos elementos suficientes que

nos permitirá travar uma discussão mais madura e que se aproxime da realidade

dos sujeitos da pesquisa, bem como na busca de efetivação de políticas públicas

que transformem esta realidade, considerando-os sujeitos de sua história e de

direitos.

A história nos mostra que a conquista no marco legal das políticas

públicas não significa imediatamente a sua concretização. Contudo, é necessária a

luta coletiva organizada dos sujeitos sociais para que esta venha a ser efetivada e

não se torne letra morta nas instâncias estatais de caráter público.

Essa efetivação das políticas públicas não acontece somente por

iniciativas dos gestores governamentais. No entanto, é fruto da luta coletiva da

população em situação de rua por meio de sua organização política e de

movimentos sociais que militam junto a esse público, com o intuito de que seus

direitos sejam garantidos na prática.

Foi possível perceber que a população em situação de rua tem sua

própria cultura, ou seja, seu modo específico de viver e de se relacionar.

Um dos objetivos da pesquisa era identificar quais as políticas públicas

existentes em Fortaleza direcionadas à população em situação de rua, bem como

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saber o que estes sujeitos entendem sobre as políticas públicas. Para isso,

realizamos a pesquisa bibliográfica e documental e, posteriormente, a pesquisa de

campo, para dessa forma, alcançar os objetivos propostos. Outro objetivo era

levantar um perfil socioeconômico dos sujeitos entrevistados. Frisamos que todos os

objetivos da pesquisa foram alcançados, abrindo, assim, caminhos para futuras

pesquisas sobre esta temática.

A partir das informações coletadas por meio das entrevistas

semiestruturadas e ao analisarmos a fala dos sujeitos da pesquisa, pudemos

perceber que, embora já havendo uma rede de equipamentos que executam

políticas públicas em consonância ao que estabelece a política PNPSR,

direcionadas a estas pessoas, o serviço ofertado não atende a grande demanda que

cresce a cada dia. Identificamos que boa parte dos entrevistados nesta pesquisa,

total ou parcialmente, desconhece a existência da política nacional e, ao menos

frequentaram ou frequentam os equipamentos que executam a política em

Fortaleza.

De acordo com a Política Nacional para Inclusão Social das Pessoas em

Situação de Rua e com o que ela preconiza que esta deve ser implementada por

meio de adesão dos três entes federados (União, Estado e Município). Isso mostra

que no Estado do Ceará não existe política para a população em situação de rua,

materializada por parte dos três entes federados, no caso do estado do Ceará, essa

política é inexistente.

Em Fortaleza, somente o Município vem executando parte desta política,

e surgiu na gestão passada da antiga Secretaria Municipal de Assistência Social

(SEMAS) que foi extinta em 2013, sendo criada a Secretaria Municipal de Trabalho,

Desenvolvimento Social e Combate à Fome e a Assistência Social (SETRAS), que

continua com alguns serviços. Atualmente, a rede é composta por dois CentrosPop,

a Casa de passagem e o atendimento de abordagem de rua. Em relação ao

levantamento realizado em 2013 pela SETRA, constatou-se que, atualmente, vivem

nas ruas de Fortaleza mais de 4.500 pessoas, enquanto os equipamentos somente

abrigam 140 pessoas, ou seja, tal oferta não responde a crescente demanda.

Atualmente, o Estado vem investindo mais em áreas que são rentáveis

economicamente para o capital, portanto, os recursos destinados a assistência

social são mínimos, sendo insuficientes para atender a demanda dos usuários.

Assistimos em Fortaleza o investimento por parte do Estado em grandes obras

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específicas para o mega evento que é aguardado com grande euforia, a Copa do

Mundo de Futebol, tendo esta cidade como subsede, e dessa forma, a atenção das

políticas públicas são deixadas para último plano. Sabemos que não é nenhum favor

ou benesse do Estado garantir a prática destes direitos historicamente negados a

esta população, mas é antes um dever, como preconiza a Carta Magna de 1988, no

que se refere à garantia e efetivação dos direitos sociais. Nesse sentido, podemos

perceber que a cidade de Fortaleza anda muito distante no que diz e preconiza a

Política Nacional para a População em Situação de Rua.

Podemos constatar que não se estrutura política para a população em

situação de rua só em uma secretaria, falta compromisso por parte das demais

secretarias na implementação de políticas públicas para esse segmento.

Podemos concluir a partir das falas dos entrevistados, que há aqueles

que estão em situação de rua, e assim se declaram, e outros que se consideram

moradores de rua. Dessa forma, percebemos a relação da teoria com a prática que

escrevemos anteriormente neste trabalho. Contudo, afirmamos que o tempo de

apenas cinco meses para a elaboração da pesquisa foi pouco para amadurecer o

pensamento referente a alguns conceitos aplicados a partir de autores que tratam

deste tema. Consideramos que este trabalho foi, apenas, uma parte do que

posteriormente pode ser aprofundado, analisando-se outros fatores referentes a esta

crescente população em situação de rua.

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REFERÊNCIAS

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BRASIL. Lei 7.053/2009, de 23 de dezembro de 2009. Institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu comitê intersetorial de acompanhamento e monitoramento. Brasília, 2009. ______. Lei Orgânica da Assistência Social - PNAS/2004. Norma Operacional Básica - NOB/SUAS. Brasília, 2004. ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Caderno de orientações técnicas: Centro de Referência Especializado para a População em Situação de Rua - Centro Pop. SUAS e a população em situação de rua. v. 3. Brasília, 2011b. ______. Política Nacional para Inclusão Social da População em Situação de Rua. Brasília, 2008. Disponível em: <http://www.recife.pe.gov.br/noticias/arquivos/2297.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2013. BURSZTYN, Marcel (org.) No meio da rua: nômades, excluídos e viradores. 2. ed. São Paulo: Editora Garamond, 2003. CARVALHO, José Murilo de. Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. CNBB. A missão da pastoral social. Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Brasília: Ed. CNBB, 2008. COSTA, Ana Paula Motta. População em situação de rua: contextualização e caracterização. In: Revista Virtual Textos & Contextos. n. 4. ano IV. Porto Alegre, dez. 2005. CUNHA, Maria Aurineida. A cidade e a questão social no capitalismo: em cena, Fortaleza, a Miami do Nordeste. In: Revista de Políticas Públicas. v. 12. n. 2. São Luís, jul./dez. 2008. ______, Maria Aurineida. Em Jogo a Cidade de Fortaleza e o espetáculo da Copa do Mundo de 2014. Artigo apresentado no 14º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, no período de 14 a 18 de outubro de 2013, em Águas de Lindoia, São Paulo. FALEIROS, Vicente de Paula. A Política Social do Estado Capitalista. São Paulo: Ed. Cortez, 2000. FARIAS, Airton de. Historia do Ceará: da pré-história ao governo Cid Gomes. Fortaleza: Ed. Livro técnico, 2007. FELIX, Tatiana. População de Rua de Fortaleza (CE) reivindica acesso à moradia. Disponível em: <http://www.adital.com.br/site/noticia_imp.asp?lang=PT&img=N&cod=47036>. Acesso em: 2 jan. 2014.

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NEVES, Frederico de Castro. A Seca na História do Ceará. In: SOUZA, Simone (org) Uma nova história do Ceará. 4. Ed. Fortaleza: Ed. Demócrito Rocha, 2007. p. 77-102. PEREIRA, Potyara Amazoneida P. A questão Social e as transformações das politicas sociais: resposta do estado e da sociedade civil. Palestra proferida no IX Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais realizado no período de 20 a 24 de julho de 1998. PEREIRA, Potyara Amazoneida P. Discussões conceituais sobre política social como política pública e direito de cidadania. In: BOSCHETTI, Ivanete et al. Política social no capitalismo: tendências contemporâneas. 2. ed. São Paulo: Ed. Cortez, 2009. PIERSON, C. Beyond the Welfare State? Cambridge: Polity Press, 1991. PINHEIRO, Karisa. Bases teóricas gerais sobre urbanização no Brasil. In: Revista de desenvolvimento econômico. n. 15. São Paulo, jan. 2007. SÁNCHEZ, Fernanda. A reinvenção das cidades para um mercado mundial. Chapecó: Ed. Argos, 2003. SILVA, Maria Lúcia Lopes da. Trabalho e População em Situação de Rua no Brasil. São Paulo: Ed. Cortez. 2009 SIMÕES JUNIOR, José Geraldo. Moradores de rua. São Paulo: ed. Polis. 1992. SOARES, Raquel Cavalcante. Mundialização do capital e a contrarreforma do estado brasileiro: o importante papel ideo-político do Banco Mundial. III Jornada Internacional de políticas públicas. São Luís, 28 a 30 de ago. de 2007. SOUZA, Fátima Valéria Ferreira de. A política de assistência social: começando o debate. In: REZENDE, llma; CAVALCANTI, Ludmila Fontenele. Serviço social e políticas sociais. 3. ed. Rio de janeiro: Ed. UFRJ. 2009. PASTORAL DO POVO DA RUA. Vida e Missão: Pastoral do povo da rua. São Paulo: Ed. Loyola, 2003. VIEIRA, M. da C.; BEZERRA, E. M. R.; ROSA, C. M. M. (Orgs.). População de rua: quem é? Como vive? Como é vista? São Paulo: Hucitec, 1994.

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ANEXOS

ANEXO A – Roteiro de entrevista semiestruturada.

ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA

Entrevista nº: ____ Data: ___/___/___ Duração:______

Nome do entrevistado: ____________________________________

1. Dados Pessoais

1) Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino

2) Estado civil: ( ) Solteiro ( ) Casado

3) Raça: ( ) Negro ( ) Pardo ( ) Branco ( ) Moreno ( ) Amarelo

4) Escolaridade:__________________________________

5) Idade: _______________________________________

6) Naturalidade: __________________________________

7) Profissão:_____________________________________

8) Você tem filhos? Quantos?________________________

9) Orientação sexual?______________________________

2. Sobre a Situação de Rua

1) Há quanto tempo você vive na rua?___________ E por quais motivos?

2) Você se considera morador de rua? Ou está em situação de rua?

3) Como é a vivência na rua? Há dificuldades?

3. Sobre as Políticas Públicas

1) Você conhece a Política Nacional para População em Situação de Rua?

2) O que são políticas públicas para você?(Ex: saúde, habitação, educação).

Quais você acessa?

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3) Você frequenta algum espaço de instituições públicas, para a população em

situação de rua em Fortaleza? Quais?

4) Os serviços ofertados atendem as necessidades da população de rua? Por

quê?

5) Você recebe algum benefício do governo? Quais?

4. Questão Social

1) Como o Estado lhe vê? Qual o tratamento dado à população em situação de

rua?

2) Como a sociedade lhe vê? E como lhe trata?

3) Como você percebe as políticas públicas oferecidas pelo município de

Fortaleza?

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TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Convidamos o (a) Sr (a) para participar da Pesquisa “Pessoas em situação de

rua: a ótica do usuário sobre as políticas publicas”, sob execução dos (as)

pesquisador (as) Maria Elaene Rodrigues Alves e Alfredo Monteiro de Sousa

(responsável) e (participante), a qual pretende identificar o que pensam os moradores

de rua acolhidos pela Casa do Povo da Rua Dom Luciano Mendes, sobre as políticas

públicas voltadas para esse seguimento em Fortaleza.

Sua participação é voluntária e se dará por meio de entrevista, que consiste em

respostas as perguntas apresentadas ao Sr(a). Pelo pesquisador. A entrevista será

realizada Na casa do povo da Rua Dom Luciano Mendes, com duração aproximada de

30 dias, no dia previamente marcado, de acordo com a sua disponibilidade. Os

depoimentos desta entrevista serão gravados com seu consentimento.

Não há riscos decorrentes da sua participação e o(a) Sr.(a) possui a liberdade

de retirar sua permissão a qualquer momento, seja antes ou depois da coleta dos

dados, independente do motivo e sem nenhum prejuízo a sua pessoa e nem ao seu

atendimento ou trabalho na Instituição.

Se o (a) Sr (a) aceitar participar, estará contribuindo para análise de como as

pessoas em situação de rua percebem o acesso, garantia e concretização dos direitos

sociais e se estes atendem as suas necessidades.

Ressaltamos que tem o direito de ser mantido (a) atualizado (a) sobre os

resultados parciais da pesquisa. Esclarecemos que, ao concluir a pesquisa, serão

comunicado os resultados finais.

Não há despesas pessoais para o (a) participante em qualquer fase do estudo.

Também não há compensação financeira relacionada à sua participação. Se existir

qualquer despesa adicional, ela será paga pelo orçamento da pesquisa.

Os pesquisadores assumem o compromisso de utilizar os dados somente para

esta pesquisa. Os resultados da pesquisa serão analisados e publicados, mas sua

identidade não será divulgada, sendo guardada em sigilo.

Em qualquer etapa do estudo, poderá contatar os pesquisadores para o

esclarecimento de dúvidas ou para retirar o consentimento de utilização dos dados

coletados com a entrevista: Maria Elaene Rodrigues Alves, fone: número; e Alfredo

Monteiro de Sousa, pelo fone: 3225-0641.

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Caso tenha alguma consideração ou dúvida sobre a ética da pesquisa, também

pode entrar em contato com cite qual a Instituição endereço e o e-mail.

Faculdade Cearense

Localizada na Avenida João Pessoa, nº3884.

Bairro: Damas

Cep: 60425-682

Fone: 3201-7000

Consentimento Pós–Informação

Eu,___________________________________________________________,fui

informado sobre o que o pesquisador quer fazer e porque precisa da minha

colaboração, e entendi a explicação. Por isso, eu concordo em participar do projeto,

sabendo que não vou ganhar nada e que posso sair quando quiser. Este documento é

emitido em duas vias que serão ambas assinadas por mim e pelo pesquisador, ficando

uma via com cada um de nós.

________________________________________ Data: ___/ ___/ ____

Assinatura do Participante

________________________________________

Assinatura do Pesquisador Responsável