Cecília Meirelesoutorga.com.br/pdf/Livro_38_Cecília_Meireles.pdfCecília Meireles Pesquisa: Luiz...
Transcript of Cecília Meirelesoutorga.com.br/pdf/Livro_38_Cecília_Meireles.pdfCecília Meireles Pesquisa: Luiz...
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 1 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Ceciacutelia Meireles
Origem Wikipeacutedia a enciclopeacutedia livre
07111901 ndash RJ + 09111964 ndash RJ - (63 anos)
Nome completo Ceciacutelia Benevides de Carvalho Meireles
Nacionalidade brasileira
Parentesco Carlos Alberto de Carvalho e Meireles e Matilde Benevides
Cocircnjuge Fernando Correia Dias (1922-1935) e Heitor Grillo (1940-1972)
Filhas Maria Elvira Meireles Maria Matilde Meireles e Maria Fernanda Meireles Correia Dias
Ocupaccedilatildeo Poetisa jornalista professora de Literatura
Principais trabalhos Ou Isso ou Aquilo Romanceiro da Inconfidecircncia
Escolatradiccedilatildeo Modernismo Simbolismo - Movimento esteacutetico
Ceciacutelia Benevides de Carvalho Meireles[1]
Foi uma poetisa pintora professora e jornalista
brasileira Eacute considerada uma das vozes liacutericas mais importantes das literaturas de liacutengua
portuguesa
Iacutendice
1 Biografia
2 Homenagens
3 Obras
4 Outros textos
5 Referecircncias
6 Bibliografia
7 Ligaccedilotildees externas
Biografia
Oacuterfatilde de pai e de matildee Ceciacutelia foi criada por sua avoacute accediloriana D Jacinta Garcia Benevides natural
da ilha de Satildeo Miguel Aos nove anos ela comeccedilou a escrever poesia
Frequentou a Escola Normal no Rio de Janeiro entre os anos de 1913 e 1916 e estudou liacutenguas
literatura muacutesica folclore e teoria educacional
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 2 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Em 1919 aos dezoito anos de idade Ceciacutelia Meireles publicou seu primeiro livro de poesias
Espectros um conjunto de sonetos simbolistas Embora vivesse sob a influecircncia do Modernismo
apresentava ainda em sua obra heranccedilas do Simbolismo e teacutecnicas do Classicismo Gongorismo
Romantismo Parnasianismo Realismo e Surrealismo razatildeo pela qual a sua poesia eacute considerada
atemporal
No ano de 1922 casou com o artista plaacutestico portuguecircs Fernando Correia Dias com quem teve
trecircs filhas Seu marido que sofria de depressatildeo aguda suicidou-se em 1935
Voltou a se casar no ano de 1940 quando se uniu ao professor e engenheiro agrocircnomo Heitor
Viniacutecius da Silveira Grilo falecido em 1972 Dentre as trecircs filhas que teve a mais conhecida eacute
Maria Fernanda que se tornou atriz de sucesso
Teve ainda importante atuaccedilatildeo como jornalista com publicaccedilotildees diaacuterias sobre problemas na
educaccedilatildeo aacuterea agrave qual se manteve ligada tendo fundado em 1934 a primeira biblioteca infantil
do Brasil
Observa-se ainda seu amplo reconhecimento na poesia infantil com textos como Leilatildeo de Jardim
O Cavalinho Branco Colar de Carolina O mosquito escreve Sonhos da menina O menino azul
e A pombinha da mata entre outros
Com eles traz para a poesia infantil a musicalidade caracteriacutestica de sua poesia explorando versos
regulares a combinaccedilatildeo de diferentes metros o verso livre a aliteraccedilatildeo a assonacircncia e a rima Os
poemas infantis natildeo ficam restritos agrave leitura infantil permitindo diferentes niacuteveis de leitura
Em 1923 publicou Nunca Maishellip e Poema dos Poemas e
Em 1925 Baladas Para El-Rei Apoacutes longo periacuteodo
Em 1939 publicou Viagem livro com o qual ganhou o Precircmio de Poesia da Academia Brasileira de
LetrasCatoacutelica escreveu textos em homenagem a santos como Pequeno Oratoacuterio de Santa Clara
de 1955 O Romance de Santa Ceciacutelia e outros
Em 1951 viajou pela Europa Iacutendia e Goa e visitou pela primeira e uacutenica vez os Accedilores onde na
ilha de Satildeo Miguel contatou o poeta Armando Ceacutesar Cocircrtes-Rodrigues amigo e correspondente
desde a deacutecada de 1940[2]
Homenagens
Preacutemio Machado de Assis (1965)
Soacutecia honoraacuteria do Real Gabinete Portuguecircs de Leitura
Soacutecia honoraacuteria do Instituto Vasco da Gama (Goa)
Doutora honoris causa pela Universidade de Delhi (Iacutendia)
Oficial da Ordem do Meacuterito (Chile)
Nos Accedilores de onde eram oriundos os seus pais[3]
o nome de Ceciacutelia Meireles foi dado agrave escola
baacutesica da freguesia de Fajatilde de Cima concelho de Ponta Delgada terra de sua avoacute-materna Jacinta
Garcia Benevides
Apoacutes sua morte recebeu como homenagem a impressatildeo de uma ceacutedula de cem cruzados novos
Esta ceacutedula com a efiacutegie de Ceciacutelia Meireles lanccedilada pelo Banco Central do Brasil no Rio de
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 3 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Janeiro (RJ) em 1989 seria mudada para cem cruzeiros quando da troca da moeda pelo governo de
Fernando Collor[4]
[5]
Obras
Ceciacutelia Meireles em Lisboa Desenho de seu primeiro marido Fernando Correia Dias
Espectros 1919
Crianccedila meu amor 1923
Nunca mais 1923
Poema dos Poemas 1923
Baladas para El-Rei 1925
Saudaccedilatildeo agrave menina de Portugal 1930
Batuque samba e Macumba 1933
O Espiacuterito Vitorioso 1935
A Festa das Letras 1937
Viagem 1939
Vaga Muacutesica 1942
Poetas Novos de Portugal 1944
Mar Absoluto 1945
Rute e Alberto 1945
Rui mdash Pequena Histoacuteria de uma Grande Vida 1948
Retrato Natural 1949
Problemas de Literatura Infantil 1950
Amor em Leonoreta 1952
Doze Noturnos de Holanda e o Aeronauta 1952
Romanceiro da Inconfidecircncia 1953
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 4 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Poemas Escritos na Iacutendia 1953
Batuque 1953
Pequeno Oratoacuterio de Santa Clara 1955
Pistoia Cemiteacuterio Militar Brasileiro 1955
Panorama Folcloacuterico de Accedilores 1955
Canccedilotildees 1956
Giroflecirc Giroflaacute 1956
Romance de Santa Ceciacutelia 1957
A Biacuteblia na Literatura Brasileira 1957
A Rosa 1957
Obra Poeacutetica1958
Metal Rosicler 1960
Poemas de Israel 1963
Antologia Poeacutetica 1963
Solombra 1963
Ou Isto ou Aquilo 1964
Escolha o Seu Sonho 1964
Crocircnica Trovada da Cidade de San Sebastian do Rio de Janeiro 1965
O Menino Atrasado 1966
Poeacutesie (versatildeo francesa) 1967
Antologia Poeacutetica 1968
Poemas Italianos 1968
Poesias (Ou isto ou aquiloamp ineacuteditos) 1969
Flor de Poemas 1972
Poesias Completas 1973
Elegias 1974
Flores e Canccedilotildees 1979
Poesia Completa 1994
Obra em Prosa - 6 Volumes - Rio de Janeiro 1998
Canccedilatildeo da Tarde no Campo 2001
Poesia Completa ediccedilatildeo do centenaacuterio 2001 2 vols (Org Antonio Carlos Secchin Rio de
Janeiro Nova Fronteira)
Crocircnicas de educaccedilatildeo 2001 5 vols (Org Leodegaacuterio A de Azevedo Filho Rio de Janeiro
Nova Fronteira)
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 5 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Episoacutedio Humano 2007
Uma obra bastante particular e pouco conhecida de Ceciacutelia Meireles eacute o infanto-juvenil
Olhinhos de Gato Baseado na vida de Ceciacutelia conta sua infacircncia depois que perdeu sua matildee
Matilde Benevides Meireles e como foi criada por sua avoacute D Jacinta Garcia Benevides
(Boquinha de Doce no livro)
Ceciacutelia foi uma das maiores poetisas do Brasil Raimundo Fagner gravou vaacuterias muacutesicas tendo seus
poemas como base A exemplo de Canteiros Motivo e tantos outros
Outros textos
1947 - Estreia Auto do Menino Atrasado direccedilatildeo de Olga Obry e Martim Gonccedilalves
muacutesica de Luiacutes Cosme marionetes fantoches e sombras feitos pelos alunos do curso de
teatro de bonecos
19561964 - Gravaccedilatildeo de poemas por Margarida Lopes de Almeida Jograis de Satildeo
Paulo e pela autora (Rio de Janeiro - Brasil)
1965 - Gravaccedilatildeo de poemas pelo professor Cassiano Nunes (New York - USA)
1972 - Lanccedilamento do filme Os inconfidentes direccedilatildeo de Joaquim Pedro de Andrade
argumento baseado em trechos de O Romanceiro da Inconfidecircncia
Referecircncias
1 uarr Na ortografia vigente agrave eacutepoca de seu nascimento seu nome era grafado Cecilia Benevides
de Carvalho Meirelles
2 uarr GOUVEIA 2001187
3 uarr GOUVEIA 2001187
4 uarr httpwwwreleiturascomcmeireles_bioasp
5 uarrhttpwwwbbcombrportalbbpage3870387151016bbcodigoMenu=4686ampcodigoN
oticia=5549ampcodigoRet=4696ampbread=7
Bibliografia
GOUVEIA Margarida Maia Ceciacutelia Meireles um percurso de espiritualidade in
Atlacircntida vol XLVI 2001 p 187-194
Ligaccedilotildees externas
O Wikiquote possui citaccedilotildees de ou sobre Ceciacutelia Meireles
Biografia e poemas de Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles in Projeto Releitura
Ceciacutelia Meireles in Secrelnet
Ceciacutelia Meireles in Pegasos (em inglecircs)
Poemas de Amor - Poemas de Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 6 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 7 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
CECILIA MEIRELES GUILHERME DE ALMEIDA
POESIAS - VOLUME 9
GRAVADORA FESTA - LPP ndash 009 - 10 POLEGADAS
LADO A -CECILIA MEIRELES
1 ndash APRESENTACcedilAtildeO
02 - RETRATO
03 - ELEGIA A UMA PEQUENA BORBOLETA
04 - GUITARRA
05 - CAVALO MORTO
06 - BALADA DAS DEZ BAILARINAS DO CASSINO
07 - ROMANCE DA BANDEIRA DA INCONFIDEcircNCIA
08- CONTINUACcedilAtildeO
LADO B GUILHERME DE ALMEIDA]
01 - CARTA A MINHA NOIVA
CAPA E DISCO EM BOM ESTADO
Cecilia Meireles Guilherme De Almeida - Poesias-10 Polegadas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 8 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
01 Apresentaccedilatildeo - (in Retrato Natural)
Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II
Aqui estaacute minha vida mdash esta areia tatildeo clara
com desenhos de andar dedicados ao vento
Aqui estaacute minha voz mdash esta concha vazia
sombra de som curtindo o seu proacuteprio
lamento
Aqui estaacute minha dor mdash este coral quebrado
sobrevivendo ao seu pateacutetico momento
Aqui estaacute minha heranccedila mdash este mar solitaacuterio
que de um lado era amor e do outro
esquecimento
Translation in English Presentation
Here is my life - this sand so clear
with drawings of floor dedicated to the wind
Here is my voice - this empty shell
Sound enjoying the shade of your own regret
Here is my pain - this coral broken
surviving its pathetic moment
Here is my heritage - this lonely sea
that on one side was love and the other
forgetting
Cecilia Meireles in Natural Portrait
Traduction en Franccedilais Preacutesentation
preacutesentation
Voici ma vie - ce sable si clair
avec des dessins de sol deacutedieacute au vent
Voici ma voix - cette coquille vide
Son profite de lombre de votre grand regret
Voici ma douleur - ce corail briseacute
survivant son moment patheacutetique
Voici mon patrimoine - cette mer solitaire
que dun cocircteacute lamour et lautre loubli
Cecilia Meireles dans laquoPortrait naturelraquo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 9 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
02 Retrato
Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Paulo Autran I Paulo Autran II
Eu natildeo tinha este rosto de hoje
assim calmo assim triste assim magro
nem estes olhos tatildeo vazios nem o laacutebio amargo
Eu natildeo tinha estas matildeos sem forccedila
tatildeo paradas e frias e mortas
eu natildeo tinha este coraccedilatildeo que nem se mostra
Eu natildeo dei por esta mudanccedila
tatildeo simples tatildeo certa tatildeo faacutecil
Em que espelho ficou perdida a minha face
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 10 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
03 - Elegia a uma pequena borboleta - ( In Retrato natural )
Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Ceciacutelia Meireles III
Como chegavas do casulo
mdash inacabada seda viva mdash
tuas antenas mdash fios soltos
da trama de que eras tecida
e teus olhos dois gratildeos da noite
de onde o teu misteacuterio surgia
Como caiacuteste sobre o mundo
inaacutebil na manhatilde tatildeo clara
sem matildee sem guia sem conselho
e rolavas por uma escada
como papel penugem poeira
com mais sonho e silecircncio que asas
minha matildeo tosca te agarrou
com uma dura inocente culpa
e eacute cinza de lua teu corpo
meus dedos sua sepultura
Jaacute desfeita e ainda palpitante
expiras sem noccedilatildeo nenhuma
Oacute bordado do veacuteu do dia
transparente anecircmona aeacuterea
natildeo leves meu rosto contigo
leva o pranto que te celebra
no olho precaacuterio em que te acabas
meu remorso ajoelhado leva
Choro a tua forma violada
miraculosa alva divina
criatura de poacutelen de aragem
diaacutefana peacutetala da vida
Choro ter pesado em teu corpo
que no estame natildeo pesaria
Choro esta humana insuficiecircncia
mdash a confusatildeo dos nossos olhos
mdash o selvagem peso do gesto
mdash cegueira mdash ignoracircncia mdash remotos
instintos suacutebitos mdash violecircncias
que o sonho e a graccedila prostram mortos
Pudesse a eteacutereos paraiacutesos
ascender teu leve fantasma
e meu coraccedilatildeo penitente
ser a rosa desabrochada
para servir-te mel e aroma
por toda a eternidade escrava
E as laacutegrimas que por ti choro
fossem o orvalho desses campos
mdash os espelhos que refletissem
mdash vocirco e silecircncio mdash os teus encantos
com a ternura humilde e o remorso
dos meus desacertos humanos
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 11 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
04 ndash Guitarra (Punhal de Prata)
Ceciacutelia Meireles
Guitarra barroca Guitarra
Punhal de prata jaacute eras
punhal de prata
Nem foste tu que fizeste a minha matildeo insensata
Vi-te brilhar entre as pedras
punhal de prata
No cabo flores abertas
no gume a medida exata
exata
a medida certa
punhal de prata
para atravessar-me o peito
com uma letra e uma data
A maior pena que eu tenho
punhal de prata natildeo eacute de me ver morrendo
mas de saber quem me mata
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 12 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
05 Cavalo Morto
Ceciacutelia Meireles
O cavalo morto
Vi a neacutevoa da madrugada
deslizar seus gestos de prata
mover densidades de opala
naquele poacutertico de sono
Na fronteira havia um cavalo morto
Gratildeos de cristal rolavam pelo
seu flanco niacutetido e algum vento
torcia-lhes as crinas pequeno
leve arabesco triste adorno
- e movia a cauda ao cavalo morto
As estrelas ainda viviam
e ainda natildeo eram nascidas
ah as flores daquele dia
- mas era um canteiro o seu corpo
Um jardim de liacuterios o cavalo morto
Muitos viajantes contemplaram
a fluida muacutesica a orvalhada
das grandes moscas de esmeralda
chegando em rumoroso jorro
Adernava triste o cavalo morto
E viam-se uns cavalos vivos
altos como esbeltos navios
galopando nos ares finos
com felizes perfis de sonho
Branco e verde via-se o cavalo morto
no campo enorme e sem recurso
- e devagar girava o mundo
entre as suas pestanas turvo
como em luas de espelho roxo
Dava sol nos dentes do cavalo morto
Mas todos tinham muita pressa
e natildeo sentiram como a terra
procurava de leacutegua em leacutegua
o aacutegil o imenso o eteacutereo sopro
que faltava agravequele arcabouccedilo
Tatildeo pesado o peito do cavalo morto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 13 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Ceciacutelia Meireles eacute um pouco como Guimaratildees Rosa uma grande artista brasileira que precisa ser
resgatada de um equiacutevoco criacutetico que vai se repetindo em um eco meio irrefletido e acaba tornando
algo aparente e claro em um misteacuterio que ningueacutem vecirc
O poema Cavalo Morto eacute exemplo de que Ceciacutelia natildeo eacute essa passadista meio morna que os manuais
escolares de literatura querem projetar
O cavalo desse contundente poema faz companhia na minha imaginaccedilatildeo ao cavalo morto de um
romance de Faulkner [As I Lay Dying] aos cavalos mortos do filme de Buntildeuel amp Daliacute [Le chien
andalou] e ao terriacutevel genociacutedio equumlino de Grande Sertatildeo Veredas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 14 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
06 Balada das dez bailarinas do Cassino
Ceciacutelia Meireles
Balada das Dez Bailarinas do Cassino
Dez bailarinas deslizam
por um chatildeo de espelho
Tecircm corpos egiacutepcios com placas douradas
paacutelpebras azuis e dedos vermelhos
Levantam veacuteus brancos de ingecircnuos aromas
e dobram amarelos joelhos
Andam as dez bailarinas
sem voz em redor das mesas
Haacute matildeos sobre facas dentes sobre flores
e com os charutos toldam as luzes acesas
Entre a muacutesica e a danccedila escorre
uma sedosa escada de vileza
As dez bailarinas avanccedilam
como gafanhotos perdidos
Avanccedilam recuam na sala compacta
empurrando olhares e arranhando o ruiacutedo
Tatildeo nuas se sentem que jaacute vatildeo cobertas
de imaginaacuterios chorosos vestidos
A dez bailarinas escondem
nos ciacutelios verdes as pupilas
Em seus quadris fosforescentes
passa uma faixa de morte tranquumlila
Como quem leva para a terra um filho morto
levam seu proacuteprio corpo que baila e cintila
Os homens gordos olham com um teacutedio
enorme
as dez bailarinas tatildeo frias
Pobres serpentes sem luxuacuteria
que satildeo crianccedilas durante o dia
Dez anjos anecircmicos de axilas profundas
embalsamados de melancolia
Vatildeo perpassando como dez muacutemias
as bailarinas fatigadas
Ramo de nardos inclinando flores
azuis brancas verdes douradas
Dez matildees chorariam se vissem
as bailarinas de matildeos dadas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 15 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
07 ndash Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidecircncia
Ceciacutelia Meireles
Atraveacutes de grossas portas
sentem-se luzes acesas
mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas
dentro das casas fronteiras
olhos colados aos vidros
mulheres e homens agrave espreita
caras disformes de insocircnia
vigiando as accedilotildees alheias
Pelas gretas das janelas
pelas frestas das esteiras
agudas setas at iram
a inveja e a maledicecircncia
Palavras conjeturadas
oscilam no ar de surpresas
como peludas aranhas
na gosma das teias densas
raacutepidas e envenenadas
engenhosas sorrateiras
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
brilham fardas e casacas
junto com bat inas pretas
E haacute finas matildeos pensat ivas
entre galotildees sedas rendas
e haacute grossas matildeos vigorosas
de unhas fortes duras veias
e haacute matildeos de puacutelpito e altares
de Evangelhos cruzes becircnccedilatildeos
Uns satildeo reinoacuteis uns mazombos
e pensam de mil maneiras
mas citam Vergiacutelio e Horaacutecio
e refletem e argumentam
falam de minas e impostos
de lavras e de fazendas
de ministros e rainhas
e das colocircnias inglesas
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
uns sugerem uns recusam
uns ouvem uns aconselham
Se a derrama for lanccedilada
haacute levante com certeza
Corre-se por essas ruas
Corta-se alguma cabeccedila
Do cimo de alguma escada
profere-se alguma arenga
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Que bandeira se desdobra
Com que figura ou legenda
Coisas da Maccedilonaria
do Paganismo ou da Igreja
A Santiacutessima Trindade
Um gecircnio a quebrar algemas
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
entre sigilo e espionagem
acontece a Inconfidecircncia
E diz o Vigaacuterio ao Poeta
Escreva-me aquela letra
do versinho de Vergiacutelio
E daacute-lhe o papel e a pena
E diz o Poeta ao Vigaacuterio
com dramaacutetica prudecircncia
Tenha meus dedos cortados
antes que tal verso escrevam
LIBERDADE AINDA QUE TARDE
ouve-se em redor da mesa
E a bandeira jaacute estaacute viva
e sobe na noite imensa
E os seus tristes inventores
jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram
a falar em Liberdade
(que ningueacutem sabe o que seja)
Atraveacutes de grossas portas
sentem-se luzes acesas
mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas
dentro das casas fronteiras
Que estatildeo fazendo tatildeo tarde
Que escrevem conversam pensam
Mostram livros proibidos
Lecircem notiacutecias nas Gazetas
Teratildeo recebido cartas
de potecircncias estrangeiras
(Antiguidades de Nimes
em Vila Rica suspensas
Cavalo de La Fayette
saltando vastas fronteiras
Oacute vitoacuterias festas flores
das lutas da Independecircncia
Liberdade - essa palavra
que o sonho humano alimenta
que natildeo haacute ningueacutem que explique
e ningueacutem que natildeo entenda)
E a vizinhanccedila natildeo dorme
murmura imagina inventa
Natildeo fica bandeira escrita
mas fica escrita a sentenccedila
Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de
Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de
idade
O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto
naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo
usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era
muito real
Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes
maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda
definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute
ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
08 ndash Continuaccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre
inteira
Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que
explique e ningueacutem que natildeo entenda
Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas
que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente
aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Canteiros
Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner
Quando penso em vocecirc
Fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa
Menos a felicidade
Correm os meus dedos longos
Em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego
Jaacute me daacute contentamento
Pode ser ateacute manhatilde
Sendo claro feito o dia
Mas nada do que me dizem me faz sentir
alegria
(Refratildeo 2X)
Eu soacute queria ter do mato
Um gosto de framboesa
Pra correr entre os canteiros
E esconder minha tristeza
E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza
E deixemos de coisa cuidemos da vida
Pois se natildeo chega a morte
Ou coisa parecida
E nos arrasta moccedilo
Sem ter visto a vida
Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho
Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho
Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol
Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol
Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo
Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Poemas de Ceciacutelia Meireles
Nem tudo eacute faacutecil
Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute
faacutecil fazer triste
Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil
natildeo dizer nada
Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute
faacutecil perdecirc-lo para sempre
Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim
como eacute faacutecil viver mais um dia
Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom
assim como eacute faacutecil fechar os olhos e
atravessar a rua
Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim
como eacute faacutecil achar que sempre falta algo
Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute
faacutecil fazer chorar
Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim
como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute
faacutecil ser perdoado
Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o
Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil
se arrepender
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil
encontrar
algueacutem que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse
que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute
faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza
nada eacute impossiacutevel
Precisamos acreditar ter feacute e lutar
para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem
tornemos todos esses desejos
realidade
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
O Amor
Ceciacutelia Meireles
Eacute difiacutecil para os indecisos
Eacute assustador para os medrosos
Avassalador para os apaixonados
Mas os vencedores no amor satildeo os fortes
Os que sabem o que querem e querem o que tecircm
Sonhar um sonho a dois
e nunca desistir da busca de ser feliz
eacute para poucos
eu sou uma desses poucos
amo avassaladoramente
O AMOR DAS MINHAS VIDAS
Ceciacutelia Meireles
Basta-me um pequeno gesto
feito de longe e de leve
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
LUA ADVERSA
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Fases que vatildeo e vecircm
no secreto calendaacuterio
que um astroacutelogo arbitraacuterio
inventou para meu uso
E roda a melancolia
seu interminaacutevel fuso
Natildeo me encontro com ningueacutem
(tenho fases como a lua)
No dia de algueacutem ser meu
natildeo eacute dia de eu ser sua
E quando chega esse dia
o outro desapareceu
Ceciacutelia Meireles
Despedida
Por mim e por voacutes e por mais aquilo
que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo
deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo
quero solidatildeo
Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens
E como o conheces - me perguntaratildeo
- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens
Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo
Que procuras Tudo Que desejas - Nada
Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Natildeo ando perdida mas desencontrada
Levo o meu rumo na minha matildeo
A memoacuteria voou da minha fronte
Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo
Talvez eu morra antes do horizonte
Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo
Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra
(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo
Estandarte triste de uma estranha guerra)
Quero solidatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Motivo
Ceciacutelia Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida estaacute completa
Natildeo sou alegre nem sou triste
sou poeta
Irmatildeo das coisas fugidias
natildeo sinto gozo nem tormento
Atravesso noites e dias
no vento
Se desmorono ou se edifico
se permaneccedilo ou me desfaccedilo
mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico
ou passo
Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo
Tem sangue eterno a asa ritmada
E um dia sei que estarei mudo
mdash mais nada
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Serenata
Ceciacutelia Meireles
Permita que eu feche os meus olhos
pois eacute muito longe e tatildeo tarde
Pensei que era apenas demora
e cantando pus-me a esperar-te
Permita que agora emudeccedila
que me conforme em ser sozinha
Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina
Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo
e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo
Ceciacutelia Meireles
E minha alma sem luz nem tenda
passa errante na noite maacute
agrave procura de quem me entenda
e de quem me consolaraacute
Ceciacutelia Meireles
A arte de ser feliz
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco
Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada
e o jardim parecia morto
Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde
e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas
Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse
E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e
meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz
Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor
Outras vezes encontro nuvens espessas
Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola
Pardais que pulam pelo muro
Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais
Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega
Aacutes vezes um galo canta
Agraves vezes um aviatildeo passa
Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino
E eu me sinto completamente feliz
Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas
que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem
outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros
finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
SONETO ANTIGO
Responder a perguntas natildeo respondo
Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto
Soacute do que sei de mim aos outros conto
de mim atravessada pelo mundo
Toda a minha experiecircncia o meu estudo
sou eu mesma que em solidatildeo paciente
recolho do que em mim observo e escuto
muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende
O que sou vale mais do que o meu canto
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisiacuteveis por onde ando
Tudo eacute secreto e de remoto exemplo
Todos ouvimos longe o apelo do Anjo
E todos somos pura flor de vento
Ceciacutelia Meireles
Renova-te
Renasce em ti mesmo
Multiplica os teus olhos para verem mais
Multiplica-se os teus braccedilos para semeares
tudo
Destroacutei os olhos que tiverem visto
Cria outros para as visotildees novas
Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado
Para se esquecerem de colher
Secirc sempre o mesmo
Sempre outro Mas sempre alto
Sempre longe
E dentro de tudo
Ceciacutelia Meireles
Tu tens um medo
Acabar
Natildeo vecircs que acabas todo o dia
Que morres no amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que te renovas todo o dia
No amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que eacutes sempre outro
Que eacutes sempre o mesmo
Que morreraacutes por idades imensas
Ateacute natildeo teres medo de morrer
E entatildeo seraacutes eterno
Ceciacutelia Meireles
Se vocecirc errou
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil perdoar
Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir
Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem
que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas
Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se
Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vida
Mas com certeza nada eacute impossiacutevel
Ceciacutelia Meireles
Natildeo digas onde acaba o dia
Onde comeccedila a noite
Natildeo fales palavras vatildes
As palavras do mundo
Natildeo digas onde comeccedila a Terra
Onde termina o ceacuteu
Natildeo digas ateacute onde eacutes tu
Natildeo digas desde onde eacutes Deus
Natildeo fales palavras vatildes
Desfaze-te da vaidade triste de falar
Pensacompletamente silencioso
Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso
Sem pensar
Ceciacutelia Meireles
Canccedilatildeo do Sonho Acabado
Jaacute tive a rosa do amor
- rubra rosa sem pudor
Cobicei cheirei colhi
Mas ela despetalou
E outra igual nunca mais vi
Jaacute vivi mil aventuras
Me embriaguei de alegria
Mas os risos da ventura
No limiar da loucura
Se tornaram fantasia
Jaacute almejei felicidade
Matildeos dadas fraternidade
Um ideal sem fronteiras
- utopia Voou ligeira
Nas asas da liberdade
Desejei viver Demais
Segurar a juventude
Prender o tempo na matildeo
Plantar o liacuterio da paz
Mas nem mesmo isto eu pude
Tentei poreacutem nada fiz
Muito da vida eu jaacute quis
Jaacute quis mas natildeo quero mais
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Epigrama n 2
Ceciacutelia Meireles
Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade
Custas a vir e quando vens natildeo te demoras
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo
e para te medir se inventaram as horas
Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa
Fizeste para sempre a vida ficar triste
Porque um dia se vecirc que as horas todas passam
e um tempo despovoado e profundo persiste
Ceciacutelia Meireles
Sou entre flor e nuvem
estrela e mar Por que
havemos de ser unicamente
humanos limitados em chorar
Natildeo encontro caminhos faacuteceis
de andar Meu rosto vaacuterio
desorienta as firmes pedras
que natildeo sabem de aacutegua e de ar
Ceciacutelia Meireles
Eacute preciso natildeo esquecer nada
nem a torneira aberta nem o fogo aceso
nem o sorriso para os infelizes
nem a oraccedilatildeo de cada instante
Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta
nem o ceacuteu de sempre
O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso
O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos
a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria
O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos
vigiados pelos proacuteprios olhos
severos conosco pois o resto natildeo nos pertence
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Ceciacutelia Meireles
A bailarina
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Natildeo conhece nem doacute nem reacute
mas sabe ficar na ponta do peacute
Natildeo conhece nem mi nem faacute
Mas inclina o corpo para caacute e para laacute
Natildeo conhece nem laacute nem si
mas fecha os olhos e sorri
Roda roda roda com os bracinhos no ar
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
e natildeo fica tonta nem sai do lugar
Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu
e diz que caiu do ceacuteu
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Mas depois esquece todas as danccedilas
e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 2 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Em 1919 aos dezoito anos de idade Ceciacutelia Meireles publicou seu primeiro livro de poesias
Espectros um conjunto de sonetos simbolistas Embora vivesse sob a influecircncia do Modernismo
apresentava ainda em sua obra heranccedilas do Simbolismo e teacutecnicas do Classicismo Gongorismo
Romantismo Parnasianismo Realismo e Surrealismo razatildeo pela qual a sua poesia eacute considerada
atemporal
No ano de 1922 casou com o artista plaacutestico portuguecircs Fernando Correia Dias com quem teve
trecircs filhas Seu marido que sofria de depressatildeo aguda suicidou-se em 1935
Voltou a se casar no ano de 1940 quando se uniu ao professor e engenheiro agrocircnomo Heitor
Viniacutecius da Silveira Grilo falecido em 1972 Dentre as trecircs filhas que teve a mais conhecida eacute
Maria Fernanda que se tornou atriz de sucesso
Teve ainda importante atuaccedilatildeo como jornalista com publicaccedilotildees diaacuterias sobre problemas na
educaccedilatildeo aacuterea agrave qual se manteve ligada tendo fundado em 1934 a primeira biblioteca infantil
do Brasil
Observa-se ainda seu amplo reconhecimento na poesia infantil com textos como Leilatildeo de Jardim
O Cavalinho Branco Colar de Carolina O mosquito escreve Sonhos da menina O menino azul
e A pombinha da mata entre outros
Com eles traz para a poesia infantil a musicalidade caracteriacutestica de sua poesia explorando versos
regulares a combinaccedilatildeo de diferentes metros o verso livre a aliteraccedilatildeo a assonacircncia e a rima Os
poemas infantis natildeo ficam restritos agrave leitura infantil permitindo diferentes niacuteveis de leitura
Em 1923 publicou Nunca Maishellip e Poema dos Poemas e
Em 1925 Baladas Para El-Rei Apoacutes longo periacuteodo
Em 1939 publicou Viagem livro com o qual ganhou o Precircmio de Poesia da Academia Brasileira de
LetrasCatoacutelica escreveu textos em homenagem a santos como Pequeno Oratoacuterio de Santa Clara
de 1955 O Romance de Santa Ceciacutelia e outros
Em 1951 viajou pela Europa Iacutendia e Goa e visitou pela primeira e uacutenica vez os Accedilores onde na
ilha de Satildeo Miguel contatou o poeta Armando Ceacutesar Cocircrtes-Rodrigues amigo e correspondente
desde a deacutecada de 1940[2]
Homenagens
Preacutemio Machado de Assis (1965)
Soacutecia honoraacuteria do Real Gabinete Portuguecircs de Leitura
Soacutecia honoraacuteria do Instituto Vasco da Gama (Goa)
Doutora honoris causa pela Universidade de Delhi (Iacutendia)
Oficial da Ordem do Meacuterito (Chile)
Nos Accedilores de onde eram oriundos os seus pais[3]
o nome de Ceciacutelia Meireles foi dado agrave escola
baacutesica da freguesia de Fajatilde de Cima concelho de Ponta Delgada terra de sua avoacute-materna Jacinta
Garcia Benevides
Apoacutes sua morte recebeu como homenagem a impressatildeo de uma ceacutedula de cem cruzados novos
Esta ceacutedula com a efiacutegie de Ceciacutelia Meireles lanccedilada pelo Banco Central do Brasil no Rio de
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 3 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Janeiro (RJ) em 1989 seria mudada para cem cruzeiros quando da troca da moeda pelo governo de
Fernando Collor[4]
[5]
Obras
Ceciacutelia Meireles em Lisboa Desenho de seu primeiro marido Fernando Correia Dias
Espectros 1919
Crianccedila meu amor 1923
Nunca mais 1923
Poema dos Poemas 1923
Baladas para El-Rei 1925
Saudaccedilatildeo agrave menina de Portugal 1930
Batuque samba e Macumba 1933
O Espiacuterito Vitorioso 1935
A Festa das Letras 1937
Viagem 1939
Vaga Muacutesica 1942
Poetas Novos de Portugal 1944
Mar Absoluto 1945
Rute e Alberto 1945
Rui mdash Pequena Histoacuteria de uma Grande Vida 1948
Retrato Natural 1949
Problemas de Literatura Infantil 1950
Amor em Leonoreta 1952
Doze Noturnos de Holanda e o Aeronauta 1952
Romanceiro da Inconfidecircncia 1953
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 4 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Poemas Escritos na Iacutendia 1953
Batuque 1953
Pequeno Oratoacuterio de Santa Clara 1955
Pistoia Cemiteacuterio Militar Brasileiro 1955
Panorama Folcloacuterico de Accedilores 1955
Canccedilotildees 1956
Giroflecirc Giroflaacute 1956
Romance de Santa Ceciacutelia 1957
A Biacuteblia na Literatura Brasileira 1957
A Rosa 1957
Obra Poeacutetica1958
Metal Rosicler 1960
Poemas de Israel 1963
Antologia Poeacutetica 1963
Solombra 1963
Ou Isto ou Aquilo 1964
Escolha o Seu Sonho 1964
Crocircnica Trovada da Cidade de San Sebastian do Rio de Janeiro 1965
O Menino Atrasado 1966
Poeacutesie (versatildeo francesa) 1967
Antologia Poeacutetica 1968
Poemas Italianos 1968
Poesias (Ou isto ou aquiloamp ineacuteditos) 1969
Flor de Poemas 1972
Poesias Completas 1973
Elegias 1974
Flores e Canccedilotildees 1979
Poesia Completa 1994
Obra em Prosa - 6 Volumes - Rio de Janeiro 1998
Canccedilatildeo da Tarde no Campo 2001
Poesia Completa ediccedilatildeo do centenaacuterio 2001 2 vols (Org Antonio Carlos Secchin Rio de
Janeiro Nova Fronteira)
Crocircnicas de educaccedilatildeo 2001 5 vols (Org Leodegaacuterio A de Azevedo Filho Rio de Janeiro
Nova Fronteira)
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 5 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Episoacutedio Humano 2007
Uma obra bastante particular e pouco conhecida de Ceciacutelia Meireles eacute o infanto-juvenil
Olhinhos de Gato Baseado na vida de Ceciacutelia conta sua infacircncia depois que perdeu sua matildee
Matilde Benevides Meireles e como foi criada por sua avoacute D Jacinta Garcia Benevides
(Boquinha de Doce no livro)
Ceciacutelia foi uma das maiores poetisas do Brasil Raimundo Fagner gravou vaacuterias muacutesicas tendo seus
poemas como base A exemplo de Canteiros Motivo e tantos outros
Outros textos
1947 - Estreia Auto do Menino Atrasado direccedilatildeo de Olga Obry e Martim Gonccedilalves
muacutesica de Luiacutes Cosme marionetes fantoches e sombras feitos pelos alunos do curso de
teatro de bonecos
19561964 - Gravaccedilatildeo de poemas por Margarida Lopes de Almeida Jograis de Satildeo
Paulo e pela autora (Rio de Janeiro - Brasil)
1965 - Gravaccedilatildeo de poemas pelo professor Cassiano Nunes (New York - USA)
1972 - Lanccedilamento do filme Os inconfidentes direccedilatildeo de Joaquim Pedro de Andrade
argumento baseado em trechos de O Romanceiro da Inconfidecircncia
Referecircncias
1 uarr Na ortografia vigente agrave eacutepoca de seu nascimento seu nome era grafado Cecilia Benevides
de Carvalho Meirelles
2 uarr GOUVEIA 2001187
3 uarr GOUVEIA 2001187
4 uarr httpwwwreleiturascomcmeireles_bioasp
5 uarrhttpwwwbbcombrportalbbpage3870387151016bbcodigoMenu=4686ampcodigoN
oticia=5549ampcodigoRet=4696ampbread=7
Bibliografia
GOUVEIA Margarida Maia Ceciacutelia Meireles um percurso de espiritualidade in
Atlacircntida vol XLVI 2001 p 187-194
Ligaccedilotildees externas
O Wikiquote possui citaccedilotildees de ou sobre Ceciacutelia Meireles
Biografia e poemas de Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles in Projeto Releitura
Ceciacutelia Meireles in Secrelnet
Ceciacutelia Meireles in Pegasos (em inglecircs)
Poemas de Amor - Poemas de Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 6 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 7 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
CECILIA MEIRELES GUILHERME DE ALMEIDA
POESIAS - VOLUME 9
GRAVADORA FESTA - LPP ndash 009 - 10 POLEGADAS
LADO A -CECILIA MEIRELES
1 ndash APRESENTACcedilAtildeO
02 - RETRATO
03 - ELEGIA A UMA PEQUENA BORBOLETA
04 - GUITARRA
05 - CAVALO MORTO
06 - BALADA DAS DEZ BAILARINAS DO CASSINO
07 - ROMANCE DA BANDEIRA DA INCONFIDEcircNCIA
08- CONTINUACcedilAtildeO
LADO B GUILHERME DE ALMEIDA]
01 - CARTA A MINHA NOIVA
CAPA E DISCO EM BOM ESTADO
Cecilia Meireles Guilherme De Almeida - Poesias-10 Polegadas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 8 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
01 Apresentaccedilatildeo - (in Retrato Natural)
Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II
Aqui estaacute minha vida mdash esta areia tatildeo clara
com desenhos de andar dedicados ao vento
Aqui estaacute minha voz mdash esta concha vazia
sombra de som curtindo o seu proacuteprio
lamento
Aqui estaacute minha dor mdash este coral quebrado
sobrevivendo ao seu pateacutetico momento
Aqui estaacute minha heranccedila mdash este mar solitaacuterio
que de um lado era amor e do outro
esquecimento
Translation in English Presentation
Here is my life - this sand so clear
with drawings of floor dedicated to the wind
Here is my voice - this empty shell
Sound enjoying the shade of your own regret
Here is my pain - this coral broken
surviving its pathetic moment
Here is my heritage - this lonely sea
that on one side was love and the other
forgetting
Cecilia Meireles in Natural Portrait
Traduction en Franccedilais Preacutesentation
preacutesentation
Voici ma vie - ce sable si clair
avec des dessins de sol deacutedieacute au vent
Voici ma voix - cette coquille vide
Son profite de lombre de votre grand regret
Voici ma douleur - ce corail briseacute
survivant son moment patheacutetique
Voici mon patrimoine - cette mer solitaire
que dun cocircteacute lamour et lautre loubli
Cecilia Meireles dans laquoPortrait naturelraquo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 9 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
02 Retrato
Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Paulo Autran I Paulo Autran II
Eu natildeo tinha este rosto de hoje
assim calmo assim triste assim magro
nem estes olhos tatildeo vazios nem o laacutebio amargo
Eu natildeo tinha estas matildeos sem forccedila
tatildeo paradas e frias e mortas
eu natildeo tinha este coraccedilatildeo que nem se mostra
Eu natildeo dei por esta mudanccedila
tatildeo simples tatildeo certa tatildeo faacutecil
Em que espelho ficou perdida a minha face
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 10 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
03 - Elegia a uma pequena borboleta - ( In Retrato natural )
Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Ceciacutelia Meireles III
Como chegavas do casulo
mdash inacabada seda viva mdash
tuas antenas mdash fios soltos
da trama de que eras tecida
e teus olhos dois gratildeos da noite
de onde o teu misteacuterio surgia
Como caiacuteste sobre o mundo
inaacutebil na manhatilde tatildeo clara
sem matildee sem guia sem conselho
e rolavas por uma escada
como papel penugem poeira
com mais sonho e silecircncio que asas
minha matildeo tosca te agarrou
com uma dura inocente culpa
e eacute cinza de lua teu corpo
meus dedos sua sepultura
Jaacute desfeita e ainda palpitante
expiras sem noccedilatildeo nenhuma
Oacute bordado do veacuteu do dia
transparente anecircmona aeacuterea
natildeo leves meu rosto contigo
leva o pranto que te celebra
no olho precaacuterio em que te acabas
meu remorso ajoelhado leva
Choro a tua forma violada
miraculosa alva divina
criatura de poacutelen de aragem
diaacutefana peacutetala da vida
Choro ter pesado em teu corpo
que no estame natildeo pesaria
Choro esta humana insuficiecircncia
mdash a confusatildeo dos nossos olhos
mdash o selvagem peso do gesto
mdash cegueira mdash ignoracircncia mdash remotos
instintos suacutebitos mdash violecircncias
que o sonho e a graccedila prostram mortos
Pudesse a eteacutereos paraiacutesos
ascender teu leve fantasma
e meu coraccedilatildeo penitente
ser a rosa desabrochada
para servir-te mel e aroma
por toda a eternidade escrava
E as laacutegrimas que por ti choro
fossem o orvalho desses campos
mdash os espelhos que refletissem
mdash vocirco e silecircncio mdash os teus encantos
com a ternura humilde e o remorso
dos meus desacertos humanos
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 11 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
04 ndash Guitarra (Punhal de Prata)
Ceciacutelia Meireles
Guitarra barroca Guitarra
Punhal de prata jaacute eras
punhal de prata
Nem foste tu que fizeste a minha matildeo insensata
Vi-te brilhar entre as pedras
punhal de prata
No cabo flores abertas
no gume a medida exata
exata
a medida certa
punhal de prata
para atravessar-me o peito
com uma letra e uma data
A maior pena que eu tenho
punhal de prata natildeo eacute de me ver morrendo
mas de saber quem me mata
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 12 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
05 Cavalo Morto
Ceciacutelia Meireles
O cavalo morto
Vi a neacutevoa da madrugada
deslizar seus gestos de prata
mover densidades de opala
naquele poacutertico de sono
Na fronteira havia um cavalo morto
Gratildeos de cristal rolavam pelo
seu flanco niacutetido e algum vento
torcia-lhes as crinas pequeno
leve arabesco triste adorno
- e movia a cauda ao cavalo morto
As estrelas ainda viviam
e ainda natildeo eram nascidas
ah as flores daquele dia
- mas era um canteiro o seu corpo
Um jardim de liacuterios o cavalo morto
Muitos viajantes contemplaram
a fluida muacutesica a orvalhada
das grandes moscas de esmeralda
chegando em rumoroso jorro
Adernava triste o cavalo morto
E viam-se uns cavalos vivos
altos como esbeltos navios
galopando nos ares finos
com felizes perfis de sonho
Branco e verde via-se o cavalo morto
no campo enorme e sem recurso
- e devagar girava o mundo
entre as suas pestanas turvo
como em luas de espelho roxo
Dava sol nos dentes do cavalo morto
Mas todos tinham muita pressa
e natildeo sentiram como a terra
procurava de leacutegua em leacutegua
o aacutegil o imenso o eteacutereo sopro
que faltava agravequele arcabouccedilo
Tatildeo pesado o peito do cavalo morto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 13 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Ceciacutelia Meireles eacute um pouco como Guimaratildees Rosa uma grande artista brasileira que precisa ser
resgatada de um equiacutevoco criacutetico que vai se repetindo em um eco meio irrefletido e acaba tornando
algo aparente e claro em um misteacuterio que ningueacutem vecirc
O poema Cavalo Morto eacute exemplo de que Ceciacutelia natildeo eacute essa passadista meio morna que os manuais
escolares de literatura querem projetar
O cavalo desse contundente poema faz companhia na minha imaginaccedilatildeo ao cavalo morto de um
romance de Faulkner [As I Lay Dying] aos cavalos mortos do filme de Buntildeuel amp Daliacute [Le chien
andalou] e ao terriacutevel genociacutedio equumlino de Grande Sertatildeo Veredas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 14 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
06 Balada das dez bailarinas do Cassino
Ceciacutelia Meireles
Balada das Dez Bailarinas do Cassino
Dez bailarinas deslizam
por um chatildeo de espelho
Tecircm corpos egiacutepcios com placas douradas
paacutelpebras azuis e dedos vermelhos
Levantam veacuteus brancos de ingecircnuos aromas
e dobram amarelos joelhos
Andam as dez bailarinas
sem voz em redor das mesas
Haacute matildeos sobre facas dentes sobre flores
e com os charutos toldam as luzes acesas
Entre a muacutesica e a danccedila escorre
uma sedosa escada de vileza
As dez bailarinas avanccedilam
como gafanhotos perdidos
Avanccedilam recuam na sala compacta
empurrando olhares e arranhando o ruiacutedo
Tatildeo nuas se sentem que jaacute vatildeo cobertas
de imaginaacuterios chorosos vestidos
A dez bailarinas escondem
nos ciacutelios verdes as pupilas
Em seus quadris fosforescentes
passa uma faixa de morte tranquumlila
Como quem leva para a terra um filho morto
levam seu proacuteprio corpo que baila e cintila
Os homens gordos olham com um teacutedio
enorme
as dez bailarinas tatildeo frias
Pobres serpentes sem luxuacuteria
que satildeo crianccedilas durante o dia
Dez anjos anecircmicos de axilas profundas
embalsamados de melancolia
Vatildeo perpassando como dez muacutemias
as bailarinas fatigadas
Ramo de nardos inclinando flores
azuis brancas verdes douradas
Dez matildees chorariam se vissem
as bailarinas de matildeos dadas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 15 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
07 ndash Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidecircncia
Ceciacutelia Meireles
Atraveacutes de grossas portas
sentem-se luzes acesas
mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas
dentro das casas fronteiras
olhos colados aos vidros
mulheres e homens agrave espreita
caras disformes de insocircnia
vigiando as accedilotildees alheias
Pelas gretas das janelas
pelas frestas das esteiras
agudas setas at iram
a inveja e a maledicecircncia
Palavras conjeturadas
oscilam no ar de surpresas
como peludas aranhas
na gosma das teias densas
raacutepidas e envenenadas
engenhosas sorrateiras
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
brilham fardas e casacas
junto com bat inas pretas
E haacute finas matildeos pensat ivas
entre galotildees sedas rendas
e haacute grossas matildeos vigorosas
de unhas fortes duras veias
e haacute matildeos de puacutelpito e altares
de Evangelhos cruzes becircnccedilatildeos
Uns satildeo reinoacuteis uns mazombos
e pensam de mil maneiras
mas citam Vergiacutelio e Horaacutecio
e refletem e argumentam
falam de minas e impostos
de lavras e de fazendas
de ministros e rainhas
e das colocircnias inglesas
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
uns sugerem uns recusam
uns ouvem uns aconselham
Se a derrama for lanccedilada
haacute levante com certeza
Corre-se por essas ruas
Corta-se alguma cabeccedila
Do cimo de alguma escada
profere-se alguma arenga
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Que bandeira se desdobra
Com que figura ou legenda
Coisas da Maccedilonaria
do Paganismo ou da Igreja
A Santiacutessima Trindade
Um gecircnio a quebrar algemas
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
entre sigilo e espionagem
acontece a Inconfidecircncia
E diz o Vigaacuterio ao Poeta
Escreva-me aquela letra
do versinho de Vergiacutelio
E daacute-lhe o papel e a pena
E diz o Poeta ao Vigaacuterio
com dramaacutetica prudecircncia
Tenha meus dedos cortados
antes que tal verso escrevam
LIBERDADE AINDA QUE TARDE
ouve-se em redor da mesa
E a bandeira jaacute estaacute viva
e sobe na noite imensa
E os seus tristes inventores
jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram
a falar em Liberdade
(que ningueacutem sabe o que seja)
Atraveacutes de grossas portas
sentem-se luzes acesas
mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas
dentro das casas fronteiras
Que estatildeo fazendo tatildeo tarde
Que escrevem conversam pensam
Mostram livros proibidos
Lecircem notiacutecias nas Gazetas
Teratildeo recebido cartas
de potecircncias estrangeiras
(Antiguidades de Nimes
em Vila Rica suspensas
Cavalo de La Fayette
saltando vastas fronteiras
Oacute vitoacuterias festas flores
das lutas da Independecircncia
Liberdade - essa palavra
que o sonho humano alimenta
que natildeo haacute ningueacutem que explique
e ningueacutem que natildeo entenda)
E a vizinhanccedila natildeo dorme
murmura imagina inventa
Natildeo fica bandeira escrita
mas fica escrita a sentenccedila
Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de
Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de
idade
O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto
naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo
usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era
muito real
Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes
maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda
definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute
ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
08 ndash Continuaccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre
inteira
Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que
explique e ningueacutem que natildeo entenda
Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas
que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente
aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Canteiros
Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner
Quando penso em vocecirc
Fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa
Menos a felicidade
Correm os meus dedos longos
Em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego
Jaacute me daacute contentamento
Pode ser ateacute manhatilde
Sendo claro feito o dia
Mas nada do que me dizem me faz sentir
alegria
(Refratildeo 2X)
Eu soacute queria ter do mato
Um gosto de framboesa
Pra correr entre os canteiros
E esconder minha tristeza
E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza
E deixemos de coisa cuidemos da vida
Pois se natildeo chega a morte
Ou coisa parecida
E nos arrasta moccedilo
Sem ter visto a vida
Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho
Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho
Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol
Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol
Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo
Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Poemas de Ceciacutelia Meireles
Nem tudo eacute faacutecil
Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute
faacutecil fazer triste
Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil
natildeo dizer nada
Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute
faacutecil perdecirc-lo para sempre
Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim
como eacute faacutecil viver mais um dia
Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom
assim como eacute faacutecil fechar os olhos e
atravessar a rua
Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim
como eacute faacutecil achar que sempre falta algo
Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute
faacutecil fazer chorar
Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim
como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute
faacutecil ser perdoado
Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o
Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil
se arrepender
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil
encontrar
algueacutem que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse
que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute
faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza
nada eacute impossiacutevel
Precisamos acreditar ter feacute e lutar
para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem
tornemos todos esses desejos
realidade
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
O Amor
Ceciacutelia Meireles
Eacute difiacutecil para os indecisos
Eacute assustador para os medrosos
Avassalador para os apaixonados
Mas os vencedores no amor satildeo os fortes
Os que sabem o que querem e querem o que tecircm
Sonhar um sonho a dois
e nunca desistir da busca de ser feliz
eacute para poucos
eu sou uma desses poucos
amo avassaladoramente
O AMOR DAS MINHAS VIDAS
Ceciacutelia Meireles
Basta-me um pequeno gesto
feito de longe e de leve
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
LUA ADVERSA
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Fases que vatildeo e vecircm
no secreto calendaacuterio
que um astroacutelogo arbitraacuterio
inventou para meu uso
E roda a melancolia
seu interminaacutevel fuso
Natildeo me encontro com ningueacutem
(tenho fases como a lua)
No dia de algueacutem ser meu
natildeo eacute dia de eu ser sua
E quando chega esse dia
o outro desapareceu
Ceciacutelia Meireles
Despedida
Por mim e por voacutes e por mais aquilo
que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo
deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo
quero solidatildeo
Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens
E como o conheces - me perguntaratildeo
- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens
Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo
Que procuras Tudo Que desejas - Nada
Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Natildeo ando perdida mas desencontrada
Levo o meu rumo na minha matildeo
A memoacuteria voou da minha fronte
Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo
Talvez eu morra antes do horizonte
Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo
Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra
(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo
Estandarte triste de uma estranha guerra)
Quero solidatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Motivo
Ceciacutelia Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida estaacute completa
Natildeo sou alegre nem sou triste
sou poeta
Irmatildeo das coisas fugidias
natildeo sinto gozo nem tormento
Atravesso noites e dias
no vento
Se desmorono ou se edifico
se permaneccedilo ou me desfaccedilo
mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico
ou passo
Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo
Tem sangue eterno a asa ritmada
E um dia sei que estarei mudo
mdash mais nada
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Serenata
Ceciacutelia Meireles
Permita que eu feche os meus olhos
pois eacute muito longe e tatildeo tarde
Pensei que era apenas demora
e cantando pus-me a esperar-te
Permita que agora emudeccedila
que me conforme em ser sozinha
Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina
Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo
e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo
Ceciacutelia Meireles
E minha alma sem luz nem tenda
passa errante na noite maacute
agrave procura de quem me entenda
e de quem me consolaraacute
Ceciacutelia Meireles
A arte de ser feliz
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco
Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada
e o jardim parecia morto
Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde
e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas
Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse
E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e
meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz
Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor
Outras vezes encontro nuvens espessas
Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola
Pardais que pulam pelo muro
Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais
Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega
Aacutes vezes um galo canta
Agraves vezes um aviatildeo passa
Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino
E eu me sinto completamente feliz
Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas
que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem
outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros
finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
SONETO ANTIGO
Responder a perguntas natildeo respondo
Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto
Soacute do que sei de mim aos outros conto
de mim atravessada pelo mundo
Toda a minha experiecircncia o meu estudo
sou eu mesma que em solidatildeo paciente
recolho do que em mim observo e escuto
muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende
O que sou vale mais do que o meu canto
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisiacuteveis por onde ando
Tudo eacute secreto e de remoto exemplo
Todos ouvimos longe o apelo do Anjo
E todos somos pura flor de vento
Ceciacutelia Meireles
Renova-te
Renasce em ti mesmo
Multiplica os teus olhos para verem mais
Multiplica-se os teus braccedilos para semeares
tudo
Destroacutei os olhos que tiverem visto
Cria outros para as visotildees novas
Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado
Para se esquecerem de colher
Secirc sempre o mesmo
Sempre outro Mas sempre alto
Sempre longe
E dentro de tudo
Ceciacutelia Meireles
Tu tens um medo
Acabar
Natildeo vecircs que acabas todo o dia
Que morres no amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que te renovas todo o dia
No amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que eacutes sempre outro
Que eacutes sempre o mesmo
Que morreraacutes por idades imensas
Ateacute natildeo teres medo de morrer
E entatildeo seraacutes eterno
Ceciacutelia Meireles
Se vocecirc errou
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil perdoar
Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir
Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem
que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas
Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se
Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vida
Mas com certeza nada eacute impossiacutevel
Ceciacutelia Meireles
Natildeo digas onde acaba o dia
Onde comeccedila a noite
Natildeo fales palavras vatildes
As palavras do mundo
Natildeo digas onde comeccedila a Terra
Onde termina o ceacuteu
Natildeo digas ateacute onde eacutes tu
Natildeo digas desde onde eacutes Deus
Natildeo fales palavras vatildes
Desfaze-te da vaidade triste de falar
Pensacompletamente silencioso
Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso
Sem pensar
Ceciacutelia Meireles
Canccedilatildeo do Sonho Acabado
Jaacute tive a rosa do amor
- rubra rosa sem pudor
Cobicei cheirei colhi
Mas ela despetalou
E outra igual nunca mais vi
Jaacute vivi mil aventuras
Me embriaguei de alegria
Mas os risos da ventura
No limiar da loucura
Se tornaram fantasia
Jaacute almejei felicidade
Matildeos dadas fraternidade
Um ideal sem fronteiras
- utopia Voou ligeira
Nas asas da liberdade
Desejei viver Demais
Segurar a juventude
Prender o tempo na matildeo
Plantar o liacuterio da paz
Mas nem mesmo isto eu pude
Tentei poreacutem nada fiz
Muito da vida eu jaacute quis
Jaacute quis mas natildeo quero mais
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Epigrama n 2
Ceciacutelia Meireles
Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade
Custas a vir e quando vens natildeo te demoras
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo
e para te medir se inventaram as horas
Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa
Fizeste para sempre a vida ficar triste
Porque um dia se vecirc que as horas todas passam
e um tempo despovoado e profundo persiste
Ceciacutelia Meireles
Sou entre flor e nuvem
estrela e mar Por que
havemos de ser unicamente
humanos limitados em chorar
Natildeo encontro caminhos faacuteceis
de andar Meu rosto vaacuterio
desorienta as firmes pedras
que natildeo sabem de aacutegua e de ar
Ceciacutelia Meireles
Eacute preciso natildeo esquecer nada
nem a torneira aberta nem o fogo aceso
nem o sorriso para os infelizes
nem a oraccedilatildeo de cada instante
Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta
nem o ceacuteu de sempre
O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso
O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos
a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria
O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos
vigiados pelos proacuteprios olhos
severos conosco pois o resto natildeo nos pertence
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Ceciacutelia Meireles
A bailarina
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Natildeo conhece nem doacute nem reacute
mas sabe ficar na ponta do peacute
Natildeo conhece nem mi nem faacute
Mas inclina o corpo para caacute e para laacute
Natildeo conhece nem laacute nem si
mas fecha os olhos e sorri
Roda roda roda com os bracinhos no ar
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
e natildeo fica tonta nem sai do lugar
Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu
e diz que caiu do ceacuteu
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Mas depois esquece todas as danccedilas
e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 3 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Janeiro (RJ) em 1989 seria mudada para cem cruzeiros quando da troca da moeda pelo governo de
Fernando Collor[4]
[5]
Obras
Ceciacutelia Meireles em Lisboa Desenho de seu primeiro marido Fernando Correia Dias
Espectros 1919
Crianccedila meu amor 1923
Nunca mais 1923
Poema dos Poemas 1923
Baladas para El-Rei 1925
Saudaccedilatildeo agrave menina de Portugal 1930
Batuque samba e Macumba 1933
O Espiacuterito Vitorioso 1935
A Festa das Letras 1937
Viagem 1939
Vaga Muacutesica 1942
Poetas Novos de Portugal 1944
Mar Absoluto 1945
Rute e Alberto 1945
Rui mdash Pequena Histoacuteria de uma Grande Vida 1948
Retrato Natural 1949
Problemas de Literatura Infantil 1950
Amor em Leonoreta 1952
Doze Noturnos de Holanda e o Aeronauta 1952
Romanceiro da Inconfidecircncia 1953
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 4 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Poemas Escritos na Iacutendia 1953
Batuque 1953
Pequeno Oratoacuterio de Santa Clara 1955
Pistoia Cemiteacuterio Militar Brasileiro 1955
Panorama Folcloacuterico de Accedilores 1955
Canccedilotildees 1956
Giroflecirc Giroflaacute 1956
Romance de Santa Ceciacutelia 1957
A Biacuteblia na Literatura Brasileira 1957
A Rosa 1957
Obra Poeacutetica1958
Metal Rosicler 1960
Poemas de Israel 1963
Antologia Poeacutetica 1963
Solombra 1963
Ou Isto ou Aquilo 1964
Escolha o Seu Sonho 1964
Crocircnica Trovada da Cidade de San Sebastian do Rio de Janeiro 1965
O Menino Atrasado 1966
Poeacutesie (versatildeo francesa) 1967
Antologia Poeacutetica 1968
Poemas Italianos 1968
Poesias (Ou isto ou aquiloamp ineacuteditos) 1969
Flor de Poemas 1972
Poesias Completas 1973
Elegias 1974
Flores e Canccedilotildees 1979
Poesia Completa 1994
Obra em Prosa - 6 Volumes - Rio de Janeiro 1998
Canccedilatildeo da Tarde no Campo 2001
Poesia Completa ediccedilatildeo do centenaacuterio 2001 2 vols (Org Antonio Carlos Secchin Rio de
Janeiro Nova Fronteira)
Crocircnicas de educaccedilatildeo 2001 5 vols (Org Leodegaacuterio A de Azevedo Filho Rio de Janeiro
Nova Fronteira)
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 5 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Episoacutedio Humano 2007
Uma obra bastante particular e pouco conhecida de Ceciacutelia Meireles eacute o infanto-juvenil
Olhinhos de Gato Baseado na vida de Ceciacutelia conta sua infacircncia depois que perdeu sua matildee
Matilde Benevides Meireles e como foi criada por sua avoacute D Jacinta Garcia Benevides
(Boquinha de Doce no livro)
Ceciacutelia foi uma das maiores poetisas do Brasil Raimundo Fagner gravou vaacuterias muacutesicas tendo seus
poemas como base A exemplo de Canteiros Motivo e tantos outros
Outros textos
1947 - Estreia Auto do Menino Atrasado direccedilatildeo de Olga Obry e Martim Gonccedilalves
muacutesica de Luiacutes Cosme marionetes fantoches e sombras feitos pelos alunos do curso de
teatro de bonecos
19561964 - Gravaccedilatildeo de poemas por Margarida Lopes de Almeida Jograis de Satildeo
Paulo e pela autora (Rio de Janeiro - Brasil)
1965 - Gravaccedilatildeo de poemas pelo professor Cassiano Nunes (New York - USA)
1972 - Lanccedilamento do filme Os inconfidentes direccedilatildeo de Joaquim Pedro de Andrade
argumento baseado em trechos de O Romanceiro da Inconfidecircncia
Referecircncias
1 uarr Na ortografia vigente agrave eacutepoca de seu nascimento seu nome era grafado Cecilia Benevides
de Carvalho Meirelles
2 uarr GOUVEIA 2001187
3 uarr GOUVEIA 2001187
4 uarr httpwwwreleiturascomcmeireles_bioasp
5 uarrhttpwwwbbcombrportalbbpage3870387151016bbcodigoMenu=4686ampcodigoN
oticia=5549ampcodigoRet=4696ampbread=7
Bibliografia
GOUVEIA Margarida Maia Ceciacutelia Meireles um percurso de espiritualidade in
Atlacircntida vol XLVI 2001 p 187-194
Ligaccedilotildees externas
O Wikiquote possui citaccedilotildees de ou sobre Ceciacutelia Meireles
Biografia e poemas de Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles in Projeto Releitura
Ceciacutelia Meireles in Secrelnet
Ceciacutelia Meireles in Pegasos (em inglecircs)
Poemas de Amor - Poemas de Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 6 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 7 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
CECILIA MEIRELES GUILHERME DE ALMEIDA
POESIAS - VOLUME 9
GRAVADORA FESTA - LPP ndash 009 - 10 POLEGADAS
LADO A -CECILIA MEIRELES
1 ndash APRESENTACcedilAtildeO
02 - RETRATO
03 - ELEGIA A UMA PEQUENA BORBOLETA
04 - GUITARRA
05 - CAVALO MORTO
06 - BALADA DAS DEZ BAILARINAS DO CASSINO
07 - ROMANCE DA BANDEIRA DA INCONFIDEcircNCIA
08- CONTINUACcedilAtildeO
LADO B GUILHERME DE ALMEIDA]
01 - CARTA A MINHA NOIVA
CAPA E DISCO EM BOM ESTADO
Cecilia Meireles Guilherme De Almeida - Poesias-10 Polegadas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 8 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
01 Apresentaccedilatildeo - (in Retrato Natural)
Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II
Aqui estaacute minha vida mdash esta areia tatildeo clara
com desenhos de andar dedicados ao vento
Aqui estaacute minha voz mdash esta concha vazia
sombra de som curtindo o seu proacuteprio
lamento
Aqui estaacute minha dor mdash este coral quebrado
sobrevivendo ao seu pateacutetico momento
Aqui estaacute minha heranccedila mdash este mar solitaacuterio
que de um lado era amor e do outro
esquecimento
Translation in English Presentation
Here is my life - this sand so clear
with drawings of floor dedicated to the wind
Here is my voice - this empty shell
Sound enjoying the shade of your own regret
Here is my pain - this coral broken
surviving its pathetic moment
Here is my heritage - this lonely sea
that on one side was love and the other
forgetting
Cecilia Meireles in Natural Portrait
Traduction en Franccedilais Preacutesentation
preacutesentation
Voici ma vie - ce sable si clair
avec des dessins de sol deacutedieacute au vent
Voici ma voix - cette coquille vide
Son profite de lombre de votre grand regret
Voici ma douleur - ce corail briseacute
survivant son moment patheacutetique
Voici mon patrimoine - cette mer solitaire
que dun cocircteacute lamour et lautre loubli
Cecilia Meireles dans laquoPortrait naturelraquo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 9 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
02 Retrato
Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Paulo Autran I Paulo Autran II
Eu natildeo tinha este rosto de hoje
assim calmo assim triste assim magro
nem estes olhos tatildeo vazios nem o laacutebio amargo
Eu natildeo tinha estas matildeos sem forccedila
tatildeo paradas e frias e mortas
eu natildeo tinha este coraccedilatildeo que nem se mostra
Eu natildeo dei por esta mudanccedila
tatildeo simples tatildeo certa tatildeo faacutecil
Em que espelho ficou perdida a minha face
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 10 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
03 - Elegia a uma pequena borboleta - ( In Retrato natural )
Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Ceciacutelia Meireles III
Como chegavas do casulo
mdash inacabada seda viva mdash
tuas antenas mdash fios soltos
da trama de que eras tecida
e teus olhos dois gratildeos da noite
de onde o teu misteacuterio surgia
Como caiacuteste sobre o mundo
inaacutebil na manhatilde tatildeo clara
sem matildee sem guia sem conselho
e rolavas por uma escada
como papel penugem poeira
com mais sonho e silecircncio que asas
minha matildeo tosca te agarrou
com uma dura inocente culpa
e eacute cinza de lua teu corpo
meus dedos sua sepultura
Jaacute desfeita e ainda palpitante
expiras sem noccedilatildeo nenhuma
Oacute bordado do veacuteu do dia
transparente anecircmona aeacuterea
natildeo leves meu rosto contigo
leva o pranto que te celebra
no olho precaacuterio em que te acabas
meu remorso ajoelhado leva
Choro a tua forma violada
miraculosa alva divina
criatura de poacutelen de aragem
diaacutefana peacutetala da vida
Choro ter pesado em teu corpo
que no estame natildeo pesaria
Choro esta humana insuficiecircncia
mdash a confusatildeo dos nossos olhos
mdash o selvagem peso do gesto
mdash cegueira mdash ignoracircncia mdash remotos
instintos suacutebitos mdash violecircncias
que o sonho e a graccedila prostram mortos
Pudesse a eteacutereos paraiacutesos
ascender teu leve fantasma
e meu coraccedilatildeo penitente
ser a rosa desabrochada
para servir-te mel e aroma
por toda a eternidade escrava
E as laacutegrimas que por ti choro
fossem o orvalho desses campos
mdash os espelhos que refletissem
mdash vocirco e silecircncio mdash os teus encantos
com a ternura humilde e o remorso
dos meus desacertos humanos
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 11 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
04 ndash Guitarra (Punhal de Prata)
Ceciacutelia Meireles
Guitarra barroca Guitarra
Punhal de prata jaacute eras
punhal de prata
Nem foste tu que fizeste a minha matildeo insensata
Vi-te brilhar entre as pedras
punhal de prata
No cabo flores abertas
no gume a medida exata
exata
a medida certa
punhal de prata
para atravessar-me o peito
com uma letra e uma data
A maior pena que eu tenho
punhal de prata natildeo eacute de me ver morrendo
mas de saber quem me mata
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 12 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
05 Cavalo Morto
Ceciacutelia Meireles
O cavalo morto
Vi a neacutevoa da madrugada
deslizar seus gestos de prata
mover densidades de opala
naquele poacutertico de sono
Na fronteira havia um cavalo morto
Gratildeos de cristal rolavam pelo
seu flanco niacutetido e algum vento
torcia-lhes as crinas pequeno
leve arabesco triste adorno
- e movia a cauda ao cavalo morto
As estrelas ainda viviam
e ainda natildeo eram nascidas
ah as flores daquele dia
- mas era um canteiro o seu corpo
Um jardim de liacuterios o cavalo morto
Muitos viajantes contemplaram
a fluida muacutesica a orvalhada
das grandes moscas de esmeralda
chegando em rumoroso jorro
Adernava triste o cavalo morto
E viam-se uns cavalos vivos
altos como esbeltos navios
galopando nos ares finos
com felizes perfis de sonho
Branco e verde via-se o cavalo morto
no campo enorme e sem recurso
- e devagar girava o mundo
entre as suas pestanas turvo
como em luas de espelho roxo
Dava sol nos dentes do cavalo morto
Mas todos tinham muita pressa
e natildeo sentiram como a terra
procurava de leacutegua em leacutegua
o aacutegil o imenso o eteacutereo sopro
que faltava agravequele arcabouccedilo
Tatildeo pesado o peito do cavalo morto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 13 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Ceciacutelia Meireles eacute um pouco como Guimaratildees Rosa uma grande artista brasileira que precisa ser
resgatada de um equiacutevoco criacutetico que vai se repetindo em um eco meio irrefletido e acaba tornando
algo aparente e claro em um misteacuterio que ningueacutem vecirc
O poema Cavalo Morto eacute exemplo de que Ceciacutelia natildeo eacute essa passadista meio morna que os manuais
escolares de literatura querem projetar
O cavalo desse contundente poema faz companhia na minha imaginaccedilatildeo ao cavalo morto de um
romance de Faulkner [As I Lay Dying] aos cavalos mortos do filme de Buntildeuel amp Daliacute [Le chien
andalou] e ao terriacutevel genociacutedio equumlino de Grande Sertatildeo Veredas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 14 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
06 Balada das dez bailarinas do Cassino
Ceciacutelia Meireles
Balada das Dez Bailarinas do Cassino
Dez bailarinas deslizam
por um chatildeo de espelho
Tecircm corpos egiacutepcios com placas douradas
paacutelpebras azuis e dedos vermelhos
Levantam veacuteus brancos de ingecircnuos aromas
e dobram amarelos joelhos
Andam as dez bailarinas
sem voz em redor das mesas
Haacute matildeos sobre facas dentes sobre flores
e com os charutos toldam as luzes acesas
Entre a muacutesica e a danccedila escorre
uma sedosa escada de vileza
As dez bailarinas avanccedilam
como gafanhotos perdidos
Avanccedilam recuam na sala compacta
empurrando olhares e arranhando o ruiacutedo
Tatildeo nuas se sentem que jaacute vatildeo cobertas
de imaginaacuterios chorosos vestidos
A dez bailarinas escondem
nos ciacutelios verdes as pupilas
Em seus quadris fosforescentes
passa uma faixa de morte tranquumlila
Como quem leva para a terra um filho morto
levam seu proacuteprio corpo que baila e cintila
Os homens gordos olham com um teacutedio
enorme
as dez bailarinas tatildeo frias
Pobres serpentes sem luxuacuteria
que satildeo crianccedilas durante o dia
Dez anjos anecircmicos de axilas profundas
embalsamados de melancolia
Vatildeo perpassando como dez muacutemias
as bailarinas fatigadas
Ramo de nardos inclinando flores
azuis brancas verdes douradas
Dez matildees chorariam se vissem
as bailarinas de matildeos dadas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 15 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
07 ndash Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidecircncia
Ceciacutelia Meireles
Atraveacutes de grossas portas
sentem-se luzes acesas
mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas
dentro das casas fronteiras
olhos colados aos vidros
mulheres e homens agrave espreita
caras disformes de insocircnia
vigiando as accedilotildees alheias
Pelas gretas das janelas
pelas frestas das esteiras
agudas setas at iram
a inveja e a maledicecircncia
Palavras conjeturadas
oscilam no ar de surpresas
como peludas aranhas
na gosma das teias densas
raacutepidas e envenenadas
engenhosas sorrateiras
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
brilham fardas e casacas
junto com bat inas pretas
E haacute finas matildeos pensat ivas
entre galotildees sedas rendas
e haacute grossas matildeos vigorosas
de unhas fortes duras veias
e haacute matildeos de puacutelpito e altares
de Evangelhos cruzes becircnccedilatildeos
Uns satildeo reinoacuteis uns mazombos
e pensam de mil maneiras
mas citam Vergiacutelio e Horaacutecio
e refletem e argumentam
falam de minas e impostos
de lavras e de fazendas
de ministros e rainhas
e das colocircnias inglesas
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
uns sugerem uns recusam
uns ouvem uns aconselham
Se a derrama for lanccedilada
haacute levante com certeza
Corre-se por essas ruas
Corta-se alguma cabeccedila
Do cimo de alguma escada
profere-se alguma arenga
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Que bandeira se desdobra
Com que figura ou legenda
Coisas da Maccedilonaria
do Paganismo ou da Igreja
A Santiacutessima Trindade
Um gecircnio a quebrar algemas
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
entre sigilo e espionagem
acontece a Inconfidecircncia
E diz o Vigaacuterio ao Poeta
Escreva-me aquela letra
do versinho de Vergiacutelio
E daacute-lhe o papel e a pena
E diz o Poeta ao Vigaacuterio
com dramaacutetica prudecircncia
Tenha meus dedos cortados
antes que tal verso escrevam
LIBERDADE AINDA QUE TARDE
ouve-se em redor da mesa
E a bandeira jaacute estaacute viva
e sobe na noite imensa
E os seus tristes inventores
jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram
a falar em Liberdade
(que ningueacutem sabe o que seja)
Atraveacutes de grossas portas
sentem-se luzes acesas
mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas
dentro das casas fronteiras
Que estatildeo fazendo tatildeo tarde
Que escrevem conversam pensam
Mostram livros proibidos
Lecircem notiacutecias nas Gazetas
Teratildeo recebido cartas
de potecircncias estrangeiras
(Antiguidades de Nimes
em Vila Rica suspensas
Cavalo de La Fayette
saltando vastas fronteiras
Oacute vitoacuterias festas flores
das lutas da Independecircncia
Liberdade - essa palavra
que o sonho humano alimenta
que natildeo haacute ningueacutem que explique
e ningueacutem que natildeo entenda)
E a vizinhanccedila natildeo dorme
murmura imagina inventa
Natildeo fica bandeira escrita
mas fica escrita a sentenccedila
Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de
Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de
idade
O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto
naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo
usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era
muito real
Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes
maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda
definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute
ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
08 ndash Continuaccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre
inteira
Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que
explique e ningueacutem que natildeo entenda
Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas
que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente
aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Canteiros
Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner
Quando penso em vocecirc
Fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa
Menos a felicidade
Correm os meus dedos longos
Em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego
Jaacute me daacute contentamento
Pode ser ateacute manhatilde
Sendo claro feito o dia
Mas nada do que me dizem me faz sentir
alegria
(Refratildeo 2X)
Eu soacute queria ter do mato
Um gosto de framboesa
Pra correr entre os canteiros
E esconder minha tristeza
E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza
E deixemos de coisa cuidemos da vida
Pois se natildeo chega a morte
Ou coisa parecida
E nos arrasta moccedilo
Sem ter visto a vida
Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho
Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho
Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol
Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol
Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo
Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Poemas de Ceciacutelia Meireles
Nem tudo eacute faacutecil
Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute
faacutecil fazer triste
Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil
natildeo dizer nada
Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute
faacutecil perdecirc-lo para sempre
Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim
como eacute faacutecil viver mais um dia
Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom
assim como eacute faacutecil fechar os olhos e
atravessar a rua
Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim
como eacute faacutecil achar que sempre falta algo
Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute
faacutecil fazer chorar
Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim
como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute
faacutecil ser perdoado
Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o
Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil
se arrepender
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil
encontrar
algueacutem que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse
que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute
faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza
nada eacute impossiacutevel
Precisamos acreditar ter feacute e lutar
para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem
tornemos todos esses desejos
realidade
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
O Amor
Ceciacutelia Meireles
Eacute difiacutecil para os indecisos
Eacute assustador para os medrosos
Avassalador para os apaixonados
Mas os vencedores no amor satildeo os fortes
Os que sabem o que querem e querem o que tecircm
Sonhar um sonho a dois
e nunca desistir da busca de ser feliz
eacute para poucos
eu sou uma desses poucos
amo avassaladoramente
O AMOR DAS MINHAS VIDAS
Ceciacutelia Meireles
Basta-me um pequeno gesto
feito de longe e de leve
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
LUA ADVERSA
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Fases que vatildeo e vecircm
no secreto calendaacuterio
que um astroacutelogo arbitraacuterio
inventou para meu uso
E roda a melancolia
seu interminaacutevel fuso
Natildeo me encontro com ningueacutem
(tenho fases como a lua)
No dia de algueacutem ser meu
natildeo eacute dia de eu ser sua
E quando chega esse dia
o outro desapareceu
Ceciacutelia Meireles
Despedida
Por mim e por voacutes e por mais aquilo
que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo
deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo
quero solidatildeo
Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens
E como o conheces - me perguntaratildeo
- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens
Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo
Que procuras Tudo Que desejas - Nada
Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Natildeo ando perdida mas desencontrada
Levo o meu rumo na minha matildeo
A memoacuteria voou da minha fronte
Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo
Talvez eu morra antes do horizonte
Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo
Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra
(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo
Estandarte triste de uma estranha guerra)
Quero solidatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Motivo
Ceciacutelia Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida estaacute completa
Natildeo sou alegre nem sou triste
sou poeta
Irmatildeo das coisas fugidias
natildeo sinto gozo nem tormento
Atravesso noites e dias
no vento
Se desmorono ou se edifico
se permaneccedilo ou me desfaccedilo
mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico
ou passo
Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo
Tem sangue eterno a asa ritmada
E um dia sei que estarei mudo
mdash mais nada
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Serenata
Ceciacutelia Meireles
Permita que eu feche os meus olhos
pois eacute muito longe e tatildeo tarde
Pensei que era apenas demora
e cantando pus-me a esperar-te
Permita que agora emudeccedila
que me conforme em ser sozinha
Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina
Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo
e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo
Ceciacutelia Meireles
E minha alma sem luz nem tenda
passa errante na noite maacute
agrave procura de quem me entenda
e de quem me consolaraacute
Ceciacutelia Meireles
A arte de ser feliz
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco
Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada
e o jardim parecia morto
Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde
e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas
Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse
E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e
meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz
Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor
Outras vezes encontro nuvens espessas
Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola
Pardais que pulam pelo muro
Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais
Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega
Aacutes vezes um galo canta
Agraves vezes um aviatildeo passa
Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino
E eu me sinto completamente feliz
Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas
que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem
outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros
finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
SONETO ANTIGO
Responder a perguntas natildeo respondo
Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto
Soacute do que sei de mim aos outros conto
de mim atravessada pelo mundo
Toda a minha experiecircncia o meu estudo
sou eu mesma que em solidatildeo paciente
recolho do que em mim observo e escuto
muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende
O que sou vale mais do que o meu canto
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisiacuteveis por onde ando
Tudo eacute secreto e de remoto exemplo
Todos ouvimos longe o apelo do Anjo
E todos somos pura flor de vento
Ceciacutelia Meireles
Renova-te
Renasce em ti mesmo
Multiplica os teus olhos para verem mais
Multiplica-se os teus braccedilos para semeares
tudo
Destroacutei os olhos que tiverem visto
Cria outros para as visotildees novas
Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado
Para se esquecerem de colher
Secirc sempre o mesmo
Sempre outro Mas sempre alto
Sempre longe
E dentro de tudo
Ceciacutelia Meireles
Tu tens um medo
Acabar
Natildeo vecircs que acabas todo o dia
Que morres no amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que te renovas todo o dia
No amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que eacutes sempre outro
Que eacutes sempre o mesmo
Que morreraacutes por idades imensas
Ateacute natildeo teres medo de morrer
E entatildeo seraacutes eterno
Ceciacutelia Meireles
Se vocecirc errou
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil perdoar
Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir
Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem
que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas
Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se
Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vida
Mas com certeza nada eacute impossiacutevel
Ceciacutelia Meireles
Natildeo digas onde acaba o dia
Onde comeccedila a noite
Natildeo fales palavras vatildes
As palavras do mundo
Natildeo digas onde comeccedila a Terra
Onde termina o ceacuteu
Natildeo digas ateacute onde eacutes tu
Natildeo digas desde onde eacutes Deus
Natildeo fales palavras vatildes
Desfaze-te da vaidade triste de falar
Pensacompletamente silencioso
Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso
Sem pensar
Ceciacutelia Meireles
Canccedilatildeo do Sonho Acabado
Jaacute tive a rosa do amor
- rubra rosa sem pudor
Cobicei cheirei colhi
Mas ela despetalou
E outra igual nunca mais vi
Jaacute vivi mil aventuras
Me embriaguei de alegria
Mas os risos da ventura
No limiar da loucura
Se tornaram fantasia
Jaacute almejei felicidade
Matildeos dadas fraternidade
Um ideal sem fronteiras
- utopia Voou ligeira
Nas asas da liberdade
Desejei viver Demais
Segurar a juventude
Prender o tempo na matildeo
Plantar o liacuterio da paz
Mas nem mesmo isto eu pude
Tentei poreacutem nada fiz
Muito da vida eu jaacute quis
Jaacute quis mas natildeo quero mais
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Epigrama n 2
Ceciacutelia Meireles
Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade
Custas a vir e quando vens natildeo te demoras
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo
e para te medir se inventaram as horas
Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa
Fizeste para sempre a vida ficar triste
Porque um dia se vecirc que as horas todas passam
e um tempo despovoado e profundo persiste
Ceciacutelia Meireles
Sou entre flor e nuvem
estrela e mar Por que
havemos de ser unicamente
humanos limitados em chorar
Natildeo encontro caminhos faacuteceis
de andar Meu rosto vaacuterio
desorienta as firmes pedras
que natildeo sabem de aacutegua e de ar
Ceciacutelia Meireles
Eacute preciso natildeo esquecer nada
nem a torneira aberta nem o fogo aceso
nem o sorriso para os infelizes
nem a oraccedilatildeo de cada instante
Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta
nem o ceacuteu de sempre
O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso
O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos
a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria
O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos
vigiados pelos proacuteprios olhos
severos conosco pois o resto natildeo nos pertence
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Ceciacutelia Meireles
A bailarina
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Natildeo conhece nem doacute nem reacute
mas sabe ficar na ponta do peacute
Natildeo conhece nem mi nem faacute
Mas inclina o corpo para caacute e para laacute
Natildeo conhece nem laacute nem si
mas fecha os olhos e sorri
Roda roda roda com os bracinhos no ar
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
e natildeo fica tonta nem sai do lugar
Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu
e diz que caiu do ceacuteu
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Mas depois esquece todas as danccedilas
e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 4 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Poemas Escritos na Iacutendia 1953
Batuque 1953
Pequeno Oratoacuterio de Santa Clara 1955
Pistoia Cemiteacuterio Militar Brasileiro 1955
Panorama Folcloacuterico de Accedilores 1955
Canccedilotildees 1956
Giroflecirc Giroflaacute 1956
Romance de Santa Ceciacutelia 1957
A Biacuteblia na Literatura Brasileira 1957
A Rosa 1957
Obra Poeacutetica1958
Metal Rosicler 1960
Poemas de Israel 1963
Antologia Poeacutetica 1963
Solombra 1963
Ou Isto ou Aquilo 1964
Escolha o Seu Sonho 1964
Crocircnica Trovada da Cidade de San Sebastian do Rio de Janeiro 1965
O Menino Atrasado 1966
Poeacutesie (versatildeo francesa) 1967
Antologia Poeacutetica 1968
Poemas Italianos 1968
Poesias (Ou isto ou aquiloamp ineacuteditos) 1969
Flor de Poemas 1972
Poesias Completas 1973
Elegias 1974
Flores e Canccedilotildees 1979
Poesia Completa 1994
Obra em Prosa - 6 Volumes - Rio de Janeiro 1998
Canccedilatildeo da Tarde no Campo 2001
Poesia Completa ediccedilatildeo do centenaacuterio 2001 2 vols (Org Antonio Carlos Secchin Rio de
Janeiro Nova Fronteira)
Crocircnicas de educaccedilatildeo 2001 5 vols (Org Leodegaacuterio A de Azevedo Filho Rio de Janeiro
Nova Fronteira)
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 5 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Episoacutedio Humano 2007
Uma obra bastante particular e pouco conhecida de Ceciacutelia Meireles eacute o infanto-juvenil
Olhinhos de Gato Baseado na vida de Ceciacutelia conta sua infacircncia depois que perdeu sua matildee
Matilde Benevides Meireles e como foi criada por sua avoacute D Jacinta Garcia Benevides
(Boquinha de Doce no livro)
Ceciacutelia foi uma das maiores poetisas do Brasil Raimundo Fagner gravou vaacuterias muacutesicas tendo seus
poemas como base A exemplo de Canteiros Motivo e tantos outros
Outros textos
1947 - Estreia Auto do Menino Atrasado direccedilatildeo de Olga Obry e Martim Gonccedilalves
muacutesica de Luiacutes Cosme marionetes fantoches e sombras feitos pelos alunos do curso de
teatro de bonecos
19561964 - Gravaccedilatildeo de poemas por Margarida Lopes de Almeida Jograis de Satildeo
Paulo e pela autora (Rio de Janeiro - Brasil)
1965 - Gravaccedilatildeo de poemas pelo professor Cassiano Nunes (New York - USA)
1972 - Lanccedilamento do filme Os inconfidentes direccedilatildeo de Joaquim Pedro de Andrade
argumento baseado em trechos de O Romanceiro da Inconfidecircncia
Referecircncias
1 uarr Na ortografia vigente agrave eacutepoca de seu nascimento seu nome era grafado Cecilia Benevides
de Carvalho Meirelles
2 uarr GOUVEIA 2001187
3 uarr GOUVEIA 2001187
4 uarr httpwwwreleiturascomcmeireles_bioasp
5 uarrhttpwwwbbcombrportalbbpage3870387151016bbcodigoMenu=4686ampcodigoN
oticia=5549ampcodigoRet=4696ampbread=7
Bibliografia
GOUVEIA Margarida Maia Ceciacutelia Meireles um percurso de espiritualidade in
Atlacircntida vol XLVI 2001 p 187-194
Ligaccedilotildees externas
O Wikiquote possui citaccedilotildees de ou sobre Ceciacutelia Meireles
Biografia e poemas de Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles in Projeto Releitura
Ceciacutelia Meireles in Secrelnet
Ceciacutelia Meireles in Pegasos (em inglecircs)
Poemas de Amor - Poemas de Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 6 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 7 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
CECILIA MEIRELES GUILHERME DE ALMEIDA
POESIAS - VOLUME 9
GRAVADORA FESTA - LPP ndash 009 - 10 POLEGADAS
LADO A -CECILIA MEIRELES
1 ndash APRESENTACcedilAtildeO
02 - RETRATO
03 - ELEGIA A UMA PEQUENA BORBOLETA
04 - GUITARRA
05 - CAVALO MORTO
06 - BALADA DAS DEZ BAILARINAS DO CASSINO
07 - ROMANCE DA BANDEIRA DA INCONFIDEcircNCIA
08- CONTINUACcedilAtildeO
LADO B GUILHERME DE ALMEIDA]
01 - CARTA A MINHA NOIVA
CAPA E DISCO EM BOM ESTADO
Cecilia Meireles Guilherme De Almeida - Poesias-10 Polegadas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 8 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
01 Apresentaccedilatildeo - (in Retrato Natural)
Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II
Aqui estaacute minha vida mdash esta areia tatildeo clara
com desenhos de andar dedicados ao vento
Aqui estaacute minha voz mdash esta concha vazia
sombra de som curtindo o seu proacuteprio
lamento
Aqui estaacute minha dor mdash este coral quebrado
sobrevivendo ao seu pateacutetico momento
Aqui estaacute minha heranccedila mdash este mar solitaacuterio
que de um lado era amor e do outro
esquecimento
Translation in English Presentation
Here is my life - this sand so clear
with drawings of floor dedicated to the wind
Here is my voice - this empty shell
Sound enjoying the shade of your own regret
Here is my pain - this coral broken
surviving its pathetic moment
Here is my heritage - this lonely sea
that on one side was love and the other
forgetting
Cecilia Meireles in Natural Portrait
Traduction en Franccedilais Preacutesentation
preacutesentation
Voici ma vie - ce sable si clair
avec des dessins de sol deacutedieacute au vent
Voici ma voix - cette coquille vide
Son profite de lombre de votre grand regret
Voici ma douleur - ce corail briseacute
survivant son moment patheacutetique
Voici mon patrimoine - cette mer solitaire
que dun cocircteacute lamour et lautre loubli
Cecilia Meireles dans laquoPortrait naturelraquo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 9 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
02 Retrato
Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Paulo Autran I Paulo Autran II
Eu natildeo tinha este rosto de hoje
assim calmo assim triste assim magro
nem estes olhos tatildeo vazios nem o laacutebio amargo
Eu natildeo tinha estas matildeos sem forccedila
tatildeo paradas e frias e mortas
eu natildeo tinha este coraccedilatildeo que nem se mostra
Eu natildeo dei por esta mudanccedila
tatildeo simples tatildeo certa tatildeo faacutecil
Em que espelho ficou perdida a minha face
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 10 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
03 - Elegia a uma pequena borboleta - ( In Retrato natural )
Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Ceciacutelia Meireles III
Como chegavas do casulo
mdash inacabada seda viva mdash
tuas antenas mdash fios soltos
da trama de que eras tecida
e teus olhos dois gratildeos da noite
de onde o teu misteacuterio surgia
Como caiacuteste sobre o mundo
inaacutebil na manhatilde tatildeo clara
sem matildee sem guia sem conselho
e rolavas por uma escada
como papel penugem poeira
com mais sonho e silecircncio que asas
minha matildeo tosca te agarrou
com uma dura inocente culpa
e eacute cinza de lua teu corpo
meus dedos sua sepultura
Jaacute desfeita e ainda palpitante
expiras sem noccedilatildeo nenhuma
Oacute bordado do veacuteu do dia
transparente anecircmona aeacuterea
natildeo leves meu rosto contigo
leva o pranto que te celebra
no olho precaacuterio em que te acabas
meu remorso ajoelhado leva
Choro a tua forma violada
miraculosa alva divina
criatura de poacutelen de aragem
diaacutefana peacutetala da vida
Choro ter pesado em teu corpo
que no estame natildeo pesaria
Choro esta humana insuficiecircncia
mdash a confusatildeo dos nossos olhos
mdash o selvagem peso do gesto
mdash cegueira mdash ignoracircncia mdash remotos
instintos suacutebitos mdash violecircncias
que o sonho e a graccedila prostram mortos
Pudesse a eteacutereos paraiacutesos
ascender teu leve fantasma
e meu coraccedilatildeo penitente
ser a rosa desabrochada
para servir-te mel e aroma
por toda a eternidade escrava
E as laacutegrimas que por ti choro
fossem o orvalho desses campos
mdash os espelhos que refletissem
mdash vocirco e silecircncio mdash os teus encantos
com a ternura humilde e o remorso
dos meus desacertos humanos
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 11 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
04 ndash Guitarra (Punhal de Prata)
Ceciacutelia Meireles
Guitarra barroca Guitarra
Punhal de prata jaacute eras
punhal de prata
Nem foste tu que fizeste a minha matildeo insensata
Vi-te brilhar entre as pedras
punhal de prata
No cabo flores abertas
no gume a medida exata
exata
a medida certa
punhal de prata
para atravessar-me o peito
com uma letra e uma data
A maior pena que eu tenho
punhal de prata natildeo eacute de me ver morrendo
mas de saber quem me mata
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 12 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
05 Cavalo Morto
Ceciacutelia Meireles
O cavalo morto
Vi a neacutevoa da madrugada
deslizar seus gestos de prata
mover densidades de opala
naquele poacutertico de sono
Na fronteira havia um cavalo morto
Gratildeos de cristal rolavam pelo
seu flanco niacutetido e algum vento
torcia-lhes as crinas pequeno
leve arabesco triste adorno
- e movia a cauda ao cavalo morto
As estrelas ainda viviam
e ainda natildeo eram nascidas
ah as flores daquele dia
- mas era um canteiro o seu corpo
Um jardim de liacuterios o cavalo morto
Muitos viajantes contemplaram
a fluida muacutesica a orvalhada
das grandes moscas de esmeralda
chegando em rumoroso jorro
Adernava triste o cavalo morto
E viam-se uns cavalos vivos
altos como esbeltos navios
galopando nos ares finos
com felizes perfis de sonho
Branco e verde via-se o cavalo morto
no campo enorme e sem recurso
- e devagar girava o mundo
entre as suas pestanas turvo
como em luas de espelho roxo
Dava sol nos dentes do cavalo morto
Mas todos tinham muita pressa
e natildeo sentiram como a terra
procurava de leacutegua em leacutegua
o aacutegil o imenso o eteacutereo sopro
que faltava agravequele arcabouccedilo
Tatildeo pesado o peito do cavalo morto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 13 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Ceciacutelia Meireles eacute um pouco como Guimaratildees Rosa uma grande artista brasileira que precisa ser
resgatada de um equiacutevoco criacutetico que vai se repetindo em um eco meio irrefletido e acaba tornando
algo aparente e claro em um misteacuterio que ningueacutem vecirc
O poema Cavalo Morto eacute exemplo de que Ceciacutelia natildeo eacute essa passadista meio morna que os manuais
escolares de literatura querem projetar
O cavalo desse contundente poema faz companhia na minha imaginaccedilatildeo ao cavalo morto de um
romance de Faulkner [As I Lay Dying] aos cavalos mortos do filme de Buntildeuel amp Daliacute [Le chien
andalou] e ao terriacutevel genociacutedio equumlino de Grande Sertatildeo Veredas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 14 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
06 Balada das dez bailarinas do Cassino
Ceciacutelia Meireles
Balada das Dez Bailarinas do Cassino
Dez bailarinas deslizam
por um chatildeo de espelho
Tecircm corpos egiacutepcios com placas douradas
paacutelpebras azuis e dedos vermelhos
Levantam veacuteus brancos de ingecircnuos aromas
e dobram amarelos joelhos
Andam as dez bailarinas
sem voz em redor das mesas
Haacute matildeos sobre facas dentes sobre flores
e com os charutos toldam as luzes acesas
Entre a muacutesica e a danccedila escorre
uma sedosa escada de vileza
As dez bailarinas avanccedilam
como gafanhotos perdidos
Avanccedilam recuam na sala compacta
empurrando olhares e arranhando o ruiacutedo
Tatildeo nuas se sentem que jaacute vatildeo cobertas
de imaginaacuterios chorosos vestidos
A dez bailarinas escondem
nos ciacutelios verdes as pupilas
Em seus quadris fosforescentes
passa uma faixa de morte tranquumlila
Como quem leva para a terra um filho morto
levam seu proacuteprio corpo que baila e cintila
Os homens gordos olham com um teacutedio
enorme
as dez bailarinas tatildeo frias
Pobres serpentes sem luxuacuteria
que satildeo crianccedilas durante o dia
Dez anjos anecircmicos de axilas profundas
embalsamados de melancolia
Vatildeo perpassando como dez muacutemias
as bailarinas fatigadas
Ramo de nardos inclinando flores
azuis brancas verdes douradas
Dez matildees chorariam se vissem
as bailarinas de matildeos dadas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 15 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
07 ndash Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidecircncia
Ceciacutelia Meireles
Atraveacutes de grossas portas
sentem-se luzes acesas
mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas
dentro das casas fronteiras
olhos colados aos vidros
mulheres e homens agrave espreita
caras disformes de insocircnia
vigiando as accedilotildees alheias
Pelas gretas das janelas
pelas frestas das esteiras
agudas setas at iram
a inveja e a maledicecircncia
Palavras conjeturadas
oscilam no ar de surpresas
como peludas aranhas
na gosma das teias densas
raacutepidas e envenenadas
engenhosas sorrateiras
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
brilham fardas e casacas
junto com bat inas pretas
E haacute finas matildeos pensat ivas
entre galotildees sedas rendas
e haacute grossas matildeos vigorosas
de unhas fortes duras veias
e haacute matildeos de puacutelpito e altares
de Evangelhos cruzes becircnccedilatildeos
Uns satildeo reinoacuteis uns mazombos
e pensam de mil maneiras
mas citam Vergiacutelio e Horaacutecio
e refletem e argumentam
falam de minas e impostos
de lavras e de fazendas
de ministros e rainhas
e das colocircnias inglesas
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
uns sugerem uns recusam
uns ouvem uns aconselham
Se a derrama for lanccedilada
haacute levante com certeza
Corre-se por essas ruas
Corta-se alguma cabeccedila
Do cimo de alguma escada
profere-se alguma arenga
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Que bandeira se desdobra
Com que figura ou legenda
Coisas da Maccedilonaria
do Paganismo ou da Igreja
A Santiacutessima Trindade
Um gecircnio a quebrar algemas
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
entre sigilo e espionagem
acontece a Inconfidecircncia
E diz o Vigaacuterio ao Poeta
Escreva-me aquela letra
do versinho de Vergiacutelio
E daacute-lhe o papel e a pena
E diz o Poeta ao Vigaacuterio
com dramaacutetica prudecircncia
Tenha meus dedos cortados
antes que tal verso escrevam
LIBERDADE AINDA QUE TARDE
ouve-se em redor da mesa
E a bandeira jaacute estaacute viva
e sobe na noite imensa
E os seus tristes inventores
jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram
a falar em Liberdade
(que ningueacutem sabe o que seja)
Atraveacutes de grossas portas
sentem-se luzes acesas
mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas
dentro das casas fronteiras
Que estatildeo fazendo tatildeo tarde
Que escrevem conversam pensam
Mostram livros proibidos
Lecircem notiacutecias nas Gazetas
Teratildeo recebido cartas
de potecircncias estrangeiras
(Antiguidades de Nimes
em Vila Rica suspensas
Cavalo de La Fayette
saltando vastas fronteiras
Oacute vitoacuterias festas flores
das lutas da Independecircncia
Liberdade - essa palavra
que o sonho humano alimenta
que natildeo haacute ningueacutem que explique
e ningueacutem que natildeo entenda)
E a vizinhanccedila natildeo dorme
murmura imagina inventa
Natildeo fica bandeira escrita
mas fica escrita a sentenccedila
Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de
Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de
idade
O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto
naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo
usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era
muito real
Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes
maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda
definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute
ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
08 ndash Continuaccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre
inteira
Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que
explique e ningueacutem que natildeo entenda
Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas
que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente
aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Canteiros
Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner
Quando penso em vocecirc
Fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa
Menos a felicidade
Correm os meus dedos longos
Em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego
Jaacute me daacute contentamento
Pode ser ateacute manhatilde
Sendo claro feito o dia
Mas nada do que me dizem me faz sentir
alegria
(Refratildeo 2X)
Eu soacute queria ter do mato
Um gosto de framboesa
Pra correr entre os canteiros
E esconder minha tristeza
E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza
E deixemos de coisa cuidemos da vida
Pois se natildeo chega a morte
Ou coisa parecida
E nos arrasta moccedilo
Sem ter visto a vida
Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho
Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho
Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol
Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol
Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo
Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Poemas de Ceciacutelia Meireles
Nem tudo eacute faacutecil
Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute
faacutecil fazer triste
Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil
natildeo dizer nada
Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute
faacutecil perdecirc-lo para sempre
Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim
como eacute faacutecil viver mais um dia
Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom
assim como eacute faacutecil fechar os olhos e
atravessar a rua
Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim
como eacute faacutecil achar que sempre falta algo
Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute
faacutecil fazer chorar
Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim
como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute
faacutecil ser perdoado
Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o
Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil
se arrepender
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil
encontrar
algueacutem que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse
que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute
faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza
nada eacute impossiacutevel
Precisamos acreditar ter feacute e lutar
para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem
tornemos todos esses desejos
realidade
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
O Amor
Ceciacutelia Meireles
Eacute difiacutecil para os indecisos
Eacute assustador para os medrosos
Avassalador para os apaixonados
Mas os vencedores no amor satildeo os fortes
Os que sabem o que querem e querem o que tecircm
Sonhar um sonho a dois
e nunca desistir da busca de ser feliz
eacute para poucos
eu sou uma desses poucos
amo avassaladoramente
O AMOR DAS MINHAS VIDAS
Ceciacutelia Meireles
Basta-me um pequeno gesto
feito de longe e de leve
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
LUA ADVERSA
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Fases que vatildeo e vecircm
no secreto calendaacuterio
que um astroacutelogo arbitraacuterio
inventou para meu uso
E roda a melancolia
seu interminaacutevel fuso
Natildeo me encontro com ningueacutem
(tenho fases como a lua)
No dia de algueacutem ser meu
natildeo eacute dia de eu ser sua
E quando chega esse dia
o outro desapareceu
Ceciacutelia Meireles
Despedida
Por mim e por voacutes e por mais aquilo
que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo
deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo
quero solidatildeo
Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens
E como o conheces - me perguntaratildeo
- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens
Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo
Que procuras Tudo Que desejas - Nada
Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Natildeo ando perdida mas desencontrada
Levo o meu rumo na minha matildeo
A memoacuteria voou da minha fronte
Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo
Talvez eu morra antes do horizonte
Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo
Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra
(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo
Estandarte triste de uma estranha guerra)
Quero solidatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Motivo
Ceciacutelia Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida estaacute completa
Natildeo sou alegre nem sou triste
sou poeta
Irmatildeo das coisas fugidias
natildeo sinto gozo nem tormento
Atravesso noites e dias
no vento
Se desmorono ou se edifico
se permaneccedilo ou me desfaccedilo
mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico
ou passo
Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo
Tem sangue eterno a asa ritmada
E um dia sei que estarei mudo
mdash mais nada
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Serenata
Ceciacutelia Meireles
Permita que eu feche os meus olhos
pois eacute muito longe e tatildeo tarde
Pensei que era apenas demora
e cantando pus-me a esperar-te
Permita que agora emudeccedila
que me conforme em ser sozinha
Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina
Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo
e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo
Ceciacutelia Meireles
E minha alma sem luz nem tenda
passa errante na noite maacute
agrave procura de quem me entenda
e de quem me consolaraacute
Ceciacutelia Meireles
A arte de ser feliz
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco
Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada
e o jardim parecia morto
Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde
e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas
Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse
E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e
meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz
Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor
Outras vezes encontro nuvens espessas
Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola
Pardais que pulam pelo muro
Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais
Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega
Aacutes vezes um galo canta
Agraves vezes um aviatildeo passa
Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino
E eu me sinto completamente feliz
Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas
que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem
outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros
finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
SONETO ANTIGO
Responder a perguntas natildeo respondo
Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto
Soacute do que sei de mim aos outros conto
de mim atravessada pelo mundo
Toda a minha experiecircncia o meu estudo
sou eu mesma que em solidatildeo paciente
recolho do que em mim observo e escuto
muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende
O que sou vale mais do que o meu canto
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisiacuteveis por onde ando
Tudo eacute secreto e de remoto exemplo
Todos ouvimos longe o apelo do Anjo
E todos somos pura flor de vento
Ceciacutelia Meireles
Renova-te
Renasce em ti mesmo
Multiplica os teus olhos para verem mais
Multiplica-se os teus braccedilos para semeares
tudo
Destroacutei os olhos que tiverem visto
Cria outros para as visotildees novas
Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado
Para se esquecerem de colher
Secirc sempre o mesmo
Sempre outro Mas sempre alto
Sempre longe
E dentro de tudo
Ceciacutelia Meireles
Tu tens um medo
Acabar
Natildeo vecircs que acabas todo o dia
Que morres no amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que te renovas todo o dia
No amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que eacutes sempre outro
Que eacutes sempre o mesmo
Que morreraacutes por idades imensas
Ateacute natildeo teres medo de morrer
E entatildeo seraacutes eterno
Ceciacutelia Meireles
Se vocecirc errou
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil perdoar
Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir
Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem
que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas
Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se
Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vida
Mas com certeza nada eacute impossiacutevel
Ceciacutelia Meireles
Natildeo digas onde acaba o dia
Onde comeccedila a noite
Natildeo fales palavras vatildes
As palavras do mundo
Natildeo digas onde comeccedila a Terra
Onde termina o ceacuteu
Natildeo digas ateacute onde eacutes tu
Natildeo digas desde onde eacutes Deus
Natildeo fales palavras vatildes
Desfaze-te da vaidade triste de falar
Pensacompletamente silencioso
Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso
Sem pensar
Ceciacutelia Meireles
Canccedilatildeo do Sonho Acabado
Jaacute tive a rosa do amor
- rubra rosa sem pudor
Cobicei cheirei colhi
Mas ela despetalou
E outra igual nunca mais vi
Jaacute vivi mil aventuras
Me embriaguei de alegria
Mas os risos da ventura
No limiar da loucura
Se tornaram fantasia
Jaacute almejei felicidade
Matildeos dadas fraternidade
Um ideal sem fronteiras
- utopia Voou ligeira
Nas asas da liberdade
Desejei viver Demais
Segurar a juventude
Prender o tempo na matildeo
Plantar o liacuterio da paz
Mas nem mesmo isto eu pude
Tentei poreacutem nada fiz
Muito da vida eu jaacute quis
Jaacute quis mas natildeo quero mais
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Epigrama n 2
Ceciacutelia Meireles
Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade
Custas a vir e quando vens natildeo te demoras
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo
e para te medir se inventaram as horas
Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa
Fizeste para sempre a vida ficar triste
Porque um dia se vecirc que as horas todas passam
e um tempo despovoado e profundo persiste
Ceciacutelia Meireles
Sou entre flor e nuvem
estrela e mar Por que
havemos de ser unicamente
humanos limitados em chorar
Natildeo encontro caminhos faacuteceis
de andar Meu rosto vaacuterio
desorienta as firmes pedras
que natildeo sabem de aacutegua e de ar
Ceciacutelia Meireles
Eacute preciso natildeo esquecer nada
nem a torneira aberta nem o fogo aceso
nem o sorriso para os infelizes
nem a oraccedilatildeo de cada instante
Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta
nem o ceacuteu de sempre
O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso
O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos
a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria
O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos
vigiados pelos proacuteprios olhos
severos conosco pois o resto natildeo nos pertence
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Ceciacutelia Meireles
A bailarina
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Natildeo conhece nem doacute nem reacute
mas sabe ficar na ponta do peacute
Natildeo conhece nem mi nem faacute
Mas inclina o corpo para caacute e para laacute
Natildeo conhece nem laacute nem si
mas fecha os olhos e sorri
Roda roda roda com os bracinhos no ar
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
e natildeo fica tonta nem sai do lugar
Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu
e diz que caiu do ceacuteu
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Mas depois esquece todas as danccedilas
e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 5 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Episoacutedio Humano 2007
Uma obra bastante particular e pouco conhecida de Ceciacutelia Meireles eacute o infanto-juvenil
Olhinhos de Gato Baseado na vida de Ceciacutelia conta sua infacircncia depois que perdeu sua matildee
Matilde Benevides Meireles e como foi criada por sua avoacute D Jacinta Garcia Benevides
(Boquinha de Doce no livro)
Ceciacutelia foi uma das maiores poetisas do Brasil Raimundo Fagner gravou vaacuterias muacutesicas tendo seus
poemas como base A exemplo de Canteiros Motivo e tantos outros
Outros textos
1947 - Estreia Auto do Menino Atrasado direccedilatildeo de Olga Obry e Martim Gonccedilalves
muacutesica de Luiacutes Cosme marionetes fantoches e sombras feitos pelos alunos do curso de
teatro de bonecos
19561964 - Gravaccedilatildeo de poemas por Margarida Lopes de Almeida Jograis de Satildeo
Paulo e pela autora (Rio de Janeiro - Brasil)
1965 - Gravaccedilatildeo de poemas pelo professor Cassiano Nunes (New York - USA)
1972 - Lanccedilamento do filme Os inconfidentes direccedilatildeo de Joaquim Pedro de Andrade
argumento baseado em trechos de O Romanceiro da Inconfidecircncia
Referecircncias
1 uarr Na ortografia vigente agrave eacutepoca de seu nascimento seu nome era grafado Cecilia Benevides
de Carvalho Meirelles
2 uarr GOUVEIA 2001187
3 uarr GOUVEIA 2001187
4 uarr httpwwwreleiturascomcmeireles_bioasp
5 uarrhttpwwwbbcombrportalbbpage3870387151016bbcodigoMenu=4686ampcodigoN
oticia=5549ampcodigoRet=4696ampbread=7
Bibliografia
GOUVEIA Margarida Maia Ceciacutelia Meireles um percurso de espiritualidade in
Atlacircntida vol XLVI 2001 p 187-194
Ligaccedilotildees externas
O Wikiquote possui citaccedilotildees de ou sobre Ceciacutelia Meireles
Biografia e poemas de Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles in Projeto Releitura
Ceciacutelia Meireles in Secrelnet
Ceciacutelia Meireles in Pegasos (em inglecircs)
Poemas de Amor - Poemas de Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 6 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 7 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
CECILIA MEIRELES GUILHERME DE ALMEIDA
POESIAS - VOLUME 9
GRAVADORA FESTA - LPP ndash 009 - 10 POLEGADAS
LADO A -CECILIA MEIRELES
1 ndash APRESENTACcedilAtildeO
02 - RETRATO
03 - ELEGIA A UMA PEQUENA BORBOLETA
04 - GUITARRA
05 - CAVALO MORTO
06 - BALADA DAS DEZ BAILARINAS DO CASSINO
07 - ROMANCE DA BANDEIRA DA INCONFIDEcircNCIA
08- CONTINUACcedilAtildeO
LADO B GUILHERME DE ALMEIDA]
01 - CARTA A MINHA NOIVA
CAPA E DISCO EM BOM ESTADO
Cecilia Meireles Guilherme De Almeida - Poesias-10 Polegadas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 8 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
01 Apresentaccedilatildeo - (in Retrato Natural)
Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II
Aqui estaacute minha vida mdash esta areia tatildeo clara
com desenhos de andar dedicados ao vento
Aqui estaacute minha voz mdash esta concha vazia
sombra de som curtindo o seu proacuteprio
lamento
Aqui estaacute minha dor mdash este coral quebrado
sobrevivendo ao seu pateacutetico momento
Aqui estaacute minha heranccedila mdash este mar solitaacuterio
que de um lado era amor e do outro
esquecimento
Translation in English Presentation
Here is my life - this sand so clear
with drawings of floor dedicated to the wind
Here is my voice - this empty shell
Sound enjoying the shade of your own regret
Here is my pain - this coral broken
surviving its pathetic moment
Here is my heritage - this lonely sea
that on one side was love and the other
forgetting
Cecilia Meireles in Natural Portrait
Traduction en Franccedilais Preacutesentation
preacutesentation
Voici ma vie - ce sable si clair
avec des dessins de sol deacutedieacute au vent
Voici ma voix - cette coquille vide
Son profite de lombre de votre grand regret
Voici ma douleur - ce corail briseacute
survivant son moment patheacutetique
Voici mon patrimoine - cette mer solitaire
que dun cocircteacute lamour et lautre loubli
Cecilia Meireles dans laquoPortrait naturelraquo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 9 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
02 Retrato
Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Paulo Autran I Paulo Autran II
Eu natildeo tinha este rosto de hoje
assim calmo assim triste assim magro
nem estes olhos tatildeo vazios nem o laacutebio amargo
Eu natildeo tinha estas matildeos sem forccedila
tatildeo paradas e frias e mortas
eu natildeo tinha este coraccedilatildeo que nem se mostra
Eu natildeo dei por esta mudanccedila
tatildeo simples tatildeo certa tatildeo faacutecil
Em que espelho ficou perdida a minha face
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 10 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
03 - Elegia a uma pequena borboleta - ( In Retrato natural )
Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Ceciacutelia Meireles III
Como chegavas do casulo
mdash inacabada seda viva mdash
tuas antenas mdash fios soltos
da trama de que eras tecida
e teus olhos dois gratildeos da noite
de onde o teu misteacuterio surgia
Como caiacuteste sobre o mundo
inaacutebil na manhatilde tatildeo clara
sem matildee sem guia sem conselho
e rolavas por uma escada
como papel penugem poeira
com mais sonho e silecircncio que asas
minha matildeo tosca te agarrou
com uma dura inocente culpa
e eacute cinza de lua teu corpo
meus dedos sua sepultura
Jaacute desfeita e ainda palpitante
expiras sem noccedilatildeo nenhuma
Oacute bordado do veacuteu do dia
transparente anecircmona aeacuterea
natildeo leves meu rosto contigo
leva o pranto que te celebra
no olho precaacuterio em que te acabas
meu remorso ajoelhado leva
Choro a tua forma violada
miraculosa alva divina
criatura de poacutelen de aragem
diaacutefana peacutetala da vida
Choro ter pesado em teu corpo
que no estame natildeo pesaria
Choro esta humana insuficiecircncia
mdash a confusatildeo dos nossos olhos
mdash o selvagem peso do gesto
mdash cegueira mdash ignoracircncia mdash remotos
instintos suacutebitos mdash violecircncias
que o sonho e a graccedila prostram mortos
Pudesse a eteacutereos paraiacutesos
ascender teu leve fantasma
e meu coraccedilatildeo penitente
ser a rosa desabrochada
para servir-te mel e aroma
por toda a eternidade escrava
E as laacutegrimas que por ti choro
fossem o orvalho desses campos
mdash os espelhos que refletissem
mdash vocirco e silecircncio mdash os teus encantos
com a ternura humilde e o remorso
dos meus desacertos humanos
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 11 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
04 ndash Guitarra (Punhal de Prata)
Ceciacutelia Meireles
Guitarra barroca Guitarra
Punhal de prata jaacute eras
punhal de prata
Nem foste tu que fizeste a minha matildeo insensata
Vi-te brilhar entre as pedras
punhal de prata
No cabo flores abertas
no gume a medida exata
exata
a medida certa
punhal de prata
para atravessar-me o peito
com uma letra e uma data
A maior pena que eu tenho
punhal de prata natildeo eacute de me ver morrendo
mas de saber quem me mata
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 12 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
05 Cavalo Morto
Ceciacutelia Meireles
O cavalo morto
Vi a neacutevoa da madrugada
deslizar seus gestos de prata
mover densidades de opala
naquele poacutertico de sono
Na fronteira havia um cavalo morto
Gratildeos de cristal rolavam pelo
seu flanco niacutetido e algum vento
torcia-lhes as crinas pequeno
leve arabesco triste adorno
- e movia a cauda ao cavalo morto
As estrelas ainda viviam
e ainda natildeo eram nascidas
ah as flores daquele dia
- mas era um canteiro o seu corpo
Um jardim de liacuterios o cavalo morto
Muitos viajantes contemplaram
a fluida muacutesica a orvalhada
das grandes moscas de esmeralda
chegando em rumoroso jorro
Adernava triste o cavalo morto
E viam-se uns cavalos vivos
altos como esbeltos navios
galopando nos ares finos
com felizes perfis de sonho
Branco e verde via-se o cavalo morto
no campo enorme e sem recurso
- e devagar girava o mundo
entre as suas pestanas turvo
como em luas de espelho roxo
Dava sol nos dentes do cavalo morto
Mas todos tinham muita pressa
e natildeo sentiram como a terra
procurava de leacutegua em leacutegua
o aacutegil o imenso o eteacutereo sopro
que faltava agravequele arcabouccedilo
Tatildeo pesado o peito do cavalo morto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 13 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Ceciacutelia Meireles eacute um pouco como Guimaratildees Rosa uma grande artista brasileira que precisa ser
resgatada de um equiacutevoco criacutetico que vai se repetindo em um eco meio irrefletido e acaba tornando
algo aparente e claro em um misteacuterio que ningueacutem vecirc
O poema Cavalo Morto eacute exemplo de que Ceciacutelia natildeo eacute essa passadista meio morna que os manuais
escolares de literatura querem projetar
O cavalo desse contundente poema faz companhia na minha imaginaccedilatildeo ao cavalo morto de um
romance de Faulkner [As I Lay Dying] aos cavalos mortos do filme de Buntildeuel amp Daliacute [Le chien
andalou] e ao terriacutevel genociacutedio equumlino de Grande Sertatildeo Veredas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 14 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
06 Balada das dez bailarinas do Cassino
Ceciacutelia Meireles
Balada das Dez Bailarinas do Cassino
Dez bailarinas deslizam
por um chatildeo de espelho
Tecircm corpos egiacutepcios com placas douradas
paacutelpebras azuis e dedos vermelhos
Levantam veacuteus brancos de ingecircnuos aromas
e dobram amarelos joelhos
Andam as dez bailarinas
sem voz em redor das mesas
Haacute matildeos sobre facas dentes sobre flores
e com os charutos toldam as luzes acesas
Entre a muacutesica e a danccedila escorre
uma sedosa escada de vileza
As dez bailarinas avanccedilam
como gafanhotos perdidos
Avanccedilam recuam na sala compacta
empurrando olhares e arranhando o ruiacutedo
Tatildeo nuas se sentem que jaacute vatildeo cobertas
de imaginaacuterios chorosos vestidos
A dez bailarinas escondem
nos ciacutelios verdes as pupilas
Em seus quadris fosforescentes
passa uma faixa de morte tranquumlila
Como quem leva para a terra um filho morto
levam seu proacuteprio corpo que baila e cintila
Os homens gordos olham com um teacutedio
enorme
as dez bailarinas tatildeo frias
Pobres serpentes sem luxuacuteria
que satildeo crianccedilas durante o dia
Dez anjos anecircmicos de axilas profundas
embalsamados de melancolia
Vatildeo perpassando como dez muacutemias
as bailarinas fatigadas
Ramo de nardos inclinando flores
azuis brancas verdes douradas
Dez matildees chorariam se vissem
as bailarinas de matildeos dadas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 15 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
07 ndash Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidecircncia
Ceciacutelia Meireles
Atraveacutes de grossas portas
sentem-se luzes acesas
mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas
dentro das casas fronteiras
olhos colados aos vidros
mulheres e homens agrave espreita
caras disformes de insocircnia
vigiando as accedilotildees alheias
Pelas gretas das janelas
pelas frestas das esteiras
agudas setas at iram
a inveja e a maledicecircncia
Palavras conjeturadas
oscilam no ar de surpresas
como peludas aranhas
na gosma das teias densas
raacutepidas e envenenadas
engenhosas sorrateiras
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
brilham fardas e casacas
junto com bat inas pretas
E haacute finas matildeos pensat ivas
entre galotildees sedas rendas
e haacute grossas matildeos vigorosas
de unhas fortes duras veias
e haacute matildeos de puacutelpito e altares
de Evangelhos cruzes becircnccedilatildeos
Uns satildeo reinoacuteis uns mazombos
e pensam de mil maneiras
mas citam Vergiacutelio e Horaacutecio
e refletem e argumentam
falam de minas e impostos
de lavras e de fazendas
de ministros e rainhas
e das colocircnias inglesas
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
uns sugerem uns recusam
uns ouvem uns aconselham
Se a derrama for lanccedilada
haacute levante com certeza
Corre-se por essas ruas
Corta-se alguma cabeccedila
Do cimo de alguma escada
profere-se alguma arenga
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Que bandeira se desdobra
Com que figura ou legenda
Coisas da Maccedilonaria
do Paganismo ou da Igreja
A Santiacutessima Trindade
Um gecircnio a quebrar algemas
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
entre sigilo e espionagem
acontece a Inconfidecircncia
E diz o Vigaacuterio ao Poeta
Escreva-me aquela letra
do versinho de Vergiacutelio
E daacute-lhe o papel e a pena
E diz o Poeta ao Vigaacuterio
com dramaacutetica prudecircncia
Tenha meus dedos cortados
antes que tal verso escrevam
LIBERDADE AINDA QUE TARDE
ouve-se em redor da mesa
E a bandeira jaacute estaacute viva
e sobe na noite imensa
E os seus tristes inventores
jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram
a falar em Liberdade
(que ningueacutem sabe o que seja)
Atraveacutes de grossas portas
sentem-se luzes acesas
mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas
dentro das casas fronteiras
Que estatildeo fazendo tatildeo tarde
Que escrevem conversam pensam
Mostram livros proibidos
Lecircem notiacutecias nas Gazetas
Teratildeo recebido cartas
de potecircncias estrangeiras
(Antiguidades de Nimes
em Vila Rica suspensas
Cavalo de La Fayette
saltando vastas fronteiras
Oacute vitoacuterias festas flores
das lutas da Independecircncia
Liberdade - essa palavra
que o sonho humano alimenta
que natildeo haacute ningueacutem que explique
e ningueacutem que natildeo entenda)
E a vizinhanccedila natildeo dorme
murmura imagina inventa
Natildeo fica bandeira escrita
mas fica escrita a sentenccedila
Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de
Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de
idade
O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto
naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo
usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era
muito real
Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes
maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda
definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute
ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
08 ndash Continuaccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre
inteira
Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que
explique e ningueacutem que natildeo entenda
Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas
que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente
aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Canteiros
Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner
Quando penso em vocecirc
Fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa
Menos a felicidade
Correm os meus dedos longos
Em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego
Jaacute me daacute contentamento
Pode ser ateacute manhatilde
Sendo claro feito o dia
Mas nada do que me dizem me faz sentir
alegria
(Refratildeo 2X)
Eu soacute queria ter do mato
Um gosto de framboesa
Pra correr entre os canteiros
E esconder minha tristeza
E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza
E deixemos de coisa cuidemos da vida
Pois se natildeo chega a morte
Ou coisa parecida
E nos arrasta moccedilo
Sem ter visto a vida
Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho
Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho
Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol
Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol
Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo
Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Poemas de Ceciacutelia Meireles
Nem tudo eacute faacutecil
Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute
faacutecil fazer triste
Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil
natildeo dizer nada
Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute
faacutecil perdecirc-lo para sempre
Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim
como eacute faacutecil viver mais um dia
Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom
assim como eacute faacutecil fechar os olhos e
atravessar a rua
Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim
como eacute faacutecil achar que sempre falta algo
Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute
faacutecil fazer chorar
Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim
como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute
faacutecil ser perdoado
Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o
Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil
se arrepender
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil
encontrar
algueacutem que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse
que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute
faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza
nada eacute impossiacutevel
Precisamos acreditar ter feacute e lutar
para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem
tornemos todos esses desejos
realidade
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
O Amor
Ceciacutelia Meireles
Eacute difiacutecil para os indecisos
Eacute assustador para os medrosos
Avassalador para os apaixonados
Mas os vencedores no amor satildeo os fortes
Os que sabem o que querem e querem o que tecircm
Sonhar um sonho a dois
e nunca desistir da busca de ser feliz
eacute para poucos
eu sou uma desses poucos
amo avassaladoramente
O AMOR DAS MINHAS VIDAS
Ceciacutelia Meireles
Basta-me um pequeno gesto
feito de longe e de leve
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
LUA ADVERSA
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Fases que vatildeo e vecircm
no secreto calendaacuterio
que um astroacutelogo arbitraacuterio
inventou para meu uso
E roda a melancolia
seu interminaacutevel fuso
Natildeo me encontro com ningueacutem
(tenho fases como a lua)
No dia de algueacutem ser meu
natildeo eacute dia de eu ser sua
E quando chega esse dia
o outro desapareceu
Ceciacutelia Meireles
Despedida
Por mim e por voacutes e por mais aquilo
que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo
deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo
quero solidatildeo
Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens
E como o conheces - me perguntaratildeo
- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens
Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo
Que procuras Tudo Que desejas - Nada
Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Natildeo ando perdida mas desencontrada
Levo o meu rumo na minha matildeo
A memoacuteria voou da minha fronte
Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo
Talvez eu morra antes do horizonte
Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo
Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra
(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo
Estandarte triste de uma estranha guerra)
Quero solidatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Motivo
Ceciacutelia Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida estaacute completa
Natildeo sou alegre nem sou triste
sou poeta
Irmatildeo das coisas fugidias
natildeo sinto gozo nem tormento
Atravesso noites e dias
no vento
Se desmorono ou se edifico
se permaneccedilo ou me desfaccedilo
mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico
ou passo
Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo
Tem sangue eterno a asa ritmada
E um dia sei que estarei mudo
mdash mais nada
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Serenata
Ceciacutelia Meireles
Permita que eu feche os meus olhos
pois eacute muito longe e tatildeo tarde
Pensei que era apenas demora
e cantando pus-me a esperar-te
Permita que agora emudeccedila
que me conforme em ser sozinha
Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina
Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo
e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo
Ceciacutelia Meireles
E minha alma sem luz nem tenda
passa errante na noite maacute
agrave procura de quem me entenda
e de quem me consolaraacute
Ceciacutelia Meireles
A arte de ser feliz
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco
Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada
e o jardim parecia morto
Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde
e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas
Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse
E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e
meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz
Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor
Outras vezes encontro nuvens espessas
Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola
Pardais que pulam pelo muro
Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais
Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega
Aacutes vezes um galo canta
Agraves vezes um aviatildeo passa
Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino
E eu me sinto completamente feliz
Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas
que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem
outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros
finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
SONETO ANTIGO
Responder a perguntas natildeo respondo
Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto
Soacute do que sei de mim aos outros conto
de mim atravessada pelo mundo
Toda a minha experiecircncia o meu estudo
sou eu mesma que em solidatildeo paciente
recolho do que em mim observo e escuto
muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende
O que sou vale mais do que o meu canto
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisiacuteveis por onde ando
Tudo eacute secreto e de remoto exemplo
Todos ouvimos longe o apelo do Anjo
E todos somos pura flor de vento
Ceciacutelia Meireles
Renova-te
Renasce em ti mesmo
Multiplica os teus olhos para verem mais
Multiplica-se os teus braccedilos para semeares
tudo
Destroacutei os olhos que tiverem visto
Cria outros para as visotildees novas
Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado
Para se esquecerem de colher
Secirc sempre o mesmo
Sempre outro Mas sempre alto
Sempre longe
E dentro de tudo
Ceciacutelia Meireles
Tu tens um medo
Acabar
Natildeo vecircs que acabas todo o dia
Que morres no amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que te renovas todo o dia
No amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que eacutes sempre outro
Que eacutes sempre o mesmo
Que morreraacutes por idades imensas
Ateacute natildeo teres medo de morrer
E entatildeo seraacutes eterno
Ceciacutelia Meireles
Se vocecirc errou
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil perdoar
Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir
Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem
que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas
Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se
Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vida
Mas com certeza nada eacute impossiacutevel
Ceciacutelia Meireles
Natildeo digas onde acaba o dia
Onde comeccedila a noite
Natildeo fales palavras vatildes
As palavras do mundo
Natildeo digas onde comeccedila a Terra
Onde termina o ceacuteu
Natildeo digas ateacute onde eacutes tu
Natildeo digas desde onde eacutes Deus
Natildeo fales palavras vatildes
Desfaze-te da vaidade triste de falar
Pensacompletamente silencioso
Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso
Sem pensar
Ceciacutelia Meireles
Canccedilatildeo do Sonho Acabado
Jaacute tive a rosa do amor
- rubra rosa sem pudor
Cobicei cheirei colhi
Mas ela despetalou
E outra igual nunca mais vi
Jaacute vivi mil aventuras
Me embriaguei de alegria
Mas os risos da ventura
No limiar da loucura
Se tornaram fantasia
Jaacute almejei felicidade
Matildeos dadas fraternidade
Um ideal sem fronteiras
- utopia Voou ligeira
Nas asas da liberdade
Desejei viver Demais
Segurar a juventude
Prender o tempo na matildeo
Plantar o liacuterio da paz
Mas nem mesmo isto eu pude
Tentei poreacutem nada fiz
Muito da vida eu jaacute quis
Jaacute quis mas natildeo quero mais
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Epigrama n 2
Ceciacutelia Meireles
Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade
Custas a vir e quando vens natildeo te demoras
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo
e para te medir se inventaram as horas
Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa
Fizeste para sempre a vida ficar triste
Porque um dia se vecirc que as horas todas passam
e um tempo despovoado e profundo persiste
Ceciacutelia Meireles
Sou entre flor e nuvem
estrela e mar Por que
havemos de ser unicamente
humanos limitados em chorar
Natildeo encontro caminhos faacuteceis
de andar Meu rosto vaacuterio
desorienta as firmes pedras
que natildeo sabem de aacutegua e de ar
Ceciacutelia Meireles
Eacute preciso natildeo esquecer nada
nem a torneira aberta nem o fogo aceso
nem o sorriso para os infelizes
nem a oraccedilatildeo de cada instante
Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta
nem o ceacuteu de sempre
O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso
O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos
a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria
O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos
vigiados pelos proacuteprios olhos
severos conosco pois o resto natildeo nos pertence
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Ceciacutelia Meireles
A bailarina
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Natildeo conhece nem doacute nem reacute
mas sabe ficar na ponta do peacute
Natildeo conhece nem mi nem faacute
Mas inclina o corpo para caacute e para laacute
Natildeo conhece nem laacute nem si
mas fecha os olhos e sorri
Roda roda roda com os bracinhos no ar
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
e natildeo fica tonta nem sai do lugar
Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu
e diz que caiu do ceacuteu
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Mas depois esquece todas as danccedilas
e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 6 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 7 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
CECILIA MEIRELES GUILHERME DE ALMEIDA
POESIAS - VOLUME 9
GRAVADORA FESTA - LPP ndash 009 - 10 POLEGADAS
LADO A -CECILIA MEIRELES
1 ndash APRESENTACcedilAtildeO
02 - RETRATO
03 - ELEGIA A UMA PEQUENA BORBOLETA
04 - GUITARRA
05 - CAVALO MORTO
06 - BALADA DAS DEZ BAILARINAS DO CASSINO
07 - ROMANCE DA BANDEIRA DA INCONFIDEcircNCIA
08- CONTINUACcedilAtildeO
LADO B GUILHERME DE ALMEIDA]
01 - CARTA A MINHA NOIVA
CAPA E DISCO EM BOM ESTADO
Cecilia Meireles Guilherme De Almeida - Poesias-10 Polegadas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 8 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
01 Apresentaccedilatildeo - (in Retrato Natural)
Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II
Aqui estaacute minha vida mdash esta areia tatildeo clara
com desenhos de andar dedicados ao vento
Aqui estaacute minha voz mdash esta concha vazia
sombra de som curtindo o seu proacuteprio
lamento
Aqui estaacute minha dor mdash este coral quebrado
sobrevivendo ao seu pateacutetico momento
Aqui estaacute minha heranccedila mdash este mar solitaacuterio
que de um lado era amor e do outro
esquecimento
Translation in English Presentation
Here is my life - this sand so clear
with drawings of floor dedicated to the wind
Here is my voice - this empty shell
Sound enjoying the shade of your own regret
Here is my pain - this coral broken
surviving its pathetic moment
Here is my heritage - this lonely sea
that on one side was love and the other
forgetting
Cecilia Meireles in Natural Portrait
Traduction en Franccedilais Preacutesentation
preacutesentation
Voici ma vie - ce sable si clair
avec des dessins de sol deacutedieacute au vent
Voici ma voix - cette coquille vide
Son profite de lombre de votre grand regret
Voici ma douleur - ce corail briseacute
survivant son moment patheacutetique
Voici mon patrimoine - cette mer solitaire
que dun cocircteacute lamour et lautre loubli
Cecilia Meireles dans laquoPortrait naturelraquo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 9 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
02 Retrato
Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Paulo Autran I Paulo Autran II
Eu natildeo tinha este rosto de hoje
assim calmo assim triste assim magro
nem estes olhos tatildeo vazios nem o laacutebio amargo
Eu natildeo tinha estas matildeos sem forccedila
tatildeo paradas e frias e mortas
eu natildeo tinha este coraccedilatildeo que nem se mostra
Eu natildeo dei por esta mudanccedila
tatildeo simples tatildeo certa tatildeo faacutecil
Em que espelho ficou perdida a minha face
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 10 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
03 - Elegia a uma pequena borboleta - ( In Retrato natural )
Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Ceciacutelia Meireles III
Como chegavas do casulo
mdash inacabada seda viva mdash
tuas antenas mdash fios soltos
da trama de que eras tecida
e teus olhos dois gratildeos da noite
de onde o teu misteacuterio surgia
Como caiacuteste sobre o mundo
inaacutebil na manhatilde tatildeo clara
sem matildee sem guia sem conselho
e rolavas por uma escada
como papel penugem poeira
com mais sonho e silecircncio que asas
minha matildeo tosca te agarrou
com uma dura inocente culpa
e eacute cinza de lua teu corpo
meus dedos sua sepultura
Jaacute desfeita e ainda palpitante
expiras sem noccedilatildeo nenhuma
Oacute bordado do veacuteu do dia
transparente anecircmona aeacuterea
natildeo leves meu rosto contigo
leva o pranto que te celebra
no olho precaacuterio em que te acabas
meu remorso ajoelhado leva
Choro a tua forma violada
miraculosa alva divina
criatura de poacutelen de aragem
diaacutefana peacutetala da vida
Choro ter pesado em teu corpo
que no estame natildeo pesaria
Choro esta humana insuficiecircncia
mdash a confusatildeo dos nossos olhos
mdash o selvagem peso do gesto
mdash cegueira mdash ignoracircncia mdash remotos
instintos suacutebitos mdash violecircncias
que o sonho e a graccedila prostram mortos
Pudesse a eteacutereos paraiacutesos
ascender teu leve fantasma
e meu coraccedilatildeo penitente
ser a rosa desabrochada
para servir-te mel e aroma
por toda a eternidade escrava
E as laacutegrimas que por ti choro
fossem o orvalho desses campos
mdash os espelhos que refletissem
mdash vocirco e silecircncio mdash os teus encantos
com a ternura humilde e o remorso
dos meus desacertos humanos
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 11 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
04 ndash Guitarra (Punhal de Prata)
Ceciacutelia Meireles
Guitarra barroca Guitarra
Punhal de prata jaacute eras
punhal de prata
Nem foste tu que fizeste a minha matildeo insensata
Vi-te brilhar entre as pedras
punhal de prata
No cabo flores abertas
no gume a medida exata
exata
a medida certa
punhal de prata
para atravessar-me o peito
com uma letra e uma data
A maior pena que eu tenho
punhal de prata natildeo eacute de me ver morrendo
mas de saber quem me mata
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 12 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
05 Cavalo Morto
Ceciacutelia Meireles
O cavalo morto
Vi a neacutevoa da madrugada
deslizar seus gestos de prata
mover densidades de opala
naquele poacutertico de sono
Na fronteira havia um cavalo morto
Gratildeos de cristal rolavam pelo
seu flanco niacutetido e algum vento
torcia-lhes as crinas pequeno
leve arabesco triste adorno
- e movia a cauda ao cavalo morto
As estrelas ainda viviam
e ainda natildeo eram nascidas
ah as flores daquele dia
- mas era um canteiro o seu corpo
Um jardim de liacuterios o cavalo morto
Muitos viajantes contemplaram
a fluida muacutesica a orvalhada
das grandes moscas de esmeralda
chegando em rumoroso jorro
Adernava triste o cavalo morto
E viam-se uns cavalos vivos
altos como esbeltos navios
galopando nos ares finos
com felizes perfis de sonho
Branco e verde via-se o cavalo morto
no campo enorme e sem recurso
- e devagar girava o mundo
entre as suas pestanas turvo
como em luas de espelho roxo
Dava sol nos dentes do cavalo morto
Mas todos tinham muita pressa
e natildeo sentiram como a terra
procurava de leacutegua em leacutegua
o aacutegil o imenso o eteacutereo sopro
que faltava agravequele arcabouccedilo
Tatildeo pesado o peito do cavalo morto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 13 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Ceciacutelia Meireles eacute um pouco como Guimaratildees Rosa uma grande artista brasileira que precisa ser
resgatada de um equiacutevoco criacutetico que vai se repetindo em um eco meio irrefletido e acaba tornando
algo aparente e claro em um misteacuterio que ningueacutem vecirc
O poema Cavalo Morto eacute exemplo de que Ceciacutelia natildeo eacute essa passadista meio morna que os manuais
escolares de literatura querem projetar
O cavalo desse contundente poema faz companhia na minha imaginaccedilatildeo ao cavalo morto de um
romance de Faulkner [As I Lay Dying] aos cavalos mortos do filme de Buntildeuel amp Daliacute [Le chien
andalou] e ao terriacutevel genociacutedio equumlino de Grande Sertatildeo Veredas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 14 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
06 Balada das dez bailarinas do Cassino
Ceciacutelia Meireles
Balada das Dez Bailarinas do Cassino
Dez bailarinas deslizam
por um chatildeo de espelho
Tecircm corpos egiacutepcios com placas douradas
paacutelpebras azuis e dedos vermelhos
Levantam veacuteus brancos de ingecircnuos aromas
e dobram amarelos joelhos
Andam as dez bailarinas
sem voz em redor das mesas
Haacute matildeos sobre facas dentes sobre flores
e com os charutos toldam as luzes acesas
Entre a muacutesica e a danccedila escorre
uma sedosa escada de vileza
As dez bailarinas avanccedilam
como gafanhotos perdidos
Avanccedilam recuam na sala compacta
empurrando olhares e arranhando o ruiacutedo
Tatildeo nuas se sentem que jaacute vatildeo cobertas
de imaginaacuterios chorosos vestidos
A dez bailarinas escondem
nos ciacutelios verdes as pupilas
Em seus quadris fosforescentes
passa uma faixa de morte tranquumlila
Como quem leva para a terra um filho morto
levam seu proacuteprio corpo que baila e cintila
Os homens gordos olham com um teacutedio
enorme
as dez bailarinas tatildeo frias
Pobres serpentes sem luxuacuteria
que satildeo crianccedilas durante o dia
Dez anjos anecircmicos de axilas profundas
embalsamados de melancolia
Vatildeo perpassando como dez muacutemias
as bailarinas fatigadas
Ramo de nardos inclinando flores
azuis brancas verdes douradas
Dez matildees chorariam se vissem
as bailarinas de matildeos dadas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 15 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
07 ndash Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidecircncia
Ceciacutelia Meireles
Atraveacutes de grossas portas
sentem-se luzes acesas
mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas
dentro das casas fronteiras
olhos colados aos vidros
mulheres e homens agrave espreita
caras disformes de insocircnia
vigiando as accedilotildees alheias
Pelas gretas das janelas
pelas frestas das esteiras
agudas setas at iram
a inveja e a maledicecircncia
Palavras conjeturadas
oscilam no ar de surpresas
como peludas aranhas
na gosma das teias densas
raacutepidas e envenenadas
engenhosas sorrateiras
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
brilham fardas e casacas
junto com bat inas pretas
E haacute finas matildeos pensat ivas
entre galotildees sedas rendas
e haacute grossas matildeos vigorosas
de unhas fortes duras veias
e haacute matildeos de puacutelpito e altares
de Evangelhos cruzes becircnccedilatildeos
Uns satildeo reinoacuteis uns mazombos
e pensam de mil maneiras
mas citam Vergiacutelio e Horaacutecio
e refletem e argumentam
falam de minas e impostos
de lavras e de fazendas
de ministros e rainhas
e das colocircnias inglesas
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
uns sugerem uns recusam
uns ouvem uns aconselham
Se a derrama for lanccedilada
haacute levante com certeza
Corre-se por essas ruas
Corta-se alguma cabeccedila
Do cimo de alguma escada
profere-se alguma arenga
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Que bandeira se desdobra
Com que figura ou legenda
Coisas da Maccedilonaria
do Paganismo ou da Igreja
A Santiacutessima Trindade
Um gecircnio a quebrar algemas
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
entre sigilo e espionagem
acontece a Inconfidecircncia
E diz o Vigaacuterio ao Poeta
Escreva-me aquela letra
do versinho de Vergiacutelio
E daacute-lhe o papel e a pena
E diz o Poeta ao Vigaacuterio
com dramaacutetica prudecircncia
Tenha meus dedos cortados
antes que tal verso escrevam
LIBERDADE AINDA QUE TARDE
ouve-se em redor da mesa
E a bandeira jaacute estaacute viva
e sobe na noite imensa
E os seus tristes inventores
jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram
a falar em Liberdade
(que ningueacutem sabe o que seja)
Atraveacutes de grossas portas
sentem-se luzes acesas
mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas
dentro das casas fronteiras
Que estatildeo fazendo tatildeo tarde
Que escrevem conversam pensam
Mostram livros proibidos
Lecircem notiacutecias nas Gazetas
Teratildeo recebido cartas
de potecircncias estrangeiras
(Antiguidades de Nimes
em Vila Rica suspensas
Cavalo de La Fayette
saltando vastas fronteiras
Oacute vitoacuterias festas flores
das lutas da Independecircncia
Liberdade - essa palavra
que o sonho humano alimenta
que natildeo haacute ningueacutem que explique
e ningueacutem que natildeo entenda)
E a vizinhanccedila natildeo dorme
murmura imagina inventa
Natildeo fica bandeira escrita
mas fica escrita a sentenccedila
Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de
Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de
idade
O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto
naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo
usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era
muito real
Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes
maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda
definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute
ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
08 ndash Continuaccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre
inteira
Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que
explique e ningueacutem que natildeo entenda
Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas
que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente
aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Canteiros
Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner
Quando penso em vocecirc
Fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa
Menos a felicidade
Correm os meus dedos longos
Em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego
Jaacute me daacute contentamento
Pode ser ateacute manhatilde
Sendo claro feito o dia
Mas nada do que me dizem me faz sentir
alegria
(Refratildeo 2X)
Eu soacute queria ter do mato
Um gosto de framboesa
Pra correr entre os canteiros
E esconder minha tristeza
E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza
E deixemos de coisa cuidemos da vida
Pois se natildeo chega a morte
Ou coisa parecida
E nos arrasta moccedilo
Sem ter visto a vida
Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho
Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho
Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol
Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol
Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo
Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Poemas de Ceciacutelia Meireles
Nem tudo eacute faacutecil
Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute
faacutecil fazer triste
Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil
natildeo dizer nada
Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute
faacutecil perdecirc-lo para sempre
Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim
como eacute faacutecil viver mais um dia
Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom
assim como eacute faacutecil fechar os olhos e
atravessar a rua
Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim
como eacute faacutecil achar que sempre falta algo
Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute
faacutecil fazer chorar
Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim
como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute
faacutecil ser perdoado
Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o
Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil
se arrepender
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil
encontrar
algueacutem que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse
que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute
faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza
nada eacute impossiacutevel
Precisamos acreditar ter feacute e lutar
para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem
tornemos todos esses desejos
realidade
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
O Amor
Ceciacutelia Meireles
Eacute difiacutecil para os indecisos
Eacute assustador para os medrosos
Avassalador para os apaixonados
Mas os vencedores no amor satildeo os fortes
Os que sabem o que querem e querem o que tecircm
Sonhar um sonho a dois
e nunca desistir da busca de ser feliz
eacute para poucos
eu sou uma desses poucos
amo avassaladoramente
O AMOR DAS MINHAS VIDAS
Ceciacutelia Meireles
Basta-me um pequeno gesto
feito de longe e de leve
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
LUA ADVERSA
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Fases que vatildeo e vecircm
no secreto calendaacuterio
que um astroacutelogo arbitraacuterio
inventou para meu uso
E roda a melancolia
seu interminaacutevel fuso
Natildeo me encontro com ningueacutem
(tenho fases como a lua)
No dia de algueacutem ser meu
natildeo eacute dia de eu ser sua
E quando chega esse dia
o outro desapareceu
Ceciacutelia Meireles
Despedida
Por mim e por voacutes e por mais aquilo
que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo
deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo
quero solidatildeo
Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens
E como o conheces - me perguntaratildeo
- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens
Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo
Que procuras Tudo Que desejas - Nada
Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Natildeo ando perdida mas desencontrada
Levo o meu rumo na minha matildeo
A memoacuteria voou da minha fronte
Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo
Talvez eu morra antes do horizonte
Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo
Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra
(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo
Estandarte triste de uma estranha guerra)
Quero solidatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Motivo
Ceciacutelia Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida estaacute completa
Natildeo sou alegre nem sou triste
sou poeta
Irmatildeo das coisas fugidias
natildeo sinto gozo nem tormento
Atravesso noites e dias
no vento
Se desmorono ou se edifico
se permaneccedilo ou me desfaccedilo
mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico
ou passo
Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo
Tem sangue eterno a asa ritmada
E um dia sei que estarei mudo
mdash mais nada
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Serenata
Ceciacutelia Meireles
Permita que eu feche os meus olhos
pois eacute muito longe e tatildeo tarde
Pensei que era apenas demora
e cantando pus-me a esperar-te
Permita que agora emudeccedila
que me conforme em ser sozinha
Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina
Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo
e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo
Ceciacutelia Meireles
E minha alma sem luz nem tenda
passa errante na noite maacute
agrave procura de quem me entenda
e de quem me consolaraacute
Ceciacutelia Meireles
A arte de ser feliz
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco
Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada
e o jardim parecia morto
Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde
e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas
Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse
E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e
meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz
Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor
Outras vezes encontro nuvens espessas
Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola
Pardais que pulam pelo muro
Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais
Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega
Aacutes vezes um galo canta
Agraves vezes um aviatildeo passa
Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino
E eu me sinto completamente feliz
Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas
que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem
outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros
finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
SONETO ANTIGO
Responder a perguntas natildeo respondo
Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto
Soacute do que sei de mim aos outros conto
de mim atravessada pelo mundo
Toda a minha experiecircncia o meu estudo
sou eu mesma que em solidatildeo paciente
recolho do que em mim observo e escuto
muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende
O que sou vale mais do que o meu canto
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisiacuteveis por onde ando
Tudo eacute secreto e de remoto exemplo
Todos ouvimos longe o apelo do Anjo
E todos somos pura flor de vento
Ceciacutelia Meireles
Renova-te
Renasce em ti mesmo
Multiplica os teus olhos para verem mais
Multiplica-se os teus braccedilos para semeares
tudo
Destroacutei os olhos que tiverem visto
Cria outros para as visotildees novas
Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado
Para se esquecerem de colher
Secirc sempre o mesmo
Sempre outro Mas sempre alto
Sempre longe
E dentro de tudo
Ceciacutelia Meireles
Tu tens um medo
Acabar
Natildeo vecircs que acabas todo o dia
Que morres no amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que te renovas todo o dia
No amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que eacutes sempre outro
Que eacutes sempre o mesmo
Que morreraacutes por idades imensas
Ateacute natildeo teres medo de morrer
E entatildeo seraacutes eterno
Ceciacutelia Meireles
Se vocecirc errou
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil perdoar
Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir
Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem
que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas
Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se
Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vida
Mas com certeza nada eacute impossiacutevel
Ceciacutelia Meireles
Natildeo digas onde acaba o dia
Onde comeccedila a noite
Natildeo fales palavras vatildes
As palavras do mundo
Natildeo digas onde comeccedila a Terra
Onde termina o ceacuteu
Natildeo digas ateacute onde eacutes tu
Natildeo digas desde onde eacutes Deus
Natildeo fales palavras vatildes
Desfaze-te da vaidade triste de falar
Pensacompletamente silencioso
Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso
Sem pensar
Ceciacutelia Meireles
Canccedilatildeo do Sonho Acabado
Jaacute tive a rosa do amor
- rubra rosa sem pudor
Cobicei cheirei colhi
Mas ela despetalou
E outra igual nunca mais vi
Jaacute vivi mil aventuras
Me embriaguei de alegria
Mas os risos da ventura
No limiar da loucura
Se tornaram fantasia
Jaacute almejei felicidade
Matildeos dadas fraternidade
Um ideal sem fronteiras
- utopia Voou ligeira
Nas asas da liberdade
Desejei viver Demais
Segurar a juventude
Prender o tempo na matildeo
Plantar o liacuterio da paz
Mas nem mesmo isto eu pude
Tentei poreacutem nada fiz
Muito da vida eu jaacute quis
Jaacute quis mas natildeo quero mais
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Epigrama n 2
Ceciacutelia Meireles
Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade
Custas a vir e quando vens natildeo te demoras
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo
e para te medir se inventaram as horas
Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa
Fizeste para sempre a vida ficar triste
Porque um dia se vecirc que as horas todas passam
e um tempo despovoado e profundo persiste
Ceciacutelia Meireles
Sou entre flor e nuvem
estrela e mar Por que
havemos de ser unicamente
humanos limitados em chorar
Natildeo encontro caminhos faacuteceis
de andar Meu rosto vaacuterio
desorienta as firmes pedras
que natildeo sabem de aacutegua e de ar
Ceciacutelia Meireles
Eacute preciso natildeo esquecer nada
nem a torneira aberta nem o fogo aceso
nem o sorriso para os infelizes
nem a oraccedilatildeo de cada instante
Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta
nem o ceacuteu de sempre
O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso
O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos
a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria
O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos
vigiados pelos proacuteprios olhos
severos conosco pois o resto natildeo nos pertence
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Ceciacutelia Meireles
A bailarina
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Natildeo conhece nem doacute nem reacute
mas sabe ficar na ponta do peacute
Natildeo conhece nem mi nem faacute
Mas inclina o corpo para caacute e para laacute
Natildeo conhece nem laacute nem si
mas fecha os olhos e sorri
Roda roda roda com os bracinhos no ar
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
e natildeo fica tonta nem sai do lugar
Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu
e diz que caiu do ceacuteu
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Mas depois esquece todas as danccedilas
e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 7 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
CECILIA MEIRELES GUILHERME DE ALMEIDA
POESIAS - VOLUME 9
GRAVADORA FESTA - LPP ndash 009 - 10 POLEGADAS
LADO A -CECILIA MEIRELES
1 ndash APRESENTACcedilAtildeO
02 - RETRATO
03 - ELEGIA A UMA PEQUENA BORBOLETA
04 - GUITARRA
05 - CAVALO MORTO
06 - BALADA DAS DEZ BAILARINAS DO CASSINO
07 - ROMANCE DA BANDEIRA DA INCONFIDEcircNCIA
08- CONTINUACcedilAtildeO
LADO B GUILHERME DE ALMEIDA]
01 - CARTA A MINHA NOIVA
CAPA E DISCO EM BOM ESTADO
Cecilia Meireles Guilherme De Almeida - Poesias-10 Polegadas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 8 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
01 Apresentaccedilatildeo - (in Retrato Natural)
Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II
Aqui estaacute minha vida mdash esta areia tatildeo clara
com desenhos de andar dedicados ao vento
Aqui estaacute minha voz mdash esta concha vazia
sombra de som curtindo o seu proacuteprio
lamento
Aqui estaacute minha dor mdash este coral quebrado
sobrevivendo ao seu pateacutetico momento
Aqui estaacute minha heranccedila mdash este mar solitaacuterio
que de um lado era amor e do outro
esquecimento
Translation in English Presentation
Here is my life - this sand so clear
with drawings of floor dedicated to the wind
Here is my voice - this empty shell
Sound enjoying the shade of your own regret
Here is my pain - this coral broken
surviving its pathetic moment
Here is my heritage - this lonely sea
that on one side was love and the other
forgetting
Cecilia Meireles in Natural Portrait
Traduction en Franccedilais Preacutesentation
preacutesentation
Voici ma vie - ce sable si clair
avec des dessins de sol deacutedieacute au vent
Voici ma voix - cette coquille vide
Son profite de lombre de votre grand regret
Voici ma douleur - ce corail briseacute
survivant son moment patheacutetique
Voici mon patrimoine - cette mer solitaire
que dun cocircteacute lamour et lautre loubli
Cecilia Meireles dans laquoPortrait naturelraquo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 9 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
02 Retrato
Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Paulo Autran I Paulo Autran II
Eu natildeo tinha este rosto de hoje
assim calmo assim triste assim magro
nem estes olhos tatildeo vazios nem o laacutebio amargo
Eu natildeo tinha estas matildeos sem forccedila
tatildeo paradas e frias e mortas
eu natildeo tinha este coraccedilatildeo que nem se mostra
Eu natildeo dei por esta mudanccedila
tatildeo simples tatildeo certa tatildeo faacutecil
Em que espelho ficou perdida a minha face
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 10 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
03 - Elegia a uma pequena borboleta - ( In Retrato natural )
Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Ceciacutelia Meireles III
Como chegavas do casulo
mdash inacabada seda viva mdash
tuas antenas mdash fios soltos
da trama de que eras tecida
e teus olhos dois gratildeos da noite
de onde o teu misteacuterio surgia
Como caiacuteste sobre o mundo
inaacutebil na manhatilde tatildeo clara
sem matildee sem guia sem conselho
e rolavas por uma escada
como papel penugem poeira
com mais sonho e silecircncio que asas
minha matildeo tosca te agarrou
com uma dura inocente culpa
e eacute cinza de lua teu corpo
meus dedos sua sepultura
Jaacute desfeita e ainda palpitante
expiras sem noccedilatildeo nenhuma
Oacute bordado do veacuteu do dia
transparente anecircmona aeacuterea
natildeo leves meu rosto contigo
leva o pranto que te celebra
no olho precaacuterio em que te acabas
meu remorso ajoelhado leva
Choro a tua forma violada
miraculosa alva divina
criatura de poacutelen de aragem
diaacutefana peacutetala da vida
Choro ter pesado em teu corpo
que no estame natildeo pesaria
Choro esta humana insuficiecircncia
mdash a confusatildeo dos nossos olhos
mdash o selvagem peso do gesto
mdash cegueira mdash ignoracircncia mdash remotos
instintos suacutebitos mdash violecircncias
que o sonho e a graccedila prostram mortos
Pudesse a eteacutereos paraiacutesos
ascender teu leve fantasma
e meu coraccedilatildeo penitente
ser a rosa desabrochada
para servir-te mel e aroma
por toda a eternidade escrava
E as laacutegrimas que por ti choro
fossem o orvalho desses campos
mdash os espelhos que refletissem
mdash vocirco e silecircncio mdash os teus encantos
com a ternura humilde e o remorso
dos meus desacertos humanos
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 11 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
04 ndash Guitarra (Punhal de Prata)
Ceciacutelia Meireles
Guitarra barroca Guitarra
Punhal de prata jaacute eras
punhal de prata
Nem foste tu que fizeste a minha matildeo insensata
Vi-te brilhar entre as pedras
punhal de prata
No cabo flores abertas
no gume a medida exata
exata
a medida certa
punhal de prata
para atravessar-me o peito
com uma letra e uma data
A maior pena que eu tenho
punhal de prata natildeo eacute de me ver morrendo
mas de saber quem me mata
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 12 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
05 Cavalo Morto
Ceciacutelia Meireles
O cavalo morto
Vi a neacutevoa da madrugada
deslizar seus gestos de prata
mover densidades de opala
naquele poacutertico de sono
Na fronteira havia um cavalo morto
Gratildeos de cristal rolavam pelo
seu flanco niacutetido e algum vento
torcia-lhes as crinas pequeno
leve arabesco triste adorno
- e movia a cauda ao cavalo morto
As estrelas ainda viviam
e ainda natildeo eram nascidas
ah as flores daquele dia
- mas era um canteiro o seu corpo
Um jardim de liacuterios o cavalo morto
Muitos viajantes contemplaram
a fluida muacutesica a orvalhada
das grandes moscas de esmeralda
chegando em rumoroso jorro
Adernava triste o cavalo morto
E viam-se uns cavalos vivos
altos como esbeltos navios
galopando nos ares finos
com felizes perfis de sonho
Branco e verde via-se o cavalo morto
no campo enorme e sem recurso
- e devagar girava o mundo
entre as suas pestanas turvo
como em luas de espelho roxo
Dava sol nos dentes do cavalo morto
Mas todos tinham muita pressa
e natildeo sentiram como a terra
procurava de leacutegua em leacutegua
o aacutegil o imenso o eteacutereo sopro
que faltava agravequele arcabouccedilo
Tatildeo pesado o peito do cavalo morto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 13 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Ceciacutelia Meireles eacute um pouco como Guimaratildees Rosa uma grande artista brasileira que precisa ser
resgatada de um equiacutevoco criacutetico que vai se repetindo em um eco meio irrefletido e acaba tornando
algo aparente e claro em um misteacuterio que ningueacutem vecirc
O poema Cavalo Morto eacute exemplo de que Ceciacutelia natildeo eacute essa passadista meio morna que os manuais
escolares de literatura querem projetar
O cavalo desse contundente poema faz companhia na minha imaginaccedilatildeo ao cavalo morto de um
romance de Faulkner [As I Lay Dying] aos cavalos mortos do filme de Buntildeuel amp Daliacute [Le chien
andalou] e ao terriacutevel genociacutedio equumlino de Grande Sertatildeo Veredas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 14 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
06 Balada das dez bailarinas do Cassino
Ceciacutelia Meireles
Balada das Dez Bailarinas do Cassino
Dez bailarinas deslizam
por um chatildeo de espelho
Tecircm corpos egiacutepcios com placas douradas
paacutelpebras azuis e dedos vermelhos
Levantam veacuteus brancos de ingecircnuos aromas
e dobram amarelos joelhos
Andam as dez bailarinas
sem voz em redor das mesas
Haacute matildeos sobre facas dentes sobre flores
e com os charutos toldam as luzes acesas
Entre a muacutesica e a danccedila escorre
uma sedosa escada de vileza
As dez bailarinas avanccedilam
como gafanhotos perdidos
Avanccedilam recuam na sala compacta
empurrando olhares e arranhando o ruiacutedo
Tatildeo nuas se sentem que jaacute vatildeo cobertas
de imaginaacuterios chorosos vestidos
A dez bailarinas escondem
nos ciacutelios verdes as pupilas
Em seus quadris fosforescentes
passa uma faixa de morte tranquumlila
Como quem leva para a terra um filho morto
levam seu proacuteprio corpo que baila e cintila
Os homens gordos olham com um teacutedio
enorme
as dez bailarinas tatildeo frias
Pobres serpentes sem luxuacuteria
que satildeo crianccedilas durante o dia
Dez anjos anecircmicos de axilas profundas
embalsamados de melancolia
Vatildeo perpassando como dez muacutemias
as bailarinas fatigadas
Ramo de nardos inclinando flores
azuis brancas verdes douradas
Dez matildees chorariam se vissem
as bailarinas de matildeos dadas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 15 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
07 ndash Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidecircncia
Ceciacutelia Meireles
Atraveacutes de grossas portas
sentem-se luzes acesas
mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas
dentro das casas fronteiras
olhos colados aos vidros
mulheres e homens agrave espreita
caras disformes de insocircnia
vigiando as accedilotildees alheias
Pelas gretas das janelas
pelas frestas das esteiras
agudas setas at iram
a inveja e a maledicecircncia
Palavras conjeturadas
oscilam no ar de surpresas
como peludas aranhas
na gosma das teias densas
raacutepidas e envenenadas
engenhosas sorrateiras
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
brilham fardas e casacas
junto com bat inas pretas
E haacute finas matildeos pensat ivas
entre galotildees sedas rendas
e haacute grossas matildeos vigorosas
de unhas fortes duras veias
e haacute matildeos de puacutelpito e altares
de Evangelhos cruzes becircnccedilatildeos
Uns satildeo reinoacuteis uns mazombos
e pensam de mil maneiras
mas citam Vergiacutelio e Horaacutecio
e refletem e argumentam
falam de minas e impostos
de lavras e de fazendas
de ministros e rainhas
e das colocircnias inglesas
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
uns sugerem uns recusam
uns ouvem uns aconselham
Se a derrama for lanccedilada
haacute levante com certeza
Corre-se por essas ruas
Corta-se alguma cabeccedila
Do cimo de alguma escada
profere-se alguma arenga
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Que bandeira se desdobra
Com que figura ou legenda
Coisas da Maccedilonaria
do Paganismo ou da Igreja
A Santiacutessima Trindade
Um gecircnio a quebrar algemas
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
entre sigilo e espionagem
acontece a Inconfidecircncia
E diz o Vigaacuterio ao Poeta
Escreva-me aquela letra
do versinho de Vergiacutelio
E daacute-lhe o papel e a pena
E diz o Poeta ao Vigaacuterio
com dramaacutetica prudecircncia
Tenha meus dedos cortados
antes que tal verso escrevam
LIBERDADE AINDA QUE TARDE
ouve-se em redor da mesa
E a bandeira jaacute estaacute viva
e sobe na noite imensa
E os seus tristes inventores
jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram
a falar em Liberdade
(que ningueacutem sabe o que seja)
Atraveacutes de grossas portas
sentem-se luzes acesas
mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas
dentro das casas fronteiras
Que estatildeo fazendo tatildeo tarde
Que escrevem conversam pensam
Mostram livros proibidos
Lecircem notiacutecias nas Gazetas
Teratildeo recebido cartas
de potecircncias estrangeiras
(Antiguidades de Nimes
em Vila Rica suspensas
Cavalo de La Fayette
saltando vastas fronteiras
Oacute vitoacuterias festas flores
das lutas da Independecircncia
Liberdade - essa palavra
que o sonho humano alimenta
que natildeo haacute ningueacutem que explique
e ningueacutem que natildeo entenda)
E a vizinhanccedila natildeo dorme
murmura imagina inventa
Natildeo fica bandeira escrita
mas fica escrita a sentenccedila
Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de
Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de
idade
O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto
naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo
usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era
muito real
Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes
maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda
definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute
ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
08 ndash Continuaccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre
inteira
Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que
explique e ningueacutem que natildeo entenda
Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas
que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente
aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Canteiros
Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner
Quando penso em vocecirc
Fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa
Menos a felicidade
Correm os meus dedos longos
Em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego
Jaacute me daacute contentamento
Pode ser ateacute manhatilde
Sendo claro feito o dia
Mas nada do que me dizem me faz sentir
alegria
(Refratildeo 2X)
Eu soacute queria ter do mato
Um gosto de framboesa
Pra correr entre os canteiros
E esconder minha tristeza
E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza
E deixemos de coisa cuidemos da vida
Pois se natildeo chega a morte
Ou coisa parecida
E nos arrasta moccedilo
Sem ter visto a vida
Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho
Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho
Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol
Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol
Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo
Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Poemas de Ceciacutelia Meireles
Nem tudo eacute faacutecil
Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute
faacutecil fazer triste
Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil
natildeo dizer nada
Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute
faacutecil perdecirc-lo para sempre
Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim
como eacute faacutecil viver mais um dia
Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom
assim como eacute faacutecil fechar os olhos e
atravessar a rua
Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim
como eacute faacutecil achar que sempre falta algo
Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute
faacutecil fazer chorar
Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim
como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute
faacutecil ser perdoado
Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o
Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil
se arrepender
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil
encontrar
algueacutem que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse
que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute
faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza
nada eacute impossiacutevel
Precisamos acreditar ter feacute e lutar
para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem
tornemos todos esses desejos
realidade
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
O Amor
Ceciacutelia Meireles
Eacute difiacutecil para os indecisos
Eacute assustador para os medrosos
Avassalador para os apaixonados
Mas os vencedores no amor satildeo os fortes
Os que sabem o que querem e querem o que tecircm
Sonhar um sonho a dois
e nunca desistir da busca de ser feliz
eacute para poucos
eu sou uma desses poucos
amo avassaladoramente
O AMOR DAS MINHAS VIDAS
Ceciacutelia Meireles
Basta-me um pequeno gesto
feito de longe e de leve
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
LUA ADVERSA
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Fases que vatildeo e vecircm
no secreto calendaacuterio
que um astroacutelogo arbitraacuterio
inventou para meu uso
E roda a melancolia
seu interminaacutevel fuso
Natildeo me encontro com ningueacutem
(tenho fases como a lua)
No dia de algueacutem ser meu
natildeo eacute dia de eu ser sua
E quando chega esse dia
o outro desapareceu
Ceciacutelia Meireles
Despedida
Por mim e por voacutes e por mais aquilo
que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo
deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo
quero solidatildeo
Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens
E como o conheces - me perguntaratildeo
- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens
Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo
Que procuras Tudo Que desejas - Nada
Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Natildeo ando perdida mas desencontrada
Levo o meu rumo na minha matildeo
A memoacuteria voou da minha fronte
Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo
Talvez eu morra antes do horizonte
Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo
Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra
(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo
Estandarte triste de uma estranha guerra)
Quero solidatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Motivo
Ceciacutelia Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida estaacute completa
Natildeo sou alegre nem sou triste
sou poeta
Irmatildeo das coisas fugidias
natildeo sinto gozo nem tormento
Atravesso noites e dias
no vento
Se desmorono ou se edifico
se permaneccedilo ou me desfaccedilo
mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico
ou passo
Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo
Tem sangue eterno a asa ritmada
E um dia sei que estarei mudo
mdash mais nada
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Serenata
Ceciacutelia Meireles
Permita que eu feche os meus olhos
pois eacute muito longe e tatildeo tarde
Pensei que era apenas demora
e cantando pus-me a esperar-te
Permita que agora emudeccedila
que me conforme em ser sozinha
Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina
Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo
e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo
Ceciacutelia Meireles
E minha alma sem luz nem tenda
passa errante na noite maacute
agrave procura de quem me entenda
e de quem me consolaraacute
Ceciacutelia Meireles
A arte de ser feliz
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco
Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada
e o jardim parecia morto
Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde
e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas
Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse
E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e
meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz
Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor
Outras vezes encontro nuvens espessas
Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola
Pardais que pulam pelo muro
Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais
Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega
Aacutes vezes um galo canta
Agraves vezes um aviatildeo passa
Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino
E eu me sinto completamente feliz
Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas
que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem
outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros
finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
SONETO ANTIGO
Responder a perguntas natildeo respondo
Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto
Soacute do que sei de mim aos outros conto
de mim atravessada pelo mundo
Toda a minha experiecircncia o meu estudo
sou eu mesma que em solidatildeo paciente
recolho do que em mim observo e escuto
muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende
O que sou vale mais do que o meu canto
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisiacuteveis por onde ando
Tudo eacute secreto e de remoto exemplo
Todos ouvimos longe o apelo do Anjo
E todos somos pura flor de vento
Ceciacutelia Meireles
Renova-te
Renasce em ti mesmo
Multiplica os teus olhos para verem mais
Multiplica-se os teus braccedilos para semeares
tudo
Destroacutei os olhos que tiverem visto
Cria outros para as visotildees novas
Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado
Para se esquecerem de colher
Secirc sempre o mesmo
Sempre outro Mas sempre alto
Sempre longe
E dentro de tudo
Ceciacutelia Meireles
Tu tens um medo
Acabar
Natildeo vecircs que acabas todo o dia
Que morres no amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que te renovas todo o dia
No amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que eacutes sempre outro
Que eacutes sempre o mesmo
Que morreraacutes por idades imensas
Ateacute natildeo teres medo de morrer
E entatildeo seraacutes eterno
Ceciacutelia Meireles
Se vocecirc errou
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil perdoar
Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir
Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem
que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas
Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se
Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vida
Mas com certeza nada eacute impossiacutevel
Ceciacutelia Meireles
Natildeo digas onde acaba o dia
Onde comeccedila a noite
Natildeo fales palavras vatildes
As palavras do mundo
Natildeo digas onde comeccedila a Terra
Onde termina o ceacuteu
Natildeo digas ateacute onde eacutes tu
Natildeo digas desde onde eacutes Deus
Natildeo fales palavras vatildes
Desfaze-te da vaidade triste de falar
Pensacompletamente silencioso
Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso
Sem pensar
Ceciacutelia Meireles
Canccedilatildeo do Sonho Acabado
Jaacute tive a rosa do amor
- rubra rosa sem pudor
Cobicei cheirei colhi
Mas ela despetalou
E outra igual nunca mais vi
Jaacute vivi mil aventuras
Me embriaguei de alegria
Mas os risos da ventura
No limiar da loucura
Se tornaram fantasia
Jaacute almejei felicidade
Matildeos dadas fraternidade
Um ideal sem fronteiras
- utopia Voou ligeira
Nas asas da liberdade
Desejei viver Demais
Segurar a juventude
Prender o tempo na matildeo
Plantar o liacuterio da paz
Mas nem mesmo isto eu pude
Tentei poreacutem nada fiz
Muito da vida eu jaacute quis
Jaacute quis mas natildeo quero mais
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Epigrama n 2
Ceciacutelia Meireles
Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade
Custas a vir e quando vens natildeo te demoras
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo
e para te medir se inventaram as horas
Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa
Fizeste para sempre a vida ficar triste
Porque um dia se vecirc que as horas todas passam
e um tempo despovoado e profundo persiste
Ceciacutelia Meireles
Sou entre flor e nuvem
estrela e mar Por que
havemos de ser unicamente
humanos limitados em chorar
Natildeo encontro caminhos faacuteceis
de andar Meu rosto vaacuterio
desorienta as firmes pedras
que natildeo sabem de aacutegua e de ar
Ceciacutelia Meireles
Eacute preciso natildeo esquecer nada
nem a torneira aberta nem o fogo aceso
nem o sorriso para os infelizes
nem a oraccedilatildeo de cada instante
Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta
nem o ceacuteu de sempre
O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso
O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos
a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria
O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos
vigiados pelos proacuteprios olhos
severos conosco pois o resto natildeo nos pertence
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Ceciacutelia Meireles
A bailarina
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Natildeo conhece nem doacute nem reacute
mas sabe ficar na ponta do peacute
Natildeo conhece nem mi nem faacute
Mas inclina o corpo para caacute e para laacute
Natildeo conhece nem laacute nem si
mas fecha os olhos e sorri
Roda roda roda com os bracinhos no ar
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
e natildeo fica tonta nem sai do lugar
Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu
e diz que caiu do ceacuteu
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Mas depois esquece todas as danccedilas
e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 8 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
01 Apresentaccedilatildeo - (in Retrato Natural)
Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II
Aqui estaacute minha vida mdash esta areia tatildeo clara
com desenhos de andar dedicados ao vento
Aqui estaacute minha voz mdash esta concha vazia
sombra de som curtindo o seu proacuteprio
lamento
Aqui estaacute minha dor mdash este coral quebrado
sobrevivendo ao seu pateacutetico momento
Aqui estaacute minha heranccedila mdash este mar solitaacuterio
que de um lado era amor e do outro
esquecimento
Translation in English Presentation
Here is my life - this sand so clear
with drawings of floor dedicated to the wind
Here is my voice - this empty shell
Sound enjoying the shade of your own regret
Here is my pain - this coral broken
surviving its pathetic moment
Here is my heritage - this lonely sea
that on one side was love and the other
forgetting
Cecilia Meireles in Natural Portrait
Traduction en Franccedilais Preacutesentation
preacutesentation
Voici ma vie - ce sable si clair
avec des dessins de sol deacutedieacute au vent
Voici ma voix - cette coquille vide
Son profite de lombre de votre grand regret
Voici ma douleur - ce corail briseacute
survivant son moment patheacutetique
Voici mon patrimoine - cette mer solitaire
que dun cocircteacute lamour et lautre loubli
Cecilia Meireles dans laquoPortrait naturelraquo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 9 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
02 Retrato
Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Paulo Autran I Paulo Autran II
Eu natildeo tinha este rosto de hoje
assim calmo assim triste assim magro
nem estes olhos tatildeo vazios nem o laacutebio amargo
Eu natildeo tinha estas matildeos sem forccedila
tatildeo paradas e frias e mortas
eu natildeo tinha este coraccedilatildeo que nem se mostra
Eu natildeo dei por esta mudanccedila
tatildeo simples tatildeo certa tatildeo faacutecil
Em que espelho ficou perdida a minha face
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 10 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
03 - Elegia a uma pequena borboleta - ( In Retrato natural )
Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Ceciacutelia Meireles III
Como chegavas do casulo
mdash inacabada seda viva mdash
tuas antenas mdash fios soltos
da trama de que eras tecida
e teus olhos dois gratildeos da noite
de onde o teu misteacuterio surgia
Como caiacuteste sobre o mundo
inaacutebil na manhatilde tatildeo clara
sem matildee sem guia sem conselho
e rolavas por uma escada
como papel penugem poeira
com mais sonho e silecircncio que asas
minha matildeo tosca te agarrou
com uma dura inocente culpa
e eacute cinza de lua teu corpo
meus dedos sua sepultura
Jaacute desfeita e ainda palpitante
expiras sem noccedilatildeo nenhuma
Oacute bordado do veacuteu do dia
transparente anecircmona aeacuterea
natildeo leves meu rosto contigo
leva o pranto que te celebra
no olho precaacuterio em que te acabas
meu remorso ajoelhado leva
Choro a tua forma violada
miraculosa alva divina
criatura de poacutelen de aragem
diaacutefana peacutetala da vida
Choro ter pesado em teu corpo
que no estame natildeo pesaria
Choro esta humana insuficiecircncia
mdash a confusatildeo dos nossos olhos
mdash o selvagem peso do gesto
mdash cegueira mdash ignoracircncia mdash remotos
instintos suacutebitos mdash violecircncias
que o sonho e a graccedila prostram mortos
Pudesse a eteacutereos paraiacutesos
ascender teu leve fantasma
e meu coraccedilatildeo penitente
ser a rosa desabrochada
para servir-te mel e aroma
por toda a eternidade escrava
E as laacutegrimas que por ti choro
fossem o orvalho desses campos
mdash os espelhos que refletissem
mdash vocirco e silecircncio mdash os teus encantos
com a ternura humilde e o remorso
dos meus desacertos humanos
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 11 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
04 ndash Guitarra (Punhal de Prata)
Ceciacutelia Meireles
Guitarra barroca Guitarra
Punhal de prata jaacute eras
punhal de prata
Nem foste tu que fizeste a minha matildeo insensata
Vi-te brilhar entre as pedras
punhal de prata
No cabo flores abertas
no gume a medida exata
exata
a medida certa
punhal de prata
para atravessar-me o peito
com uma letra e uma data
A maior pena que eu tenho
punhal de prata natildeo eacute de me ver morrendo
mas de saber quem me mata
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 12 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
05 Cavalo Morto
Ceciacutelia Meireles
O cavalo morto
Vi a neacutevoa da madrugada
deslizar seus gestos de prata
mover densidades de opala
naquele poacutertico de sono
Na fronteira havia um cavalo morto
Gratildeos de cristal rolavam pelo
seu flanco niacutetido e algum vento
torcia-lhes as crinas pequeno
leve arabesco triste adorno
- e movia a cauda ao cavalo morto
As estrelas ainda viviam
e ainda natildeo eram nascidas
ah as flores daquele dia
- mas era um canteiro o seu corpo
Um jardim de liacuterios o cavalo morto
Muitos viajantes contemplaram
a fluida muacutesica a orvalhada
das grandes moscas de esmeralda
chegando em rumoroso jorro
Adernava triste o cavalo morto
E viam-se uns cavalos vivos
altos como esbeltos navios
galopando nos ares finos
com felizes perfis de sonho
Branco e verde via-se o cavalo morto
no campo enorme e sem recurso
- e devagar girava o mundo
entre as suas pestanas turvo
como em luas de espelho roxo
Dava sol nos dentes do cavalo morto
Mas todos tinham muita pressa
e natildeo sentiram como a terra
procurava de leacutegua em leacutegua
o aacutegil o imenso o eteacutereo sopro
que faltava agravequele arcabouccedilo
Tatildeo pesado o peito do cavalo morto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 13 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Ceciacutelia Meireles eacute um pouco como Guimaratildees Rosa uma grande artista brasileira que precisa ser
resgatada de um equiacutevoco criacutetico que vai se repetindo em um eco meio irrefletido e acaba tornando
algo aparente e claro em um misteacuterio que ningueacutem vecirc
O poema Cavalo Morto eacute exemplo de que Ceciacutelia natildeo eacute essa passadista meio morna que os manuais
escolares de literatura querem projetar
O cavalo desse contundente poema faz companhia na minha imaginaccedilatildeo ao cavalo morto de um
romance de Faulkner [As I Lay Dying] aos cavalos mortos do filme de Buntildeuel amp Daliacute [Le chien
andalou] e ao terriacutevel genociacutedio equumlino de Grande Sertatildeo Veredas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 14 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
06 Balada das dez bailarinas do Cassino
Ceciacutelia Meireles
Balada das Dez Bailarinas do Cassino
Dez bailarinas deslizam
por um chatildeo de espelho
Tecircm corpos egiacutepcios com placas douradas
paacutelpebras azuis e dedos vermelhos
Levantam veacuteus brancos de ingecircnuos aromas
e dobram amarelos joelhos
Andam as dez bailarinas
sem voz em redor das mesas
Haacute matildeos sobre facas dentes sobre flores
e com os charutos toldam as luzes acesas
Entre a muacutesica e a danccedila escorre
uma sedosa escada de vileza
As dez bailarinas avanccedilam
como gafanhotos perdidos
Avanccedilam recuam na sala compacta
empurrando olhares e arranhando o ruiacutedo
Tatildeo nuas se sentem que jaacute vatildeo cobertas
de imaginaacuterios chorosos vestidos
A dez bailarinas escondem
nos ciacutelios verdes as pupilas
Em seus quadris fosforescentes
passa uma faixa de morte tranquumlila
Como quem leva para a terra um filho morto
levam seu proacuteprio corpo que baila e cintila
Os homens gordos olham com um teacutedio
enorme
as dez bailarinas tatildeo frias
Pobres serpentes sem luxuacuteria
que satildeo crianccedilas durante o dia
Dez anjos anecircmicos de axilas profundas
embalsamados de melancolia
Vatildeo perpassando como dez muacutemias
as bailarinas fatigadas
Ramo de nardos inclinando flores
azuis brancas verdes douradas
Dez matildees chorariam se vissem
as bailarinas de matildeos dadas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 15 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
07 ndash Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidecircncia
Ceciacutelia Meireles
Atraveacutes de grossas portas
sentem-se luzes acesas
mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas
dentro das casas fronteiras
olhos colados aos vidros
mulheres e homens agrave espreita
caras disformes de insocircnia
vigiando as accedilotildees alheias
Pelas gretas das janelas
pelas frestas das esteiras
agudas setas at iram
a inveja e a maledicecircncia
Palavras conjeturadas
oscilam no ar de surpresas
como peludas aranhas
na gosma das teias densas
raacutepidas e envenenadas
engenhosas sorrateiras
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
brilham fardas e casacas
junto com bat inas pretas
E haacute finas matildeos pensat ivas
entre galotildees sedas rendas
e haacute grossas matildeos vigorosas
de unhas fortes duras veias
e haacute matildeos de puacutelpito e altares
de Evangelhos cruzes becircnccedilatildeos
Uns satildeo reinoacuteis uns mazombos
e pensam de mil maneiras
mas citam Vergiacutelio e Horaacutecio
e refletem e argumentam
falam de minas e impostos
de lavras e de fazendas
de ministros e rainhas
e das colocircnias inglesas
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
uns sugerem uns recusam
uns ouvem uns aconselham
Se a derrama for lanccedilada
haacute levante com certeza
Corre-se por essas ruas
Corta-se alguma cabeccedila
Do cimo de alguma escada
profere-se alguma arenga
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Que bandeira se desdobra
Com que figura ou legenda
Coisas da Maccedilonaria
do Paganismo ou da Igreja
A Santiacutessima Trindade
Um gecircnio a quebrar algemas
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
entre sigilo e espionagem
acontece a Inconfidecircncia
E diz o Vigaacuterio ao Poeta
Escreva-me aquela letra
do versinho de Vergiacutelio
E daacute-lhe o papel e a pena
E diz o Poeta ao Vigaacuterio
com dramaacutetica prudecircncia
Tenha meus dedos cortados
antes que tal verso escrevam
LIBERDADE AINDA QUE TARDE
ouve-se em redor da mesa
E a bandeira jaacute estaacute viva
e sobe na noite imensa
E os seus tristes inventores
jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram
a falar em Liberdade
(que ningueacutem sabe o que seja)
Atraveacutes de grossas portas
sentem-se luzes acesas
mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas
dentro das casas fronteiras
Que estatildeo fazendo tatildeo tarde
Que escrevem conversam pensam
Mostram livros proibidos
Lecircem notiacutecias nas Gazetas
Teratildeo recebido cartas
de potecircncias estrangeiras
(Antiguidades de Nimes
em Vila Rica suspensas
Cavalo de La Fayette
saltando vastas fronteiras
Oacute vitoacuterias festas flores
das lutas da Independecircncia
Liberdade - essa palavra
que o sonho humano alimenta
que natildeo haacute ningueacutem que explique
e ningueacutem que natildeo entenda)
E a vizinhanccedila natildeo dorme
murmura imagina inventa
Natildeo fica bandeira escrita
mas fica escrita a sentenccedila
Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de
Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de
idade
O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto
naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo
usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era
muito real
Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes
maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda
definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute
ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
08 ndash Continuaccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre
inteira
Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que
explique e ningueacutem que natildeo entenda
Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas
que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente
aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Canteiros
Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner
Quando penso em vocecirc
Fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa
Menos a felicidade
Correm os meus dedos longos
Em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego
Jaacute me daacute contentamento
Pode ser ateacute manhatilde
Sendo claro feito o dia
Mas nada do que me dizem me faz sentir
alegria
(Refratildeo 2X)
Eu soacute queria ter do mato
Um gosto de framboesa
Pra correr entre os canteiros
E esconder minha tristeza
E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza
E deixemos de coisa cuidemos da vida
Pois se natildeo chega a morte
Ou coisa parecida
E nos arrasta moccedilo
Sem ter visto a vida
Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho
Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho
Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol
Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol
Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo
Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Poemas de Ceciacutelia Meireles
Nem tudo eacute faacutecil
Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute
faacutecil fazer triste
Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil
natildeo dizer nada
Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute
faacutecil perdecirc-lo para sempre
Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim
como eacute faacutecil viver mais um dia
Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom
assim como eacute faacutecil fechar os olhos e
atravessar a rua
Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim
como eacute faacutecil achar que sempre falta algo
Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute
faacutecil fazer chorar
Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim
como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute
faacutecil ser perdoado
Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o
Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil
se arrepender
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil
encontrar
algueacutem que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse
que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute
faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza
nada eacute impossiacutevel
Precisamos acreditar ter feacute e lutar
para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem
tornemos todos esses desejos
realidade
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
O Amor
Ceciacutelia Meireles
Eacute difiacutecil para os indecisos
Eacute assustador para os medrosos
Avassalador para os apaixonados
Mas os vencedores no amor satildeo os fortes
Os que sabem o que querem e querem o que tecircm
Sonhar um sonho a dois
e nunca desistir da busca de ser feliz
eacute para poucos
eu sou uma desses poucos
amo avassaladoramente
O AMOR DAS MINHAS VIDAS
Ceciacutelia Meireles
Basta-me um pequeno gesto
feito de longe e de leve
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
LUA ADVERSA
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Fases que vatildeo e vecircm
no secreto calendaacuterio
que um astroacutelogo arbitraacuterio
inventou para meu uso
E roda a melancolia
seu interminaacutevel fuso
Natildeo me encontro com ningueacutem
(tenho fases como a lua)
No dia de algueacutem ser meu
natildeo eacute dia de eu ser sua
E quando chega esse dia
o outro desapareceu
Ceciacutelia Meireles
Despedida
Por mim e por voacutes e por mais aquilo
que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo
deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo
quero solidatildeo
Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens
E como o conheces - me perguntaratildeo
- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens
Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo
Que procuras Tudo Que desejas - Nada
Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Natildeo ando perdida mas desencontrada
Levo o meu rumo na minha matildeo
A memoacuteria voou da minha fronte
Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo
Talvez eu morra antes do horizonte
Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo
Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra
(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo
Estandarte triste de uma estranha guerra)
Quero solidatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Motivo
Ceciacutelia Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida estaacute completa
Natildeo sou alegre nem sou triste
sou poeta
Irmatildeo das coisas fugidias
natildeo sinto gozo nem tormento
Atravesso noites e dias
no vento
Se desmorono ou se edifico
se permaneccedilo ou me desfaccedilo
mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico
ou passo
Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo
Tem sangue eterno a asa ritmada
E um dia sei que estarei mudo
mdash mais nada
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Serenata
Ceciacutelia Meireles
Permita que eu feche os meus olhos
pois eacute muito longe e tatildeo tarde
Pensei que era apenas demora
e cantando pus-me a esperar-te
Permita que agora emudeccedila
que me conforme em ser sozinha
Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina
Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo
e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo
Ceciacutelia Meireles
E minha alma sem luz nem tenda
passa errante na noite maacute
agrave procura de quem me entenda
e de quem me consolaraacute
Ceciacutelia Meireles
A arte de ser feliz
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco
Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada
e o jardim parecia morto
Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde
e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas
Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse
E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e
meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz
Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor
Outras vezes encontro nuvens espessas
Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola
Pardais que pulam pelo muro
Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais
Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega
Aacutes vezes um galo canta
Agraves vezes um aviatildeo passa
Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino
E eu me sinto completamente feliz
Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas
que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem
outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros
finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
SONETO ANTIGO
Responder a perguntas natildeo respondo
Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto
Soacute do que sei de mim aos outros conto
de mim atravessada pelo mundo
Toda a minha experiecircncia o meu estudo
sou eu mesma que em solidatildeo paciente
recolho do que em mim observo e escuto
muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende
O que sou vale mais do que o meu canto
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisiacuteveis por onde ando
Tudo eacute secreto e de remoto exemplo
Todos ouvimos longe o apelo do Anjo
E todos somos pura flor de vento
Ceciacutelia Meireles
Renova-te
Renasce em ti mesmo
Multiplica os teus olhos para verem mais
Multiplica-se os teus braccedilos para semeares
tudo
Destroacutei os olhos que tiverem visto
Cria outros para as visotildees novas
Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado
Para se esquecerem de colher
Secirc sempre o mesmo
Sempre outro Mas sempre alto
Sempre longe
E dentro de tudo
Ceciacutelia Meireles
Tu tens um medo
Acabar
Natildeo vecircs que acabas todo o dia
Que morres no amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que te renovas todo o dia
No amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que eacutes sempre outro
Que eacutes sempre o mesmo
Que morreraacutes por idades imensas
Ateacute natildeo teres medo de morrer
E entatildeo seraacutes eterno
Ceciacutelia Meireles
Se vocecirc errou
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil perdoar
Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir
Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem
que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas
Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se
Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vida
Mas com certeza nada eacute impossiacutevel
Ceciacutelia Meireles
Natildeo digas onde acaba o dia
Onde comeccedila a noite
Natildeo fales palavras vatildes
As palavras do mundo
Natildeo digas onde comeccedila a Terra
Onde termina o ceacuteu
Natildeo digas ateacute onde eacutes tu
Natildeo digas desde onde eacutes Deus
Natildeo fales palavras vatildes
Desfaze-te da vaidade triste de falar
Pensacompletamente silencioso
Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso
Sem pensar
Ceciacutelia Meireles
Canccedilatildeo do Sonho Acabado
Jaacute tive a rosa do amor
- rubra rosa sem pudor
Cobicei cheirei colhi
Mas ela despetalou
E outra igual nunca mais vi
Jaacute vivi mil aventuras
Me embriaguei de alegria
Mas os risos da ventura
No limiar da loucura
Se tornaram fantasia
Jaacute almejei felicidade
Matildeos dadas fraternidade
Um ideal sem fronteiras
- utopia Voou ligeira
Nas asas da liberdade
Desejei viver Demais
Segurar a juventude
Prender o tempo na matildeo
Plantar o liacuterio da paz
Mas nem mesmo isto eu pude
Tentei poreacutem nada fiz
Muito da vida eu jaacute quis
Jaacute quis mas natildeo quero mais
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Epigrama n 2
Ceciacutelia Meireles
Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade
Custas a vir e quando vens natildeo te demoras
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo
e para te medir se inventaram as horas
Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa
Fizeste para sempre a vida ficar triste
Porque um dia se vecirc que as horas todas passam
e um tempo despovoado e profundo persiste
Ceciacutelia Meireles
Sou entre flor e nuvem
estrela e mar Por que
havemos de ser unicamente
humanos limitados em chorar
Natildeo encontro caminhos faacuteceis
de andar Meu rosto vaacuterio
desorienta as firmes pedras
que natildeo sabem de aacutegua e de ar
Ceciacutelia Meireles
Eacute preciso natildeo esquecer nada
nem a torneira aberta nem o fogo aceso
nem o sorriso para os infelizes
nem a oraccedilatildeo de cada instante
Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta
nem o ceacuteu de sempre
O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso
O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos
a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria
O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos
vigiados pelos proacuteprios olhos
severos conosco pois o resto natildeo nos pertence
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Ceciacutelia Meireles
A bailarina
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Natildeo conhece nem doacute nem reacute
mas sabe ficar na ponta do peacute
Natildeo conhece nem mi nem faacute
Mas inclina o corpo para caacute e para laacute
Natildeo conhece nem laacute nem si
mas fecha os olhos e sorri
Roda roda roda com os bracinhos no ar
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
e natildeo fica tonta nem sai do lugar
Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu
e diz que caiu do ceacuteu
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Mas depois esquece todas as danccedilas
e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 9 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
02 Retrato
Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Paulo Autran I Paulo Autran II
Eu natildeo tinha este rosto de hoje
assim calmo assim triste assim magro
nem estes olhos tatildeo vazios nem o laacutebio amargo
Eu natildeo tinha estas matildeos sem forccedila
tatildeo paradas e frias e mortas
eu natildeo tinha este coraccedilatildeo que nem se mostra
Eu natildeo dei por esta mudanccedila
tatildeo simples tatildeo certa tatildeo faacutecil
Em que espelho ficou perdida a minha face
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 10 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
03 - Elegia a uma pequena borboleta - ( In Retrato natural )
Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Ceciacutelia Meireles III
Como chegavas do casulo
mdash inacabada seda viva mdash
tuas antenas mdash fios soltos
da trama de que eras tecida
e teus olhos dois gratildeos da noite
de onde o teu misteacuterio surgia
Como caiacuteste sobre o mundo
inaacutebil na manhatilde tatildeo clara
sem matildee sem guia sem conselho
e rolavas por uma escada
como papel penugem poeira
com mais sonho e silecircncio que asas
minha matildeo tosca te agarrou
com uma dura inocente culpa
e eacute cinza de lua teu corpo
meus dedos sua sepultura
Jaacute desfeita e ainda palpitante
expiras sem noccedilatildeo nenhuma
Oacute bordado do veacuteu do dia
transparente anecircmona aeacuterea
natildeo leves meu rosto contigo
leva o pranto que te celebra
no olho precaacuterio em que te acabas
meu remorso ajoelhado leva
Choro a tua forma violada
miraculosa alva divina
criatura de poacutelen de aragem
diaacutefana peacutetala da vida
Choro ter pesado em teu corpo
que no estame natildeo pesaria
Choro esta humana insuficiecircncia
mdash a confusatildeo dos nossos olhos
mdash o selvagem peso do gesto
mdash cegueira mdash ignoracircncia mdash remotos
instintos suacutebitos mdash violecircncias
que o sonho e a graccedila prostram mortos
Pudesse a eteacutereos paraiacutesos
ascender teu leve fantasma
e meu coraccedilatildeo penitente
ser a rosa desabrochada
para servir-te mel e aroma
por toda a eternidade escrava
E as laacutegrimas que por ti choro
fossem o orvalho desses campos
mdash os espelhos que refletissem
mdash vocirco e silecircncio mdash os teus encantos
com a ternura humilde e o remorso
dos meus desacertos humanos
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 11 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
04 ndash Guitarra (Punhal de Prata)
Ceciacutelia Meireles
Guitarra barroca Guitarra
Punhal de prata jaacute eras
punhal de prata
Nem foste tu que fizeste a minha matildeo insensata
Vi-te brilhar entre as pedras
punhal de prata
No cabo flores abertas
no gume a medida exata
exata
a medida certa
punhal de prata
para atravessar-me o peito
com uma letra e uma data
A maior pena que eu tenho
punhal de prata natildeo eacute de me ver morrendo
mas de saber quem me mata
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 12 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
05 Cavalo Morto
Ceciacutelia Meireles
O cavalo morto
Vi a neacutevoa da madrugada
deslizar seus gestos de prata
mover densidades de opala
naquele poacutertico de sono
Na fronteira havia um cavalo morto
Gratildeos de cristal rolavam pelo
seu flanco niacutetido e algum vento
torcia-lhes as crinas pequeno
leve arabesco triste adorno
- e movia a cauda ao cavalo morto
As estrelas ainda viviam
e ainda natildeo eram nascidas
ah as flores daquele dia
- mas era um canteiro o seu corpo
Um jardim de liacuterios o cavalo morto
Muitos viajantes contemplaram
a fluida muacutesica a orvalhada
das grandes moscas de esmeralda
chegando em rumoroso jorro
Adernava triste o cavalo morto
E viam-se uns cavalos vivos
altos como esbeltos navios
galopando nos ares finos
com felizes perfis de sonho
Branco e verde via-se o cavalo morto
no campo enorme e sem recurso
- e devagar girava o mundo
entre as suas pestanas turvo
como em luas de espelho roxo
Dava sol nos dentes do cavalo morto
Mas todos tinham muita pressa
e natildeo sentiram como a terra
procurava de leacutegua em leacutegua
o aacutegil o imenso o eteacutereo sopro
que faltava agravequele arcabouccedilo
Tatildeo pesado o peito do cavalo morto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 13 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Ceciacutelia Meireles eacute um pouco como Guimaratildees Rosa uma grande artista brasileira que precisa ser
resgatada de um equiacutevoco criacutetico que vai se repetindo em um eco meio irrefletido e acaba tornando
algo aparente e claro em um misteacuterio que ningueacutem vecirc
O poema Cavalo Morto eacute exemplo de que Ceciacutelia natildeo eacute essa passadista meio morna que os manuais
escolares de literatura querem projetar
O cavalo desse contundente poema faz companhia na minha imaginaccedilatildeo ao cavalo morto de um
romance de Faulkner [As I Lay Dying] aos cavalos mortos do filme de Buntildeuel amp Daliacute [Le chien
andalou] e ao terriacutevel genociacutedio equumlino de Grande Sertatildeo Veredas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 14 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
06 Balada das dez bailarinas do Cassino
Ceciacutelia Meireles
Balada das Dez Bailarinas do Cassino
Dez bailarinas deslizam
por um chatildeo de espelho
Tecircm corpos egiacutepcios com placas douradas
paacutelpebras azuis e dedos vermelhos
Levantam veacuteus brancos de ingecircnuos aromas
e dobram amarelos joelhos
Andam as dez bailarinas
sem voz em redor das mesas
Haacute matildeos sobre facas dentes sobre flores
e com os charutos toldam as luzes acesas
Entre a muacutesica e a danccedila escorre
uma sedosa escada de vileza
As dez bailarinas avanccedilam
como gafanhotos perdidos
Avanccedilam recuam na sala compacta
empurrando olhares e arranhando o ruiacutedo
Tatildeo nuas se sentem que jaacute vatildeo cobertas
de imaginaacuterios chorosos vestidos
A dez bailarinas escondem
nos ciacutelios verdes as pupilas
Em seus quadris fosforescentes
passa uma faixa de morte tranquumlila
Como quem leva para a terra um filho morto
levam seu proacuteprio corpo que baila e cintila
Os homens gordos olham com um teacutedio
enorme
as dez bailarinas tatildeo frias
Pobres serpentes sem luxuacuteria
que satildeo crianccedilas durante o dia
Dez anjos anecircmicos de axilas profundas
embalsamados de melancolia
Vatildeo perpassando como dez muacutemias
as bailarinas fatigadas
Ramo de nardos inclinando flores
azuis brancas verdes douradas
Dez matildees chorariam se vissem
as bailarinas de matildeos dadas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 15 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
07 ndash Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidecircncia
Ceciacutelia Meireles
Atraveacutes de grossas portas
sentem-se luzes acesas
mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas
dentro das casas fronteiras
olhos colados aos vidros
mulheres e homens agrave espreita
caras disformes de insocircnia
vigiando as accedilotildees alheias
Pelas gretas das janelas
pelas frestas das esteiras
agudas setas at iram
a inveja e a maledicecircncia
Palavras conjeturadas
oscilam no ar de surpresas
como peludas aranhas
na gosma das teias densas
raacutepidas e envenenadas
engenhosas sorrateiras
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
brilham fardas e casacas
junto com bat inas pretas
E haacute finas matildeos pensat ivas
entre galotildees sedas rendas
e haacute grossas matildeos vigorosas
de unhas fortes duras veias
e haacute matildeos de puacutelpito e altares
de Evangelhos cruzes becircnccedilatildeos
Uns satildeo reinoacuteis uns mazombos
e pensam de mil maneiras
mas citam Vergiacutelio e Horaacutecio
e refletem e argumentam
falam de minas e impostos
de lavras e de fazendas
de ministros e rainhas
e das colocircnias inglesas
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
uns sugerem uns recusam
uns ouvem uns aconselham
Se a derrama for lanccedilada
haacute levante com certeza
Corre-se por essas ruas
Corta-se alguma cabeccedila
Do cimo de alguma escada
profere-se alguma arenga
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Que bandeira se desdobra
Com que figura ou legenda
Coisas da Maccedilonaria
do Paganismo ou da Igreja
A Santiacutessima Trindade
Um gecircnio a quebrar algemas
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
entre sigilo e espionagem
acontece a Inconfidecircncia
E diz o Vigaacuterio ao Poeta
Escreva-me aquela letra
do versinho de Vergiacutelio
E daacute-lhe o papel e a pena
E diz o Poeta ao Vigaacuterio
com dramaacutetica prudecircncia
Tenha meus dedos cortados
antes que tal verso escrevam
LIBERDADE AINDA QUE TARDE
ouve-se em redor da mesa
E a bandeira jaacute estaacute viva
e sobe na noite imensa
E os seus tristes inventores
jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram
a falar em Liberdade
(que ningueacutem sabe o que seja)
Atraveacutes de grossas portas
sentem-se luzes acesas
mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas
dentro das casas fronteiras
Que estatildeo fazendo tatildeo tarde
Que escrevem conversam pensam
Mostram livros proibidos
Lecircem notiacutecias nas Gazetas
Teratildeo recebido cartas
de potecircncias estrangeiras
(Antiguidades de Nimes
em Vila Rica suspensas
Cavalo de La Fayette
saltando vastas fronteiras
Oacute vitoacuterias festas flores
das lutas da Independecircncia
Liberdade - essa palavra
que o sonho humano alimenta
que natildeo haacute ningueacutem que explique
e ningueacutem que natildeo entenda)
E a vizinhanccedila natildeo dorme
murmura imagina inventa
Natildeo fica bandeira escrita
mas fica escrita a sentenccedila
Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de
Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de
idade
O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto
naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo
usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era
muito real
Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes
maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda
definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute
ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
08 ndash Continuaccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre
inteira
Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que
explique e ningueacutem que natildeo entenda
Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas
que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente
aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Canteiros
Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner
Quando penso em vocecirc
Fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa
Menos a felicidade
Correm os meus dedos longos
Em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego
Jaacute me daacute contentamento
Pode ser ateacute manhatilde
Sendo claro feito o dia
Mas nada do que me dizem me faz sentir
alegria
(Refratildeo 2X)
Eu soacute queria ter do mato
Um gosto de framboesa
Pra correr entre os canteiros
E esconder minha tristeza
E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza
E deixemos de coisa cuidemos da vida
Pois se natildeo chega a morte
Ou coisa parecida
E nos arrasta moccedilo
Sem ter visto a vida
Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho
Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho
Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol
Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol
Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo
Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Poemas de Ceciacutelia Meireles
Nem tudo eacute faacutecil
Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute
faacutecil fazer triste
Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil
natildeo dizer nada
Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute
faacutecil perdecirc-lo para sempre
Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim
como eacute faacutecil viver mais um dia
Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom
assim como eacute faacutecil fechar os olhos e
atravessar a rua
Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim
como eacute faacutecil achar que sempre falta algo
Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute
faacutecil fazer chorar
Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim
como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute
faacutecil ser perdoado
Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o
Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil
se arrepender
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil
encontrar
algueacutem que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse
que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute
faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza
nada eacute impossiacutevel
Precisamos acreditar ter feacute e lutar
para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem
tornemos todos esses desejos
realidade
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
O Amor
Ceciacutelia Meireles
Eacute difiacutecil para os indecisos
Eacute assustador para os medrosos
Avassalador para os apaixonados
Mas os vencedores no amor satildeo os fortes
Os que sabem o que querem e querem o que tecircm
Sonhar um sonho a dois
e nunca desistir da busca de ser feliz
eacute para poucos
eu sou uma desses poucos
amo avassaladoramente
O AMOR DAS MINHAS VIDAS
Ceciacutelia Meireles
Basta-me um pequeno gesto
feito de longe e de leve
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
LUA ADVERSA
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Fases que vatildeo e vecircm
no secreto calendaacuterio
que um astroacutelogo arbitraacuterio
inventou para meu uso
E roda a melancolia
seu interminaacutevel fuso
Natildeo me encontro com ningueacutem
(tenho fases como a lua)
No dia de algueacutem ser meu
natildeo eacute dia de eu ser sua
E quando chega esse dia
o outro desapareceu
Ceciacutelia Meireles
Despedida
Por mim e por voacutes e por mais aquilo
que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo
deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo
quero solidatildeo
Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens
E como o conheces - me perguntaratildeo
- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens
Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo
Que procuras Tudo Que desejas - Nada
Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Natildeo ando perdida mas desencontrada
Levo o meu rumo na minha matildeo
A memoacuteria voou da minha fronte
Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo
Talvez eu morra antes do horizonte
Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo
Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra
(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo
Estandarte triste de uma estranha guerra)
Quero solidatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Motivo
Ceciacutelia Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida estaacute completa
Natildeo sou alegre nem sou triste
sou poeta
Irmatildeo das coisas fugidias
natildeo sinto gozo nem tormento
Atravesso noites e dias
no vento
Se desmorono ou se edifico
se permaneccedilo ou me desfaccedilo
mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico
ou passo
Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo
Tem sangue eterno a asa ritmada
E um dia sei que estarei mudo
mdash mais nada
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Serenata
Ceciacutelia Meireles
Permita que eu feche os meus olhos
pois eacute muito longe e tatildeo tarde
Pensei que era apenas demora
e cantando pus-me a esperar-te
Permita que agora emudeccedila
que me conforme em ser sozinha
Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina
Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo
e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo
Ceciacutelia Meireles
E minha alma sem luz nem tenda
passa errante na noite maacute
agrave procura de quem me entenda
e de quem me consolaraacute
Ceciacutelia Meireles
A arte de ser feliz
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco
Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada
e o jardim parecia morto
Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde
e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas
Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse
E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e
meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz
Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor
Outras vezes encontro nuvens espessas
Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola
Pardais que pulam pelo muro
Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais
Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega
Aacutes vezes um galo canta
Agraves vezes um aviatildeo passa
Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino
E eu me sinto completamente feliz
Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas
que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem
outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros
finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
SONETO ANTIGO
Responder a perguntas natildeo respondo
Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto
Soacute do que sei de mim aos outros conto
de mim atravessada pelo mundo
Toda a minha experiecircncia o meu estudo
sou eu mesma que em solidatildeo paciente
recolho do que em mim observo e escuto
muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende
O que sou vale mais do que o meu canto
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisiacuteveis por onde ando
Tudo eacute secreto e de remoto exemplo
Todos ouvimos longe o apelo do Anjo
E todos somos pura flor de vento
Ceciacutelia Meireles
Renova-te
Renasce em ti mesmo
Multiplica os teus olhos para verem mais
Multiplica-se os teus braccedilos para semeares
tudo
Destroacutei os olhos que tiverem visto
Cria outros para as visotildees novas
Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado
Para se esquecerem de colher
Secirc sempre o mesmo
Sempre outro Mas sempre alto
Sempre longe
E dentro de tudo
Ceciacutelia Meireles
Tu tens um medo
Acabar
Natildeo vecircs que acabas todo o dia
Que morres no amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que te renovas todo o dia
No amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que eacutes sempre outro
Que eacutes sempre o mesmo
Que morreraacutes por idades imensas
Ateacute natildeo teres medo de morrer
E entatildeo seraacutes eterno
Ceciacutelia Meireles
Se vocecirc errou
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil perdoar
Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir
Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem
que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas
Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se
Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vida
Mas com certeza nada eacute impossiacutevel
Ceciacutelia Meireles
Natildeo digas onde acaba o dia
Onde comeccedila a noite
Natildeo fales palavras vatildes
As palavras do mundo
Natildeo digas onde comeccedila a Terra
Onde termina o ceacuteu
Natildeo digas ateacute onde eacutes tu
Natildeo digas desde onde eacutes Deus
Natildeo fales palavras vatildes
Desfaze-te da vaidade triste de falar
Pensacompletamente silencioso
Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso
Sem pensar
Ceciacutelia Meireles
Canccedilatildeo do Sonho Acabado
Jaacute tive a rosa do amor
- rubra rosa sem pudor
Cobicei cheirei colhi
Mas ela despetalou
E outra igual nunca mais vi
Jaacute vivi mil aventuras
Me embriaguei de alegria
Mas os risos da ventura
No limiar da loucura
Se tornaram fantasia
Jaacute almejei felicidade
Matildeos dadas fraternidade
Um ideal sem fronteiras
- utopia Voou ligeira
Nas asas da liberdade
Desejei viver Demais
Segurar a juventude
Prender o tempo na matildeo
Plantar o liacuterio da paz
Mas nem mesmo isto eu pude
Tentei poreacutem nada fiz
Muito da vida eu jaacute quis
Jaacute quis mas natildeo quero mais
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Epigrama n 2
Ceciacutelia Meireles
Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade
Custas a vir e quando vens natildeo te demoras
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo
e para te medir se inventaram as horas
Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa
Fizeste para sempre a vida ficar triste
Porque um dia se vecirc que as horas todas passam
e um tempo despovoado e profundo persiste
Ceciacutelia Meireles
Sou entre flor e nuvem
estrela e mar Por que
havemos de ser unicamente
humanos limitados em chorar
Natildeo encontro caminhos faacuteceis
de andar Meu rosto vaacuterio
desorienta as firmes pedras
que natildeo sabem de aacutegua e de ar
Ceciacutelia Meireles
Eacute preciso natildeo esquecer nada
nem a torneira aberta nem o fogo aceso
nem o sorriso para os infelizes
nem a oraccedilatildeo de cada instante
Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta
nem o ceacuteu de sempre
O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso
O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos
a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria
O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos
vigiados pelos proacuteprios olhos
severos conosco pois o resto natildeo nos pertence
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Ceciacutelia Meireles
A bailarina
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Natildeo conhece nem doacute nem reacute
mas sabe ficar na ponta do peacute
Natildeo conhece nem mi nem faacute
Mas inclina o corpo para caacute e para laacute
Natildeo conhece nem laacute nem si
mas fecha os olhos e sorri
Roda roda roda com os bracinhos no ar
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
e natildeo fica tonta nem sai do lugar
Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu
e diz que caiu do ceacuteu
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Mas depois esquece todas as danccedilas
e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 10 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
03 - Elegia a uma pequena borboleta - ( In Retrato natural )
Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Ceciacutelia Meireles III
Como chegavas do casulo
mdash inacabada seda viva mdash
tuas antenas mdash fios soltos
da trama de que eras tecida
e teus olhos dois gratildeos da noite
de onde o teu misteacuterio surgia
Como caiacuteste sobre o mundo
inaacutebil na manhatilde tatildeo clara
sem matildee sem guia sem conselho
e rolavas por uma escada
como papel penugem poeira
com mais sonho e silecircncio que asas
minha matildeo tosca te agarrou
com uma dura inocente culpa
e eacute cinza de lua teu corpo
meus dedos sua sepultura
Jaacute desfeita e ainda palpitante
expiras sem noccedilatildeo nenhuma
Oacute bordado do veacuteu do dia
transparente anecircmona aeacuterea
natildeo leves meu rosto contigo
leva o pranto que te celebra
no olho precaacuterio em que te acabas
meu remorso ajoelhado leva
Choro a tua forma violada
miraculosa alva divina
criatura de poacutelen de aragem
diaacutefana peacutetala da vida
Choro ter pesado em teu corpo
que no estame natildeo pesaria
Choro esta humana insuficiecircncia
mdash a confusatildeo dos nossos olhos
mdash o selvagem peso do gesto
mdash cegueira mdash ignoracircncia mdash remotos
instintos suacutebitos mdash violecircncias
que o sonho e a graccedila prostram mortos
Pudesse a eteacutereos paraiacutesos
ascender teu leve fantasma
e meu coraccedilatildeo penitente
ser a rosa desabrochada
para servir-te mel e aroma
por toda a eternidade escrava
E as laacutegrimas que por ti choro
fossem o orvalho desses campos
mdash os espelhos que refletissem
mdash vocirco e silecircncio mdash os teus encantos
com a ternura humilde e o remorso
dos meus desacertos humanos
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 11 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
04 ndash Guitarra (Punhal de Prata)
Ceciacutelia Meireles
Guitarra barroca Guitarra
Punhal de prata jaacute eras
punhal de prata
Nem foste tu que fizeste a minha matildeo insensata
Vi-te brilhar entre as pedras
punhal de prata
No cabo flores abertas
no gume a medida exata
exata
a medida certa
punhal de prata
para atravessar-me o peito
com uma letra e uma data
A maior pena que eu tenho
punhal de prata natildeo eacute de me ver morrendo
mas de saber quem me mata
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 12 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
05 Cavalo Morto
Ceciacutelia Meireles
O cavalo morto
Vi a neacutevoa da madrugada
deslizar seus gestos de prata
mover densidades de opala
naquele poacutertico de sono
Na fronteira havia um cavalo morto
Gratildeos de cristal rolavam pelo
seu flanco niacutetido e algum vento
torcia-lhes as crinas pequeno
leve arabesco triste adorno
- e movia a cauda ao cavalo morto
As estrelas ainda viviam
e ainda natildeo eram nascidas
ah as flores daquele dia
- mas era um canteiro o seu corpo
Um jardim de liacuterios o cavalo morto
Muitos viajantes contemplaram
a fluida muacutesica a orvalhada
das grandes moscas de esmeralda
chegando em rumoroso jorro
Adernava triste o cavalo morto
E viam-se uns cavalos vivos
altos como esbeltos navios
galopando nos ares finos
com felizes perfis de sonho
Branco e verde via-se o cavalo morto
no campo enorme e sem recurso
- e devagar girava o mundo
entre as suas pestanas turvo
como em luas de espelho roxo
Dava sol nos dentes do cavalo morto
Mas todos tinham muita pressa
e natildeo sentiram como a terra
procurava de leacutegua em leacutegua
o aacutegil o imenso o eteacutereo sopro
que faltava agravequele arcabouccedilo
Tatildeo pesado o peito do cavalo morto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 13 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Ceciacutelia Meireles eacute um pouco como Guimaratildees Rosa uma grande artista brasileira que precisa ser
resgatada de um equiacutevoco criacutetico que vai se repetindo em um eco meio irrefletido e acaba tornando
algo aparente e claro em um misteacuterio que ningueacutem vecirc
O poema Cavalo Morto eacute exemplo de que Ceciacutelia natildeo eacute essa passadista meio morna que os manuais
escolares de literatura querem projetar
O cavalo desse contundente poema faz companhia na minha imaginaccedilatildeo ao cavalo morto de um
romance de Faulkner [As I Lay Dying] aos cavalos mortos do filme de Buntildeuel amp Daliacute [Le chien
andalou] e ao terriacutevel genociacutedio equumlino de Grande Sertatildeo Veredas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 14 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
06 Balada das dez bailarinas do Cassino
Ceciacutelia Meireles
Balada das Dez Bailarinas do Cassino
Dez bailarinas deslizam
por um chatildeo de espelho
Tecircm corpos egiacutepcios com placas douradas
paacutelpebras azuis e dedos vermelhos
Levantam veacuteus brancos de ingecircnuos aromas
e dobram amarelos joelhos
Andam as dez bailarinas
sem voz em redor das mesas
Haacute matildeos sobre facas dentes sobre flores
e com os charutos toldam as luzes acesas
Entre a muacutesica e a danccedila escorre
uma sedosa escada de vileza
As dez bailarinas avanccedilam
como gafanhotos perdidos
Avanccedilam recuam na sala compacta
empurrando olhares e arranhando o ruiacutedo
Tatildeo nuas se sentem que jaacute vatildeo cobertas
de imaginaacuterios chorosos vestidos
A dez bailarinas escondem
nos ciacutelios verdes as pupilas
Em seus quadris fosforescentes
passa uma faixa de morte tranquumlila
Como quem leva para a terra um filho morto
levam seu proacuteprio corpo que baila e cintila
Os homens gordos olham com um teacutedio
enorme
as dez bailarinas tatildeo frias
Pobres serpentes sem luxuacuteria
que satildeo crianccedilas durante o dia
Dez anjos anecircmicos de axilas profundas
embalsamados de melancolia
Vatildeo perpassando como dez muacutemias
as bailarinas fatigadas
Ramo de nardos inclinando flores
azuis brancas verdes douradas
Dez matildees chorariam se vissem
as bailarinas de matildeos dadas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 15 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
07 ndash Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidecircncia
Ceciacutelia Meireles
Atraveacutes de grossas portas
sentem-se luzes acesas
mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas
dentro das casas fronteiras
olhos colados aos vidros
mulheres e homens agrave espreita
caras disformes de insocircnia
vigiando as accedilotildees alheias
Pelas gretas das janelas
pelas frestas das esteiras
agudas setas at iram
a inveja e a maledicecircncia
Palavras conjeturadas
oscilam no ar de surpresas
como peludas aranhas
na gosma das teias densas
raacutepidas e envenenadas
engenhosas sorrateiras
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
brilham fardas e casacas
junto com bat inas pretas
E haacute finas matildeos pensat ivas
entre galotildees sedas rendas
e haacute grossas matildeos vigorosas
de unhas fortes duras veias
e haacute matildeos de puacutelpito e altares
de Evangelhos cruzes becircnccedilatildeos
Uns satildeo reinoacuteis uns mazombos
e pensam de mil maneiras
mas citam Vergiacutelio e Horaacutecio
e refletem e argumentam
falam de minas e impostos
de lavras e de fazendas
de ministros e rainhas
e das colocircnias inglesas
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
uns sugerem uns recusam
uns ouvem uns aconselham
Se a derrama for lanccedilada
haacute levante com certeza
Corre-se por essas ruas
Corta-se alguma cabeccedila
Do cimo de alguma escada
profere-se alguma arenga
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Que bandeira se desdobra
Com que figura ou legenda
Coisas da Maccedilonaria
do Paganismo ou da Igreja
A Santiacutessima Trindade
Um gecircnio a quebrar algemas
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
entre sigilo e espionagem
acontece a Inconfidecircncia
E diz o Vigaacuterio ao Poeta
Escreva-me aquela letra
do versinho de Vergiacutelio
E daacute-lhe o papel e a pena
E diz o Poeta ao Vigaacuterio
com dramaacutetica prudecircncia
Tenha meus dedos cortados
antes que tal verso escrevam
LIBERDADE AINDA QUE TARDE
ouve-se em redor da mesa
E a bandeira jaacute estaacute viva
e sobe na noite imensa
E os seus tristes inventores
jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram
a falar em Liberdade
(que ningueacutem sabe o que seja)
Atraveacutes de grossas portas
sentem-se luzes acesas
mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas
dentro das casas fronteiras
Que estatildeo fazendo tatildeo tarde
Que escrevem conversam pensam
Mostram livros proibidos
Lecircem notiacutecias nas Gazetas
Teratildeo recebido cartas
de potecircncias estrangeiras
(Antiguidades de Nimes
em Vila Rica suspensas
Cavalo de La Fayette
saltando vastas fronteiras
Oacute vitoacuterias festas flores
das lutas da Independecircncia
Liberdade - essa palavra
que o sonho humano alimenta
que natildeo haacute ningueacutem que explique
e ningueacutem que natildeo entenda)
E a vizinhanccedila natildeo dorme
murmura imagina inventa
Natildeo fica bandeira escrita
mas fica escrita a sentenccedila
Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de
Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de
idade
O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto
naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo
usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era
muito real
Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes
maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda
definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute
ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
08 ndash Continuaccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre
inteira
Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que
explique e ningueacutem que natildeo entenda
Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas
que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente
aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Canteiros
Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner
Quando penso em vocecirc
Fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa
Menos a felicidade
Correm os meus dedos longos
Em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego
Jaacute me daacute contentamento
Pode ser ateacute manhatilde
Sendo claro feito o dia
Mas nada do que me dizem me faz sentir
alegria
(Refratildeo 2X)
Eu soacute queria ter do mato
Um gosto de framboesa
Pra correr entre os canteiros
E esconder minha tristeza
E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza
E deixemos de coisa cuidemos da vida
Pois se natildeo chega a morte
Ou coisa parecida
E nos arrasta moccedilo
Sem ter visto a vida
Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho
Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho
Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol
Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol
Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo
Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Poemas de Ceciacutelia Meireles
Nem tudo eacute faacutecil
Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute
faacutecil fazer triste
Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil
natildeo dizer nada
Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute
faacutecil perdecirc-lo para sempre
Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim
como eacute faacutecil viver mais um dia
Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom
assim como eacute faacutecil fechar os olhos e
atravessar a rua
Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim
como eacute faacutecil achar que sempre falta algo
Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute
faacutecil fazer chorar
Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim
como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute
faacutecil ser perdoado
Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o
Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil
se arrepender
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil
encontrar
algueacutem que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse
que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute
faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza
nada eacute impossiacutevel
Precisamos acreditar ter feacute e lutar
para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem
tornemos todos esses desejos
realidade
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
O Amor
Ceciacutelia Meireles
Eacute difiacutecil para os indecisos
Eacute assustador para os medrosos
Avassalador para os apaixonados
Mas os vencedores no amor satildeo os fortes
Os que sabem o que querem e querem o que tecircm
Sonhar um sonho a dois
e nunca desistir da busca de ser feliz
eacute para poucos
eu sou uma desses poucos
amo avassaladoramente
O AMOR DAS MINHAS VIDAS
Ceciacutelia Meireles
Basta-me um pequeno gesto
feito de longe e de leve
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
LUA ADVERSA
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Fases que vatildeo e vecircm
no secreto calendaacuterio
que um astroacutelogo arbitraacuterio
inventou para meu uso
E roda a melancolia
seu interminaacutevel fuso
Natildeo me encontro com ningueacutem
(tenho fases como a lua)
No dia de algueacutem ser meu
natildeo eacute dia de eu ser sua
E quando chega esse dia
o outro desapareceu
Ceciacutelia Meireles
Despedida
Por mim e por voacutes e por mais aquilo
que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo
deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo
quero solidatildeo
Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens
E como o conheces - me perguntaratildeo
- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens
Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo
Que procuras Tudo Que desejas - Nada
Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Natildeo ando perdida mas desencontrada
Levo o meu rumo na minha matildeo
A memoacuteria voou da minha fronte
Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo
Talvez eu morra antes do horizonte
Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo
Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra
(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo
Estandarte triste de uma estranha guerra)
Quero solidatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Motivo
Ceciacutelia Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida estaacute completa
Natildeo sou alegre nem sou triste
sou poeta
Irmatildeo das coisas fugidias
natildeo sinto gozo nem tormento
Atravesso noites e dias
no vento
Se desmorono ou se edifico
se permaneccedilo ou me desfaccedilo
mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico
ou passo
Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo
Tem sangue eterno a asa ritmada
E um dia sei que estarei mudo
mdash mais nada
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Serenata
Ceciacutelia Meireles
Permita que eu feche os meus olhos
pois eacute muito longe e tatildeo tarde
Pensei que era apenas demora
e cantando pus-me a esperar-te
Permita que agora emudeccedila
que me conforme em ser sozinha
Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina
Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo
e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo
Ceciacutelia Meireles
E minha alma sem luz nem tenda
passa errante na noite maacute
agrave procura de quem me entenda
e de quem me consolaraacute
Ceciacutelia Meireles
A arte de ser feliz
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco
Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada
e o jardim parecia morto
Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde
e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas
Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse
E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e
meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz
Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor
Outras vezes encontro nuvens espessas
Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola
Pardais que pulam pelo muro
Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais
Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega
Aacutes vezes um galo canta
Agraves vezes um aviatildeo passa
Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino
E eu me sinto completamente feliz
Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas
que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem
outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros
finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
SONETO ANTIGO
Responder a perguntas natildeo respondo
Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto
Soacute do que sei de mim aos outros conto
de mim atravessada pelo mundo
Toda a minha experiecircncia o meu estudo
sou eu mesma que em solidatildeo paciente
recolho do que em mim observo e escuto
muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende
O que sou vale mais do que o meu canto
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisiacuteveis por onde ando
Tudo eacute secreto e de remoto exemplo
Todos ouvimos longe o apelo do Anjo
E todos somos pura flor de vento
Ceciacutelia Meireles
Renova-te
Renasce em ti mesmo
Multiplica os teus olhos para verem mais
Multiplica-se os teus braccedilos para semeares
tudo
Destroacutei os olhos que tiverem visto
Cria outros para as visotildees novas
Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado
Para se esquecerem de colher
Secirc sempre o mesmo
Sempre outro Mas sempre alto
Sempre longe
E dentro de tudo
Ceciacutelia Meireles
Tu tens um medo
Acabar
Natildeo vecircs que acabas todo o dia
Que morres no amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que te renovas todo o dia
No amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que eacutes sempre outro
Que eacutes sempre o mesmo
Que morreraacutes por idades imensas
Ateacute natildeo teres medo de morrer
E entatildeo seraacutes eterno
Ceciacutelia Meireles
Se vocecirc errou
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil perdoar
Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir
Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem
que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas
Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se
Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vida
Mas com certeza nada eacute impossiacutevel
Ceciacutelia Meireles
Natildeo digas onde acaba o dia
Onde comeccedila a noite
Natildeo fales palavras vatildes
As palavras do mundo
Natildeo digas onde comeccedila a Terra
Onde termina o ceacuteu
Natildeo digas ateacute onde eacutes tu
Natildeo digas desde onde eacutes Deus
Natildeo fales palavras vatildes
Desfaze-te da vaidade triste de falar
Pensacompletamente silencioso
Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso
Sem pensar
Ceciacutelia Meireles
Canccedilatildeo do Sonho Acabado
Jaacute tive a rosa do amor
- rubra rosa sem pudor
Cobicei cheirei colhi
Mas ela despetalou
E outra igual nunca mais vi
Jaacute vivi mil aventuras
Me embriaguei de alegria
Mas os risos da ventura
No limiar da loucura
Se tornaram fantasia
Jaacute almejei felicidade
Matildeos dadas fraternidade
Um ideal sem fronteiras
- utopia Voou ligeira
Nas asas da liberdade
Desejei viver Demais
Segurar a juventude
Prender o tempo na matildeo
Plantar o liacuterio da paz
Mas nem mesmo isto eu pude
Tentei poreacutem nada fiz
Muito da vida eu jaacute quis
Jaacute quis mas natildeo quero mais
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Epigrama n 2
Ceciacutelia Meireles
Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade
Custas a vir e quando vens natildeo te demoras
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo
e para te medir se inventaram as horas
Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa
Fizeste para sempre a vida ficar triste
Porque um dia se vecirc que as horas todas passam
e um tempo despovoado e profundo persiste
Ceciacutelia Meireles
Sou entre flor e nuvem
estrela e mar Por que
havemos de ser unicamente
humanos limitados em chorar
Natildeo encontro caminhos faacuteceis
de andar Meu rosto vaacuterio
desorienta as firmes pedras
que natildeo sabem de aacutegua e de ar
Ceciacutelia Meireles
Eacute preciso natildeo esquecer nada
nem a torneira aberta nem o fogo aceso
nem o sorriso para os infelizes
nem a oraccedilatildeo de cada instante
Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta
nem o ceacuteu de sempre
O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso
O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos
a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria
O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos
vigiados pelos proacuteprios olhos
severos conosco pois o resto natildeo nos pertence
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Ceciacutelia Meireles
A bailarina
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Natildeo conhece nem doacute nem reacute
mas sabe ficar na ponta do peacute
Natildeo conhece nem mi nem faacute
Mas inclina o corpo para caacute e para laacute
Natildeo conhece nem laacute nem si
mas fecha os olhos e sorri
Roda roda roda com os bracinhos no ar
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
e natildeo fica tonta nem sai do lugar
Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu
e diz que caiu do ceacuteu
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Mas depois esquece todas as danccedilas
e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 11 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
04 ndash Guitarra (Punhal de Prata)
Ceciacutelia Meireles
Guitarra barroca Guitarra
Punhal de prata jaacute eras
punhal de prata
Nem foste tu que fizeste a minha matildeo insensata
Vi-te brilhar entre as pedras
punhal de prata
No cabo flores abertas
no gume a medida exata
exata
a medida certa
punhal de prata
para atravessar-me o peito
com uma letra e uma data
A maior pena que eu tenho
punhal de prata natildeo eacute de me ver morrendo
mas de saber quem me mata
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 12 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
05 Cavalo Morto
Ceciacutelia Meireles
O cavalo morto
Vi a neacutevoa da madrugada
deslizar seus gestos de prata
mover densidades de opala
naquele poacutertico de sono
Na fronteira havia um cavalo morto
Gratildeos de cristal rolavam pelo
seu flanco niacutetido e algum vento
torcia-lhes as crinas pequeno
leve arabesco triste adorno
- e movia a cauda ao cavalo morto
As estrelas ainda viviam
e ainda natildeo eram nascidas
ah as flores daquele dia
- mas era um canteiro o seu corpo
Um jardim de liacuterios o cavalo morto
Muitos viajantes contemplaram
a fluida muacutesica a orvalhada
das grandes moscas de esmeralda
chegando em rumoroso jorro
Adernava triste o cavalo morto
E viam-se uns cavalos vivos
altos como esbeltos navios
galopando nos ares finos
com felizes perfis de sonho
Branco e verde via-se o cavalo morto
no campo enorme e sem recurso
- e devagar girava o mundo
entre as suas pestanas turvo
como em luas de espelho roxo
Dava sol nos dentes do cavalo morto
Mas todos tinham muita pressa
e natildeo sentiram como a terra
procurava de leacutegua em leacutegua
o aacutegil o imenso o eteacutereo sopro
que faltava agravequele arcabouccedilo
Tatildeo pesado o peito do cavalo morto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 13 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Ceciacutelia Meireles eacute um pouco como Guimaratildees Rosa uma grande artista brasileira que precisa ser
resgatada de um equiacutevoco criacutetico que vai se repetindo em um eco meio irrefletido e acaba tornando
algo aparente e claro em um misteacuterio que ningueacutem vecirc
O poema Cavalo Morto eacute exemplo de que Ceciacutelia natildeo eacute essa passadista meio morna que os manuais
escolares de literatura querem projetar
O cavalo desse contundente poema faz companhia na minha imaginaccedilatildeo ao cavalo morto de um
romance de Faulkner [As I Lay Dying] aos cavalos mortos do filme de Buntildeuel amp Daliacute [Le chien
andalou] e ao terriacutevel genociacutedio equumlino de Grande Sertatildeo Veredas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 14 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
06 Balada das dez bailarinas do Cassino
Ceciacutelia Meireles
Balada das Dez Bailarinas do Cassino
Dez bailarinas deslizam
por um chatildeo de espelho
Tecircm corpos egiacutepcios com placas douradas
paacutelpebras azuis e dedos vermelhos
Levantam veacuteus brancos de ingecircnuos aromas
e dobram amarelos joelhos
Andam as dez bailarinas
sem voz em redor das mesas
Haacute matildeos sobre facas dentes sobre flores
e com os charutos toldam as luzes acesas
Entre a muacutesica e a danccedila escorre
uma sedosa escada de vileza
As dez bailarinas avanccedilam
como gafanhotos perdidos
Avanccedilam recuam na sala compacta
empurrando olhares e arranhando o ruiacutedo
Tatildeo nuas se sentem que jaacute vatildeo cobertas
de imaginaacuterios chorosos vestidos
A dez bailarinas escondem
nos ciacutelios verdes as pupilas
Em seus quadris fosforescentes
passa uma faixa de morte tranquumlila
Como quem leva para a terra um filho morto
levam seu proacuteprio corpo que baila e cintila
Os homens gordos olham com um teacutedio
enorme
as dez bailarinas tatildeo frias
Pobres serpentes sem luxuacuteria
que satildeo crianccedilas durante o dia
Dez anjos anecircmicos de axilas profundas
embalsamados de melancolia
Vatildeo perpassando como dez muacutemias
as bailarinas fatigadas
Ramo de nardos inclinando flores
azuis brancas verdes douradas
Dez matildees chorariam se vissem
as bailarinas de matildeos dadas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 15 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
07 ndash Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidecircncia
Ceciacutelia Meireles
Atraveacutes de grossas portas
sentem-se luzes acesas
mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas
dentro das casas fronteiras
olhos colados aos vidros
mulheres e homens agrave espreita
caras disformes de insocircnia
vigiando as accedilotildees alheias
Pelas gretas das janelas
pelas frestas das esteiras
agudas setas at iram
a inveja e a maledicecircncia
Palavras conjeturadas
oscilam no ar de surpresas
como peludas aranhas
na gosma das teias densas
raacutepidas e envenenadas
engenhosas sorrateiras
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
brilham fardas e casacas
junto com bat inas pretas
E haacute finas matildeos pensat ivas
entre galotildees sedas rendas
e haacute grossas matildeos vigorosas
de unhas fortes duras veias
e haacute matildeos de puacutelpito e altares
de Evangelhos cruzes becircnccedilatildeos
Uns satildeo reinoacuteis uns mazombos
e pensam de mil maneiras
mas citam Vergiacutelio e Horaacutecio
e refletem e argumentam
falam de minas e impostos
de lavras e de fazendas
de ministros e rainhas
e das colocircnias inglesas
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
uns sugerem uns recusam
uns ouvem uns aconselham
Se a derrama for lanccedilada
haacute levante com certeza
Corre-se por essas ruas
Corta-se alguma cabeccedila
Do cimo de alguma escada
profere-se alguma arenga
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Que bandeira se desdobra
Com que figura ou legenda
Coisas da Maccedilonaria
do Paganismo ou da Igreja
A Santiacutessima Trindade
Um gecircnio a quebrar algemas
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
entre sigilo e espionagem
acontece a Inconfidecircncia
E diz o Vigaacuterio ao Poeta
Escreva-me aquela letra
do versinho de Vergiacutelio
E daacute-lhe o papel e a pena
E diz o Poeta ao Vigaacuterio
com dramaacutetica prudecircncia
Tenha meus dedos cortados
antes que tal verso escrevam
LIBERDADE AINDA QUE TARDE
ouve-se em redor da mesa
E a bandeira jaacute estaacute viva
e sobe na noite imensa
E os seus tristes inventores
jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram
a falar em Liberdade
(que ningueacutem sabe o que seja)
Atraveacutes de grossas portas
sentem-se luzes acesas
mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas
dentro das casas fronteiras
Que estatildeo fazendo tatildeo tarde
Que escrevem conversam pensam
Mostram livros proibidos
Lecircem notiacutecias nas Gazetas
Teratildeo recebido cartas
de potecircncias estrangeiras
(Antiguidades de Nimes
em Vila Rica suspensas
Cavalo de La Fayette
saltando vastas fronteiras
Oacute vitoacuterias festas flores
das lutas da Independecircncia
Liberdade - essa palavra
que o sonho humano alimenta
que natildeo haacute ningueacutem que explique
e ningueacutem que natildeo entenda)
E a vizinhanccedila natildeo dorme
murmura imagina inventa
Natildeo fica bandeira escrita
mas fica escrita a sentenccedila
Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de
Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de
idade
O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto
naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo
usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era
muito real
Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes
maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda
definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute
ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
08 ndash Continuaccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre
inteira
Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que
explique e ningueacutem que natildeo entenda
Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas
que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente
aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Canteiros
Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner
Quando penso em vocecirc
Fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa
Menos a felicidade
Correm os meus dedos longos
Em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego
Jaacute me daacute contentamento
Pode ser ateacute manhatilde
Sendo claro feito o dia
Mas nada do que me dizem me faz sentir
alegria
(Refratildeo 2X)
Eu soacute queria ter do mato
Um gosto de framboesa
Pra correr entre os canteiros
E esconder minha tristeza
E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza
E deixemos de coisa cuidemos da vida
Pois se natildeo chega a morte
Ou coisa parecida
E nos arrasta moccedilo
Sem ter visto a vida
Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho
Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho
Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol
Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol
Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo
Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Poemas de Ceciacutelia Meireles
Nem tudo eacute faacutecil
Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute
faacutecil fazer triste
Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil
natildeo dizer nada
Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute
faacutecil perdecirc-lo para sempre
Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim
como eacute faacutecil viver mais um dia
Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom
assim como eacute faacutecil fechar os olhos e
atravessar a rua
Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim
como eacute faacutecil achar que sempre falta algo
Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute
faacutecil fazer chorar
Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim
como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute
faacutecil ser perdoado
Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o
Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil
se arrepender
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil
encontrar
algueacutem que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse
que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute
faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza
nada eacute impossiacutevel
Precisamos acreditar ter feacute e lutar
para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem
tornemos todos esses desejos
realidade
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
O Amor
Ceciacutelia Meireles
Eacute difiacutecil para os indecisos
Eacute assustador para os medrosos
Avassalador para os apaixonados
Mas os vencedores no amor satildeo os fortes
Os que sabem o que querem e querem o que tecircm
Sonhar um sonho a dois
e nunca desistir da busca de ser feliz
eacute para poucos
eu sou uma desses poucos
amo avassaladoramente
O AMOR DAS MINHAS VIDAS
Ceciacutelia Meireles
Basta-me um pequeno gesto
feito de longe e de leve
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
LUA ADVERSA
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Fases que vatildeo e vecircm
no secreto calendaacuterio
que um astroacutelogo arbitraacuterio
inventou para meu uso
E roda a melancolia
seu interminaacutevel fuso
Natildeo me encontro com ningueacutem
(tenho fases como a lua)
No dia de algueacutem ser meu
natildeo eacute dia de eu ser sua
E quando chega esse dia
o outro desapareceu
Ceciacutelia Meireles
Despedida
Por mim e por voacutes e por mais aquilo
que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo
deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo
quero solidatildeo
Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens
E como o conheces - me perguntaratildeo
- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens
Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo
Que procuras Tudo Que desejas - Nada
Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Natildeo ando perdida mas desencontrada
Levo o meu rumo na minha matildeo
A memoacuteria voou da minha fronte
Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo
Talvez eu morra antes do horizonte
Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo
Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra
(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo
Estandarte triste de uma estranha guerra)
Quero solidatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Motivo
Ceciacutelia Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida estaacute completa
Natildeo sou alegre nem sou triste
sou poeta
Irmatildeo das coisas fugidias
natildeo sinto gozo nem tormento
Atravesso noites e dias
no vento
Se desmorono ou se edifico
se permaneccedilo ou me desfaccedilo
mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico
ou passo
Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo
Tem sangue eterno a asa ritmada
E um dia sei que estarei mudo
mdash mais nada
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Serenata
Ceciacutelia Meireles
Permita que eu feche os meus olhos
pois eacute muito longe e tatildeo tarde
Pensei que era apenas demora
e cantando pus-me a esperar-te
Permita que agora emudeccedila
que me conforme em ser sozinha
Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina
Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo
e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo
Ceciacutelia Meireles
E minha alma sem luz nem tenda
passa errante na noite maacute
agrave procura de quem me entenda
e de quem me consolaraacute
Ceciacutelia Meireles
A arte de ser feliz
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco
Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada
e o jardim parecia morto
Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde
e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas
Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse
E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e
meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz
Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor
Outras vezes encontro nuvens espessas
Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola
Pardais que pulam pelo muro
Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais
Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega
Aacutes vezes um galo canta
Agraves vezes um aviatildeo passa
Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino
E eu me sinto completamente feliz
Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas
que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem
outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros
finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
SONETO ANTIGO
Responder a perguntas natildeo respondo
Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto
Soacute do que sei de mim aos outros conto
de mim atravessada pelo mundo
Toda a minha experiecircncia o meu estudo
sou eu mesma que em solidatildeo paciente
recolho do que em mim observo e escuto
muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende
O que sou vale mais do que o meu canto
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisiacuteveis por onde ando
Tudo eacute secreto e de remoto exemplo
Todos ouvimos longe o apelo do Anjo
E todos somos pura flor de vento
Ceciacutelia Meireles
Renova-te
Renasce em ti mesmo
Multiplica os teus olhos para verem mais
Multiplica-se os teus braccedilos para semeares
tudo
Destroacutei os olhos que tiverem visto
Cria outros para as visotildees novas
Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado
Para se esquecerem de colher
Secirc sempre o mesmo
Sempre outro Mas sempre alto
Sempre longe
E dentro de tudo
Ceciacutelia Meireles
Tu tens um medo
Acabar
Natildeo vecircs que acabas todo o dia
Que morres no amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que te renovas todo o dia
No amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que eacutes sempre outro
Que eacutes sempre o mesmo
Que morreraacutes por idades imensas
Ateacute natildeo teres medo de morrer
E entatildeo seraacutes eterno
Ceciacutelia Meireles
Se vocecirc errou
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil perdoar
Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir
Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem
que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas
Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se
Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vida
Mas com certeza nada eacute impossiacutevel
Ceciacutelia Meireles
Natildeo digas onde acaba o dia
Onde comeccedila a noite
Natildeo fales palavras vatildes
As palavras do mundo
Natildeo digas onde comeccedila a Terra
Onde termina o ceacuteu
Natildeo digas ateacute onde eacutes tu
Natildeo digas desde onde eacutes Deus
Natildeo fales palavras vatildes
Desfaze-te da vaidade triste de falar
Pensacompletamente silencioso
Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso
Sem pensar
Ceciacutelia Meireles
Canccedilatildeo do Sonho Acabado
Jaacute tive a rosa do amor
- rubra rosa sem pudor
Cobicei cheirei colhi
Mas ela despetalou
E outra igual nunca mais vi
Jaacute vivi mil aventuras
Me embriaguei de alegria
Mas os risos da ventura
No limiar da loucura
Se tornaram fantasia
Jaacute almejei felicidade
Matildeos dadas fraternidade
Um ideal sem fronteiras
- utopia Voou ligeira
Nas asas da liberdade
Desejei viver Demais
Segurar a juventude
Prender o tempo na matildeo
Plantar o liacuterio da paz
Mas nem mesmo isto eu pude
Tentei poreacutem nada fiz
Muito da vida eu jaacute quis
Jaacute quis mas natildeo quero mais
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Epigrama n 2
Ceciacutelia Meireles
Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade
Custas a vir e quando vens natildeo te demoras
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo
e para te medir se inventaram as horas
Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa
Fizeste para sempre a vida ficar triste
Porque um dia se vecirc que as horas todas passam
e um tempo despovoado e profundo persiste
Ceciacutelia Meireles
Sou entre flor e nuvem
estrela e mar Por que
havemos de ser unicamente
humanos limitados em chorar
Natildeo encontro caminhos faacuteceis
de andar Meu rosto vaacuterio
desorienta as firmes pedras
que natildeo sabem de aacutegua e de ar
Ceciacutelia Meireles
Eacute preciso natildeo esquecer nada
nem a torneira aberta nem o fogo aceso
nem o sorriso para os infelizes
nem a oraccedilatildeo de cada instante
Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta
nem o ceacuteu de sempre
O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso
O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos
a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria
O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos
vigiados pelos proacuteprios olhos
severos conosco pois o resto natildeo nos pertence
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Ceciacutelia Meireles
A bailarina
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Natildeo conhece nem doacute nem reacute
mas sabe ficar na ponta do peacute
Natildeo conhece nem mi nem faacute
Mas inclina o corpo para caacute e para laacute
Natildeo conhece nem laacute nem si
mas fecha os olhos e sorri
Roda roda roda com os bracinhos no ar
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
e natildeo fica tonta nem sai do lugar
Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu
e diz que caiu do ceacuteu
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Mas depois esquece todas as danccedilas
e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 12 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
05 Cavalo Morto
Ceciacutelia Meireles
O cavalo morto
Vi a neacutevoa da madrugada
deslizar seus gestos de prata
mover densidades de opala
naquele poacutertico de sono
Na fronteira havia um cavalo morto
Gratildeos de cristal rolavam pelo
seu flanco niacutetido e algum vento
torcia-lhes as crinas pequeno
leve arabesco triste adorno
- e movia a cauda ao cavalo morto
As estrelas ainda viviam
e ainda natildeo eram nascidas
ah as flores daquele dia
- mas era um canteiro o seu corpo
Um jardim de liacuterios o cavalo morto
Muitos viajantes contemplaram
a fluida muacutesica a orvalhada
das grandes moscas de esmeralda
chegando em rumoroso jorro
Adernava triste o cavalo morto
E viam-se uns cavalos vivos
altos como esbeltos navios
galopando nos ares finos
com felizes perfis de sonho
Branco e verde via-se o cavalo morto
no campo enorme e sem recurso
- e devagar girava o mundo
entre as suas pestanas turvo
como em luas de espelho roxo
Dava sol nos dentes do cavalo morto
Mas todos tinham muita pressa
e natildeo sentiram como a terra
procurava de leacutegua em leacutegua
o aacutegil o imenso o eteacutereo sopro
que faltava agravequele arcabouccedilo
Tatildeo pesado o peito do cavalo morto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 13 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Ceciacutelia Meireles eacute um pouco como Guimaratildees Rosa uma grande artista brasileira que precisa ser
resgatada de um equiacutevoco criacutetico que vai se repetindo em um eco meio irrefletido e acaba tornando
algo aparente e claro em um misteacuterio que ningueacutem vecirc
O poema Cavalo Morto eacute exemplo de que Ceciacutelia natildeo eacute essa passadista meio morna que os manuais
escolares de literatura querem projetar
O cavalo desse contundente poema faz companhia na minha imaginaccedilatildeo ao cavalo morto de um
romance de Faulkner [As I Lay Dying] aos cavalos mortos do filme de Buntildeuel amp Daliacute [Le chien
andalou] e ao terriacutevel genociacutedio equumlino de Grande Sertatildeo Veredas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 14 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
06 Balada das dez bailarinas do Cassino
Ceciacutelia Meireles
Balada das Dez Bailarinas do Cassino
Dez bailarinas deslizam
por um chatildeo de espelho
Tecircm corpos egiacutepcios com placas douradas
paacutelpebras azuis e dedos vermelhos
Levantam veacuteus brancos de ingecircnuos aromas
e dobram amarelos joelhos
Andam as dez bailarinas
sem voz em redor das mesas
Haacute matildeos sobre facas dentes sobre flores
e com os charutos toldam as luzes acesas
Entre a muacutesica e a danccedila escorre
uma sedosa escada de vileza
As dez bailarinas avanccedilam
como gafanhotos perdidos
Avanccedilam recuam na sala compacta
empurrando olhares e arranhando o ruiacutedo
Tatildeo nuas se sentem que jaacute vatildeo cobertas
de imaginaacuterios chorosos vestidos
A dez bailarinas escondem
nos ciacutelios verdes as pupilas
Em seus quadris fosforescentes
passa uma faixa de morte tranquumlila
Como quem leva para a terra um filho morto
levam seu proacuteprio corpo que baila e cintila
Os homens gordos olham com um teacutedio
enorme
as dez bailarinas tatildeo frias
Pobres serpentes sem luxuacuteria
que satildeo crianccedilas durante o dia
Dez anjos anecircmicos de axilas profundas
embalsamados de melancolia
Vatildeo perpassando como dez muacutemias
as bailarinas fatigadas
Ramo de nardos inclinando flores
azuis brancas verdes douradas
Dez matildees chorariam se vissem
as bailarinas de matildeos dadas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 15 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
07 ndash Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidecircncia
Ceciacutelia Meireles
Atraveacutes de grossas portas
sentem-se luzes acesas
mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas
dentro das casas fronteiras
olhos colados aos vidros
mulheres e homens agrave espreita
caras disformes de insocircnia
vigiando as accedilotildees alheias
Pelas gretas das janelas
pelas frestas das esteiras
agudas setas at iram
a inveja e a maledicecircncia
Palavras conjeturadas
oscilam no ar de surpresas
como peludas aranhas
na gosma das teias densas
raacutepidas e envenenadas
engenhosas sorrateiras
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
brilham fardas e casacas
junto com bat inas pretas
E haacute finas matildeos pensat ivas
entre galotildees sedas rendas
e haacute grossas matildeos vigorosas
de unhas fortes duras veias
e haacute matildeos de puacutelpito e altares
de Evangelhos cruzes becircnccedilatildeos
Uns satildeo reinoacuteis uns mazombos
e pensam de mil maneiras
mas citam Vergiacutelio e Horaacutecio
e refletem e argumentam
falam de minas e impostos
de lavras e de fazendas
de ministros e rainhas
e das colocircnias inglesas
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
uns sugerem uns recusam
uns ouvem uns aconselham
Se a derrama for lanccedilada
haacute levante com certeza
Corre-se por essas ruas
Corta-se alguma cabeccedila
Do cimo de alguma escada
profere-se alguma arenga
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Que bandeira se desdobra
Com que figura ou legenda
Coisas da Maccedilonaria
do Paganismo ou da Igreja
A Santiacutessima Trindade
Um gecircnio a quebrar algemas
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
entre sigilo e espionagem
acontece a Inconfidecircncia
E diz o Vigaacuterio ao Poeta
Escreva-me aquela letra
do versinho de Vergiacutelio
E daacute-lhe o papel e a pena
E diz o Poeta ao Vigaacuterio
com dramaacutetica prudecircncia
Tenha meus dedos cortados
antes que tal verso escrevam
LIBERDADE AINDA QUE TARDE
ouve-se em redor da mesa
E a bandeira jaacute estaacute viva
e sobe na noite imensa
E os seus tristes inventores
jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram
a falar em Liberdade
(que ningueacutem sabe o que seja)
Atraveacutes de grossas portas
sentem-se luzes acesas
mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas
dentro das casas fronteiras
Que estatildeo fazendo tatildeo tarde
Que escrevem conversam pensam
Mostram livros proibidos
Lecircem notiacutecias nas Gazetas
Teratildeo recebido cartas
de potecircncias estrangeiras
(Antiguidades de Nimes
em Vila Rica suspensas
Cavalo de La Fayette
saltando vastas fronteiras
Oacute vitoacuterias festas flores
das lutas da Independecircncia
Liberdade - essa palavra
que o sonho humano alimenta
que natildeo haacute ningueacutem que explique
e ningueacutem que natildeo entenda)
E a vizinhanccedila natildeo dorme
murmura imagina inventa
Natildeo fica bandeira escrita
mas fica escrita a sentenccedila
Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de
Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de
idade
O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto
naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo
usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era
muito real
Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes
maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda
definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute
ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
08 ndash Continuaccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre
inteira
Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que
explique e ningueacutem que natildeo entenda
Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas
que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente
aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Canteiros
Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner
Quando penso em vocecirc
Fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa
Menos a felicidade
Correm os meus dedos longos
Em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego
Jaacute me daacute contentamento
Pode ser ateacute manhatilde
Sendo claro feito o dia
Mas nada do que me dizem me faz sentir
alegria
(Refratildeo 2X)
Eu soacute queria ter do mato
Um gosto de framboesa
Pra correr entre os canteiros
E esconder minha tristeza
E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza
E deixemos de coisa cuidemos da vida
Pois se natildeo chega a morte
Ou coisa parecida
E nos arrasta moccedilo
Sem ter visto a vida
Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho
Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho
Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol
Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol
Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo
Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Poemas de Ceciacutelia Meireles
Nem tudo eacute faacutecil
Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute
faacutecil fazer triste
Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil
natildeo dizer nada
Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute
faacutecil perdecirc-lo para sempre
Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim
como eacute faacutecil viver mais um dia
Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom
assim como eacute faacutecil fechar os olhos e
atravessar a rua
Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim
como eacute faacutecil achar que sempre falta algo
Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute
faacutecil fazer chorar
Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim
como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute
faacutecil ser perdoado
Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o
Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil
se arrepender
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil
encontrar
algueacutem que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse
que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute
faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza
nada eacute impossiacutevel
Precisamos acreditar ter feacute e lutar
para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem
tornemos todos esses desejos
realidade
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
O Amor
Ceciacutelia Meireles
Eacute difiacutecil para os indecisos
Eacute assustador para os medrosos
Avassalador para os apaixonados
Mas os vencedores no amor satildeo os fortes
Os que sabem o que querem e querem o que tecircm
Sonhar um sonho a dois
e nunca desistir da busca de ser feliz
eacute para poucos
eu sou uma desses poucos
amo avassaladoramente
O AMOR DAS MINHAS VIDAS
Ceciacutelia Meireles
Basta-me um pequeno gesto
feito de longe e de leve
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
LUA ADVERSA
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Fases que vatildeo e vecircm
no secreto calendaacuterio
que um astroacutelogo arbitraacuterio
inventou para meu uso
E roda a melancolia
seu interminaacutevel fuso
Natildeo me encontro com ningueacutem
(tenho fases como a lua)
No dia de algueacutem ser meu
natildeo eacute dia de eu ser sua
E quando chega esse dia
o outro desapareceu
Ceciacutelia Meireles
Despedida
Por mim e por voacutes e por mais aquilo
que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo
deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo
quero solidatildeo
Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens
E como o conheces - me perguntaratildeo
- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens
Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo
Que procuras Tudo Que desejas - Nada
Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Natildeo ando perdida mas desencontrada
Levo o meu rumo na minha matildeo
A memoacuteria voou da minha fronte
Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo
Talvez eu morra antes do horizonte
Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo
Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra
(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo
Estandarte triste de uma estranha guerra)
Quero solidatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Motivo
Ceciacutelia Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida estaacute completa
Natildeo sou alegre nem sou triste
sou poeta
Irmatildeo das coisas fugidias
natildeo sinto gozo nem tormento
Atravesso noites e dias
no vento
Se desmorono ou se edifico
se permaneccedilo ou me desfaccedilo
mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico
ou passo
Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo
Tem sangue eterno a asa ritmada
E um dia sei que estarei mudo
mdash mais nada
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Serenata
Ceciacutelia Meireles
Permita que eu feche os meus olhos
pois eacute muito longe e tatildeo tarde
Pensei que era apenas demora
e cantando pus-me a esperar-te
Permita que agora emudeccedila
que me conforme em ser sozinha
Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina
Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo
e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo
Ceciacutelia Meireles
E minha alma sem luz nem tenda
passa errante na noite maacute
agrave procura de quem me entenda
e de quem me consolaraacute
Ceciacutelia Meireles
A arte de ser feliz
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco
Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada
e o jardim parecia morto
Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde
e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas
Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse
E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e
meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz
Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor
Outras vezes encontro nuvens espessas
Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola
Pardais que pulam pelo muro
Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais
Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega
Aacutes vezes um galo canta
Agraves vezes um aviatildeo passa
Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino
E eu me sinto completamente feliz
Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas
que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem
outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros
finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
SONETO ANTIGO
Responder a perguntas natildeo respondo
Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto
Soacute do que sei de mim aos outros conto
de mim atravessada pelo mundo
Toda a minha experiecircncia o meu estudo
sou eu mesma que em solidatildeo paciente
recolho do que em mim observo e escuto
muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende
O que sou vale mais do que o meu canto
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisiacuteveis por onde ando
Tudo eacute secreto e de remoto exemplo
Todos ouvimos longe o apelo do Anjo
E todos somos pura flor de vento
Ceciacutelia Meireles
Renova-te
Renasce em ti mesmo
Multiplica os teus olhos para verem mais
Multiplica-se os teus braccedilos para semeares
tudo
Destroacutei os olhos que tiverem visto
Cria outros para as visotildees novas
Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado
Para se esquecerem de colher
Secirc sempre o mesmo
Sempre outro Mas sempre alto
Sempre longe
E dentro de tudo
Ceciacutelia Meireles
Tu tens um medo
Acabar
Natildeo vecircs que acabas todo o dia
Que morres no amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que te renovas todo o dia
No amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que eacutes sempre outro
Que eacutes sempre o mesmo
Que morreraacutes por idades imensas
Ateacute natildeo teres medo de morrer
E entatildeo seraacutes eterno
Ceciacutelia Meireles
Se vocecirc errou
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil perdoar
Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir
Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem
que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas
Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se
Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vida
Mas com certeza nada eacute impossiacutevel
Ceciacutelia Meireles
Natildeo digas onde acaba o dia
Onde comeccedila a noite
Natildeo fales palavras vatildes
As palavras do mundo
Natildeo digas onde comeccedila a Terra
Onde termina o ceacuteu
Natildeo digas ateacute onde eacutes tu
Natildeo digas desde onde eacutes Deus
Natildeo fales palavras vatildes
Desfaze-te da vaidade triste de falar
Pensacompletamente silencioso
Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso
Sem pensar
Ceciacutelia Meireles
Canccedilatildeo do Sonho Acabado
Jaacute tive a rosa do amor
- rubra rosa sem pudor
Cobicei cheirei colhi
Mas ela despetalou
E outra igual nunca mais vi
Jaacute vivi mil aventuras
Me embriaguei de alegria
Mas os risos da ventura
No limiar da loucura
Se tornaram fantasia
Jaacute almejei felicidade
Matildeos dadas fraternidade
Um ideal sem fronteiras
- utopia Voou ligeira
Nas asas da liberdade
Desejei viver Demais
Segurar a juventude
Prender o tempo na matildeo
Plantar o liacuterio da paz
Mas nem mesmo isto eu pude
Tentei poreacutem nada fiz
Muito da vida eu jaacute quis
Jaacute quis mas natildeo quero mais
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Epigrama n 2
Ceciacutelia Meireles
Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade
Custas a vir e quando vens natildeo te demoras
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo
e para te medir se inventaram as horas
Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa
Fizeste para sempre a vida ficar triste
Porque um dia se vecirc que as horas todas passam
e um tempo despovoado e profundo persiste
Ceciacutelia Meireles
Sou entre flor e nuvem
estrela e mar Por que
havemos de ser unicamente
humanos limitados em chorar
Natildeo encontro caminhos faacuteceis
de andar Meu rosto vaacuterio
desorienta as firmes pedras
que natildeo sabem de aacutegua e de ar
Ceciacutelia Meireles
Eacute preciso natildeo esquecer nada
nem a torneira aberta nem o fogo aceso
nem o sorriso para os infelizes
nem a oraccedilatildeo de cada instante
Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta
nem o ceacuteu de sempre
O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso
O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos
a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria
O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos
vigiados pelos proacuteprios olhos
severos conosco pois o resto natildeo nos pertence
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Ceciacutelia Meireles
A bailarina
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Natildeo conhece nem doacute nem reacute
mas sabe ficar na ponta do peacute
Natildeo conhece nem mi nem faacute
Mas inclina o corpo para caacute e para laacute
Natildeo conhece nem laacute nem si
mas fecha os olhos e sorri
Roda roda roda com os bracinhos no ar
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
e natildeo fica tonta nem sai do lugar
Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu
e diz que caiu do ceacuteu
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Mas depois esquece todas as danccedilas
e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 13 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Ceciacutelia Meireles eacute um pouco como Guimaratildees Rosa uma grande artista brasileira que precisa ser
resgatada de um equiacutevoco criacutetico que vai se repetindo em um eco meio irrefletido e acaba tornando
algo aparente e claro em um misteacuterio que ningueacutem vecirc
O poema Cavalo Morto eacute exemplo de que Ceciacutelia natildeo eacute essa passadista meio morna que os manuais
escolares de literatura querem projetar
O cavalo desse contundente poema faz companhia na minha imaginaccedilatildeo ao cavalo morto de um
romance de Faulkner [As I Lay Dying] aos cavalos mortos do filme de Buntildeuel amp Daliacute [Le chien
andalou] e ao terriacutevel genociacutedio equumlino de Grande Sertatildeo Veredas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 14 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
06 Balada das dez bailarinas do Cassino
Ceciacutelia Meireles
Balada das Dez Bailarinas do Cassino
Dez bailarinas deslizam
por um chatildeo de espelho
Tecircm corpos egiacutepcios com placas douradas
paacutelpebras azuis e dedos vermelhos
Levantam veacuteus brancos de ingecircnuos aromas
e dobram amarelos joelhos
Andam as dez bailarinas
sem voz em redor das mesas
Haacute matildeos sobre facas dentes sobre flores
e com os charutos toldam as luzes acesas
Entre a muacutesica e a danccedila escorre
uma sedosa escada de vileza
As dez bailarinas avanccedilam
como gafanhotos perdidos
Avanccedilam recuam na sala compacta
empurrando olhares e arranhando o ruiacutedo
Tatildeo nuas se sentem que jaacute vatildeo cobertas
de imaginaacuterios chorosos vestidos
A dez bailarinas escondem
nos ciacutelios verdes as pupilas
Em seus quadris fosforescentes
passa uma faixa de morte tranquumlila
Como quem leva para a terra um filho morto
levam seu proacuteprio corpo que baila e cintila
Os homens gordos olham com um teacutedio
enorme
as dez bailarinas tatildeo frias
Pobres serpentes sem luxuacuteria
que satildeo crianccedilas durante o dia
Dez anjos anecircmicos de axilas profundas
embalsamados de melancolia
Vatildeo perpassando como dez muacutemias
as bailarinas fatigadas
Ramo de nardos inclinando flores
azuis brancas verdes douradas
Dez matildees chorariam se vissem
as bailarinas de matildeos dadas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 15 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
07 ndash Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidecircncia
Ceciacutelia Meireles
Atraveacutes de grossas portas
sentem-se luzes acesas
mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas
dentro das casas fronteiras
olhos colados aos vidros
mulheres e homens agrave espreita
caras disformes de insocircnia
vigiando as accedilotildees alheias
Pelas gretas das janelas
pelas frestas das esteiras
agudas setas at iram
a inveja e a maledicecircncia
Palavras conjeturadas
oscilam no ar de surpresas
como peludas aranhas
na gosma das teias densas
raacutepidas e envenenadas
engenhosas sorrateiras
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
brilham fardas e casacas
junto com bat inas pretas
E haacute finas matildeos pensat ivas
entre galotildees sedas rendas
e haacute grossas matildeos vigorosas
de unhas fortes duras veias
e haacute matildeos de puacutelpito e altares
de Evangelhos cruzes becircnccedilatildeos
Uns satildeo reinoacuteis uns mazombos
e pensam de mil maneiras
mas citam Vergiacutelio e Horaacutecio
e refletem e argumentam
falam de minas e impostos
de lavras e de fazendas
de ministros e rainhas
e das colocircnias inglesas
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
uns sugerem uns recusam
uns ouvem uns aconselham
Se a derrama for lanccedilada
haacute levante com certeza
Corre-se por essas ruas
Corta-se alguma cabeccedila
Do cimo de alguma escada
profere-se alguma arenga
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Que bandeira se desdobra
Com que figura ou legenda
Coisas da Maccedilonaria
do Paganismo ou da Igreja
A Santiacutessima Trindade
Um gecircnio a quebrar algemas
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
entre sigilo e espionagem
acontece a Inconfidecircncia
E diz o Vigaacuterio ao Poeta
Escreva-me aquela letra
do versinho de Vergiacutelio
E daacute-lhe o papel e a pena
E diz o Poeta ao Vigaacuterio
com dramaacutetica prudecircncia
Tenha meus dedos cortados
antes que tal verso escrevam
LIBERDADE AINDA QUE TARDE
ouve-se em redor da mesa
E a bandeira jaacute estaacute viva
e sobe na noite imensa
E os seus tristes inventores
jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram
a falar em Liberdade
(que ningueacutem sabe o que seja)
Atraveacutes de grossas portas
sentem-se luzes acesas
mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas
dentro das casas fronteiras
Que estatildeo fazendo tatildeo tarde
Que escrevem conversam pensam
Mostram livros proibidos
Lecircem notiacutecias nas Gazetas
Teratildeo recebido cartas
de potecircncias estrangeiras
(Antiguidades de Nimes
em Vila Rica suspensas
Cavalo de La Fayette
saltando vastas fronteiras
Oacute vitoacuterias festas flores
das lutas da Independecircncia
Liberdade - essa palavra
que o sonho humano alimenta
que natildeo haacute ningueacutem que explique
e ningueacutem que natildeo entenda)
E a vizinhanccedila natildeo dorme
murmura imagina inventa
Natildeo fica bandeira escrita
mas fica escrita a sentenccedila
Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de
Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de
idade
O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto
naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo
usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era
muito real
Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes
maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda
definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute
ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
08 ndash Continuaccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre
inteira
Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que
explique e ningueacutem que natildeo entenda
Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas
que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente
aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Canteiros
Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner
Quando penso em vocecirc
Fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa
Menos a felicidade
Correm os meus dedos longos
Em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego
Jaacute me daacute contentamento
Pode ser ateacute manhatilde
Sendo claro feito o dia
Mas nada do que me dizem me faz sentir
alegria
(Refratildeo 2X)
Eu soacute queria ter do mato
Um gosto de framboesa
Pra correr entre os canteiros
E esconder minha tristeza
E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza
E deixemos de coisa cuidemos da vida
Pois se natildeo chega a morte
Ou coisa parecida
E nos arrasta moccedilo
Sem ter visto a vida
Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho
Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho
Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol
Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol
Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo
Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Poemas de Ceciacutelia Meireles
Nem tudo eacute faacutecil
Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute
faacutecil fazer triste
Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil
natildeo dizer nada
Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute
faacutecil perdecirc-lo para sempre
Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim
como eacute faacutecil viver mais um dia
Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom
assim como eacute faacutecil fechar os olhos e
atravessar a rua
Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim
como eacute faacutecil achar que sempre falta algo
Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute
faacutecil fazer chorar
Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim
como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute
faacutecil ser perdoado
Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o
Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil
se arrepender
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil
encontrar
algueacutem que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse
que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute
faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza
nada eacute impossiacutevel
Precisamos acreditar ter feacute e lutar
para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem
tornemos todos esses desejos
realidade
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
O Amor
Ceciacutelia Meireles
Eacute difiacutecil para os indecisos
Eacute assustador para os medrosos
Avassalador para os apaixonados
Mas os vencedores no amor satildeo os fortes
Os que sabem o que querem e querem o que tecircm
Sonhar um sonho a dois
e nunca desistir da busca de ser feliz
eacute para poucos
eu sou uma desses poucos
amo avassaladoramente
O AMOR DAS MINHAS VIDAS
Ceciacutelia Meireles
Basta-me um pequeno gesto
feito de longe e de leve
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
LUA ADVERSA
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Fases que vatildeo e vecircm
no secreto calendaacuterio
que um astroacutelogo arbitraacuterio
inventou para meu uso
E roda a melancolia
seu interminaacutevel fuso
Natildeo me encontro com ningueacutem
(tenho fases como a lua)
No dia de algueacutem ser meu
natildeo eacute dia de eu ser sua
E quando chega esse dia
o outro desapareceu
Ceciacutelia Meireles
Despedida
Por mim e por voacutes e por mais aquilo
que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo
deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo
quero solidatildeo
Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens
E como o conheces - me perguntaratildeo
- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens
Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo
Que procuras Tudo Que desejas - Nada
Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Natildeo ando perdida mas desencontrada
Levo o meu rumo na minha matildeo
A memoacuteria voou da minha fronte
Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo
Talvez eu morra antes do horizonte
Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo
Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra
(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo
Estandarte triste de uma estranha guerra)
Quero solidatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Motivo
Ceciacutelia Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida estaacute completa
Natildeo sou alegre nem sou triste
sou poeta
Irmatildeo das coisas fugidias
natildeo sinto gozo nem tormento
Atravesso noites e dias
no vento
Se desmorono ou se edifico
se permaneccedilo ou me desfaccedilo
mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico
ou passo
Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo
Tem sangue eterno a asa ritmada
E um dia sei que estarei mudo
mdash mais nada
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Serenata
Ceciacutelia Meireles
Permita que eu feche os meus olhos
pois eacute muito longe e tatildeo tarde
Pensei que era apenas demora
e cantando pus-me a esperar-te
Permita que agora emudeccedila
que me conforme em ser sozinha
Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina
Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo
e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo
Ceciacutelia Meireles
E minha alma sem luz nem tenda
passa errante na noite maacute
agrave procura de quem me entenda
e de quem me consolaraacute
Ceciacutelia Meireles
A arte de ser feliz
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco
Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada
e o jardim parecia morto
Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde
e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas
Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse
E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e
meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz
Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor
Outras vezes encontro nuvens espessas
Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola
Pardais que pulam pelo muro
Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais
Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega
Aacutes vezes um galo canta
Agraves vezes um aviatildeo passa
Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino
E eu me sinto completamente feliz
Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas
que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem
outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros
finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
SONETO ANTIGO
Responder a perguntas natildeo respondo
Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto
Soacute do que sei de mim aos outros conto
de mim atravessada pelo mundo
Toda a minha experiecircncia o meu estudo
sou eu mesma que em solidatildeo paciente
recolho do que em mim observo e escuto
muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende
O que sou vale mais do que o meu canto
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisiacuteveis por onde ando
Tudo eacute secreto e de remoto exemplo
Todos ouvimos longe o apelo do Anjo
E todos somos pura flor de vento
Ceciacutelia Meireles
Renova-te
Renasce em ti mesmo
Multiplica os teus olhos para verem mais
Multiplica-se os teus braccedilos para semeares
tudo
Destroacutei os olhos que tiverem visto
Cria outros para as visotildees novas
Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado
Para se esquecerem de colher
Secirc sempre o mesmo
Sempre outro Mas sempre alto
Sempre longe
E dentro de tudo
Ceciacutelia Meireles
Tu tens um medo
Acabar
Natildeo vecircs que acabas todo o dia
Que morres no amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que te renovas todo o dia
No amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que eacutes sempre outro
Que eacutes sempre o mesmo
Que morreraacutes por idades imensas
Ateacute natildeo teres medo de morrer
E entatildeo seraacutes eterno
Ceciacutelia Meireles
Se vocecirc errou
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil perdoar
Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir
Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem
que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas
Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se
Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vida
Mas com certeza nada eacute impossiacutevel
Ceciacutelia Meireles
Natildeo digas onde acaba o dia
Onde comeccedila a noite
Natildeo fales palavras vatildes
As palavras do mundo
Natildeo digas onde comeccedila a Terra
Onde termina o ceacuteu
Natildeo digas ateacute onde eacutes tu
Natildeo digas desde onde eacutes Deus
Natildeo fales palavras vatildes
Desfaze-te da vaidade triste de falar
Pensacompletamente silencioso
Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso
Sem pensar
Ceciacutelia Meireles
Canccedilatildeo do Sonho Acabado
Jaacute tive a rosa do amor
- rubra rosa sem pudor
Cobicei cheirei colhi
Mas ela despetalou
E outra igual nunca mais vi
Jaacute vivi mil aventuras
Me embriaguei de alegria
Mas os risos da ventura
No limiar da loucura
Se tornaram fantasia
Jaacute almejei felicidade
Matildeos dadas fraternidade
Um ideal sem fronteiras
- utopia Voou ligeira
Nas asas da liberdade
Desejei viver Demais
Segurar a juventude
Prender o tempo na matildeo
Plantar o liacuterio da paz
Mas nem mesmo isto eu pude
Tentei poreacutem nada fiz
Muito da vida eu jaacute quis
Jaacute quis mas natildeo quero mais
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Epigrama n 2
Ceciacutelia Meireles
Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade
Custas a vir e quando vens natildeo te demoras
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo
e para te medir se inventaram as horas
Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa
Fizeste para sempre a vida ficar triste
Porque um dia se vecirc que as horas todas passam
e um tempo despovoado e profundo persiste
Ceciacutelia Meireles
Sou entre flor e nuvem
estrela e mar Por que
havemos de ser unicamente
humanos limitados em chorar
Natildeo encontro caminhos faacuteceis
de andar Meu rosto vaacuterio
desorienta as firmes pedras
que natildeo sabem de aacutegua e de ar
Ceciacutelia Meireles
Eacute preciso natildeo esquecer nada
nem a torneira aberta nem o fogo aceso
nem o sorriso para os infelizes
nem a oraccedilatildeo de cada instante
Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta
nem o ceacuteu de sempre
O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso
O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos
a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria
O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos
vigiados pelos proacuteprios olhos
severos conosco pois o resto natildeo nos pertence
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Ceciacutelia Meireles
A bailarina
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Natildeo conhece nem doacute nem reacute
mas sabe ficar na ponta do peacute
Natildeo conhece nem mi nem faacute
Mas inclina o corpo para caacute e para laacute
Natildeo conhece nem laacute nem si
mas fecha os olhos e sorri
Roda roda roda com os bracinhos no ar
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
e natildeo fica tonta nem sai do lugar
Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu
e diz que caiu do ceacuteu
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Mas depois esquece todas as danccedilas
e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 14 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
06 Balada das dez bailarinas do Cassino
Ceciacutelia Meireles
Balada das Dez Bailarinas do Cassino
Dez bailarinas deslizam
por um chatildeo de espelho
Tecircm corpos egiacutepcios com placas douradas
paacutelpebras azuis e dedos vermelhos
Levantam veacuteus brancos de ingecircnuos aromas
e dobram amarelos joelhos
Andam as dez bailarinas
sem voz em redor das mesas
Haacute matildeos sobre facas dentes sobre flores
e com os charutos toldam as luzes acesas
Entre a muacutesica e a danccedila escorre
uma sedosa escada de vileza
As dez bailarinas avanccedilam
como gafanhotos perdidos
Avanccedilam recuam na sala compacta
empurrando olhares e arranhando o ruiacutedo
Tatildeo nuas se sentem que jaacute vatildeo cobertas
de imaginaacuterios chorosos vestidos
A dez bailarinas escondem
nos ciacutelios verdes as pupilas
Em seus quadris fosforescentes
passa uma faixa de morte tranquumlila
Como quem leva para a terra um filho morto
levam seu proacuteprio corpo que baila e cintila
Os homens gordos olham com um teacutedio
enorme
as dez bailarinas tatildeo frias
Pobres serpentes sem luxuacuteria
que satildeo crianccedilas durante o dia
Dez anjos anecircmicos de axilas profundas
embalsamados de melancolia
Vatildeo perpassando como dez muacutemias
as bailarinas fatigadas
Ramo de nardos inclinando flores
azuis brancas verdes douradas
Dez matildees chorariam se vissem
as bailarinas de matildeos dadas
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 15 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
07 ndash Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidecircncia
Ceciacutelia Meireles
Atraveacutes de grossas portas
sentem-se luzes acesas
mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas
dentro das casas fronteiras
olhos colados aos vidros
mulheres e homens agrave espreita
caras disformes de insocircnia
vigiando as accedilotildees alheias
Pelas gretas das janelas
pelas frestas das esteiras
agudas setas at iram
a inveja e a maledicecircncia
Palavras conjeturadas
oscilam no ar de surpresas
como peludas aranhas
na gosma das teias densas
raacutepidas e envenenadas
engenhosas sorrateiras
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
brilham fardas e casacas
junto com bat inas pretas
E haacute finas matildeos pensat ivas
entre galotildees sedas rendas
e haacute grossas matildeos vigorosas
de unhas fortes duras veias
e haacute matildeos de puacutelpito e altares
de Evangelhos cruzes becircnccedilatildeos
Uns satildeo reinoacuteis uns mazombos
e pensam de mil maneiras
mas citam Vergiacutelio e Horaacutecio
e refletem e argumentam
falam de minas e impostos
de lavras e de fazendas
de ministros e rainhas
e das colocircnias inglesas
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
uns sugerem uns recusam
uns ouvem uns aconselham
Se a derrama for lanccedilada
haacute levante com certeza
Corre-se por essas ruas
Corta-se alguma cabeccedila
Do cimo de alguma escada
profere-se alguma arenga
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Que bandeira se desdobra
Com que figura ou legenda
Coisas da Maccedilonaria
do Paganismo ou da Igreja
A Santiacutessima Trindade
Um gecircnio a quebrar algemas
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
entre sigilo e espionagem
acontece a Inconfidecircncia
E diz o Vigaacuterio ao Poeta
Escreva-me aquela letra
do versinho de Vergiacutelio
E daacute-lhe o papel e a pena
E diz o Poeta ao Vigaacuterio
com dramaacutetica prudecircncia
Tenha meus dedos cortados
antes que tal verso escrevam
LIBERDADE AINDA QUE TARDE
ouve-se em redor da mesa
E a bandeira jaacute estaacute viva
e sobe na noite imensa
E os seus tristes inventores
jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram
a falar em Liberdade
(que ningueacutem sabe o que seja)
Atraveacutes de grossas portas
sentem-se luzes acesas
mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas
dentro das casas fronteiras
Que estatildeo fazendo tatildeo tarde
Que escrevem conversam pensam
Mostram livros proibidos
Lecircem notiacutecias nas Gazetas
Teratildeo recebido cartas
de potecircncias estrangeiras
(Antiguidades de Nimes
em Vila Rica suspensas
Cavalo de La Fayette
saltando vastas fronteiras
Oacute vitoacuterias festas flores
das lutas da Independecircncia
Liberdade - essa palavra
que o sonho humano alimenta
que natildeo haacute ningueacutem que explique
e ningueacutem que natildeo entenda)
E a vizinhanccedila natildeo dorme
murmura imagina inventa
Natildeo fica bandeira escrita
mas fica escrita a sentenccedila
Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de
Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de
idade
O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto
naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo
usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era
muito real
Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes
maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda
definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute
ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
08 ndash Continuaccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre
inteira
Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que
explique e ningueacutem que natildeo entenda
Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas
que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente
aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Canteiros
Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner
Quando penso em vocecirc
Fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa
Menos a felicidade
Correm os meus dedos longos
Em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego
Jaacute me daacute contentamento
Pode ser ateacute manhatilde
Sendo claro feito o dia
Mas nada do que me dizem me faz sentir
alegria
(Refratildeo 2X)
Eu soacute queria ter do mato
Um gosto de framboesa
Pra correr entre os canteiros
E esconder minha tristeza
E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza
E deixemos de coisa cuidemos da vida
Pois se natildeo chega a morte
Ou coisa parecida
E nos arrasta moccedilo
Sem ter visto a vida
Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho
Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho
Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol
Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol
Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo
Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Poemas de Ceciacutelia Meireles
Nem tudo eacute faacutecil
Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute
faacutecil fazer triste
Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil
natildeo dizer nada
Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute
faacutecil perdecirc-lo para sempre
Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim
como eacute faacutecil viver mais um dia
Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom
assim como eacute faacutecil fechar os olhos e
atravessar a rua
Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim
como eacute faacutecil achar que sempre falta algo
Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute
faacutecil fazer chorar
Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim
como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute
faacutecil ser perdoado
Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o
Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil
se arrepender
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil
encontrar
algueacutem que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse
que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute
faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza
nada eacute impossiacutevel
Precisamos acreditar ter feacute e lutar
para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem
tornemos todos esses desejos
realidade
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
O Amor
Ceciacutelia Meireles
Eacute difiacutecil para os indecisos
Eacute assustador para os medrosos
Avassalador para os apaixonados
Mas os vencedores no amor satildeo os fortes
Os que sabem o que querem e querem o que tecircm
Sonhar um sonho a dois
e nunca desistir da busca de ser feliz
eacute para poucos
eu sou uma desses poucos
amo avassaladoramente
O AMOR DAS MINHAS VIDAS
Ceciacutelia Meireles
Basta-me um pequeno gesto
feito de longe e de leve
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
LUA ADVERSA
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Fases que vatildeo e vecircm
no secreto calendaacuterio
que um astroacutelogo arbitraacuterio
inventou para meu uso
E roda a melancolia
seu interminaacutevel fuso
Natildeo me encontro com ningueacutem
(tenho fases como a lua)
No dia de algueacutem ser meu
natildeo eacute dia de eu ser sua
E quando chega esse dia
o outro desapareceu
Ceciacutelia Meireles
Despedida
Por mim e por voacutes e por mais aquilo
que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo
deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo
quero solidatildeo
Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens
E como o conheces - me perguntaratildeo
- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens
Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo
Que procuras Tudo Que desejas - Nada
Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Natildeo ando perdida mas desencontrada
Levo o meu rumo na minha matildeo
A memoacuteria voou da minha fronte
Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo
Talvez eu morra antes do horizonte
Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo
Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra
(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo
Estandarte triste de uma estranha guerra)
Quero solidatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Motivo
Ceciacutelia Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida estaacute completa
Natildeo sou alegre nem sou triste
sou poeta
Irmatildeo das coisas fugidias
natildeo sinto gozo nem tormento
Atravesso noites e dias
no vento
Se desmorono ou se edifico
se permaneccedilo ou me desfaccedilo
mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico
ou passo
Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo
Tem sangue eterno a asa ritmada
E um dia sei que estarei mudo
mdash mais nada
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Serenata
Ceciacutelia Meireles
Permita que eu feche os meus olhos
pois eacute muito longe e tatildeo tarde
Pensei que era apenas demora
e cantando pus-me a esperar-te
Permita que agora emudeccedila
que me conforme em ser sozinha
Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina
Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo
e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo
Ceciacutelia Meireles
E minha alma sem luz nem tenda
passa errante na noite maacute
agrave procura de quem me entenda
e de quem me consolaraacute
Ceciacutelia Meireles
A arte de ser feliz
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco
Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada
e o jardim parecia morto
Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde
e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas
Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse
E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e
meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz
Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor
Outras vezes encontro nuvens espessas
Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola
Pardais que pulam pelo muro
Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais
Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega
Aacutes vezes um galo canta
Agraves vezes um aviatildeo passa
Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino
E eu me sinto completamente feliz
Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas
que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem
outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros
finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
SONETO ANTIGO
Responder a perguntas natildeo respondo
Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto
Soacute do que sei de mim aos outros conto
de mim atravessada pelo mundo
Toda a minha experiecircncia o meu estudo
sou eu mesma que em solidatildeo paciente
recolho do que em mim observo e escuto
muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende
O que sou vale mais do que o meu canto
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisiacuteveis por onde ando
Tudo eacute secreto e de remoto exemplo
Todos ouvimos longe o apelo do Anjo
E todos somos pura flor de vento
Ceciacutelia Meireles
Renova-te
Renasce em ti mesmo
Multiplica os teus olhos para verem mais
Multiplica-se os teus braccedilos para semeares
tudo
Destroacutei os olhos que tiverem visto
Cria outros para as visotildees novas
Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado
Para se esquecerem de colher
Secirc sempre o mesmo
Sempre outro Mas sempre alto
Sempre longe
E dentro de tudo
Ceciacutelia Meireles
Tu tens um medo
Acabar
Natildeo vecircs que acabas todo o dia
Que morres no amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que te renovas todo o dia
No amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que eacutes sempre outro
Que eacutes sempre o mesmo
Que morreraacutes por idades imensas
Ateacute natildeo teres medo de morrer
E entatildeo seraacutes eterno
Ceciacutelia Meireles
Se vocecirc errou
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil perdoar
Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir
Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem
que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas
Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se
Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vida
Mas com certeza nada eacute impossiacutevel
Ceciacutelia Meireles
Natildeo digas onde acaba o dia
Onde comeccedila a noite
Natildeo fales palavras vatildes
As palavras do mundo
Natildeo digas onde comeccedila a Terra
Onde termina o ceacuteu
Natildeo digas ateacute onde eacutes tu
Natildeo digas desde onde eacutes Deus
Natildeo fales palavras vatildes
Desfaze-te da vaidade triste de falar
Pensacompletamente silencioso
Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso
Sem pensar
Ceciacutelia Meireles
Canccedilatildeo do Sonho Acabado
Jaacute tive a rosa do amor
- rubra rosa sem pudor
Cobicei cheirei colhi
Mas ela despetalou
E outra igual nunca mais vi
Jaacute vivi mil aventuras
Me embriaguei de alegria
Mas os risos da ventura
No limiar da loucura
Se tornaram fantasia
Jaacute almejei felicidade
Matildeos dadas fraternidade
Um ideal sem fronteiras
- utopia Voou ligeira
Nas asas da liberdade
Desejei viver Demais
Segurar a juventude
Prender o tempo na matildeo
Plantar o liacuterio da paz
Mas nem mesmo isto eu pude
Tentei poreacutem nada fiz
Muito da vida eu jaacute quis
Jaacute quis mas natildeo quero mais
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Epigrama n 2
Ceciacutelia Meireles
Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade
Custas a vir e quando vens natildeo te demoras
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo
e para te medir se inventaram as horas
Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa
Fizeste para sempre a vida ficar triste
Porque um dia se vecirc que as horas todas passam
e um tempo despovoado e profundo persiste
Ceciacutelia Meireles
Sou entre flor e nuvem
estrela e mar Por que
havemos de ser unicamente
humanos limitados em chorar
Natildeo encontro caminhos faacuteceis
de andar Meu rosto vaacuterio
desorienta as firmes pedras
que natildeo sabem de aacutegua e de ar
Ceciacutelia Meireles
Eacute preciso natildeo esquecer nada
nem a torneira aberta nem o fogo aceso
nem o sorriso para os infelizes
nem a oraccedilatildeo de cada instante
Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta
nem o ceacuteu de sempre
O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso
O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos
a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria
O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos
vigiados pelos proacuteprios olhos
severos conosco pois o resto natildeo nos pertence
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Ceciacutelia Meireles
A bailarina
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Natildeo conhece nem doacute nem reacute
mas sabe ficar na ponta do peacute
Natildeo conhece nem mi nem faacute
Mas inclina o corpo para caacute e para laacute
Natildeo conhece nem laacute nem si
mas fecha os olhos e sorri
Roda roda roda com os bracinhos no ar
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
e natildeo fica tonta nem sai do lugar
Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu
e diz que caiu do ceacuteu
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Mas depois esquece todas as danccedilas
e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 15 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
07 ndash Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidecircncia
Ceciacutelia Meireles
Atraveacutes de grossas portas
sentem-se luzes acesas
mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas
dentro das casas fronteiras
olhos colados aos vidros
mulheres e homens agrave espreita
caras disformes de insocircnia
vigiando as accedilotildees alheias
Pelas gretas das janelas
pelas frestas das esteiras
agudas setas at iram
a inveja e a maledicecircncia
Palavras conjeturadas
oscilam no ar de surpresas
como peludas aranhas
na gosma das teias densas
raacutepidas e envenenadas
engenhosas sorrateiras
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
brilham fardas e casacas
junto com bat inas pretas
E haacute finas matildeos pensat ivas
entre galotildees sedas rendas
e haacute grossas matildeos vigorosas
de unhas fortes duras veias
e haacute matildeos de puacutelpito e altares
de Evangelhos cruzes becircnccedilatildeos
Uns satildeo reinoacuteis uns mazombos
e pensam de mil maneiras
mas citam Vergiacutelio e Horaacutecio
e refletem e argumentam
falam de minas e impostos
de lavras e de fazendas
de ministros e rainhas
e das colocircnias inglesas
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
uns sugerem uns recusam
uns ouvem uns aconselham
Se a derrama for lanccedilada
haacute levante com certeza
Corre-se por essas ruas
Corta-se alguma cabeccedila
Do cimo de alguma escada
profere-se alguma arenga
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Que bandeira se desdobra
Com que figura ou legenda
Coisas da Maccedilonaria
do Paganismo ou da Igreja
A Santiacutessima Trindade
Um gecircnio a quebrar algemas
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
entre sigilo e espionagem
acontece a Inconfidecircncia
E diz o Vigaacuterio ao Poeta
Escreva-me aquela letra
do versinho de Vergiacutelio
E daacute-lhe o papel e a pena
E diz o Poeta ao Vigaacuterio
com dramaacutetica prudecircncia
Tenha meus dedos cortados
antes que tal verso escrevam
LIBERDADE AINDA QUE TARDE
ouve-se em redor da mesa
E a bandeira jaacute estaacute viva
e sobe na noite imensa
E os seus tristes inventores
jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram
a falar em Liberdade
(que ningueacutem sabe o que seja)
Atraveacutes de grossas portas
sentem-se luzes acesas
mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas
dentro das casas fronteiras
Que estatildeo fazendo tatildeo tarde
Que escrevem conversam pensam
Mostram livros proibidos
Lecircem notiacutecias nas Gazetas
Teratildeo recebido cartas
de potecircncias estrangeiras
(Antiguidades de Nimes
em Vila Rica suspensas
Cavalo de La Fayette
saltando vastas fronteiras
Oacute vitoacuterias festas flores
das lutas da Independecircncia
Liberdade - essa palavra
que o sonho humano alimenta
que natildeo haacute ningueacutem que explique
e ningueacutem que natildeo entenda)
E a vizinhanccedila natildeo dorme
murmura imagina inventa
Natildeo fica bandeira escrita
mas fica escrita a sentenccedila
Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de
Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de
idade
O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto
naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo
usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era
muito real
Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes
maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda
definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute
ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
08 ndash Continuaccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre
inteira
Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que
explique e ningueacutem que natildeo entenda
Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas
que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente
aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Canteiros
Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner
Quando penso em vocecirc
Fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa
Menos a felicidade
Correm os meus dedos longos
Em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego
Jaacute me daacute contentamento
Pode ser ateacute manhatilde
Sendo claro feito o dia
Mas nada do que me dizem me faz sentir
alegria
(Refratildeo 2X)
Eu soacute queria ter do mato
Um gosto de framboesa
Pra correr entre os canteiros
E esconder minha tristeza
E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza
E deixemos de coisa cuidemos da vida
Pois se natildeo chega a morte
Ou coisa parecida
E nos arrasta moccedilo
Sem ter visto a vida
Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho
Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho
Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol
Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol
Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo
Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Poemas de Ceciacutelia Meireles
Nem tudo eacute faacutecil
Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute
faacutecil fazer triste
Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil
natildeo dizer nada
Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute
faacutecil perdecirc-lo para sempre
Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim
como eacute faacutecil viver mais um dia
Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom
assim como eacute faacutecil fechar os olhos e
atravessar a rua
Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim
como eacute faacutecil achar que sempre falta algo
Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute
faacutecil fazer chorar
Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim
como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute
faacutecil ser perdoado
Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o
Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil
se arrepender
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil
encontrar
algueacutem que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse
que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute
faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza
nada eacute impossiacutevel
Precisamos acreditar ter feacute e lutar
para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem
tornemos todos esses desejos
realidade
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
O Amor
Ceciacutelia Meireles
Eacute difiacutecil para os indecisos
Eacute assustador para os medrosos
Avassalador para os apaixonados
Mas os vencedores no amor satildeo os fortes
Os que sabem o que querem e querem o que tecircm
Sonhar um sonho a dois
e nunca desistir da busca de ser feliz
eacute para poucos
eu sou uma desses poucos
amo avassaladoramente
O AMOR DAS MINHAS VIDAS
Ceciacutelia Meireles
Basta-me um pequeno gesto
feito de longe e de leve
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
LUA ADVERSA
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Fases que vatildeo e vecircm
no secreto calendaacuterio
que um astroacutelogo arbitraacuterio
inventou para meu uso
E roda a melancolia
seu interminaacutevel fuso
Natildeo me encontro com ningueacutem
(tenho fases como a lua)
No dia de algueacutem ser meu
natildeo eacute dia de eu ser sua
E quando chega esse dia
o outro desapareceu
Ceciacutelia Meireles
Despedida
Por mim e por voacutes e por mais aquilo
que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo
deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo
quero solidatildeo
Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens
E como o conheces - me perguntaratildeo
- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens
Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo
Que procuras Tudo Que desejas - Nada
Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Natildeo ando perdida mas desencontrada
Levo o meu rumo na minha matildeo
A memoacuteria voou da minha fronte
Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo
Talvez eu morra antes do horizonte
Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo
Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra
(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo
Estandarte triste de uma estranha guerra)
Quero solidatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Motivo
Ceciacutelia Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida estaacute completa
Natildeo sou alegre nem sou triste
sou poeta
Irmatildeo das coisas fugidias
natildeo sinto gozo nem tormento
Atravesso noites e dias
no vento
Se desmorono ou se edifico
se permaneccedilo ou me desfaccedilo
mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico
ou passo
Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo
Tem sangue eterno a asa ritmada
E um dia sei que estarei mudo
mdash mais nada
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Serenata
Ceciacutelia Meireles
Permita que eu feche os meus olhos
pois eacute muito longe e tatildeo tarde
Pensei que era apenas demora
e cantando pus-me a esperar-te
Permita que agora emudeccedila
que me conforme em ser sozinha
Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina
Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo
e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo
Ceciacutelia Meireles
E minha alma sem luz nem tenda
passa errante na noite maacute
agrave procura de quem me entenda
e de quem me consolaraacute
Ceciacutelia Meireles
A arte de ser feliz
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco
Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada
e o jardim parecia morto
Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde
e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas
Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse
E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e
meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz
Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor
Outras vezes encontro nuvens espessas
Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola
Pardais que pulam pelo muro
Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais
Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega
Aacutes vezes um galo canta
Agraves vezes um aviatildeo passa
Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino
E eu me sinto completamente feliz
Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas
que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem
outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros
finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
SONETO ANTIGO
Responder a perguntas natildeo respondo
Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto
Soacute do que sei de mim aos outros conto
de mim atravessada pelo mundo
Toda a minha experiecircncia o meu estudo
sou eu mesma que em solidatildeo paciente
recolho do que em mim observo e escuto
muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende
O que sou vale mais do que o meu canto
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisiacuteveis por onde ando
Tudo eacute secreto e de remoto exemplo
Todos ouvimos longe o apelo do Anjo
E todos somos pura flor de vento
Ceciacutelia Meireles
Renova-te
Renasce em ti mesmo
Multiplica os teus olhos para verem mais
Multiplica-se os teus braccedilos para semeares
tudo
Destroacutei os olhos que tiverem visto
Cria outros para as visotildees novas
Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado
Para se esquecerem de colher
Secirc sempre o mesmo
Sempre outro Mas sempre alto
Sempre longe
E dentro de tudo
Ceciacutelia Meireles
Tu tens um medo
Acabar
Natildeo vecircs que acabas todo o dia
Que morres no amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que te renovas todo o dia
No amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que eacutes sempre outro
Que eacutes sempre o mesmo
Que morreraacutes por idades imensas
Ateacute natildeo teres medo de morrer
E entatildeo seraacutes eterno
Ceciacutelia Meireles
Se vocecirc errou
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil perdoar
Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir
Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem
que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas
Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se
Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vida
Mas com certeza nada eacute impossiacutevel
Ceciacutelia Meireles
Natildeo digas onde acaba o dia
Onde comeccedila a noite
Natildeo fales palavras vatildes
As palavras do mundo
Natildeo digas onde comeccedila a Terra
Onde termina o ceacuteu
Natildeo digas ateacute onde eacutes tu
Natildeo digas desde onde eacutes Deus
Natildeo fales palavras vatildes
Desfaze-te da vaidade triste de falar
Pensacompletamente silencioso
Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso
Sem pensar
Ceciacutelia Meireles
Canccedilatildeo do Sonho Acabado
Jaacute tive a rosa do amor
- rubra rosa sem pudor
Cobicei cheirei colhi
Mas ela despetalou
E outra igual nunca mais vi
Jaacute vivi mil aventuras
Me embriaguei de alegria
Mas os risos da ventura
No limiar da loucura
Se tornaram fantasia
Jaacute almejei felicidade
Matildeos dadas fraternidade
Um ideal sem fronteiras
- utopia Voou ligeira
Nas asas da liberdade
Desejei viver Demais
Segurar a juventude
Prender o tempo na matildeo
Plantar o liacuterio da paz
Mas nem mesmo isto eu pude
Tentei poreacutem nada fiz
Muito da vida eu jaacute quis
Jaacute quis mas natildeo quero mais
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Epigrama n 2
Ceciacutelia Meireles
Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade
Custas a vir e quando vens natildeo te demoras
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo
e para te medir se inventaram as horas
Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa
Fizeste para sempre a vida ficar triste
Porque um dia se vecirc que as horas todas passam
e um tempo despovoado e profundo persiste
Ceciacutelia Meireles
Sou entre flor e nuvem
estrela e mar Por que
havemos de ser unicamente
humanos limitados em chorar
Natildeo encontro caminhos faacuteceis
de andar Meu rosto vaacuterio
desorienta as firmes pedras
que natildeo sabem de aacutegua e de ar
Ceciacutelia Meireles
Eacute preciso natildeo esquecer nada
nem a torneira aberta nem o fogo aceso
nem o sorriso para os infelizes
nem a oraccedilatildeo de cada instante
Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta
nem o ceacuteu de sempre
O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso
O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos
a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria
O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos
vigiados pelos proacuteprios olhos
severos conosco pois o resto natildeo nos pertence
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Ceciacutelia Meireles
A bailarina
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Natildeo conhece nem doacute nem reacute
mas sabe ficar na ponta do peacute
Natildeo conhece nem mi nem faacute
Mas inclina o corpo para caacute e para laacute
Natildeo conhece nem laacute nem si
mas fecha os olhos e sorri
Roda roda roda com os bracinhos no ar
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
e natildeo fica tonta nem sai do lugar
Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu
e diz que caiu do ceacuteu
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Mas depois esquece todas as danccedilas
e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Que bandeira se desdobra
Com que figura ou legenda
Coisas da Maccedilonaria
do Paganismo ou da Igreja
A Santiacutessima Trindade
Um gecircnio a quebrar algemas
Atraacutes de portas fechadas
agrave luz de velas acesas
entre sigilo e espionagem
acontece a Inconfidecircncia
E diz o Vigaacuterio ao Poeta
Escreva-me aquela letra
do versinho de Vergiacutelio
E daacute-lhe o papel e a pena
E diz o Poeta ao Vigaacuterio
com dramaacutetica prudecircncia
Tenha meus dedos cortados
antes que tal verso escrevam
LIBERDADE AINDA QUE TARDE
ouve-se em redor da mesa
E a bandeira jaacute estaacute viva
e sobe na noite imensa
E os seus tristes inventores
jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram
a falar em Liberdade
(que ningueacutem sabe o que seja)
Atraveacutes de grossas portas
sentem-se luzes acesas
mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas
dentro das casas fronteiras
Que estatildeo fazendo tatildeo tarde
Que escrevem conversam pensam
Mostram livros proibidos
Lecircem notiacutecias nas Gazetas
Teratildeo recebido cartas
de potecircncias estrangeiras
(Antiguidades de Nimes
em Vila Rica suspensas
Cavalo de La Fayette
saltando vastas fronteiras
Oacute vitoacuterias festas flores
das lutas da Independecircncia
Liberdade - essa palavra
que o sonho humano alimenta
que natildeo haacute ningueacutem que explique
e ningueacutem que natildeo entenda)
E a vizinhanccedila natildeo dorme
murmura imagina inventa
Natildeo fica bandeira escrita
mas fica escrita a sentenccedila
Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de
Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de
idade
O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto
naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo
usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era
muito real
Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes
maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda
definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute
ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
08 ndash Continuaccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre
inteira
Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que
explique e ningueacutem que natildeo entenda
Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas
que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente
aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Canteiros
Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner
Quando penso em vocecirc
Fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa
Menos a felicidade
Correm os meus dedos longos
Em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego
Jaacute me daacute contentamento
Pode ser ateacute manhatilde
Sendo claro feito o dia
Mas nada do que me dizem me faz sentir
alegria
(Refratildeo 2X)
Eu soacute queria ter do mato
Um gosto de framboesa
Pra correr entre os canteiros
E esconder minha tristeza
E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza
E deixemos de coisa cuidemos da vida
Pois se natildeo chega a morte
Ou coisa parecida
E nos arrasta moccedilo
Sem ter visto a vida
Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho
Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho
Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol
Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol
Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo
Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Poemas de Ceciacutelia Meireles
Nem tudo eacute faacutecil
Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute
faacutecil fazer triste
Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil
natildeo dizer nada
Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute
faacutecil perdecirc-lo para sempre
Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim
como eacute faacutecil viver mais um dia
Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom
assim como eacute faacutecil fechar os olhos e
atravessar a rua
Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim
como eacute faacutecil achar que sempre falta algo
Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute
faacutecil fazer chorar
Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim
como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute
faacutecil ser perdoado
Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o
Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil
se arrepender
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil
encontrar
algueacutem que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse
que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute
faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza
nada eacute impossiacutevel
Precisamos acreditar ter feacute e lutar
para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem
tornemos todos esses desejos
realidade
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
O Amor
Ceciacutelia Meireles
Eacute difiacutecil para os indecisos
Eacute assustador para os medrosos
Avassalador para os apaixonados
Mas os vencedores no amor satildeo os fortes
Os que sabem o que querem e querem o que tecircm
Sonhar um sonho a dois
e nunca desistir da busca de ser feliz
eacute para poucos
eu sou uma desses poucos
amo avassaladoramente
O AMOR DAS MINHAS VIDAS
Ceciacutelia Meireles
Basta-me um pequeno gesto
feito de longe e de leve
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
LUA ADVERSA
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Fases que vatildeo e vecircm
no secreto calendaacuterio
que um astroacutelogo arbitraacuterio
inventou para meu uso
E roda a melancolia
seu interminaacutevel fuso
Natildeo me encontro com ningueacutem
(tenho fases como a lua)
No dia de algueacutem ser meu
natildeo eacute dia de eu ser sua
E quando chega esse dia
o outro desapareceu
Ceciacutelia Meireles
Despedida
Por mim e por voacutes e por mais aquilo
que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo
deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo
quero solidatildeo
Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens
E como o conheces - me perguntaratildeo
- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens
Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo
Que procuras Tudo Que desejas - Nada
Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Natildeo ando perdida mas desencontrada
Levo o meu rumo na minha matildeo
A memoacuteria voou da minha fronte
Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo
Talvez eu morra antes do horizonte
Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo
Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra
(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo
Estandarte triste de uma estranha guerra)
Quero solidatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Motivo
Ceciacutelia Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida estaacute completa
Natildeo sou alegre nem sou triste
sou poeta
Irmatildeo das coisas fugidias
natildeo sinto gozo nem tormento
Atravesso noites e dias
no vento
Se desmorono ou se edifico
se permaneccedilo ou me desfaccedilo
mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico
ou passo
Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo
Tem sangue eterno a asa ritmada
E um dia sei que estarei mudo
mdash mais nada
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Serenata
Ceciacutelia Meireles
Permita que eu feche os meus olhos
pois eacute muito longe e tatildeo tarde
Pensei que era apenas demora
e cantando pus-me a esperar-te
Permita que agora emudeccedila
que me conforme em ser sozinha
Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina
Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo
e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo
Ceciacutelia Meireles
E minha alma sem luz nem tenda
passa errante na noite maacute
agrave procura de quem me entenda
e de quem me consolaraacute
Ceciacutelia Meireles
A arte de ser feliz
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco
Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada
e o jardim parecia morto
Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde
e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas
Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse
E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e
meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz
Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor
Outras vezes encontro nuvens espessas
Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola
Pardais que pulam pelo muro
Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais
Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega
Aacutes vezes um galo canta
Agraves vezes um aviatildeo passa
Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino
E eu me sinto completamente feliz
Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas
que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem
outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros
finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
SONETO ANTIGO
Responder a perguntas natildeo respondo
Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto
Soacute do que sei de mim aos outros conto
de mim atravessada pelo mundo
Toda a minha experiecircncia o meu estudo
sou eu mesma que em solidatildeo paciente
recolho do que em mim observo e escuto
muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende
O que sou vale mais do que o meu canto
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisiacuteveis por onde ando
Tudo eacute secreto e de remoto exemplo
Todos ouvimos longe o apelo do Anjo
E todos somos pura flor de vento
Ceciacutelia Meireles
Renova-te
Renasce em ti mesmo
Multiplica os teus olhos para verem mais
Multiplica-se os teus braccedilos para semeares
tudo
Destroacutei os olhos que tiverem visto
Cria outros para as visotildees novas
Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado
Para se esquecerem de colher
Secirc sempre o mesmo
Sempre outro Mas sempre alto
Sempre longe
E dentro de tudo
Ceciacutelia Meireles
Tu tens um medo
Acabar
Natildeo vecircs que acabas todo o dia
Que morres no amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que te renovas todo o dia
No amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que eacutes sempre outro
Que eacutes sempre o mesmo
Que morreraacutes por idades imensas
Ateacute natildeo teres medo de morrer
E entatildeo seraacutes eterno
Ceciacutelia Meireles
Se vocecirc errou
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil perdoar
Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir
Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem
que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas
Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se
Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vida
Mas com certeza nada eacute impossiacutevel
Ceciacutelia Meireles
Natildeo digas onde acaba o dia
Onde comeccedila a noite
Natildeo fales palavras vatildes
As palavras do mundo
Natildeo digas onde comeccedila a Terra
Onde termina o ceacuteu
Natildeo digas ateacute onde eacutes tu
Natildeo digas desde onde eacutes Deus
Natildeo fales palavras vatildes
Desfaze-te da vaidade triste de falar
Pensacompletamente silencioso
Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso
Sem pensar
Ceciacutelia Meireles
Canccedilatildeo do Sonho Acabado
Jaacute tive a rosa do amor
- rubra rosa sem pudor
Cobicei cheirei colhi
Mas ela despetalou
E outra igual nunca mais vi
Jaacute vivi mil aventuras
Me embriaguei de alegria
Mas os risos da ventura
No limiar da loucura
Se tornaram fantasia
Jaacute almejei felicidade
Matildeos dadas fraternidade
Um ideal sem fronteiras
- utopia Voou ligeira
Nas asas da liberdade
Desejei viver Demais
Segurar a juventude
Prender o tempo na matildeo
Plantar o liacuterio da paz
Mas nem mesmo isto eu pude
Tentei poreacutem nada fiz
Muito da vida eu jaacute quis
Jaacute quis mas natildeo quero mais
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Epigrama n 2
Ceciacutelia Meireles
Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade
Custas a vir e quando vens natildeo te demoras
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo
e para te medir se inventaram as horas
Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa
Fizeste para sempre a vida ficar triste
Porque um dia se vecirc que as horas todas passam
e um tempo despovoado e profundo persiste
Ceciacutelia Meireles
Sou entre flor e nuvem
estrela e mar Por que
havemos de ser unicamente
humanos limitados em chorar
Natildeo encontro caminhos faacuteceis
de andar Meu rosto vaacuterio
desorienta as firmes pedras
que natildeo sabem de aacutegua e de ar
Ceciacutelia Meireles
Eacute preciso natildeo esquecer nada
nem a torneira aberta nem o fogo aceso
nem o sorriso para os infelizes
nem a oraccedilatildeo de cada instante
Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta
nem o ceacuteu de sempre
O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso
O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos
a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria
O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos
vigiados pelos proacuteprios olhos
severos conosco pois o resto natildeo nos pertence
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Ceciacutelia Meireles
A bailarina
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Natildeo conhece nem doacute nem reacute
mas sabe ficar na ponta do peacute
Natildeo conhece nem mi nem faacute
Mas inclina o corpo para caacute e para laacute
Natildeo conhece nem laacute nem si
mas fecha os olhos e sorri
Roda roda roda com os bracinhos no ar
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
e natildeo fica tonta nem sai do lugar
Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu
e diz que caiu do ceacuteu
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Mas depois esquece todas as danccedilas
e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
08 ndash Continuaccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre
inteira
Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que
explique e ningueacutem que natildeo entenda
Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas
que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente
aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Canteiros
Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner
Quando penso em vocecirc
Fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa
Menos a felicidade
Correm os meus dedos longos
Em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego
Jaacute me daacute contentamento
Pode ser ateacute manhatilde
Sendo claro feito o dia
Mas nada do que me dizem me faz sentir
alegria
(Refratildeo 2X)
Eu soacute queria ter do mato
Um gosto de framboesa
Pra correr entre os canteiros
E esconder minha tristeza
E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza
E deixemos de coisa cuidemos da vida
Pois se natildeo chega a morte
Ou coisa parecida
E nos arrasta moccedilo
Sem ter visto a vida
Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho
Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho
Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol
Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol
Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo
Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Poemas de Ceciacutelia Meireles
Nem tudo eacute faacutecil
Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute
faacutecil fazer triste
Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil
natildeo dizer nada
Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute
faacutecil perdecirc-lo para sempre
Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim
como eacute faacutecil viver mais um dia
Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom
assim como eacute faacutecil fechar os olhos e
atravessar a rua
Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim
como eacute faacutecil achar que sempre falta algo
Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute
faacutecil fazer chorar
Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim
como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute
faacutecil ser perdoado
Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o
Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil
se arrepender
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil
encontrar
algueacutem que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse
que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute
faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza
nada eacute impossiacutevel
Precisamos acreditar ter feacute e lutar
para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem
tornemos todos esses desejos
realidade
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
O Amor
Ceciacutelia Meireles
Eacute difiacutecil para os indecisos
Eacute assustador para os medrosos
Avassalador para os apaixonados
Mas os vencedores no amor satildeo os fortes
Os que sabem o que querem e querem o que tecircm
Sonhar um sonho a dois
e nunca desistir da busca de ser feliz
eacute para poucos
eu sou uma desses poucos
amo avassaladoramente
O AMOR DAS MINHAS VIDAS
Ceciacutelia Meireles
Basta-me um pequeno gesto
feito de longe e de leve
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
LUA ADVERSA
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Fases que vatildeo e vecircm
no secreto calendaacuterio
que um astroacutelogo arbitraacuterio
inventou para meu uso
E roda a melancolia
seu interminaacutevel fuso
Natildeo me encontro com ningueacutem
(tenho fases como a lua)
No dia de algueacutem ser meu
natildeo eacute dia de eu ser sua
E quando chega esse dia
o outro desapareceu
Ceciacutelia Meireles
Despedida
Por mim e por voacutes e por mais aquilo
que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo
deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo
quero solidatildeo
Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens
E como o conheces - me perguntaratildeo
- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens
Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo
Que procuras Tudo Que desejas - Nada
Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Natildeo ando perdida mas desencontrada
Levo o meu rumo na minha matildeo
A memoacuteria voou da minha fronte
Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo
Talvez eu morra antes do horizonte
Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo
Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra
(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo
Estandarte triste de uma estranha guerra)
Quero solidatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Motivo
Ceciacutelia Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida estaacute completa
Natildeo sou alegre nem sou triste
sou poeta
Irmatildeo das coisas fugidias
natildeo sinto gozo nem tormento
Atravesso noites e dias
no vento
Se desmorono ou se edifico
se permaneccedilo ou me desfaccedilo
mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico
ou passo
Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo
Tem sangue eterno a asa ritmada
E um dia sei que estarei mudo
mdash mais nada
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Serenata
Ceciacutelia Meireles
Permita que eu feche os meus olhos
pois eacute muito longe e tatildeo tarde
Pensei que era apenas demora
e cantando pus-me a esperar-te
Permita que agora emudeccedila
que me conforme em ser sozinha
Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina
Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo
e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo
Ceciacutelia Meireles
E minha alma sem luz nem tenda
passa errante na noite maacute
agrave procura de quem me entenda
e de quem me consolaraacute
Ceciacutelia Meireles
A arte de ser feliz
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco
Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada
e o jardim parecia morto
Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde
e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas
Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse
E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e
meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz
Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor
Outras vezes encontro nuvens espessas
Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola
Pardais que pulam pelo muro
Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais
Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega
Aacutes vezes um galo canta
Agraves vezes um aviatildeo passa
Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino
E eu me sinto completamente feliz
Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas
que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem
outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros
finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
SONETO ANTIGO
Responder a perguntas natildeo respondo
Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto
Soacute do que sei de mim aos outros conto
de mim atravessada pelo mundo
Toda a minha experiecircncia o meu estudo
sou eu mesma que em solidatildeo paciente
recolho do que em mim observo e escuto
muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende
O que sou vale mais do que o meu canto
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisiacuteveis por onde ando
Tudo eacute secreto e de remoto exemplo
Todos ouvimos longe o apelo do Anjo
E todos somos pura flor de vento
Ceciacutelia Meireles
Renova-te
Renasce em ti mesmo
Multiplica os teus olhos para verem mais
Multiplica-se os teus braccedilos para semeares
tudo
Destroacutei os olhos que tiverem visto
Cria outros para as visotildees novas
Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado
Para se esquecerem de colher
Secirc sempre o mesmo
Sempre outro Mas sempre alto
Sempre longe
E dentro de tudo
Ceciacutelia Meireles
Tu tens um medo
Acabar
Natildeo vecircs que acabas todo o dia
Que morres no amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que te renovas todo o dia
No amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que eacutes sempre outro
Que eacutes sempre o mesmo
Que morreraacutes por idades imensas
Ateacute natildeo teres medo de morrer
E entatildeo seraacutes eterno
Ceciacutelia Meireles
Se vocecirc errou
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil perdoar
Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir
Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem
que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas
Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se
Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vida
Mas com certeza nada eacute impossiacutevel
Ceciacutelia Meireles
Natildeo digas onde acaba o dia
Onde comeccedila a noite
Natildeo fales palavras vatildes
As palavras do mundo
Natildeo digas onde comeccedila a Terra
Onde termina o ceacuteu
Natildeo digas ateacute onde eacutes tu
Natildeo digas desde onde eacutes Deus
Natildeo fales palavras vatildes
Desfaze-te da vaidade triste de falar
Pensacompletamente silencioso
Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso
Sem pensar
Ceciacutelia Meireles
Canccedilatildeo do Sonho Acabado
Jaacute tive a rosa do amor
- rubra rosa sem pudor
Cobicei cheirei colhi
Mas ela despetalou
E outra igual nunca mais vi
Jaacute vivi mil aventuras
Me embriaguei de alegria
Mas os risos da ventura
No limiar da loucura
Se tornaram fantasia
Jaacute almejei felicidade
Matildeos dadas fraternidade
Um ideal sem fronteiras
- utopia Voou ligeira
Nas asas da liberdade
Desejei viver Demais
Segurar a juventude
Prender o tempo na matildeo
Plantar o liacuterio da paz
Mas nem mesmo isto eu pude
Tentei poreacutem nada fiz
Muito da vida eu jaacute quis
Jaacute quis mas natildeo quero mais
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Epigrama n 2
Ceciacutelia Meireles
Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade
Custas a vir e quando vens natildeo te demoras
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo
e para te medir se inventaram as horas
Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa
Fizeste para sempre a vida ficar triste
Porque um dia se vecirc que as horas todas passam
e um tempo despovoado e profundo persiste
Ceciacutelia Meireles
Sou entre flor e nuvem
estrela e mar Por que
havemos de ser unicamente
humanos limitados em chorar
Natildeo encontro caminhos faacuteceis
de andar Meu rosto vaacuterio
desorienta as firmes pedras
que natildeo sabem de aacutegua e de ar
Ceciacutelia Meireles
Eacute preciso natildeo esquecer nada
nem a torneira aberta nem o fogo aceso
nem o sorriso para os infelizes
nem a oraccedilatildeo de cada instante
Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta
nem o ceacuteu de sempre
O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso
O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos
a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria
O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos
vigiados pelos proacuteprios olhos
severos conosco pois o resto natildeo nos pertence
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Ceciacutelia Meireles
A bailarina
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Natildeo conhece nem doacute nem reacute
mas sabe ficar na ponta do peacute
Natildeo conhece nem mi nem faacute
Mas inclina o corpo para caacute e para laacute
Natildeo conhece nem laacute nem si
mas fecha os olhos e sorri
Roda roda roda com os bracinhos no ar
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
e natildeo fica tonta nem sai do lugar
Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu
e diz que caiu do ceacuteu
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Mas depois esquece todas as danccedilas
e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Canteiros
Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner
Quando penso em vocecirc
Fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa
Menos a felicidade
Correm os meus dedos longos
Em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego
Jaacute me daacute contentamento
Pode ser ateacute manhatilde
Sendo claro feito o dia
Mas nada do que me dizem me faz sentir
alegria
(Refratildeo 2X)
Eu soacute queria ter do mato
Um gosto de framboesa
Pra correr entre os canteiros
E esconder minha tristeza
E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza
E deixemos de coisa cuidemos da vida
Pois se natildeo chega a morte
Ou coisa parecida
E nos arrasta moccedilo
Sem ter visto a vida
Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho
Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho
Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol
Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol
Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo
Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Poemas de Ceciacutelia Meireles
Nem tudo eacute faacutecil
Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute
faacutecil fazer triste
Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil
natildeo dizer nada
Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute
faacutecil perdecirc-lo para sempre
Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim
como eacute faacutecil viver mais um dia
Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom
assim como eacute faacutecil fechar os olhos e
atravessar a rua
Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim
como eacute faacutecil achar que sempre falta algo
Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute
faacutecil fazer chorar
Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim
como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute
faacutecil ser perdoado
Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o
Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil
se arrepender
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil
encontrar
algueacutem que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse
que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute
faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza
nada eacute impossiacutevel
Precisamos acreditar ter feacute e lutar
para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem
tornemos todos esses desejos
realidade
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
O Amor
Ceciacutelia Meireles
Eacute difiacutecil para os indecisos
Eacute assustador para os medrosos
Avassalador para os apaixonados
Mas os vencedores no amor satildeo os fortes
Os que sabem o que querem e querem o que tecircm
Sonhar um sonho a dois
e nunca desistir da busca de ser feliz
eacute para poucos
eu sou uma desses poucos
amo avassaladoramente
O AMOR DAS MINHAS VIDAS
Ceciacutelia Meireles
Basta-me um pequeno gesto
feito de longe e de leve
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
LUA ADVERSA
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Fases que vatildeo e vecircm
no secreto calendaacuterio
que um astroacutelogo arbitraacuterio
inventou para meu uso
E roda a melancolia
seu interminaacutevel fuso
Natildeo me encontro com ningueacutem
(tenho fases como a lua)
No dia de algueacutem ser meu
natildeo eacute dia de eu ser sua
E quando chega esse dia
o outro desapareceu
Ceciacutelia Meireles
Despedida
Por mim e por voacutes e por mais aquilo
que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo
deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo
quero solidatildeo
Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens
E como o conheces - me perguntaratildeo
- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens
Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo
Que procuras Tudo Que desejas - Nada
Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Natildeo ando perdida mas desencontrada
Levo o meu rumo na minha matildeo
A memoacuteria voou da minha fronte
Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo
Talvez eu morra antes do horizonte
Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo
Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra
(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo
Estandarte triste de uma estranha guerra)
Quero solidatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Motivo
Ceciacutelia Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida estaacute completa
Natildeo sou alegre nem sou triste
sou poeta
Irmatildeo das coisas fugidias
natildeo sinto gozo nem tormento
Atravesso noites e dias
no vento
Se desmorono ou se edifico
se permaneccedilo ou me desfaccedilo
mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico
ou passo
Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo
Tem sangue eterno a asa ritmada
E um dia sei que estarei mudo
mdash mais nada
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Serenata
Ceciacutelia Meireles
Permita que eu feche os meus olhos
pois eacute muito longe e tatildeo tarde
Pensei que era apenas demora
e cantando pus-me a esperar-te
Permita que agora emudeccedila
que me conforme em ser sozinha
Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina
Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo
e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo
Ceciacutelia Meireles
E minha alma sem luz nem tenda
passa errante na noite maacute
agrave procura de quem me entenda
e de quem me consolaraacute
Ceciacutelia Meireles
A arte de ser feliz
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco
Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada
e o jardim parecia morto
Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde
e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas
Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse
E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e
meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz
Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor
Outras vezes encontro nuvens espessas
Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola
Pardais que pulam pelo muro
Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais
Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega
Aacutes vezes um galo canta
Agraves vezes um aviatildeo passa
Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino
E eu me sinto completamente feliz
Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas
que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem
outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros
finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
SONETO ANTIGO
Responder a perguntas natildeo respondo
Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto
Soacute do que sei de mim aos outros conto
de mim atravessada pelo mundo
Toda a minha experiecircncia o meu estudo
sou eu mesma que em solidatildeo paciente
recolho do que em mim observo e escuto
muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende
O que sou vale mais do que o meu canto
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisiacuteveis por onde ando
Tudo eacute secreto e de remoto exemplo
Todos ouvimos longe o apelo do Anjo
E todos somos pura flor de vento
Ceciacutelia Meireles
Renova-te
Renasce em ti mesmo
Multiplica os teus olhos para verem mais
Multiplica-se os teus braccedilos para semeares
tudo
Destroacutei os olhos que tiverem visto
Cria outros para as visotildees novas
Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado
Para se esquecerem de colher
Secirc sempre o mesmo
Sempre outro Mas sempre alto
Sempre longe
E dentro de tudo
Ceciacutelia Meireles
Tu tens um medo
Acabar
Natildeo vecircs que acabas todo o dia
Que morres no amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que te renovas todo o dia
No amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que eacutes sempre outro
Que eacutes sempre o mesmo
Que morreraacutes por idades imensas
Ateacute natildeo teres medo de morrer
E entatildeo seraacutes eterno
Ceciacutelia Meireles
Se vocecirc errou
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil perdoar
Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir
Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem
que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas
Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se
Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vida
Mas com certeza nada eacute impossiacutevel
Ceciacutelia Meireles
Natildeo digas onde acaba o dia
Onde comeccedila a noite
Natildeo fales palavras vatildes
As palavras do mundo
Natildeo digas onde comeccedila a Terra
Onde termina o ceacuteu
Natildeo digas ateacute onde eacutes tu
Natildeo digas desde onde eacutes Deus
Natildeo fales palavras vatildes
Desfaze-te da vaidade triste de falar
Pensacompletamente silencioso
Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso
Sem pensar
Ceciacutelia Meireles
Canccedilatildeo do Sonho Acabado
Jaacute tive a rosa do amor
- rubra rosa sem pudor
Cobicei cheirei colhi
Mas ela despetalou
E outra igual nunca mais vi
Jaacute vivi mil aventuras
Me embriaguei de alegria
Mas os risos da ventura
No limiar da loucura
Se tornaram fantasia
Jaacute almejei felicidade
Matildeos dadas fraternidade
Um ideal sem fronteiras
- utopia Voou ligeira
Nas asas da liberdade
Desejei viver Demais
Segurar a juventude
Prender o tempo na matildeo
Plantar o liacuterio da paz
Mas nem mesmo isto eu pude
Tentei poreacutem nada fiz
Muito da vida eu jaacute quis
Jaacute quis mas natildeo quero mais
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Epigrama n 2
Ceciacutelia Meireles
Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade
Custas a vir e quando vens natildeo te demoras
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo
e para te medir se inventaram as horas
Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa
Fizeste para sempre a vida ficar triste
Porque um dia se vecirc que as horas todas passam
e um tempo despovoado e profundo persiste
Ceciacutelia Meireles
Sou entre flor e nuvem
estrela e mar Por que
havemos de ser unicamente
humanos limitados em chorar
Natildeo encontro caminhos faacuteceis
de andar Meu rosto vaacuterio
desorienta as firmes pedras
que natildeo sabem de aacutegua e de ar
Ceciacutelia Meireles
Eacute preciso natildeo esquecer nada
nem a torneira aberta nem o fogo aceso
nem o sorriso para os infelizes
nem a oraccedilatildeo de cada instante
Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta
nem o ceacuteu de sempre
O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso
O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos
a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria
O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos
vigiados pelos proacuteprios olhos
severos conosco pois o resto natildeo nos pertence
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Ceciacutelia Meireles
A bailarina
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Natildeo conhece nem doacute nem reacute
mas sabe ficar na ponta do peacute
Natildeo conhece nem mi nem faacute
Mas inclina o corpo para caacute e para laacute
Natildeo conhece nem laacute nem si
mas fecha os olhos e sorri
Roda roda roda com os bracinhos no ar
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
e natildeo fica tonta nem sai do lugar
Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu
e diz que caiu do ceacuteu
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Mas depois esquece todas as danccedilas
e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Poemas de Ceciacutelia Meireles
Nem tudo eacute faacutecil
Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute
faacutecil fazer triste
Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil
natildeo dizer nada
Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute
faacutecil perdecirc-lo para sempre
Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim
como eacute faacutecil viver mais um dia
Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom
assim como eacute faacutecil fechar os olhos e
atravessar a rua
Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim
como eacute faacutecil achar que sempre falta algo
Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute
faacutecil fazer chorar
Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim
como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute
faacutecil ser perdoado
Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o
Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil
se arrepender
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil
encontrar
algueacutem que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse
que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute
faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza
nada eacute impossiacutevel
Precisamos acreditar ter feacute e lutar
para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem
tornemos todos esses desejos
realidade
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
O Amor
Ceciacutelia Meireles
Eacute difiacutecil para os indecisos
Eacute assustador para os medrosos
Avassalador para os apaixonados
Mas os vencedores no amor satildeo os fortes
Os que sabem o que querem e querem o que tecircm
Sonhar um sonho a dois
e nunca desistir da busca de ser feliz
eacute para poucos
eu sou uma desses poucos
amo avassaladoramente
O AMOR DAS MINHAS VIDAS
Ceciacutelia Meireles
Basta-me um pequeno gesto
feito de longe e de leve
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
LUA ADVERSA
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Fases que vatildeo e vecircm
no secreto calendaacuterio
que um astroacutelogo arbitraacuterio
inventou para meu uso
E roda a melancolia
seu interminaacutevel fuso
Natildeo me encontro com ningueacutem
(tenho fases como a lua)
No dia de algueacutem ser meu
natildeo eacute dia de eu ser sua
E quando chega esse dia
o outro desapareceu
Ceciacutelia Meireles
Despedida
Por mim e por voacutes e por mais aquilo
que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo
deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo
quero solidatildeo
Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens
E como o conheces - me perguntaratildeo
- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens
Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo
Que procuras Tudo Que desejas - Nada
Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Natildeo ando perdida mas desencontrada
Levo o meu rumo na minha matildeo
A memoacuteria voou da minha fronte
Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo
Talvez eu morra antes do horizonte
Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo
Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra
(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo
Estandarte triste de uma estranha guerra)
Quero solidatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Motivo
Ceciacutelia Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida estaacute completa
Natildeo sou alegre nem sou triste
sou poeta
Irmatildeo das coisas fugidias
natildeo sinto gozo nem tormento
Atravesso noites e dias
no vento
Se desmorono ou se edifico
se permaneccedilo ou me desfaccedilo
mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico
ou passo
Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo
Tem sangue eterno a asa ritmada
E um dia sei que estarei mudo
mdash mais nada
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Serenata
Ceciacutelia Meireles
Permita que eu feche os meus olhos
pois eacute muito longe e tatildeo tarde
Pensei que era apenas demora
e cantando pus-me a esperar-te
Permita que agora emudeccedila
que me conforme em ser sozinha
Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina
Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo
e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo
Ceciacutelia Meireles
E minha alma sem luz nem tenda
passa errante na noite maacute
agrave procura de quem me entenda
e de quem me consolaraacute
Ceciacutelia Meireles
A arte de ser feliz
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco
Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada
e o jardim parecia morto
Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde
e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas
Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse
E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e
meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz
Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor
Outras vezes encontro nuvens espessas
Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola
Pardais que pulam pelo muro
Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais
Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega
Aacutes vezes um galo canta
Agraves vezes um aviatildeo passa
Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino
E eu me sinto completamente feliz
Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas
que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem
outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros
finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
SONETO ANTIGO
Responder a perguntas natildeo respondo
Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto
Soacute do que sei de mim aos outros conto
de mim atravessada pelo mundo
Toda a minha experiecircncia o meu estudo
sou eu mesma que em solidatildeo paciente
recolho do que em mim observo e escuto
muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende
O que sou vale mais do que o meu canto
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisiacuteveis por onde ando
Tudo eacute secreto e de remoto exemplo
Todos ouvimos longe o apelo do Anjo
E todos somos pura flor de vento
Ceciacutelia Meireles
Renova-te
Renasce em ti mesmo
Multiplica os teus olhos para verem mais
Multiplica-se os teus braccedilos para semeares
tudo
Destroacutei os olhos que tiverem visto
Cria outros para as visotildees novas
Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado
Para se esquecerem de colher
Secirc sempre o mesmo
Sempre outro Mas sempre alto
Sempre longe
E dentro de tudo
Ceciacutelia Meireles
Tu tens um medo
Acabar
Natildeo vecircs que acabas todo o dia
Que morres no amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que te renovas todo o dia
No amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que eacutes sempre outro
Que eacutes sempre o mesmo
Que morreraacutes por idades imensas
Ateacute natildeo teres medo de morrer
E entatildeo seraacutes eterno
Ceciacutelia Meireles
Se vocecirc errou
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil perdoar
Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir
Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem
que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas
Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se
Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vida
Mas com certeza nada eacute impossiacutevel
Ceciacutelia Meireles
Natildeo digas onde acaba o dia
Onde comeccedila a noite
Natildeo fales palavras vatildes
As palavras do mundo
Natildeo digas onde comeccedila a Terra
Onde termina o ceacuteu
Natildeo digas ateacute onde eacutes tu
Natildeo digas desde onde eacutes Deus
Natildeo fales palavras vatildes
Desfaze-te da vaidade triste de falar
Pensacompletamente silencioso
Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso
Sem pensar
Ceciacutelia Meireles
Canccedilatildeo do Sonho Acabado
Jaacute tive a rosa do amor
- rubra rosa sem pudor
Cobicei cheirei colhi
Mas ela despetalou
E outra igual nunca mais vi
Jaacute vivi mil aventuras
Me embriaguei de alegria
Mas os risos da ventura
No limiar da loucura
Se tornaram fantasia
Jaacute almejei felicidade
Matildeos dadas fraternidade
Um ideal sem fronteiras
- utopia Voou ligeira
Nas asas da liberdade
Desejei viver Demais
Segurar a juventude
Prender o tempo na matildeo
Plantar o liacuterio da paz
Mas nem mesmo isto eu pude
Tentei poreacutem nada fiz
Muito da vida eu jaacute quis
Jaacute quis mas natildeo quero mais
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Epigrama n 2
Ceciacutelia Meireles
Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade
Custas a vir e quando vens natildeo te demoras
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo
e para te medir se inventaram as horas
Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa
Fizeste para sempre a vida ficar triste
Porque um dia se vecirc que as horas todas passam
e um tempo despovoado e profundo persiste
Ceciacutelia Meireles
Sou entre flor e nuvem
estrela e mar Por que
havemos de ser unicamente
humanos limitados em chorar
Natildeo encontro caminhos faacuteceis
de andar Meu rosto vaacuterio
desorienta as firmes pedras
que natildeo sabem de aacutegua e de ar
Ceciacutelia Meireles
Eacute preciso natildeo esquecer nada
nem a torneira aberta nem o fogo aceso
nem o sorriso para os infelizes
nem a oraccedilatildeo de cada instante
Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta
nem o ceacuteu de sempre
O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso
O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos
a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria
O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos
vigiados pelos proacuteprios olhos
severos conosco pois o resto natildeo nos pertence
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Ceciacutelia Meireles
A bailarina
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Natildeo conhece nem doacute nem reacute
mas sabe ficar na ponta do peacute
Natildeo conhece nem mi nem faacute
Mas inclina o corpo para caacute e para laacute
Natildeo conhece nem laacute nem si
mas fecha os olhos e sorri
Roda roda roda com os bracinhos no ar
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
e natildeo fica tonta nem sai do lugar
Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu
e diz que caiu do ceacuteu
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Mas depois esquece todas as danccedilas
e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
O Amor
Ceciacutelia Meireles
Eacute difiacutecil para os indecisos
Eacute assustador para os medrosos
Avassalador para os apaixonados
Mas os vencedores no amor satildeo os fortes
Os que sabem o que querem e querem o que tecircm
Sonhar um sonho a dois
e nunca desistir da busca de ser feliz
eacute para poucos
eu sou uma desses poucos
amo avassaladoramente
O AMOR DAS MINHAS VIDAS
Ceciacutelia Meireles
Basta-me um pequeno gesto
feito de longe e de leve
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
LUA ADVERSA
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Fases que vatildeo e vecircm
no secreto calendaacuterio
que um astroacutelogo arbitraacuterio
inventou para meu uso
E roda a melancolia
seu interminaacutevel fuso
Natildeo me encontro com ningueacutem
(tenho fases como a lua)
No dia de algueacutem ser meu
natildeo eacute dia de eu ser sua
E quando chega esse dia
o outro desapareceu
Ceciacutelia Meireles
Despedida
Por mim e por voacutes e por mais aquilo
que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo
deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo
quero solidatildeo
Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens
E como o conheces - me perguntaratildeo
- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens
Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo
Que procuras Tudo Que desejas - Nada
Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Natildeo ando perdida mas desencontrada
Levo o meu rumo na minha matildeo
A memoacuteria voou da minha fronte
Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo
Talvez eu morra antes do horizonte
Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo
Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra
(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo
Estandarte triste de uma estranha guerra)
Quero solidatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Motivo
Ceciacutelia Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida estaacute completa
Natildeo sou alegre nem sou triste
sou poeta
Irmatildeo das coisas fugidias
natildeo sinto gozo nem tormento
Atravesso noites e dias
no vento
Se desmorono ou se edifico
se permaneccedilo ou me desfaccedilo
mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico
ou passo
Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo
Tem sangue eterno a asa ritmada
E um dia sei que estarei mudo
mdash mais nada
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Serenata
Ceciacutelia Meireles
Permita que eu feche os meus olhos
pois eacute muito longe e tatildeo tarde
Pensei que era apenas demora
e cantando pus-me a esperar-te
Permita que agora emudeccedila
que me conforme em ser sozinha
Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina
Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo
e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo
Ceciacutelia Meireles
E minha alma sem luz nem tenda
passa errante na noite maacute
agrave procura de quem me entenda
e de quem me consolaraacute
Ceciacutelia Meireles
A arte de ser feliz
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco
Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada
e o jardim parecia morto
Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde
e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas
Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse
E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e
meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz
Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor
Outras vezes encontro nuvens espessas
Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola
Pardais que pulam pelo muro
Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais
Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega
Aacutes vezes um galo canta
Agraves vezes um aviatildeo passa
Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino
E eu me sinto completamente feliz
Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas
que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem
outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros
finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
SONETO ANTIGO
Responder a perguntas natildeo respondo
Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto
Soacute do que sei de mim aos outros conto
de mim atravessada pelo mundo
Toda a minha experiecircncia o meu estudo
sou eu mesma que em solidatildeo paciente
recolho do que em mim observo e escuto
muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende
O que sou vale mais do que o meu canto
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisiacuteveis por onde ando
Tudo eacute secreto e de remoto exemplo
Todos ouvimos longe o apelo do Anjo
E todos somos pura flor de vento
Ceciacutelia Meireles
Renova-te
Renasce em ti mesmo
Multiplica os teus olhos para verem mais
Multiplica-se os teus braccedilos para semeares
tudo
Destroacutei os olhos que tiverem visto
Cria outros para as visotildees novas
Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado
Para se esquecerem de colher
Secirc sempre o mesmo
Sempre outro Mas sempre alto
Sempre longe
E dentro de tudo
Ceciacutelia Meireles
Tu tens um medo
Acabar
Natildeo vecircs que acabas todo o dia
Que morres no amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que te renovas todo o dia
No amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que eacutes sempre outro
Que eacutes sempre o mesmo
Que morreraacutes por idades imensas
Ateacute natildeo teres medo de morrer
E entatildeo seraacutes eterno
Ceciacutelia Meireles
Se vocecirc errou
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil perdoar
Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir
Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem
que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas
Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se
Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vida
Mas com certeza nada eacute impossiacutevel
Ceciacutelia Meireles
Natildeo digas onde acaba o dia
Onde comeccedila a noite
Natildeo fales palavras vatildes
As palavras do mundo
Natildeo digas onde comeccedila a Terra
Onde termina o ceacuteu
Natildeo digas ateacute onde eacutes tu
Natildeo digas desde onde eacutes Deus
Natildeo fales palavras vatildes
Desfaze-te da vaidade triste de falar
Pensacompletamente silencioso
Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso
Sem pensar
Ceciacutelia Meireles
Canccedilatildeo do Sonho Acabado
Jaacute tive a rosa do amor
- rubra rosa sem pudor
Cobicei cheirei colhi
Mas ela despetalou
E outra igual nunca mais vi
Jaacute vivi mil aventuras
Me embriaguei de alegria
Mas os risos da ventura
No limiar da loucura
Se tornaram fantasia
Jaacute almejei felicidade
Matildeos dadas fraternidade
Um ideal sem fronteiras
- utopia Voou ligeira
Nas asas da liberdade
Desejei viver Demais
Segurar a juventude
Prender o tempo na matildeo
Plantar o liacuterio da paz
Mas nem mesmo isto eu pude
Tentei poreacutem nada fiz
Muito da vida eu jaacute quis
Jaacute quis mas natildeo quero mais
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Epigrama n 2
Ceciacutelia Meireles
Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade
Custas a vir e quando vens natildeo te demoras
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo
e para te medir se inventaram as horas
Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa
Fizeste para sempre a vida ficar triste
Porque um dia se vecirc que as horas todas passam
e um tempo despovoado e profundo persiste
Ceciacutelia Meireles
Sou entre flor e nuvem
estrela e mar Por que
havemos de ser unicamente
humanos limitados em chorar
Natildeo encontro caminhos faacuteceis
de andar Meu rosto vaacuterio
desorienta as firmes pedras
que natildeo sabem de aacutegua e de ar
Ceciacutelia Meireles
Eacute preciso natildeo esquecer nada
nem a torneira aberta nem o fogo aceso
nem o sorriso para os infelizes
nem a oraccedilatildeo de cada instante
Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta
nem o ceacuteu de sempre
O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso
O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos
a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria
O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos
vigiados pelos proacuteprios olhos
severos conosco pois o resto natildeo nos pertence
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Ceciacutelia Meireles
A bailarina
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Natildeo conhece nem doacute nem reacute
mas sabe ficar na ponta do peacute
Natildeo conhece nem mi nem faacute
Mas inclina o corpo para caacute e para laacute
Natildeo conhece nem laacute nem si
mas fecha os olhos e sorri
Roda roda roda com os bracinhos no ar
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
e natildeo fica tonta nem sai do lugar
Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu
e diz que caiu do ceacuteu
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Mas depois esquece todas as danccedilas
e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
LUA ADVERSA
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Fases que vatildeo e vecircm
no secreto calendaacuterio
que um astroacutelogo arbitraacuterio
inventou para meu uso
E roda a melancolia
seu interminaacutevel fuso
Natildeo me encontro com ningueacutem
(tenho fases como a lua)
No dia de algueacutem ser meu
natildeo eacute dia de eu ser sua
E quando chega esse dia
o outro desapareceu
Ceciacutelia Meireles
Despedida
Por mim e por voacutes e por mais aquilo
que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo
deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo
quero solidatildeo
Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens
E como o conheces - me perguntaratildeo
- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens
Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo
Que procuras Tudo Que desejas - Nada
Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Natildeo ando perdida mas desencontrada
Levo o meu rumo na minha matildeo
A memoacuteria voou da minha fronte
Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo
Talvez eu morra antes do horizonte
Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo
Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra
(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo
Estandarte triste de uma estranha guerra)
Quero solidatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Motivo
Ceciacutelia Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida estaacute completa
Natildeo sou alegre nem sou triste
sou poeta
Irmatildeo das coisas fugidias
natildeo sinto gozo nem tormento
Atravesso noites e dias
no vento
Se desmorono ou se edifico
se permaneccedilo ou me desfaccedilo
mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico
ou passo
Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo
Tem sangue eterno a asa ritmada
E um dia sei que estarei mudo
mdash mais nada
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Serenata
Ceciacutelia Meireles
Permita que eu feche os meus olhos
pois eacute muito longe e tatildeo tarde
Pensei que era apenas demora
e cantando pus-me a esperar-te
Permita que agora emudeccedila
que me conforme em ser sozinha
Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina
Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo
e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo
Ceciacutelia Meireles
E minha alma sem luz nem tenda
passa errante na noite maacute
agrave procura de quem me entenda
e de quem me consolaraacute
Ceciacutelia Meireles
A arte de ser feliz
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco
Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada
e o jardim parecia morto
Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde
e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas
Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse
E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e
meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz
Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor
Outras vezes encontro nuvens espessas
Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola
Pardais que pulam pelo muro
Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais
Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega
Aacutes vezes um galo canta
Agraves vezes um aviatildeo passa
Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino
E eu me sinto completamente feliz
Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas
que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem
outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros
finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
SONETO ANTIGO
Responder a perguntas natildeo respondo
Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto
Soacute do que sei de mim aos outros conto
de mim atravessada pelo mundo
Toda a minha experiecircncia o meu estudo
sou eu mesma que em solidatildeo paciente
recolho do que em mim observo e escuto
muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende
O que sou vale mais do que o meu canto
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisiacuteveis por onde ando
Tudo eacute secreto e de remoto exemplo
Todos ouvimos longe o apelo do Anjo
E todos somos pura flor de vento
Ceciacutelia Meireles
Renova-te
Renasce em ti mesmo
Multiplica os teus olhos para verem mais
Multiplica-se os teus braccedilos para semeares
tudo
Destroacutei os olhos que tiverem visto
Cria outros para as visotildees novas
Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado
Para se esquecerem de colher
Secirc sempre o mesmo
Sempre outro Mas sempre alto
Sempre longe
E dentro de tudo
Ceciacutelia Meireles
Tu tens um medo
Acabar
Natildeo vecircs que acabas todo o dia
Que morres no amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que te renovas todo o dia
No amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que eacutes sempre outro
Que eacutes sempre o mesmo
Que morreraacutes por idades imensas
Ateacute natildeo teres medo de morrer
E entatildeo seraacutes eterno
Ceciacutelia Meireles
Se vocecirc errou
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil perdoar
Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir
Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem
que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas
Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se
Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vida
Mas com certeza nada eacute impossiacutevel
Ceciacutelia Meireles
Natildeo digas onde acaba o dia
Onde comeccedila a noite
Natildeo fales palavras vatildes
As palavras do mundo
Natildeo digas onde comeccedila a Terra
Onde termina o ceacuteu
Natildeo digas ateacute onde eacutes tu
Natildeo digas desde onde eacutes Deus
Natildeo fales palavras vatildes
Desfaze-te da vaidade triste de falar
Pensacompletamente silencioso
Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso
Sem pensar
Ceciacutelia Meireles
Canccedilatildeo do Sonho Acabado
Jaacute tive a rosa do amor
- rubra rosa sem pudor
Cobicei cheirei colhi
Mas ela despetalou
E outra igual nunca mais vi
Jaacute vivi mil aventuras
Me embriaguei de alegria
Mas os risos da ventura
No limiar da loucura
Se tornaram fantasia
Jaacute almejei felicidade
Matildeos dadas fraternidade
Um ideal sem fronteiras
- utopia Voou ligeira
Nas asas da liberdade
Desejei viver Demais
Segurar a juventude
Prender o tempo na matildeo
Plantar o liacuterio da paz
Mas nem mesmo isto eu pude
Tentei poreacutem nada fiz
Muito da vida eu jaacute quis
Jaacute quis mas natildeo quero mais
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Epigrama n 2
Ceciacutelia Meireles
Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade
Custas a vir e quando vens natildeo te demoras
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo
e para te medir se inventaram as horas
Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa
Fizeste para sempre a vida ficar triste
Porque um dia se vecirc que as horas todas passam
e um tempo despovoado e profundo persiste
Ceciacutelia Meireles
Sou entre flor e nuvem
estrela e mar Por que
havemos de ser unicamente
humanos limitados em chorar
Natildeo encontro caminhos faacuteceis
de andar Meu rosto vaacuterio
desorienta as firmes pedras
que natildeo sabem de aacutegua e de ar
Ceciacutelia Meireles
Eacute preciso natildeo esquecer nada
nem a torneira aberta nem o fogo aceso
nem o sorriso para os infelizes
nem a oraccedilatildeo de cada instante
Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta
nem o ceacuteu de sempre
O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso
O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos
a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria
O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos
vigiados pelos proacuteprios olhos
severos conosco pois o resto natildeo nos pertence
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Ceciacutelia Meireles
A bailarina
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Natildeo conhece nem doacute nem reacute
mas sabe ficar na ponta do peacute
Natildeo conhece nem mi nem faacute
Mas inclina o corpo para caacute e para laacute
Natildeo conhece nem laacute nem si
mas fecha os olhos e sorri
Roda roda roda com os bracinhos no ar
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
e natildeo fica tonta nem sai do lugar
Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu
e diz que caiu do ceacuteu
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Mas depois esquece todas as danccedilas
e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Natildeo ando perdida mas desencontrada
Levo o meu rumo na minha matildeo
A memoacuteria voou da minha fronte
Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo
Talvez eu morra antes do horizonte
Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo
Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra
(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo
Estandarte triste de uma estranha guerra)
Quero solidatildeo
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Motivo
Ceciacutelia Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida estaacute completa
Natildeo sou alegre nem sou triste
sou poeta
Irmatildeo das coisas fugidias
natildeo sinto gozo nem tormento
Atravesso noites e dias
no vento
Se desmorono ou se edifico
se permaneccedilo ou me desfaccedilo
mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico
ou passo
Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo
Tem sangue eterno a asa ritmada
E um dia sei que estarei mudo
mdash mais nada
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Serenata
Ceciacutelia Meireles
Permita que eu feche os meus olhos
pois eacute muito longe e tatildeo tarde
Pensei que era apenas demora
e cantando pus-me a esperar-te
Permita que agora emudeccedila
que me conforme em ser sozinha
Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina
Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo
e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo
Ceciacutelia Meireles
E minha alma sem luz nem tenda
passa errante na noite maacute
agrave procura de quem me entenda
e de quem me consolaraacute
Ceciacutelia Meireles
A arte de ser feliz
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco
Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada
e o jardim parecia morto
Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde
e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas
Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse
E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e
meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz
Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor
Outras vezes encontro nuvens espessas
Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola
Pardais que pulam pelo muro
Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais
Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega
Aacutes vezes um galo canta
Agraves vezes um aviatildeo passa
Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino
E eu me sinto completamente feliz
Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas
que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem
outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros
finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
SONETO ANTIGO
Responder a perguntas natildeo respondo
Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto
Soacute do que sei de mim aos outros conto
de mim atravessada pelo mundo
Toda a minha experiecircncia o meu estudo
sou eu mesma que em solidatildeo paciente
recolho do que em mim observo e escuto
muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende
O que sou vale mais do que o meu canto
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisiacuteveis por onde ando
Tudo eacute secreto e de remoto exemplo
Todos ouvimos longe o apelo do Anjo
E todos somos pura flor de vento
Ceciacutelia Meireles
Renova-te
Renasce em ti mesmo
Multiplica os teus olhos para verem mais
Multiplica-se os teus braccedilos para semeares
tudo
Destroacutei os olhos que tiverem visto
Cria outros para as visotildees novas
Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado
Para se esquecerem de colher
Secirc sempre o mesmo
Sempre outro Mas sempre alto
Sempre longe
E dentro de tudo
Ceciacutelia Meireles
Tu tens um medo
Acabar
Natildeo vecircs que acabas todo o dia
Que morres no amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que te renovas todo o dia
No amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que eacutes sempre outro
Que eacutes sempre o mesmo
Que morreraacutes por idades imensas
Ateacute natildeo teres medo de morrer
E entatildeo seraacutes eterno
Ceciacutelia Meireles
Se vocecirc errou
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil perdoar
Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir
Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem
que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas
Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se
Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vida
Mas com certeza nada eacute impossiacutevel
Ceciacutelia Meireles
Natildeo digas onde acaba o dia
Onde comeccedila a noite
Natildeo fales palavras vatildes
As palavras do mundo
Natildeo digas onde comeccedila a Terra
Onde termina o ceacuteu
Natildeo digas ateacute onde eacutes tu
Natildeo digas desde onde eacutes Deus
Natildeo fales palavras vatildes
Desfaze-te da vaidade triste de falar
Pensacompletamente silencioso
Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso
Sem pensar
Ceciacutelia Meireles
Canccedilatildeo do Sonho Acabado
Jaacute tive a rosa do amor
- rubra rosa sem pudor
Cobicei cheirei colhi
Mas ela despetalou
E outra igual nunca mais vi
Jaacute vivi mil aventuras
Me embriaguei de alegria
Mas os risos da ventura
No limiar da loucura
Se tornaram fantasia
Jaacute almejei felicidade
Matildeos dadas fraternidade
Um ideal sem fronteiras
- utopia Voou ligeira
Nas asas da liberdade
Desejei viver Demais
Segurar a juventude
Prender o tempo na matildeo
Plantar o liacuterio da paz
Mas nem mesmo isto eu pude
Tentei poreacutem nada fiz
Muito da vida eu jaacute quis
Jaacute quis mas natildeo quero mais
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Epigrama n 2
Ceciacutelia Meireles
Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade
Custas a vir e quando vens natildeo te demoras
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo
e para te medir se inventaram as horas
Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa
Fizeste para sempre a vida ficar triste
Porque um dia se vecirc que as horas todas passam
e um tempo despovoado e profundo persiste
Ceciacutelia Meireles
Sou entre flor e nuvem
estrela e mar Por que
havemos de ser unicamente
humanos limitados em chorar
Natildeo encontro caminhos faacuteceis
de andar Meu rosto vaacuterio
desorienta as firmes pedras
que natildeo sabem de aacutegua e de ar
Ceciacutelia Meireles
Eacute preciso natildeo esquecer nada
nem a torneira aberta nem o fogo aceso
nem o sorriso para os infelizes
nem a oraccedilatildeo de cada instante
Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta
nem o ceacuteu de sempre
O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso
O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos
a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria
O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos
vigiados pelos proacuteprios olhos
severos conosco pois o resto natildeo nos pertence
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Ceciacutelia Meireles
A bailarina
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Natildeo conhece nem doacute nem reacute
mas sabe ficar na ponta do peacute
Natildeo conhece nem mi nem faacute
Mas inclina o corpo para caacute e para laacute
Natildeo conhece nem laacute nem si
mas fecha os olhos e sorri
Roda roda roda com os bracinhos no ar
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
e natildeo fica tonta nem sai do lugar
Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu
e diz que caiu do ceacuteu
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Mas depois esquece todas as danccedilas
e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Motivo
Ceciacutelia Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida estaacute completa
Natildeo sou alegre nem sou triste
sou poeta
Irmatildeo das coisas fugidias
natildeo sinto gozo nem tormento
Atravesso noites e dias
no vento
Se desmorono ou se edifico
se permaneccedilo ou me desfaccedilo
mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico
ou passo
Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo
Tem sangue eterno a asa ritmada
E um dia sei que estarei mudo
mdash mais nada
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Serenata
Ceciacutelia Meireles
Permita que eu feche os meus olhos
pois eacute muito longe e tatildeo tarde
Pensei que era apenas demora
e cantando pus-me a esperar-te
Permita que agora emudeccedila
que me conforme em ser sozinha
Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina
Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo
e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo
Ceciacutelia Meireles
E minha alma sem luz nem tenda
passa errante na noite maacute
agrave procura de quem me entenda
e de quem me consolaraacute
Ceciacutelia Meireles
A arte de ser feliz
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco
Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada
e o jardim parecia morto
Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde
e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas
Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse
E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e
meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz
Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor
Outras vezes encontro nuvens espessas
Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola
Pardais que pulam pelo muro
Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais
Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega
Aacutes vezes um galo canta
Agraves vezes um aviatildeo passa
Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino
E eu me sinto completamente feliz
Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas
que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem
outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros
finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
SONETO ANTIGO
Responder a perguntas natildeo respondo
Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto
Soacute do que sei de mim aos outros conto
de mim atravessada pelo mundo
Toda a minha experiecircncia o meu estudo
sou eu mesma que em solidatildeo paciente
recolho do que em mim observo e escuto
muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende
O que sou vale mais do que o meu canto
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisiacuteveis por onde ando
Tudo eacute secreto e de remoto exemplo
Todos ouvimos longe o apelo do Anjo
E todos somos pura flor de vento
Ceciacutelia Meireles
Renova-te
Renasce em ti mesmo
Multiplica os teus olhos para verem mais
Multiplica-se os teus braccedilos para semeares
tudo
Destroacutei os olhos que tiverem visto
Cria outros para as visotildees novas
Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado
Para se esquecerem de colher
Secirc sempre o mesmo
Sempre outro Mas sempre alto
Sempre longe
E dentro de tudo
Ceciacutelia Meireles
Tu tens um medo
Acabar
Natildeo vecircs que acabas todo o dia
Que morres no amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que te renovas todo o dia
No amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que eacutes sempre outro
Que eacutes sempre o mesmo
Que morreraacutes por idades imensas
Ateacute natildeo teres medo de morrer
E entatildeo seraacutes eterno
Ceciacutelia Meireles
Se vocecirc errou
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil perdoar
Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir
Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem
que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas
Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se
Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vida
Mas com certeza nada eacute impossiacutevel
Ceciacutelia Meireles
Natildeo digas onde acaba o dia
Onde comeccedila a noite
Natildeo fales palavras vatildes
As palavras do mundo
Natildeo digas onde comeccedila a Terra
Onde termina o ceacuteu
Natildeo digas ateacute onde eacutes tu
Natildeo digas desde onde eacutes Deus
Natildeo fales palavras vatildes
Desfaze-te da vaidade triste de falar
Pensacompletamente silencioso
Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso
Sem pensar
Ceciacutelia Meireles
Canccedilatildeo do Sonho Acabado
Jaacute tive a rosa do amor
- rubra rosa sem pudor
Cobicei cheirei colhi
Mas ela despetalou
E outra igual nunca mais vi
Jaacute vivi mil aventuras
Me embriaguei de alegria
Mas os risos da ventura
No limiar da loucura
Se tornaram fantasia
Jaacute almejei felicidade
Matildeos dadas fraternidade
Um ideal sem fronteiras
- utopia Voou ligeira
Nas asas da liberdade
Desejei viver Demais
Segurar a juventude
Prender o tempo na matildeo
Plantar o liacuterio da paz
Mas nem mesmo isto eu pude
Tentei poreacutem nada fiz
Muito da vida eu jaacute quis
Jaacute quis mas natildeo quero mais
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Epigrama n 2
Ceciacutelia Meireles
Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade
Custas a vir e quando vens natildeo te demoras
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo
e para te medir se inventaram as horas
Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa
Fizeste para sempre a vida ficar triste
Porque um dia se vecirc que as horas todas passam
e um tempo despovoado e profundo persiste
Ceciacutelia Meireles
Sou entre flor e nuvem
estrela e mar Por que
havemos de ser unicamente
humanos limitados em chorar
Natildeo encontro caminhos faacuteceis
de andar Meu rosto vaacuterio
desorienta as firmes pedras
que natildeo sabem de aacutegua e de ar
Ceciacutelia Meireles
Eacute preciso natildeo esquecer nada
nem a torneira aberta nem o fogo aceso
nem o sorriso para os infelizes
nem a oraccedilatildeo de cada instante
Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta
nem o ceacuteu de sempre
O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso
O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos
a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria
O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos
vigiados pelos proacuteprios olhos
severos conosco pois o resto natildeo nos pertence
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Ceciacutelia Meireles
A bailarina
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Natildeo conhece nem doacute nem reacute
mas sabe ficar na ponta do peacute
Natildeo conhece nem mi nem faacute
Mas inclina o corpo para caacute e para laacute
Natildeo conhece nem laacute nem si
mas fecha os olhos e sorri
Roda roda roda com os bracinhos no ar
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
e natildeo fica tonta nem sai do lugar
Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu
e diz que caiu do ceacuteu
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Mas depois esquece todas as danccedilas
e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Serenata
Ceciacutelia Meireles
Permita que eu feche os meus olhos
pois eacute muito longe e tatildeo tarde
Pensei que era apenas demora
e cantando pus-me a esperar-te
Permita que agora emudeccedila
que me conforme em ser sozinha
Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina
Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo
e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo
Ceciacutelia Meireles
E minha alma sem luz nem tenda
passa errante na noite maacute
agrave procura de quem me entenda
e de quem me consolaraacute
Ceciacutelia Meireles
A arte de ser feliz
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco
Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada
e o jardim parecia morto
Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde
e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas
Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse
E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e
meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz
Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor
Outras vezes encontro nuvens espessas
Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola
Pardais que pulam pelo muro
Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais
Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega
Aacutes vezes um galo canta
Agraves vezes um aviatildeo passa
Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino
E eu me sinto completamente feliz
Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas
que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem
outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros
finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
SONETO ANTIGO
Responder a perguntas natildeo respondo
Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto
Soacute do que sei de mim aos outros conto
de mim atravessada pelo mundo
Toda a minha experiecircncia o meu estudo
sou eu mesma que em solidatildeo paciente
recolho do que em mim observo e escuto
muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende
O que sou vale mais do que o meu canto
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisiacuteveis por onde ando
Tudo eacute secreto e de remoto exemplo
Todos ouvimos longe o apelo do Anjo
E todos somos pura flor de vento
Ceciacutelia Meireles
Renova-te
Renasce em ti mesmo
Multiplica os teus olhos para verem mais
Multiplica-se os teus braccedilos para semeares
tudo
Destroacutei os olhos que tiverem visto
Cria outros para as visotildees novas
Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado
Para se esquecerem de colher
Secirc sempre o mesmo
Sempre outro Mas sempre alto
Sempre longe
E dentro de tudo
Ceciacutelia Meireles
Tu tens um medo
Acabar
Natildeo vecircs que acabas todo o dia
Que morres no amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que te renovas todo o dia
No amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que eacutes sempre outro
Que eacutes sempre o mesmo
Que morreraacutes por idades imensas
Ateacute natildeo teres medo de morrer
E entatildeo seraacutes eterno
Ceciacutelia Meireles
Se vocecirc errou
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil perdoar
Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir
Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem
que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas
Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se
Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vida
Mas com certeza nada eacute impossiacutevel
Ceciacutelia Meireles
Natildeo digas onde acaba o dia
Onde comeccedila a noite
Natildeo fales palavras vatildes
As palavras do mundo
Natildeo digas onde comeccedila a Terra
Onde termina o ceacuteu
Natildeo digas ateacute onde eacutes tu
Natildeo digas desde onde eacutes Deus
Natildeo fales palavras vatildes
Desfaze-te da vaidade triste de falar
Pensacompletamente silencioso
Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso
Sem pensar
Ceciacutelia Meireles
Canccedilatildeo do Sonho Acabado
Jaacute tive a rosa do amor
- rubra rosa sem pudor
Cobicei cheirei colhi
Mas ela despetalou
E outra igual nunca mais vi
Jaacute vivi mil aventuras
Me embriaguei de alegria
Mas os risos da ventura
No limiar da loucura
Se tornaram fantasia
Jaacute almejei felicidade
Matildeos dadas fraternidade
Um ideal sem fronteiras
- utopia Voou ligeira
Nas asas da liberdade
Desejei viver Demais
Segurar a juventude
Prender o tempo na matildeo
Plantar o liacuterio da paz
Mas nem mesmo isto eu pude
Tentei poreacutem nada fiz
Muito da vida eu jaacute quis
Jaacute quis mas natildeo quero mais
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Epigrama n 2
Ceciacutelia Meireles
Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade
Custas a vir e quando vens natildeo te demoras
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo
e para te medir se inventaram as horas
Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa
Fizeste para sempre a vida ficar triste
Porque um dia se vecirc que as horas todas passam
e um tempo despovoado e profundo persiste
Ceciacutelia Meireles
Sou entre flor e nuvem
estrela e mar Por que
havemos de ser unicamente
humanos limitados em chorar
Natildeo encontro caminhos faacuteceis
de andar Meu rosto vaacuterio
desorienta as firmes pedras
que natildeo sabem de aacutegua e de ar
Ceciacutelia Meireles
Eacute preciso natildeo esquecer nada
nem a torneira aberta nem o fogo aceso
nem o sorriso para os infelizes
nem a oraccedilatildeo de cada instante
Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta
nem o ceacuteu de sempre
O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso
O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos
a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria
O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos
vigiados pelos proacuteprios olhos
severos conosco pois o resto natildeo nos pertence
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Ceciacutelia Meireles
A bailarina
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Natildeo conhece nem doacute nem reacute
mas sabe ficar na ponta do peacute
Natildeo conhece nem mi nem faacute
Mas inclina o corpo para caacute e para laacute
Natildeo conhece nem laacute nem si
mas fecha os olhos e sorri
Roda roda roda com os bracinhos no ar
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
e natildeo fica tonta nem sai do lugar
Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu
e diz que caiu do ceacuteu
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Mas depois esquece todas as danccedilas
e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco
Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada
e o jardim parecia morto
Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde
e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas
Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse
E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e
meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz
Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor
Outras vezes encontro nuvens espessas
Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola
Pardais que pulam pelo muro
Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais
Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega
Aacutes vezes um galo canta
Agraves vezes um aviatildeo passa
Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino
E eu me sinto completamente feliz
Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas
que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem
outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros
finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
SONETO ANTIGO
Responder a perguntas natildeo respondo
Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto
Soacute do que sei de mim aos outros conto
de mim atravessada pelo mundo
Toda a minha experiecircncia o meu estudo
sou eu mesma que em solidatildeo paciente
recolho do que em mim observo e escuto
muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende
O que sou vale mais do que o meu canto
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisiacuteveis por onde ando
Tudo eacute secreto e de remoto exemplo
Todos ouvimos longe o apelo do Anjo
E todos somos pura flor de vento
Ceciacutelia Meireles
Renova-te
Renasce em ti mesmo
Multiplica os teus olhos para verem mais
Multiplica-se os teus braccedilos para semeares
tudo
Destroacutei os olhos que tiverem visto
Cria outros para as visotildees novas
Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado
Para se esquecerem de colher
Secirc sempre o mesmo
Sempre outro Mas sempre alto
Sempre longe
E dentro de tudo
Ceciacutelia Meireles
Tu tens um medo
Acabar
Natildeo vecircs que acabas todo o dia
Que morres no amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que te renovas todo o dia
No amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que eacutes sempre outro
Que eacutes sempre o mesmo
Que morreraacutes por idades imensas
Ateacute natildeo teres medo de morrer
E entatildeo seraacutes eterno
Ceciacutelia Meireles
Se vocecirc errou
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil perdoar
Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir
Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem
que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas
Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se
Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vida
Mas com certeza nada eacute impossiacutevel
Ceciacutelia Meireles
Natildeo digas onde acaba o dia
Onde comeccedila a noite
Natildeo fales palavras vatildes
As palavras do mundo
Natildeo digas onde comeccedila a Terra
Onde termina o ceacuteu
Natildeo digas ateacute onde eacutes tu
Natildeo digas desde onde eacutes Deus
Natildeo fales palavras vatildes
Desfaze-te da vaidade triste de falar
Pensacompletamente silencioso
Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso
Sem pensar
Ceciacutelia Meireles
Canccedilatildeo do Sonho Acabado
Jaacute tive a rosa do amor
- rubra rosa sem pudor
Cobicei cheirei colhi
Mas ela despetalou
E outra igual nunca mais vi
Jaacute vivi mil aventuras
Me embriaguei de alegria
Mas os risos da ventura
No limiar da loucura
Se tornaram fantasia
Jaacute almejei felicidade
Matildeos dadas fraternidade
Um ideal sem fronteiras
- utopia Voou ligeira
Nas asas da liberdade
Desejei viver Demais
Segurar a juventude
Prender o tempo na matildeo
Plantar o liacuterio da paz
Mas nem mesmo isto eu pude
Tentei poreacutem nada fiz
Muito da vida eu jaacute quis
Jaacute quis mas natildeo quero mais
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Epigrama n 2
Ceciacutelia Meireles
Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade
Custas a vir e quando vens natildeo te demoras
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo
e para te medir se inventaram as horas
Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa
Fizeste para sempre a vida ficar triste
Porque um dia se vecirc que as horas todas passam
e um tempo despovoado e profundo persiste
Ceciacutelia Meireles
Sou entre flor e nuvem
estrela e mar Por que
havemos de ser unicamente
humanos limitados em chorar
Natildeo encontro caminhos faacuteceis
de andar Meu rosto vaacuterio
desorienta as firmes pedras
que natildeo sabem de aacutegua e de ar
Ceciacutelia Meireles
Eacute preciso natildeo esquecer nada
nem a torneira aberta nem o fogo aceso
nem o sorriso para os infelizes
nem a oraccedilatildeo de cada instante
Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta
nem o ceacuteu de sempre
O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso
O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos
a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria
O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos
vigiados pelos proacuteprios olhos
severos conosco pois o resto natildeo nos pertence
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Ceciacutelia Meireles
A bailarina
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Natildeo conhece nem doacute nem reacute
mas sabe ficar na ponta do peacute
Natildeo conhece nem mi nem faacute
Mas inclina o corpo para caacute e para laacute
Natildeo conhece nem laacute nem si
mas fecha os olhos e sorri
Roda roda roda com os bracinhos no ar
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
e natildeo fica tonta nem sai do lugar
Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu
e diz que caiu do ceacuteu
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Mas depois esquece todas as danccedilas
e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
SONETO ANTIGO
Responder a perguntas natildeo respondo
Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto
Soacute do que sei de mim aos outros conto
de mim atravessada pelo mundo
Toda a minha experiecircncia o meu estudo
sou eu mesma que em solidatildeo paciente
recolho do que em mim observo e escuto
muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende
O que sou vale mais do que o meu canto
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisiacuteveis por onde ando
Tudo eacute secreto e de remoto exemplo
Todos ouvimos longe o apelo do Anjo
E todos somos pura flor de vento
Ceciacutelia Meireles
Renova-te
Renasce em ti mesmo
Multiplica os teus olhos para verem mais
Multiplica-se os teus braccedilos para semeares
tudo
Destroacutei os olhos que tiverem visto
Cria outros para as visotildees novas
Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado
Para se esquecerem de colher
Secirc sempre o mesmo
Sempre outro Mas sempre alto
Sempre longe
E dentro de tudo
Ceciacutelia Meireles
Tu tens um medo
Acabar
Natildeo vecircs que acabas todo o dia
Que morres no amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que te renovas todo o dia
No amor
Na tristeza
Na duacutevida
No desejo
Que eacutes sempre outro
Que eacutes sempre o mesmo
Que morreraacutes por idades imensas
Ateacute natildeo teres medo de morrer
E entatildeo seraacutes eterno
Ceciacutelia Meireles
Se vocecirc errou
Se vocecirc errou peccedila desculpas
Eacute difiacutecil perdoar
Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir
Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem
que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas
Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se
Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vida
Mas com certeza nada eacute impossiacutevel
Ceciacutelia Meireles
Natildeo digas onde acaba o dia
Onde comeccedila a noite
Natildeo fales palavras vatildes
As palavras do mundo
Natildeo digas onde comeccedila a Terra
Onde termina o ceacuteu
Natildeo digas ateacute onde eacutes tu
Natildeo digas desde onde eacutes Deus
Natildeo fales palavras vatildes
Desfaze-te da vaidade triste de falar
Pensacompletamente silencioso
Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso
Sem pensar
Ceciacutelia Meireles
Canccedilatildeo do Sonho Acabado
Jaacute tive a rosa do amor
- rubra rosa sem pudor
Cobicei cheirei colhi
Mas ela despetalou
E outra igual nunca mais vi
Jaacute vivi mil aventuras
Me embriaguei de alegria
Mas os risos da ventura
No limiar da loucura
Se tornaram fantasia
Jaacute almejei felicidade
Matildeos dadas fraternidade
Um ideal sem fronteiras
- utopia Voou ligeira
Nas asas da liberdade
Desejei viver Demais
Segurar a juventude
Prender o tempo na matildeo
Plantar o liacuterio da paz
Mas nem mesmo isto eu pude
Tentei poreacutem nada fiz
Muito da vida eu jaacute quis
Jaacute quis mas natildeo quero mais
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Epigrama n 2
Ceciacutelia Meireles
Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade
Custas a vir e quando vens natildeo te demoras
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo
e para te medir se inventaram as horas
Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa
Fizeste para sempre a vida ficar triste
Porque um dia se vecirc que as horas todas passam
e um tempo despovoado e profundo persiste
Ceciacutelia Meireles
Sou entre flor e nuvem
estrela e mar Por que
havemos de ser unicamente
humanos limitados em chorar
Natildeo encontro caminhos faacuteceis
de andar Meu rosto vaacuterio
desorienta as firmes pedras
que natildeo sabem de aacutegua e de ar
Ceciacutelia Meireles
Eacute preciso natildeo esquecer nada
nem a torneira aberta nem o fogo aceso
nem o sorriso para os infelizes
nem a oraccedilatildeo de cada instante
Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta
nem o ceacuteu de sempre
O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso
O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos
a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria
O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos
vigiados pelos proacuteprios olhos
severos conosco pois o resto natildeo nos pertence
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Ceciacutelia Meireles
A bailarina
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Natildeo conhece nem doacute nem reacute
mas sabe ficar na ponta do peacute
Natildeo conhece nem mi nem faacute
Mas inclina o corpo para caacute e para laacute
Natildeo conhece nem laacute nem si
mas fecha os olhos e sorri
Roda roda roda com os bracinhos no ar
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
e natildeo fica tonta nem sai do lugar
Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu
e diz que caiu do ceacuteu
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Mas depois esquece todas as danccedilas
e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Se vocecirc sente algo diga
Eacute difiacutecil se abrir
Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem
que queira escutar
Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila
Eacute difiacutecil ouvir certas coisas
Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc
Se algueacutem te ama ame-o
Eacute difiacutecil entregar-se
Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz
Nem tudo eacute faacutecil na vida
Mas com certeza nada eacute impossiacutevel
Ceciacutelia Meireles
Natildeo digas onde acaba o dia
Onde comeccedila a noite
Natildeo fales palavras vatildes
As palavras do mundo
Natildeo digas onde comeccedila a Terra
Onde termina o ceacuteu
Natildeo digas ateacute onde eacutes tu
Natildeo digas desde onde eacutes Deus
Natildeo fales palavras vatildes
Desfaze-te da vaidade triste de falar
Pensacompletamente silencioso
Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso
Sem pensar
Ceciacutelia Meireles
Canccedilatildeo do Sonho Acabado
Jaacute tive a rosa do amor
- rubra rosa sem pudor
Cobicei cheirei colhi
Mas ela despetalou
E outra igual nunca mais vi
Jaacute vivi mil aventuras
Me embriaguei de alegria
Mas os risos da ventura
No limiar da loucura
Se tornaram fantasia
Jaacute almejei felicidade
Matildeos dadas fraternidade
Um ideal sem fronteiras
- utopia Voou ligeira
Nas asas da liberdade
Desejei viver Demais
Segurar a juventude
Prender o tempo na matildeo
Plantar o liacuterio da paz
Mas nem mesmo isto eu pude
Tentei poreacutem nada fiz
Muito da vida eu jaacute quis
Jaacute quis mas natildeo quero mais
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Epigrama n 2
Ceciacutelia Meireles
Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade
Custas a vir e quando vens natildeo te demoras
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo
e para te medir se inventaram as horas
Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa
Fizeste para sempre a vida ficar triste
Porque um dia se vecirc que as horas todas passam
e um tempo despovoado e profundo persiste
Ceciacutelia Meireles
Sou entre flor e nuvem
estrela e mar Por que
havemos de ser unicamente
humanos limitados em chorar
Natildeo encontro caminhos faacuteceis
de andar Meu rosto vaacuterio
desorienta as firmes pedras
que natildeo sabem de aacutegua e de ar
Ceciacutelia Meireles
Eacute preciso natildeo esquecer nada
nem a torneira aberta nem o fogo aceso
nem o sorriso para os infelizes
nem a oraccedilatildeo de cada instante
Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta
nem o ceacuteu de sempre
O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso
O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos
a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria
O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos
vigiados pelos proacuteprios olhos
severos conosco pois o resto natildeo nos pertence
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Ceciacutelia Meireles
A bailarina
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Natildeo conhece nem doacute nem reacute
mas sabe ficar na ponta do peacute
Natildeo conhece nem mi nem faacute
Mas inclina o corpo para caacute e para laacute
Natildeo conhece nem laacute nem si
mas fecha os olhos e sorri
Roda roda roda com os bracinhos no ar
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
e natildeo fica tonta nem sai do lugar
Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu
e diz que caiu do ceacuteu
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Mas depois esquece todas as danccedilas
e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
Epigrama n 2
Ceciacutelia Meireles
Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade
Custas a vir e quando vens natildeo te demoras
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo
e para te medir se inventaram as horas
Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa
Fizeste para sempre a vida ficar triste
Porque um dia se vecirc que as horas todas passam
e um tempo despovoado e profundo persiste
Ceciacutelia Meireles
Sou entre flor e nuvem
estrela e mar Por que
havemos de ser unicamente
humanos limitados em chorar
Natildeo encontro caminhos faacuteceis
de andar Meu rosto vaacuterio
desorienta as firmes pedras
que natildeo sabem de aacutegua e de ar
Ceciacutelia Meireles
Eacute preciso natildeo esquecer nada
nem a torneira aberta nem o fogo aceso
nem o sorriso para os infelizes
nem a oraccedilatildeo de cada instante
Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta
nem o ceacuteu de sempre
O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso
O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos
a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria
O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos
vigiados pelos proacuteprios olhos
severos conosco pois o resto natildeo nos pertence
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Ceciacutelia Meireles
A bailarina
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Natildeo conhece nem doacute nem reacute
mas sabe ficar na ponta do peacute
Natildeo conhece nem mi nem faacute
Mas inclina o corpo para caacute e para laacute
Natildeo conhece nem laacute nem si
mas fecha os olhos e sorri
Roda roda roda com os bracinhos no ar
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
e natildeo fica tonta nem sai do lugar
Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu
e diz que caiu do ceacuteu
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Mas depois esquece todas as danccedilas
e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso
O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos
a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria
O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos
vigiados pelos proacuteprios olhos
severos conosco pois o resto natildeo nos pertence
Ceciacutelia Meireles
Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
fases de vir para a rua
Perdiccedilatildeo da minha vida
Perdiccedilatildeo da vida minha
Tenho fases de ser tua
tenho outras de ser sozinha
Ceciacutelia Meireles
A bailarina
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Natildeo conhece nem doacute nem reacute
mas sabe ficar na ponta do peacute
Natildeo conhece nem mi nem faacute
Mas inclina o corpo para caacute e para laacute
Natildeo conhece nem laacute nem si
mas fecha os olhos e sorri
Roda roda roda com os bracinhos no ar
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
e natildeo fica tonta nem sai do lugar
Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu
e diz que caiu do ceacuteu
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Mas depois esquece todas as danccedilas
e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas
Ceciacutelia Meireles
Ceciacutelia Meireles
Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr
e natildeo fica tonta nem sai do lugar
Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu
e diz que caiu do ceacuteu
Esta menina
tatildeo pequenina
quer ser bailarina
Mas depois esquece todas as danccedilas
e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas
Ceciacutelia Meireles