Caso Maria

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA ____ VARA CRIMINAL DA COMARCA DE ____. Processo n.:____, MARIA, já qualificada nos autos do processo criminal em epígrafe, vem à presença de Vossa Excelência, dentro do prazo legal, por intermédio do seu advogado (procuração anexada), apresentar: MEMORIAIS Com fulcro no artigo 403, § 3º, do Código de Processo Penal, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas: I DOS FATOS Maria tem conta conjunta com seu marido no banco Itaú podendo ambos assinar cheques isoladamente. Maria emitiu um cheque para pagamento à vista e mais dois, um para 30 dias e o outro para 60 dias. Ocorre que no dia anterior a data prevista para apresentação do último cheque, o marido da referida senhora sacou, sem o seu conhecimento, todo o dinheiro da conta. O cheque foi devolvido por insuficiência de fundos. O portador do cheque vai à delegacia e registra em face de Maria ocorrência por estelionato. Maria procura o credor e paga a totalidade do valor do cheque em 10 de julho de 2013, tendo presenciado o pagamento José Gomes e Carlos Donato. O MP denunciou Maria e o marido em 10 de agosto de 2013, tendo sido a denúncia recebida e os réus citados para a apresentação da peça cabível. A peça foi apresentada, contudo os seus argumentos não foram acolhidos, tendo sido designada Audiência de Instrução e julgamento. Na referida audiência a prova testemunhal produzida confirmou que Maria não sabia que a conta não tinha fundos, bem como que quitou todo o valor antes do recebimento da denúncia.

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA ____ VARA CRIMINAL DA                   COMARCA DE ____.      Processo n.:____,      

MARIA, já qualificada nos autos do processo criminal em epígrafe, vem                     à presença de Vossa Excelência, dentro do prazo legal, por intermédio do                       seu advogado (procuração anexada), apresentar:   

MEMORIAIS   Com fulcro no artigo 403, § 3º, do Código de Processo Penal, pelas                         razões de fato e de direito a seguir expostas: 

  I ­ DOS FATOS  

Maria tem conta conjunta com seu marido no banco Itaú podendo ambos assinar cheques                           isoladamente. Maria emitiu um cheque para pagamento à vista e mais dois, um para 30 dias e o                                   outro para 60 dias. Ocorre que no dia anterior a data prevista para apresentação do último cheque,                                 o marido da referida senhora sacou, sem o seu conhecimento, todo o dinheiro da conta. O cheque                                 foi devolvido por insuficiência de fundos. O portador do cheque vai à delegacia e registra em face                                 de Maria ocorrência por estelionato. Maria procura o credor e paga a totalidade do valor do                               cheque em 10 de julho de 2013, tendo presenciado o pagamento José Gomes e Carlos Donato. O                                 MP denunciou Maria e o marido em 10 de agosto de 2013, tendo sido a denúncia recebida e os                                     réus citados para a apresentação da peça cabível. A peça foi apresentada, contudo os seus                             argumentos não foram acolhidos, tendo sido designada Audiência de Instrução e julgamento. Na                         referida audiência a prova testemunhal produzida confirmou que Maria não sabia que a conta não                             tinha fundos, bem como que quitou todo o valor antes do recebimento da denúncia.  

  

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DOS FUNDAMENTOS  

O membro do parquet, em que pese seu notável conhecimento jurídico, equivocou­se ao                         denunciar o requerente pela prática do crime de estelionato, uma vez que a conduta deste, tal                               como está narrada nos fatos desta peça, é completamente atípica. 

 É de reconhecimento geral dos operadores do direito, desde Welzel, que o tipos penais                           

tem dois elementos, um objetivo e outro subjetivo. O primeiro é o proceder físico da conduta                               humana, o segundo é o liame subjetivo que direciona a conduta exteriorizada. Esta subdivide­se                           em vontade e representação. 

 Pois bem, conforme consta na ata da AIJ (fls. 258 a 369), a testemunha confirmou o                               

desconhecimento da requerente sobre a falta de provisão de fundos na conta corrente, ora, isso                             configura claramente erro de tipo. 

 Nesse sentido, em preciosa lição, afirma Cezar Roberto Bitencourt:   

Erro de tipo é o que recai sobre circunstância que constitui                     elemento essencial do tipo. É a falsa percepção da realidade sobre um                       elemento do crime. É a ignorância ou a falsa representação de qualquer                       dos elementos constitutivos do tipo penal. 

 Não havendo representação, não há do que se falar em dolo, assim determina o art. 20 do                                 

CP, in verbis:  

Art. 20 ­ O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime                         exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em                         lei. 

 O cumprimento da obrigação pela requerente, afasta, tacitamente, o entendimento de que                       

esta tenha agido com torpeza no negócio jurídico. Como consta no capítulo desta peça referente                             aos fatos, a requerente ANTES da denúncia procurou seu credor e quitou na totalidade o débito.                               Fica claro como o líquor de quem não tem meningite séptica que a conduta da requerente é                                 diametralmente oposta ao que se poderia esperar de alguém que comete um crime de estelionato.  

 À mais, o interesse da requerente transpira a mais louvável honestidade e boa­fé no que                             

toca as relações econômicas, sendo caracterizador, até, de verdadeira restituição da confiança                       negocial. Desse modo, a requerente não só afastou qualquer juízo de má­fé sobre sua conduta                             como também exerceu um ato de justiça restaurativa.  

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Na mesma esteira, o TJ­RJ, na Apelação 02230589420108190001, decidiu: 

  

APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO. ERRO DE TIPO.           ART. 20 DO CP . EXCLUSÃO DO DOLO COMO ELEMENTO                   SUBJETIVO DO CRIME. Atipicidade penal, na inexistência de previsão                 culposa para a modalidade. Dúvida sincera na palavra dos apelados,                   corroborada pela prova, quanto ao fato de desconhecerem que cobravam                   doações a favor de entidade beneficente e que eram desviadas em                     prejuízo dos doadores e donatário, por aquele a quem entregavam os                     valores cobrados, e que supunham ser legítimo representante da                 sociedade beneficente. Alegações dos apelados convincentes, porque             harmônicas, persistentes e verossímeis com o acervo probatório. Sentença                 absolutória impecável, como de igual fundamentação o parecer da                 ilustrada Procuradoria de Justiça. Desprovimento do recurso ministerial 

 Portanto, a solução justa e cabível no caso em tela é o trancamento do processo penal por                                 

atipicidade da conduta.  III ­ DOS PEDIDOS  Diante do exposto requer o trancamento da aludida ação penal, por atipicidade da conduta                           

da requerente, com fulcro legal no artigo 486, III do CPP.    

Nesses termos, Pede e espera deferimento. 

 Seropédica, 25 de outubro de 2014. 

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OAB/RJ n°