Casa de Bonecas - Henrik Ibsen

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    HELMER Est no meu escritrio?

    A CRIADA Sim, senhor.

    Helmer entra no seu gabinete. A criada introduz a senhora

    Linde, que traja um vestido de viagem, e fecha depois a

    porta

    SENHORALI0.TIE(timidamente, com certa hesitao) Bomdia, Nora ...

    NORA (indecisa) Bom dia ...SENHORALu,mE Voc no me reconhece?

    NORA No sei ao certo, mas ... parece-me ... (exclamando)Kristina, voc?

    SENHOR-'\LnoiDE Sou eu, sim.

    NORA Kristina! E eu sem reconhec-Ia! Mas como pude? ..

    (Mais baixo) Como est mudada, Kristina!

    SENHOR-'\LI0.TIE verdade. J se passaram nove ... dez longosanos ...

    NORA. Hj tanto tempo que no nos vemos? verdade, achoque sim. Ah, se voc soubesse como tenho sido feliz nesses

    ltimos oito anos! E agora voc tambm veio para a cidade?

    Quanta coragem, fazer uma viagem to longa em plenoinverno!

    SEJo:HOR-'\LIJo:DE Cheguei no vapor, esta manh.

    NORA Para passar as festas de Natal, naturalmente. Que bom!

    Como havemos de nos divertir! Mas tire o casaco. No est

    sentindo frio, no mesmo? (Ajuda-a) Pronto; agora vamos

    nos sentar comodamente ao p da estufa. No, sente-se nessa

    poltrona! Eu fico na cadeira de balano, o meu lugar.

    (Toma-lhe as mos) Agora j vejo o semblante de outros

    tempos ... foi s a primeira impresso ... No entanto, voc

    est um pouco plida, Kristina ... e mais magra.

    14

    SENHORALINDE E tambm muito envelhecida, Nora.

    NORA Sim, um pouco, um pouquinho - mas no demais. (De

    sbito interrompe-se, e, com voz grave) Oh! mas que

    estorvada que eu sou, me ponho a tagarelar ... Minha que-

    rida, minha boa Kristina, perdoe-me ...

    SENHORA.LINDE No a compreendo, Nora.

    NORA (meigamente) Pobre Kristina, voc ficou viva.SENHORALINDE H trs anos ...

    NORA Soube pelos jornais. Oh! Kristina, acredite que muitas

    vezes pensei em lhe escrever naquela ocasio ... mas sempre

    alguma coisa me impedia e eu adiava a ...

    SENHORALINDE Compreendo bem isso, cara Nora.

    NORA No, Kristina; foi horrvel de minha parte. Pobre amiga,

    como voc deve ter sofrido. Ele lhe deixou com que viver?

    SENHORALI!\'DE No.

    NORA E filhos?

    SENHORALINDE Tambm no.

    NORA Absolutamente nada, ento?

    SENHORALI0.TIE Nem mesmo uma dessas saudades de partir

    corao ..

    NORA (olhando-a incrdula) Ah, Kristina, isso no pode serverdade!

    SENHORALINDE (sorrindo amargamente e passando-lhe a

    mo pelos cabelos) Algumas vezes acontece, minha Nora.NORA Sozinha no mundo. Como deve ter sido difcil! Eu tenho

    trs lindas crianas. Por enquanto no posso mostr-Ias a

    voc; saram com a bab. Mas conte-me agora ...

    SENHORALINDE Depois, comece voc.

    NORA No, a sua vez. Hoje no quero ser egosta ... s quero

    pensar em voc. Uma coisa, todavi~, vou lhe dizer j. Sabe

    que tivemos uma grande felicidade, h dias?

    15

  • SENHORALINDE No, que foi?

    NORA Imagine, meu marido foi nomeado diretor do banco.

    SENHORALIl\'DE Seu marido? Ah, que sorte!

    NORA No mesmo? A advocacia to incerta como ganha-

    po, sobretudo quando se quer tomar conta apenas de boase belas causas! E era esse, naturalmente, o caso de Torvald,

    no que eu o aprovo inteiramente. Imagine como nos sentimos

    felizes! Deve tomar posse do seu lugar no princpio do ano,e ter ento um alto salrio e muitas comisses. Assim, de

    agora em diante poderemos viver de uma maneira muito

    diferente - da maneira como gostaramos. Ah, Kristina, como

    me sinto feliz e de coro leve! Naverdade delicioso ter

    muito dinheiro, e nunca precisar se preocupar, voc noacha?

    SENHORALINDE Decerto. Em todo caso j no deve ser mauter-se o necessrio.

    NORA No, s o necessrio, no, mas muito dinheiro, muito!

    SENHORALIl\'DE(sorrindo) Nora, Nora, ento voc ainda no

    se tornou mais sensata? Na escola voc era uma grande

    gastadeira.

    NORA(sorrindo meigamente) E Torvald afirma que ainda

    sou. Mas (ameaando-a com o dedo) "Nora, Nora" no

    to estouvada como julgam. Alm disso, at hoje pouco

    tenho podido gastar. Ambos precisvamos de trabalhar.SENHORALINDE Voc tambm? I

    NORA Sim. Pequenas coisas, trabalhos manuais, rendas, bor-

    dados, etc. (Casualmente) E ainda outra coisa. Voc sabe

    que Torvald saiu do ministrio pblico quando nos casamos.

    No podia esperar aumento de ordenado na repartio, e

    precisava ganhar mais do que at ento. No primeiro ano,

    porm, trabalhou demasiado. Calcule, tinha de procurar toda

    16

    espcie de ocupaes suplementares e trabalhar de manhat a noite. Caiu gravemente enfermo. Ento os mdicos

    declararam que ele precisava ir para o sul.

    SENHORALINDE verdade; vocs passaram um ano inteiro naItlia.

    NORA Sim. E no nos foi nada fcil empreender essa viagem,

    como voc bem pode compreender. Foi por ocasio donascimento de Ivar. Mas claro, no havia outro meio ... Ah,

    que linda viagem! que encanto! E salvou a vida de Torvald.Mas que dinheiro nos custou, Kristina!

    SENHOR/I.LINDE Calculo.

    NORA Mil e duzentos tleres. Quatro mil e oitocentas coroas.Uma bela soma, no ?

    SENHORALINDESim, e num caso desses uma grande sorte t-

    Ia.

    NORA Eu lhe digo; foi-nos dada por papai.SENHORALINDEAh! Parece ter sido exatamente no ano em que

    ele morreu, no ?

    NORA verdade, Kristina, foi nessa ocasio. E eu sem poderir cuidar dele. Todos os dias espera de que nascesse Ivar,

    e o meu pobre Torvald morrendo, necessitando dos meus

    cuidados. Querido, bondoso papai! Nunca mais o vi. Depois

    que me casei, foi a minha maior dor.SENHORALINDE Voc era muito ligada a ele, bem sei. Enfim,

    foram para a Itlia ...?NORA Fomos. Tnhamos dinheiro, e os mdicos nos aconse-

    lhavam a no retardar a viagem. Partimos dali a um ms.

    SENHORALINDE E seu marido regressou bom de todo?

    NORA Completamente.SENHORALINDE Ento ... e esse mdico?

    NORA No estou entendendo.

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    SENHORALINDE O homem que chegou junto comigo. Creio ter

    ouvido a empregada dizer que era um mdico.NORA Ah! o doutor Rank. Esse no vem como mdico. o

    nosso melhor amigo; vem c ver-nos uma vez por dia, pelo

    menos. Torvald nunca mais esteve doente desde que

    regressamos. As crianas tambm esto bem de sade, eeu, como voc v. (Levanta-se de um salto, batendo

    palmas) Deus, Kristina, bom demais viver e ser feliz! ...Ah, estou insuportveL. no falo seno em mim! (Senta-

    se numa banqueta bem junto de Kristina, e coloca os

    braos em seus joelhos) No fique zangada comigo. Ento

    verdade que voc no gostava de,seu marido? Mas se assim, por que se casou com ele?

    SENHORALumE Minha me ainda era viva, estava acamada e

    sem amparo. Alm disso tinha meus dois irmos menores

    para sustentar. No me restou outra alternativa quando ele

    me pediu em casamento.

    NORA Claro. Estou certa de que voc procedeu bem. Nesse

    tempo ele era rico, no?

    SENHORALn-mE Creio que estava bem de vida. Mas seu negcio

    no era slido. Com a morte dele tudo se desintegrou, nosobrou nada.

    NORA E depois?SENHORALINDE Tive de me livrar das dificuldades recorrendo

    a pequenos servios, dando aulas, e tudo mais que aparecia.

    Enfim, esses trs ltimos anos foram para mim um longo

    dia de trabalho sem descanso. Agora acabou-se, Nora.

    Minha pobre me j no precisa de mim: morreu; e os dois

    meninos tambm no: esto empregados, j podem semanter sozinhos.

    NORA Como voc deve se sentir aliviada!

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    SENHORALINDE Engano seu, Nora; o que sinto um vazio

    insuportvel. No ter mais nada por que viver!... (Ergue-

    se inquieta) De modo que no pude continuar sozinha

    naquele canto insulado. Aqui deve ser mais fcil a gente

    encontrar uma ocupao, distrair o pensamento. Se eu tiver

    sorte de arrumar um emprego, um trabalho de escritrio ...

    NORA Mas que idia! to fatigante! E voc precisa tanto derepouso! Melhor seria se voc pudesse tirar umas frias.

    SENHORALINDE(aproximando-se da janela) Eu no tenho

    um pai que me pague a viagem, Nora.

    NORA(erguendo-se) Ah, no se zangue comigo.

    SENHORALn'mE (indo at ela) Voc, querida Nora, que deve

    me desculpar. A pior coisa que existe numa situao como

    a minha que as amarguras se acumulam na alma da

    gente. No ter ningum por quem trabalhar, e, contudo,

    no conseguir relaxar. Enfim, necessrio viver!... Ento a

    gente se toma egosta. Como agora, por exemplo: enquanto

    a ouvia falar sobre sua boa sorte fiquei mais satisfeita por

    mim mesma do que por voc.

    . NORA Qu? Ah!. .. sim, compreendo. Veio-lhe a idia de que

    Torvald lhe poderia ser til.

    SENHORALINDE Sim, foi isso que pensei comigo.

    NORA E h de s-lo, Kristina, deixe comigo. Vou preparar o

    terreno com muita delicadeza; inventarei algo para cativ-

    10,que o deixe bem-humorado. Ah, gostaria tanto de ajud-Ia!

    SENHORALINDE Como bonito da sua parte Nora, mostrar

    tanto empenho ... voc, que conhece to pouco as misriase as contrariedades da vida.

    NORA Eu? .. Voc acha?

    SENHORALINDE(sorrindo) Ora, afinal foram s umas costu-

    tinhas e outras coisas do gnero. Voc uma criana, Nora.

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  • NORA (meneando a cabea e atravessando a cena) No

    seja to superior.

    SENHORALINDE Como?

    NORA Voc como os outros. Todos julgam que no sirvo

    para nada srio ...SENHORALINDE E ento ...

    NORA Que no tenho nenhuma experincia do lado difcil davida ...

    SENHORALINDE Mas, minha querida Nora, voc mesma acaba

    de me descrever todas as suas dificuldades ...

    NORA Ora! ... essas bagatelas! ... (Em voz baixa) No lhe contei

    o principal.

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    tra maneira. (Atira-se para cinUl do sof) Poderia at hav-10 recebido de um admirador, ora! Com os meus atrativos ...

    SE'\HORALDiDE Voc est louca!

    NoFt-\ Certamente voc est morrendo de curiosidade!

    SP'HOR.ALr0iDE Diga-me, querida Nora, voc no procedeulevianamente?

    NORA (endireitando-se) Ser leviandade salvar a vida domarido?

    SE'iHORALJ;\iDE Sem ele saber, julgo que o seja ...NoFt-\ Mas era exatamente isso: ele no devia saber. Voc no

    entende? Ele no devia conhecer nem a gravidade do seu

    estado. A mim que os mdicos se dirigiram, dizendo que avida dele corria perigo, que s uma estada no sul podia salv-

    10. Voc pensa que no tentei disfarar? Dizia-lhe que seria

    um grande prazer para mim ir fazer uma viagem ao

    estrangeiro como as outras esposas jovens; chorava, su-

    plicava, fazia-lhe ver que no estado em que me encontrava

    ele se devia curvar aos meus desejos; dei-lhe a entender

    que ele podia muito bem contrair um emprstimo. Se voc

    \isse. Kristina, ele quase perdeu o controle. Disse-me que

    eu era frhola, e que o seu dever de marido era no ceder

    ao que, se bem me lembro, ele chamava de meus "capri-

    chos e fantasias". "Bem", dizia eu comigo, "hei de salv-Io,

    no importa como". Foi ento que encontrei um modo.

    SE'-;'HORALn,mE E seu marido no soube por seu pai que o

    dinheiro no provinha dele?

    NORA Nunca. O papai mo~eu dali a dias._Eu havia. pensado I.em lhe revelar tudo, pedmdo-lhe que nao me tr31sse, mas r'

    ele estava to mal... A no precisei dar esse passo.

    SE"'BORALJ]\,'DEE depois, voc nunca contou para seu marido?

    NORA No, por Deus! Como eu poderia? Ele to rigoroso

    22

    nesse ponto! .. E depois, eu feriria seu amor-prprio de

    homem! Que humilhao saber que me devia alguma coisa!

    Isso teria modificado toda a nossa relao, e o nosso ado-rvel lar nunca mais seria o mesmo.

    SENHORALrNDE Voc nunca contar?

    NORA(refletindo, e num meio sorriso) Talvez ... com o tempo,

    mas no to cedo. S quando eu j no for to bonita como

    hoje. No ria! Quero dizer: quando Torvaldj no me amar

    tanto, quando j no se deliciar tanto com o que eu recito ou

    dano, e as fantasias que eu visto. Ento, ser bom ter um

    trunfo disposio ... (Interrompendo-se) Tolice! Esse dia

    nunca h de chegar. Ento, Kristina, o que voc tem a dizer

    do meu grande segredo? Eu tambm sirvo para alguma

    coisa ... Acredite, esse caso me deu muita preocupao. Na

    verdade no me tem sido fcil efetuar o pagamento na data

    pr-estabelecida. Eu lhe explico: nesses negcios h uma

    coisa que se chama juros de trimestre e outra ainda: a

    amortizao; e tudo isso terrivelmente difcil de arranjar.

    Tive que econorrUzar um pouco aqui, um pouco ali. Da casa,

    pouco podia tirar: era preciso que Torvald vivesse cm certa

    comodidade. E as crianas tambm no podiam andar mal

    vestidas. Parecia-me que tudo quanto para eles eu recebia

    lhes pertencia de direito. Queridos anjinhos!SENHORALU'mE Ento o dinheiro teve de ser economizado das

    suas despesas pessoais? Pobre Nora!

    NORA Naturalmente. De mais a mais, era justo. Todas as vezes

    que Torvald me dava dinheiro para roupas novas, s gastava

    metade; comprava sempre o tecido mais barato e de qualidade

    inferior. Sorte minha que tudo me cai to bem, de forma que

    Torvald nada suspeitou. Algumas vezes, contudo, custava-

    me; pois to bom andar elegante, no verdade?

    23

  • SENHORALrNDE claro.

    NORA E tambm tinha outros ganhos. No inverno passado,

    por sorte, consegui um monte de textos para copiar. Entorecolhia-me e escrevia at alta noite. Oh! s vezes sentia-

    me to cansada! No entanto era to divertido trabalhar paraganhar dinheiro! Sentia-me quase como um homem.

    SENHORALrNDE E quanto voc pde pagar dessa forma?

    NORA Ao certo no posso dizer. Voc no imagina quanto

    difcil manter o controle dessas contas. O que sei que

    paguei o mais que pude. s vezes quase perdia o juzo.

    (Sorri) Ento cismava que um velho muito rico se apaixo-nara por rrum.

    SENHORALIJ\"DEQu? Que velho?

    NORA Tolices!. .. Morrera, e ao abrir o seu testamento, estava

    escrito em letras grandes: "Toda minha fortuna fica para a

    encantadora senhora Nora Helmer, e deve lhe ser entregueimediatamente, e em dinheiro vivo

    SENHORALD>"DEMinha querida Nora ... que homem era esse?

    NORA Oh, Deus, ento no compreendes? O velho no exis-

    tia; era apenas uma idia que sempre me aparecia quando

    no via mais meio de arrumar dinheiro. Alm disso, agora

    tudo mudou. O velho enfadonho pode estar onde queira,

    no me importo mais com ele nem com o testamento, poishoje estou sossegada. (Ergue-se vivamente) Oh! meu

    Deus! Que encanto pensar nisso, Kristina! Tranqila! Po-

    der estar tranqila, completamente tranqila, brincar com

    meus filhos, ter uma casa bonita, com gosto, como Torvalda quer. Depois vir a primavera, o lindo cu azul! Talvez

    ento possamos fazer uma viagenzinha. Tornar a ver o mar!Oh! como adorvel viver e ser feliz!

    Toque de campainha

    24

    SENHORALINDE(erguendo-se) Est chegando algum; quer

    que me retire?

    NORA No, fique; no espero ningum; naturalmente paraTorvald.

    A CRIADA(da porta da saleta) Com licena, minha senhora;

    est ali um cavalheiro que pergunta pelo senhor advogado.NORA Pelo senhor diretor de banco, voc quer dizer...

    A CRIADASim, minha senhora, pelo senhor diretor de banco;mas como o senhor doutor Rank est l ... no sei ...

    NORA Quem ?

    KROGSTAD(aparecendo) Sou eu, minha senhora.SENHORALINDE(estremece, perturba-se e volta-se para a

    janela)

    NORA(d um passo para ele e, perturbada, diz meia voz)

    O senhor? Que sucedeu? Para que quer falar com meumarido?

    KROGSTAD a respeito do banco - at certo ponto. Tenho l

    um empreguinho, e ouvi dizer que o seu marido vai ser nossochefe ...

    NORA Ah. ento apenas ...

    KROGSTADAssunto maante, minha senhora, nada mais.

    NORA Queira ento fazer o obsquio de entrar no escritrio.

    (Cumprimenta-o com indiferena, fecha a porta da saleta

    e volta-se, observando o fogo na estufa)

    SENHORALINDE Nora ... quem esse homem?

    NORA o advogado Krogstad.SENHORALINDE Ento ele mesmo?

    NORA Conhece-o?

    SENHORALINDE Conheci-o h muitos anos. Foi algum tempo

    auxilar de advogado na nossa regio.NORA verdade.

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    SENHORALn,mE Como est mudado!

    NORA Creio que no foi feliz no casamento.SENHORALIl'

  • rindo de outra coisa, engraadssima. Ora, diga-me, doutor ...

    todas as pessoas empregadas no banco dependem, de hojeem diante, de Torvald?

    R"''''K E isso que a diverte tanto?

    NORA(sorrindo e cantarolando) No faa caso. (Passeia

    pela sala) Sim, agradvel; custa-me crer que ns ... que

    Torvald tenha agora tamanha influncia sobre tanta gente!

    (Tira da algibeira o saco de bolinhos de amndoas)Quer um pouco de bolinho de amndoas, doutor?

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    NORA Ah! Um grande co atrs dos meus filhos? Mas nomordia. No, os ces no mordem bonequinhos lindos e to

    queridos! Ivar, no abra os embrulhos. O que tem nesse a?

    Voc no pode saber! No, no nada bonito. Ah, vocs

    31

    Ento brincaram muito? Mas isso timo! Srio? Voc puxou

    o tren com Emmy e Bob em cima? impossvel! Com osdois! Ah! voc um valentezinho, Ivar! Ah! deixe-a ficar um

    instante comigo, Anna-Maria. Minha querida bonequinha!

    (Pega a filhinha e dana com ela) Sim, sim, a mame

    tambm vai danar com Bob. Qu? Fizeram bolas de neve?

    Ah! quem me dera ter ido tambm! No, deixe-me, Anna-Maria. Quero eu mesma tirar-Ihes os agasalhos. todivertido! Entre, voc parece gelada. Na cozinha tem caf

    quente.

    A bab entra no quarto do lado esquerdo. Nora tira os

    agasalhos e os chapus dos filhos, espalhando-os pela sala,

    enquanto deixa que as crianas falem ao mesmo tempo

    O doutor Rank, Helmer e a senhora Linde descem a escada. A

    bab entra na cena com as crianas. Nora tambm, depois

    de fechar a porta

    NORA Como esto frescos e alegres! Ah, que faces coradi-

    nhas! Parecem mas ou rosas!

    HELMER Venha, senhora Linde, aqui s uma me agentaficar.

    As crianas falam-lhe todas ao mesmo tempo at o final dacena

    HELMERE tem prtica em trabalhos administrativos?SENHORALINDE Sim senhor, bastante.

    HELMEREnto muito provvel que lhe arranje um lugar ...NORA(batendo palmas) Est vendo?

    HELMER Chegou numa boa ocasio, minha senhora.

    SENHORALI1'.'DENo sei como agradecer-lhe!

    HELMER Oh! no falemos nisso! (Veste o sobretudo) Agora,porm, queiram desculpar-me ...

    RANK Espere; vou contigo. (Vai buscar o casaco de pele na

    saleta e aproxinuz-se da estufa para aquec-Io)NORA No demore, caro Torvald.

    HELMER Uma hora, quando muito.

    NORA Voc tambm j vai, Kristina?,

    SENHORALINDE(pondo o casaco) Preciso arranjar alojamento.

    HELMER Podemos ir juntos um pedao.

    NORA(ajudando-a) pena estarmos to apertados ... mas impossvel...

    SENHORALr:'-.'DEQue idia, Nora! At depois, minha querida, emuito obrigada.

    NORA At logo. claro, noite voc volta. E o senhor tambm,doutor. Qu? Se estiver disposto? Decerto que estar. Bastaagasalhar-se bem.

    Saem conversando pela porta da entrada. Ouvem-se as

    vozes das crianas na escada

    NORA Ai vm eles! a vm eles! (Corre a abrir; entra Anna-Maria, a bab, com as crianas) Entrem, entrem! (Curva-

    se e beija-as) Oh! meus queridos! Est vendo, Kristina?No so umas gracinhas?

    RANK No fiquem batendo papo na corrente de ar.

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    KROGSTADSim, o que eu imaginava.

    NORA(andando de um lado para outro da cena) Como v,

    ainda tenho alguma influncia. Embora seja mulher, isso

    no significa ... Sim, quando se est numa situao subal-

    terna, senhor Krogstad, preciso ter cuidado em no

    molestar algum que ... hum ...

    KROGSTAD... que tenha influncia?NORA Exatamente.

    KROGSTAD(mudando de tom) Senhora Helmer, a senhora

    seria boa a ponto de usar da sua influncia em meu favor?

    NORA Qu? No compreendo.

    KROGSTADTeria a bondade de interceder para que eu conserveo meu modesto lugar no banco?

    NORA Que quer dizer? Quem est tentando tir-Ia do senhor?

    KROGSTADOh! No preciso simular diante de mim. Com-

    preendo muitssimo bem que a sua amiga no sinta grande

    prazer em me ver, e agora sei a quem devo agradecer porminha dispensa.

    NORA Mas afirmo-lhe ...

    KROGSTADEnfim, em duas palanas: ainda tempo, e acon-

    selho-a a empregar a sua influncia para evitar tal coisa.

    NORA Mas, senhor Krogstad, eu no tenho nenhum influncia.

    KROGSTADComo assim? Parece-me que ainda h pouco a ouvidizer...

    NORA Claro que no era nesse sentido. Como pode o senhor

    supor que eu tenha tamanho poder sobre o meu marido?

    KROGSTADOh! Eu conheo o seu marido do tempo em queramos estudantes. No creio que o nobre diretor do banco

    seja mais inflexvel do que os outros homens casados.

    NORA Se se referir de modo ofensivo a meu marido, expu l-so-o!

    34

    KROGSTADQue coragem a senhora tem!NORA No o temo. Passado o Ano Novo, ficarei livre de si.

    KROGSTAD(contendo-se) Oua, minha senhora: sendo ne-

    cessrio, para conservar o meu emprego lutarei como se setratasse de um caso de vida ou morte.

    NORA De fato, isso que parece.

    KROGSTADNo apenas por causa do salrio; isso o de me-

    nos. H, porm, outra coisa ... enfim, vou lhe dizer tudo. Asenhora sabe, naturalmente, como toda a gente, que cometi

    uma imprudncia muitos anos atrs.

    NORA Parece-me que ouvi falar ...

    KROGSTADO caso no chegou aos tribunais; mas desde entotodos os caminhos me foram fechados. Assim, eu passei a

    me dedicar quela espcie de negcios que a senhora conhece;

    era necessrio encontrar qualquer coisa, e posso dizer que

    no fui pior que os outros. Mas agora quero livrar-me desse

    tipo de coisa. Meus filhos esto crescendo; por causa deles

    quero recuperar, o mais possvel, minha respeitabilidade de

    cidado. Esse lugar no banco era para mim o pn,meiro passo.E agora o seu marido quer empurrar-me de volta lama.

    NORA Mas, honestamente, senhor Krogstad, eu nada posso

    fazer para auxili-lo.

    KROGSTADIsso porque a senhora no quer. Mas tenho meios

    que a obrigaro a faz-Ia.NORA O senhor, decerto, no ir dizer a meu marido que lhe

    devo dinheiro?

    KROGSTADRum! E se assim fosse?

    NORA Seria indecoroso da sua parte. (Com a voz embarga-

    da) Esse segredo de que tanto me orgulho, no gostaria

    que ele o soubesse dessa maneira feia e brutal... pelo se-

    nhor. Seria expor-me a grandes contrariedades.

    35

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    KROGSTADSeu pai faleceu no dia vinte e nove de setembro.

    Mas veja. Sua assinatura datada do dia dois de outubro.No estranho isso?

    NORA (silencia-se)

    KROGSTADTambm e\'idente que as palavras: dois de outubro,

    assim como o ano, no so do punho de seu pai, mas tm

    uma caligrafia que me conhecida. Enfim, coisa que sepode explicar. Seu pai teria se esquecido de datar a assi-natura, e algum o fez ao acaso, antes de ter conhecimento

    da sua morte. No h grande mal nisso. Aqui o essencial a assinatura. E esta autntica, no mesmo, senhora

    Helmer? Foi de faro, seu prprio pai quem escreveu aqui oseu nome?

    NORA(depois de breve silncio, ergue a cabea e encara-ocom ar provocante) No, no foi ele. Quem escreveu onome de papai fui eu.

    KROGSTAD Sabe, minha senhora, que essa confisso pe-rigosa?

    NORA Por qu? Daqui a pouco o senhor ter o seu dinheiro.

    KROGSTADPermita-me outra pergunta. Por que no enviou opapel a seu pai?

    NORA Era impossvel. Ele estava to doente! Para lhe pedir a

    assinatura eu tinha de lhe explicar a que se destinava o

    dinheiro. Mas eu no poderia lhe dizer, no estado em que se

    encontrava, que a vida de meu marido corria perigo. Eraimpossvel.

    KROGSTADNesse caso o melhor teria sido renunciar viagem.NORA De modo algum. Essa viagem devia salvar a vida de

    meu marido. No podia renunciar a ela.

    KROGSTADE a senhora no pensou que cometia uma fraudepara comigo?

    NORA No podia nem pensar nisso. Que me importava a mim

    38

    iiJ:.~~

    o senhor! Eu j no o podia suportar por causa de todos os

    frios argumentos que me apresentava, sabendo que meumarido estava em perigo!

    KROGSTADSenhora Helmer, vejo claramente que a senhora

    no percebe a extenso da sua culpa. Mas vou lhe dizer

    uma coisa: o ato que arruinou a minha reputao social no...era maIS cnmmoso que o seu.

    NORA O qu? O senhor est querendo me fazer crer que

    praticou uma ao corajosa para salvar a vida de suamulher?!

    KROGSTADAs leis no se preocupam com motivos.NORA Nesse caso, so leis bastante ms.

    KROGSTADMs ou no ... se eu mostrar este papel justia,segundo as leis a senhora ser condenada.

    NORA No acredito. Ento uma filha no ter o direito de

    evitar a seu velho pai moribundo inquietaes e angstias?Uma mulher no ter o direito de salvar a vida de seu ma-

    rido? Eu no conheo a fundo as leis, claro; mas estou

    certa de que deve estar escrito em algurpa parte que taiscoisas so permitidas. E o senhor no sabe disso? O senhor,

    um advogado?! Parece-me pouco hbil como homem de

    leis, senhor Krogstad.

    KROGSTAD possvel. Mas de negcios como esses nossos ...concorda que entendo, no verdade? Bem. Agora proce-

    da como bem entender; o que lhe posso afirmar que se eu

    for expulso pela segunda vez, a senhora me far companhia.(Cumprimenta e sai)

    NORA (reflete por algum tempo; depois ergue a cabea)

    Ora! Ele queria assustar-me! Mas eu no sou to tola!

    (Comea a apanhar as roupas dos filhos, mas detm-se

    passado um momento) Mas ... ? No, impossvel! Se o

    que fiz foi por amor!

    39

  • As CRIANAS( porta da esquerda) Mame, o estranho jfoi embora.

    NORA Sim, sim, j sei. Mas no falem a ningum sobre aquele

    estranho, entenderam? Nem mesmo ao papai.

    As CRIANASNo, mame. Vamos agora brincar de novo?

    NORA No, no; agora no.

    As CRIANASMas voc prometeu, mame ...

    NORA Agora no posso. Entrem no quarto. Vo-se embora;

    tenho muito que fazer. Vo, meus filhinhos queridos ...

    (Empurra-os meigamente e fecha a porta atrs deles. Sen-

    ta-se no sof; pega num bordado, d alguns pontos, mas

    logo pra) No! (Atira o bordado, ergue-se, vai porta da

    entrada e grita) Helena! traga-me a rvore. (Aproxima-se

    d mesa da esquerda e abre a gaveta; depois estaca) No,

    absolutamente impossvel!

    A CRIADA(trazendo a rvore de Natal) Onde a coloco, se-nhora?

    NORA Ali; no meio da sala.

    A CRIADA A senhora precisa de mais alguma oisa?

    NORA No, obrigada; tenho tudo aqui: (Deixando a rvorede Natal, a criada sai)

    NORA(omamentando a rvore) Aqui, devem ficar umas

    velas ... ali, os adornos ... Que homem mau! Tolice! Tolice!

    Isso tudo no tem importncia. -H de ficar linda a rvore

    de Natal. Quero fazer tudo o que te traz alegria, Torvald;

    danarei para voc, cantarei ...

    HELMER(entra com uma pasta cheia de documentos sob o

    brao)

    NORA Ah! Voc j voltou!

    HELMER J. Veio algum?

    NORA Aqui em casa, no.

    40

    ~a~,

    HELMER estranho. Vi Krogstad sair do prdio.

    NOR..\ Ah, sim, Krogstad me fez uma breve visita.

    HELMERNora, posso ver pela sua expresso que ele lhe pediu

    para interceder em seu favor.NORA Foi.

    HEL\1ER E voc tencionava fazer com que esse pedido pa-recesse uma idia sua. Eu no devia saber da visita dele.

    No foi o que ele pediu?NORA Foi, Torvald, mas ...

    HEL"-1ER Nora, Nora! Como voc se presta a esse tipo decoisa? Dar ouvidos a um homem como esse e comprome-

    ter-se com ele! E, ainda por cima, mentir para mim!

    NORA Mentir?

    HEL\1ER Ento voc no me disse que ningum tinha vindo

    aqui? (Ameaando-a com o dedo) No faa mais isso,minha ave canora. Uma ave canora deve ter o bico limpo

    para gorjear; e nada de notas desafinadas. (Passa-lhe obrao pela cintura) No verdade? ... Eu sabia que era.(Solta-a) E agora, nem mais uma palavra sobre o assunto.

    (Senta-se junto da estufa) Como est quente e acolhedor

    aqui! (Fo lhe ia os papis)

    NoR.1>,(ocupa-se guamecendo a rvore. Aps um breve siln-

    cio) Torvald!HELMERSim.

    NORA Estou terrivelmente feliz pelo baile a fantasia que os

    Stenborg vo dar depois de amanh.HELMER E eu terrivelmente curioso em ver a surpresa que

    voc me prepara.NORA Ah, essa histria boba!

    HELMER O qu?NORA No sou capaz de encontrar algo que d certo; tudo

    to tolo e insignificante.

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    HELMER Ah, ento a minha pequena Nora chegou a essaconcluso?

    NORA(por detrs do cadeira do mnrido, com a mo no en-

    costa) Voc est muito atarefado, Torvald?HELMER Estou ...

    NORA Que papis so esses?

    HELMER Negcios do banco.NORA J?

    HELMER Sohcitei dos antigos diretores plenos poderes para

    empreender as mudanas necessrias no pessoal e nosnegcios. Vou empregar a semana do Natal nesse trabalho.

    Quero ter tudo em ordem para o prinCpio do ano.

    NORA Ento foi por isso que o pobre Krogstad ...HELMER Hum! ...

    NORA (cuna-se um POllCO para a frente e passa a rno pelos

    cabelos de Helmer) Se voc no estivesse to ocupado eulhe pediria um enorme favor, Torvald.

    HELMER Vamos ver. O que ?

    NORA Ningum tem mais bom gosto que voc, e eu queria me

    apresentar bem no baile ... Voc no poderia se ocupar umpouquinho comigo e ajudar a escolher a minha fantasia?

    HELMER A-h! A minha mulherzinha obstinada est em di-

    ficuldades e quer que algum a socorra?

    NORA verdade, Tor\'ald, nada posso resolver sem voc.

    HaMER Bem, bem; pensaremos nisso, e decerto encontraremos

    alguma coisa.

    NORA Ah? como voc amvel! (Volta rvore de Natal.

    Silncio) Como estas flores vermelhas ficam lindas! Tor-

    vald, o que Krogstad fez foi to terrvel assim?

    HELMER Falsificou assinaturas. Voc compreende o que issosignifica?

    42

    NORA No teria sido levado a isso pela necessidade?

    HELMER Pode ser... ou, como tantos outros, por simples

    imprudncia. E eu no sou to cruel a ponto de condenar

    um homem por um nico deslize.NORA Voc no faria isso, no , Torvald?

    HELMERMuitos homens se reabilitam moralmente, mas para

    isso preciso que confessem sem rodeios seu crime e que

    aceitem a punio.

    NORA A punio?

    HELMER Mas Krogstad no quis seguir esse caminho. Pro-

    curou escapar da situao recorrendo a diversos expedien-

    tes e habilidade; foi o que o arruinou.

    NORA Ento voc acredita que ...

    HELMER Ora, imagine como, depois de um delito desses, o

    indivduo tem de passar a mentir e a ser hipcrita todo o

    tempo. Ele obrigado a dissimular at com os que lhe so

    mais prximos e caros: a esposa e os filhos. Sim, at comos filhos ... e isso o mais terrvel, Nora.

    NORA Por qu?

    HELMERPorque uma atmosfera mentirosa contagia e envenena

    a vida daquele lar. De cada vez que os filhos respiram naque-

    la casa, absorvem os germes do mal.

    NORA(aproximando-se) Tem certeza disso?

    HELMERComo advogado j vi isso muitas vezes, querida. Quase

    todos os jovens que se voltaram para o crime tiveram mesmentirosas.

    NORA E por que exatamente mes?

    HELMER Quase sempre a falha da me, mas, claro, o pai

    pode influir no mesmo sentido. Todos os advogados reco-nhecem isso. E certamente esse sujeito, Krogstad, durante

    anos vem envenenando os prprios filhos com mentiras e

    43

  • 11! ji1 I! l'

    ~dissimulao. Por isso eu o considero um homem

    moralmente perdido. (Estende-lhe a mo) E por isso a

    minha pequena e querida Nora precisa prometer no

    interceder mais em seu favor. D-me a sua palavra. Mas oque isso? Estenda-me a mo. Assim. Est decidido.

    AfIrmo-lhe que me seria im-possvel trabalhar com ele. Sinto,

    literalmente, um mal-estar fsico junto de pessoas assim.NORA(retira a mo e vai se colocar do outro lado da rvo-

    re) Como est quente aqui! Alm disso eu tenho ainda

    muita coisa para fazer.

    HELMER(levanta-se e rene os papis) . Sim, eu tambm.

    Tenho de examinar isto antes do almoo. Depois pensarei

    em sua fantasia. Pode ser que eu tambm tenha qualquercoisa para dependurar na rvore, num papel dourado.

    (Coloca-lhe a mo sobre a cabea) Oh! minha querida

    avezinha canora! (Entra no escritrio e fecha a porta)

    NORA(baixo, aps um breve silncio) Ah! no pode ser.

    Isso no possvel. No pode ser possvel!

    BAB ( porta da esquerda) As crianas querem entrar

    para ficar com a senhora; esto pedindo de um modo toengraadinho!

    NORA No, no, no, no os quero aqui. Fique com elas, An-na-Maria.

    BAB Est certo, senhora. (Fecha a porta)

    NORA(plida de pavor) Perverter os meus filhinhos!. .. En-

    venenar o meu lar!. .. (Breve silncio, ergue afronte) No verdade! No pode ser verdade. Nunca, nunca!

    44

    SEGUNDO ATO

    Mesma cena. A rvore de Natal desnudada e desgrenhada

    com os cepos das velas queimadas est um canto, junto

    do piano. Sobre o sof, ao acaso, o chapu e a capa deNora. Nora, sozinha, anda de um lado para o outro, agi-

    tada; por fim detm-se junto do sof e pega a capa

    NORA(largando a capa) Chegou algum! ... (Dirige-se

    porta e pe o ouvido escuta) No, no ningum. No,no; ainda no para hoje, dia de Natal; para amanh

    tambm no ... Mas, quem sabe ...? (Abre a porta e olha

    para fora) Nada; a caixa de correspondncia est vazia.

    (Vem para afrente) Que besteira! Aquela ameaa no era

    a srio! Tal coisa no pode acontecer. .. impossveL. te-nho trs fIlhinhos.

    A bab, carregando uma grande caixa de papelo, entra

    pela porta esquerda

    BAB At que enfim encontrei a caixa com as fantasias.

    NORA Obrigada, ponha-a na mesa.

    BAB(obedecendo) Naturalmente precisa ser arrumada.

    NORA Ah, meu desejo rasg-Ia em mil pedacinhos.

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