Cartas Patrimoniais_atenas, Veneza e Restauro
-
Upload
catharina-queiroz-prata -
Category
Documents
-
view
30 -
download
1
Transcript of Cartas Patrimoniais_atenas, Veneza e Restauro
-
CARTAS PATRIMONIAIS
MsC. Maria Catharina
-
As cartas so documentos elaborados tanto no nvel
internacional como nacional nos quais esto definidos
procedimentos, normas e conceitos balizadores da
prtica da conservao. O contedo trazido por elas
interessa a todos os que tm relao profissional ou
particular com o patrimnio cultural.
Conforme informa Rowney (2004), de uma forma geral,
as cartas patrimoniais atendem a dois objetivos:
apresentar a filosofia da conservao do momento
presente e definir diretrizes para a prtica da
conservao.
-
Juridicamente as cartas no tm fora de lei. Todavia, so
fontes fundamentais a serem utilizadas pelos Estados na
concepo das normas legais e execuo das estratgias de
proteo e conservao do patrimnio.
Mesmo sendo a proteo institucional do patrimnio uma
realidade desde o sculo XIX, a primeira carta patrimonial de
abrangncia internacional s elaborada no final da Primeira
Guerra Mundial, em virtude da necessidade de restaurar o
patrimnio destrudo. quando, em 1931, os pases europeus
organizaram uma conferncia sobre o tema e elaboraram o
primeiro documento internacional que trata de polticas de
preservao do patrimnio, a Carta de Atenas.
-
Em 1931, a preocupao com o patrimnio extrapola as
fronteiras nacionais e passa a ser discutida no mbito
internacional. O objetivo dessa ampliao do debate
era a consolidao de uma unidade internacional nas
formas de entender, intervir e gerir o patrimnio.
Foi a primeira carta patrimonial publicada.
CARTA DE ATENAS
-
Nesse documento est explicitado a importncia de preservar o patrimnio
cultural para toda humanidade, a necessidade de atuao conjunta por
partes dos diversos pases e a importncia de ocupar os monumentos com
usos que estejam de acordo com sua significao histrica.
O entendimento de patrimnio nela contido dizia respeito a obras monumentais,
de natureza grandiosa, antiga, excepcional. Os termos usados para descrev-
lo so monumento, estaturia monumental, escultura monumental. O contexto
poltico da poca de sua elaborao, com a instaurao de governos
autoritrios no mundo, pode auxiliar a compreenso desse entendimento
presente na carta.
Nesse momento, as aes patrimoniais institucionais estavam direcionadas
proteo dos chamados monumentos nacionais, os quais serviam de instrumentos
para a afirmao do triunfo e do poder do Estado.
Essa carta incentiva a manuteno regular e permanente como forma de evitar
as reconstituies integrais. Ressaltava a importncia de manter uma utilizao
dos monumentos como forma de assegurar sua vida, privilegiando, sempre que
possvel, sua ocupao original. Defendia tambm o respeito pelo carter, pela
fisionomia e pelas perspectivas do entorno dos edifcios monumentais.
-
Em se tratando das tcnicas de interveno, o documento
explicitava a pertinncia de se utilizar tecnologia moderna, desde
que de forma dissimulada e claramente distinta das partes
originais. A anastilose, tcnica que envolve a reintegrao de
elementos originais desagregados com o objetivo de manter a
unidade esttica do bem, j tratada na obra de Camillo Boito,
era tambm estimulada, sempre que fosse possvel execut-la com
base em evidncias seguras.
Como se pode constatar, o contedo presente nesta carta no traz
nenhuma contribuio adicional s discusses sobre a conservao
que a obra de Camillo Boito de 1884, j no tivesse levantado.
Todavia, possvel identificar duas importantes contribuies: a
traduo de questes toricas e at filosficas da conservao
para uma linguagem mais simplificada, capaz de atingir a um
pblico mais amplo; dar o primeiro passo no sentido de consolidar
uma rede internacional voltada s questes do patrimnio.
-
Com um intervalo de pouco mais de trinta anos
publicada a Carta de Veneza (1964), considerada a
mais influente carta patrimonial at os dias atuais. Nessa
carta a noo de patrimnio objeto de transformao
e passa a ser ampliada do monumento isolado para
conjuntos urbanos e edificaes modestas de valor
cultural.
CARTA DE VENEZA
-
Seguindo o disposto na Carta de Atenas (1931), esta carta reafirma a
importncia da manuteno continuada como forma de evitar intervenes mais
profundas, admite a utilizao de materiais e tcnicas modernas, quando assim
for necessrio, estimula a introduo de usos compatveis com a vida
contempornea e com as caractersticas estticas e histricas dos bens, e admite
a realizao de anastilose.
Todavia, esta carta traz novas questes. A primeira delas se refere s
adies.
No corpo dessa carta est disposto que as contribuies de todos os perodos
devem ser respeitadas e mantidas, a menos que no possuam interesse ou
estejam ocultando algo de valor ou no se integrem harmoniosamente ao
edifcio original.
A partir da abordagem de Brandi (1964), poder-se-ia dizer que a tomada de
deciso relativa restaurao de obras de arte (estando a includas as obras
de arquitetura) deve se dar a partir de um juzo de valor entre as instncias
esttica e histrica; esse um caminho para se decidir sobre a manuteno ou
no das adies.
-
A principal contribuio da Carta de Veneza
(1964) deve-se ao fato de que a partir dela se
comea a superar a leitura do patrimnio como
edifcio isolado, portador em si de valores, e
passa-se a um entendimento mais amplo, tanto em
termos espaciais como culturais. Nesse quadro, o
meio ambiente tambm passa a ser objeto de
interesse patrimonial, tanto isoladamente, quanto
atrelado a elementos construdos.
-
Nos anos de 1970, foram ratificados dois importantes documentos contendo contribuies no campo prtico e terico: a Carta do Restauro (1972) e a Declarao de Amsterd (1975).
CARTA DO RESTAURO
-
A Carta da Restaurao (1972) foi elaborada na Itlia e teve forte
influncia da obra Teoria da Restaurao (1964) de Cesare Brandi.
A restaurao, antes tratada de forma superficial, como contraponto
manuteno e conservao, discutida em termos filosficos e
tcnicos. Nessa carta, ela passa a ser entendida como uma atividade
que envolve um juzo crtico entre a instncia esttica e histrica da
obra, exatamente como preconizou Brandi em sua teoria.
Uma importante noo trazida para discusso nessa carta: a de
ptina. De acordo com este documento, a ptina, entendida como o
efeito da passagem do tempo nas superfcies e nos objetos, deve ser
conservada por razes histricas, estticas e tcnicas, ficando o
julgamento sobre sua manuteno ou retirada condicionado por tais
razes, a exemplo do modo como deve se decidir sobre a manuteno
ou no das adies.
-
O contedo dessa carta traz uma significativa
contribuio para a prtica do restauro. E, mesmo que
no esteja explicitada a influncia da Carta de
Veneza (1964), a Carta do Restauro segue seus
princpios, buscando, todavia, torn-los mais
operacionais.
Sem dvida uma carta ainda muito atual,
especialmente porque nela o restauro tratado a
partir de uma abordagem metodolgica, conforme
proposto por Brandi.
-
Considerando o exposto, pode-se dizer que o contedo
das cartas patrimoniais analisadas demonstra uma
gradativa mudana e ampliao da noo de
patrimnio no tempo e a construo de um corpo terico
e prtico cada vez mais substancial sobre a conservao
e restaurao de bens culturais.
CONCLUSO
-
Cury (2004, p. 10) sintetiza de forma precisa a transformao no tempo do
contedo das cartas patrimoniais quando afirma que:
Nas primeiras cartas, fica clara a preocupao em definir a prpria noo
de monumento e de seu entorno; mais tarde, observa-se que a proteo
estendida aos conjuntos arquitetnicos; numa etapa posterior, d-se nfase aos
aspectos ligados ao urbanismo, ao uso, integrao com outras reas e
insero da preservao em todos os planos do desenvolvimento [...]. As
questes pertinentes garantia da qualidade de vida e proteo do meio
ambiente aparecem na dcada de sessenta, porm a partir dos anos oitenta
que se tornou clara a percepo de que, ao longo da histria, os fatos
culturais esto necessria e intimamente ligados aos recursos naturais. Hoje a
ao preservacionista mostra a preocupao com contextos culturais em que os
bens preservados se inserem, recriando significados. Nos documentos mais
recentes [...] destaca-se a preocupao com a autenticidade, cultura popular e
patrimnio imaterial, e que tambm leve em considerao os valores e
referncias locais, alm das universais.
-
Muitas cartas no foram discutidas. Certamente existem ainda uma
srie de outros temas trazidas por esse documentos que demandariam
outras discusses.
considerando a amplitude dos temas abordados e a constante
publicao de novas cartas, que extremamente recomendvel
conhec-las e estud-las como forma de estar constantemente
atualizado sobre o que se tem feito e discutido no campo do
patrimnio.
A discusso construda nesta aula partiu dos entendimentos tericos,
presentes nas cartas, para a prtica, ao analisar seus preceitos luz
de sua aplicao na conservao. No h dvida de que, fazendo- se
o caminho contrrio, ou seja, partindo dos problemas prticos da
conservao para ver em que medida as cartas trazem repostas a eles,
novas questes iro surgir. Para estes casos no h respostas prontas;
cada edifcio demandar uma nova leitura das cartas e novos caminhos
para sua aplicao.
-
Referncias Bibliogrficas:
ARAJO, Marinella Machado; BORGES, Michele; CONRADO, Vanessa; BORDA,
Densia; SILVA, Sandra; PDUA, Valria. Aplicao da legislao nacional sobre
proteo do patrimnio cultural: interpretao luz das Cartas de Preservao
Internacionais. In FERNANDES, E.; RUGANI, JUREMA M. (org.). Cidade, memria e
legislao:a preservao do patrimnio na perspectiva do direito urbanstico. Belo
Horizonte: IAB- MG, 2002.
CURY, Isabelle. (Org.). Cartas Patrimoniais. Braslia: IPHAN, 2004
ROWNEY, Barry. Charters and the ethics of conservation - a cross-cultural
perspective. Thesis submitted in fulfillment of the requirements of the degree of
Doctor of Philosophy. The University of Adeleide, School of Architecture, Landscape
Architecture and Urban Design, Centre for Asian and Middle Eastern Architecture
(CAMEA). Maro, 2004. Disponvel em:
. Acesso: 1 set. 2010.
ZANCHETI, Silvio; LIRA, Flaviana; SILVA, Aline F., BRAGA, ANNA C.; GAMEIRO,
Fabiana. The patina of the city. In Revista City & Time, vol. 2, n 2 de 2006.
Disponvel em: < http://w.ceci-br.org/novo/revista/docs2006/CT-2006-48.pdf >.