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Capítulo 36
O agricultor conscienteFaz zoneamento ambientalPlanta o que for coerente
Ao arranjo espacial.
Seu negócio é diferenteDaqueles que, em geral
Pensam em lucrar somenteE no fim, sempre vão mal.
Geovane Alves de Andrade
1083
Análise de Riscos Climáticos paraCompetitividade Agrícola e Conservaçãodos Recursos Naturais1
Eduardo Delgado Assad
Fábio Ricardo Marin
Natalia Pivesso Martins
Hilton Silveira Pinto
Jurandir Zullo Júnior
1 Este capítulo é resultado da organização de informações de uma série de trabalhos desenvolvidos emconjunto com o Cepagri/Unicamp. Parte dos resultados foi obtida com apoio do CNPq, por meio de bolsade produtividade de pesquisa, e do Macroprograma 1 da Embrapa, projeto zoneamento de riscosclimáticos, concluído em 2007.
AbstractThe relationship between Brazilian agricultural production and weather has been studied bya lot of researches throughout Brazil. In the last 15 years, a number of tools have been usedto support the Brazilian Government as a demand to improve the planning and monitoring ofthe Brazilian agriculture - focusing mainly agricultural insurance and granting of financialcredit -, taking in account the premises of rational use of financial public resources andappropriate use of technology to raise the crop yield and the agricultural production in Brazil.Since 1996, these tools have been officially used as objective indicators of areas, crops anddates that can be financial supported by government. In recent years, with the expansion ofthe debate on the possibility of global climate change, such instruments have been used as asupport for the establishment of future agricultural scenarios based on the projections madeby the IPCC, based on it can be inferred about the level of vulnerability and the beststrategies for adapting to the global climate change. This chapter tries to make an overviewof this trajectory, describing briefly some applied agrometeorology and geoprocessing toolsconverted into public policy instrument, and show some results about the global climatechange impacts on Brazilian agriculture.
Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais1084
Introdução
Historicamente, a agricultura é um setor de grande importância para a economia
brasileira e que, a partir da segunda metade do século XX, passou por grandes
transformações causadas pela modernização das técnicas de cultivo, configurando o que
hoje é conhecido por “revolução verde”. Ainda que alvo de alguma controvérsia, esse
momento da agricultura brasileira – e mundial –, inquestionavelmente, resultou em
aumento da produtividade e redução dos custos na atividade agrícola, permitindo elevar
expressivamente a produção mundial de alimentos. Entre 1950 e 1985, a produção de
cereais passou de 700 milhões toneladas para 1,8 bilhão de toneladas, o que equivaleu a
duplicar a produção de alimentos e elevar a disponibilidade de alimento por habitante em
cerca de 40 %.
No Brasil, outro fato de alguma forma associado à mudança de paradigma nos
padrões de produção agrícola foi a expansão da agricultura sobre o Cerrado brasileiro. Nos
últimos 30 anos, o Cerrado do Brasil tinha baixíssimo aproveitamento sob o ponto de vista
agropecuário, principalmente por causa das restrições relacionadas à fertilidade do solo.
Hoje, no Cerrado se concentra a maior parte da produção brasileira de soja, milho, algodão
e carne. O Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro, ocupando aproximadamente um
quarto do território nacional e abrigando cerca de 5 % das espécies do planeta.
Atualmente, a produção agrícola em biomas como o Cerrado – e também na
Amazônia – tem sido alvo de intensas discussões na sociedade brasileira e mundial,
tendo em vista o aumento da preocupação com o ambiente, a conservação da
biodiversidade e a elevação das exigências dos consumidores quanto à produção
sustentável. A complexidade do tema talvez não permita neste capítulo uma análise
sobre a relação entre atividade agrícola e degradação ambiental, tampouco sobre os
meios disponíveis para que a atividade seja realizada em bases ecológica e
economicamente sustentáveis, buscando conciliar o desenvolvimento econômico e social
com a preservação ambiental.
Neste texto, contudo, pretende-se tratar da relação entre a ocorrência de sinistros
agrícolas e a degradação do ambiente. Sob o ponto de vista conceitual, no sistema
capitalista, a preservação ambiental não é condição para que uma atividade se torne
economicamente viável, mas é grande a possibilidade de que uma atividade rentável
Análise de Riscos Climáticos para Competitividade ... 1085
possa tornar-se social, ecologicamente e ambientalmente sustentável. A inserção do
produtor num sistema de produção que lhe permita o acesso à renda e a condições dignas
de vida e trabalho normalmente facultam a ele meios para adequar-se a legislação, para
tornar-se mais sensível às exigências do mercado consumidor e alcançar um nível de
conscientização ambiental mais amplo. A relação entre pobreza – no campo e na cidade -
e degradação ambiental tem sido objeto de estudo em escala mundial por diversos órgãos
(HENNINGER; HAMMOND, 2000), nos quais se nota a possibilidade de emprego dos
recursos ambientais como mecanismo de redução da pobreza e, de modo inverso
(PAGIOLA et al., 2005), da elevação do nível de renda como instrumento para minoração
da pressão sobre os recursos naturais.
Assim, a redução nos riscos da atividade agrícola é, sem duvida, elemento que
possibilita maior renda e melhores condições de vida ao produtor rural, com aumento da
produtividade, do nível de emprego e das condições de trabalho no campo. Por outro lado,
a produção com baixo risco de perda é, também, um instrumento de grande utilidade para
o Estado, na medida em que permite aprimorar o planejamento no médio e longo prazo,
minimizar o custo para o financiamento do setor e reduzir os custos sociais quando
ocorrem fenômenos adversos intensos.
O risco é uma característica intrínseca do agronegócio, mas é um elemento que
pode ser gerenciado e avaliado objetivamente. A produção agrícola pode variar
intensamente de um ano para outro e entre regiões relativamente próximas, por fatores
relacionados à infestação de pragas e doenças, condições de mercado ou clima, causando
grande variação temporal nos rendimentos obtidos pelos produtores e nos preços
praticados pelo mercado – um aspecto nem sempre desejável na maioria das atividades
econômicas. A incerteza na previsão da renda no futuro próximo complica o planejamento
de curto e médio prazo, especialmente no que concerne à tomada de decisão quanto à
expansão ou redução da produção, quanto ao investimento na aquisição de bens móveis e
imóveis, se permanece em determinado ramo de atividade ou se retira dela. Aplicando
essa análise a uma escala macroeconômica, a redução expressiva da renda no curto
prazo pode repercutir em todo um setor econômico, no que se conhece como choque
sistêmico, podendo afetar a capacidade dos produtores em cumprir suas obrigações
financeiras.
Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais1086
Para minimizar os riscos inerentes à atividade agropecuária, pode-se lançar mão
de várias estratégias e de modernas técnicas da gerência de risco, mas muitas das
ferramentas de gerência mais modernas do risco não estão disponíveis ou acessíveis no
Brasil. Para que tais técnicas de gerência de risco materializem-se, deve-se contar com
condições de mercado, infra-estrutura apropriada e marcos legais e regulatórios definidos.
Na falta dessas circunstâncias, os produtores tornam-se mais dependentes de
estratégias particulares, inibindo a economia de escala na produção, baixando a
produtividade e reduzindo os lucros da fazenda a longo termo.
Nesse sentido, duas ferramentas surgem como importantes elementos para
assegurar a renda do produtor e reduzir os riscos de perda na agricultura – o zoneamento
agrícola e o seguro rural.
Seguro Agrícola
Segundo Cunha (2002), o seguro agrícola é um instrumento-chave da política
agrícola, indispensável à modernização tecnológica da agricultura e à efetiva incorporação
das atividades rurais no mercado de capitais.
No mundo, o primeiro relato da implantação de seguro agrícola foi nos Estados
Unidos, em 1889, sem sucesso por causa dos prejuízos registrados (OZAKI, 2005). Desde
então, o seguro agrícola teve um grande avanço, consolidando-se em diversos países do
mundo como mecanismos de proteção ao agricultor e para o governo, na medida em que
o risco pode ser transferido para iniciativa privada, minimizando os custos da atividade
para a sociedade em geral. Um dos países onde o seguro teve um expressivo avanço foi a
Espanha, onde o seguro agrícola conta com um sistema que integra a iniciativa privada, o
governo e entidades representantes do setor produtivo. Esse modelo vem sendo
aprimorado desde a década de 1980 e, de modo geral, é capaz de satisfazer as partes
envolvidas sem ônus excessivo para o estado espanhol.
No Brasil, o mercado de seguro agrícola ainda é incipiente e, há décadas, o País
tenta estruturar um sistema de seguro que permita minimizar o risco de perda do
agricultor (CUNHA, 2002). Nesse contexto, a informação agrometeorológica pode
contribuir para redução da assimetria de informações. Na teoria econômica, leva-se em
conta a existência de informação assimétrica nos mercados e suas conseqüências sobre
Análise de Riscos Climáticos para Competitividade ... 1087
as partes envolvidas no negócio, mas, no ramo dos seguros, esse aspecto pode gerar
efeitos adversos ao desenvolvimento do mercado, especialmente nas fases iniciais de
implantação do sistema. A falta de informações sobre o pacote tecnológico a ser utilizado
pelo produtor rural – incluindo-se aí as condições agrometeorológicas da região e dos
sistemas de produção -, assim como informações confiáveis sobre os níveis de perdas na
lavoura devido a adversidades climáticas, pode representar custos adicionais na forma de
pagamento indevido de sinistros. A quantificação dos riscos e o monitoramento
agrometeorológico são, portanto, ferramentas de suma importância na implantação de um
sistema de seguro eficiente sob o ponto de vista do produtor e viável economicamente
tanto para o governo como para as companhias seguradoras e de re-seguro.
Sem dúvida, a importância do clima no desempenho da agricultura é fundamental
e, entre as possibilidades de atuação dos climatologistas neste cenário, pode-se destacar
duas: a primeira trata do monitoramento da safra à medida que ela se desenvolve,
apontando possíveis regiões onde pode haver perdas e suas respectivas causas,
orientando tanto o planejamento e tomada de decisão da seguradora como o agricultor. A
informação climatológica confiável, disponível e amplamente disseminada é fundamental
para a constituição de um mercado de seguros mais saudável. Além de minimizar o que
se convencionou denominar assimetria de informação, o monitoramento contribui
também para a redução do chamado risco moral na atividade.
O avanço da tecnologia da informação e sua aplicação orientada à
agrometeorologia possibilitaram o desenvolvimento de ferramentas que tornam o
monitoramento uma atividade relativamente simples, rápida e barata, e, nesse contexto,
o Sistema de Monitoramento Agrometeorológico (Agritempo) pode ser citado como uma
experiência de sucesso. O Agritempo pode ser acessado livremente no endereço
eletrônico www.agritempo.gov.br e constitui-se numa ferramenta para a divulgação de
informações agrometeorológicas abrangendo todos os estados brasileiros, em tempo real,
sete dias por semana. Nesse caso, aborda-se apenas o aspecto climático, mas outras
iniciativas semelhantes podem ser estruturadas para apoiar o desenvolvimento do seguro
agrícola brasileiro, reduzindo a assimetria de informações. Experiências de sucesso
podem ser encontradas nos estados brasileiros, como Santa Catarina, Paraná,
Pernambuco e São Paulo, que buscam melhorar a resolução espacial das informações
agrometeorológicas.
Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais1088
Outra contribuição importante nesse sentido é o uso dos modelos de simulação
para o aprimoramento do cálculo atuarial, especialmente na formulação dos preços das
apólices. As análises de risco com base em modelos agrometeorológicos podem ser
muito úteis para se conhecer as melhores datas, regiões e as opções de culturas mais
adequadas quando não se encontram datas ou áreas adequadas ao cultivo atual.
Tendo em vista esse aspecto, no início dos anos 1990, o Ministério da Agricultura
solicitou ao Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) do Ministério do
Planejamento um estudo que pudesse identificar as principais causas das perdas na
agricultura brasileira. Os números indicaram que 95 % das perdas eram por seca ou
excesso de chuva. A partir dessas indicações e fundamentado nos resultados da pesquisa
agropecuária brasileira, foi implantado o Zoneamento Agrícola do Brasil, nome adotado
pelos estudos de riscos climáticos que hoje orientam parte da liberação dos créditos
agrícolas para a agricultura brasileira, responsável atualmente por movimentar cerca de
95 bilhões de dólares/ano no âmbito do agronegócio do Brasil.
Zoneamento Agrícola do Brasil
Segundo Rossetti (2001), “o desenvolvimento da Seguridade Agrícola no Brasil
defrontava-se, no início da década de 1990, com dois grandes fatores limitantes ao seu
desenvolvimento: altas taxas de perdas da agricultura e falta de metodologia atuarial
adequada. No Estado de São Paulo, por exemplo, onde se utiliza de bom nível tecnológico
nas lavouras, na safra 1992/1993, foram observadas as taxas de lavouras sinistradas que
chegavam a 30 % para o arroz; 21 % para o feijão; 22 % para o algodão e 16 % para o milho
e a soja. Na Região Nordeste, onde as condições climáticas eram adversas e o nível
tecnológico era menor, as taxas de sinistralidade chegavam a 87 % para a mamona, 81 %
para o algodão herbáceo, 70 % para o milho, 46 % para o arroz, 41 % para o feijão e 32 %
para a soja irrigada”. Esses níveis de perda representavam um alto custo para os
programas de apoio à agricultura e impediam que os produtores pudessem continuar
arcando com os altos custos da seguridade agrícola. Assim, a seca e a chuva excessiva
na colheita foram identificadas como os principais fenômenos responsáveis pela redução
das safras na agricultura brasileira, bem como por grande parte das indenizações pagas
pelos instrumentos de seguridade agrícola, atingindo 95 % do total.
Análise de Riscos Climáticos para Competitividade ... 1089
A metodologia atuarial utilizada até então, apesar de algumas tentativas
científicas aplicadas nos primórdios da implantação do seguro agrícola no Brasil, sempre
deixou a desejar. Inexistiam, na maioria das vezes, cálculos atuariais para a determinação
do valor do prêmio a ser pago pelos agricultores, como no caso específico do Programa de
Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), em que ainda se designa o valor do
adicional com base em alíquotas históricas, indicadas aleatoriamente. Em 1996, o
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) viabilizou o Projeto
Desenvolvimento de Estudos de Regionalização dos Sinistros Climáticos no Brasil,
visando à redução de perdas na produção agrícola através da quantificação, análise
temporal e mapeamento dos riscos climáticos nos principais sistemas de produção
brasileiros.
O Zoneamento Agrícola de Riscos Climáticos é uma ferramenta de abrangência
nacional utilizada para realizar indicações de datas de semeadura, para vários tipos de
solos e diversas culturas em 21 estados do País, atingindo anualmente cerca de 5.300
municípios. Essas indicações são baseadas nas análises de séries históricas de chuva e
de temperatura, que variam entre um mínimo de 20 anos de dados diários até as séries
mais longas com 100 anos.
Para indicação das datas de plantio, com pelo menos 80 % de probabilidade de
sucesso (ou seja, no máximo 20 % de ocorrência de seca ou de excesso de chuvas), são
consideradas a capacidade de retenção de água nos solos, a profundidade das raízes das
plantas cultivadas, a duração do ciclo, a chuva e a variação desse conjunto de dados no
período. Na Região Nordeste do Brasil, as datas de plantio variam de novembro a junho e
no Sul do Brasil, de julho a dezembro. Assim, as indicações do zoneamento são feitas para
as condições climáticas de cada município, para as culturas de arroz, feijão, milho, trigo,
soja, café, algodão, e, mais recentemente, caju, mamona, mandioca e maçã. Até o final da
década, será feito rotineiramente o zoneamento de riscos climáticos para mais de 40
culturas no território nacional.
O princípio para determinação do risco climático é simples. As áreas de menor
risco são aquelas onde não há deficiência hídrica, o que garante a germinação e,
principalmente, a fase de floração-enchimento de grãos. De uma maneira geral, o ciclo
Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais1090
vegetativo das culturas de grãos é subdividido em quatro fases fenológicas:
desenvolvimento inicial (Fase I), crescimento vegetativo (Fase II), florescimento e
enchimento de grãos (Fase III) e maturação (Fase IV). A duração do ciclo fenológico pode
ser estimada em função das exigências térmicas nos subperíodos “emergência-
florescimento” e “emergência-início de maturação”, considerando-se uma temperatura
base variável.
Para definir os riscos, são utilizados índices agrometeorológicos determinados no
balanço hídrico, calculados a partir da evapotranspiração das culturas, que é a soma entre
a transpiração das folhas e a evaporação do solo. Também pode ser definida como a
quantidade total de água perdida de uma superfície coberta com vegetação através da
evaporação direta da água de interceptação e da superfície do solo. Cada planta tem sua
condição ótima de consumo de água, regulada pala fotossíntese, que depende
diretamente da quantidade de água e da temperatura do ar. Sendo satisfeitas essas
condições, o plantio é recomendado.
Riscos de geada e insuficiência térmica também são considerados para as
culturas e regiões suscetíveis – normalmente na Região Sul, para as culturas de inverno,
ou na Região Sudeste para a safrinha –, permitindo quantificar e qualificar áreas e épocas
adequadas à semeadura das culturas quando necessário. A Fig. 1 apresenta os resultados
do zoneamento de riscos climáticos para cultivares precoces de soja no Estado de Goiás,
para semeaduras realizadas no primeiro decêndio dos meses de outubro, novembro e
dezembro. Nelas, vale destacar o expressivo aumento no tamanho das áreas aptas (em
verde) para plantios em novembro, em comparação com os resultados para os meses de
outubro e dezembro, exemplificando a importância da determinação da semeadura na data
mais adequada à cultura e à expressiva elevação dos riscos num intervalo de apenas 30
dias.
Apesar de ter um objetivo claro e definido, o Zoneamento de Riscos Climáticos
serviu também como um mecanismo de transferência indireta de tecnologia, na medida
em que suas recomendações levavam em conta tipos de solo, variedades, sistemas de
produção, além de conduzir ao aumento da eficiência da produção agrícola pela indicação
das áreas e épocas mais adequadas à produção, e deixando de recomendar áreas onde as
Análise de Riscos Climáticos para Competitividade ... 1091
Fig. 1. Zoneamento de riscos climáticos da cultura da soja no Estado de Goiás, parasemeadura de cultivares precoces no primeiro decêndio dos meses de outubro (a),novembro (b) e dezembro (c), em solos argilosos.
condições eram adversas a um determinado cultivo. A Fig. 2 apresenta as linhas de
tendência para a produtividade de soja e arroz em Goiás, segundo dados do IBGE,
buscando ilustrar os impactos positivos da implementação do zoneamento agrícola no
sistema de produção.
A organização de um robusto e extenso banco de dados climáticos, a criação de
mecanismos para sua rápida manipulação para simulações agrometeorológicas e a
estruturação de um sistema de informação geográfica que permita a representação
espacial dos riscos para a agricultura brasileira constituíram também a base para
estudos mais avançados e recentes, em respostas às novas demandas feitas à pesquisa
agropecuária brasileira. Todas as informações do zoneamento agrícola bem como seus
resultados para cada estado do Brasil estão disponíveis no site www.agritempo.gov.br.
a) Outubro b) Novembro
14
18
62 48�N
50 km
FavorávelIntermediáriaDesfavorável
FavorávelIntermediáriaDesfavorável
14
18
62 48�N
50 km
FavorávelIntermediáriaDesfavorável
c) Dezembro
14
18
62 48�N
50 km
Zoneamento agroclimático da cultura dasoja no Estado de Goiás
Ciclo: Precoce Solo: Tipo 3
Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais1092
Fig. 2. Valores de produtividade e linhas de tendência para as culturas da soja (a)e arroz (b), para o Estado de Goiás , entre 1991 e 2005.
Fonte: IBGE (dados não publicados)
1991 19951993 1997 1999 2001 2003 2005
2500
2200
1900
1600
1300
1000
Ano
Início dozoneamento
b) Arroz em Goiás
Prod
utiv
idad
e (k
g/ha
)
1991 19951993 1997 1999 2001 2003 2005
3300
3000
2700
2400
2100
1800
1500
Prod
utiv
idad
e (k
g/ha
)
Ano
Início dozoneamento
a) Soja em Goiás
Mudanças Climáticas Globais
Sem duvida, a principal questão que ganhou força no início desta década foi o
tema das mudanças climáticas globais. Em 2001, o Painel Intergovernamental de
Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em Inglês) apresentou seu terceiro relatório à
comunidade científica, estabelecendo uma forte possibilidade de elevação na temperatura
da Terra, possivelmente, com graves conseqüências para a humanidade.
Análise de Riscos Climáticos para Competitividade ... 1093
Esse relatório teve como base uma série de estudos indicando que a temperatura
média do planeta à superfície vem aumentando nos últimos 120 anos, já tendo atingido0,6 °C a 0,7 °C, tendo a maior parte desse aquecimento ocorrido nos últimos 50 anos. Aúltima década apresentou os três anos mais quentes dos últimos 1000 anos da históriarecente da Terra. Hoje, existe um crescente consenso na comunidade científica de que oaquecimento global observado nos últimos 120 anos é provavelmente explicado pelasemissões antropogênicas dos Gases de Efeito Estufa (GEE) (principalmente, dióxido decarbono, metano, óxido nitroso, CFCs) e de aerossóis, e não por eventual variabilidadenatural do clima.
A possibilidade de mudanças globais no clima torna-se mais realística aolembrarmos que a maioria dos GEE tem longa vida (décadas a séculos) na atmosfera atéserem removidos. Cálculos recentes com sofisticados modelos climáticos globaismostraram que, mesmo que as concentrações desses gases na atmosfera fossemmantidas constantes nos valores atuais, as temperaturas continuariam a subir por maisde 200 anos, e o nível do mar, por mais de um milênio.
A discussão científica envolvendo as mudanças climáticas baseiam-sefortemente nos resultados obtidos por glaciólogos (LORIUS, 1991), geólogos (PETIT-MARIE, 1991), paleoclimatalólogos (DUPLESSY, 1992) e modeladores do clima (LE TREUT;KANDEL, 1992). Tais estudos representam apenas uma pequena fração da literaturacientifica disponível confirmando que as flutuações climáticas que se produziram nosúltimos milhões de anos são principalmente devidas às variações de insolação. A origemdessas variações é puramente astronômica (DUPLESSY, 1992) e, como toda idéiainovadora, esse conjunto de teorias era ainda objeto de calorosas controvérsias hápoucos anos, mas atualmente tem sido validado graças à análise isotópica dossedimentos marinhos. Tais análises indicam que essas flutuações climáticas observadaspodem ser explicadas pela combinação de dois fatores principais. O primeiro correspondeà variação da inclinação do eixo da terra sobre o plano da sua órbita, de mais ou menos1o30’ em torno de um valor médio de 23o30’ com uma periodicidade de 41 mil anos.Quando a inclinação é forte, as zonas de altas latitudes recebem mais energia no verão emenos no inverno, o que amplifica os contrastes sazonais. O fenômeno inverso tambémaparece em períodos de pequena inclinação.
O segundo fator é a posição da Terra sobre sua órbita em torno do Sol, numa
determinada data que varia com uma pseudo-periodicidade, que compreende os períodos
Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais1094
dominantes entre 19 mil e 23 mil anos. Assim, a Terra está mais próxima atualmente doSol durante o inverno boreal do que durante o verão, e essa configuração provoca verõesmais quentes e invernos mais frios, condição esta em que a humanidade tem vivido nosúltimos milhares de anos.
Guyot (1997) discute a teoria em que mudanças climáticas significativas foramobservadas na escala de tempo geológico e que, no último século, foram observadasflutuações climáticas comprovadas pelos dados das séries históricas analisadas. Ficaentão a questão: é real ou não o aquecimento da atmosfera? As séries da OrganisationMeteorologique Mondiale (1992) evidenciam um aumento de 0,5 °C no planeta, desde oinício da revolução industrial, ou seja, numa série de 130 anos, observa-se um aumentode temperatura.
Grandes flutuações interanuais acontecem com aquecimento e resfriamentos emperíodos diferentes. Como é feita essa determinação? Recupera-se uma série histórica dedados de temperatura obtidos por estações climatológicas localizadas em várias partesdo globo e determina-se a média anual da temperatura de cada estação. De posse datemperatura média anual de cada estação em vários pontos, calcula-se o valor médio datemperatura da terra. A questão é que 0,5 °C é um valor muito inferior ao desvio-padrão damédia da série histórica. Surge daí outra dúvida: existe realmente um aquecimento doplaneta devido às ações antrópicas do homem (desmatamento, queimadas, emissão degases, etc.)? Ou esse aumento de temperatura pode ser explicado como um fenômenonormal atrelado aos desvios de origem estatística no pequeno intervalo de tempoanalisado?
Assim, antes de se afirmar que o planeta está aquecendo, é prudente verificar se,no período atual, o possível aquecimento médio de 0,5 °C não está ligado às flutuações defatores relacionados à insolação ou à urbanização, ou procurar quantitativamente verificarse a emissão de gases de diversas origens tem provocado essas alterações.
Um exemplo representativo dessa hipótese pode ser ilustrado analisando-se asérie histórica de dados de temperatura de Campinas, SP, e, nesse sentido, o terceirorelatório do Intergovernmental Panel On Climate Change (IPCC), publicado em 2001, é deextrema utilidade. As mudanças estão ocorrendo, as concentrações de CO2 na atmosferaaumentaram, e a contínua emissão de gases de efeito estufa tem promovido um aumento
na temperatura mínima, com forte evidência, como o degelo da Groenlândia, a redução
Análise de Riscos Climáticos para Competitividade ... 1095
das neves eternas do Kilimanjaro, a evidente redução das geleiras na Patagônia e as
fortes ondas de calor que, nos últimos anos, assolaram a Europa. Quando se analisa a
temperatura média, como é o caso da Fig. 3, essa evidência não é clara. Percebe-se uma
flutuação oscilando entre 20.0 °C e 21.0 °C.
Fig. 3. Variação da temperatura média anual de Campinas. Período 1930 a 1987.
Fonte: IAC e Cepagri/Unicamp (dados não publicados).
A análise mais detalhada dessa série, contudo, mostra algumas flutuaçõesinteressantes. No período de 1930 a 1937, a temperatura média anual esteve abaixo de20,5 °C. Entre 1938 e 1941, houve um aquecimento e a temperatura média anual ficouacima de 20,5 °C. Novamente, no período de 1942 a 1954, houve um novo resfriamento e atemperatura média anual ficou abaixo de 20,5 °C. Após esse período, observa-se umatendência de aumento de temperatura entre os anos de 1952 a 1960, chegando a 22 °C.Finalmente, entre 1960 e 1987, a temperatura fica oscilando entre 20 °C e 21 °C. Nessecaso, como em vários outros, o desvio-padrão das temperaturas máximas anuais é daordem de 2 graus Celsius, e das temperaturas médias anuais, entre 1,5 °C e 2,0 °C, o queé pelo menos 4 vezes superior ao aumento da temperatura média do globo. Não foramverificadas nessas séries tendências contínuas de aquecimento, mas sim flutuaçõesnormais associadas aos valores absolutos observados. É difícil afirmar, analisando sérieshistóricas da temperatura média como a de Campinas, que houve tendência deaquecimento na região.
1890 1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010
24
23
22
21
20
19
18
Ano
Tem
pera
tura
méd
ia a
nual
(°C)
Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais1096
Entretanto, quando se analisa a temperatura mínima média nos últimos 115 anos,
na mesma região (Fig. 4), percebe-se uma forte tendência de elevação da ordem de 2,5 °C.
Para evitar os problemas de análise induzidas por aumento de área urbana, maior
impermeabilização do solo provocando forte influência nas medições de temperatura etc,
a mesma análise foi feita em Passo Fundo e Pelotas, RS, e em Sete Lagoas, no Cerrado de
MG, em áreas rurais. A tendência é a mesma. A explicação mais plausível, apesar de
algumas controvérsias, aceita pela maioria dos cientistas do globo, é que a concentração
dos gases de efeito estufa está aumentando, provocando esse nítido aumento de
temperatura mínima.
Ano
o C (g
raus
Cel
sius
)
12
13
14
15
16
17
18
1890 1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000
y = 0,0216x - 26,71
R = 0,74572
Fig. 4. Variação da temperatura mínima média anual de Campinas. Período de1890 a 2002.
Fonte: IAC e Cepagri/Unicamp (dados não publicados).
Após a análise do último relatório do Intergovernmental Panel On Climate Change
(2007), as conclusões são de que o aquecimento é inequívoco e que suas principais
conseqüências são que, desde 1970, houve um acréscimo na temperatura global da terra,
na temperatura da troposfera, temperatura dos oceanos, aumento no nível global dos
oceanos, aumento no vapor d’água da atmosfera, na intensidade das chuvas, nas
temperaturas mínimas, na intensidade e quantidade de furacões. Do mesmo modo, houve
uma diminuição na extensão das neves no Hemisfério Norte, na glaciação e no gelo no
ártico.
Análise de Riscos Climáticos para Competitividade ... 1097
Impactos na Agricultura Brasileira
Quanto se analisa os possíveis impactos das mudanças climáticas, as avaliaçõesdo Intergovernmental Panel On Climate Change (2001, 2007) indicam, sem sombra dedúvida, que os países em desenvolvimento são de modo geral os mais vulneráveis. Para oBrasil, não é difícil entender o porquê dessa vulnerabilidade: encontram-se abundantesexemplos de impactos adversos da variabilidade natural do clima, como as secas eestiagens, as cheias e inundações e os deslizamentos em encostas, somente para citaralguns. Decorre daí que, quanto maior tenha sido a dificuldade histórica de uma sociedadeem conviver com a variabilidade natural do clima e com seus extremos, maior será oesforço para adaptar-se às mudanças futuras do clima.
Em particular, os dois setores podem ser vulneráveis: os ecossistemas naturais eos agroecossistemas e, para estes, uma pergunta capital é: o que aconteceria com oatual zoneamento agrícola e conseqüentemente com a agricultura, havendo aumento naconcentração de CO2 e elevação da temperatura, conforme as indicações do IPCC para ospróximos 100 anos?
A primeira conseqüência, relacionada ao efeito do CO2 na atmosfera, tem sidointensamente estudada pelos fisiologistas e, em grande medida, essa relação é conhecidano que diz respeito à elevação na atividade fotossintética e a sua ação no crescimentodas plantas. Sob condições de concentração do CO2 próximas de 300 ppm, a maioria daplantas pode realizar o processo de fotossíntese sem atingir o ponto de saturação; afitotoxidez para a maioria das espécies é estimada em cerca de 1000 ppm (AMTHOR,2001), e fisiológicamente começa a se manifestar a partir de 600 ppm. O entendimento dofuncionamento combinado do aumento da temperatura e da concentração de CO2 naatmosfera depende de modelos que buscam explicar os possíveis incrementos (oureduções) na produtividade das culturas.
O monitoramento da concentração de CO2 na estação de Mauna Loa temdemonstrado um aumento constante desde 1958, quando havia 316 mmol mol-1, até 2004,quando a concentração de dióxido de carbono na atmosfera atingiu 377 mmol mol-1 (KEELING;WHORF, 2005). Segundo o relatório IPCC, a previsão é que a concentração de CO2 possaoscilar entre 540 mmol mol-1 e 970 mmol mol-1 até o ano 2100 (INTERGOVERNMENTAL PANELON CLIMATE CHANGEIPCC, 2001), dependendo do cenário de emissões considerado.Experimentos com diversas culturas têm demonstrado uma tendência de elevação naprodutividade sob condições controladas e com concentração elevada de CO2, com
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redução na concentração de nitrogênio nas plantas (CONROY, 1992; COTRUFO et al., 1998),com possíveis efeitos sobre o valor nutricional das partes colhidas e, possivelmente, dasinterações planta-patógeno (COTRUFO et al., 1998; FUHRER, 2003).
Para algumas espécies, contudo, o aumento na concentração de CO2 não resultaem ganhos de produtividade, pois nem sempre o aumento na produção depende dafotossíntese, mas sim da capacidade de drenagem de fotoassimilados pelos grãos(FUHRER, 2003). De acordo com a revisão feita por Kimball et al. (2002), o enriquecimentoda atmosfera com CO2 estimularia a produção de biomassa em gramíneas C3** em cercade 12 %, na produção de grãos de trigo (Triticum aestivum L.) e do arroz (Oryza sativa L.)entre 10 %-15 % e, em batata (Solanum tuberosum L.), o ganho de produtividade podechegar a 28 %. Segundo Amthor (2001), em trigo, a elevação na concentração de CO2
parece, em boa medida, compensar os efeitos falta de água moderada para a cultura.
A segunda conseqüência é o efeito da elevação da temperatura do ar sobre asculturas. Nesse sentido, Assad e Luchiari (1989) utilizaram um modelo fisiológicosimplificado para avaliar o efeito da variação de temperatura nas condições do Cerradobrasileiro. Por exemplo, a temperatura média durante a estação chuvosa nessa região(outubro a abril) é de 22 °C, tendo um máximo de 26,7 °C e um mínimo de 17,6 °C.Considerando uma variação térmica regional foram simulados dois cenários: (1) aumentode 5 °C na temperatura média. Nesse caso, para as plantas C4 (milho e sorgo), haveriaum incremento potencial de pelo menos 10 Kg/ha/dia de grãos secos na produtividademédia observada hoje. Para as plantas tipo C3 (soja, feijão, trigo), esse aumento seriamenor, da ordem de 2 kg/ha/dia a 3 kg/ha/dia de grãos secos; (2) redução média de 5 °C.A perda de produtividade nas plantas tipo C4** seria da ordem de 20 kg/ha/dia e nasplantas tipo C3, da ordem de 10 kg/ha/dia.
Nesse tipo de abordagem, a tendência geral é que a elevação na concentração deCO2, até níveis não superiores a 1.000 ppm, provocaria um aumento de temperatura de até5 °C na atmosfera, e o resultado seria um aumento de produtividade nas plantas C4, daordem de 20 %, e nas plantas C3 na faixa dos 10 %.
Posteriormente, alguns modelos mais precisos foram desenvolvidos, como é ocaso do Ceres-Wheat versão 2.10 (GODWIN et al., 1989), do Ceres Maize (JONES; KINIRY,1989) e do Soygro-Soybean (JONES et al., 1988). Esses modelos foram utilizados peloInternational Benchmark Sites Network for Agrotechnology (IBSNAT) (JONES et al., 1989)e permitiram considerar, de forma integrada, fatores do solo, da planta e do clima paraverificar as variações de produtividade em diversas condições ambientais. No modelo
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desenvolvido pelo IBSNAT, existe uma opção de simular os efeitos fisiológicosprovocados pela variação na concentração de CO2 da atmosfera.
Modelos como esses são testados em diversas regiões do globo e têm servido deorientação para suporte à decisão na agricultura. No Brasil, Siqueira et al. (1994),utilizando esses modelos e trabalhando com vários cenários diferentes, em 13 locais,desde baixas latitudes, como Manaus, até latitudes altas, como Pelotas, encontraramrespostas bem próximas e mais exatas do que aquelas propostas por Assad e Luchiari(1989). Trabalhando com os modelos de equilíbrio atmosférico, Siqueira et al. (1994)mostraram que todas as simulações projetavam aumento na temperatura, algumasmudanças de precipitação e efeitos menores na radiação solar. Em decorrência daelevação de temperatura, foram mostrados encurtamentos nos ciclos fenológicos domilho e do trigo e aumentos nas produtividades de milho, soja e trigo, quando aumentosnas concentrações de CO2 passaram dos atuais 330 ppm para 550 ppm. Em alguns casos,foram projetados ganhos superiores a 500 kg/ha para o milho e trigo e mais de1.000 kg/ha para a soja.
É importante destacar, mesmo havendo tendência de aumento da produtividadeconforme aumenta a concentração de CO2, como será o comportamento dessas plantascom relação ao fator hídrico, uma vez que o aumento de temperatura provocará umaumento na eficiência fotossintética com reflexos no consumo de água e maiorvulnerabilidade aos estresses hídricos, comuns em regiões tropicais, durante o períododas chuvas.
O aquecimento do ar também eleva as taxas evapotranspirativas, promovendomaior consumo de água por parte das plantas e, portanto, esvaziando o reservatório“solo” mais rapidamente. A segunda conseqüência seria a redução do ciclo das culturas,principalmente nas plantas C4, tornando-as mais eficientes em termos de assimilação etransformação energética, porém mais sensíveis à deficiência hídrica. A análise dosimpactos do aumento da temperatura e da chuva na agricultura deve, então, ser feita notempo e no espaço.
Tomando como exemplo o caso do feijão em Goiás, simulando-se a semeadura noprimeiro decêndio de fevereiro, nota-se que os impactos negativos observados para oscenários de 1 °C, 3 °C e 5,8 ºC de aquecimento são consideráveis (Fig. 5). Nessasimulação, a elevação de 3 °C na temperatura média do ar seria suficiente para reduzira quantidade produzida em cerca de 70 %, com perdas financeiras na faixa dosR$ 164 milhões.
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a) Temperaturanormal
b) Acréscimo de 1 Co
c) Acréscimo de 3 Cod) Acréscimo de 5,8 Co
Fig. 5. Impacto do aumento da temperatura nas áreas potencialmente favoráveis (verde)para cultivo de feijão em Goiás, para semeaduras no primeiro decêndio de fevereiro econsiderando diferentes cenários de mudanças climáticas globais.
Fonte: Martins e Assad (2007).
Elaborando-se uma análise similar para a cultura do arroz em Goiás (Fig. 6), pode-
se estimar uma redução na área apta para o cultivo do arroz da ordem de 18 % em relação
às condições atuais, com redução de cerca de R$ 150 milhões nas receitas oriundas da
atividade para o estado, considerando-se apenas o setor agrícola e desconsiderando seus
reflexos nos demais setores da cadeia produtiva.
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Fig. 6. Impacto do aumento da temperatura do ar nas áreas potencialmente favoráveis(verde) para cultivo do arroz em Goiás, para semeaduras no segundo decêndio denovembro, considerando diferentes cenários de mudanças climáticas globais.
Fonte: Martins e Assad (2007).
Numa análise mais ampla, pode-se inferir que a cultura da soja poderia ter cerca
de 40 % de redução nas áreas aptas para seu cultivo no Brasil caso a temperatura do ar
fosse elevada em 3 °C (Fig. 7). Mantido o calendário agrícola atual, a Região Sul do Brasil
sofreria o maior impacto, com forte redução de produção. Por outro lado, havendo
aumento da temperatura, o calendário de plantio nas altas latitudes tenderá a se deslocar,
sendo possível o plantio de soja e milho até o final do mês de janeiro com colheita em
junho. No caso das regiões com baixas latitudes, haverá redução de área, sem opções de
deslocamento de calendário. A mesma análise para os três cenários é feita para várias
culturas indicando redução na produção e na área plantada (Tabela 1).
a) Temperaturanormal
b) Acréscimo de 1 Co
c) Acréscimo de 3 Cod) Acréscimo de 5,8 Co
Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais1102
Fig. 7. Impacto do aumento da temperatura nas áreas potencialmentefavoráveis (verde) para cultivo de soja no Brasil, para semeadura no primeirodecêndio de novembro, considerando diferentes cenários de mudançasclimáticas globais.
Fonte: Assad et al. (2007).
Continua...
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35o2106526.59 km2
3419071.85 km2
1111233.55 km2
Espacialização dos riscos climáticos para cultura: sojaTemperatura 1 grau
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Fig. 7. Continuação.
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35o3266929.25 km2
2085814.54 km2
1284088.19 km2
Espacialização dos riscos climáticos para cultura: sojaTemperatura 3 graus
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30o
35o4240630.13 km2
1238556.90 km2
1157644.96 km2
Espacialização dos riscos climáticos para cultura: sojaTemperatura 5,8 graus
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Tabela 1. Área e produção atual e futura apta ao cultivo de grãos no Brasil e simulando-se a condiçãoatual e diferentes cenários de acréscimo da temperatura previsto pelo IPCC.
Potencial Área após Área após Área após Redução da Produção
Cultura atual T+1C T+3C T+5,8C produção (%) Atual Futura
................................. Área km2 .................................. ........ Milhões/t .......
Arroz 4.755.204 4.560347 3 .875.734 2.792.430 41 13 7,7
Feijão 5.141.047 4.992.366 4.575.250 3.972.723 23 20 2,2
Soja 3.419.072 3.093.664 2085.815 1.238.557 64 60 22
Milho 5.169.034 5.079.497 4 .808.833 4.421.934 15 39 33
...... Milhões/bag .....
Café Arábica 904.971 698.720 381.414 73.915 92 30 2,4
...................................... Ano ......................................Popul. Brasil 2000 2020 2050 2100
(milhões) 165 190 300 400
Fonte: Assad et al., 2007.
Essas projeções são feitas a partir de simulações de riscos climáticos de longo
prazo, levando em conta os principais efeitos com possibilidade de mensuração e com
reflexos na agricultura, ou seja, aumento da temperatura, com observações mais
freqüentes de dias quentes e ondas de calor; aumento na temperatura mínima e
observação de eventos de precipitação mais intensos.
No caso do café arábica, são considerados os riscos de geada, de abortamento de
flores sob temperatura maior que 34 °C e de deficiência hídrica. O aumento na
temperatura reduziria o risco de geada, mas aumentaria os riscos de abortamento de
flores. Na área dos Cerrados brasileiros, duas regiões podem fortemente atingidas no
caso do aumento de 1 °C na temperatura. Seriam elas todo o Estado de Goiás e a região
do oeste da Bahia. Quanto maior a temperatura, maior será o deslocamento da cultura do
café em direção ao Sul do País (ASSAD et al., 2004). Essas mesmas considerações são
válidas para a cultura de citrus. Considerando os resultados do primeiro cenário, com
aumento de 1,0 °C, e a redução das áreas cultivadas com café nos estados de Minas
Gerais, Paraná e São Paulo, o impacto econômico previsto é estimado em
US$ 375 milhões por ano, equivalente à redução de 4 milhões de saca de café/ano.
No caso do milho, há uma possibilidade de redução de produção de 39 milhões de
toneladas para 33 milhões de toneladas com impacto de US$ 900 milhões ao ano. Porém,
Análise de Riscos Climáticos para Competitividade ... 1105
o maior impacto seria na produção da soja, com redução de 38 milhões de toneladas/ano,
o que significaria uma perda de cerca de US$ 8.5 bilhões/ano, aos preços atuais.
A análise dos cenários é feita com intenção de identificar a vulnerabilidade
multidimensional do sistema agrícola brasileiro e sua fragilidade diante das mudanças
climáticas. É fundamental construir a capacidade de adaptação à mudança global do
clima, utilizando “novos princípios” que basicamente seriam: a adoção do princípio da
precaução, evitando-se risco de um dano sério e irreversível, mesmo na ausência da
completa certeza científica; a adoção do desenvolvimento econômico sustentável, e no
caso brasileiro, adotar o comércio de emissões de carbono como base de discussões
comerciais.
O potencial de absorção de gases de efeito estufa por sistemas agrícolas é grande
e, no Brasil, esses sistemas têm escala, como, por exemplo, o sistema de plantio direto,
reflorestamentos e a integração pecuária-lavoura. Somente o incentivo a adoção dessas
práticas de maneira integrada, em três estados dos Cerrados brasileiros permitem a
absorção de 15,55 MtC/ano e aumento da produção agrícola em pelo menos 50 % sem
haver necessidade de expansão de áreas. Essas medidas mitigadoras devem ser
incentivadas para minimizar no curto e médio prazos o aumento da concentração de gases
de efeito estufa na atmosfera.
Mantido o cenário atual, a adaptabilidade das atuais culturas deve ser perseguida
nos seguintes aspectos: tolerância ao calor (para todo o Brasil); tolerância à seca (regiões
Sul e Nordeste), manejo de solos buscando aumentar a capacidade de conservação de
água. No caso específico da adaptação aos estresses ambientais (tolerância à seca e ao
calor), o País tem uma situação ainda privilegiada, que é sua grande biodiversidade.
Certamente na biodiversidade dos Cerrados e da Amazônia é que se encontram os genes
necessários que permitirão a adaptação das atuais culturas exóticas às mudanças
climáticas, mantendo o mesmo nível de produção agrícola. Isso, evidentemente, se num
horizonte de curto e médio prazo, tais biomas não forem destruídos.
Considerações Finais
Na visão dos autores, este texto descreve sobre a capacidade da pesquisa
agrícola nacional em produzir resultados para o benefício do Estado brasileiro, trabalhando
Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais1106
sob foco claro e bem definido, sistematizando e organizando o conhecimento muitas vezes
já produzido e à espera de aplicação prática. A liderança brasileira em tecnologia e
produção agrícola em ambientes tropicais e subtropicais decorre do talento e da
perseverança de seus pesquisadores. Atualmente, a questão que exige maior atenção é a
que trata do impacto das mudanças climáticas globais na agricultura brasileira, tornando
urgente ampliar o conhecimento sobre as relações clima-planta sob condições de
atmosfera modificada. Dado o forte impacto observado nos cenários já traçados, os
próximos passos da pesquisa devem passar pela proposição de estratégias de adaptação
e mitigação das mudanças climáticas globais, pelo aprofundamento dos estudos sobre os
impactos e a sustentabilidade ambiental, social e econômica dos sistemas produtivos
atuais e pelo desenvolvimento de cultivares de interesse econômico adaptadas à
temperatura elevada, com uso reduzido de água.
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