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Capra, fritjof (2004) seminário humanização do desenvolvimento mundial
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CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA , ARQUITETURA E AGRONOMIA
CREA-PR
ASSESSORIA DA PRESIDÊNCIA
SEMINÁRIO
HUMANIZAÇÃO DODESENVOLVIMENTO MUNDIAL
FRITJOF CAPRACURITIBA - 21 de outubro de 2004
PALESTRAS:
HUMANIZAÇÃO, DESENVOLVIMENTOE O MODELO ECONÔMICO MUNDIAL
EA ENERGIA E A TRANSGENIA
COMO ELEMENTOS PARA A HUMANIZAÇÃODO DESENVOLVIMENTO
FRITJOF CAPRA, Ph.D., físico e cientista de sistemas, é diretor fundador do Center forEcoliteracy e membro dicente do Schumacher College, na Inglaterra.
Dr. Capra é autor de diversos bestsellers internacionais, todos publicados no Brasil pelaEditora Cultrix. Seus livros incluem O Tao da Física, O Ponto de Mutação, A Teia da Vida eAs Conexões Ocultas. Capra foi também co-autor do filme Mindwalk, criado e dirigido por seuirmão, Bernt Capra, cujo tema se baseia em seus livros.
Após obter seu título de Ph.D. em física teórica na Universidade de Viena em 1966, realizoupesquisas durante 20 anos no campo teórico da física de alta-energia, na Universidade deParis, no Imperial College de Londres, no Centro de Aceleração Linear de Stanford e naUniversidade da Califórnia.
Além de suas pesquisas no campo da física, Capra está envolvido num exame sistemático dasimplicações filosóficas e sociais da ciência contemporânea ao longo dos últimos 30 anos. Seuslivros sobre o assunto tem sido aclamados internacionalmente, e ele tem proferido palestraspara leigos e especialistas ao redor do mundo, na Europa, Ásia, América do Norte e Américado Sul.
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HUMANIZÇÃO, DESENVOLVIMENTO E O MODELO ECONÔMICO MUNDIAL
Introdução
Gostaria de começar apresentando a mim e ao meu trabalho a vocês num nível
mais pessoal. Nos últimos 30 anos minha vida profissional teve dois lados. Sou um
cientista e sou um cientista escritor. Eu também trabalho como educador ambiental e
ativista. Gostaria de lhes contar um pouco sobre ambos os lados e mostrar-lhes como
eles estão inter-relacionados.
Eu fui educado como físico e fiz pesquisas em física teórica sobre energias altas
nos anos 60 e 70. Desde os meus anos de aluno, eu ficava fascinado pelas mudanças
dramáticas de conceitos e idéias que ocorriam na física durante as três primeiras
década do século XX. Em meu primeiro livro, O Tao da Física (1975) discuti a profunda
mudança na nossa visão de mundo que foi oportunizada pela revolução conceitual na
física – uma mudança da visão cartesiana e newtoniana para uma nova visão holística
e ecológica.
Nas minhas pesquisas e escritas subseqüentes, envolvi-me numa exploração
sistemática de um tema central: a mudança fundamental da visão de mundo, ou
mudanças de paradigmas, como é conhecido. Isto agora está acontecendo em outras
ciências e na sociedade, o desdobramento de uma nova visão da realidade e as
implicações sociais desta transformação cultural.
Para conectar as mudanças conceituais na ciência com a mudança maior na
visão do mundo e nos valores da sociedade, eu tive que ir além da física e procurar por
uma estrutura conceitual maior. Ao fazer isso percebi que nossos temas centrais
maiores – saúde, educação, direitos humanos, justiça social, poder político, proteção
ao meio-ambiente, modelos de gestão empresarial, a própria economia, etc - tudo tem
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relação com os sistemas vivos, os seres humanos, os sistemas sociais e os
ecossistemas.
Percebendo isso, meu interesse em pesquisa desviou-se da física para as
ciências da vida, comecei, então, a construir o modelo conceitual que estava
procurando, usando insights da teoria dos sistemas vivos, da teoria da complexidade e
da ecologia.
Simultaneamente, durante os anos 80, eu envolvi-me com ativismo ambiental.
Em 1984, fundei uma entidade de pensamento ecológico, chamada Instituto Elmwood,
e nos dez anos seguintes nós construímos uma rede de pensadores e ativistas
oriundos de campos diferentes e de muitas partes do mundo. Em 1984, nos
transformamos o Instituto numa organização chamada “Centro para Ecoalfabetização ”
o que promove “educação para uma vida sustentável” nas escolas primárias e
secundárias.
Tendo trabalhado como um educador e ativista ambiental por mais de vinte
anos, agora tenho muitos contatos pessoais numa rede global de ONGs – de
pesquisadores, ativistas, e instituições – que forma a nova sociedade global, sobre a
qual falarei posteriormente.
Fechando esta introdução, desejo contar-lhes que através dos anos eu percebi
mais e mais que os dois lados da minha vida profissional estão, de fato, estreitamente
conectados. Esta foi uma descoberta feliz, porque me permitiu continuar com meus
interesses particulares como cientista de uma forma que é totalmente consistente com
meus valores, e assim manter a minha integridade pessoal.
O foco principal da minha educação e do meu ativismo ambiental é ajudar a
construir e manter comunidades sustentáveis – comunidades onde podemos satisfazer
as nossas necessidades e aspirações sem prejudicar as gerações futuras. Para
construir estas comunidades, nós podemos aprender lições valiosas a partir do estudo
dos ecossistemas os quais são comunidades sustentáveis de plantas, animais e
microorganismos. Assim, a questão da sustentabilidade ecológica conduz a outra
questão: como os ecossistemas funcionam e como se organizam para sustentar seu
processo de vida? E esta questão, em seu turno, leva a uma outra mais genérica:
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como os sistemas vivos – organismos, ecossistemas e sistemas sociais – se organizam
a si próprios? Em outras palavras, qual é a natureza da vida? E este é o foco de meu
trabalho teórico.
Durante os últimos cinco anos desenvolvi uma estrutura conceitual que integra
três dimensões da vida: a biológica, a cognitiva e a social. Eu discuto esta estrutura
no meu livro mais recente chamado “As conexões ocultas”. Meu objetivo neste livro não
é apenas oferecer uma visão unificada da vida, da mente e da sociedade, mas também
desenvolver uma forma coerente e sistemática de manusear alguns temas críticos de
nossos tempos.
O título deste livro foi tomado do discurso de Václav Ravel – escritor de peças
e estadista Tcheco – no qual ele dizia “Educação hoje é a habilidade de perceber as
conexões ocultas entre os fenômenos”. Em ciência referimo-nos a esta habilidade
como pensamento sistêmico ou “pensando sistemas”. O que vale dizer, pensando em
termos de relações, padrões e contexto. Através dos últimos vinte anos o pensamento
sistêmico projetou-se para um novo nível com o desenvolvimento da teoria da
complexidade, tecnicamente conhecida como dinâmica não-linear. Esta é uma nova
linguagem matemática e um novo conjunto de conceitos para descrever sistemas
complexos não-lineares.
No meu livro valho-me do pensamento sistêmico e de alguns conceitos chaves
da teoria da complexidade para desenvolver uma visão unificada da vida, da mente e
da sociedade. Eu insiro a visão dos sistemas para os domínios sociais e culturais e
aplico-a na interpretação de algumas das grandes questões dos nossos tempos.
Metabolismo - A essência da vida
Permitam-me começar com uma pergunta muito antiga; o que é a vida? Qual a
diferença entre uma pedra e uma planta, um animal e um microorganismo? Para
entender a natureza da vida é preciso muito mais que entender DNA, proteínas e
outras estruturas moleculares, que são os blocos construtores dos organismos vivos,
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porque estas estruturas também estão presentes em organismos mortos, por exemplo,
em objetos mortos como: pedaços de madeiras mortos e ossos.
A diferença entre um organismo vivo e um morto assenta-se no processo
básico da vida – naquilo que os sábios e poetas tem chamado de “sopro da vida” . Na
linguagem científica moderna isso é chamado de “metabolismo”. Significa o fluxo
ininterrupto de energia e matéria através de uma rede de reações químicas, que
permite a um organismo vivo gerar, reparar e perpetuar a si mesmo continuamente.
A compreensão do metabolismo inclui dois aspectos básicos. Um é o fluxo
contínuo de energia e matéria. Todos os sistemas vivos necessitam de energia e
alimento para se sustentar, e todos os sistemas vivos produzem sobras. Isto é parte do
metabolismo. Mas a vida evolui de tal forma que os organismos formam comunidades,
os ecossistemas, onde a sobra de uma espécie é alimento para outra, de modo que a
matéria circula continuamente através do ecossistema.
Redes Vivas
O segundo aspecto do metabolismo é caracterizado pela rede de reações
químicas que processam os alimentos e forma a base bioquímica de todas as
estruturas biológicas, suas funções e comportamentos. A ênfase aqui esta na “rede”.
Uma das mais importantes percepções da compreensão sistêmica sobre a vida
assenta-se no reconhecimento de que as redes constituem-se no padrão básico de
organização de todos os sistemas vivos. Os ecossistemas devem ser entendidos em
termos de teias alimentares (i.e. rede de organismos); organismos são rede de células,
órgãos e sistemas de órgãos; e as células são redes de moléculas. A rede é padrão
comum a toda vida. Onde quer que vejamos vida, vemos redes.
É importante notar que estas redes vivas não são estruturas materiais, como
uma rede de pesca ou uma teia de aranha. Elas são redes funcionais, redes de relação
entre vários processos. Numa célula, por exemplo, estes processos são reações
químicas entre as moléculas da célula. Numa cadeia alimentar, os processos são de
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alimentação, de organismos vivos comendo um ao outro. Numa rede social, são
processos de comunicação. Em todos os casos, a rede é um padrão de relações não-
material.
Um exame mais detalhado destas redes vivas mostra-nos que a característica
básica delas é que são auto-geradoras. Numa célula, por exemplo, todas as estruturas
biológicas – proteínas, enzimas, o DNA, a membrana celular, etc – são continuamente
produzidas, reparadas e regeneradas pela rede celular. Apanhando nutrientes do
mundo exterior, a célula se sustenta através de uma rede de reações químicas que
acontecem dentro dos seus limites e produz todos os componentes da célula, incluindo
aqueles que formam o próprio limite. A função de cada componente nesta rede é
transformar ou substituir outros componentes, de forma que toda a cadeia continue a
se reproduzir continuamente.
Similarmente no nível dos organismos multicelulares, as células estão
continuamente sendo regeneradas e recicladas pela rede metabólica do organismo.
As redes vivas criam e recriam continuamente a si mesmas através da transformação
ou substituição de seus componentes. Desta forma elas sofrem mudanças estruturais
contínuas enquanto preservam seus padrões - teias de organização.
Redes Sociais
Permitam-me agora mudar dos sistemas biológicos para os sociais. A vida no
reino social pode também ser entendida em termos de rede, mas aqui não lidamos com
reações químicas, lidamos com comunicação. As redes vivas nas sociedades
humanas são redes de comunicação. Assim como as redes biológicas, elas são
autogeradoras, mas o que elas geram é, na sua grande totalidade, não-material. Cada
comunicação cria pensamentos e significados, que dá oportunidade para mais
comunicação e, assim, toda a rede, gera a si própria.
A dimensão do significado é crucial para se compreender as redes sociais.
Mesmo quando estruturas materiais – como mercadorias, artefatos ou artes - tais
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estruturas são muito diferentes daquelas produzidas pelas redes biológicas. Elas são
usualmente produzidas com um propósito, de acordo com um objetivo e incorporam
algum significado.
Na medida em que a comunicação prossegue numa sociedade em rede, criam-
se múltiplos círculos de feedbacks os quais, eventualmente, produzem e partilham um
sistema de crenças, explicações, e valores – um contexto comum de significados,
também conhecido como cultura, o qual é continuamente sustentado por mais
comunicação.
Através desta cultura os indivíduos adquirem identidade como membros de
uma rede social e desta forma a rede gera seus próprios limites. Não se trata de um
limite físico, mas um limite de expectativas, de confiabilidade e lealdade, continuamente
mantido e renegociado pela rede de comunicação.
A cultura, destarte, nasce da rede de comunicação entre os indivíduos e produz
obrigações sobre suas atitudes. Em outras palavras, as regras do comportamento que
obrigam as ações dos indivíduos são produzidas e continuamente reforçadas por sua
própria rede de comunicação.
A rede social também produz um corpo de conhecimento partilhado –
incluindo informação, idéias e saberes que formata as idiossincrasias da cultura em
adição aos seus valores e crenças. Contudo, os valores da cultura e crenças também
afetam seu próprio corpo de conhecimentos. Eles são partes da lente através da qual
nós vemos o mundo.
Resumindo, as redes biológicas operam no reino da matéria, as redes sociais
no reino do significado. Os sistemas biológicos trocam moléculas em suas redes de
reações químicas; os sistemas sociais trocam informações e idéias em suas redes de
comunicação.
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Dois Desenvolvimentos
A análise das similaridades e das diferenças entre as redes biológica e social
é central para a minha síntese da nova compreensão científica da vida, da mente e da
sociedade, como também para desenvolver uma tratativa coerente e sistêmica de
algumas grandes questões dos nossos tempos.
À medida que este novo século segue em frente, percebem-se dois
desenvolvimentos que terão fortes impactos sobre o bem-estar e a forma de vida da
humanidade. Ambos tem a ver com as redes e envolvem tecnologias radicalmente
novas. Um deles é a ascensão do capitalismo global; a outra é a criação de
comunidades sustentáveis baseadas na prática de uma perspectiva ecológica. Onde
quer que o capitalismo global esteja ligado à rede eletrônica de fluxo informacional e
financeiro, a perspectiva ecológica esta conectada a rede ecológica de fluxo de energia
e material. O objetivo da economia global, em sua presente forma, é maximizar a
riqueza e o poder das elites; o objetivo das perspectivas ecológicas é maximizar a
sustentabilidade da teia da vida. Permitam-me agora expor duas situações mais
detalhadamente.
Redes do Capitalismo Global
Durante as ultimas três décadas a revolução da tecnologia da informação fez
surgir um novo tipo de capitalismo que é profundamente diferente daquele da revolução
industrial ou daquele que emergiu após a segunda guerra. Tem três características
fundamentais. O centro de suas atividades econômicas é global, a principal fonte da
sua produtividade e competitividade é a inovação, geração de conhecimento e
processamento de informação e está estruturado amplamente em redes de fluxo
financeiro. Este novo capitalismo global também é conhecido como nova economia ou
simplesmente globalização.
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Na nova economia o capital opera em tempo real movendo-se rapidamente de
uma opção para outra numa busca incessante de oportunidades de investimento. Os
movimentos de cassino global operado eletronicamente não seguem nenhuma lógica
de mercado. Os mercados são continuamente manipulados e controlados por
estratégias de investimento elaborados por computadores, percepções subjetivas de
analistas influentes, de eventos políticos em qualquer parte do mundo –principalmente,
por turbulências inesperadas causadas por interações complexas do fluxo de capital.
Neste sistema altamente não-linear, estas turbulências descontroladas têm resultado
numa série de graves crises financeiras recentemente, do México em 1994, Ásia do
Pacifico, 1997, Rússia, 1998 e Brasil, 1999. O impacto da nova economia sobre o bem-
estar e humano tem sido altamente negativo. Tem enriquecido uma elite global de
especuladores financeiros, empreendedores e profissionais high-tech. No topo, tem
havido acumulação de riquezas sem precedentes. O capitalismo global também tem
beneficiado algumas economias nacionais especialmente países asiáticos. Mas na sua
totalidade as suas conseqüências sociais e ambientais têm sido um desastre.
A ascensão do capitalismo global tem sido acompanhada pela ascensão e
polarização das desigualdades sociais dentro e fora dos países, em particular a
pobreza, e as desigualdades sociais têm aumentado através do processo de exclusão
social, o qual é uma conseqüência da estrutura em rede da nova economia. À medida
que o fluxo capital e a informação interligam redes de escala mundial, eles excluem
destas mesmas redes todas as populações e territórios que não têm valor ou
interesses para suas buscas de ganho financeiro. Como resultado certos segmentos da
sociedade, áreas das cidades, regiões e mesmo países inteiros tornam-se
economicamente irrelevantes.
Assim, um novo segmento empobrecido da humanidade emerge em volta do
mundo como conseqüência direta da globalização. Isto compreende grandes áreas dos
planetas como as áreas abaixo do Saara Africano, as áreas rurais da Ásia e da
América Latina. Mas a geografia da exclusão social também inclui porções de todos os
países e de todas as cidades do mundo.
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Se você quer a face humana da globalização veja as fotos do conhecido foto-
jornalista brasileiro Sebastião Salgado. Dois anos atrás ele completou um projeto de
sete anos intitulado “Migrações” que o levou a quarenta países em volta do mundo
onde ele tirou milhares de fotos de migrantes e refugiados, mostrando seus grandes
pesares e tristezas, mas também sua coragem e infinita esperança. As fotos épicas de
Salgado, de um mar de humanidade sem fim, são um impressionante testemunho da
dignidade humana e do fracasso do capitalismo global.
De acordo com a doutrina da economia da globalização conhecida como
neoliberalismo, os acordos de livre comércio internacional impostos pela Organização
Mundial do Comércio – OMC - sobre seus países membros aumentarão o comércio
global. Isto criará uma expansão econômica global; e o crescimento econômico global
diminuirá a pobreza, porque seus benefícios eventualmente “fluíram abaixo” para
todos .
Esta afirmação está fundamentalmente errada. O capitalismo global não mitiga
a pobreza e a exclusão social, ao contrário exacerba-os. O neoliberalismo tem estado
cego para este efeito porque os economistas das corporações têm tradicionalmente
excluído dos seus modelos os custos sociais da atividade econômica. Similarmente, os
economistas mais convencionais têm ignorado os custos ambientais da nova
economia - o aumento e a aceleração da destruição ambiental global é tão grave, se
não mais do que seu impacto social.
Uma das crenças do neoliberalismo é que os países pobres deveriam
concentrar na produção de um pequeno e especial grupo de mercadorias para
exportação com intuito de obter capital estrangeiro e deveriam importar grande parte
das demais commodities. Esta ênfase na exportação tem levado a um rápido
esgotamento dos recursos naturais necessários para produzir safras a serem
exportadas país após país – o desvio de água fresca para interior de fazendas; o foco
sobre agricultura de consumo intensivo de água, tal como cana-de-açúcar, resulta em
leitos de rios secos, a conversão de terra agricultável de boa qualidade em plantações
de safra para fazer dinheiro, e a migração forçada de um grande número de
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agricultores de suas terras. Por todo mundo há incontáveis exemplos de como a
globalização econômica está piorando a destruição ambiental.
Desde que o valor dominante no capitalismo global é ganhar dinheiro, seus
representantes procuram eliminar legislações ambientais valendo-se da bandeira do
livre comércio onde quer que possam, a não ser que estas legislações não interfiram
com seus lucros. Assim, a nova economia causa destruição ambiental não somente
aumentando o impacto das suas operações sobre os ecossistemas do mundo, mas
também eliminando leis de proteção ambiental nacional país após país. Em outras
palavras, a destruição ambiental não é apenas um efeito colateral, mas é também uma
parte intestinal do capitalismo global.
Mudando o Jogo
Nos últimos anos o impacto ecológico e social da globalização tem sido
discutido amplamente por pensadores e lideres comunitários. Suas análises mostram
que a nova economia esta produzindo uma diversidade de conseqüências danosas
interconectadas – aumento da desigualdade e exclusão social, destruição da
democracia, deterioração rápida e ostensiva do ambiente natural, aumento da pobreza
e alienação. O novo capitalismo global tem ameaçado e destruído comunidades locais
em volta do mundo e com a ajuda de uma biotecnologia mal-concebida, tem invadido a
santidade da vida tentando transformar diversidade em monocultura, ecologia em
engenharia, e vida em commodities. Tem se tornado extremamente claro que o
capitalismo global na sua presente forma é insustentável e precisa ser
fundamentalmente redesenhado. Na verdade, pensadores e líderes comunitários e
ativistas comuns em volta do mundo estão levantando suas vozes, demandando que
precisamos “mudar o jogo”, e estão sugerindo formas concretas de como fazê-lo.
Qualquer discussão realista para mudar o jogo deve começar reconhecendo
que a forma atual da globalização econômica foi projetada conscientemente e pode ser
alterada. O chamado “mercado global” é, na realidade, uma rede de máquinas
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programadas de acordo com os princípios fundamentais de que ganhar dinheiro
deveria sobrepor-se sobre os direito humanos, democracia, proteção ambiental ou
qualquer outro valor. Entretanto, as mesmas redes eletrônicas de fluxo informacional e
financeiro poderiam ter outros valores embutidos nelas. A questão crítica não é
tecnológica, mas política. Como falamos em Porto Alegre “um outro mundo é possível “
Uma Sociedade Civil Global
Na virada deste século, ocorreu uma impressionante coalizão global de ONGs
formadas em volta de dois valores centrais - dignidade humana e sustentabilidade
ecológica. Em 1999, centenas destas organizações de base conectaram-se
eletronicamente por vários meses para preparar ações de protestos em conjunto para
o encontro da OMC em Seattle. Conhecida como “Coalizão Seattle” teve grande
sucesso em perturbar o encontro da OMC e fazer com que sua visão ficasse
conhecida no mundo. Também teve igual sucesso em perturbar as conversações
comerciais em Cancum um ano atrás. Suas ações em concertos, baseadas em
estratégias de rede, têm permanentemente alterado o clima político em volta das
questões da globalização econômica .
Desde a coalizão Seattle – ou “movimento por justiça global”, como é chamado
agora - tem não apenas organizado protestos posteriores, mas também propiciou três
Fóruns Sociais Mundial em Porto Alegre e um na Índia. Nestes encontros, as ONGs
propuseram um conjunto completo de políticas comerciais alternativas, incluindo
propostas concretas e radicais para reestruturar as instituições financeiras globais, as
quais mudariam profundamente a natureza da globalização.
Uma das principais razões porque o movimento de justiça global tem tido tanto
sucesso é porque está baseado em estratégias de rede. Como vocês conhecem bem
redes - e trabalhar em rede - tem se tornado um dos principais focos de atenção em
anos recentes. A internet tornou-se uma poderosa rede global de comunicação e as
maiores corporações de hoje existem como uma rede de unidades menores. Redes
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similares existem entre as ONGs e as instituição não-lucrativas . Na verdade, trabalhar
em rede tem sido uma das principais atividades das organizações políticas de base por
muitos anos. Os movimentos ambientais, os movimentos pelos direitos humanos, os
feministas, os movimentos pela paz e muitos outros movimentos de base política e
cultural têm se organizado como rede que transcendem as fronteiras nacionais.
O Fórum Social Mundial é uma celebração do trabalho global em rede. Com o
uso inteligente da internet, as ONGs são capazes de partilhar informação e mobilizar
seus membros com uma velocidade sem precedentes. Como resultado, as novas
ONGs globais emergem como atores políticos efetivos, independentes da tradição
nacional ou instituições internacionais. Eles constituem-se numa nova espécie de
sociedade civil global.
Para colocar um discurso político dentro de uma perspectiva sistêmica e
ecológica, a sociedade civil global apóia-se numa rede de pensadores, institutos de
pesquisa, grupos de intelectuais, e centros de aprendizados que operam totalmente à
margem das nossas instituições acadêmicas, organizações de negócios e agências
governamentais. Hoje existem dezenas dessas organizações de pesquisas e
aprendizado no mundo. A característica comum entre elas é que executam suas
pesquisas e ensinam dentro de uma estrutura explícita de valores centrais partilhados .
A maioria desses institutos de pesquisas são comunidades de ativistas de base
e pensadores que estão engajados numa ampla variedade de projetos e campanhas.
Na minha segunda palestra deverei concentrar-me em duas áreas – agricultura e
energia - que são os pontos centrais para coalizões de base gigantescas e muito
ativas.
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A ENERGIA E A TRANSGENIACOMO ELEMENTOS PARA A HUMANIZÇÃO
DO DESENVOLVIMENTO
Introdução
Os Dois Cenários
Gostaria de começar lembrando a vocês sobre os dois desenvolvimentos que
eu mencionei esta manhã. Terão impacto decisivo sobre o nosso bem estar e o futuro
de nossa forma de viver o surgimento do capitalismo global e a criação de
comunidades sustentáveis baseadas na prática de uma perspectiva ecológica. Estes
dois cenários – cada um envolvendo redes complexas e tecnologias especiais
avançadas – estão atualmente em curso de colisão. Enquanto na natureza cada
membro de uma rede viva está incluído e contribui para a sustentação do todo, o
capitalismo global está baseado no princípio que ganhar dinheiro deveria preceder
todos os demais valores, o que cria grandes exércitos de excluídos e um ambiente
cultural, social e econômico que não é a vida agregando, mas a vida degradando.
Entretanto, os valores humanos podem mudar, não são leis naturais. A questão
crítica não é tecnologia, mas política e de liderança. O grande desafio do século XXI
será mudar o sistema de valores que marcam a economia global, de forma fazê-lo
compatível com a demanda humana de dignidade e sustentação ecológica. Na
verdade, este processo de reformulação da globalização já começou.
Na virada deste século, uma coalizão global impressionante de ONGs formou–
se em volta de valores centrais da dignidade humana e da sustentação ecológica. Esta
coalizão agora esta formando uma sociedade civil global. Esta sociedade civil está
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engajada numa ampla variedade de projetos e campanhas. Na minha segunda palestra
me concentrarei em duas áreas – agricultura e energia – que são pontos focais para
coalizões de bases amplas e muito ativas.
Deixem-me abordar a sustentação ecológica.
Sustentação Ecológica
O conceito de sustentabilidade foi introduzido no início dos anos 80 por Lestern
Brown, fundador do Worldwatch Institute, que definiu uma sociedade sustentável como
aquela que seja capaz de satisfazer suas necessidades sem diminuir as chances das
gerações futuras. Muitos anos depois, o relatório da Comissão Mundial Sobre o
Desenvolvimento e o Meio Ambiente, conhecido como Brundtland Report, usou a
mesma definição para apresentar a noção de desenvolvimento sustentável:
“A humanidade tem a habilidade de atingir o desenvolvimento sustentável, de
satisfazer suas necessidades presentes sem comprometer a habilidade das
gerações futuras em satisfazer suas próprias necessidades.”
Estas definições de sustentabilidade são exortações morais importantes. Elas
lembram-nos das nossas responsabilidades em passar aos nossos filhos e netos um
mundo com tantas oportunidades como aquele que herdamos. Entretanto, esta
definição não nos diz nada de como construir uma sociedade sustentável. O que
precisamos é uma definição operacional de sustentabilidade ambiental.
A chave para esta definição é a percepção de que nós não precisamos inventar
comunidades humanas sustentáveis partindo do zero, mas podemos modelá-las nos
ecossistemas naturais, os quais são comunidades sustentáveis de plantas, animais e
microorganismos. Como uma das características impressionantes da biosfera é sua
inerente capacidade de sustentar a vida, uma comunidade humana sustentável deve
ser projetada de tal modo que sua forma de vida, negócios, economia, estrutura física e
tecnologias não interfiram com a habilidade inerente da natureza em sustentar a vida.
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Ecoalfabetização e Ecodesign
Esta definição implica que o primeiro passo da nossa luta na construção de
comunidades sustentáveis deve ser a de tornarmos-nos “alfabetizados ecologicamente“
i.e., compreender os princípios organizativos que os ecossistemas têm desenvolvido
para sustentar a teia da vida. Nas décadas vindouras, a sobrevivência da humanidade
dependerá da nossa ecoalfabetização – nossa habilidade de compreender os princípios
básicos da ecologia e viver em conformidade com eles. Isso significa que alfabetização
ecológica deve tornar-se uma habilidade crítica para nossos políticos, líderes de
negócios e profissionais em todas as esferas – da escola elementar à universidade,
assim como da educação contínua e do treinamento de profissionais.
Precisamos ensinar aos nossos filhos os fatos fundamentais da vida – que as
sobras de uma espécie são o alimento de outra; que a matéria circula continuamente
através da teia da vida; que a energia que move os ciclos ecológicos vem do sol; que a
diversidade garante a resistência; que a vida, desde o seu primórdio há três bilhões de
anos não tomou este planeta pelo combate, mas pela cooperação em rede.
Todos esses princípios da ecologia estão intimamente relacionados. Eles são
aspectos diferentes de um singelo padrão fundamental de organização que tem
permitido à natureza sustentar a vida por bilhões de anos. A natureza sustenta a vida
criando e alimentando comunidades. Nenhum organismo pode existir no isolamento.
Animais dependem da fotossíntese das plantas para suas necessidades de energia; as
plantas dependem do dióxido de carbono produzido pelos animais como também do
nitrogênio colocado pelas bactérias em suas raízes; e juntos, plantas, animais e
microorganismos, regulam toda biosfera e mantêm as condições que conduzem à vida.
Sustentabilidade, então, não é uma propriedade individual, mas propriedade de
uma complexa rede de relações. Sempre envolve comunidades completas. Esta é uma
lição profunda que precisamos aprender com a natureza: a forma de sustentar a vida
conecta-se `a construção e `a manutenção de comunidades. Uma comunidade humana
sustentável interage com outras comunidades – humanas e não-humanas – de tal
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modo que as capacita a viver e a desenvolver-se de acordo com sua natureza.
Sustentabilidade não significa que as coisas não se alteram. É um processo dinâmico
de coevolução mais do que um estado estático.
No reino humano, sustentabilidade inclui o respeito pela integridade cultural e
o direito básico das comunidades de autodeterminação e auto-organização. Isto
significa que a sustentabilidade ecológica e a justiça econômica são interdependentes.
Dois lados de uma mesma moeda. Sustentação da vida significa reconhecer que
somos uma parte inseparável da teia da vida, das comunidades humanas e não
humanas e que ampliar a sustentabilidade e a dignidade de qualquer uma delas
ampliará todas as outras.
Ser ecologicamente alfabetizado significa compreender como esses valores e
princípios de organização estão interconectados. Este é o primeiro passo na estrada da
sustentabilidade. O segundo passo é um design ecológico. Precisamos aplicar nosso
conhecimento ecológico para uma fundamental reformulação de nossas tecnologias e
instituições sociais, de forma a cobrir a lacuna atual entre o design humano e os
sistemas naturais ecologicamente sustentáveis. Design, no seu sentido mais amplo,
consiste em formatar fluxo de energia e material para propósitos humanos . O design
ecológico é um processo pelo qual nossos propósitos humanos são cuidadosamente
mesclados com padrões e fluxos mais amplos do mundo natural. Os princípios do
design ecológico refletem os princípios de organização que a natureza criou para
sustentar a teia da vida. Para exercer projetos neste contexto é necessário uma
mudança fundamental em nossa atitude em relação à natureza, uma mudança sobre
como descobrir o que podemos extrair da natureza e o que podemos aprender com ela.
Em anos recentes tem havido um aumento dramático de atitudes e projetos
ecologicamente orientados, todos agora muito bem documentados. Nesta palestra
concentrar-me-ei em duas áreas - agricultura e energia, mas antes de fazê-lo direi
algumas palavras sobre desenvolvimento.
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Desenvolvimento Biológico
O conceito de desenvolvimento, como é aplicado hoje, tem dois significados.
Para os biólogos desenvolvimento é uma característica fundamental para toda a vida.
Sistemas vivos – organismos, ecossistemas ou sistemas sociais – desenvolvem-se,
crescem, amadurecem e criam novas formas e novos padrões de comportamento. As
ciências da vida também ensinam-nos que o desenvolvimento de um sistema vivo,
tipicamente inclui um período de rápido crescimento físico. Este é um período
pertinente a um organismo jovem. Nos ecossistemas esta é a fase inicial, caracterizada
pela expansão rápida e pela colonização do território. Este rápido crescimento é
sempre seguido por um crescimento mais lento, pela maturação, e, finalmente, pelo
declínio e decadência ou, nos ecossistemas, chamado de sucessão.
Quando estudamos a natureza; podemos ver muito claramente que
crescimento indefinido e irrestrito é insustentável. Por exemplo, há rápido crescimento
com células cancerosas, mas não se sustenta porque as células morrem quando o
organismo hospedeiro morre. Vemos que, embora crescimento seja uma característica
fundamental da vida, crescimento indefinido não é sustentável. Mas é importante notar
que mesmo sem expansão física, pode haver desenvolvimento porque pode haver
aprendizado e maturação ocorrendo sem crescimento físico.
Desenvolvimento Econômico
O segundo significado do desenvolvimento é aquele usado por economistas e
políticos, e é muito diferente. A primeira coisa que percebemos é o diferente uso
gramatical do verbo “desenvolver”. Nas ciências da vida é usado como um verbo
intransitivo: todos os sistemas vivos desenvolvem-se; organismos vivos desenvolvem-
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se; pessoas desenvolvem-se. Há um senso de desdobramento, de percepção do nosso
potencial.
Economistas, por contraste, usam o verbo “desenvolver” como verbo
transitivo”: “pessoas desenvolvem as coisas”. Há uma categoria completa de pessoas
de negócios que se proclamam desenvolvedores e saem por aí desenvolvendo coisas.
Desenvolvem propriedades - sítios, terras, edifícios, etc.
O conceito de Southern – sulista - ou desenvolvimento do terceiro mundo
apóia-se inconsistentemente entre esses dois significados. Primeiro, é um conceito
muito recente. Antes da segunda guerra mundial, ninguém teria pensado em
desenvolvimento como uma categoria econômica. Mas após a segunda guerra mundial
foi quase sempre usado num sentido transitivo. As pessoas sairiam e “desenvolveriam
o terceiro mundo “ sem qualquer percepção das relações de poder que estão
envolvidas nesta sentença, as quais mostram a mais extraordinária falta de respeito.
Pessoas com poder saindo por aí, para desenvolver outras pessoas.
O outro fenômeno extraordinário é a categorização do mundo inteiro numa
única dimensão. Países e pessoas são “desenvolvidos” ou eles estão “se
desenvolvendo “ ou eles são “subdesenvolvidos”. É exatamente como a tabela de uma
liga de futebol, com os países ricos figurando em primeiro, e antes de todos os
Estados Unidos, no topo, e os países pobres no final. Não é de espantar que 25% das
crianças americanas agora vivem abaixo da linha de pobreza; que os EUA gastam
mais em prisão do que em educação superior, e que é o único país industrial que tem a
pena de morte.
A gigantesca diversidade da existência humana agora esta concentrada numa
simples dimensão chamada “desenvolvimento” a qual é freqüentemente medida
simplesmente em receita per capita. É um conceito absolutamente assustador que
pessoas inteligentes, vivendo neste mundo espantosamente diverso, tenham permitido
que tal construto intelectual se tornasse tão poderoso.
Quando nós olhamos detalhadamente para o conceito de desenvolvimento
econômico, podemos observar três características básicas:
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1. Desenvolvimento é um conceito nortista. A tabela da liga – “desenvolvido /
em desenvolvimento / subdesenvolvido” - está arquitetado conforme um critério
nortista. Os países que são desenvolvidos são aqueles que adotaram o estilo de vida
industrial do norte. Assim, desenvolvimento é um conceito profundamente
monocultural. Ser um país em desenvolvimento significa obter sucesso nas suas
aspirações de se tornar como os do Norte.
2. Desenvolvimento significa desenvolvimento econômico. Não há outras
aspirações sociais ou valores culturais permitidos a entrar no caminho deste
desenvolvimento. Se puderem coexistir com o desenvolvimento, OK; se não puderem,
serão varridos.
3. O desenvolvimento econômico é um processo de cima para baixo,
descendente. Decisão e controle encontram-se firmemente na mão de especialistas,
administradores do capital internacional, burocratas de governos, do banco mundial, do
FMI, etc.
Em resumo, existem três características do desenvolvimento na forma como é
correntemente representada no palco mundial: é nortista, puramente econômico e
descendente.
Humanizando o Desenvolvimento do Mundo
Humanizar o desenvolvimento do mundo significa a introdução de valores da
dignidade humana e da sustentabilidade ecológica para dentro do processo de
desenvolvimento. Isto é o que os lideres da sociedade civil global tem proposto no
Fórum Social Mundial. A visão alternativa proposta por esta sociedade civil, ou
movimento de justiça global, vê o desenvolvimento como um processo criativo,
característico de toda vida, um processo de aumento de capacitação onde a coisa mais
importante que se precisa fazer é exercer controle sobre os recursos locais.
Nesta visão, o processo de desenvolvimento não é puramente um processo
econômico. É também um processo social, ecológico e ético – um processo
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multidimensional e sistêmico. Os atores primários do desenvolvimento são instituições
da sociedade civil, baseadas em parentescos, na vizinhança ou em interesses comuns.
Porque as pessoas são diferentes e os lugares onde vivem são diferentes, nós
podemos esperar que o desenvolvimento produza diversidade cultural de todos os
tipos. O processo por onde isso ocorrerá será muito diferente do atual sistema de
comércio global. Será baseado na mobilização de recursos locais para satisfazer
necessidades locais e será alimentado pela dignidade humana e pela sustentabilidade
ecológica.
Agora deixem-me retornar para a questão da sustentabilidade e do ecodesign
para discutir primeiro a agricultura e então energia.
A Biotecnologia na Agricultura
Na agricultura, uma coalizão em escala mundial de ONGs foi formada para
resistir a apressada e descuidada introdução de transgênicos e para promover a prática
de uma agricultura sustentável.
À medida que a lacuna entre os anúncios da indústria biotécnica e as
realidades da alimentação biotecnológica tornam-se ainda mais aparentes nos últimos
anos; a resistência contra os alimentos transgênicos cresceu e transformou-se num
movimento político mundial.
Os anúncios da biotecnologia desenham um novo, mundo no qual a agricultura
não mais dependerá de químicos e assim não mais danificará o meio ambiente. A
alimentação será a melhor e mais segura do que foi antes, a fome mundial
desaparecerá. Aqueles de nós que são ativistas ambientais por muitas décadas sentem
um forte pressentimento de dejá vu quando lêem ou escutam tais projeções otimistas,
mas totalmente insipiente do futuro. Nos relembramos vividamente que uma linguagem
similar foi usada pelas mesmas corporações agroquímicas quando elas promoveram
uma nova era de químicos para agricultura alardeada como “Revolução Verde “
décadas atrás.
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Desde aquela época, o lado escuro da agricultura tornou-se dolorosamente
evidente. Hoje é bem sabido que aquela revolução não ajudou nem agricultores, nem a
terra, nem consumidores. Os efeitos a longo prazo do uso excessivo da química na
agricultura têm sido um desastre para a saúde do solo e para a saúde humana, para as
nossa relações sociais e para todo ambiente natural sobre o qual nosso bem estar e
futura sobrevivência dependem.
Os proponentes da biotecnologia freqüentemente argumentam que as
sementes de transgênicos são cruciais para alimentar o mundo. Entretanto, as
agências de desenvolvimento sabem há muito tempo que as raízes da causa da fome
em volta do mundo não estão relacionadas com a produção de alimentos. Elas são
pobreza, desigualdade e falta de acesso a alimento e terra. Se essas causas
estruturais não forem abordadas, a fome persistirá pouco importando que tecnologia
será usada. Mesmo nos EUA hoje existem entre 20-30 milhões de pessoas mal
alimentadas!
A verdade simples é que a maioria das inovações relativas a alimentos
biotecnológicos tem sido orientada pelo lucro não pela necessidade . Por exemplo,
grãos de soja sofreram intervenção da engenharia da Monsanto para resistir
especificamente ao herbicida Roundup produzido pela própria empresa de forma a
aumentar as vendas daquele produto. A Monsanto também produziu sementes de
algodão contendo um gene de inseticida, objetivando aumentar dramaticamente as
vendas de semente. Tecnologias como estas aumentam a dependência dos
agricultores sobre produtos que são patenteados e protegidos por “direitos de
propriedade intelectual “, o que faz as velhas práticas da agricultura de reprodução,
estocagem e divisão de sementes uma prática ilegal.
Há fortes indicações que uso descontrolado de colheitas trangênicas não irá
apenas falhar na solução do problema da fome, mas, ao contrário, poderá perpetuá-la
e agravá-la. Se sementes trangênicas continuarem a ser desenvolvidas e manipuladas
exclusivamente por corporações privadas, agricultores pobres não poderão adquirí-las
e se a indústria biotécnica continuar a proteger seus produtos através de patentes que
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impeçam de estocar e comercializar sementes, os pobres se tornarão no futuro
dependentes e marginalizados.
Os riscos da atual biotecnologia na agricultura são uma conseqüência direta da
falta de uma perspectiva ecológica dentro da indústria biotécnica. Modificações
genéticas de colheitas são feitas com uma pressa inacreditável, e transgênicos são
plantados maciçamente sem testes apropriados de curto e longo prazo dos impactos
sobre os ecossistemas e sobre a saúde humana. Estas colheitas de transgênicos não
testadas e potencialmente perigosas espalham-se por todo planeta criando riscos
irreversíveis; infelizmente estes riscos são freqüentemente colocados de lado pelos
geneticistas cujo conhecimento e treinamento ecológico é mínimo.
Nas suas tentativas de patentear, explorar e monopolizar todos os aspectos da
biotecnologia, as grandes corporações agroquímicas t êm comprado semente e
empresas biotécnicas e têm se reestilizado como “corporações da ciência da vida”. As
fronteiras tradicionais entre as indústrias farmacêuticas, agroquímicas e
biotecnológicas estão desaparecendo rapidamente na medida que se fundem para
formar conglomerados gigantescos sob a bandeira da ciência da vida.
O que todas estas chamadas “corporações da ciência da vida” têm em comum
é o reduzido conhecimento da vida baseado numa crença errada que a natureza pode
estar sujeita ao controle humano. Ignoram a autogeração e a auto-organização
dinâmica, que é a essência da vida, e ao invés disso redefinem organismos vivos como
máquinas que podem ser manuseadas de fora, patenteadas e vendidas como recursos
industriais. Assim, a própria vida tornou-se a última commodity.
Em anos recentes, os problemas de saúde causados pela engenharia genética
assim como seus problemas sociais, ecológicos e éticos tornaram-se todos muito
aparentes, e há agora um movimento global crescente muito rápido que rejeita esta
forma de tecnologia.
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Uma Alternativa Ecológica
Felizmente há uma alternativa ecologicamente aprovada e muito bem
documentada para os transgênicos, nova, que está lentamente tomando conta da
agricultura mundial numa revolução silenciosa. É conhecida como “agricultura
orgânica”, ”agricultura sustentável” ou “agroecologia”. Quando os agricultores plantam
safras organicamente, eles usam tecnologia baseada no conhecimento ecológico e não
no químico ou na engenharia genética para aumentar seus campos, o controle das
pestes e promover fertilidade no solo.
Quando o solo é cultivado organicamente, seu conteúdo de carbono aumenta,
e assim a agricultura orgânica contribui para reduzir o aquecimento global. De fato,
tem-se estimado que aumentando o conteúdo de carbono nos solos empobrecidos do
planeta a níveis plausíveis absorveria quantidade de carbono equivalente àquelas
emitidas pelas atividades humanas.
O renascimento da agricultura orgânica é um fenômeno mundial. Agricultores
em mais de 130 países produzem atualmente alimento orgânico para comercializar; a
área total que está sendo trabalhada de forma sustentável é estimada em mais de sete
milhões de hectares e o mercado da alimento orgânico tem crescido numa estimativa
de U$ 22 bilhões ao ano.
Há evidência abundante que agricultura orgânica é uma alternativa ecológica
saudável à química e à tecnologia genética da indústria da agricultura. A agricultura
orgânica aumenta a produtividade de forma viável economicamente, socialmente e é
ambientalmente benigna.
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Energia Solar
Numa sociedade sustentável, todas as atividades humanas, assim como os
processos industriais devem utilizar energia solar exatamente como fazem os
ecossistemas. Em virtude do papel crítico que o carbono tem sobre as alterações
globais, fica evidente que o uso de combustíveis sólidos é insustentável a longo prazo.
Portanto, mudar para uma sociedade sustentável inclui mudar o modelo energético
baseado em combustíveis fóssil – principal fonte de energia da Era Industrial – para
energia solar.
O sol tem fornecido energia a este planeta por bilhões de anos; virtualmente
todas as formas de energia – madeira, carvão, petróleo, gás natura, vento,
hidroenergia, e assim por diante – são formas de energia solar. Entretanto, nem todas
são renováveis. No debate atual sobre energia, o termo “energia solar” é aplicado mais
especificamente para referir-se a formas de energia que vêm de fontes inesgotáveis ou
renováveis – a luz do sol para aquecimento solar e eletricidade fotovoltaica, vento e
hidroenergia e biomassa (matéria orgânica). A tecnologia solar mais eficiente envolve
equipamentos pequenos a serem usados pelas comunidades locais e que geram uma
ampla variedade de postos de trabalho. Portanto, o uso da energia solar reduz a
poluição ao mesmo tempo em que aumenta a demanda de trabalho. Não obstante, a
mudança para energia solar beneficiará especificamente as pessoas que vivem no Sul,
onde a luz solar é abundante.
Nas décadas anteriores, depositava-se muita esperança que energia nuclear
pudesse ser o combustível ideal para substituir o carvão e o óleo, mas logo tornou-se
aparente que ela trazia enormes riscos e custos e que não era uma solução viável. Os
riscos começam com a contaminação das pessoas e do meio-ambiente com
substâncias radioativas causadoras de câncer, durante todos os estágios do ciclo deste
combustível. Juntando-se a isso, há a emissão inevitável de radiação em acidentes
nucleares e mesmo durante operações rotineiras de manutenção dos equipamentos;
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há o insolúvel problema de segurança na estocagem do resíduo do material radioativo;
na ameaça de terrorismo nuclear e a possibilidade de perda de direitos civis básicos
numa “economia totalitária do plutônio”
Todos estes riscos combinados aumentam o custo de operação de estações de
geração de energia nuclear a um nível que as tornam altamente não-competitivas.
Hoje, a energia nuclear é a fonte energética de menor crescimento, caindo para um
mero percentual de crescimento em 1996, sem nenhuma perspectiva de
melhoramento. De acordo com o jornal inglês The Economist “Nenhuma estação de
geração de energia nuclear no mundo tem mais sentido comercial”.
A energia solar, por oposição, é o setor que mais cresce desde a última
década. O uso de células solares (i.e. células fotovoltaicas que convertem a luz solar
em eletricidade) cresceu perto de 17% ao ano nos anos 90. Uma estimativa mostra que
mais de meio milhão de lares no mundo, a maioria em vilarejos remotos que não estão
ligados à energia elétrica, agora obtém energia de células solares. A recente invenção
de telhas solares no Japão promete levar uma nova explosão na eletricidade
fotovoltaica. Estas placas-telhas são capazes de transformar os telhados em pequenas
estações geradoras de energia e que muito provavelmente revolucionarão a geração
de energia.
A utilização de energia eólica tem crescido ainda mais espetacularmente.
Durante a década de 90 cresceu perto de 24% e em 2001 a capacidade de geração de
energia eólica cresceu espantosamente para próximo a 31%. Desde 1995 esta energia
cresceu mais de cinco vezes enquanto o carvão diminuiu 8%. A energia eólica tem
estabilidade de preços a longo-prazo e independência energética. Não há OPEP para
os ventos, porque eles se espalham.
A capacidade total de geração de energia eólica no mundo é agora de 23.000
megawatts, o suficiente para satisfazer as necessidade de eletricidade de 23 milhões
de pessoas, quase dois terços da população do Canadá. Nas próximas décadas a
Europa sozinha planeja aumentar em três vezes este valor. Mesmo com este dramático
crescimento, a aplicação da energia eólica está ainda no começo.
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Outra fonte valiosa de energia e especialmente de combustível líquido é a
biomassa, em particular o álcool destilado de grãos ou frutas. O problema é embora
seja uma fonte renovável, o solo onde cresce não o é. Podemos certamente esperar
produções significativas de álcool de certas safras, mas um programa em grande
escala para isso, seguramente destruiria o solo com a mesma velocidade que estamos
agora destruindo outros recursos naturais.
Entretanto, a boa notícia é que na agricultura e no reflorestamento sempre se
produz sobra, a grande maioria pode ser coletada e convertida em energia. Por
exemplo, uma simples estação de colheitas no estado de Nebraska nos Estados
Unidos produz uma quantidade de grão de baixa qualidade que não pode ser
comercializado. Tal “resíduo” poderia produzir etanol suficiente para movimentar 10%
dos carros do estado por um ano e ainda mantendo a atual disponibilidade de eficiência
energética. Com carros igualmente eficientes, as sobras das plantações nos campos
da França ou Dinamarca movimentariam a metade da frota daqueles países por um
ano. Outras sobras da agricultura – e.g. cascas, sementes de frutas, óleos vegetais
não digeríveis, restos de algodão, etc – poderiam ser usados igualmente. Tudo isso
junto, esta riqueza oriunda da agricultura e do tratamento das florestas, poderiam,
provavelmente, fornecer combustível líquido de forma sustentável para o setor de
transporte.
Estes exemplos, aos quais outros tantos poderiam se somar, ensinam-nos
duas lições. O primeiro é que um programa eficiente de energia renovável deve ser
diversificado e adaptado ás condições locais. Sempre terá que ser uma combinação de
fontes locais de energia renovável – energia solar, eólica, biomassa, hidroenergia, etc.
A segunda lição é que mesmo a melhor combinação possível entre as fontes
de energias renováveis não será suficiente a não ser que usemo-las de maneira
eficiente. Reforço novamente que os recentes desenvolvimentos no campo da
conservação de energia têm sido extremamente encorajadores. Os projetistas
ambientais acreditam que uma impressionante redução de 90% hoje na energia e nos
materiais é possível apenas com a tecnologia existente sem causar nenhuma redução
no padrão de vida. A razão para esta possibilidade realista de tal dramático aumento na
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produtividade das fontes assenta-se na ineficiência concentrada e no desperdício que
são características da maioria dos projetos industriais atuais.
Conclusão.
As práticas sustentáveis que eu mencionei em dois setores – energia e
agricultura – são apenas alguns exemplos da revolução do ecodesign que está agora
ocorrendo. Suas novas tecnologias e práticas incorporam princípios básicos de
ecologia e, portanto, têm características em comum. Elas tendem a ser pequenas, com
muita diversidade, eficientes energeticamente, não poluentes, orientadas para a
comunidade, intensivas com relação ao trabalho e geradoras de empregos.
As tecnologias agora disponíveis fornecem fortes evidências que a transição
para um futuro sustentável não é mais um problema técnico ou conceitual. É um
problema de valores e desejo político.
Para concluir, deixem-me dizer algumas poucas palavras sobre o papel que o
Brasil está ocupando no mundo hoje. Como vocês sabem, o Estado do Rio Grande do
Sul recepcionou os três primeiros encontros do Fórum Social Mundial. O Presidente
Lula participou de todos os três encontros, o último em janeiro de 2003, logo após a
sua posse.
Desde o primeiro Fórum Social Mundial, o PT tem tido relações estreitas com a
sociedade civil global e estas ainda persistem hoje. O governo Lula contratou muitos
ativistas de ONGs brasileiras para trabalhar em seus ministérios. Somando-se a isso,
o Presidente Lula trouxe para seu governo, brasileiros, pessoas das mais diversas
culturas, muitas etnias e muitas tradições.
Hoje, o Brasil é o único grande país do planeta, no qual o governo coopera com
a sociedade civil e com os negócios. Em particular, o governo Lula criou uma estrutura
governamental através da qual a sociedade civil pode dar seu input em todos os níveis
do governo. Esta forma de parceria entre governo e sociedade civil não existe em
nenhuma outra parte do mundo.
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Naturalmente, a cooperação entre estes três centros de poder no mundo
contemporâneo – governo, negócio e sociedade civil – nem sempre é fácil, em função
dos conflitos de valores entre os grandes negócios e a sociedade civil. Não obstante, o
Brasil está mostrando ao mundo um novo modelo de governo. Agrega-se a isso, o
Brasil também está muito participativo nas relações diplomáticas internacionais para
ajudar a mudar as regras da globalização econômica. Portanto, o que testemunhamos
hoje é o surgimento de um novo Brasil o qual, das mais diversas formas, pode torna-se
um modelo para o mundo.