Cap10

download Cap10

If you can't read please download the document

description

Cap10

Transcript of Cap10

OCR Document

POEMA PEDAGGICO9S10.Herisda . educao socialistadiscutir, era pior ainda: das nossas discusses, no sei por que, no nascia a luz.S.tnhamos duas coisas sobre as quais no pairavam dvidas: nossa firme deciso de no abandonar a causa, de levIa a termo de alguma maneira, ainda que fosse um fracasso. E havia ainda esse "cotidiano" - na nossa colnia e em volta dela.Quando os ssipov chegaram colnia, tinham uma atitude de muita repulsa pelos colonistas. Pelas nossas regras, o educador de planto tinha a obrigao de almoar junto com os colonistas. Mas Ivn Ivnovitch e sua mulher me declar;lram peremptoriamente que no iriam almoar mesma mesa com os colonistas, por no poderem vencer a sua repulsa.Eu lhes disse:- Depois veremos:No dormitrio, durante o planto da noite, Ivn Ivnovitch no se sentava beira da cama de um educando, e no havia nada ali alm disso. Ento, ele passava o seu planto inteiro de p. Ivn Ivnovitch e sua mulher me diziam:- Como que o senhor pode sentar-se nessa cama! Seela piolhenta!E eu lhes dizia:. - Isso no nada, d-se um jeito: os piolhos acabam,ou qualquer outra coisa...Trs meses depois, Ivn Ivnovitch no s comia na mesma mesa com os colonistas, mas at perdera o hbito de trazer a sua prpria colher e usava uma simples colher de pau, tirada do monte sobre a mesa, e apenas passava os dedos nela, por precauo.E noite, no dormitrio, Ivn Ivnovitch, sentado numa das camas e rodeado pelo crculo alegre dos rpazes, participava do jogo de "ladro e delator". O jogo consistia em que todos os jogadores recebiam papeizinhos inscritos com as palavras "ladro", "delator", "investigador", "juiz" ou "carrasco". O delator anunciava a sua condio e, de relho na mo, procurava adivinhar quem era o ladro. Todos lhe estendiam as mos, e o delator tinha de indicar o ladro com u.malambada na palma da mo estendida. Muitas vezes ele acertava no juiz ou no investigador, e os honestos cidados, insultadospela suspeita, respondiam por sua vez com um golpe na mo do delator. Quando o delator conseguia descobrir o ladro,Desses, eu includo, havia cinco. ramos naquele tempo chamados de "heris da educao socialista". Ns prprios jamais nos intitulamos assim, nem nunca pensamos que realizvamos um ato herico. No pensvamos isso no comeo da existncia da colnia, nem pensvamos na poca em que a colnia comemorav seu oitavo aniversrio.Falando de herosmo, tnhamos em mente no s os trabalhadores da Colnia Gorki, por isso no fundo considervamos essas palavras uma fraSe inspirada, indispensvel parasustentar o moral dos trabalhadores dos abrigos infantis e das. colnias.Naquele tempo havia muitoherosmo na vida sovitica, na luta revolucionria, e o nosso trabalho era demasiado modesto tanto nas suas expresses como no seu bom xito.ramos pessoas das mais comuns, e tnhamos uma infinidade de toda sorte de defeitos. E na verdade nem conhecamos direito o nosso servio: nossa jornada de trabalho estava eivada de erros, movimentos inseguros, pensamentos confusos. E pela frente havia uma nvoa interminvel, na qual com. muita dificuldade divisvamos fragmentos dos contornos da futura vida pedaggica.De cada um dos nossos passos podia-se dizer o que sequisesse, porquanto os nossos passos eram aleatrios. Nadaera indiscutvel no nosso trabalho. E quando comevamos a---

96A. S. MAKARENKO97POEMA PEDAGGICOseu sofrimento terminava e comeava o do ladro. O juiz pronunciava a sentena: cinco "quentes", dez "quentes", cinco "frias". O carrasco pegava o relho e comeava a execuo.Como os papis dos jogadores se trocavam constantemente, e o ladro, no turno seguinte, se transformava em juiz ou em carrasco, o jogo todo tinha o seu encanto principal na seqncia do sofrimento e da vingana. O feroz juiz ou o cruel.. carrasco, transformando-se em delator ou em ladro, recebia o troco do juiz ou do carrasco seguintes, que agora lhe lembravam todas as sentenas e execues.lekaterina Grigrievna e Ldia Pietrvna tambm participavam desse jogo com os rapazes, mas os rapazes as tratavam cavalheirescamente: distribuam, no caso do roubo, trsquatro "frias", o carrasco fazia as caretas mais carinhosas nahora da execuo, e s acariciava com o relho a delicada palma feminina.. Jogando comigo, os rapazes ficavam especialmente interessados pela minha capacidade de resistncia, por isso nada mais me restava do que a bravata. No papel de juiz, eu exarava para os ladres sentenas tais que at os carrascos ficavam horrorizados; e quando me cabia executar as sentenas, eu obrigava a vtima a perder o senso da prpria dignidade e gritar:- Antn Seminovitch, assim no pode!Mas em compensao eu tambm apanhava: eu sempre.voltava para casa com a mo esquerdaii1ada; trocar de mo era considerado indecoroso, e eu precisava da mo direita para escrever.Ivn Ivnovitch, no comeo, mostrou uma linha ttica feminina, e no princpio os rapazes o tratavam com delicadeza.Certa vez eu disse a Ivn Ivnovitch que essa poltica no estava certa: nossos rapazes tm de crescer resistentes e valorosos. No devem temer os perigos, e muito menos o sofrimento fsico. Ivn Ivnovitch no concordou comigo.Quando numa das noitadas me vi no mesmo crculo com ele, eu, no papel de juiz, o convidei a vinte "quentes", e no turno seguinte, como carrasco, fustiguei-lhe impiedosamentea mo com o relho silvante. Ele ficou furioso e vingou-se de mim. Um dos meus "partidrios" no pde deixar semelhantecomportamento de Ivn Ivnovitch sem retribuio, e levou-oa ter de trocar de mo.Na noite seguinte, Ivn Ivnovitch tentou escapar- desse "jogo de brbaros", mas a ironia generalizada dos colonistas o envergonhou e dali em diante Ivn Ivnovitch agentou honrosamente a provao, no adulava no papel de juiz e no desanimava quando tinha de ser delator ou ladro.Muitas vezes os ssipov se queixavam dos piolhos quetraziam- para casa. Eu lhes disse:- preciso lutar com os piolhos, no em casa, mas nosdormitrios.E ns lutvamos. Com grande esforo, conseguimos duas mudas de roupa de baixo, dois ternos. Esses "ternos" eram verdadeiras colchas de retalhos, mas eram todos tratados a vapor e sobrava uma quantidade mnima de parasitas. No foi to logo que conseguimos extermin-Ios totalmente, graas constante chegada de colonistas novos, e do contato com os aldees e outros motivos.Oficialmente, o trabalho dos educadores se dividia em plantes principais, plantes de trabalho plantes noturnos. Alm disso, os educadores trabalhavam na escola, de manh.O planto principal era um trabalho de gals, desde as cinco da manh at o toque de recolher. O plantonista principal dirigia o dia inteiro, controlava a distribuio dos alimentos, cuidava da execuo dos trabalhos, resolvia todos os conflitos, reconciliava os briguentos, convencia os que protestavam; encomendava os produtos, vigiava a despensa de Kalin Ivnovitch e supervisionava a troca de roupa de cama e da roupa em geral. O plantonista principal tinha tanto trabalho. que j no comeo do segundo ano comearam a ajud-Io os colonistas mais velhos, com braadeiras vermelhas na manga esquerda. .O educador plantonista de trabalho participava simplesmente de qualquer servio, geralmente nos lugares onde trabalhava maior nmero de colonistas e onde havia mais novatos. A sua participao no trabalho era uma participao real, de outra forma seria impossvel, nas nossas condies. Os educadores trabalhavam nas oficinas, no preparo da lenha, no campo, na horta, nas reformas.O planto da noite revelou-se logo uma simples formalidade: noite reuniam-se nos dormitrios todos os educadores, os de planto e os outros. Isto tambm no era um ato herico: no tnhamos para onde ir, alm dos dormitrios dos--

98A. S. MAKARENKOPOEMA PEDAGGICO99colonistas. Os nossos alojamentos vazios eram pouco aconchegantes e tambm davam um pouco de medo noite, luz das lmpadas noturnas, enquanto nos dormitrios, aps o ch da noite, aguardavam-nos impacientemente as conhecidas caretas olhudas dos alegres colonistas, com enormes reservas de toda sorte de histrias, mentirosas e verdadeiras, e toda espcie de problemas: atuais, filosficos, polticos e literrios, com todo tipo de jogos e brincadeiras, comeando com "gato e rato" e terminando com "ladres e delatores". Aqui mesmo tambm se decidiam diversos casos da nossa vida, mexericava-se sobre a vida dos vizinhos-aldees, projetavam-se detalhes da reforma da nossa feliz vida futura na segunda colnIa.s vezes, Mitiguin contava contos de fadas. Ele era um grande mestre-contador, contava suas histrias com conhecimento de causa, com elementos de jogo teatral e rica mmica. Mitiguin gostava dos pequerruchos, e seus contos lhes davam um prazer especial. Nas suas histrias quase no havia magia: figuravam nelas mujiques tolos e mujiques espertos, nobres desajeitados e astutos artesos, ladres valentes e policiais tapeados, soldados corajosos e vencedores e padres bobes. noite, nos dormitrios, ns muitas vezes organizvamos sesses de leitura. Desde o primeiro dia, formou-se uma biblioteca, para a qual eu comprava e arranja livros em casas particulares. Ao fim do inverno, j tnhamos quase todos os clssicos e muita literatura especializada, poltica e agrcola. Conseguimos em depsitos abandonados do Departamento de Educao Pblica muitos livros populares sobre diversas reas de conhecimento.Muitos colonistas gostavam de ler livros, mas nem todos eram capazes de assimilar o contedo. Por isso que organizvamos leituras comunais em voz alta, das quais costumavam participar todos. Quem lia era eu ou ento Zadrov, que tinha uma dico excelente. No decorrer do primeiro inverno, ns lemos muita coisa de Pshkin, Korolnko, Mmin-Sibirik, Veressiev e principalmente Gorki..As obras de Gorki causavam no nosso meio uma impresso forte, mas dividida. Karabnov, Tarants, Vlokhov e outros eram mais receptivos ao romantismo gorkiano e se recusavam a perceber a anlise gorkiana. Eles ouviaJ11 com olhos acesos o "Makr Tchudr", suspiravam e agitavam ospunhos diante da imagem de Ignt Gordiev e se entediavam com a tragdia do "Av Arkhp e Lenka". Karabnov gostou especialmente da cena em que o velho Gordiev observa a destruio da sua Boyrina pelo gelo em movimento. Semin, os msculos do rosto tensos, dizia, entusiasmado, em voz trgica:- Isto sim que um homem! Se todos os homens fossem assim!Com o mesmo entusiasmo, ele escutava a histria damorte de Ily na novela "Os Trs"..- Um cara e tanto! Isto sim que morte: de cabea napedra!. ..Mitiguin, Zadrov, Burn sorriam condescendentemente dos entusiasmos dos nossos romnticos e mexiam com eles: .- Vocs ouvem, seus bobos, e no percebem nada.- Eu no percebo?- E percebe o qu? O que que h de bom nisso: decabea na pedra? Esse tal de Ily um burro e um moleiro... Porque uma dona qualquer lhe torce a cara, ele j se pe a chorar. Eu no lugar dele estrangulava mais um comerciante, precisa estrangular todos eles, e o teu Gordiev tambm.Os dois lados s concordavam na apreciao de Luk em"No Fundo". Karabnov balanava a cabea:- No, esses velhotes so perniciosos. Zumbem que.zumbem, e depois somem e pronto. Conheo esses tipos.- Esse Luk esperto, o danado - diz Mitiguin. Est tudo bem para ele, compreende tudo, ento tirar o deleem qualquer lugar: l uma esperteza, acol um furto, mais alise faz de bonzinho. E vai vivendo.Todos ficaram muito impressionados com "Infncia" e "Entre as gentes". Ouviam de respirao suspensa e pediam para ler "nem que seja at meia-noite". No comeo, eles no acreditaram, quando eu lhes contei a verdadeira histria da vida de Mxim Gorki, ficaram atnitos com essa histria, e de repente se empolgaram com o caso:- Quer dizer que o Gorki parecido cQnosco? Mas simsenhor, isto que !essa questo os perturbava profunda e jubilosamente.A vida de Mxim Gorki tornou-se como que parte danossa vida. Episdios isolados dela transformaram-se emir"...I .-/...'-.' -- ... .....

100A. S. MAKARENKOPOEMA PEDAGGICO101exemplos e modelos para comparaes, motivos de apelidos, causas de discusses, padres de medida de valores humanos.Quando a trs quilllletros de ns se instalou a colnia infantil V. G. Korolnko, nossa rapaziada no os invejou por muito tempo. Zdorov disse:- Para esses pequerruchos fica bem se chamarem Korolnkos. Mas ns somos os Gorkis. *Kalin Ivnovitch era da mesma opinio:- Esse Korolnko, eu o vi e at falei com ele: um homem muito decente. Mas vocs, naturalmente, so uns vagabundos tericos e prticos.Comeamos a nos denominar "Colnia Gorki" sem qualquer disposio ou confirmao oficial. Na cidade, foram se acostumando aos poucos a esse nome que ns nos demos, e no protestaram contra os nossos novos selos e carimbos com o nome do escritor. Infelizmente, to cedo no conseguimos manter correspondncia com ele, porque na cidade ningum sabia o seu endereo. Somente em 1925 lemos num semanrio ilustrado um artigo sobre a vida de Gorki na Itlia: no artigo estava a transcrio italiana do seu nome: Massimo Gorky. Ento, ao acso, lhe enviamos a primeira carta com um endereo de laconismo ideal: Massimo Gorky. Itlia.Os contos e a biografia de Gorki empolgavam tanto os menores como os mais velhos, apesar de quase todos os pequenos serem analfabetos.. Os pequenos, a partir dos dez anos, eram uns doze ao todo. Era um povinho vivo, esperto, dado a furtos e eternamente lambuzado a mais no poder. Eles sempre chegavam colnia num estado muito lamentvel: esqulidos, escrofulosos, cheios de coceiras. Davam um trabalho sem fim a lekaterna Grigrievna, nossa voluntria paramdica e enfermeira.Eles sempre se grudavam nela, apesar da sua seriedade. Ela sabia ralhar com eles de modo maternal, conhecia todas as suas fraquezas, no acreditava na palavra de nenhum deles (eu nunca estava livre deste defeito), no deixava passar nenhum pecado e se indignava abertamente com qualquer indisciplina.Mas em compensao ela sabia conversar com o garoto, com as palavras mais singelas, o sentimento mais humano, sobre a vida, a sua me, sobre o que ele ser quando crescer: um marinheiro, um comandante vermelho, ou um engenheiro oEle sabia compreender toda a profundidade da terrvel ofensa que a vida estpida e maldita fizera aos garotos. Alm disso, ela sabia incrementar sua alimentao, infringindo socapa todas as regras e leis do abastecimento, vencendo facilmente com uma palavra carinhosa o pedantismo feroz de Kalin Ivnovitch.Os colonistas mais velhos viam essa ligao entre lekaterna Grigrievna e os garotos, no a estorvavam, e sempre concordavam generosa e paternalisticamente em atender aos pequenos pedidos de lekaterna Grigrievna: olhar para que o garoto tomasse um banho direito, se ensaboasse como se deve, no fumasse, no rasgasse a roupa, no brigasse com o Pietka e assim por diante.Em grande parte era por causa de lekaterna Grigrievna que os meninos maiores da colnia gostavam dos pequenos e sempre os tratavam como irmos mais velhos: com amor, seriedade e preocupao.(*) Trocadilho: enko pode ser um final diminutivo. G6rki quer dizer"amargo" o (No To)..-.-J