CAO Crim - mpsp.mp.br€¦ · 1º. Esta Lei altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de...
Transcript of CAO Crim - mpsp.mp.br€¦ · 1º. Esta Lei altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de...
CAO – Crim
Boletim Criminal Comentado n° 96
6/2020
(semana nº 2)
Procurador-Geral de Justiça
Mário Luiz Sarrubbo
Secretário Especial de Políticas Criminais
Arthur Pinto Lemos Junior
Assessores
Fernanda Narezi Pimentel Rosa
Ricardo José Gasques de Almeida Silvares
Rogério Sanches Cunha
Valéria Scarance
Paulo José de Palma (descentralizado)
Artigo 28 e Conflito de Atribuições
Marcelo Sorrentino Neira
Fernando Célio Brito Nogueira
Analista Jurídica
Ana Karenina Saura Rodrigues
Boletim Criminal Comentado Junho -2020 -
(semana nº 3)
2
SUMÁRIO
SUMÁRIO......................................................................................................................................2
AVISO - Projeto de Lei 3185/2020 Câmara dos Deputados: Homicídio
Racista...................................................................................................................................................3
ESTUDOS DO CAOCRIM.................................................................................................................6
1 -Tema: ENUNCIADO 74 CAO-CRIM “É cabível o acordo de não persecução penal nos crimes
culposos com resultado violento, pois, nesses delitos, a violência não está na conduta, mas no
resultado não querido ou não aceito pelo agente, incumbindo ao órgão de execução analisar as
particularidades do caso concreto”......................................................................................................6
STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM...................................8
DIREITO PROCESSUAL PENAL:........................................................................................................8
1-Tema: Conflito de atribuição entre MPF e MPE deve ser resolvido pelo
CNMP....................................................................................................................................................8
2- Tema: Para Quinta Turma do STJ, exigência de representação para ação por estelionato não afeta
processos em curso.............................................................................................................................10
DIREITO PENAL:...........................................................................................................................13
1 - Tema: Quinta Turma do STJ aplica tese do STF sobre interrupção da prescrição por acórdão que
confirma sentença condenatória........................................................................................................13
MP/SP: decisões do setor art. 28 do CPP......................................................................................16
1- Tema: Recusa de formulação de acordo de não persecução penal. Homicídio culposo. Circunstâncias do caso concreto não recomendam a proposta. Manutenção da recusa pelo PGJ....16
Boletim Criminal Comentado Junho -2020 -
(semana nº 3)
3
AVISO
Projeto de Lei 3185/2020 Câmara dos Deputados: Homicídio Racista.
O Ministério Público de São Paulo, por meio de seu Centro de Apoio Operacional Criminal –
CAOCRIM, redigiu minuta de Projeto de Lei visando alterar o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 - Código Penal, e a Lei 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei dos Crimes
Hediondos), para tipificar o crime de homicídio qualificado em razão de discriminação ou
preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional ou orientação sexual. A proposta foi
recebida pelo Deputado Federal Carlos Sampaio, e já apresentado à mesa diretora da Câmara dos
Deputados. Abaixo o texto e sua justificativa, na íntegra:
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º. Esta Lei altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, e a
Lei 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei dos Crimes Hediondos), para tipificar o crime de homicídio
qualificado em razão de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência
nacional ou orientação sexual e acrescentá-lo ao rol dos crimes hediondos.
Art. 2º. O art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, passa a
vigorar com a seguinte redação:
“Art. 121. ........................................................................................
.........................................................................................................
§ 2º. ...............................................................................................
........................................................................................................
IX – em razão de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional ou
orientação sexual.
Art. 3º. O art. 1º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, passa a vigorar com a seguinte alteração:
“Art. 1º ...................................................................................................
I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que
cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, incisos I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII e
IX);
Art. 4º. Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação
Boletim Criminal Comentado Junho -2020 -
(semana nº 3)
4
JUSTIFICATIVA:
A República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como um dos
fundamentos a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88). Constitui objetivo fundamental da
República Federativa do Brasil, dentre outros, promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV, CF/88). A
República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais, dentre outros, pelos
princípios da prevalência dos direitos humanos e do repúdio ao racismo (art. 4º, II e VIII, CF/88).
A Carta das Nações Unidas, que se baseia em princípios de dignidade e igualdade inerentes a todos
os seres humanos, foi ratificada pelo Brasil, comprometendo-se a tomar medidas separadas e
conjuntas, em cooperação com a Organização, para a consecução de um dos propósitos das Nações
Unidas, que é promover e encorajar o respeito universal e a observância dos direitos humanos e
das liberdades fundamentais para todos, sem discriminação de raça, sexo, idioma ou religião.
Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito a igual proteção contra qualquer
discriminação e contra qualquer incitamento à discriminação.
A Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de
20 de dezembro de 1963 (Resolução 1.904 (XVIII) da Assembleia Geral) afirma solenemente a
necessidade de eliminar rapidamente a discriminação racial no mundo, em todas as suas formas e
manifestações, e de assegurar a compreensão e o respeito à dignidade da pessoa humana.
A discriminação entre as pessoas por motivo de raça, cor ou origem étnica é um obstáculo às
relações amistosas e pacíficas entre as nações e é capaz de perturbar a paz e a segurança entre os
povos e a harmonia de pessoas vivendo lado a lado, até dentro de um mesmo Estado.
A existência de barreiras raciais repugna os ideais de qualquer sociedade humana.
Diante desse quadro, com o fim de obedecer e concretizar os fundamentos, objetivos e os
princípios estabelecidos na Constituição Federal, nos documentos internacionais de direitos
humanos, em especial na Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial, sugere-se a inclusão no art. 121 do Código Penal (homicídio) uma nova
qualificadora (inc. IX), aplicada quando o crime é cometido em razão de discriminação ou
preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional ou orientação sexual, merecendo, a
exemplo das outras formas qualificadas do crime, dos consectários da Lei 8.072/90 (Lei dos Crimes
Hediondos).
Com relação à orientação sexual, merece ser lembrado que, nos autos de Ação Direta de
Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) n. 26, de relatoria do Ministro Celso de Mello, o Supremo
Tribunal Federal decidiu, por maioria de votos, que as chamadas condutas de homofobia ou
Boletim Criminal Comentado Junho -2020 -
(semana nº 3)
5
transfobia são consideradas como crimes de racismo, ao menos até que o Poder Legislativo emita
normativa específica sobre o tema, ainda inexistente.
Boletim Criminal Comentado Junho -2020 -
(semana nº 3)
6
ESTUDOS DO CAOCRIM
1 -Tema: ENUNCIADO 74 CAO-CRIM “É cabível o acordo de não persecução penal nos crimes
culposos com resultado violento, pois, nesses delitos, a violência não está na conduta, mas no
resultado não querido ou não aceito pelo agente, incumbindo ao órgão de execução analisar as
particularidades do caso concreto”.
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS:
Compreende-se o acordo de não persecução penal (ANPP) como sendo o ajuste obrigacional
celebrado entre o órgão de acusação e o investigado (assistido por advogado), devidamente
homologado pelo juiz, no qual o indigitado assume sua responsabilidade, aceitando cumprir, desde
logo, condições menos severas do que a sanção penal aplicável ao fato a ele imputado.
É evidente que os instrumentos negociais, há tempos presentes no processo cível, cumprem
expectativas dos indivíduos e agentes políticos-econômicos, porque abreviam o tempo para a
solução do conflito, e atendem um prático cálculo de utilidade social. O consenso entre as partes se
estabelece em um ambiente de coparticipação racional, mediante vantagens recíprocas que
concorrem para uma aceitabilidade no cumprimento da medida mais efetiva, sentimento que eleva
o senso de autorresponsabilidade e comprometimento com o acordo, atributos que reforçam a
confiança no seu cumprimento integral.
O processo penal carecia de um instrumento como o ANPP. Inegavelmente, o acordo de não
persecução penal trará economia de tempo e recursos para que o sistema de justiça criminal
exerça, com a atenção devida, uma tutela penal mais efetiva nos crimes que merecem esse
tratamento.
São pressupostos do acordo de não persecução penal, dentre outros, infração penal cuja pena
mínima seja inferior a 4 (quatro) anos, cometida sem violência ou grave ameaça à pessoa. A
violência inibidora do ajuste é aquela presente na conduta, e não no resultado. Logo, homicídio
culposo, por exemplo, em tese, admite o ANPP.
Nestes termos, o Enunciado nº 23, da PGJ/CAOCrim, no sentido de que:
“É cabível acordo de não persecução penal em infrações cometidas com violência contra a coisa,
devendo-se interpretar a restrição do caput do art. 28-A do CPP como relativa a infrações penais
praticadas com grave ameaça ou violência contra a pessoa (‘lex minus dixit quan voluit’).”
Como reforço, temos o Enunciado 24 do GNCCRIM (Grupo Nacional de Coordenadores de Centro
de Apoio Criminal):
Boletim Criminal Comentado Junho -2020 -
(semana nº 3)
7
“É cabível o acordo de não persecução penal nos crimes culposos com resultado violento, uma vez
que nos delitos desta natureza a conduta consiste na violação de um dever de cuidado objetivo por
negligência, imperícia ou imprudência, cujo resultado é involuntário, não desejado e nem aceito
pela agente, apesar de previsível”.
A avaliação da pertinência e o cabimento do acordo devem aquilatar o caso concreto, não havendo
motivo razoável, nesse tipo de delito, para negar a medida despenalizadora com fundamento na
gravidade em abstrato, como acontece com o crime de racismo, por exemplo.
Como forma de balizar essa análise casuística, imaginemos motorista que se envolve em acidente,
ceifando culposamente a vida do passageiro. Apurando-se que dirigia sob influência de álcool ou
em altíssima velocidade ou que percebeu o risco, mas acreditava levianamente poder evitar ou, por
fim, evadiu-se do local sem socorrer a vítima etc, são particularidades que podem ser usadas pelo
órgão de execução para, legitimamente, negar ofertar o acordo.
Nesse sentido, em vários casos remetidos à Procuradoria-Geral de Justiça nos termos do art. 28-A,
§14 do CPP, as decisões acerca do cabimento ou não do acordo de não persecução penal em crimes
de homicídio culposo de trânsito (art. 302, CTB) têm se pautado pela análise dos elementos de
prova do fato delituoso e demais circunstâncias reputadas relevantes de cada caso concreto, não
sendo suficiente unicamente considerações sobre a eventual gravidade abstrata do delito ou ainda
a utilização de ementares do tipo penal para a recusa do acordo.
Boletim Criminal Comentado Junho -2020 -
(semana nº 3)
8
STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM
DIREITO PROCESSUAL PENAL:
1-Tema: Conflito de atribuição entre MPF e MPE deve ser resolvido pelo CNMP
STF ACO 843- Decisão: O Tribunal, por maioria, entendeu não ser da sua competência a resolução
do conflito, vencidos os Ministros Marco Aurélio (Relator) e Celso de Mello, que entendiam pela
competência do STF. Dentre os Ministros que entendiam ser o STF incompetente, foi assentado,
por maioria, que a competência para dirimir o conflito é do Conselho Nacional do Ministério
Público – CNMP. Nesse sentido, votaram os Ministros Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Gilmar
Mendes, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski. Ficaram vencidos os Ministros Roberto Barroso,
Edson Fachin e Rosa Weber, que entendiam pela competência do Procurador-Geral da República.
Redigirá o acórdão o Ministro Alexandre de Moraes. Não participou deste julgamento, por motivo
de licença médica, o Ministro Dias Toffoli (Presidente). Plenário, Sessão Virtual de 29.5.2020 a
5.6.2020.
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
O Supremo Tribunal Federal, nas Ações Cíveis Originárias (ACO) 924 e 1394, mudou seu
posicionamento e decidiu que, no conflito de atribuições entre Ministérios Públicos de Estados
diversos, ou entre o Ministério Público estadual e Ministério Público da União, é o Procurador Geral
da República quem deve solucionar a controvérsia. Com o merecido respeito, esse entendimento
da Corte Maior deve ser revisto, pois afronta a Constituição Federal e a legislação
infraconstitucional. Não sem razão rendeu MOÇÃO DE DESCONTENTAMENTO aprovada no
Conselho Nacional de Corregedores Gerais dos Estados e da União, em agosto de 2016. Esse
descontentamento é geral (ao menos, nos MPs dos Estados). Vejamos.
Nos termos do art. 128 da CF/88, o Ministério Público abrange: o Ministério Público Federal, o
Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Militar, o Ministério Público do Distrito Federal
e Territórios e os Ministérios Públicos dos Estados. O §1o. do mesmo artigo anuncia que o
Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República (...).
Percebe-se, com certa facilidade, autonomia entre o MPU os MPEs, os últimos não sendo
subordinados funcional, financeira e/ou administrativamente ao primeiro. Essa arquitetura
montada pelo Constituinte fica confirmada pelos §§ 1o. ao 3o. do art. 127 da Carta Maior, ao dispor
que são princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a
independência funcional (§1o.), sendo que cada MP elaborará sua proposta orçamentária dentro
dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias (§3o.).
Boletim Criminal Comentado Junho -2020 -
(semana nº 3)
9
Informada pela estrutura anunciada na Constituição, a Lei Complementar 75/93 (Lei Orgânica do
MPU), nos seus artigos 26, inciso VII, e 49, inciso VIII, estabelece ser atribuição do PGR, como chefe
do MPU, dirimir conflitos de atribuição entre integrantes de ramos diferentes do MPU e os conflitos
de atribuições entre órgãos do MPF. Já a Lei 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional dos MPs estaduais),
no seu artigo 10, inciso X, prevê competir ao PGJ, como chefe da instituição, dirimir conflitos de
atribuições entre seus membros.
A LOMPU, portanto, seguindo fielmente a Carta Maior, consideradas as atribuições legais do PGR,
estabeleceu a ele competir, como chefe do MPU, apenas e tão somente solucionar os conflitos
entre integrantes de ramos diferentes do MPU e entre órgãos do MPF. E não poderia ser diferente.
MP da União e MP dos Estados têm estruturas funcionalmente autônomas. Por isso, alerta Emerson
Garcia:
“Tratando-se de estruturas funcionalmente autônomas, é juridicamente insustentável a tese de
que o conflito deveria ser solucionado por integrante de uma delas, o que terminaria por dar azo a
uma espécie de subordinação institucional. Nessa perspectiva, sendo a federação a forma de
Estado adotada no Brasil, não é admissível, com parece a alguns, que um órgão que atue no âmbito
federal, como é o PGR, possa impor suas deliberações aos MPs dos Estados. A resolução dos
conflitos de atribuições, em sede administrativa, pressupõe a existência de um escalonamento
hierárquico entre a autoridade que irá solucioná-lo e aqueles que deverão acatar sua decisão,
pressupondo que permitirá a eventual punição do recalcitrante e que se encontra ausente na
hipótese” (Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico, 5a.ed, SP, Saraiva, 2015,
p. 315).
Ora, não sendo possível, lógica, política e juridicamente, a tese de o PGR dirimir conflitos
envolvendo órgãos do MPU e MP dos Estados ou entre MPs de Estados diferentes, pergunta-se:
qual (a instituição) o órgão que deve assumir essa tarefa? A lacuna existe e o uso da analogia é
inevitável. Na tarefa de suprimi-la, no entanto, o intérprete deve ater-se aos seguintes
pressupostos, a saber: a existência de um conflito federativo, cuja apreciação só pode passar por
órgão institucionalmente equidistante daqueles envolvidos e, ao mesmo tempo, colegiado.
Dentro desse espírito democrático, no plano constitucional chama a atenção um dispositivo: o
artigo 102, inciso I, “f”, que afirma ser de competência do STF processar e julgar, originariamente,
as causas e conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros,
inclusive as respectivas entidades da administração indireta.
Quando dois MPs de Estados diferentes (ou MP estadual e MPF) colidem nas suas teses, instaurado
está um conflito federativo. Por esta razão, nos parece que o STF é o órgão competente para dirimir
a controvérsia, na esteira do já mencionado artigo 102, I, “f”, da nossa Bíblia Política”. E não seria a
primeira vez que se recorreria à Corte Maior na salvaguarda da federação. Sabemos que a ação
Boletim Criminal Comentado Junho -2020 -
(semana nº 3)
10
popular deve ser proposta, originariamente, no primeiro grau da Justiça comum, não existindo
competência originária dos Tribunais para julgar ações dessa natureza, ainda que movida contra
alguma autoridade detentora de foro por prerrogativa de função. Contudo, como bem lembram
Juliano Taveira Bernardes e Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira, o STF, na ACO 622/RJ e Rcl
2.833/RR, já decidiu a ele competir julgar originariamente ação popular quando envolver conflito
federativo estabelecido entre a União e Estado-membro ou Distrito Federal, aplicando o art. 102, I,
“f”, da CF (Direito Constitucional Positivo, T II, 2017, Salvador: Juspodivm, versão digital).
E, de fato, não existe no nosso arcabouço legislativo, constitucional ou infraconstitucional, solução
melhor. De lege lata, não cabe ao STJ, pois encarregado apenas de resolver conflitos de jurisdição
(art. 105, I, “d”, CF). Ao PGR muito menos, pois lhe falta os pressupostos acima mencionados,
destacando-se: órgão institucionalmente equidistante dos interessados e colegiado. Aliás, suas
decisões em futuros conflitos não vinculam o Judiciário, bem como os MPs sobre os quais não
exerce tem função de chefia.
Nem se argumente que o “pano de fundo” que inspirou essa mudança na orientação da mais alta
Corte do país estaria relacionado ao excesso de trabalho e aos inúmeros pedidos de solução dos
conflitos pendentes de apreciação. Tratam-se, com efeito, de questões que, embora relevantes,
não podem culminar com a adoção de teses que violem a CF e leis dela decorrente, periclitando o
pacto federativo.
Na ACO em análise, o STF voltou a negar sua competência e entendeu que a solução do conflito
cabe ao CNMP.
O promotor de Justiça, ao se deparar com conflito de atribuição externo, não deve encaminhar ao
CNMP, mas submeter a questão ao PGJ para análise. O Aviso Conjunto 150/17 PGJ/CGMP é
exatamente nesse sentido, e será atualizado de acordo com a recente decisão da Corte Maior.
2- Tema: Para Quinta Turma, exigência de representação para ação por estelionato não afeta
processos em curso
DECISÃO DO STJ- Publicado em notícias do STJ
Ao interpretar uma mudança introduzida pelo Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), a Quinta Turma
do Superior Tribunal de Justiça (STJ) não conheceu de habeas corpus que buscava a aplicação
retroativa da regra do parágrafo 5º do artigo 171 do Código Penal para anular o processo que
resultou na condenação de um vendedor pelo crime de estelionato.
Boletim Criminal Comentado Junho -2020 -
(semana nº 3)
11
Para o colegiado, a regra – que exige a representação da vítima como pré-requisito para a ação
penal por estelionato – não pode ser aplicada retroativamente para beneficiar o réu nos processos
em curso, pois isso não foi previsto pelo legislador ao alterar a redação do artigo 171 no Pacote
Anticrime.
Segundo o ministro Reynaldo Soares da Fonseca, relator, a Lei 13.964/2019 transformou a natureza
da ação penal no crime de estelionato, de pública incondicionada para pública condicionada à
representação do ofendido (salvo algumas exceções) – mudança que só pode afetar os processos
ainda na fase policial.
De outro modo – ressaltou o relator –, a representação passaria de condição de procedibilidade da
ação penal (condição necessária ao início do processo) para condição de prosseguibilidade
(condição que deve ser implementada para o processo já em andamento poder seguir seu curso).
Para o ministro, o entendimento mais acertado é o de que a representação da vítima possa ser
exigida retroativamente nos casos que estão em fase de inquérito policial, mas não na hipótese de
processo penal já instaurado.
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
No caso analisado pelo colegiado, o réu foi condenado em 2018 por estelionato – condenação
mantida pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina no início deste ano, já sob a vigência do Pacote
Anticrime.
No habeas corpus, a Defensoria Pública reiterou o pedido de aplicação do parágrafo 5º do artigo
171 para anular o processo, uma vez que seria necessária a representação do ofendido para só
então se proceder à ação penal.
Reynaldo Soares da Fonseca afirmou que os tribunais superiores ainda não se manifestaram de
forma definitiva sobre o assunto, em razão do pouco tempo de vigência da nova lei.
Ele destacou que, em tese, pelo fato de o instituto da representação criminal ser norma processual
mista ou híbrida, a aplicação retroativa seria possível para beneficiar o réu, mas o Pacote Anticrime
não trouxe nenhuma disposição expressa sobre essa possibilidade na fase do processo, devendo se
limitar à fase do inquérito.
O MPSP, logo que publicada a Lei 13.964/19, firmou, de forma pioneira e antes de todos, tese nesse
mesmo sentido:
Boletim Criminal Comentado Junho -2020 -
(semana nº 3)
12
ENUNCIADOS PGJ-CGMP – LEI 13.964/19: A Procuradoria-Geral de Justiça e a Corregedoria-Geral
do Ministério Público de São Paulo apresentam enunciados de entendimento sobre a aplicação das
alterações introduzidas pela Lei n. 13.964/19 (Lei Anticrime), direcionados à interpretação das que
tenham relevante interesse geral e institucional, à exceção das disposições que constituem objeto
de ações diretas de inconstitucionalidade em trâmite no Supremo Tribunal Federal. Neste
momento, os enunciados se concentram nas mudanças ocorridas nos Códigos Penal, de Processo
Penal e de Processo Penal Militar, na Lei de Execuções Penais, e nas Leis ns 8.072/90, 9.296/96,
10.826/03, e 12.850/13.
3. É dispensável a representação do ofendido no crime de estelionato se oferecida a denúncia antes
da eficácia da Lei nº 13.964/19, em respeito ao ato jurídico perfeito.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):HC 573093
Boletim Criminal Comentado Junho -2020 -
(semana nº 3)
13
DIREITO PENAL:
1 - Tema: Quinta Turma do STJ aplica tese do STF sobre interrupção da prescrição por acórdão
que confirma sentença condenatória
DECISÃO DO STJ- Publicado em notícias do STJ
Ao analisar o caso de uma pessoa condenada por envolvimento em grupo criminoso que negociava
máquinas caça-níqueis, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou o recente
entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do HC 176.473, no sentido de que
o acórdão condenatório sempre interrompe a prescrição, inclusive quando confirma a sentença de
primeiro grau – seja mantendo, reduzindo ou aumentando a pena.
O STF adotou o novo entendimento em abril, ao interpretar o artigo 117, inciso IV, do Código Penal.
Anteriormente, as turmas de direito penal do STJ consideravam que o acórdão que apenas
confirma a sentença de primeiro grau, sem decretar nova condenação por crime diverso, não
constituiria marco interruptivo da prescrição, mesmo na hipótese em que houvesse reforma
considerável no tamanho da pena.
Caça-níqueis
No caso julgado pela Quinta Turma, o réu foi condenado a menos de dois anos de reclusão, motivo
pelo qual a prescrição da pretensão punitiva se daria em quatro anos, conforme previsto no artigo
109, inciso V, do Código Penal.
Levando em conta que a sentença foi publicada em 2013 e considerando que não houve marco
interruptivo da prescrição, pois o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) apenas confirmou a
condenação, a turma julgou extinta a punibilidade, estendendo os efeitos da decisão aos corréus.
Por meio de embargos de declaração, o Ministério Público Federal alegou que o acórdão proferido
pelo TJRJ, publicado em 2017, deveria ser considerado marco interruptivo da prescrição,
mantendo-se a possibilidade de executar a pena imposta ao réu.
Com a adequação da jurisprudência ao entendimento do STF, a Quinta Turma acolheu os embargos
de declaração com efeitos infringentes e afastou a ocorrência da prescrição punitiva.
Leia o acórdão.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):RHC 109530
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
Boletim Criminal Comentado Junho -2020 -
(semana nº 3)
14
O tema ora comentado foi objeto de estudo do CAOCRIM no Boletim da primeira semana de
fevereiro de 2020. Somos obrigados revisitar o assunto para atualizar o conteúdo antes
repassado.
O inciso IV do art. 117 do Código Penal foi modificado pela Lei nº 11.596/07 para anunciar que,
além da sentença condenatória, também o acórdão condenatório interrompe o curso da
prescrição. Antes, tão somente a sentença condenatória recorrível era causa de interrupção.
Com a edição da lei, duas orientações passaram a debater qual espécie de acórdão
condenatório recorrível tem efeito interruptivo.
Há quem sustente que a alteração contempla somente os acórdãos condenatórios em ações
penais originárias e os reformatórios da absolvição em primeira instância. Por isso, tendo
havido condenação em primeira instância, o acórdão que simplesmente a confirma, negando
provimento ao recurso da defesa, ou que somente majora a pena, não interrompe o prazo
prescricional. Aqueles adeptos desta orientação se alicerçam no fato de que a lei lança mão da
partícula “ou” entre as expressões “publicação de sentença” e “acórdão condenatório”; logo,
exclui-se a possibilidade de que ambos irradiem efeitos interruptivos do prazo fatal.
Outra orientação defende que a interrupção do prazo prescricional se dá inclusive pelo acórdão
que se limita a confirmar a condenação de primeira instância ou a aumentar a pena, segundo,
aliás, deixou claro o relatório do projeto da lei que viria a alterar o Código Penal:
“O texto atual do Código Penal se refere à sentença condenatória recorrível. O Projeto passa a
fixar a data da publicação, não deixando margem a dúvidas quanto ao momento da sentença,
que será o da publicação, e não o de sua prolação. Também o Projeto inclui, nesse inciso, a
publicação do acórdão condenatório recorrível, contemplando a hipótese de confirmação de
condenação de primeira instância em grau recursal”.
Esta orientação é adotada há algum tempo pela 1ª Turma do STF:
“1. A prescrição é, como se sabe, o perecimento da pretensão punitiva ou da pretensão
executória pela inércia do próprio Estado. No art. 117 do Código Penal, que deve ser
interpretado de forma sistemática, todas as causas interruptivas da prescrição demonstram,
em cada inciso, que o Estado não está inerte. 2. Não obstante a posição de parte da doutrina, o
Código Penal não faz distinção entre acórdão condenatório inicial e acórdão condenatório
confirmatório da decisão. Não há, sistematicamente, justificativa para tratamentos díspares. 3.
A ideia de prescrição está vinculada à inércia estatal e o que existe na confirmação da
condenação é a atuação do Tribunal. Consequentemente, se o Estado não está inerte, há
Boletim Criminal Comentado Junho -2020 -
(semana nº 3)
15
necessidade de se interromper a prescrição para o cumprimento do devido processo legal” (RE
1.182.718 AgR/RS, j. 15/03/2019).
A 2ª Turma, por sua vez, vinha se orientando em sentido diverso:
“Jurisprudência desta Suprema Corte, cujas decisões corretamente distinguem, para efeito de
interrupção da prescrição penal (CP, art. 117, IV), entre acórdão condenatório
e acórdão meramente confirmatório de anterior condenação penal, em ordem a não atribuir
eficácia interruptiva do lapso prescricional à decisão do Tribunal que simplesmente nega
provimento ao recurso interposto pelo réu contra anterior sentença condenatória.
Precedentes. Doutrina” (RE 1.227.490 AgR/RS, j. 29/11/2019).
Em sessão plenária realizada ontem (05/02/2020), a maioria dos ministros adotou a orientação
da 1ª Turma. Interrompido por pedido de vista do ministro Dias Toffoli, o julgamento do HC
176.473 teve sete votos favoráveis e dois votos contrários à interrupção do prazo prescricional
pelo acordão confirmatório da condenação.
Em resumo, para os ministros contrários à interrupção o acórdão que simplesmente confirma a
condenação ou altera a pena não tem natureza substitutiva, mas meramente declaratória da
situação jurídica que se firmou na sentença de primeiro grau. Por isso, o acórdão de que trata o
art. 117 do CP é apenas o condenatório. Interpretação diversa contraria a natureza do instituto
da prescrição e viola o direito fundamental ao julgamento em prazo razoável.
Já os ministros que votaram pela tese da interrupção o fizeram sob o fundamento de que a
prescrição é uma espécie de punição pela inércia do Estado, que, obviamente, não pode ser
invocada quando atuam os órgãos de justiça criminal, ainda que em segunda instância e em
caráter apenas reiterativo. Além disso, o texto do inciso IV do art. 117 não faz nenhuma
distinção entre o acordão condenatório e o confirmatório, e não há razões plausíveis para
interromper a prescrição quando um réu é absolvido na primeira instância e condenado na
segunda e não o fazer quando é condenado nas duas instâncias. Concluindo o voto, o relator
propôs a seguinte tese, adotada por outros seis ministros:
“Nos termos do inciso IV do artigo 117 do Código Penal, o acórdão condenatório sempre
interrompe a prescrição, inclusive quando confirmatório da sentença de primeiro grau, seja
mantendo, reduzindo ou aumentando a pena anteriormente imposta”.
Agora o STJ, por meio da sua QUINTA TURMA, segue o mesmo entendimento.
Boletim Criminal Comentado Junho -2020 -
(semana nº 3)
16
MP/SP: decisões do setor do art. 28 do CPP
1- Tema: Recusa de formulação de acordo de não persecução penal. Homicídio culposo. Circunstâncias do caso concreto não recomendam a proposta. Manutenção da recusa pelo PGJ.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, ART. 28
Autos n.º 1503814-13.2018.8.26.0099 – MM. Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Bragança Paulista
Réu: xxx
Assunto: recusa de formulação de acordo de não persecução penal – manutenção
Cuida-se de ação penal instaurada contra xxx, denunciado incurso no art. 302, caput, do Código de
Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97), porque, nas circunstâncias narradas na peça inicial, no dia 22
de dezembro de 2018, por volta das 14h00, no interior do Condomínio Quinta da Baroneza,
localizado na Alameda dos Coqueiros, no município e comarca de Bragança Paulista, praticou
homicídio culposo na direção de veículo automotor, produzindo a morte de TMN.
Narra a inicial que o acusado é motorista profissional e é piloto automobilístico da Porsche Cup. Na
tarde de 22 de dezembro de 2018, agiu com negligência, ao permitir que mais quatro pessoas
ingressassem em seu veículo, cuja capacidade máxima é para 04 pessoas, já considerado o
motorista. Em razão dessa negligência, T., J. e ML, que se sentaram no banco traseiro, não
colocaram cinto de segurança. Em dado momento, conduziu o veículo de forma imprudente, em
velocidade acima da permitida para o local e, mesmo sendo piloto experimentado, com habilidade
acima da média dos motoristas comuns, perdeu o controle do veículo, saindo com ele do leito
carroçável e se chocando frontalmente com uma árvore, do embate resultando a morte da vítima
(cf. denúncia de fls. 01/06).
O Douto Promotor de Justiça recusou motivadamente a formulação de proposta de acordo de não
persecução penal, em face da inexistência de confissão formal dos fatos, assim como por entender
que o acordo não é suficiente à reprovação do crime, uma vez que o acusado agiu com negligência,
conduzindo veículo com número de pessoas acima da capacidade do automóvel e com
imprudência, mesmo sendo motorista profissional, com habilidade acima da média na condução de
veículos, perdeu o controle do veículo em local em que a velocidade máxima permitida era de 30
km/h, lesionando três das vítimas e acarretando a morte de uma delas, jovem de 18 anos de idade
(cf. fls. 01).
Boletim Criminal Comentado Junho -2020 -
(semana nº 3)
17
A denúncia foi recebida (fls. 372).
A Douta Defesa insistiu no cabimento do acordo de não persecução penal, sustentando que o crime
é culposo e que se trata de direito subjetivo do acusado (cf. fls. 375/385).
A MMª Juíza determinou a remessa dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça, para revisão, nos
termos do art. 28-A, § 14, do Código de Processo Penal (cf. fls. 386/387).
O Douto Defensor do acusado estabeleceu contato por e-mail com a Subprocuradoria-Geral de
Justiça de Relações Institucionais e requereu a oportunidade de audiência pelo Microsoft Teams,
com a assessoria da Procuradoria-Geral de Justiça, o que se deu no dia 11 de maio de 2020,
devidamente gravada no sistema informatizado da Instituição, oportunidade em que expôs suas
razões, sustentando o cabimento do acordo de não persecução penal. Referiu ainda que houve
várias indenizações às vítimas e familiares daquela que faleceu, dispondo-se a juntar os
comprovantes.
A Douta Defesa do acusado anexou aos autos vários comprovantes de indenizações civis havidas,
postulando, assim, reconsideração da negativa ministerial quanto à formulação do acordo de não
persecução penal (cf. fls. 402 e seguintes).
Sobreveio nova manifestação do Douto Promotor de Justiça natural, observando que as reparações
civis poderão ser consideradas em momento oportuno, mas que a recusa do acordo de não
persecução penal, por ausência de requisitos subjetivos, permanecia mantida, aguardando, então,
decisão da Procuradoria-Geral de Justiça acerca do tema (cf. fls. 454).
É a síntese do necessário.
Com razão o Douto Promotor de Justiça, com a máxima vênia da Ilustre Defensoria.
É preciso sublinhar, de início, na esteira do Enunciado n.º 21, PGJ – CGMP – Lei n.º 13.964/19, que
“a proposta de acordo de não persecução penal tem natureza de instrumento de política criminal e
sua avaliação é discricionária do Ministério Público no tocante à necessidade e suficiência para a
reprovação e prevenção do crime. Trata-se de prerrogativa institucional do Ministério Público e
não direito subjetivo do investigado” (grifo nosso).
De acordo com o art. 28-A, caput, do Código de Processo Penal, com a redação que lhe deu a Lei n.º
13.964/2019: “Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e
circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima
inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal,
desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes
condições ajustadas cumulativa e alternativamente”.
Boletim Criminal Comentado Junho -2020 -
(semana nº 3)
18
O trecho em destaque evidencia o primeiro pressuposto jurídico para o cabimento do instituto,
qual seja, que não seja caso de arquivamento ou, a contrario sensu, que exista nos autos da
investigação penal (em sentido lato) prova da materialidade e indícios de autoria ou participação.
O segundo pressuposto é a existência de confissão formal e circunstanciada da prática da infração
penal pelo agente.
Em seguida, o dispositivo enumera os requisitos materiais objetivos do instituto, a saber:
a) que não se trate de infração praticada com violência ou grave ameaça;
b) que a pena mínima cominada no tipo seja inferior a 4 (quatro) anos (consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis);
c) que não seja cabível a transação penal, nos termos da lei;
d) que não seja caso de crime praticado no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.
Há, ainda, requisitos materiais subjetivos, consistentes em:
a) que o investigado não seja reincidente;
b) inexistência de elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas;
c) que o investigado não tenha sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo;
d) que a celebração do acordo atenda ao que seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime.
Há que se observar, por fim, como requisito formal ou procedimental, a formalização por escrito
do acordo, o qual deverá ser firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por
seu defensor.
Cumpridas essas exigências, abre-se a possibilidade de ajustar, com o agente, a barganha
processual, mediante as seguintes condições, a serem ajustadas de maneira alternativa ou
cumulativa:
(i) reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, salvo impossibilidade de fazê-lo;
Boletim Criminal Comentado Junho -2020 -
(semana nº 3)
19
(ii) renunciar voluntariamente a bens e direitos, indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;
(iii) prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito, diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução penal;
(iv) pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Código Penal, a entidade pública ou de interesse social a ser indicada pelo juízo da execução penal, devendo a prestação ser destinada preferencialmente àquelas entidades que tenham como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito;
(v) cumprir outra condição estipulada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal aparentemente praticada.
Atendidos os requisitos legais e depois de celebrado, por escrito, o acordo, será ele submetido à
homologação judicial, a fim de que, com a chancela do Poder Judiciário, seja ele devolvido ao
Ministério Público e, na sequência, encaminhado ao juízo da execução penal (art. 28-A, §6.º).
No caso de inadimplemento, o qual deverá ser verificado no âmbito do juízo da execução,
assegurada a ampla defesa, o acordo será rescindido e encaminhado ao juízo de origem, para que o
membro do Ministério Público ofereça denúncia ou realize novas diligências, se necessário.
De acordo com a lei, o descumprimento poderá ser utilizado como justificativa para o não
oferecimento de suspensão condicional do processo (art. 28-A, §11).
Cumprido integralmente, será declarada a extinção da punibilidade (art. 28-A, §13).
Conforme dispõe o art. 28-A, §14, do Código de Processo Penal, aplicado pelo MM. Juiz, no caso de
recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo, poderá o investigado requerer o envio
do caso ao órgão superior de revisão, que é, no caso do Ministério Público estadual, o Procurador-
Geral de Justiça, a fim de sejam adotadas as seguintes providências:
(i) oferecer denúncia ou designar outro membro para oferecê-la;
(ii) complementar as investigações ou designar outro membro para complementá-la;
(iii) elaborar a proposta de acordo de não persecução, para apreciação do investigado.
Pois bem.
Boletim Criminal Comentado Junho -2020 -
(semana nº 3)
20
Preliminarmente observa-se que, em tese, o acordo de não persecução penal é cabível em sede de
crimes culposos, nos quais a violência está no resultado, não na conduta.
Nesse sentido, o enunciado nº 23, da PGJ/CAOCrim, no sentido de que é cabível acordo de não
persecução penal em infrações cometidas com violência contra a coisa, devendo-se interpretar a
restrição do caput do art. 28-A do CPP como relativa a infrações penais praticadas com grave
ameaça ou violência contra a pessoa (lex minus dixit quan voluit).
Porém, a avaliação da pertinência e cabimento do acordo aventado deve ser feita caso a caso.
Na hipótese dos autos, é caso de manutenção da recusa, que foi devidamente motivada, com a
devida vênia da Douta Defesa.
Conforme se observa dos autos, o acusado, a rigor, não fez confissão formal e circunstanciada do
fato, uma vez que, ao prestar declarações sobre os fatos, negou ter agido com culpa, não se
recordando sequer do acidente e do que levou o minicooper a se chocar contra uma árvore.
Com a máxima vênia da Culta Defensoria, admitir o fato, apenas, não configura a confissão formal e
circunstanciada exigida pelo art. 28-A, caput, do Código de Processo Penal (cf. fls. 235/236).
A norma, ao exigir confissão formal e circunstanciada do fato, não se contenta, claramente, com
uma admissão incompleta do fato.
Logo, não houve confissão formal e circunstanciada do fato, ausente requisito de ordem objetiva
para a formalização do aventado acordo.
E, de outra parte, a avaliação, no tocante à necessidade e suficiência do acordo em face do caso
concreto, é privativa do Ministério Público, por exercer a titularidade exclusiva da ação penal,
nos termos do art. 129, I, da Constituição Federal.
No caso concreto, a culpabilidade do acusado revela-se acentuada: primeiro, por transportar mais
quatro pessoas em seu veículo, que tinha capacidade para mais três, além dele, motorista, sem
cinto de segurança; segundo, por imprimir velocidade incompatível com o local, a ponto de perder
o controle do carro, deixar o leito carroçável e chocar-se contra uma árvore, disso resultando a
morte de uma das ocupantes do carro.
Nesse sentido, há o relato de um vigilante do condomínio, que chegou a acionar a viatura no local,
ao ver o veículo em velocidade incompatível com a segurança (fls. 43/41; assim como o
depoimento de uma das vítimas, ML, que refere que o veículo estava a uns 60 km/h (fls. 208); tudo
isso, além dos grandes danos produzidos no veículo, que teve a frente totalmente destruída ao se
chocar com a árvore, tal a violência do impacto, conforme demonstram as fotografias constantes
do laudo pericial do veículo, registrando-se que o fato ocorreu em dezembro de 2018 e a perícia no
Boletim Criminal Comentado Junho -2020 -
(semana nº 3)
21
veículo foi feita somente em maio de 2019 (cf. laudo de fls. 257/261), demonstrando o laudo
mostra, ainda, que o veículo era dotado de cinto de segurança para 04 ocupantes (fls. 257).
E também há um dado que torna o desvalor da conduta ainda maior, ou seja, o acusado é motorista
profissional, piloto de conceituada indústria de veículos automotores, tendo, portanto, habilidade
superior à média dos condutores.
Isso lhe impunha maior cautela, não lhe permitia empreender manobras temerárias ao volante no
interior de um condomínio, fora das pistas adequadas para tanto, cuidando-se ainda de via interna
de baixíssima velocidade (30 km/h), por medida de segurança de outros condutores, transeuntes,
trabalhadores do local, moradores etc.
As circunstâncias e o resultado de sua negligência e de sua imprudência são extremamente graves,
culminando com a morte de uma jovem de 18 anos de idade.
Por tudo isso, correta a negativa formulada pelo Douto Promotor de Justiça, que se mantém por
sua adequação ao caso concreto, que teve grande repercussão na mídia, conforme demonstram
elementos contidos nos autos, concluindo-se que o acordo pretendido, em consonância com a
fundamentação invocada pelo Douto Promotor de Justiça natural, não atenderia aos critérios de
necessidade e suficiência para repressão e prevenção do fato delituoso objeto dos autos.
Os documentos anexados pela Douta Defesa (fls. 403 e seguintes) dão notícia de que o acusado e
seus familiares arcaram com várias indenizações civis em virtude do ocorrido. Isso poderá ser
objeto de valoração em momento oportuno, conforme bem observado pelo Douto Promotor de
Justiça natural, ao ratificar a recusa do acordo de não persecução penal.
Diante do exposto, com fundamento no art. 28-A do Código de Processo Penal e nos arts. 1.º e
4.º, inciso I, ambos da Resolução n.º 1.187/2020 – PGJ-CGMP, insiste-se na recusa de oferta do
acordo, restituindo-se os autos ao juízo competente para o prosseguimento da ação penal.
No caso concreto, porém, formula-se importante ressalva que se submete à prudente apreciação
do Douto Promotor de Justiça natural, conforme se verifica a seguir.
Em reunião havida com a assessoria da Procuradoria-Geral de Justiça, devidamente gravada no
sistema informatizado da Instituição, pelo Microsoft Teams, no dia 11 de maio último, a Douta
Defensoria, entre outros pontos, aventou a possibilidade de, em eventual hipótese de
reconsideração e formulação do acordo de não persecução penal pelo Douto Promotor natural, o
acusado aceitar condição consistente em prestação de caráter social, na forma de doação de
insumos, equipamentos de proteção individual, respiradores etc. para hospitais de Bragança
Paulista e região, visando o combate à pandemia da Covid 19 (essa doação poderia ser de grande
vulto, haja vista o potencial econômico do acusado, que, segundo informado, já arcou com
Boletim Criminal Comentado Junho -2020 -
(semana nº 3)
22
indenizações que superam a casa de 20 milhões de reais, em face do fato); a Defesa, além dessa
informação, explicitou ainda que havia uma relação de mais de 40 anos entre a família do acusado
e a da vítima fatal, com quem o réu iniciava namoro, tendo ele passado a se submeter a tratamento
psiquiátrico, por conta do fato objeto destes autos.
Conclui-se, porém, enfatizando que eventual decisão de reconsideração incumbe exclusivamente
ao Promotor de Justiça natural, na esfera de sua independência funcional.
São Paulo, 26 de maio de 2020.
Mário Luiz Sarrubbo
Procurador-Geral de Justiça