CAMPBELL, C. A ética romântica eo espírito do consumismo0001

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Co in e

A

Traducao deM AU RO G AM A

Rio de janeiro - 2001

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T ft ul o o ri ainal. . . . . .

~I~HER01Y1A_NTIC ETl-IIC AND '-rI~IESPIRI{l~

OF MODERN CONSUMERISM

Copyright © Colin Campbell, 1987\ 1989

Direitos para a lingua portuguese reservados

COllI exclusividade para 0 Brasil a

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Rua Rodrigo S ilva 26- 50 andar

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CIP-Brasil. Catalogacao-na-fonte

Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

Campbell, Colin~ 1940-

C195e A etica romfmtica C 0 espfr ito do consumismo modc rn o / C ohn

Campbel l: t raducao deMauro Gama. - Rio de Janeiro: Rocco, 2001

. ~ (Artemidia)

Traducao de: The romant ic et hic and the spir it of mode rn (OD-

~

sumerism

Inclui bibliografia

ISBN 85~325-1278-X

I . C o n su m o (Economia). 2 . R or na ntism o. 3 r I n t er e ss e ( P si c ol n g ia ) .

4..Individualismo. I. Titulo. II~Serie.

o 1-0771

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A Elizabeth e Duncan

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I-INTRODU~Ao.1

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A maior parte das tentativas de descrever 0 desenvolvimento geral do

pensamento moderno tende a prestar atencao, exclusivamente, no

crescimento do racionalismo. 0 resul tado e Ulll quadro inteiramente

incompatfvel com os fatos hist6ricos e 0mundo que conhecemos.

KARL MANNHEIM

!.

o Oxford English Dictionary define a palavra "romantico' como

"marcado pelo 'romance', que 0 inspi ra ou que a este se dedica;

imaginoso, distante da experiencia, visionario e (em relacao ao

metodo artistico ou literario) que prefere a grandeza ou a paixao,

ou a beleza irregular, ao acabamento e a s proporcoes".' Nenhuma

dessas conotacocs pareceria ter muito a ver com aquelas ativida-

des que, de urn modo geral, sao abrangidas pelo titulo de "consu-

lUO". A selecao, compra e usa debens e services sao todas as for-

mas de acao diaria que, ao contrario , habitualmente tendemos a

cncarar como coisas mais inslpidas e prosaicas, exceto, talvez,

naquelas raras ocasioes em que compramos urn item maior, como

1I111acasa ou urn caITO. Pareceria, portanto, qu e 0 consumo, sendo

um a forma de procedimento economico, devia ser colocado no

polo oposto da vida enl relacao a tudo 0 que, em geral, considera-

IllOS "romantico". 0 que ha de razoavel neste contraste e ilusorio,

porem, 0 que se torna claro tao logo reconhecamos haver urn sig-

niricativo fenomeno moderno que, na verdade, liga diretarnente

~S duas coisas.

Este fenomcno, cvidentemcnte, e a propaganda, pois ate 0' _ .. _. . . ' . . .

l· ame mais superficial de umas lustrosas paginas de revista e dos

-ourcudos dos aniincios de telcvisao servirao para expor como

II'IIilas propagandas dizem respcito ao topico do "romance", ou a

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I() A (~TICA R O J\ 1 .A .N T lC A E 0 E SPI RI TO D O CONSU!\, l ISMO i\10DERNO TNTRODUC;Ao 1 I

r

o pcriodo foi de perturbacao e desafio, se bern que ocasionalmen-

te estimulante. As universidades parcciam estar na linha de fren-

te de uma guerra que irrorupeu entre as geracoes, em que os

jovens mais privilegiados e educados pareciam determinados a

desviar 0 curso da hist6ria para canais imprevisiveis. Nenhumacademico, e muito menos nenhum soci6logo, podia experimen-

tar tal inquietacao intelectual e cultural sem ser impelido a recon-

siderar e reexaminar as suposicoes que guiaram sen comporta-

mento tanto profissional como pessoal. Alguns dos mens colegas,~ .

apos a convemente ponderacao reflexiva, resolveram juntar-se

aos jovens "contraculturalistas", enquanto outros se mostraram

mais entrincheirados em su a oposicao ao que consideravam uma

antinomicaloucura juvenil.tQuanto a mim, fiquei crescentemen-

te intrigado com 0 fenomeno que apresentavam os indivfduos

com tais dilemas e, relutante em justificar OU condenar 0 que eu

achava que nao podia compreender totalmente, minhas energias

Ioram crescentemente dirigidas para 0 estudo dessa desnorteante

sublevacao cultural. Embora a principio fosse isso uma pesquisa

pcssoal, empreendida na esperanca de me permitir 0 luxo de assu-

mir uma resposta racional para os acontecimentos, e la rapida-

mente se revelou urn assunto de interesse profissional, como de

rata, pelo que mais tarde observei, tambem se havia tornado para

outros profissionais da minha area.

Minha pesquisa, nos anos subsequentes, tomou a forma de

uma leitura da bibliografia quer produzida, quer favorecida por

('sses arautos da "Era de Aquario", ou a escrita por seus apologis-

j ~ISmais maduros, e tanto destes como daqueles eu esperava obter

Hilla melhor cornpreensao da respectiva visao de mundo."

lnquanto isso, ao mesmo tempo, eu consultava naturalmente

.iquclas monografias sociologicas raras, mas de mimero crescen-

t( " qu e pretendiam explicar 0 novo e desnorteante fenomeno.« 0

( It Il" tornou csta ultima tarefa tao pcculiarmcnte dificil foi que 0

';;IIH.~rsocio16gico aprovado dos anos do pas-guerra e, na verdadc,

t L I 1',cra<;ao anterior, esti vera assentado na suposicao de qu e as

',t H·ic(lades modernas continuariam a progredir no caminho da

1;1( .ionalidade. do rnaterialismo e da secularidade. Que significari-

\;I.~ p.ucclas dos jovens educados de classe media deviam, pois,~ • ' •• •_ - r ' •. . - • _ ~ • _ • ' _ _ _ • I... ' r ~ • •

irnagens c reproducocs que tratam de ccnas que cstao "distantcs

iA ol io d iari ,., " . " ." - ] ... - . .... ....(a expevrcncra ian a, unagmosas ou capazes ue U1SPll a:

"grandeza" au "paixao". E nao e exatamente 0 "romance", no

sentido estrito, que se destaca tao notavelmente ern associacao

com amincios de perfume, cigarros ou li ng er ie - e que tambem osquadros c epis6dios utilizados sao tipicamente "romanticos" no

sentido mais amplo de serem ex6ticos, imaginosos e idealizados,

ao passo que 0 verdadeiro objetivo dos anuncios, evidentemente,

e 0 de nos induzir a comprar as produtos postos em destaque OU,

em outras palavras, a consumir.?

o fato de um material fundamentalmente "romantico" ser

comumente utilizado na propaganda desta maneira foi frequente-

mente percebido e por isso se pode dizer que uma consciencia

geral do elo"entre"romantismo" e "consumo" ja existe. 'No entan-

to, a suposicao que tern prevalecido largamente, entre os cientis-

tas sociais e, na verdade, entre academicos e intelectuais emgeral, vern sendo a de que sao os anunciantes que escolheram

fazer uso desse material, numa tentativa de promover os produto-

res que eles representam e, consequentemente, de que, na relacao

assim considerada, as crencas, aspiracoes e atitudes "romanticas"

sejam postas a funcionar no interesse de uma "sociedade de con-

sumo'l.> Essa concepcao e desafiada (embora nao excluida) nas

paginas que se seguem, onde se sustenta que deve ser levada a

scrio a relacao inversa, na qual se considera 0 ingrediente "ro-

mantico" da cultura como havendo tido urn papel fundamental no

desenvolvimento do pr6prio consumismo modemo; na verdade,

desde que 0consumo pode determinar a procura e 0 abastecimen-~

. .to da procura, podia-se sustentar que 0 proprio romanusmo

dcscmpenhou urn papel decisivo ao facilitar a Revolucao In-_.,

dustrial e, por essa razao, 0 carater da economia modema. E este

urn raciocinio muito ambicioso e, cnnscqiientementc, comecarei

por cxplicar como cheguei a assumir a posicao de Ieva-Io em

{'(HIS i(lcracao

( )s .icontccimcntos que me Ievaram a escrever este livro OCOf-

II't;~itt IH) final da dccada de 1960 e inicio da de 1970. Como a

;1 ' " . I _ l ~ . I[ , .;11 t( - (h)s acadernicos na Europa ocidental e na America do

; i II [I . ~':,PI'cl~dlnl"llte os dedicados a s ciencias sociais, achei que

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< : " ' voltar-se para a magia, para 0 misterio e a religiao exotica, aprc-

\. > sentando uma acentuada alienacao da cultura da racionalidade e

\ , um decidido antipuritanismo, Ioi tao inexplicavcl quanta era ines-

\-'"perado. Assim, foi apenas com uma consideravel dificuldade que

'"se produziram dcscricoes do fenomeno, que nao desafiaram dire-tamente essa premissa maior da "racionalizacao" a longo prazo.

E, no entanto, oferecer explicacoes que desafiassem essa suposi-

c ; a o era necessariamente par em duvida uma doutrina sustentada

pelos "pais fundadores" da disciplina e igualmente pela maior

parte dos seus praticantes atuais, referente a racionalidade funda-

mental da modema sociedade capitalista.

Nao foi muito antes que me convenci ~ nao resistindo a tal as

re jeicoes muitas vezes repetidas - de que revolucoes culturais

analogas haviam ocorrido antes, e de que a visao de mundo ado-

tada pelos contraculturalistas s o podia ser adequadamente descri-

ta pelo adjetivo "romantico". Eu nao estava sozinho com essaopiniao, sendo feita, ocasionalmente, uma cornparacao com 0

movimento romantico tanto por defensores como por crft icos

desta ultima explosao da "febre romantica".? Mas eu parecia sozi-

nho ao encarar tal identificacao menos como uma resposta do que

como uma extensao ulterior da pergunta. Estava claro que, para

muitos comentaristas, poder rotular a contracultura d este m od o

servia nao apenas para desmistifica-la como para resolver 0pro-

blema de como devia ela ser julgada, por ser 0 romantismo urn

fenomeno que, como sempre, despertava fortes paixoes. 0 que,

porem, era mais notavel acerca dessas comparacoes era que, en-

quanta serviam para munir 0 analista de um contexto para 0

exame da mudanca cultural contcmporanea (ou seja, era possivel

reportar-se a "equivalentes" romanticos, ou usaf as crencas e ati-

tudes do pr imeiro romantismo para lancar luz sobre as concep-

coes dos seus sucessores) , pouco foi explicado como uma conse-

quencia da pretendida identificacao. 0 reconhecimento de que a

contracultura era "rornantica" nao contribuiu para a nossa com-

prcensao dos motivos por que ela ocorrera, porque aquelas "inter-

prctacocs" do rnovirncnto rornantico que eu podia encontrar cram

i:HT'doI11inantemente historicas na forma, dando enfase a aconteci-

II11 " "n~os s i I lgulares como as Rcvolucoes Francesa e Industrial..

•,

1312 A l ~r rl C A R or vL "- NT IC A E 0 EsrlRITO DO C(YNSI J 1 tIS ; 'v l 0 \ lODER: '- JO

1.,.

Nao era que tivesse havido qualquer fal ta de interesse acade-

m ico q ue r pelo movimento romantico, quer pelos romanticos c

suas obras. Ao contrario, 0 conjunto dos materiais era de propor-

coes assustadoras. Por outro lado, sua porcao mais vasta era lite-

raria, estetica OU filosofica na forma, complementada por um ahist6ria de tipo sociopolitico ou intelectual e, embora eu nao visse

validade em muito do que produziam esses intelectuais , nao che-

gava a ser urn debate socio16gico. 'si,~nifica d i z e r , , , . p 2 I ! . ~ P _ t < ? , , , < g , u e a

aP~~~.~,a._~~9---o.romanti S J T I -9,..~.9P ! : 9 , um movimen t0 socicul tural,

funcionalmentc .interligado .com ~ ~ ~ s o c i e - d a d eindustrialemer-. . ."

t . t . . . .

genre, parecia mnuma, ao mesmo tempo que eu nao podia encon-. . .

trar qualquer exame do que se pode chamar de "ingrediente ro-. .

mantico" na vida moderna, do "romantico" como opostoao "ra-

cional". Pois. seos -acontecimentosdas decadas de 1960 '~'ij ' 7 0

deviam meramente ser considerados a ultima manifestacao do

romantismo, entao e claro que este precisava ser compreendido

como urn componente que persiste na cultura moderna.

Parecia-me que, enquanto a influencia do pensamento roman-

tieo sabre a sociologia fora freqtientemente debatida, havia pouca

sociologia do romantismo com que contrabalanca-la.s 0 pensa-

mente romanticc, juntamente com-as ideias e atitudes do ilumi-

11 ism o co ntra a s quais, pelo menos em parte, era uma reacao, foi a

materia intelectual mais importante de que a sociologia, como

.Iisciplina. se forjou. Parecia, porem, que urn mimero demasiado

(Ic. fundadores da disciplina estivera preocupado com a superacao

(Ie suas tendencias romanticas e demasiadamente comprometido

l'0111 Ulna concepcao "progressista" da historia, para encarar 0

proprio romantismo como qualquer coisa que nao fosse urn corn-

poncnte "reacionario" na vida moderna.? urn fenomeno com rai-

j,t'S no passado e condenado a extincao sob as forcas dos compo-

IU'l1tes racionais n a cultura e nasociedade. Poder-se-ia dizer qu e• • . - - I I - • • •

,';('rornou 0 saber estabelecido; como foi enunciado, por cxcmplo,-. - .

1. ( H" Mannheim.t?

Durante os anos ern que essas ideias se estavam cristalizando

t LI IIIinha mente e em qllC as minhas energias estavam sendo cres-

j l'iI(l~lnente desviadas para 0 estudo do romantismo tanto antigo

qrl.!llto novo, estive ainda continuando a trabalhar na obra que,

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14 A E TI CA R OM AN TI CA E 0 E SP IR IT O D O C ON SlH vH Stv 10 ?v l0 DE RN O--

IN " TRODUCAO:II

15

dcsde 0 comeco da minha carreira na sociologia, fora 111eu campo

principal de interesse. Era cste a sociologia da religiao c, enquan-. .. /"...

to rninistrava cursos nesta area, cstrve necessariamcntc preocupa-

do com problemas referentes a obra de Weber, sendo a tese da

"etica protestante" urn foco natural de estudo. No pcriodo em quehavia ensinado esta materia, desenvolvera urn interesse especial

pelo destino dessa etica, uma questao que. COll i 0 passar do

tempo, comecou a parecer cada vez mais problematica, Embora

nao escolhida pelos soci6logos como obje to de qualquer estudo

intensivo e pormenorizado, a pesquisa em outros campos, assim

como urn born senso vulgar e convincente, serviram ao mesmo

tempo para dar origem a opiniao de que a etica identificada por

Weber fora removida como etica social predominante para as

sociedades industriais modernas e ocidentais, tendo side suplan-

tada por alguma contrastante etica "expressiva", "social" ou "ex-

teriormente condicionada" .11 A principia nao inclinado a desafiaresta tese, fui perturbado, porem, pelas muitas dificuldades e in-

A D

coerencras que apresentava.

Em primeiro lugar, aqueles estudos que haviam sido conside-

rados apoios tornados de emprestirno para a "tese do declinio da

etica protestantc" eram acentuadamente de carater impressionista

e jornalistico. 0 que era ainda mais perturbador era 0 fato de que,

como 0 demonstrara White, a maior parte dos autores estava

envolvida com 0 desenvolvimento de uma "ideologia intelcc-

tual", mais preocupados em deplorar a direcao da mudanca cultu-

ral do que em mapea-la.'? A seguir, havia a dificuldade metodo-

16gica inerente a qualquer estudo que, embora em si mesmo

meramente urn "instantaneo" no tempo, era utilizado como base

para fazer afirmacoes sobre processos historicos, afirmacoes que,

na falta de apropriada pesquisa longitudinal, ficavam obrigadas a

resultar na hipostasiacao do passado e do presente.I ' Entao, como

se essas dificuldades nao fossem suficientes, os diversos racioci-

nios apresentados mostraram pouca conformidade sobre como,

ou mesmo quando, a etica protestante foi supostamcnte derruba-

da. Houvera, ao que se sabia, uma serie de manifestacoes refercn-

tc s a verdadeira ou iminente "morte" da etica protestante, que,

~~t1rprcendentemente, parecia sempre viver para "morrcr" num

j1

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Dutro dia. Alem disso, havia uma considcravel diferenca de opi-

niao sobre como cssa etica estava sendo aniquilada e, especial-

mente, se forcas socioecon6micas e culturais cram amplamcnte

culpadas do "assassfnio" .14 Ravia, depois, a intrigante questao do

hiato hist6rico entre aquele perfodo inicial, no seculo XVI, emque a etica protestante foi formulada pela primeira vez, e 0 prin-

cipio do seculo XX, em que se sustentou, habitualmente, que ela

fora derrubada. Ela realmente permanecera inalterada e incontes-

tada durante quatrocentos anos? Por todas essas razoes, eu estive-

ra ficando cada vez mais cetico a respeito da concepcao aceita e

crescentemente inclinado a achar que, fossem quais fossem as

forcas que estavam operando para desafiar a etica protestante,

clas dificilmente eram recentes e se podia perceber que possuiam

uma genealogia que recuava a uma epoca bern anterior ao seculo

XX. A existencia desse hiato no registro hist6rico fez-me sentir

que havia a necessidade de atualizar a analise de Weber, isto e, eu

senti que seu estudo cuidadoso e ponnenorizado do desenvolvi-

J ncnto da tradicao religiosa ocidental e sua relacao com a vida

~acial e econ6mica precisava ser prolongado para alem da linha

de datacao representada por A etica protestante e 0 espirito do

capitalismo, que nao era, como muitos soci6logos pareciam pen-

s.u, em algum Iugar em tomo de 1920, porem mais perto de 1620

DlI., no maximo, 1720.

Foi mais ou menos neste ponto que meus dois interesses se

umtararn pela primeira vez e que a ideia delineada neste livro se

lonuou na minha mente. Pais me veio a cabeca entao que, se as

,.()H,:as antipuritanas culturais eram essencialmente "romanticas"

('IIIcarater, talvez tambem estivessem associadas ao consumo· e

q'H\ se 0 consumo e 0 romatismo estavam associados na decada

!II' 1960, quem sabe, entao, sempre 0 t ivessem estado? Talvez

I II ) 11 vcsse uma "etica romantica" operando a promocao do "espi-

I I j ~) (I() consumismo", exatamente como Weber postulou que uma

j - j 1 1- ~ I "puritana" promovera 0 espirito do capitalismo? Era, por

j I-,~'. L I 111 movimento CTlltural "romantico" que era freqtrcntemcn-

It' .I.'IlliIicado como 0 "inimigo natural" do puritanismo.

.\ i ( 1 6 i a era suficicntemente intrigante para me instigar aver 0

II .u i.u n i~;1110 sob uma nova luz, assim como a me cnvolver numa

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pesquisa de material sobrc 0 consurno e 0comportamento do con-

sumidor, e isso nao se deu rnuito antes de eu encontrar 0 Iivr o de

McKendrick, Brewer c Plumb estudado no capitulo 2. 0 que li ali

me encorajou a levar a tese mais adiante :

Sera urn dos maiores encargos deste livro mostrar que 0 comporta-

mento do consumidor era tao furioso e a aceitacao de atitudes

comerciais tao difundida que ninguem, no futuro, devia duvidar de

que as primeiras sociedades de consumo do mundo haviam emergi-

do inequivocamente por volta de 1800.15

Os autores prosseguem ate empregar a expressao "revolucao

do consumidor" para se referir a s mudancas que documentam,

mudancas que correspondem claramente, na epoca, ao movimen-

to romantico. Nao apenas, portanto, eu podia agora realmente

sentir que valia a pena examinar a conexao entre essas duas coi-

sas de maneira urn tanto minuciosa, COll10 UIll titulo para esse tra-

balho me veio naturalmente a cabeca. Como eu poderia chama-lo

de outro modo, se nao A etica romdntica e 0 espirito do consumis-

rna moderno?

Infelizmente, foi nesse ponto, exatamente quando se estavam

acumulando os indicios que faziam a minha tese parecer promis-

sora, que deparei com 0 que devia mostrar-se urn obstaculo mais

incomodo. Nao havia, ao que parecia, nenhuma teoria satisfat6ria

do consumismo moderno.

Ja que a tese de Weber se baseava na suposicao de que a

Revolucao Industr ial constituia a mais significativa cornocao do

sistema de producao de bens manufaturados que 0mundo ja tes-

temunhara, uma comocao se ligava ao aparecimento do capitalis-

rno moderno. Essa suposicao nao era somente sua, pois era parti-

lhada pela maior parte dos te6ricos sociais da epoca, sendo obje-

to de consideravel pesquisa e de debate. A controversia, porem,

grassou principalmente sobre suas causas, nao sabre sua forma,

pais havia uma concordancia geral sobre 0 que constitufa 0

modemo capitalismo produtivo. Nao se podia dizer 0 mcsmo do

consumo. Se, como parecia ser agora verdade, os historiadores da

cconornia estavam sendo Ievados a sustentar a opiniao de que a

Rcvolucao Industrial tambern apresentava uma maior rcvolucao

~

INTR ()I)lJ~AO 17

no COnSUlTIO, nao havia ncnhuma tcoria adequada quanto ao que

podia ser a natureza do consumo "moderno".

Isso, ern grande parte, foi porque 0 tema do consumidor

moderno fora deixado quase exclusivamente para os economis-

tas, que, caracteristicamente~ trabalharam corn urn arcaboucoanist6rico de suposicoes, tratando 0 comportamento do consumi-

dor, basicamente., do mesmo jeito que todas as pessoas de todos

os tempos. Naturalmente, consultei os sociologos, espccialmente

Veblen e Sombart, que tinham voltado sua atencao para 0 consu-

1110, mas tambem nesse caso encontrei poucos que realmente tra-

tassem do ponto crucial dessa questao.!» Restou-rne, pois, a

dcsencorajante tarefa de me esforcar pela Iormulacao de uma teo-

ri a do consumismo modemo, e e por essa razao que 0 analogo a

l..se t6pico de que Weber trata em pouco mais de dez paginas (0

«spfrito do capitalismo modemo) e aqui estudado em quatro capt-

t ulos. Primeiro, porque foi necessario provar que uma teoria do

c om p or ta m cn to d o c on su rn id o r moderno era necessaria; segundo,

porque nem a economia classica nem Veblen haviam fornecido

uma que se mostrasse apropriada; terceiro, porque uma teoria

hcdonistica da ati vidade social e fundan1entalmente distinta

. Iaquelas perspectivas de base utilitaria comumente materializa-

(las na economia; e quarto, porque uma teoria do modemo corn-

1 )( »tamento hedonist ico, na verdade, pode explicar os aspectos

t -;lracterlsticos do comportamento do consumidor moderno.

N ao me envolvi com urn tao ambicioso plano de acao sem

v.uilar u rn p o uc o, pais n ao e sta va ansioso po r me aventurar pro-

tundarnente em disciplinas diferentes da minha. Urn exame da

d"scric;ao proporcionada por McKendrick, Brewer e Plumb da

It 'V( )llI~ao do consumidor no seculo XVIII me convenceu, contu-

t I,), de q ue sua inaptidao para explicar esse acontecimento provi-

nh.t dirctamente da falta de uma teoria adequada, e de que isso

II;") rcpresentava rneramente luna deficiencia da parte da econo-

1 1 1 1 ; 1 , 1l1aS uma reprovacao de todos os cientistas sociais , inclusive

0:; ';ol'i61ogos. Alem disso, tambem estava claro, a par ti r do mate-

11.11qlle c l es p rodu z ir a rn , assim como dos 111eUS pr6prios estudos

; , 4 . 1 H(. ~l dccada de 1960 e sobre 0primeiro rnovimento romantico,

III H ()11 ~ros fenomenos, em grande parte desprezados pelos cien-

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] 98 A ETleA R OM AN TI CA E 0 EsrlRITO DO CONSU~1 IS I\ 1 0 tv1 0DERNO

t istas sociais , cstavarn de algum modo profundamente relaciona-

dos tanto com essa revolucao como com 0 cornportarnento do

consumidor moderno - fenomcnos tais como a moda, 0 amor ro-

rnantico, 0 gosto e a leitura de ficcao,

o fato de esses t6picos terem sido muito desprezados meparece, agora , urn motivo de grande pesar, pois, embora possa ser

mostrado que alguns, como a moda e 0arnor romantico, deixaram

grandemente de atrair a atencao dos soci61ogos em vista da

ausencia de quaisquer perspectivas te6ricas influentes que pudes-

sem tel" indicado sua importancia, sua penetrante presenca em

todo 0 mundo moderno e bastante evidente por si mesma. 0

despreza-los, portanto, deve ser primeiramente compreendido

como algo resultante do preconceito, que provem de uma tenden-

cia geral a admit ir , antes de qualquer pesquisa, que tais fenome-

nos sao, de alguma forma, essencialmente triviais e nao merece-~

dores de estudo serio. E urn modo de ver que procede, em parte,da inclinacao economica produtivista que impregna a maior parte

da ciencia social, em conjuncao com as tens5es subjacentes do

puritanismo ascetico. 0 fato de esses t6picos nao terem sido apro-

priadamente pesquisados deve ser visto, porern, ao mesmo tempo

eOlno causa e efeito de tais inclinacoes. Pois ha pouca duvida de

que, se os cientistas sociais tivessem realmente voltado suas aten-

coes para uma seria consideracao desses t6picos , ha muito tempo

tais preconceitos nao estariam difundidos dentro dessas discipli-

nas. A tcndencia a se entregar a rnoralizacao a respeito das prati-

cas de consumo e muito evidente na obra de Veblen, como 0 e na

de seu sucessor, Riesman, enquanto e apregoada como virtude

por Galbraith. Ate gurus contemporaneos tao grandemente distin-

tos como Herbert Marcuse e Daniel Bell servem de exemplo amesma tendencia de preferir a crftica e a condenacao a pesquisa e

a exposicao.'?Urn outro problema, porem, igualmente desconcertante a sua

mancira, apareceu a essa altura. Se 0 romantismo, como eu ima-

ginava, serviu para facilitar 0 surgimento da conduta do consumi-

dor moderno na Inglatcrra do f inal do seculo XVIII e infcio do

XIX. , para le gitim ar, n a realidade, urna "ctica de consumidor",

(,l1t a o COlllO podia uma diametrahnente oposta "etica da produ-

...1'1(r,

cao" ~que provinha do protcstantismo, tcr estado atuando no

l l IeS1110lugar, c ao m esm o tem po? Havia efet ivamente duas cticas

sociais, opostas na forma e exist indo lado a lado, uma legitim.an-

do a producao, a outra 0 consumo? Se era essa a verdade, havia

tambem dois grupos sociais agindo como os respectivos portado-res da cultura? A tese de Weber havia ligado claramente a etica da

producao a burguesia nascente, de modo que talvez a etica do

consumo se ligasse a aristocracia? Mas, entao, a evidencia indica-

va que 0novo surto de procura provinha dos novos-ricos. Era essa

l I111a conclusao que dava a entender que a burguesia abracou a

crica protestante e um a etica de consumo, uma visao coerente

corn 0 que eu sabia ser 0 carater predominanteulente de classe

media do movimento romantico, mas que conduzia, por sua vez,

a urn novo quebra-cabeca socio16gico.

Eu estava crescentemente sendo levado a senti r que 0proble-

Illa

hist6rico de explicar as origens da revolucao do consumidor11 ; ' 10 podia ser resolvido com sucesso sem que antes se resolves-

St'I)l as quest5es te6r icas subj acentes, especialmente as relativas

~I()mecanisme dinamico que se situa no cerne do consumismo

modcrno, e que, seja qual for 0 que este se revele ser, os proces-

:;t)S culturais estavam fundamentalmente implicados. Por isso,

l'(nuccci a encarar os problemas hist6ricos, economicos e socio16-

) ',1<'OS como estando intimamente associados, como de fato Weber

It<Lrcchcu que 0 eram, em seu original estudo sobre as origens da

«vulucao da producao.

1 I'()i nesse ponto que comecei a compreender como uma revi-

';~l() radical da concepcao convencionalmente aceita do apareci-

Ilu'u10 da modema sociedade industrial e sua cultura podia estar

',I II )l ' 1 1 1 cndida na tese que eu estava desenvolvendo, e mais do que

~'ll h.ivia considerado. Em primeiro lugar, aquela comocao que se

~l'II.'I()I) () t itulo de Revolucao Industrial devia ser apreciada como

',1 4 , 'u1ralizando 11,UITlaevolucao tanto do consumo como da pro-

d I I < , . " " I.t)S() se achava clararnente subentendido pela prova ofere-

j J d. 1 I ll ' los historiadores economicos, que pareciam estar chegan-

!I~I " 1 , . , ' ; proprios, a esse ponto de vista. Se, porem, cstavam certos

III '.~ (I' I:io 1 6gicos quanta eram, os resultados de suas pesquisas

I' II~ 1 .1111 sllgcrir que estavam), cntao Ulna seric de outras conclu-

III

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IXTRODUC~AO= . .

21o A E TI C A R OM AN T IC A E 0 ESPIRITO D O CO\ 'SU:\1ISNI0 Ivl0DERNO

s6es se apresentava para se seguir em sua estcira. Ela indicava,

por excmplo, que uma "etica do COnSU1110" devc ter exist ido nas

sociedades industriais desde 0proprio comeco, enl vez de ter apa-

recido ulteriormente, enquanto isso, por sua vez, sugeria que a

ctica protestante e qualquer etica que legitimasse 0consumo eramfenomenos ern grande parte contemporancos. Isso entao me levou

a ideia de que talvez puritana e romantica pudessem nao ser as

rigidas alternativas culturais que os soci61ogos entenderarn ser,

algo que nao apenas desafiava a tese corrcnte da "contradicao cul-

tural" como ainda lancava diivida sobre a suposicao amplamente

dada por certa de que a "racionalidade" era a caracterfstica domi-

nante tanto do capitalismo como da cultura moderna. Todas essas

impl icacoes pareciam depreender-se de uma reje icao do erro

muito difundido de tratar a Revolucao Industrial como se consti-

tuisse meramente uma transformacao radical dos meios de produ-

cao. Foi, evidentemente, por adotar essa perspectiva estreita queWeber distinguiu os aspectos racional e ascetico do protestantismo

como influencias especialmente cruciais; se, no entanto, ele estava

errado en1 desprezar tao obviamente a revolucao concomitante do

consumo, talvez outros componentes da tradicao religiosa crista

pudessem ter adquirido significacao, influindo no desenvolvimen-

to da economia moderna? Essas foram algumas das muitas ideias

que me passaram pela cabeca quando me envolvi na pesquisa para

este livro, e me voltei cada vez mais para 0 ensaio original de

Weber, para esclarecimento e orientacao da minha tarefa.

natureza obviamente assustadora da tarefa de seguir suas pega-

das. Poucos intelcctuais podiam, com sucesso. emular corn Weber

ern amplitude de erudicao, mesmo na sua cpoca, resultando dai

que a crescente cspecializacao disciplinar que ocorreu nas univer-

sidades, desde a virada do seculo, torna agora virtualmenteimpossivel qualquer pessoa emular com seu estilo de pesquisa

multidisciplinar e de largo espectro .. 9 Mas isso nao significa que

tal nao se deva tentar, pois, como 0 pr6prio Weber explicou, as

percepcoes vigorosas da dinamica sociocultural das sociedades

modernas provavelmente s6 podem ser obtidas atraves de uma

exploracao das relacoes entre esferas tais como areligiao e a eco-

nornia, que normalmente se consideram nao relacionadas e, con-

sequentemente, pela transgressao deliberada das fronteiras acade-

micas convencionais. Nem os soci6logos tern sido habitualmente .

tfrnidos demais no cruzar esses limites, mesmo se intelectuais de

outras disciplinas tendam a ver com desconfianca tal condutaimpr6pria. Parte da resposta se acha claramente no fato de que

muitos desses soci61ogos que louvam Weber em tao alto grau pre-

ferem seguir 0 exemplo de Marx, quando se trata do estudo da

cultura, focalizando nao tanto qualquer das categorias caractens-

ticas que Weber empregou de maneira tao bem-sucedida, mas 0

conceito de "ideologia" .20

Provavelmente a Dutra razao essencial decorre, ironicamente,

da muita estima concedida a obra de Weber e, conseqlientemente,

~l visao de mundo que eia encarna, pois a Weltanschauung racio-

n.ilista que ele abracou enfrentava 0 verdadeiro desaparecimento

dcsse proprio fenomeno a que devotou uma vida inteira de estu-

do. Embora os interesses amplos de Weber contivessem institui-

( .: (CS , eO ITIO a burocracia, a divisao de trabalho, a lei e 0 estado -

' P I C permaneceram uma parte significativa do mundo modemo-,

~~('Ufoeo predominante era sobre a religiao e, nesse caso, sua enfa-

~~t' no desencanto enos processes globais de racionalizacao suge-

11~1 a clara perda de influcncia, se nao 0 atual desaparecimento,

(ll'Sse fcnomeno. Ao mesmo tempo que de crucial significado

p:lr;l 0nascimento do mundo moderno, sua visao parece ter sido a

dt' que, cumpridos os seus deveres de parteira, a religiao, em

',i':",ltida~ deixarin de ter qualquer papel significative a desempe-

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.

Nas pegadas de Weber

Enquanto muitos soci6logos mantern Max Weber eln muito

alta estima tanto como intelectual quanto como unl dos "pais fun-

dadores" de sua disciplina, eles tern estado, habituahnente, muito

mais ansiosos para escrever sobre ele e sua obra do que para emu-

far com ele, ou scja, hi uma industria muito maior de Weber do

que ha urn industrioso esforco de se empenhar na forma da socio-

~~)giacultural que elc tanto fez para dcsbravar.:" Nao e suficiente-

:'f n (c claro por que isso deva ser verdadc, cxccto, talvez, pela

-,

_ . - . -.------_--~--~--.--- . . - -• ·1 • I - _ _· . - _ •_ •

. _. - - . .-- _.- . _ - _. -

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22 A ETICA ROMA.NTICA E 0 ESPIRITO DO CONSlHvl ISIvl0MODERNO~

I r\ I] t I{() ) L J \ : i'\ 0

tI

Hilla forma "religiosa" e se Iazerem acompanhar de uma teologia

It-conhecjvcl, do mundo contcmporaneo, no q ua l, se tanto, a hipo-

Il'S~ oposta prevalece. Quanto a fase da interferencia - aquele

I)cTfodo crucial entre c. 1650 e 1850 -., nesse caso a suposicao pa -

rccc ser de que a "tcse da etica protestantc" deWeber diz tudo. In-fl') izmente, e bastante facil esquecer que essa tese foi desenvolvi-

(Ia como resposta a urn problema muito especifico - por que 0 ca-

pi talismo moderno apareceu primeiro na Europa ocidental - e ,

('{msequcntcmcntc, nao se pode considerar que constitua uma

dcscricao completa ou abrangente da evolucao do pensamento

(las rcligioes ocidentais ate os tempos modemos.

Este livro expressa a crenca de que a melhor maneira de hon-

r.rr urn grande hornem e seguir-lhe 0 exemplo e nao simplesmen-

tc louva-le, sendo isso 0que se pretendeu quer como urn cumpri-

mcnto a Weber, 0 intelectual, quer como complemento de sua

ohra mais famosa. Embora nao projetado nem como urn volume

» np lc me n ta r, n e m como ur n comentario a A etica protestante e 0

csptrito do capitalismo, ele talvez tenha adquirido alga do sabor_",

(Ie arnbas as coisas. E urn texto de acompanhamento, no sentido

(fl' qu e 0 principal raciocinio aqui desenvolvido visa a comple-

IIU'ntar 0de Weber ou ser, na verdade, imagem de seu espelho. A

.u in ua ca o d e W eb er referente a natureza do el o entre 0protestan-

ii.'~11I() e 0 capitalismo nao e negada, mas estendida de tal modo

'lIlt..anto os aspectos ascetico e racional como 0 pietista e senti-

111l'lltal desse movimento religioso sao vistos como contribuicoes

11~lra0 desenvolvimento da economia modema. E verdade que, a

(II t Ide realizar essa descricao integral e mais ambiciosa, sugerem-

';1" ;dguns refinamentos das concepcoes de Weber, especialmente

.1 1 ('spcito do modo como tra tou 0protestantismo e do que razoa-

\IC LIIIcn te se podia apreciar como constituindo a "etica" do

'lIC.')1l10, bern como 0 que foi, ulteriormente, seu destino. Mas tais

II~odirica~6es nao sao conccbidas, de modo algum, como fatais ao

Lltloclnio de Weber: ao contrario, tais modificacoes sao essen-

I I.II~;an intuito de resolver alguns dos antigos problemas gerados

1 ' 1 . 1 .1 a cc it as _: ao d e s ua t es e.

()rxcmplo de Weber foi seguido ate alcancar 0 primeiro

j . ,I t( I I "~ ( ) (I n "Espirito do COnSU1l10", na Primeira Parte e, depois, na

nhar no cenario mundial . Por conscguintc, na medida CIll que os

sociologos aceitaram a visao weberiana (que nao era, cvidente-

mente, l imitada a ele proprio), eles podiarn em seguida ser per-

doados por admitir que pouco adianta se empenhar nessa forma

particular de analise cultural que ele tornou sua especialidadc,pois muitos dos conceitos empregados por Weber, ta is como teo-

diceia, ascetismo e profecia, parecem aplicar-sc especialmente a

sistemas de crencas e valores "religiosos".

Uma pequena reflexao, contudo, logo revela 0erro de tal hip6-

tese, pois esses tennos, tais como foram desenvolvidos e usados

por Weber, ja nao tinham com a religiao uma conexao necessaria

maior do que 0 termo "carisma", esta mais notavel de todas as

expressoes weberianas, para se livrarem de semelhante "guetifica-

~ao"conceitual, caso em que, evidentemente, 0estilo da analise de

Weber parece nao ser, entao, menos apl icavel ao fenorneno cultu-

ral contemporaneo do que a s fonnas hist6ricas de religiao que ele./

estudou. Eesta, por certo, a hip6tese subjacente nesta obra.

Mas, entao, aqueles soci61ogos que adotaram a religiao como

seu campo especial de estudo assumiram, tipica e estranhamente,

atitudes ambiguas para com seu tema, sendo caracteristicamente

durkheimianos em sua abordagem do presente, mas weberianos

quando no exame do passado. Ou seja, eles demonstraram para si

mesmos que sao altamente invent ivos ao procurar atividades e

instituicocs conternporaneas a que as percepcoes durkheimianas

relativas a natureza e funcao da "religiao' podem ser aplicadas de

uma forma penetrante, enquanto seguem Weber ao adotar uma

concepcao mais convencional do que podia ser considerado 0"fe-

nomeno religioso", ao examinar 0 passado. Isso, em si mesmo,

podia nao ter importado que 0 esquema extraordinariamente am-

bicioso de Weber para apreciar as religioes do mundo e sen desen-

volvimcnto historico houvesse sido rcalmente continuado ate sua

propria epoca." Mas, como Weber nao transportou sua analise da

evolucao dos sistemas teologicos para 0 seculo XVIII~ uma inco-

moda sombra no tempo sc desenvolveu dentro da sociologia da

cultura. Isso separa essa epoca essencialmcnte feudal e pre-mo-

(lerna, quando se supoe que todos os rnovirnentos sociopolfticos e

.ulturais significativos deviam provavelmcnte rnanifestar-sc de

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24 A ET IC A R OM A NT IC A E 0 E SPI RITO D O C O N S C ~ vl l Sr vI O _ [ VI 0D E R N O. . . . .'

J >J II')~()I)l J ( ; i~ ( 25

discussao subseqtientc de uma etica "Protestantc" C'Ron1antica'~)

na Segunda Parte, mas esse proccdimcnto foi dificultado pela

necess idade de estudar, com alguma cxtensao, a natureza do coo-

sumismo moderno. Realizado isso, seu "Esprri io ' e entao especi-

ficado como sendo UTIl hedonismo aut6nomo, auto-ilusivo, 0 quetorna possivel prosseguir para esbocar a etica cultural que lhe

facilitou 0 aparecimento.

A diferenca de tratamento, aqui, e uma conseqiiencia direta

da pr6pria obra de Weber. Pois, enquanto ele se concentrou em

esbocar aqueles ensinamentos protestantes que considerava terem

influencia sabre 0 desenvolvimento de uma etica favoravel a urn

espirito capitalista, aqui e necessario desenlear daqueles mesmos

ensinamentos as origens de uma outra et ica. Assim, a base de urn

c6digo etico que serviu para justificar 0 consumo e amplamente

descrita por urn processo em que esta e separada daquela "etica

protestante" descrita po r Weber. Apesar dessas diferencas, a

estrutura subjacente do raciocinio apresentado espelha a do de

Weber, acentuando 0 papel central de uma "etica" cultural que

possibilita a introducao de uma forma "moderna' de acao econo-

mica, capaz de demonstrar tanto sua "coerencia' como suas cone-

xoes psico16gicas e culturais.

Nao e este urn exercicio de hist6ria das ideias, em qualquer

sent ido convencional, mas , como a propria obra deWeber, possui

algo do sabor dessa abordagem. Assim, ao mesmo tempo que nao

endossa a concepcao unilateral de que a mente ou 0 espirito e a

forca fundamental depois do desenvolvimento da hist6ria, e leva-

da a serio a pretcnsao de que 0 movimento das ideias pode ser

uma causa importante da mudanca social, quando constitui a "fevivificadora" ou "aspiracoes formuladas'' do pOVO.22 Seguindo 0

exemplo de Weber, porem, a natureza precisa do cornportarnento

que emana da aceitacao de uma dada crenca e tratada como alga

problematico e se torna 0 foco central da pesquisa. Portanto, a

principal preocupacao e tracar a maneira pela qual as rnudancas

nas concepcoes da verdade, do bern e do belo por parte da socie-

dade influenciam os padroes de comportamento, nao de qualquer

forma direta e prescri tiva, mas do modo pelo qual os ideals orien-

tam a conduta que confirrna 0 carater. Nao se conclui dai, no

,,-:

('Illanto, que a influencia das forcas materiais sobre a construcao

t" .idocao das idcias e desprezada, ao mesmo tempo que sao dadas

~t1gun1as indicacocs, no capitulo final, rcferentes ao meio pelo

qlla) os modos de explicacao "idealistas" e "materialistas"

1)(

«Iiam relacionar-se co m maior sucesso.1Jrna out ra semelhanca com a historia das ideias, como foi

{-\ctllplificada por urn expoente tao insigne como Arthur Lovejoy,

t" uma preocupacao com as ideias e 0 "pensamcnto" na forma d o e

t . ;I I I)Osi90es e pressupostos tacitos, alem de explfcitos sistemas de

t Tcnc;as.23 0 que Lovejoy chamou de "habitos mentais incons-

('(Clltes" das pessoas pode claramente ser tao significativo para a

(-(»uprecnsao de sua conduta etica como de seus credos confes-

,";()S,24 e e nesse contexto que 0 material da critica Iiteraria foi con-

,···;j(lcradoespecialmente valioso. Ao mesmo tempo, como a hist6-

1 1 : 1 intelectual, mas ao contrario do historia cultural no sentido

('(Hllpleto dessa expressao, hi um a tendencia a ignorar a c re nc a

l'()ll1Um e popular a fim de seconcentrar na cultura "mais alta", se

n.u) meramente "alta". A justificativa para isso esta na maior

Illrtuencia que tern a ultima sabre 0clima geral do pensamento e,~

";;pccialmente, sobre a formulacao de ideais eticos. E por essa

Ll/,~jO que ha pouca referencia a s classes trabalhadoras nas pagi-

nas que se seguem-"

/\0 mesrno tempo, esta pesquisa partilha aquela qualidade

H Ih-rdisciplinar tao caracteristica da historia das ideias e faz gran-

II( - lSO daquelas "porteiras' que Lovejoy sugeriu que ela constr6i

1);1 . ' - \ "cercas que separam as disciplinas academicas" .26 Como

H"\ldtado, ela tern certo carater de granulacao cruzada, que deriva

u.u ) somente de examinar os t6picos fora do seu contexto discipli-u.u habitual, mas de lhes conceder um significado normalmente

Ih·i~,;illodentro deste. Assirn. 0 sentimentalismo e mais considera-(It), .iqui, UITI movimento socioetico de grande importancia do que

tit 11;1 correntc Iiteraria urn tanto infcliz, significativa apenas por

',II~I subsequcnte influencia sobre 0 romantismo; de modo seme-

Hr.uuc, a 1110dae considerada mais urn fenomeno sociocstetico

uupor tante , que indica os valores centrais de uma sociedade

1 1 1 < «Icrua. do que exatanlente urn mecanisme de venda a retalho

I ...p lo ra t6 rio e cngcnhoso.?? Este livro, portanto, envolve uma

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26.. / _...

A t~TICA R () lV 1 AN T IC A 1 2o ESIJIRIT() 1)0 C ( )N S lJ j\ . ..1Si\10 i \ / I C ) D E f { N C ) II·'·~I I\ t )] 1 l J ( ~!\)\

27

certa S0111a de leitura nas entrelinhas da hist6ria convcncional do

nascimento da sociedade moderna, apresentando LU1l relato que

desafia 113.0 apcnas a tendcncia producionista da hist6ria e da

ciencia social, como tambern a suposicao, a ela associada, de que

o desenvolvimento cultural moderno se caracteriza, sobretudo,pela sempre crescente racionalidade.

Evidentemente, nao se pode pretender "cornplemcntar" 0

raciocinio de Weber desse modo sem dar origem a uma serie de

outras quest6es relativas ao conjunto que se cria atraves da procu-

rada integracao das duas teses. Se se aceitam esses processos cul-

turais paralelos OCOITidosem relacao ao desenvolvimento tanto

da producao moderna como do consumo modemo, qual e a cone-X30 precisa entre esses dais lados da equacao? Admitido que a

tendencia producionista que caracterizou a concepcao de Weber

da Revolucao Industrial requer alguma correcao, deve eia ser

substituida por uma de carater consumistico, ou hi alguma expli-

cacao "equilibrada" e integrada do aparecimento da economia

modema que escapa a necessidade de se tomar urn dos partidos

sabre tal questao? As perguntas sao intrigantes e permanecem

para ser consideradas ern alguma Dutra obra subseqtiente.

Por ultimo, deve ser lembrado que este Iivro, como aquele

sobre 0 qual e modelado, e essencialmente urn ensaio.sf Desse

modo, apesar de sua extensao, permanece uma tentat iva, uma

cxperiencia, originando-se de uma profunda insatis facao com os

duvidosos contrastes culturais e acentuadas tendencias producio-

nistas da maior parte dos estudos contemporaneos, para ver se

pode ser elaborada uma descricao mais plausivel e aceitavel do

desenvolvimento do consumismo moderno e da cultura damodernidade. Nao e urn estudo intelectualmente minucioso, mas

uma tentativa fundamentalmente especulativa e de abrangencia

ampla, de aproximar uma colecao de materiais altamente diferen-

cados e aparentemente nao relacionados, para formar uma hist6-

ria significativa e cocrentc.t?

Esta historia corneca, na Primeira Parte, com 0quebra-cabcca

apresentado pelo consumismo moderno e pela revolucao do con-

sumidor no seculo XVIII, e 0 subsequente descnvolvimento de

urna teoria hedonistica do comportamento do consumidor rnoder-

11( '. I)epois, na Segunda Parte, e analisada a relacao do protestan-

~1:;nlO corn 0 hedonismo, examinando--se os cultos da bencvolen-

{ la L damclancolia, antes de um estudo do sentimcntalismo e do

t «m.mtismo. Por ultimo, a conclusao tenta explicar a complexa

I(. L l\'{io entreos aspectos idealisticos

eegoisticos da acao social,

.i..':i III como a existente entre 0puritanismo racional e 0 romantis-

III() .Icntro da cultura ocidental.

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A E TI CA RO MA NTI CA E 0 E SP IR IT O D O C 0 0 f SU I vI I S1 1 0 l 'v l0 D E R N O

bros do grupo de status superior adotarao Ul11anova moda, para

conservar sua supcrioridade. Desse modo, as 1110das sao inicia-

das, difundidas e substituidas todas atraves do podcr da emulacao

social.o" Enigmaticamente, contudo, essa visao faz da introducao

de uma nova moda uma resposta ao comportamento emulativo (e

isso 0 que induz a elite a inovar), enquanto igualmente apresentao comportamento emulativo como uma resposta a introducao de

uma nova moda. De fato, como observa Herbert Blumer, "a maior

parte das expl ica<;oes socio16gicas [da moda] se concentra na

ideia de que a moda e basicamente uma emulacao de grupos de

prestigio",69 opiniao que ignora 0 fato de nao haver nenhuma boa

razao, seja qual for, pela qual a competicao ou ernulacao por sta-

tus deva exigir uma instituicao que funcione para prover continua

novidade. Desse modo a introducao e difusao de qualquer moda,

que e claramente facilitada - como toda inovacao - pela imitacao,

e confundida com uma interpretacao do moderno padrao da moda

ocidental como urn todo. As provas empfricas nao ap6iam real-mente esse modelo, pais, como vimos, as inovacoes da moda nao

sao, de modo algum, introduzidas sempre pela elite da sociedade.

Por conseguinte, embora seja possfvel ver que tanto a moda nlO-

derna como 0 desejo de emulacao com os "superiores" sociais

podem servir para encorajar 0 que parecem ser modelos seme-

Ihantes de a<;ao (na rnedida eln que ambos sa o encarados como

comportamento imitat ivo, isso nao pode deixar de ser verdadei-

ro) , esta lange de ser 6bvio como eles vieram a interagir para pro-

duzir uma necessidade insaciavel nos consumidores. Pois, en-

quanta a moda parece ser precisamente 0 ingrediente que, quando

acrescentado a teoria de Veblen, fomece- the dinamica, nao hii

nenhurna explicacao adequada do comportamento orientado pela

moda que, por seu turno, nao se baseie em teorias de emulacao,

Obviamente, urn ou mais elementos cruciais estao extraviados da

procurada teoria do consumismo moderno.

4 - 0 HEDONISMO TRADICIONALE MODERNO

Oferecerei mil rnoedas deDuro a qualquer homern que me possa 1110S-

t rar urn novo prazer.

XERXES

Sao doces as melodias ouvidas, porem mais doces as nao ouvidas.

KEATS

() estudo anterior revelou claramente que precisamos de uma teo-,. i a mais adequada do consumo moderno, que se oriente para a

qucstao central de como os indivfduos conseguem desenvolver

1 1 1 1 1 programa regular e intemlinavel de estar sempre necessitan-

( I t ) , em relacao a bens e servicos. As teorias existentes tendem a

lI;lO focalizar essa questao, tratando-a como 0 subproduto nao-

I)f( ihlernatico da exposicao aos meios de comunicacao, ou como a

{',l)linlulaya o de desejos emulativos, e se concentram, em vez

,Iisso, na racionalidade da seleyao dos produtos dentro de uma

l'~;frutura de necessidades e gostos tidos como celios. Alem disso,

,I .llscussao do consumo pelos cientistas sociais esta singularmen-

i~.assinalada pela tendcncia a substituir a analise cuidadosa pela

I l ) ( ) raJ iza~ao, obrigando assim a teorizacao existente a ficar desfi-

~r.1Irada por importunas observacoes de carater ideologico. Esses

i () i s fatores operam, quando combinados, para gerar uma visao

. 1 1 ~ t'0l11pOlianlcnto do consumidor moderno como um a forma de

I ~Iliduta qu e e, ao IneSrTIO tempo, "irracional e repreenslve1".

J I r:icional" no sentido de que tal necessidadc interrninavel e' . 1 ' 1 ' I scntido' do ponto de vista do consurnidor individual, impe-

i 11 :'1 i;l proceder dcssa mancira por forcas que se acham fora de seu

. .'" '.: : !(.:: c "reprccnsfvel" 1 1 aInedida e ll } q u e a imagem da nature-

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88 A ETIC A ROMAN TIC A E 0 ESPlR1TO DO CONSU~11S:rvl0 l\10DERNO ( ) 1 - 1 El )0 " [ \ l I S Jv J 0 T R J - \ I ) rc 10 l\l\ ·L· E . I ' v 1 o 1)ER~J C )

za hurnana invocada ao se explicar cssa conduta apresenta os

individuos sob Ulna lu z dcsfavoravel. Tal visao e injustificavel,

pois, sc 0 cornportamcnto nao c aprecndido C01l10 "racional" ~

entao a culpa cabe aos cientistas sociais, por dcixarem de ver a

estrutura dos significados utilizada, e sao eles, nao os consumido-

res, que deviam ser repreendidos. Conseqtienten1ente, em vez de

favoreccrcm seus preconceitos tao prontamente, os cientistas

sociais estariam mais bem-ocupados concentrando seus esforcos

no desenvolvimento de uma teoria mais adequada do consumis-,/

rna moderno. E isso 0 que tentaremos agora.

Parece haver concordancia geral e rnuito difundida de que 0

consumo moderno e caracteristicamente consumo "de luxo' e,

embora essa palavra tenha sido variadamente definida, ela possui

duas diferentes, se bem que aparentadas, conotacoes. A primeira

e a ideia de que ur n "luxo" e , nu m certo sentido, um item super-

fluo, alga que e desejado mas e adicional a carencia, Na verdade,

e 0 proprio contraste entre os conceitos de "carencia" e "nccessi-

dade" que se acha no cerne dessa formulacao do termo, como

Sombart deixa claro em sua assertiva de que "0 luxe e qualquer

despesa maior que a do neccssario".! Como outros que fazem -

essa distincao, Sombart reconhece que ela nao pode ser absoluta,

mas varia entre indivfduos e grupos, bern como ao longo do

tempo, e ele teria concordado com a descricao feita por

McKendrick da revolucao do consumidor na Inglaterra do seculo

XVIII, como urn processo em que os luxos de ontem se tornam as

necessidades de hoje.? uma transicao que foi identificada como 0

desfgnio primordial da industria de publicidade contemporanea.'

o segundo dos dois significados encontrados na palavra"luxo' e a referencia a experiencia sensorial e agradavel, Neste

caso, a enfase esta mais sobre 0 verbo do que 0 nome e, conse-

quentemente, mais nas atividades do que nos objetos. Uma pes-

soa pode contrastar urn "item de luxo" com uma "necessidade

basica", mas "luxar", por exemplo, num banho quente, e contras-

tar uma experiencia ricamente sensorial e agradavel com uma

outra conium, nao-estimulante ou desagradavel. Urn contraste

semelhantc se superpoe quando alguern "luxa" ao sol OU, mais

metaforicamente, com urn elogio. Em cada caso, a feicao cornum

~0 desfrutar da dimcnsao agradavel de uma cxperiencia. Agora,

esse aspccto do concerto de luxo vem tcndcndo a iludir mais a

atcncao dos cconomistas. Dos autores classicos. somentc

Sombart elucidou claramente 0 que Trilling chamou de "comple-

xo de prazer, sensualidade e luxo"," percebendo que, "na base",

urn "amor pelo luxo" podia derivar de "prazeres puramente sen-

soriais",' junto com Scitovsky, 0 unico economista contempora-

neo a tentar perseguir essa linha de pensamento.v A partir dessa

perspecti va, 0 luxo constitui 0 meio para 0 prazer, enquanto as

necessidades sao meramente tudo aquilo de quanta se careca para

a manutencao da existencia, urn estado que se define melhor com

a palavra "bem-estar". Desse modo, 0 contraste original entre a

carencia e a necessidade pode ser aparentado com a diferenca

entre as atividades que tern em vista mitigar 0mal-estar e aquelas

que dao prazer; e, embora se possa querer sustentar que essas

categorias tern congruencia, tal raciocinio nao e convincente.?

Essa interpretacao do conceito de luxe nao figura de maneiraabsolutamente distinta em teorias de consumo e do comporta-

mento do consumidor, enquanto a suposicao comum parece ser a

de que a busca do prazer e assimilavel dentro de uma existente

estrutura utilitaria.f Uma vez reconhecido, porem, que prazer e

utilidade sao conceitos muito diferentes, que se ligam a aspectos

contrastantes da conduta humana, esta aberto 0 caminho para se

desenvolver uma teoria do comportamento do consumidor que se

apoia mais numa estrutura de pensamento hedonista do que utili-

tar ia . 0 erro de equiparar os dois parece provir da descuidada for-

mulacao original de Bentham, em qu e a utilidade e descrita COIno

"essa propriedade que produz beneffcio, vantagem, prazer, bern,on felicidadc' "? Desde que estes sao conceitos muito diferentes

(ou, pelo menos, 0 terceiro nao e equiparavcl aos dois primeiros),

o desenvolvimento subseqtiente do utilitarismo exigiu que algu-

rna selecao devesse ser feita a partir dessa I is ta e, na conclusao, 0

"bern ficou identificado com 0 "necessaria", 0que servia para if

ao encontro das carencias humanas, COIn a consequcncia de que 0

conceito do prazer foi, em grande parte, ignorado.!" Deixando de

lado 0 problema da significacao dos conceitos de prazer e neces-

sidade para qualquer teoria da etica, 0 ponto principal a ser aqui

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o o A I ~T IC A ROMANTICA E 0 ESP[RITO DO CC) [ ' \S L:rvllS?vlO l \10DEFtI \O o H E D ON I S rv l0 TRADICIONAL E l v lODERNO

Essencial a esse contraste e a diferenca de significado entre

os conceitos de carencia e satisfacao, de urn lado, e os de desejo e

prazer, do outro. 0 primeiro se relaciona com urn estado do ser e

sua perturbacao, seguido pelo ato de restabelecer 0equilibria ori-

ginal. Conseqiientemente, urn estado de carencia e urn estado de

privacao, em que falta a uma pessoa alguma coisa necessaria amanutencao de uma dada condicao de existcncia, e a compreen-

sao do fato leva a atividades explorat6rias no ambiente, com 0 fim

de procurar tudo quanto seja capaz de remediar essa falta.0 para-

digma desse modelo e a proeura de alimento, que resulta de uma

percep<; ;ao da fome. Em contraste, 0prazer nao e tanto urn estado

do ser quanto uma qualidade da experiencia. Nao propriamente,

em si, urn tipo de sensacao, 0 prazer e uma palavra usada para

identificar nossa reacao favoravel a certos padroes de sensacao.U

o desejo e 0 termo usado para a refcrencia a uma disposicao moti-

vacional para experimentar tais padroes, sendo isso detonado pela

presenca, no ambiente, de Ulna reconhecida fonte de prazer. 0

paradigma desse modele e a iniciacao da atividade sexual que se

segue ao encontro de um(a) parceiro(a). Podc-se ver, de acordo

com isso, que a procura de satisfacao e a procura de prazer sao

especies de atividade basicamente muito distintas, a prirneira

sugcrindo urn processo de ser "impelido" a partir de dentro a aair. . ~

com 0 fim de res taurar urn equilfbrio perturbado, enquanto 0

segundo implica u rn out ro , de ser "puxado" de fora C O I n 0 fimde

experimentar urn estfmulo maior.i?

•~~

IIf

,

/"

Agora, poder-se-ia argumentar q~e a ~rocura de prazer ~

mcramente uma forma de procura de satJsfa<;ao, em que 0prazer e

o produto de que a pcssoa se sente privada, e que, como conse-

qiiencia, sua busca c a da "satistacao' ' ( lue 0 praz.er p~de/ trazer.

Pode-se, igualmente, sustentar que a procura de satlsfa~ao e_me:a-

mente uma forma da procura de prazer, em que a satls~~t;a~ e 0

nome que n6s damos a s condicoes produzidas pela e~perlencla doprazer. Curiosamente, contudo, embora tal malabarls~o ~om as

palavras pareca juntar estreitamente as duas concep~oes, ~ claro

que persiste uma diferenca. Porque, num caso, a tensao e~ta sobre

urn estado do ser, enquanto, no outro, e sobre uma qualidade da

experiencia e, embora inter-relacionados, estes nao pod~~ ~er

diretamente equiparados. Conseqlientemente , a conduta ?lflglda

para a satisfacao e a dirigida para 0 prazer tern nece.ssa:l~mente

uma tendencia a tomar diferentes formas, levando os In~lvlduos a

dirigir a atencao para aspectos contrastantes. de seu amblente:

Os objetos possuem util idade ou capacldade de pro~orclon.ar

satisfacao. E, nesse sentido, urn atributo intrins~codas coisas rears:o alimento pode aliviar a fomc, a roupa proporctona c~lo~,as casas,

abrigo, aspessoas, ateicao. 0 prazer, por outro la~o, nao e u~a pro-

priedade intrinseca de qualquer objeto, mas urn tIP 0;,de reacao que

os homens tern comumente, ao encontrar certos csnmulos. 0 pra:

zer nao e sequer uma propriedade dos estfrnulos, mas se.refere a

capacidade de reagir aos estimulos. de deten:nnada ~anelra. P~o-

curar satisfacao e , assim, envolver-se com objetos rears, com 0 fim

de descobrir 0 grau e a especie de sua utilidade, enquanto procurar

prazer e expor-se a certos estimulos, na es~erans;a de que estes

detonarao uma resposta desejada dentro de S1 mesmo. Por ~onse-

guinte, enquanto urn, caracteristicam.ente, ....rec/is~usar o~~bJetos afim de descobrir seu potencial de satisfacao, so e necessano a uma

pessoa empregar os seus sentidos a fim de.experimentar prazer e,

mais ainda, enquanto a util idade de urn objeto depende do que ele

e , a significacao agradavel de urn objeto e ~ma funcao do que .se

sup6e (lue ele seja. Assim, enquanto s o a realidadc pode proporcio-

nar satisfacao, tanto ilusocs COJTIO enganos podem dar praz~r.

Isso pode ser ilustrado COlli 0 simples excmplo da ~11n1enta-

cao, pois enquanto, de U11 1 lado, uma pessoa pode estar interessa-

salicntado e que, sociologicamcrue falando, clcs implicam rnodos

de agir contrastantes. Ou seja, urnmodclo de motivacao humana

que admita ser a acao orientada para "a sat isfacao das carencias"

tern de fazer suposicoes difcrentcs de acordo COllI aquelc que

tome uma orientacao para a busca do prazer como seu axioma, ao

mesmo tempo que nenhum dos dais pode, percepti velmente, ser

reduzido ao outro.

Ulna teoria da conduta hedonista

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92A E TIC A ROMAN TIC A E 0 E spiR ITO D O CONSC tv I IS~ ' 1 0 i \ 1 0DERNO

( ) I - IE . D ( 1N IS rvi 0 TRi\D IION A L . E " L vIo Di~I{No 93

da principalmente na uti lidade do alimcnto e enl sua funcao de

remcdiar urn estado de priva~ao, do outro, a pessoa pode dirigir

sua aten<;ao para os prazeres a serem obtidos corn essa ati vidade,

principalll1ente (enlbora nao exclusivamente) os produzidos atra-

YeS do paladar e do oIfato . Nenhuma das duas tern de envolver a

outra, pois muitas substancias nutritivas podem ser experimenta-das como sendo extremamente desagradaveis, enquanto substan-

cias agradaveis (como a sacarina) podem nao ter absolutamente

nenhum valor calorifico ou nutri tivo. Alern disso, alimento e

bebida podem proporcionar prazer atraves dos sentidos sem nada

ser ingerido, como no caso do aroma de urn bife ou do buque de

urn vinho, enquanto se pode ir ao encontro da carencia de nutri-

cao por parte do corpo por urn processo de inje9a o direta que con-

torna inteiramente as papilas gustativas.

Esse exemplo serve para se chamar a atcncao para uma dife-

ren~a crucial entre urn estado de satisfacao e a experiencia de

alguma coisa como sendo agradavel, que e a de q ue a segunda e

inseparavel da atencao que prestemos nela. Assim, enquanto nao

e absurdo perguntar se um a pessoa inconsciente esta em condi-

~oes "satisfat6rias" , parece positivamente tolo perguntar se ela/. ~

esta experlmentando prazer. E necessario estar consciente das

sensa90es a fim de extrair delas prazer, pois "prazer" e , efetiva-mente, urn juIgamento feito por quem 0 experimenta. Comoobserva Gilbert Ryle,

A uma pessoa, e impossiveI, nao psico16gica mas logicamente

impossivel, estar-se comprazendo C O In a musica enquanto sern

prestar absolutamente nenhuma atencao a ela, ou estar detestando 0

vento e a saraiva enquanto intei ramente absorto em brigar com

seu(sua) companheiro(a). Ha uma especie de contradi9ao em se

descrever alguem distraidamente desfrutando ou nao gostando dealguma coisa.l:'

nao exclui a possibi lidade de que urn grupo de pessoas possa jul-

gar agradavel urn estirnulo comU111 ou de que os indivfduos sejam

incapazes de prever as preferencias ou ant ipatias uns dos outros.

Esse carater comunal dejulgamento, no entanto, depende crucial-

mente da existencia de gostos partilhados, tern 0 apoio do exten-

so conhecimento dos valores, crencas, atitudes (e ate, possivel-lllente, dos caprichos) das outras pessoas. Em outras palavras,

exige-se urn alto grau de conhecimento e de identificacao huma-

na antes de ser possivel fazer algo como urn preciso julgamento

referente a cxperiencia de prazer duma Dutra pessoa. Isso e muito

menos verdadeiro quanta a satisfacao, que se poderia dizer que

possui urn grau mais alto de validade intersubjetiva, sendo a pri-

vacao observavel ate urn ponto em que 0 "desprazcr" nao 0 e .Caracteristicamente, 0 comportamento da procura do bem-

estar e iniciado pelo reconhecimento de uma carencia especifica

e, conseqtientemente, 0 procurado estado satisfat6rio e muito

especial em sua forma, tanto que a outros objetos, que tambempodem, todavia, possuir "utilidade", falta a capacidade de propor-

ciona-la. Assim, vestir-se nao trara alfvio para os tormentos da

fome, nem 0alimento abrigo para 0 frio. A proeura do prazer, por

outro lado, nao toma caracteristicamente essa forma pois, embora

alguns "prazeres" possam ser preferidos a outros, esta qualidade

pode ser achada numa ampla serie de experiencias, que chegam a

ser, portanto, numa extensao consideravel, intercambiaveis.

Frustrados pelo man tempo em nosso desejo dos prazeres conse-

guidos com 0 banho de sol na praia, por exernplo, podemos

encontrar urn deleite alternativo numa galeria OU parque de diver-

soes, ja que 0 constrangimento que limita a nossa procura de pra-

zer esta mais nos nossos "gostos" do que no nosso ambiente.

o prazer pareceria derivar da capacidade mantida pelas sen-

sacoes de agir como estimulos e, consequcntcmente, produzir urn

estado de "excitacao" dentro de n6s. Assim, nao e a natureza

substantiva das sensacocs, mas seu potencial de estimulacao que

mais diretamente concerne a geracao do prazer. No entanto, desde

que um estimulo s o pode ser identificado (e, na verdade, defini-

do), contextualmentc, COIllO algo percebido par urn orgao senso-.

r ia l de encontro a um contexto de sensacoes, a estimulacao conti-

Satisfacao, por outro lado, e 0nome para um efeito da acao e

que, em principio, esta aberto a avaliacao de qualquer pessoa. E~ /.

por essa razao que e mars cornurn os outros nos assegurarelll que

de fato encontraremos algo "satisfat6rio" do que lhes e assegurar-

nos que encontraremos alga "agradavcl". Isso, evidentemente,

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94 A E T IC A R O MA N TI C A E 0 ESPIRITO DO CON SU: \ fl S iv I O rvlODERNO 95

nua precisa de continua mudanca.Tlm dado cstunulo, se imuta-

vel, rapidamente dcixa de ser um estfmulo c, desse 1110do , nao

pode dar prazer (como uma tinica nota de musica, se rnantida

indefinidamente scm variacao em volume ou na altura). Sao, por-

tanto, as rnudancas em sensacocs monitoradas que produzem pra-

zer, em vez de qualquer coisa intrinseca a sua natureza e, enquan-to urn ambiente totalmente imutavel podia ser satisfat6rio, e

improvavel que pudesse ser experimentado como prazer . Con-

clui-se daf que a capacidade de experimentar prazer repetidamen-

te a partir de sensacoes provenientes de atividades e ameacada

por uma exposicao a elas freqtiente demais ou prolongada .

demais: e , a esse respeito, uma funcao da experiencia precedente.

A capacidade de obter a satisfacao das carencias a partir dos obje-

tos, no entanto, e uma funcao do uso geral que foi feito deles e,

conseqlientemente, do gran de utilidade que eles ainda possuem.

Assim, enquanto 0 potencial de prazer de qualquer situacao e ,

cssencialmente, uma funcao de seu poder estimulativo em con-juncao com a experiencia passada, seu potencial de satisfacao e

uma funcao do grau em que os objetos em discussao, de urn modo

geral, foram "explorados".

A dor e 0prazer estao envolvidos em aspectos contrastantes,

nesses modelos alternativos de comportamento humano e inten-

cional. Uma vez que nao sao efetivamente opostos, nao podem

ser encarados, a maneira de Bentham, como se fossem os p6los

norte e suI motivacionais da conduta. A dar e uma sensacao e,

como tal, pode ser identificada e descrita: podemos observar que

ela e uma dor "angustiante", "Iatejante" ou "abrasadora", e se

localiza em nosso pe OU na cabeca. 0 prazer, por outro lado, e

menos uma sensacao individual do que a qualidade de uma expe-

riencia e, se nos pedem para localizar e descrever 0 prazer, nor-

malmente somos obrigados a responder estendendo-nos sobre a

natureza dessa cxperiencia ..Certamente nao temos 0 habito de

dizer que temos urn prazer no pe, ou de classi ficar os prazeres

conforme as diferentes qualidades das suas scnsacoes, como

observa Gilbert Rylos.!+

A dor e , de fato, mais comurnente, urna das sensac;6cs que

scrvem para nos advertir de uma carencia cxistente ou imincnte,

• _

como no caso dos "tormentos" da fome. Por consegumte, e urn

ingrcdiente importante no modelo de comportamento humane da

procura de satifacao, de que se pode dizer, com UITI considcravel

grau de precisao, ser "dirigido" pela necessidade primaria de evi-

tar a dar e 0mal-estar. 0fate de 0 alivio da carencia tambem ser

comumente uma experiencia agradavel e uma razao pela qual

uma fuga da dor e uma busca de prazer sao frequentemente con-/ ~..

fundidas. Onde, porem, a busca do prazer e urn motrvo pnmeiro

(mais do que 0 acompanhamento incidental) dos atos, e improva-

vel haver quaisquer carencias urgentes que exijarn atencao e,

assim ..nenhuma "dor" a ser evitada. Ao contrario, 0desejo domi-. . .

nante do hedonista e de estimular expcriencias, e a pr6pr ia dor

pode ser urn meio extremamente eficaz de proporcionar precisa-

mente tal excitacao agradavel.

Como foi observado, e improvavel que urn estimulo isolado

ou imutavel seja experimentado prazerosamente; pode, porem, ser

doloroso. 0 prazer, desse modo, parece provir de urn padrao e,mais habitualmente, de uma sequencia de cstimulos: e , nesse sen-

tido, uma funcao do processo de continua estimulacao. A dar, por

outro lado, parece estar primordialmente relacionada com a inten-

sidade de urn estimulo, ocorrendo uma vez que este alcance urn

dado limiar. Parece ser esta a principal razao por que "uma" dor se

refere, caracteristicamente, a uma sensacao individual, enquanto

"urn" prazer, habitualmente, impl ica uma atividade completa.

Alem do que, isso explicaria 0 fato de 0 prazer ser muito menos

localizado do que a dor, pois 0 t1uxo de estimulos absorve, carac-

teristicamente, uma area maior de receptores. Tarnbem parece

haver alga intrinsecamente ritmico ou semelhante a ondulacao emtomo dos padr5es que geram prazer, como se subentende na natu-

reza inerente a atividade sexual, enos deleites ao mesmo tempo do

movimento e da massagern.!" 0 prazer, portanto, parece ser uma

mclodia fcita con) as notas dos cstimulos individuais, enquanto a

dor 0 e corn uma ou mais notas de volume excessive. 0 bem-estar

c um estado en1 que a pessoa nao se acha exposta a qualqucr rufdo

demasiadamcntc forte, cnquanto 0 tcdio e 0 produto de nada se

expcrirncntar alem de cstimulos desarmoniosos. Se csta de Iato eUl1U1mcuifora reJcvante , cntao nao deve ser surpreendcntc que

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97

96 A E TI CA R OM A.N TI C A E 0 ESPIRITU DO CONSUrvllS1vl0 Ivl0DERNOo HE D ONIS~V10 TRAD IC ]O~ AL E i vl 0DERNO

algumas pessoas desenvolvarn urn gosto para "estrondos explosi-

vos", em suas melodias favoritas.!"

Finalrnente, para rei terar a principal conclusao deste estudo ,

embor~ muita atividade humana seja de uma especie capaz de

produzir t~n.to prazer como satisfacao, 0 faro de que estes prove-

nham de diferentes aspectos da relacao do individuo com 0meio

signif ica que exis te uma escolha fundamental de orientacao. Para

p~~s~e~uirno exemplo da alirnentacao, urn interesse pelo prazer

dirigira a atencao para as primeiros bocados e para provar dife-

rentes grupos de iguarias a fim de experimentar novos estimulos.

enqu~nto urn ifl.teresse pela satisfacao dirigira a atencao para ~

quant idade comida e para 0ponto em que todas as "carencias" do

corpo estejam completamente contentadas. Cada orientacao tra-

balha para excluir a outra, com 0 foco da atencao colocado OU na

qualidade de uma experiencia, ou num resultante estado de ser.

Nao e provavel que essa escolha entre a acao dirigida para

elev.ar a satisfacao e aquela dir igida para elevar 0 prazer fiquepartlcula~:ne~te manifesta para as pessoas que raramente fogem

d~experlencl~ o~ da ameaca de privacao. Isso se da porque a ati-

vidade que alivia 0mal-estar da carencia tambem traz prazer.

Nao, ha, portanto, nenhuma necessidade de tais pessoas fazerem

uma escolha entre esses objetivos, pais, ao se concentrarem sim-

plesmente na satisfacao de suas carencias, elas naturalmente

encontrarao prazer. Desse modo, embora 0prazer que ingerir ali-

mento pode proporcionar ao homem faminto seja, de fato, urn

subproduto do seu afa de acabar com seu estado de fame, e uma

parte rea l e integral de sua experiencia. Quando, porem, a satisfa-

~aode tais carencias se tamar urn acontecimento regular e garan-tido , e osmal-estares associados a privacao deixarem de ser expe-

rirnentados rotineirarncnte, entao tambem assim virao a ser as

prazer~s que acompanham aquele alfvio. Provide, por exemplo,

de refeicoes abundantes e regulares, 0homem rnoderno raramen-

te cxperirnenta verdadeira fome, ou a intensidadc do prazer que

COBlerpode p ro po rc io na r n e ss as circunstancias.!? .

/\ esse respeito, e fundamental reconhecer que, sc urn indjvi-

:l,tO fossc expcrimentar urn cstado de permanente c pcrfeita satis-

. I I , ;\ ~ I" ( O i l ' r.unbern seria privado de prazcr. Isso se conclui natural-

mente do Iato de que ser ia necessario tolerar os Inal-estares que se

desenvolverialTI associados a Ulna carencia , antes de podcr scr

obtido prazer a partir do processo de sua mi ti ga< ; ao . ~~ ver~ade,

a extincao do experimentar a carencia envolve a ellmln~~ao_ de

todos esses poderosos csumulos que naturalmente se ma~lfestam

e, par conseguinte, da pr6pria possibilidade de prazerA In:ens~.Portanto, enquanto os mat-esta tes da privaceo e da carenCla sao

parte substancial da vida cotidiana do in~ividuo, ~a~h a n~nh~m

dilema no tocante a se teT de conceder mars alta prlofldade a sans-

fas;ao ou ao prazer. E 0 aparecimento da "abundancia" que traz

este problema enl sua esteira.l8

o hedonismo tradicional

Historicamente, portanto, e com 0 desenvolvimento de uma

economia suficientementeeficaz

para proporcionar urn co~s:~nteexcedente de viveres que OC01Teram tanto as come~os da civiliza-

93.0 quanto as primeiras experiencias dess~ ~i~e~a. Para os meffi-

bros da pequena elite que desfruta dos pnvlleglos do poder ~ da

riqueza, a regular satisfa9ao das carencias pode ser ~arantlda~

com 0 resultado de que eles experimentam, em suas vidas, uma

perda de prazer. Este se torna, entao, ..~ cf.ucial, a procu:ad~ e

escass'a mercadoria, te nd o p or consequencla que, pela prlmelra

v ez , a b usc a do prazer po r amor a ele pr6prio, em v ez d e .su a m e ra

aprecia~ao como um complemento da a<;ao le:a~a adlante pOf

outras finalidades, assume 0 caratcr de urn objeti vo claramente

distinto e definido da acao.'?A principio, a resposta do hedonista tradicional, quando colo-

cado diante da perda do prazer que ocorre naturalment~ com?

conseqtiencia da satisfacao garantida, e a tentativ~ de r~crlar a:tl-

ficialn1ente 0 ciclo em que se exper imentavam satisfacao e caren-

cia. Os romanos. por oxcmplo, sc faziam del iberadamente nau-

sear para poderen1 ser capazes de con~~nuara ~esfrutar dos p:a~~~

res de corner, alem do ponto ern que flcavam fartos. Junto d~ tars

tcntativas de repet ir s itua90es de prazer suplementar, tambenl sc

rcvcla Ull13resposta epicurista para 0 problema de aunlentar a

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98A E T1 CA R OM AN 'l'I CA E 0 E sp fR IT O DO CONSL~?\'1ISf\' 'lO r . . t lODERXO 99

fruis;ao de uma pessoa. Envolvc, csta, a cuidadosa l11anipulas ;ao

das s~nsa<;6~s associadas aos apetites, a firn de elevar scu impac-

to estimularivo, sendo neste contexto que se desenvolvem "artes"

tais como aquelas praticadas pelo cozinheiro e pela concubina.

Essa manipulac;ao, contudo, se restringe a s atividades costumeira-

mente ident if icadas como "prazeres" e caracteriza a del iberadamodificac;ao dos estimulos reais.

o aspecto fundamental deste processo e uma inerente tenden-

cia para 0 despotismo. Desde que 0 prazer, de maneira bem-

sucedida, s6 pode ser avaliado subjetivamente, ainda que seja uma

funcao das sensacoes provindas dos objetos e acontecimentos no

~mbiente, aqucleta) que procura 0prazer sera naturalmente irnpe-

lido ~ adqulrl r cada vez maior controle sobre todos aqueles que 0

rodeiam. Tal controle n a ~ e meramente uma questao de assegurar

que os outros se submetam a sua vontade, mas especialmente de

possuir completo poder sabre todas as fontes de sensacoes, de

modo que se possam fazer ajustamentos continuos que asseguremo prazer prolongado. Havera, todavia, urn irredutivel elemento de

fr_ustra~ao, mesmo para 0mais poderoso dos individuos , ja que

nao a~enas algumas acoes deixarao de ter a especie de poder esti-

mulativo antegozado nelas, enquanto alguns cstfrnulos permane-

cern "fora dealcance", como tambern se mostrara impossIvel,

aqueles que procuram agradar seu mestre, antecipar de maneira

bem-sucedida todas as suas alteracoes de gosto e humor.

o potentado, nao obstante, empregara seu consideravel poder

sobre ? S outros, a f im de selecionar e manipular os est imulos que

expenmenta. 0 modo mais 6bvio de fazer isso e variando os

meios empregados para produzir satisfacao, fomecendo alimento

para as carencias. Assim, sua mesa e coberta de urn sortimento de

comidas ex6ticas, preparadas de diferentes maneiras, e comple-

mentadas por varies vinhos. Alem disso, 0 se u harem fornece ali-

mento variado com relacao a s carencias sexuais, enquanto entre-

tenedoras de todo tipo procuram, de di vcrsas n1aneiras, extimular

os seus exaustos sentidos. 0 ult imo ponto mostra que nao e ape-n~s atraves dos sentidos de "contato", 0 paladar, 0 olfato, 0 tato,

visto como estes se relacionarn corn os "apet ites"~ que a es t imuJa-

9a o agradaveI pode scr experin1entada'l mas tambem atravcs dos

"distantes" , a visao e audicao. E nessc ultimo contexto, cvidcnte-

mente, que se dcscnvolvem os prazeres das artes. Finalmcnte, 0

potentado podia tentar cxpandir suas expericncias agradaveis, sc

cncarregando pessoalmentc de energica atividade que proporcio-

ne, por si mesma, estimulacao direta, tais como a caca ou mesmo

a guerra. Cada uma dessas trilhas para 0 prazer, porem, encerra

serias limitacoes que agem para bloquear a ulterior racionalizacao

da acao hedonista.

A obtencao de prazer atraves da manipulacao dos meios de

satisfazer as carencias dos apetites e severamente limitada pelo

pequeno numero dos sentidos humanos de contato e a restrita

extensao das sensacoes que eles podem perceber. 0 sentido do

paladar (que e tambem 0 sentido do olfa to), por exemplo, s6 ecapaz de distinguir as quatro categorias de salgado, doce, amargo

e azedo. 1 3 claro que qualquer figura moderadamente poderosa

pode logo exaurir 0potencial de novos prazeres estimulativos que

eles podem oferecer. Os distantes sentidos "nao-apetitivos" davisao e da audicao sao, comparativamente, capazes de muito mais

..

fina diferenciacao e, conseqtientemente, apresentam maiores pos-

sibilidades de estimulacao agradavel, alga que se ilustra bern com

a enorme extensao dos esti los artist icos manifestos em culturas

do passado e do presente. Infe lizmente, esse dila tado poder de

diferenciacao se associa a urn poder grandemente diminufdo de

incitamento, de tal modo que os est imulos auriculares e visuais,

neles proprios, nao tern qualquer coisa parecida com a mesma

capacidade de excitacao ffsica que aqueles mediados pelo paladar

ou tato.

Desse modo, ainda que 0 despota seja entretido por malaba-

ristas, acrobatas e dancarinos, e possivelmente ate por espetacu-

los tais como jogos atleticos ou gladiat6rios, as prazeres que estes

proporcionam (inicialmente julgados fracas em comparacao corn

os dos apetites) rapidamentc pcrderao a graca, As artes , por outro

Iado, COl1JO as represcntadas pela musica, pela poesia c pclo

drama, parecem ter Blais potencial para agradar 0 hedonista,

quando menos porque ofcrcccrn rnaior varicdade e complexidadc

de cstimulos do que e POSS!vel con] "entrcteni mentes' tradicio-

nais. E~portanto, a dimensao cstetica da expcricncia q ue parece

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1 n o A ETICA RO MA NTIC A E 0 E SP IR IT O D O C O N S U1 fI Sy l0 I'vl0DERNOo I-IEDO!'JIStv10 Tl{A"DICIONI \L E Iv l0D "ERNO J ( ) ]

oferecer a rnaior promessa para a ulterior racionalizacao da pro-

cura de prazer. Infeliztnente, a difercnca do simples entreteni-

mento, as artes nao existcm com a finalidade unica de dar prazer.

Na verdade, nao e mesmo sua funcao primordial. Elas servem

para defender e transmitir valores essenciais e crenras rel i aiosasb ,

politicas e morais, resultando dai que consideraveis embaracos

sao colocados na possibilidade de manipular deliberadamente os

esttrnulos esteticos, corn 0 fim de aumentar 0 prazer. Seja como

for, 0 potentado tern urn claro interesse em nao procurar 0 seu./ .. ~ ...

propno prazer ate 0ponto de mmar a base legitima da sua autori-

dade e, desse modo, nao estara inclinado a despojar as artes de

suas essenciais funcoes ideol6gicas.

Ha, porem, outro caminho que parece ofcrecer uma solucao

bastante diferente para 0 problema. E procurar 0 prazer quando

este se manifesta como urn acompanhamento de atividade inten-

siva ou fatal. A a~ao constitui seu pr6prio estimulo, atraves do seu

efeito de incitamento geral sobre 0 corpo e, se se associa a aeon-

tecimentos que apresentam um com.ponente de risco, de incertezaou perigo, havera tambem 0 acrescido componente do incitamen-

to emocional, A caca e a classica atividade de elite que pode pro-

porcionar 0prazer de tais fontes, mas a luta (seja a serio, seja no

jogo) e Dutra possibilidade. 0 acabrunhante problema aqui, para

o hedonista, e a inerente dificuldade de se concentrar no clemen-

to do prazer. As exigencias da acao requerem que 0 foco da aten-

< ;30 esteja sobre a tarefa a mao, imediata, especialmente se exis-

tern verdadeiros perigos (e, no entanto, sem eles 0 incitamento e-'

dirninufdo). E provavel que qualquer perccpcao do prazer, assim,

seja retrospectiva OU, naturalmentc, antecipadora, mais do que

concomitante a propria experiencia. Ha, alem disso, a desvanta-gem muito real de que procurar 0 prazer primordial atraves da

"acao' dessa especie e ameacar seriamente 0 ntvel de satisfacao

duma pessoa, expondo-a a "dores" potenciais de ferimento, priva-

< ; 3 . 0 , mal-estar ou morte. Finahnente, neste caso tambcm, a ativi-

dade afctada e habitualmente de alto significado para a atribuicao

de status e, dcsse modo, a necessidade de prestigio opera para

inlpO[ o estoicismo sobrc quaisquer tendencias hedonistas.T

o fato de que as atividades que dao prazer tambem preen-

chern outras importantes funcoes e urn obstaculo maior para a

racionalizacao ulterior do hedonismo nas sociedades tradicionais.

Mesmo a procura de prazeres apetitivos e comprometida, a esse

respeito, por uma preocupacao continuamentc predominantc com

o aumento da satisfacao. A possibilidade de que possa ser neces-

saria sacrificar un1 tanto disso com 0 fim de intensificar 0 prazer

da pessoa nao e reconhecida au, se 0 e, rejeitada por causa da fun-cao simb61ica dos sinais do luxo e conforto. Pois 0 luxo, na forma

do excesso opulento, e mais do que uma garantia contra a possl-

vel privacao: e tambem a propria indicacao manifesta do poder e

da riqueza; conscquentemcnte, sacrificar um tanto disso no inte-

resse de maior prazer seria ameacar uma vez mais a base da auto-

ridade do potentado. De fato, como 0 conflito fundamental entre

o conforto e 0prazer nao e reconhecido, havendo meramente uma

consciencia de que 0 prazer parece cada vez mais diffcil de se

obter, os simbolos do luxo, em ambos os aspectos, tendem a ser

acuradamente identificados. Os banquetes, por exemplo, const i-

tuem urn excesso e uma ampla variedade de comida, enquantonumerosos criados atendem a s necessidades e desejos das pes-

soas. A riqueza e 0poder tern sfrnbolos comuns.

Uma questao mais basica, porem, se acha no caminho da ul te-

rior racionalizacao da procura de prazer, e provem da natureza

intrinsecamente subjetiva dessa forma de atividade. Como foi

acima observado, 0 prazer s6 e aberto efetivamente a avaliacao

pelo estimulado, e s6 pode ser aquilatado, na melhor das hip6te-

ses, pelo estimulador, na base da experiencia, do conhecimento

do tema e de uma penetrante lei tura das deixas do comportamen-

to. Conclui-se dai, obviamente, que nenhuma outra pessoa esta

em tao boa posicao para proporcionar est imulacao agrada vel

quanta 0 pr6prio hedonista, pois, entao, os problemas resultantes

de avaliar a natureza precisa da estimulacao desejada e de cornu-

nicar isso a outrem de forma bem-sucedida se tornaram desneces-

sarios.Desse modo, 0 potentado, nao importa quao amplos

venham a ser seus podcres. nao podc nunca expcrimcntar essa

intcnsidade de prazer que, ern princfpio, seria disponfvel se ele

estivesse numa posicao de criar e controlar diretamente os estf-,

mulos. E a cornpreensao dessa possibilidade do hedonismo auto-

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"1 {)2A E TI C A ROMANTICA E 0 EspiRITO DO C O N S U : \ - 1 I S I v I O Ivl0DERSO 1 ()3

nomo que, ap6s urn hiato demuitos scculos, constitui 0 major

avanco na racionalizacao da procura do prazcr. Tal desenvolvi-

Inento tambem e cxigido antes que 0 hedonismo possa ser Ulna

orientacao verdadeiramente universal, em vez de sin1pleSl11ente

uma preocupacao dos poucos poderosos.

ohedonismo tradicional envolve mais uma preocupa9a o COIn

os "prazeres" do que com 0 "prazer", havendo urn mundo de dife-

renca entre valorizar uma experiencia porque (entre outras coisas)

eIa d a prazer e valorizar 0 prazer a que as experiencias podem

levar. 0 primeiro e 0 do antigo modelo, e os seres humanos de

todas as culturas parecem concordar sobre uma Iista basica de ati -

vidades que sao "prazeres" nesse sentido, tais como cornida,

bebida, relacoes sexuais, sociabilidade, canto, danca ejogos. Mas

desde que 0 "prazer" e uma qualidade da exper iencia, ele pode, ao

menos em principio, ser julgado presente em todas as sensacoes,

Conseqiientenlente, a busca do prazer, teoricamente, e uma possi-bilidade que esta sempre presente em potencial, contanto que a

atencao do individuo seja dirigida para a cuidadosa manipulacaoda sensacao, em vez de para as convencionalmente identificadasfontes de prazer,

Essas duas orientacoes envolvem estrategias contrastantes.

Na primeira, a preocupacao basica e com 0 aumento do mimero

de vezes em que a pessoa e capaz de desfrutar dos "prazeres' da

vida; desse modo, 0 hedonista tradicional tenta passar cada vez

mais tempo comendo, bebendo, fazendo sexo e dancando. 0 indi-

ce hedonistico, al, e a incidencia de prazeres por unidade de vida.

No ultimo, 0 objetivo primordial da pessoa e espremer tanto da

qualidade do prazer quanto for possiveI, de todas aquelas sensa-

90es que realmente experimenta durante 0 transcurso do processo

de viver . Todos os atos sao "prazeres" potenciais dessa perspecti-

va, se puderem apenas ser abordados e empreendidos da maneira

correta: 0 indice hedonistico, ai, e a extensao em que a pessoa e

capaz de extrair oprazer Iundamcntal que "cxiste" na propria

vida. Para perseguir essa meta, contudo, e necessaria nao apenas

ao indivfduo possuir especiais habilidades psicologicas, como asociedade ter elaborado uma cultura caracterfstica.

o crescimento do hedonismo moderno

A chave para 0dcsenvolvimcnto do hcdonismo moderno esta

no dcslocamento da prcocupacao primordial das sensacocs para

as emos;6es, pois e apenas atraves do veiculo destas ulti rnas que a

est imulacao poderosa e prolongada se pode combinar com qual-

quer grau significa tivo de controle autonomo, a lgo que provem

diretamente do fato de que uma emocao une imagens rnentais a

cst imulos f is icos . Antes, porem, que 0 pleno potencial do hedo-

nismo emocionalmente mediado possa rcal izar-se, varios desen-

volvimentos psicoculturais e criticos devem tef de acontecer.

Que as cmocoes tern 0 potencial de servir como fontes imen-

san1ente poderosas de prazer se conclui diretamente de serem elas

estados de alto incitamento: a intensa alegria aumedo, por exern-

plo, produz uma serie de mudancas psico16gicas nos seres huma-

nos que, por puro poder esmulativo, excedem qualquer coisa

gerada apenas pela experiencia sensorial. Isso e verdade seja qual

for 0 conteudo da emocao. Cer tamente nao e certo que algumasemocoes, como a gratidao ou 0 amor, sejam agradaveis, enquan-

to outras, como 0 pesar au 0 medo, nao 0 sejam, pois nao ha

nenhuma emocao de que nao se possa obter prazer."! Na verdade,

uma vez que as chamadas emocoes "negativas" freqUentemente

evocam sentimentos mais fortes do que as outras, elas realmente

proporcionam urn potencial maior de prazer. A questao, portanto,

nao e sabre que emocoes podem oferecer mais prazer, mas sobre

que circunstancias devem prevalecer antes de qualquer emocao

poder ser empregada com fins hedonisticos.

Crna emocao pode ser representada como urn acontecimento

que se acha caracterist icamente "fora" do controle de urn indivi-duo (au, pelo menos, isso e biografica e historicamente v~rdadei-

ro, se os desenvolvimentos subscquentcs sao ignorados). E, nesse

sentido, uma tcmpestadc de cornportamento que e suportada, em

vez de UJ11aatividadc que seja dir igida. Sob a influencia de emo -

< r o e s muito intensas, 0 comportamcnto das pessoas e Ircquente-

111cn t etao excessivo e ca6tico qu e se diz que cstao "fora de si" ou

"que pcrderam 0 juizo" , e I n eS1110 "que cstao possessas", Os indi-

viduos podem chorar ou gritar incontrolavelmente, dancar au COf-

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1()4 A ErICA R OM AN TI CA E 0 E SP IR IT O D O C ON SlH vllS rv l0 1 vI OD ER NO o H ED ON IS MO T RA DI CI ON AL E M OD ER NO1 ( ) S

rer Ioucamente para urn. lado e outro, e ate dar pancadas em si

mesmos ou arrancar os cabelos. Experiencias dessa especie inun-

dam claramente 0 individuo de urn tal excesso de estimulo. que

pode haver pouca possibilidade de gostar disso. E mais ainda,

como os exemplos sugerem, tal incitamento emocional e tao-

somente parte de urn maior complexo orientador do comporta-

mento, que envolve aberta atividade motora, de maneira que 0

medo se liga a fuga Oll a ira a agrcssao.i? Desse modo, nao apenas

e negada a capacidade do individuo de "apreciar" seu estado de

incitacao, como ele tambem tern sua atencao dirigida em sentido

contrario ao de qualquer apreciacao introspectiva da dimensao

subjetiva de sua experiencia, pela preparacao e cumprimento .da

acao. Antes que qualquer ernocao possa absolutamente ser "des-

frutada", portanto, ela deve ser submetida ao controle voluntario ,

ajustavel na sua intensidade e separado de sua associacao com 0

aberto comportamento involuntario.

Esta forma de controle emocional nao deve ser confundida

com a que ordena e regula as respostas afetivas que devem, neces-..sanamente, ser urn aspecto de toda vida social. Esse processo efundamentalmente relacionado a coordenacao dos padroes de coi-

bicao e exibicao emocional, sendo primordialmente realizado

mediante as exper iencias de socializacao comum. 1 3 6bvio que

todas as culturas exigem que os individuos aprendam quando e

como dominar, tanto quanto expressar, as emo~6es - urn proces-

so que consiste, essencialmente, em aprender quais as situacoes

que estao associadas com cada uma das emos;6es. 0 controle rara-

mente se estendec porcm, alem do exercicio de coibicao nas cir-

cunstancias em que nenhuma resposta expressiva e permitida. Em

outras palavras, elenao abrange urn processo de autodctermina-

< ; a o quanta a experiencia emocional, mas e precisamente no grau

em que urn indivfduo vern a possuir a aptidao de decidir a nature-

za e forca de seus pr6prios sentimentos que reside 0 segredo do

hedonismo moderno.

Esse controle auto-regulador e nitidamcnrc mais do que rnera

capacidade de rcprimir, embora seja csta a conotacao mais habi-

tualmente associada a expressao "controle das suas en1oc;6es",

Obviamente, esta e uma parte necessaria de tal habilidadc C, de

urn soldado que se empenha em subjugar sen medo quando em

combate, se pode realmente dizer que esta tentando "controlar"

tanto 0 seu estado de incitarnento quanta a manifestacao deste

ultimo em acoes observaveis. Se ele 0 consegue, sen medo nao se

uunsrormara no ato de fugir do campo debatalha e talvez, a

tempo, uma celia diminuicao da tendencia a experimentar a emo-

~aopossa ocorrer. Tal aptidao, porem, e de urn limitado controle"comportamcntal". em vez de inteiramente emocional , sendo um

poder exercido mais sabre a acao aberta do que sobre a dimensao

psicofisio16gica da pr6pria experiencia ernocional-" A expressao

"autocontrole" ou "autodisciplina" e apropriada a descricao do

sucesso a esse respeito.?" Urn papel mais importante da capacida-

de para 0 controle emocional se refere ao cultivo deliberado de

uma emocao, especialmente na ausencia de qualquer estimulo

"que ocorra naturalmente" e, embora seja isso, em parte, urn coro-

lario do poder de reprimir 0 sentimento, tamb e m . 0 transcende.P

Alcancar 0 "autocontrole" emocional no sentido negativo e, por-

tanto, urn antecessor e urn pre-requisito do desenvolvimento de

completo controle emocional e voluntaristico, pois, enquanto tal-

vez seja natural que os problemas apresentados pela presenca de

emocoes indesejadas devam ser mais pressionantes do que aqueles

cnados pela ausencia das que sao desejadas, os esforcos dirigidos~ .. . ~

para suprimir a emocao conseguem romper a muma associacao

entre 0 sentimento e 0 cOlnportamento aberto. Por se separar,

assim, a ira da agrcssao, ou 0medo da fuga, deu-se urna partida no

processo pelo qual a emocao se torna definida como uma faceta

ern grande parte interiorizada da experiencia humana-v

Evidentenlente, se um indivfduo dcve determinar seu pr6prio

estado emocional, entao e neccssario ser "isolado", de algum

modo, daquelas inevitaveis exigencias da vida que instigam tipi-

camente tais respostas. Na medida, portanto, em que os avances

no conhecilnento, na riqueza e no poder reduzem a exposicao da

pcssoa a s ameacas da escassez de alimentos, da doenca, da guer-

ra ou das desgra\.as ern geral, pode-se antever uma crescente pos-

stbilidade de controlc emocional. Embora isso seja verdadeiro, 0

descnvolvimcntc de recursos culturais para proporcionar tal "iso-

lamento" pareceria scr Ulna ocorrencia de muito maior significa-

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10 6 o HEDONlSlvl0 TRADICIONAL E : \1 0 D E RN O1()7

do, puis tal processo permitc consideravel amplitude no mcio

pclo qual qualquer situacao e definida. Desse 1110do, para recorrer

a urn exemplo, UDl sacerdote pode organizar os passageiros arne-

drontados, de um navio que afunda, numa congregacao religiosa

unida pela prece e, dessa forma, rebater0

medo e0

panicoambientes que, r itualmente, estimularam a esperanca e a calma,

Alternativamentc, urn comandante-chefe como Henrique V podia

empregar uma retorica r ica em poderosas e sugestivas imagens

para infundir coragem e deterrninacao em seus exaustos e cor-

rompidos soldados. Dessa maneira, os recursos simbolicos de

uma cultura podem ser empregados para redefinir as situacoes em

que determinados grupos se encontraram e, assim, efetuar

mudancas na disposicao do animo, um processo que se estende

alem do mero autocontrole, para abranger a substituicao de uma

emocao por outra. Somente se 0 proprio individuo dctem 0 con-

trole do emprego de recursos simb6licos 0 verdadeiro autodeter-

minismo emocional pode emergir . Por essa razao, e imprescindi-

vel urn declinio na importancia da manipulacao simb61ica coleti-

va da emocao. A instrucao, conjugada ao individualismo, parece-

ria ser 0 desenvolvimento principal a esse respeito, pais ela con-

fere ao individuo uma forma e urn grau de manipulacao simboli-

ca que foram previamente restringidos a grupos.

o ponto central a se ressaltar neste contexto e que somente nos

tempos modernos as emocoes vieram a ser localizadas "dentro"

dos individuos, como opostas a s "no" mundo. Assim, enquanto no

mundo contemporanco e t ido como certo qu e as e1110s ;6es se "ori-

ginam" dentro das pessoas e atuam como forcas que as impulsio-

nam para a acao, e caracteristicamente verdadeiro que, nas cultu-ras pre-modemas, as ernocoes sao vistas como inerentes a aspec-

tos da realidade, dos quais elas exercem sua influencia sobre os

seres humanos. Desse modo, Barfield assinalou como, na Idade

Media, palavras como "rncdo" e "alcgre" nao denotavam senti-

menta localizado dcntro de uma pessoa, mas atributos de aconte-

cimentos externos, referindo-se "rncdo' a urn acontecimento

repentino c inesperado, e feliz a uma peculiaridadc de coisas como

o dia ou a ocasiao.o A atitude e ernocao de "temor" 6 outro born

exemplo de urn aspecto da experiencia que foi considcrado pri-

mordialmcnte Ulna caracterfstica de Deus, em vez de reacao tipica

do homem a sua prescnca.Esses exemplos mostram como as fon-

tcs principais da intcrvencao no mundo foram vistas como existin-

do fora do homem, de onde elas nao apenas 0 "obrigavam" a agir,

como tambem 0 "enchiam" daqueles estados peculiarmente incita-

dos que se denominam emo~5es.28

Essa visao do homem e de sua relat;ao com 0mundo teve de

se alterar dramaticamente como uma consequcncia do processo a

que Weber deu 0nome de "desencanto", isto e , 0colapso da supo-

sicao geral de que agentes independentes au "espiritos" atuavam

na natureza.?? As origens desse desenvolvimento podem ser ras-

treadas desde 0 antigo judaismo , mas foram aceleradas pela

Reforma e atingiram sua mais completa expressao no iluminis-

mo. U rn corolario significativo do "desencanto" foi 0 processo

que 0 acompanhou, de tal "desemocionalizac;ao" que 0 ambiente

ja nao foi vista como a fonte primeira de sentimentos, mas como

uma esfera "neutra" govemada por leis impessoais que, enquantocontrolavam os eventos naturais, nao determinavam, em si mes-

mas, os sentimentos. Uma conseqtiencia natural desse desloca-

mento basico, na visao de mundo, foi que as emocoes se viram

relocalizadas "dcntro" dos individuos, como estados que emana-

vam de alguma fonte interna, e, ernbora estes nao fossem sempre

"espiritualiz.ados", ha uma opiniao de que 0desencanto do mundo

extemo requeria, como processo paralelo, algum "encantamento"

do mundo psiquico e interior.v' U rn novo conjunto de termos foi

exigido para se descrever essa transicao e, com esse fim, antigas

palavras foram aproveitadas em novos usos. Exemplos disso

seriam "carater", "disposicao" e "temperamento", todas palavrasque se referiram originalmente a algum aspecto do mundo exter-

no e que, agora, vinham significar uma influencia subjeti va no

comportamento.31

Essa cresccnte separacao par parte do hOlDeD1da infl uencia

constrangcdora das forcas exteriores, esse desencanto do mundo,

e a conseqUentc Introjecao do poder dcssas forcas e da cmocao

dcntro do scr humane, f icararn intimamcntc ligados ao crcsci-

mente da consciencia de si mesmo. Uma aptidao tao incompara-

velmcnte modcrna e , en } si 111eSma, urn produto desses processos,

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108 A ·E :' rl cA ROTV lANT ICA E 0 E SP IR .l TO 1 )0 ( ~O N S Ur vl IS lv l0 I \ / I0Dt~RNO o H ED ON IS Iv l0 TR AD IC IO NA L E MOD E RNO1()9

;i: Ern iug les, h i idcntidade lexica clltre ,1palavra que dcsigna 0 ego (~)'e(l) c () prefixo £lpli-

cado as que designam conceitos Oll atitudes refcrentcs (10proprio individuo. sel] (e [11 por~

tugues, "auto"), urn rcforco para 0 raciocfnio que, incvitavelmcntc, perdemos na t raducao.

(N.(loT.)

atravcs da cOl1sciencia, de tal modo que 0 individuo tinha uma

ampla margcm de escolha no que se refere cxatamente a como

interliga-Ias. Crencas, ac;6es, preferencias esteticas e re~postas

emocionais ja nao eram automaticamente ditadas pelas clrcun~-

tancias, mas "detcrminadas" pelos indivfduos. Tal contraste , eVI-dentemente, e exagerado, mas, a medida que as individuos adqui-

r issem controle sabre sua propria tendencia para a impulsividade

e pudessem, po r outro lado, manipular os significados simb61ic~s

dos acontecimentos, entao seria de fato razoavel falar no creSCl-

mento de urn controle aut6nomo da expressao emocional.

A primeira grande expressao hist6rica do sucesso nessa dire-

c ; a o se manifestou com 0 protestantismo e e na tu ra l . q u e .se deves-

se imediatamente pensar na etica puritana, ao se discut ir a ques-

ta o do controle emocional, ja que foi realmente rormidavel 0

sucesso obtido pelos "santos" puritanos na supressao de todas as

manitestacoes de e r no c ao i 1 1 de se j ada . Mas seria errado encarar tal

controle na forma puramente negativa da supressao, pais, uma

vez que este poder foi atingido, entao alguma expressao controla-

da tarnbem se tornou crescentemente possivel. Na verdade, nem

m esmo a etica puritana proibia que se exprimisse a emocao em

todas as ocasioes."Salientar 0 papel fundamental desempenhado pelo puritanis-

rno na evolucao do hedonismo moderno pode, a primeira vist~;

parecer algo estranho e, no entanto, ate onde interessa 0 apareci-

mento do hedonismo sentimental , a religiao protestante, e espe-

cialmente essa sua forma aspera e rigorosa conhecida como puri-

tanisrno, deve ser reconhecida como a fonte primordial. Isso pre-

cisamente porque, como movimento, ela adotou uma posicao detao f ranca hosti lidade contra a expressao "natural" da emocao e,

conscqueatemcnte, ajudou a ocasionar essa cisao entre 0 senti-

mento e a acao que 0hedonismo requer, Alem disso, contudo, ela

tambem contribuiu grandcmerue para 0 desenvolvimento de uma

aptidao individualista para manipular 0 significado dos objetos e

aconrccimentos e, por isso, para a autodeterminac;ao da experien-

cia emocional.A religiao e a mais importantc de todas as areas da cultura , ate

onde intercssa a evolucao de u m a c a pa ci da d e de cultivar a emo-

enquanto, ao se tornar ciente da "objetividade" do mundo e da

"subjetividade' dele mesrno, 0homem se torna ciente de sua pr6-

pria consciencia, equilibrada entre elas. 0 novo mundo psfquico

interno, em que intervencao e emocao estao relocalizadas, e 0 do

"ego", e este mundo e , por sua vez, tambem crescentemente sub-metido ao frio, desapaixonado e inquisitivo olhar atento que

desencantou 0 Dutro, com 0 resultado de que a consciencia "do

mundo" como urn objeto separado do homem como observador

foi igualada por uma consciencia cada vez maior do "self"

("ego") como urn objeto por si mesmo. Isso e revelado pela difu-

sao de palavras aprefixadas com self ("auto"), * ora com, ora sem

hifen, palavras como "auto-estima", "autoconfianca", "autocomi-

seracao" que, na lingua inglesa, comecaram a aparecer nos secu-

los XVI e XVII, tornando-se amplamente adotadas no XVIII; a

pr6pria "self-consciousness" (confianca em si mesmo), aparente-

mente, foi empregada pela primeira vez par Coleridge.V

Associadas com esse desenvolvimento foram as tentativas de

compreender as leis que ligam os mundos interior e exterior:

entender como se relacionam exatamente certos aspectos de cada

urn. Em parte, isso significava exarninar 0meio pelo qual aspec-

tos da exterioridade tendem a suscitar respostas emocionais e par-

t iculares a partir de dentro. ConseqUentemente, a proliferacao de

palavras que se relacionam com os efeitos que os objetos podem

ter sobre as pessoas, como "divertido", "encantador", "distrati-

vo", "patetico" e "sent imental", enquanto os efeitos que 0 "ego"

tern sabre 0 ambiente sao resumidos pelos termos "carater" ~"dis-

posicao", "gosto" etc.~acima mencionados.

De significacao crucial para este estudo e 0 fato de que aconsciencia de si mcsmo t inha, como uma de suas mui tas conse-

quencias, 0 efeito de separar qualquer conexao necessaria e rerna-

nescente entre 0 lugar do homem no mundo e sua rcacao a este. A

realidadc objetiva e a rcsposta subjetiva foram entao mcdiadas

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110 ( J Hr ~DOI \ I·S·fvl0 · · r ' l{} \DICIOI \ l\]~ E·M ()Dl~.RNO II

cao. Isso porquc problemas tao i nt en sa rn e nt c f at ai s COll10 0 cst.a-

do de pecado (ou de graca) duma pessoa, e suas csperancas de sal-

vacao, juntamcnte corn as cmocoes cxtrcmamcnte poderosas que

eles podem despertar, es tao ligados a necessidade de apresentar

invisfveis forcas divinas mediante simbolos , Bastante natural-mente, 0potencial para despertar esses sentimentos, entao, se vin-

cula aos pr6prios sfrnbolos. Isso se mostra em acentuado contras-

te com as poderosas emocoes despertadas por acontecimentos

reais, como uma batalha ou urn naufragio, onde as ernocoes pro-

vern mais da realidade experimentada do que dum "sfmbolo". De

fato, como foi observado, os simbolos religiosos podem servir

para se contrapor a tal emocao empiricamente induzida, exata-

mente como, de maneira mais significativa, eles podem servir

para induzir a emocao na ausencia de qualquer estfrnulo ambien-

te discernivel.

Que 0 individualismo foi levado a extensoes sem precedentes

no protestantismo e particularmente significati vo em relacao a

este ultimo ponto, pois, enquanto no catolicismo romano tambem

serviam para despertar (e aquietar) poderosas emocoes, seu can-

t role era firmemente mantido nas maos do clero e, consequente-

mente, nas suas situacoes, localizado no rito comunal. No protes-

tantismo, ao contrario, nao apenas nao havia ninguem para agir

como mediador entre 0 individuo e 0 divino, como tambem 0

ritual "magico" como 0usa de fdolos foi proscrito. A consequen-

cia era que aqueles sfrnbolos realmente capazes de servir para

despertar a emocao religiosa eram de urn carater abstrato e geral.

A morte e a rnortalidade, par exemplo, que eram comumente con-

sideradas provas do estado intrinsecamente de pecado do homem,podiarn ser representadas por uma sucessao muito ampla de obje-

tos e acontecimentos no mundo, de caixoes, sepulturas, cemitc-

rios de igreja e teixos, ate a docnca, vermes e sinos de igreja, com

qualquer destcs atuando COITIO "gatilho" da expcriencia emocio-

nal. Tal s ituaca« ofcrece clararncnte ao Individuo considcravelJ

margern para decidir quando conde cle escolhera ser subrnct ido a

determinada cmocao. Sao, porcm, as crencas religiosas quc, afi-

nal das contas, reforcarn as bases dessas enl0~6es c, conscquente-

mente, cnquanto as crcncas forem aceitas como vcrdadciras,

entao esta capacidade de manipular simbolicamcnte 0 memento

de sua expressao e de rclevancia comparativarnente pequena.

Quando, porem, essas crencas comecam a atrofiar, uma mudanca

significativa pode ocorrer.

A emocionalidade claramente dependente da crenca e urnfenomeno muito distinto da que e dependente do acontecimento,

na medida em que existe a potencialidade, para 0 indivfduo, de

adquirir controle sobre suas pr6prias emocoes sem primeiro ter de

obter dommio sobre 0mundo real. Enquanto a validade das cren-

cas e tida como certa, porem, ha pouca diferenca 6bvia entre 0 ter-

ror de urn individuo ao deparar com 0 demonic e ao se encontrar

com urn leao. Mas, ao diminuir a conviccao, fica inevitavelmente

afetada a intensidade da emo~ao; mcsmo se ainda oeorre: e de

maior significado, porem, e seu provavel efeito sabre a genuini-

dade da emoc;ao. Pais, quando as dtividas sobre a verdade das

cren<; ,as se cristalizam, a provavel conscquencia inicial e remove-rem maisas bases para a emocao do que a propria emocao que,

com 0 tempo, se mostra habitualmente associada aos simbolos

especificados. Permanece ai, assim, uma tendencia para que isso

ocorra, ainda que 0 individuo saiba que nao e inteiramente neces-

sario. : E nessas circunstancias que a real possihi lidade de alcancar

prazer com a emocao pode surgir.

Isso se ilustra melhor com uma referencia ao destino das

crencas relativas ao inferno, a danacao eterna, ao demonic e ao

pecado no final do seculo XVII e inicio do XVIII, quando elas

gradativanlente definharam em face do ceticismo e do racionalis-

rno otimista do iluminismo. Como elas nao desapareceram total-mente, as poderosas ressonancias emocionais que tais crencas

criaram se mantiveram nas cabecas de muitos, e seus simbolos

convencionais passaram a ser empregados como urn meio de

alcancar 0 prazer ernocional. Desse modo, nu m contexto de ver-

dadeiro terror religioso, desabrocharam gcncros artisticos como a

poesia de ccmiterio e 0 romance gotico, ambos providos da "sen-

sacao de estareJ11 amedrontados.

Por conseguinte, a fim de possuir esse grau de autodetcrmina-

~ao emocional que pcrmite a s emocoes scrcm cmprcgadas para

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11 2 A (~T IC A R O MA N TI C A E 0 EspfRITO D O C O N S C rv II S IV I O t vl0 D E RN O 1 13

assegurar prazer, e necessario aos individuos atingir aquele nivcl

de consciencia de si rnesmo que permite a "voluntaria interrupcao

da dcscrenca't.>' a descrcnca lhes rouba snnbolos do poder invo-

luntario, enquan to a interrupcao de uma ta l atitude 0 restabelece,

mas s6 ate 0 ponto em que se quer que seja assim. Consequente-

mente, atraves do processo de manipular a crenca e, assim, admi-

tir ou negar aos simbolos seu poder, urn individuo pode ser bern-

sucedido em ajustar a natureza e intensidade de su a experiencia

emocional, algo que requer urn uso cuidadoso das faculdades da

dos. lsso rcsulta na o meramentc do fato de virtualmente nao

haver quaisquer rcstricoes a faculdade da imaginacao, como tam-

bern do fato de que csta intciramentc dentro do proprio controlc./

do hedonista. E esta forma altamente racionalizada de hedonismo

auto-i lusivo que caracteriza a moderna procura de prazer.

.. .. . . . . . . .

unagmacao.

Ao mesmo tempo que e possivel empregar 0poder da imagi-

nacao para congregar sensacoes ffsicas, tais como a sensacao do

sol nas costas de uma pessoa ou 0 g os to d a s u va s, isso e urn exer-

cicio excepcionalmente dificil. A t e 0 ponto em que e quase im-

possfvel obter verdadeiro prazer de sensacoes diretamente imagi-

nadas. Em contraste, e comparativamente facil (pelo menos para

o hornem moderno) usar a imaginacao para evocar imagens rea-

listas de situacoes ou acontecimentos que produzem uma emocao

no imaginador: uma emocao que, se controlada, pode por si

mesma suprir todo 0 estimulo necessaria a um a experiencia agra-/"

davel. E esta uma aptidao que e facil demais de se ter como certa,

esquecendo-se de que e um acrescimo comparativamente recente

ao repert6rio de experiencias da humanidadc."

o hedonismo moderno apresenta todos os individuos com a

possibilidade de ser 0 seu pr6prio despota, exercendo total con-

trole sobre os estimulos que experimentam e, consequentemente,

sobre 0prazer que obtem. Ao contrario do hedonismo tradicional ,

todavia, isso nao e alcancado unicamente, ou mesmo principal-

mente, mediante a manipulacao dos objetos e acontecimentos do

mundo, mas mediante urn gran de controle do seu significado.

A le m d iss o, 0 hedonista moderno possui 0 poder multo especial

de evocar cstimulos na ausencia de quai squer scnsa~5es exterior-

mente geradas. Esse controle e atraves do pOdCT da imaginacao e

proporciona a ampliacao das expericncias agradavcis possibilida-

des infinitalnel1temaiores do que era d is po ni vc l, s ob 0 hedonismo

realista c tradicional, ate InCSn1.0 30 mais podcroso dos potenta-