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Universidade Estadual de Maringá 24 a26 de setembro de 2008
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CAMINHOS PARA EFETIVAÇÃO DA LEI 10.639/2003 NA EDUCAÇÃO
ESCOLAR: LINGUAGEM FILMICA NA SALA DE AULA
FELIPE, Delton Aparecido* TERUYA, Teresa Kazuko**
A educação escolar, a partir de 1970, passou por profundas transformações e mudanças,
em uma perspectiva de rediscutir o papel que os sistemas de ensino devem assumir ao
pensar a relação entre a educação e sociedade brasileira. Essas mudanças trouxeram as
reivindicações de vários movimentos sociais, entre esses, o Movimento Negro
Unificado, que lutou pela a valorização da história e cultura africana e afro-brasileira
como uma das culturas formadoras do Brasil.
Com os movimentos sociais que exerceram as pressões populares, o ensino de várias
disciplinas na educação escolar procurou contemplar os diversos sujeitos sociais como
formadores das identidades que compõem a sociedade brasileira. Mas para isso foi
necessário uma legislação que contemplasse a diversidade étnico-racial em sala de aula.
A partir de 1990 vários documentos, como a LDB e os PCN, foram implementados no
âmbito das políticas publicas de educação com intuito de efetivar ações pedagógicas que
contemplassem e valorizassem as culturas formadoras da população brasileira nos
currículos escolares.
No entanto, na aurora do século XXI, os currículos e os manuais escolares apresentam a
imagem população negra brasileira forma estereotipada. A subrepresentação dos negros
levou governo federal a aprovar a Lei 10.639 em janeiro de 2003, que torna obrigatório
o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira na educação básica das escolas
públicas e privadas.
Aprovação dessa Lei gerou inúmeras polêmicas na sociedade brasileira, especialmente
entre professores e professoras da educação básica, que não sabem como trabalhar e
nem quais conteúdos ensinar para efetivação da Lei na sala de aula.
* Mestrando em Educação pela Universidade Estadual de Maringá e bolsista CNPQ. ** Docente do mestrado e doutorado da Universidade Estadual de Maringá.
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Este trabalho visa a contribuir com a formação de professores e professoras no processo
de efetivação da Lei 10.639/2003 na sala aula, no intuito construir uma representação
positiva da cultura e da história africana e afro-brasileira nos diversos setores da
população brasileira. Elaboramos como hipótese conceitual de que existe uma carência
de propostas metodológicas para efetivação da Lei em sala de aula. Por isso nesse
trabalho propomos responder a seguinte questão: De que maneira o uso do cinema como
fonte de pesquisa pode colaborar com o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana na Educação Básica, como propõe a Lei 10.639/2003?
Frente à hipótese conceitual, este trabalho tem como objetivo analisar os pressupostos
teóricos e metodológicos relativas ao ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana na educação básica, a fim de propor ações pedagógicas com a utilização de
filmes como fonte de pesquisa histórica, na perspectiva dos Estudos Culturais.
CAMINHOS PARA UMA EDUCAÇÃO ÉTNICO-RACIAL
Na década de 1980 houve um movimento de rejeição ao ensino de história recomendado
pelos governantes brasileiros para forjar o espírito de nacionalidade e questionava-se
um ensino preocupado em reproduzir uma narrativa histórica que servia ao propósito da
construção da identidade nacional e da manutenção de determinado grupo no poder.
Ficava evidente nessas discussões que a concepção de ensino nascente estava
comprometida com as transformações sociais almejada pelos movimentos emergentes.
Neste sentido, as propostas para o ensino de história desafiavam as condições políticas
para reverter a equação do poder até então representativo na nação brasileira. A partir
dessa reversão, projetar uma sociedade mais justa, mais solidaria e com a participação
efetiva de todos os grupos sociais.
Dentre os movimentos sociais que lutavam pela representatividade nas esferas sociais
brasileiras, encontra-se o Movimento Negro Unificado (MNU). De acordo com Pereira
(2002), tal movimento surgiu em São Paulo na década de 1970, em pleno regime
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militar, com o objetivo de combater o mito da democracia racial. Ao denunciar que o
Brasil é uma nação racista e que os negros eram subrepresentados na maioria das
instituições sociais. Além disso, MNU tinha como papel fomentar um processo de
constituição da identidade positiva do negro e da sua conscientização política na vida
nacional.
Sem dúvida, o MNU em suas manifestações, teve dois propósitos: primeiro, denunciar a
existência do racismo no Brasil, já que a elite brasileira tentava constituir no l um ideal
de democracia racial, em que se dizia que apesar do longo período escravista, não se
sobressaiu o racismo, pois o negro, índio e branco se misturam amigavelmente.
Difundiam a idéia de que todos eram tratados como iguais, independente da cor da pele.
Segundo, formar uma identidade positiva do negro, por meio de ações políticas, como a
valorização de seus aspectos simbólicos, as formas de vestir e de pentear. O Bloco afro
Ilê Aiyê, um dos primeiros blocos de carnaval representativo da cultura afro-brasileira,
captou esse sentimento dos ativistas das organizações negras, fazendo seguinte registro:
Durante este tempo demo o nosso grito de liberdade (...) A liberdade de podermos ser negros, de dançar a nossa dança, de cantar o nosso canto. Canto esse conta a nossa história e nossa libertação. E esse verdadeiro canto ecoou no Curuzu: um canto de fé por um mundo melhor. O brilho da avenida não ofusca o brilho desta raça de origem nagô (Ilê Aiyê, Cadernos Canto Nagô, Salvador, 1988)
Percebemos nesse registro que os ativistas acreditavam no reconhecimento e na
recriação dos aspectos da cultura negra. Representados socialmente, ampliavam os
argumentos para ação política de combate ao racismo. Silva (2001) lembra que a
afirmação de traços culturais e físicos que distingue a população negra, além de servir
como reposta imediata às posturas racistas, também indicava que as identidades
individuais ou coletivas não podem ser interpretadas como avesso a identidade social.
Após três décadas de reivindicações do MNU, que houve avanços significativos na luta
contra o racismo e a discriminação da população negra no Brasil. Hoje se questiona a
idéia de democracia racial entre os brasileiros. Com a promulgação da Constituição
1988, considerada por muitos uma constituição cidadã, houve tentativa de valorização
dos diversos povos e culturas coexistentes no Brasil, por exemplo: o 5º artigo, parágrafo
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XLII, prevê que casos de discriminação racial serão tratados como crimes
imprescritíveis e inafiançáveis. Esse artigo reconhece a existência do racismo no Brasil.
Não podemos só reconhecer a existência do racismo no Brasil, é necessário combatê-lo,
e trabalhar para amenizar as conseqüências da submissão e da marginalização do negro
brasileiro. Nesse ponto ainda encontramos grandes dificuldades. Uma das primeiras
instituições que foi chamado a entrar na luta contra o racismo e valorização da
população negra, em seus aspectos físicos e culturais, como formadoras da população
brasileira foi a instituição escolar, pois há uma crença de que a escola, em cada
momento histórico, constitui-se uma expressão e uma resposta à sociedade na qual esta
inserida. Nela reflete uma porta de entrada para construção de um Brasil, onde
convivem as diversas influências que caracterizam a formação do nosso povo.
Nas origens da educação escolar pública brasileira, verificamos que os negros não
foram alvos da educação formal, já que escolas públicas visavam formar o ideal de
homem brasileiro que tinha como referência o homem branco europeu. Durante um
século de educação escolar pública no Brasil, o negro e sua cultura, poucas vezes, foram
contemplados nos conteúdos programáticos e quando foram, o tema foi abordado de
forma distorcida e estereotipada (FELIPE; TERUYA, 2007).
Esses debates promovidos depois de 1980 sobre a pluralidade cultural do Brasil,
favoreceram várias modificações importantes na educação escolar e no ensino de
história no Brasil, mas ainda existe muito o que fazer. Fernandes (2005) diz que apesar
da renovação teórico-metodológica da história nos últimos anos, o conteúdo
programático dessa disciplina na educação básica tem primado por uma visão
monocultural e eurocêntrica de nosso passado. O que nos permite afirmar que a
educação escolar ainda não valoriza a diversidade étnico-racial que compõe o ambiente
escolar.
É importante nesse momento destacar que o que se entende por raça é uma construção
social forjada nas tensas relações entre brancos, negros e indígenas, muitas vezes
simuladas como harmoniosas, nada tendo a ver com o conceito biológico de raça
cunhado no século XIX, que hoje é questionado. Como arguta Silva (BRASIL,2005) , o
termo raça usado nesse contexto, é utilizado com freqüência nas relações sociais
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brasileira, para informar como determinadas características físicas, como cor da pele,
tipo de cabelo, entre outras, influenciam, interferem e até mesmo determina o destino e
o lugar social dos sujeitos no interior da sociedade brasileira.
Termo étnico, na expressão étnico-racial, como faz Silva (BRASIL, 2005), serve para
marcar que essas relações tensas por causa das diferenças na cor da pele e traços
fisionômicos, incluem também à raiz cultural que difere na visão de mundo, valores e
princípios que originaram a cultura indígena, européia e asiática.
No resgate da história do negro no Brasil é ressaltamos que os africanos que aportaram
em nosso território na condição de escravizados, são vistos como mercadoria e objeto
nas mãos de seus proprietários. Foi negada ao negro a sua participação na construção da
história e da cultura brasileira, embora tenha sido ele a mão-de-obra predominante na
produção da riqueza nacional, trabalhando na cultura canavieira, na extração aurífera,
no desenvolvimento da pecuária e no cultivo do café, em diferentes momentos de nosso
processo histórico. Quando se trata de abordar a cultura dessas minorias, estamos
pensando aqui no sentido político da palavra, já que os dados IBGE de 2003 indicam
que a população negra brasileira é de 47,2%.
O ensino história do Brasil ainda está permeado por uma concepção da historiografia
brasileira, que primou pelo relato dos grandes fatos e feitos dos chamados “heróis
nacionais”, geralmente brancos, escamoteando, assim, a participação de outros
segmentos sociais no processo histórico do país (SILVA, 1998) A maioria das
publicações sobre ensino de história no Brasil menospreza a participação das minorias
étnicas, especialmente índios e negros. Quando aparecem nos livros didáticos, seja em
forma de textos, seja em forma de ilustrações, os índios e os negros são tratados de
forma pejorativa, preconceituosa ou estereotipados.
Os currículos e os manuais didáticos usados na educação básica brasileira insistem em
silenciar ou omitir a condição de sujeito histórico e de portadores de práticas culturais
das populações negras e ameríndias.
Para combater essa visão monocultural e eurocêntrica que foi forjado o saber histórico
brasileiro, ao ter como padrão a visão dos grupos dominantes, o governo brasileiro, por
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meio de seus órgãos legais, tem incorporado na legislação brasileira alguns tópicos que
contribui com a visualização de um Brasil pluriétnico.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996, ratificando posição
da Constituição Federal de 1988, determina que “o ensino história do Brasil levará em
conta as contribuições das diferentes etnias para a formação do povo brasileiro,
especialmente das matrizes indígena, africana e européia” (art. 26, § 4º).
Por sua vez, o Ministério da Educação (MEC), em cumprimento ao dispositivo
constitucional referendado no art. 210 é sensível à necessidade de uma mudança
curricular face à emergência de temas sociais relevantes para a compreensão da
sociedade contemporânea, que elaborou para a educação básica, os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN).
A grande inovação dessa nova proposta é a existência de temas transversais que
perpassam as diferentes disciplinas curriculares (Língua Portuguesa, Matemática,
História, Geografia, Ciências e Artes) e permitir, com isso, a interdisciplinaridade no
ensino fundamental, tais como: Convívio Social e Ética, Pluralidade Cultural, Meio
Ambiente, Orientação Sexual, Saúde, Trabalho e Consumo.
Após ter sido discutido com as secretarias de educação de estados e municípios e com
especialistas de diversas áreas do conhecimento, os PCN foram aprovados pela Câmara
de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE), devendo os mesmos se
constituírem em referência nacional para que os sistemas de ensino estaduais e
municipais possam adequá-lo à sua realidade educacional.
Mais recentemente, por ocasião do início do Governo Lula, foi sancionada a Lei nº.
10.639, de 9 de janeiro de 2003, que altera a Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo
oficial da rede de ensino, obrigatoriedade da temática história e cultura afro-brasileira, e
outras providências. A partir desta lei, tornou-se obrigatório no currículo escolar da
educação básica o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros no
Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,
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resgatando a contribuição dos povos negros nos áreas sociais, econômicas e políticas
pertinentes à História do Brasil no artigo 26-A, § 1º.
Nesse universo cultural, a demanda por geração de oportunidades requer do Estado e da
sociedade, tomar medidas que contemplem os afro-descendentes negros. È preciso
oferecer as oportunidades que irão amenizar os danos psicológicos, materiais, sociais,
políticos e educacionais sofridos pela população negra. Essas medidas se concretizam
com iniciativas de combate ao racismo e a discriminação.
Dentre as medidas a promulgação da Lei 10.639/2003, abriu um espaço para discutir a
diferença e o outro na instituição escolar, ao estabelecer a discussão sobre aspectos da
cultura africana e do negro no Brasil no espaço escolar. Essa cultura sempre foi como
invisível ou subordinada à visão do colonizador nos processos educativos.
A Lei não é de fácil aplicação, pois trata de questões curriculares conflitantes, que
questionam e desconstroem saberes históricos considerados verdades inabaláveis. Além
disso, exige dos professores re-pensarem a constituição da suas identidades e do seu
fazer pedagógico, ao defrontar com uma série de questionamentos. Como questionar as
relações de poder assimétricas que perpassam os conteúdos escolares? Que novos
paradigmas estão se desenhando no horizonte pedagógico para o trato da diversidade
étnico-racial nos currículos? Que materiais didáticos podem ser utilizados na sala de
aula para trabalhar com a cultura afro-brasileiro?
Longe de propor soluções únicas para abordar as diferença na sala de aula, nosso
objetivo é oferecer algumas reflexões para abordagem da história e cultura afro-
brasileira e africana utilizando o cinema como fonte de pesquisa na ação pedagógica
para trabalhar com a diferença em sala de aula.
NARRATIVAS FILMICAS NA EDUCAÇÃO ESCOLAR
O cinema por meio dos sons, imagens e música, que compõem uma narrativa fílmica
expressa uma linguagem social. A indústria cultural utilizou esses recursos para criar
formas de narrativas que cruzassem diferentes culturas, de modo a tornar os filmes
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acessíveis a um grande público. Para que isso acontecesse, a cinematografia adotou a
representação de algumas temáticas que estão a maioria das culturas, tais como: o amor,
a superação, a honra e outros aspectos do cotidiano que perpassam a vida da maior parte
da população.
Para Costa (2008), os filmes estabelecem uma relação com as nossas memórias,
evocando lembranças, objetos, canções que marcaram as nossas vidas, ou então uma
experiência corriqueira, porém fundamental para sonhar e perceber outros mundos, ou
mesmo fazer sentido para o nosso mundo. O cinema por meio das apropriações dos
vários elementos culturais de nossas vidas permite no presente, uma incursão ao
passado, uma recriação do futuro daqueles personagens, daquelas narrativas, daquelas
histórias, daquelas pessoas muitas vezes tão diferente do eu.
O obra cinematográfica provoca um fenômeno de identificação, sobretudo por sua
possibilidade de revelar a intimidade do protagonista, ao nos aproximarmos de seus
segredos, é mais fácil entrar na esfera de amizade, acabando por nos identificar com ele.
Perceber o cinema como uma pratica cultural exige uma compreensão das múltiplas
linguagens utilizada por ele, exige compreender, o que não está dito, o que é insinuado,
e considerar que em uma cena tem o som, a imagem e o texto como pontecializadores
da mensagem, levando o telespectador a ser cooptado para diferentes tempos e lugares.
Sendo o cinema um dos recursos da mídia, ele ajuda constituir o tecido da vida
cotidiana, como diz Kellner (2001), domina o lazer, modela opiniões e fornece materiais
para que as pessoas pensem as suas próprias identidades, pois o cinema sugere modelos
de comportamentos. Indica os posicionamentos que devemos ter diante da sociedade. O
cinema expressa vários modelos identificatórios e os indivíduos identificam com um ou
outro personagem.
A idéia de que os filmes formam opiniões e produzem comportamentos é relativamente
coerente. Assim, até pouco tempo, achava-se que o espectador era alguém que recebia
passivamente os conteúdos transmitidos pela mídia. A partir da década 1980, Duarte
(2002) diz que os estudos voltados para recepção começaram a questionar essa
concepção, argumentando que por trás do chamado receptor existe um sujeito social
dotado de valores, crenças, saberes e informações próprias de sua cultura. Este sujeito
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interage de forma ativa na produção de significados dos conteúdos nas narrativas
fílmicas.
Nessa perspectiva, as mensagens veiculadas pela mídia também são construídas pelo
olhar do espectador. O significado das mensagens é produto de uma interação entre o
produtor e receptor, não e uma imposição de sentidos. Ellsworth (2001) afirma que há
um espaço indeterminado, entre o que um filme pretende transmitir, e que o realmente é
apropriado pelo público. Por isso, é importante perceber que os modos de
endereçamento a que o espectador está sujeito.
Os modos de endereçamento é um conceito adotado alguns teóricos do cinema
(LOURO, 2000; DUARTE 2000; ELLSWORTH 2001), que permite perguntar: Qual é
a relação entre uma obra cinematográfica e a experiência do espectador?
Inicialmente o modo de endereçamento era entendido como algo que está no texto
fílmico e que age de alguma forma nos seus espectadores imaginados ou reais. Em
algum momento, nos estudos do cinema, os teóricos começaram a ver menos como algo
que está no filme e mais como um evento entre o social e o individual, um espaço que é
social, psíquico ou ambos, entre o texto fílmico e o uso que o espectador faz dele
(ELLSWORTH, 2001).
Os produtores de cinematográficos visam, imaginam e deseja um determinado público
alvo. Para isso eles investigam quem é potencialmente a platéia, o que ela quer, como
ela assisti aos filmes, quanto pagam para assistir, o que faz chorar e rir, amar e odiar,
torcer ou se decepcionar e o que temem (ELLSWORTH, 2001).
Compreender o modo de endereçamento de um filme é considerar que o espectador
nunca é, apenas ou totalmente, quem o filme pensa que ele ou ela é. A experiência do
modo de endereçamento depende da distância entre, a quem o filme se direciona, e
quem somos nós realmente. Essa experiência depende do quanto o filme consegue
atingir o seu alvo. O filme, não é, nunca, exatamente o que o espectador pensa que é
(ELLSWORTH, 2001).
O cinema é importante para educação porque permite uma experiência estética e
expressa dimensões da sensibilidade das múltiplas linguagens e narrativas humanas. O
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uso didático do filme é uma possibilidade real de mobilizar os alunos para a busca do
conhecimento e ampliar capacidade de desenvolver sensibilidades.
Na sala de aula, o trabalho com filmes exige a compreensão de que as imagens também
se fazem através do olhar do espectador. É necessário compreender que o cinema
caracteriza-se como um texto sincrético, ou seja, constituído por diferentes linguagens,
tais como: a música, o som, a imagem e as mensagens. A articulação desses diferentes
meios expressivos produz sentido, não só veiculando um conteúdo, mas também o
agregando a novos sentidos, por meio da expressão oral. Recriando-os, ganha relevo na
construção do sentido de um texto cinematográfico. Os meios expressivos e sua
articulação com o conteúdo são relevantes para o estudo e a análise do discurso
cinematográfico.
Para melhor compreensão da linguagem cinematográfica, de modo a construir uma
metodologia de análise discursiva, levamos em conta toda a riqueza e complexidade do
cinema. “A linguagem cinematográfica é a linguagem da imagem, da expressão
iconográfica da qual deriva um caráter subjetivo muito forte. Então, o filme interfere e
modifica a nossa subjetividade” (SILVA, 2007, p.101).
Cabe perguntar: Que interesse tem, para professores, o modo como os espectadores se
relacionam com o cinema? Que implicações têm para o trabalho que desenvolvemos em
escolas, o processo pelo qual atribuem sentidos aos filmes que vêem?
Saber como o cinema atua, e principalmente ao considerarmos como texto cultural, nos
leva a admitir que a transmissão e a produção de saberes e conhecimentos não é
prerrogativa exclusiva da escola, mas acontece também em outros ambientes de
socialização. Perceber o potencial pedagógico do cinema leva-nos a querer entender
melhor o papel que ele desempenha junto com alunos.
Outra questão a considerar, é admitimos que a significação de filmes é gradual e
articulada aos modos de ver e com isso, percebemos os diferentes tipos de discursos
produzidos em pelos filmes, para trabalhar nas escolas na perspectiva de educar o olhar.
Isso implica em valorizar o consumo de filmes, incentivar discussões a respeito do que é
visto e favorecer o confronto de diferentes interpretações.
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Se o domínio dos códigos que compõem a linguagem audiovisual constitui poder em
sociedades que produzem e consomem esse tipo de texto cultural, é tarefa do professor e
da professora em oferecer os recursos adequados para aquisição desse domínio e para
ampliação da capacidade de leitura das imagens.
Além disso, se a relação do aluno com o cinema não é passiva; as narrativas em
imagem, som, texto não têm o poder de sozinhas, forjar pensamentos, idéias e opiniões.
O ambiente cultural desempenha um papel importante na significação das narrativas
fílmicas, é necessário, portanto, começar a pensar como a escola pode intervir junto ao
sujeito social, para que este, por meio destas narrativas possa visualizar o outro e
estabelecer uma relação de alteridade.
O cinema na educação nos interessa para pensar a constituição das identidades, a minha
e da outro, pois o nosso eu se projeta no outro por meio das imagens, e nos faz vivenciar
os sentimentos e as emoções do outro, percebendo suas dores e seus amores. Por isso,
Costa (2008) afirma que é necessário pensar o cinema na educação escolar como um
objeto que vai além da representação de algo, a replicação de alguma coisa, pessoa,
situação ou cena. É necessário pensar o cinema como objeto que produz algo em nós e
nos levem a pensar.
Assim, ao utilizar um conteúdo abordado no filme, como material didático na
perspectiva de mostrar novas identidades, temos um amplo campo de estudo para
analisar a história e cultura afro-Brasileira e Africana, a fim de diversificar e romper
com os cânones eurocentristas. Lembramos que todos os filmes, os que tratam de um
determinado conteúdo histórico, são produções que carregam em si uma ideologia, uma
interpretação do diretor, do cineasta e da própria indústria do cinema que visa o lucro
em todas as suas produções. Nessa perspectiva, sugerimos três filmes que podem ser
trabalhados por professores e professoras na sala de aula como fonte de pesquisa, para
visualizar alguns aspectos da história africana e do afro brasileiro a fim explorar o
potencial pedagógico da linguagem cinematográfica na educação básica.
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OS PROFESSORES SOBRE IMPACTO DOS FILMES: REFLEXÃO SOBRE A
HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA.
A linguagem cinematográfica é a linguagem da imagem, da expressão iconográfica que
representa e perpetua representações sociais. Ao trabalhar com o cinema na sala de aula
como fonte pesquisa, além de lidar com representações sociais, está lidando com as
emoções do sujeito espectador.
Em face desse discurso, é possível perguntar: como os professores reagiram diante das
narrativas fílmicas? Como manifestaram estas impressões? Como o filme envolveu a
sua platéia e, finalmente, como esse envolvimento pode ser transformador do sujeito?
Moscariello (1985, p.07) argumenta que um professor ao trabalhar com filme em sala de
aula, é necessário ir além de ver o filme, “[..] é preciso valorizar o filme, sobretudo, os
componentes que lhes valem poder ser qualificado como discurso e não apenas como
simples espetáculo”.
Os filmes ao serem considerados uma obra discursiva fazem parte de nossa realidade
social como uma prática cultural, permitindo que os sujeitos se identifiquem com a
narrativa e com os personagens de uma determinada obra fílmica. Ellsworth (2001)
afirma que os filmes são endereçados a um determinado público e que esse público
estabelece um processo de identificação com filme.
No caso específico da identificação que os espectadores estabelecem com os filmes e
seus personagens, Espinal afirma que:
A identificação do espectador cinematográfico com o protagonista do filme é possível graças ao fato de que o cinema, ao nos submeter a um estado para-hipnótico, atenua a parte exterior da própria individualidade. A para-hipnose, em que o cinema pode colocar o espectador, torna o público muito mais sugestionável e receptivo a toda influência exterior. (ESPINAL, 1976, p60)
Entre os estudiosos do cinema é quase unânime a idéia de que o espectador
cinematográfico fica subjugado pelas imagens, isto é, a imagem fascina e provoca a
identificação com os personagens que aparecem na tela. O espectador passa a vivenciar
as emoções dos personagens do filme, estabelecendo um vínculo afetivo com a história
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narrada, mesmo que as experiências vivenciadas na película nunca venham se tornar as
experiências do espectador.
Realizamos uma investigação junto a um grupo de professores educação básica
vinculados à rede estadual, através de um curso de extensão1 trabalhando com filmes
que abordam aspectos significativos da história e cultura afro-brasileira. A intenção foi
oferecer uma possibilidade de trabalhar o conteúdo do currículo escolar contemplado na
Lei 10.639/2003 na sala de aula.
Os sujeitos envolvidos nesse tipo de pesquisa-ação compõem um grupo com objetivos e
metas comuns, interessados em um problema que emerge em um dado contexto no qual
atuam desempenhando papeis diversos (Franco; Ghedin, 2008). Constatado o problema
de pesquisa, o papel do pesquisador consiste em ajudar o grupo a problematizá-lo. Ao
situá-lo em um contexto mais amplo e assim possibilitar a ampliação de consciência dos
envolvidos, pesquisador e sujeitos da pesquisa, com vista planejar as formas de
transformação das ações e das praticas educacionais, instituindo assim, novas
realidades.
Foram coletados dados com 22 professores e professoras, sendo que 18 são mulheres e
04 são homens. Todos lecionam na rede estadual de educação e aceitaram participar
como sujeito dessa investigação. Realizamos um curso de extensão intitulado: o cinema
no ensino de história e cultura afro-brasileira e africana entre os dias 08/04/2008 a
20/05/2008, com encontros uma vez por semana. Inscreveram 63 professores dos quais
22 atenderam os quesitos estipulados para serem sujeitos dessa pesquisas.
Nos filmes exibidos aos 22 professores e às professoras da rede estadual de educação,
constatamos que os argumentos, os roteiros e os temas centrais giraram em entorno da
vida de heróis. Cinque, em Amistad (1997); Macunaíma, em Macunaíma: um herói de
nossa gente (1969); e Luana, em Vista a Minha Pele (2000), assim como as suas
histórias representam personagens que buscam a identificação com determinado
público.
O protagonista de Amistad, Cinque, é um homem negro, que ao empreender uma 1 O curso de extensão foi realizado em seis encontros, sempre nas terças-feiras, das 8 as 12 hs, nos mês de abril e março de 2008.
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batalha por sua liberdade em sociedade de base escravocrata, fascina os espectadores
por sua capacidade de lutar incessantemente por seus objetivos. O personagem Cinque
diz: “prefiro a morte a perder a liberdade” 2.
O objetivo de projetar o filme Amistad (1997) foi refletir sobre a história do negro
brasileiro para estabelecer um ponto de partida da história africana, a fim de questionar
as narrativas que tentam perpetuar a idéia de que a história do negro inicia-se com a
escravidão. Este questionamento possibilita ao negro brasileiro vivenciar a história de
sua ancestralidade enquanto indivíduos livres, que por interesses econômicos, sociais e
culturais foram submetidos compulsorimante a trabalho forçado. liberdade.
Mas, qual história africana deve ser ensinada nas escolas? Henrique Cunha Jr. (2006)
diz que em virtude da amplitude que é cultura e a história africana, em razão dos
diversos enfoques e versões que temos da história africana, há um grande debate sobre
qual história africana deveria ser trabalhada na educação brasileira. A história africana
que nos interessa é aquela que possibilite a compreensão do Brasil. Aquela que explique
os aportes significativos dos africanos e afro-descendentes para a construção da
sociedade brasileira (CUNHA JR, 1999).
A história africana deve abarcar a dinâmica das sociedades africanas nos aspectos
políticos, culturais e sociais, com destaque ao período que vai do século XII ao XVIII,
por causa da incidência mais direta na sociedade brasileira. A ênfase na “totalidade” do
continente, da experiência comum a todos os africanos é necessária, porque a separação
em partes desconexas do continente africano tem servido à diversas manipulações de
idéias racistas sobre os povos africanos.
Macunaíma, em Macunaíma um herói de nossa gente (1969), enquanto homem negro,
que nasce em um grupo social indígena e que no decorrer de sua vida se torna branco.
Isso gera nos espectadores um sentimento contraditório, ora de amor e ora de ódio,
diferente da maioria dos heróis mostrado nas narrativas fílmicas, Macunaíma rompe
diversas vezes com a virtualidade que geralmente o público espera de um herói.
O objetivo de projetar o filme Macunaíma (1969) foi discutir a formação da população
2 Fala do filme Amistad
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brasileira, a fim de perceber qual o papel desempenhado pelos afro-descendentes na
constituição do Brasil enquanto nação.
Em primeira instância, o filme está no momento histórico em que aborda o processo de
industrialização do Brasil. Como Macunaíma, o protagonista do filme, o país presencia
milhares de pessoas saindo do campo em direção a cidade em busca de melhores
condições de vida. Outro fator importante e essencial para análise é que Macunaíma
carrega em si, a formação étnico-racial da população brasileira. Ele nasce negro em
terras indígenas e se torna branco em sua vida adulta.
Lembrando que o período as primeiras seis décadas do século XX, os teóricos
brasileiros como Nina Rodrigues, Gilberto Freire, Sergio Buarque de Holanda e
Florestan Fernandes, cada um dentro de um referencial teórico, discutem intensamente a
formação da população brasileira e o espaço do negro nessa formação. Nesse contexto,
o negro deixou de ser ferramenta viva de trabalho e passou a fazer parte da população
brasileira enquanto indivíduo com direito e dever.
Luana, em Vista a Minha Pele (2003), menina branca, que vive em uma sociedade em
os padrões estético, sociais e culturais negros, leva os espectadores empreenderem junto
com Luana uma luta por um país mais igualitário, em que brancos, negros e indígenas
tenham os mesmos direitos independente de sua raça ou etnia.
O objetivo de projetar o filme Vista a Minha Pele foi pensar a situação do negro
brasileiro na atualidade, a fim de perceber como a escravidão e a violência simbólica
sofridos pelos afro-descendentes no decorrer da história brasileira marcaram o cotidiano
dessa população.
Ao ter por base as discussões feitas por Dubois (2004), o professor pode reconhecer que
um filme como Vista minha pele, carrega em seus elementos ficcionais uma reflexão
sobre a realidade social. Este filme permite a visualização de novas identidades e de
questionamentos das verdades universais.
Outro fator que deve ser levado em consideração para trabalhar com o Vista a minha
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pele na pratica docente, é que se trata de um filme curta metragem3. O filme permite que
o professor trabalhe em sua sala de aula, sem dispensar muito tempo com a projeção,
ampliando o tempo para debate e reflexão sobre suas emoções e sentimentos
despertados pelo filme.
Pode-se dizer que a principal característica do herói é a capacidade que ele tem de se
sacrificar, de lutar, de empreender qualquer jornada, por mais difícil que seja, em nome
daquilo que acredita. Roseli Pereira da Silva (2007) diz que um roteiro para ser bem
aceito pelo público, é preciso a identificação com o herói. Quanto mais humana a feição
do herói, mais provável identificação. É preciso que herói tenha suas qualidades
louváveis e desejadas pelo espectador e, ao mesmo tempo, possua fraquezas que o
tornem mais humano e mais próximo.
Em relação aos filmes apresentados para os professores e professoras, cuja temática
perpassa as questões étnico-raciais, percebemos que o processo de identificação com os
filmes esteve presente nos debates. Houve tensões, contradições, conflitos que
emergiram no decorrer da investigação.
Nosso objetivo foi utilizar os filmes como fonte pesquisa para o ensino da história
africana e afro-brasileira. Diversas questões foram emergindo no decorrer das
discussões, permitindo que o pesquisador se colocasse a serviço do contexto social,
fazendo intervenções e dialogando com os professores e professoras quando necessário.
CONSIDERAÇÕES
A Lei 10.639/2003 é uma conquista da luta por uma sociedade democrática e justa. Ela
aponta para a necessidade de práticas educativas que orientem a formulação de projetos
empenhados na valorização da história e cultura dos afro-brasileiros e africanos, assim
como o compromisso com uma educação voltada para as relação étnico-raciais. A
aprovação da lei favorece um ambiente escolar congregador de múltiplas identidades,
3 Narrativa fílmica que costuma ter no máximo 30 min.
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tornando-se um espaço crucial para trabalhar temas que constituem as identidades dos
diversos grupos sociais, essenciais para a sociedade brasileira, já que somos uma
sociedade multiracial.
Assim, escola pode ser um espaço de diálogo sobre as questões étnico-raciais. Para
contribuir com a problematização do ensino da histórica e cultura africana e afro-
brasileira na no ambiente escolar, realizamos uma investigação com um grupo de
professores e professoras da rede estadual de educação. O cinema permite ampliar a
nossa reflexão, desde que sejam investigadas outras fontes que vão além do currículo
oficial. A educação escolar, com base em um currículo que contempla a diversidade
cultural, permite uma reflexão social para subsidiar a formação dos educadores no
cumprimento de uma das exigências do oficio e da prática docente atual, que é aprender
a conviver com as diferenças e educar para diversidade.
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