CAMINHANTES SEM VOZ FOTOGRAFIAS DE CIGANOS DO … Catalogo 01 72... · (canção cigana)...

11
ADALRICH MALZBENDER CAMINHANTES SEM VOZ FOTOGRAFIAS DE CIGANOS DO ALTO ALENTEJO

Transcript of CAMINHANTES SEM VOZ FOTOGRAFIAS DE CIGANOS DO … Catalogo 01 72... · (canção cigana)...

Page 1: CAMINHANTES SEM VOZ FOTOGRAFIAS DE CIGANOS DO … Catalogo 01 72... · (canção cigana) Exposições individuais Na Alemanha, entre outras: Nikon Galerie, Duessel - ... nície, com

AD

AL

RIC

HM

AL

ZB

EN

DE

RC

AM

INH

AN

TE

S S

EM

VO

Z

FO

TO

GR

AF

IAS

DE

CIG

AN

OS

DO

ALT

O A

LE

NT

EJO

Page 2: CAMINHANTES SEM VOZ FOTOGRAFIAS DE CIGANOS DO … Catalogo 01 72... · (canção cigana) Exposições individuais Na Alemanha, entre outras: Nikon Galerie, Duessel - ... nície, com

Avistamo-los à distância, vivem entre nós, mas do

outro lado do caminho. Quem são eles, de onde

vêm? Os seus antecedentes históricos são vagos

e as razões das suas migrações obscuras. Sabe-

se que deixaram a Índia há cerca de mil anos e

foram chegando à Europa por volta do século

XII. À Península Ibérica terão entrado ao longo

do século XV. Calcula-se que o seu nomadismo

foi causado por animosidade e repulsa por parte

de outros povos que os rejeitaram e obrigaram a

fugir. No seu longo percurso de perseguições e

repressões, o povo cigano, caminhante sem voz

e sem repouso, companheiro perpétuo do incer-

to e do efémero, sobreviveu refugiando-se no in-

terior dos seus próprios grupos, no seu mundo

de normas diferentes da sociedade organizada à

sua volta. Considerados por uns como marginais,

conflituosos e ameaçadores, por outros simples-

mente como aventureiros e exóticos, por todos

em geral como perturbadores, estes nossos con-

cidadãos adaptam na luta diária pela subsistên-

cia uma postura de fechamento e oposição face

ao exterior. Numa constante vivência à margem

da sociedade, essa postura reflecte-se na sua ina-

daptação ao meio-ambiente, talvez como própria

defesa psicológica, com o fim de salvaguardar e

prosseguir os valores da sua identidade e cultura.

A palavra cigano é um dos nomes que lhes foi

dado pelos “de fora”. Errando pelo mundo intei-

ro, transportaram consigo essa denominação

devido a uma confusão original entre os povos

athigganos ou athinkanos (uma seita bizantina

no século XV, nome que também significa “gen-

te pobre”) e os povos nómadas originários da

Índia. Na sua migração para a Europa Ocidental,

afirmava-se nessa altura que a sua terra de ori-

gem era o Pequeno Egipto, zona da Grécia ha-

bitada por estes itinerantes, confundindo com

o Egipto, passando por esse motivo também a

ser chamados por alguns egípcios. Este primei-

ro grupo étnico autodenominou-se Rom, pa-

lavra indiana cujo significado original era “ho-

mem”. Além dos Rom, que vivem sobretudo nos

Países dos Balcãs, existem ainda os Sinti (nome

derivado da província de Sind ou do rio Sindhu,

na Índia), que se fixaram na Alemanha, Itália e

França (onde também são chamados Manousch),

e os Caló ou Calé (palavra derivada de zincaló,

que significa na sua língua “homem da planície”,

também é sinónimo de “preto”), instalados es-

sencialmente na Península Ibérica e América do

Sul, assim como os Romnichals, principalmen-

te presentes no Reino Unido, Estados Unidos e

Austrália. A língua base de todos é o “Romanês”

ou “Romanó”, idioma ágrafo, transmitido apenas

oralmente, de parentesco com o sânscrito, antiga

língua dos brâmanes, sacerdotes indianos da re-

gião de Brama. Com a sua paragem e passagem

por zonas diferentes do mundo, essa língua foi-se

modificando e ramificando, à medida que o povo

cigano assimilou vocábulos das diversas línguas,

dando origem a variados dialectos. Alguns deles

são inclusivamente inventados pelos próprios ci-

ganos, com a função de elementos identificado-

res de uma linguagem e comunicação secretas.

O dialecto falado na Peninsula Ibérica é o “Caló”,

mas hoje em dia a maioria deste povo já não o

fala fluentemente.

“Livres como o ar, livres como o vento, livres

como as estrelas do firmamento”… são os versos

duma canção cigana. Na verdade o modo de vi-

ver e entender o mundo, na comunidade cigana,

baseia-se na sua própria maneira de ser, pois “ser

cigano” e “ser nómada” não é só um facto, é tam-

bém um estado de espírito. Esse estilo de vida

aos solavancos, não pertencendo a parte alguma,

percorrendo caminhos, instalando-se, enfrentan-

do discriminações e proibições, muitas vezes vol-

tando a partir, funciona apenas segundo o seu

próprio código de vida : Não é o indivíduo em si

que conta, mas sim a solidariedade interna, a ins-

tituição familiar, sinónimo de força e segurança,

que é a unidade base da sua organização social

e é prioritária acima de tudo. E é esse universo,

estruturado de leis subjectivas, que tanto os une

como os afasta da civilização envolvente.

Estas imagens de ciganos do Alentejo não pre-

tendem ser uma reportagem social, desejam

apenas chamar a atenção para a dignidade de

um povo. Serão talvez uma tentativa de alerta

para os que persistem em fechar as suas portas

a esse mundo com modos de viver, crer e pensar

que nos são estranhos – porque esse mundo está

aqui entre nós, mas do outro lado do caminho.

Maria A. Falcão Malzbender

CA

MIN

HA

NT

ES

S

EM

VO

Z

Page 3: CAMINHANTES SEM VOZ FOTOGRAFIAS DE CIGANOS DO … Catalogo 01 72... · (canção cigana) Exposições individuais Na Alemanha, entre outras: Nikon Galerie, Duessel - ... nície, com

Um elemento chave da matriz cultural cigana é o

culto e o respeito pelos mortos e o luto rigoroso

por eles. O cigano herdou da filosofia dos seus

antepassados hindús o conceito de que o espírito

do morto (o “muló”) continua a existir, além da

morte, noutro reino misterioso e desconhecido,

e o acompanha e protege de todos os males. O

mundo do sobrenatural é, portanto, constituído

pela presença de uma força benéfica. Contudo,

quando algum ente querido morre, apesar da

crença de que o morto se encontra ainda “pre-

sente”, a dor é sofrida por toda a comunidade ci-

gana e, como sinal de eterno desgosto, as viúvas

vestem-se totalmente de preto e cortam o cabe-

lo (pois existe um distinto simbolismo de fidelida-

de da mulher em relação ao marido, representa-

do pelo cabelo). Por seu lado, os homens deixam

crescer a barba e o cabelo, como sinal de luto, e

vestem-se igualmente de preto. O morto é vela-

do de dia e de noite, durante vinte e quatro ho-

ras, e o sofrimento pela sua perda é exteriorizado

excessivamente por todos com gritos, lamentos

e pranto.

Um aspecto singular na religiosidade da etnia ci-

gana : sem possuir uma convicção ideológica so-

bre Deus, nem uma religião própria, o cigano é

por natureza religioso, embora fé e surperstição

se confundam.

No decorrer da história regista-se nos Roma uma

adesão à fé ou à religião dominante dos países

que os hospedaram.

Maria Falcão Malzbender

O C

ULT

O P

ELO

S M

OR

TO

S

E A

RE

LIG

IÃO

Page 4: CAMINHANTES SEM VOZ FOTOGRAFIAS DE CIGANOS DO … Catalogo 01 72... · (canção cigana) Exposições individuais Na Alemanha, entre outras: Nikon Galerie, Duessel - ... nície, com

A música, para a qual os ciganos têm um especial

talento e intuição, é uma particularidade deste

povo e está sempre presente na sua vida quo-

tidiana, embora não exista uma música propria-

mente cigana.

Através da música o povo cigano manifesta os

seus estados de alma, as suas inquietudes, as

suas alegrias, os seus lutos. Esta é cultivada atra-

vés do canto e da dança, interpretada muitas ve-

zes por instrumentos fabricados pelos próprios

ciganos. As melodias revelam variadas influên-

cias, sobretudo do oriente. A paixão pela música

faz parte inclusivamente do processo de sociali-

zação primária da criança cigana e reflecte o seu

modo de viver.

Maria Falcão Malzbender

A M

ÚS

ICA

Page 5: CAMINHANTES SEM VOZ FOTOGRAFIAS DE CIGANOS DO … Catalogo 01 72... · (canção cigana) Exposições individuais Na Alemanha, entre outras: Nikon Galerie, Duessel - ... nície, com

A família é sagrada para os Ciganos. Sendo geral-

mente extensa, nela está, em lugar muito superior,

o amor e a estima profundos pelas crianças, que

representam a sua verdadeira fonte de subsistên-

cia. As crianças ciganas crescem livremente en-

tre os adultos e por eles são veneradas como o

maior bem da vida. Um papel muito importante

na etnia cigana têm também os idosos, chama-

dos por todos “tios”, pelos quais existe um respei-

to incontestado. As palavras e os conselhos dos

anciãos são sempre ouvidos e nunca são postos

em causa, sendo eles geralmente considerados

pelas suas qualidades de justiça e sabedoria, por

todos acarinhados e nunca abandonados, viven-

do na família até à morte, o que não é considera-

do um encargo mas um dever.

A mulher cigana tem uma função distinta no

seio da família, ocupando um lugar insubstituí-

vel de reconhecido valor, devido ao seu papel de

mãe e de companheira do homem cigano. Ainda

que submissa, a cigana, com toda a sua natural

superioridade e personalidade, goza, em geral, na

comunidade cigana de admiração.

Maria Falcão Malzbender

A F

AM

ÍLIA

Page 6: CAMINHANTES SEM VOZ FOTOGRAFIAS DE CIGANOS DO … Catalogo 01 72... · (canção cigana) Exposições individuais Na Alemanha, entre outras: Nikon Galerie, Duessel - ... nície, com
Page 7: CAMINHANTES SEM VOZ FOTOGRAFIAS DE CIGANOS DO … Catalogo 01 72... · (canção cigana) Exposições individuais Na Alemanha, entre outras: Nikon Galerie, Duessel - ... nície, com

“Pelo olival desciam,

só bronze e sonho, os ciganos.

As cabeças levantadas

e os olhos semicerrados…”

Federico García Lorca

“Romance da lua, lua”

“Até nas flores se encontra

a diferença da sorte –

umas enfeitam a vida,

outras enfeitam a morte…”

Jerónimo Guimarães

(trovador cigano brasileiro do séc.XIX)

Page 8: CAMINHANTES SEM VOZ FOTOGRAFIAS DE CIGANOS DO … Catalogo 01 72... · (canção cigana) Exposições individuais Na Alemanha, entre outras: Nikon Galerie, Duessel - ... nície, com

“A tua raça quer partir,

guerrear, sofrer, vencer, voltar.

A minha, não quer ir nem vir.

A minha raça quer passar”

Cecília Meireles

… “Ao lado dos carrões, na pedregosa estrada,

Vão os homens a pé, com armas reluzentes,

Erguendo para o céu uns olhos indolentes

Onde já fulgurou muita ilusão amada…”

Charles Baudelaire

“Ciganos em viagem”

Page 9: CAMINHANTES SEM VOZ FOTOGRAFIAS DE CIGANOS DO … Catalogo 01 72... · (canção cigana) Exposições individuais Na Alemanha, entre outras: Nikon Galerie, Duessel - ... nície, com

Tudo o que voa é ave.

Desta janela aberta

a pena que se eleva é mais suave

e a folha que plana é mais liberta.

Nos seus braços azuis o céu aquece

todo o alado movimento.

É no chão que arrefece

o que não pode andar no firmamento.

Outro levante, pois, ciganos !

Outra tenda sem pátria mais além !

Desumanos

são os sonhos, também…

Miguel Torga

“Ciganos”

“Livres como o ar, livres como o vento,

Livres como as estrelas do firmamento…”

(canção cigana)

Page 10: CAMINHANTES SEM VOZ FOTOGRAFIAS DE CIGANOS DO … Catalogo 01 72... · (canção cigana) Exposições individuais Na Alemanha, entre outras: Nikon Galerie, Duessel - ... nície, com

Exposições individuais

Na Alemanha, entre outras: Nikon Galerie, Duessel-

dorf. ¶ Em Espanha: Museu Municipal de Cáceres;

Escola de Artes, Mérida; Centro Universitário, Ba-

dajoz; Teatro Lopez Ayla, Plasencia. ¶ Em Portugal:

Mosteiro de Alcobaça; Palácio de Cristal, Porto;

Casa do Alentejo e Livraria “Ler Devagar”, Lisboa.

Em várias cidades e vilas do Alto e Baixo-Alentejo

: Câmara Municipal de Évora; Casa de Artes Mário

Elias, Mértola; Museu da Tapeçaria, Castelo e Ga-

leria de São Sebastião, Portalegre; Museu da Fo-

tografia, Elvas; Igreja de São Tiago, Monsaraz; Ce-

leiro da Cultura, Borba; Mosteiro de Flor da Rosa;

Cineteatro, Nisa; Casa da Cultura, Marvão e Caste-

lo de Vide; Casa do Povo, Granja.

Exposição colectiva

“Ciganos entre amigos”,

Universidade de Brasília, Brasil.

www.adalrichmalzbender.com

[email protected]

Nasceu em Berlim. É médico, casado com uma

alentejana de Portalegre. Foi a paixão pelo Alen-

tejo que o levou à fotografia, começando em 1976

a praticar essa arte, dedicando-se desde logo,

com muito entusiasmo, à fotografia tradicional a

preto e branco, técnica através da qual pensa po-

der melhor expressar o fascínio que sente pela

terra e gentes alentejanas.

O seu olhar escolhe, na verdade, muito em espe-

cial o povo alentejano no seu quotidiano, a pla-

nície, com toda a sua magia, solidão e silêncio,

os horizontes rasos, a luz e a alvura das vilas e

aldeias alentejanas e o povo cigano, com quem

contactou durante mais de 25 anos.

Outro tema fotográfico do seu agrado: a Escultu-

ra Românica em Portugal.

Publicou os livros “Alentejo”, Quetzal Editores, e

“Olhares ciganos”, Consejeria de Cultura de Ex-

tremadura, Espanha. Colaborou num livro sobre

pântanos e em variadas revistas na Alemanha, e

em Portugal, nas revistas Atlantis e Pormenores.

As imagens da exposição mostram ciganos que

vivem ou viveram nas seguintes vilas e cidades do

Alentejo: Alpalhão, Tolosa, Crato, Campo Maior,

Monforte, Estremoz, Cuba, Borba, Elvas e Beja.

Todas as fotografias foram feitas segundo o modo

tradicional, com máquinas fotográficas analógi-

cas, rolos e produtos químicos, segundo velhas

receitas, e reveladas numa câmara escura.

AD

AL

RIC

HM

AL

ZB

EN

DE

R

Page 11: CAMINHANTES SEM VOZ FOTOGRAFIAS DE CIGANOS DO … Catalogo 01 72... · (canção cigana) Exposições individuais Na Alemanha, entre outras: Nikon Galerie, Duessel - ... nície, com