Caderno IV Linguagens Final
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Ministrio da EducaoSecretaria de Educao Bsica
Formao de Professores do Ensino Mdio
LINGUAGENS
Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Mdio
Etapa II - Caderno IV
CuritibaSetor de Educao da UFPR
2014
-
MINISTRIO DA EDUCAO
SECRETARIA DE EDUCAO BSICA (SEB)
MINISTRIO DA EDUCAO SECRETARIA DE EDUCAO BSICA Esplanada dos Ministrios, Bloco L, Sala 500 CEP: 70047-900 Tel: (61)20228318 - 20228320
Brasil. Secretaria de Educao Bsica. Formao de professores do ensino mdio, Etapa II - Caderno IV: Linguagens / Ministrio da Educao, Secretaria de Educao Bsica; [autores: Adair Bonini... et al.]. Curitiba: UFPR/Setor de Educao, 2014. 47p. ISBN 9788589799966 (coleo) 9788584650002 (v.4) Inclui referncias Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Mdio 1. Ensino mdio. 2. Professores - Formao. 3. Linguagem e lnguas Estudo e ensino. 4. Artes Estudo e ensino. 5. Educao fsica (Segundo grau). I. Bonini, Adair. II. Universidade Federal do Paran. Setor de Educao. III. Linguagens. IV. Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Mdio. V. Ttulo. CDD 373.9
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANSISTEMA DE BIBLIOTECAS BIBLIOTECA CENTRAL
COORDENAO DE PROCESSOS TCNICOS
Andrea Carolina Grohs CRB 9/1384
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LINGUAGENS
Etapa II Caderno IV
AUTORES
Adair Bonini
Claudia Hilsdorf Rocha
Fernando Jaime Gonzalez
Magali Oliveira Kleber
Paulo Evaldo Fensterseifer
Ruberval Franco Maciel
COORDENAO DA PRODUO
Monica Ribeiro da Silva (organizadora)Culi Mariano Jorge
Eloise Medice Colontonio
Glian Cristina Barros
Giselle Christina Corra
Lia de Cssia Fernandes Hegeto
LEITORES CRTICOS
Altair Pivovar
Nelagley Marques
Smia Maria Carvalho
REVISO
Giselle Christina Corra
PROJETO GRFICO E EDITORAO
Victor Augustus Graciotto Silva
Rafael Ferrer Kloss
CAPA
Yasmin Fabris
Rafael Ferrer Kloss
ARTE FINAL
Rafael Ferrer Kloss
COORDENAO GERAL E ORGANIZAO DA PRODUO DOS MATERIAIS
Monica Ribeiro da Silva
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Caro Professor, Cara Professora
Com vistas a garantir a qualidade do Ensino Mdio ofertado no Pas foi institudo por meio da Portaria Ministerial n 1.140, de 22 de novembro de 2013, o Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Mdio. Este Pacto contempla, dentre outras, a ao de formao continuada dos professores e coordenadores pedaggicos de Ensino Mdio por meio da colaborao entre Ministrio da Educao, Secretarias Estaduais de Educao e Universidades.
Esta ao tem o objetivo central de contribuir para o aperfeioamento da formao continuada de professores a partir da discusso das prticas docentes luz das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio DCNEM (Resoluo CNE/CEB n 2, de 31 de janeiro de 2012). Nesse sentido, a formao se articula ao de redesenho curricular em desenvolvimento nas escolas pblicas de Ensino Mdio a partir dessas Diretrizes.
A primeira etapa da Formao Continuada, em conformidade com as DCNEM, trouxe como eixo condutor Os Sujeitos do Ensino Mdio e a Formao Humana Integral e foi composta pelos seguintes Campos Temticos/Cadernos: Sujeitos do Ensino Mdio e Formao Humana Integral; Ensino Mdio e Formao Humana Integral; O Currculo do Ensino Mdio, seus sujeitos e o desafio da Formao Humana Integral; Organizao e Gesto do Trabalho Pedaggico; Avaliao no Ensino Mdio; e reas de Conhecimento e Integrao Curricular.
Nesta segunda etapa, dando continuidade ao eixo proposto, as temticas que compem os Ca-dernos de Formao do Pacto so: Organizao do Trabalho Pedaggico no Ensino Mdio e reas de Conhecimento do Ensino Mdio, em consonncia com as proposies das DCNEM, considerando o dilogo com o que vem sendo praticado em nossas escolas, a diversidade de prticas e a garantia da educao para todos. A formao continuada propiciada pelo Pacto auxiliar o debate sobre a Base Nacional Comum do Currculo que ser objeto de estudo dos diversos setores da educao em todo o territrio nacional, em articulao com a sociedade, na perspectiva da garantia do direito aprendiza-gem e ao desenvolvimento humano dos estudantes da Educao Bsica, conforme meta estabelecida no Plano Nacional de Educao.
Destacamos como ponto fundamental que nesta segunda etapa seja feita a leitura e a reflexo dos Cadernos de todas as reas por todos os professores que participam da formao do Pacto, consi-derando o objetivo de aprofundar as discusses sobre a articulao entre conhecimentos das diferen-tes disciplinas e reas, a partir da realidade escolar. A perspectiva de integrao curricular posta pelas DCNEM exige que os professores ampliem suas compreenses sobre a totalidade dos componentes curriculares, na forma de disciplinas e outras possibilidades de organizao do conhecimento escolar, a partir de quatro dimenses fundamentais: a) compreenso sobre os sujeitos do Ensino Mdio con-siderando suas experincias e suas necessidades; b) escolha de conhecimentos relevantes de modo a produzir contedos contextualizados nas diversas situaes onde a educao no Ensino Mdio produzida; c) planejamento que propicie a explicitao das prticas de docncia e que amplie a diver-sificao das intervenes no sentido da integrao nas reas e entre reas; d) avaliao que permita ao estudante compreender suas aprendizagens e ao docente identific-las para novos planejamentos.
Espera-se que esta etapa, assim como as demais que estamos preparando, seja a oportunidade para uma real e efetiva integrao entre os diversos componentes curriculares, considerando o im-pacto na melhoria de condies de aprender e desenvolver-se dos estudantes e dos professores nessa etapa conclusiva da Educao Bsica.
Secretaria da Educao Bsica
Ministrio da Educao
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Sumrio
Introduo / 6
1. A rea Linguagens e sua contribuio para a formao do estudante do Ensino Mdio / 9
1.1 A formao da rea Linguagens / 9
1.2 A Linguagem como elo integrador da rea / 10
1.3 Os conhecimentos da rea de Linguagens / 12
2. Os sujeitos estudantes do Ensino Mdio e os direitos aprendizagem e ao desenvolvimento humano na rea de Linguagens / 14
2.1 Sujeito, sujeitos da escola, contexto, interao / 14
2.2 Subjetividade e produo de conhecimento na juventude / 16
2.3 Prticas de linguagem nos componentes curriculares da rea / 17
2.4 Direitos de aprendizagem e desenvolvimento humano e as prticas de linguagem / 19
3. Trabalho, Cultura, Cincia e Tecnologia na rea de Linguagens / 22
4. Possibilidades de abordagens pedaggico-curriculares na rea de Linguagens / 31
4.1 A educao como prtica humanizadora / 32
4.2 O currculo e a construo crtica do conhecimento sobre a linguagem / 34
4.3 Prticas de ensino e aprendizagem / 39
Referncias / 42
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6Linguagens
Introduo
Na vspera, tendo de ir abaixo, Custdio foi Rua da Assembleia, onde se
pintava a tabuleta. Era j tarde; o pintor suspendera o trabalho. S algumas
das letras ficaram pintadas, a palavra Confeitaria e a letra d. A letra o
e a palavra Imprio estavam s debuxadas a giz. Gostou da tinta e da cor,
reconciliou-se com a forma, e apenas perdoou a despesa. Recomendou
pressa. Queria inaugurar a tabuleta no domingo.
Ao acordar de manh no soube logo do que houvera na cidade, mas pou-
co a pouco vieram vindo as notcias, viu passar um batalho, e creu que
lhe diziam a verdade os que afirmavam a revoluo e vagamente a rep-
blica. A princpio, no meio do espanto, esqueceu-lhe a tabuleta. Quando
se lembrou dela, viu que era preciso sustar a pintura. Escreveu s pressas
um bilhete e mandou um caixeiro ao pintor. O bilhete dizia s isto: Pare
no D. Com efeito, no era preciso pintar o resto, que seria perdido, nem
perder o princpio, que podia valer. Sempre haveria palavra que ocupasse
o lugar das letras restantes. Pare no D.
Quando o portador voltou trouxe a notcia de que a
tabuleta estava pronta.
Voc viu-a pronta?
Vi, patro.
Tinha escrito o nome antigo?
Tinha, sim, senhor: Confeitaria do Imprio. Esa e Jac
Machado de Assis
Professores e professoras, sintam-se convidados a adentrar o territrio da linguagem. Com essa
epgrafe que, a princpio, talvez possa parecer um pouco intrigante, queremos comear o nosso percurso
de reflexo. Menos que repisar a tradio, trazemos Machado de Assis pelo que ele capaz de nos dizer
sem dizer, de nos fazer experimentar. Essa a histria do confeiteiro Custdio que aparece como pano de
fundo da histria principal no romance Esa e Jac. Cedendo aos apelos de pessoas prximas, Custdio
(atentem para o nome) resolveu repintar e, por fim, refazer a placa de identificao de sua Confeitaria do Imprio bem nos dias em que repblica foi proclamada. Quando viu que a placa com a nova pintura iria
saltar aos olhos dos defensores da repblica e que talvez os revolucionrios lhe fossem quebrar as vidra-
as, resolveu voltar atrs tentando salvar tanto o dinheiro quanto a freguesia. Sem saber que rumo dar
placa, revolve pedir conselho a outro personagem que lhe indica seis possibilidades, refutadas em sua
maioria: Confeitaria da Repblica (se houver uma reviravolta, perde o investimento na placa novamen-
te); Confeitaria do Governo (todo governo tem oposio); deixar o nome e acrescentar das leis (sendo
essas duas ltimas menores, provavelmente as pessoas apenas vero o imprio); Confeitaria do Catete
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7Formao de Professores do Ensino Mdio
(uma vez havendo outra confeitaria na rua, perde freguesia para ela, j que as pessoas se confundiriam);
deixar a tabuleta pintada como est, e direita, na ponta, por baixo do ttulo, mandar escrever Fundada
em 1860 e Confeitaria do Custdio (ambas aceitas, embora com alguma resistncia).
Essa histria reveladora de como a linguagem se constitui e constitutiva da prtica social. A mudana da forma de governo, nesse caso, coloca uma situao diferente de produo da linguagem, na
qual a placa no ser mais lida da mesma forma. Ao mudar de Confeitaria do Imprio para Confeitaria
da Repblica, o estabelecimento, de algum modo, est avalizando uma posio e, ao mesmo tempo, ajudando a sedimentar um regime de significao. As prprias identidades e relaes entre as pessoas se
modificam nessa alternncia dos nomes em questo. Vemos, desse modo, que o mundo se constitui no
apenas por aes fsicas, mas tambm por aes de linguagem e o sujeito, por sua vez, se constitui no
modo como atua pela linguagem.
O presente texto busca oferecer subsdios para se pensar o currculo escolar e os respectivos com-
ponentes curriculares da rea de Linguagens que, como proposto nas Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino Mdio DCNEM (BRASIL, 2012), so: Lngua Portuguesa, Lngua Materna (populaes
indgenas), Lngua Estrangeira (com Lngua Espanhola tendo oferta obrigatria, mas facultativa ao alu-
no), Arte (Artes Visuais, Dana, Msica e Teatro) e Educao Fsica. As reflexes e consideraes aqui
traadas envolvem a elaborao de uma proposta que contemple a pluralidade, os contextos e a situacio-
nalidade das prticas sociais e educativas da rea de Linguagens, abrindo espao para um processo de
aprendizagem significativo e crtico, resultante da participao democrtica dos sujeitos envolvidos na
escola - estudantes, docentes, funcionrios e comunidade e das buscas de conhecimento.
Entendemos que essa rea ganha um ncleo definidor medida que todos os seus componentes se
voltam para os conhecimentos e saberes relativos s interaes e s expresses do sujeito em prticas socioculturais. Ou seja, como rea, todos os componentes curriculares arrolados acima, de algum modo, enfocam as representaes de mundo, as formas de ao e as manifestaes de linguagens, entenden-do-as como constitutivas das prticas sociais e, ao mesmo tempo, por elas constitudas. Nesse sentido,
esses trs elementos esto presentes na prpria produo de sentidos que se d pela linguagem, uma vez
que, como vimos no exemplo da confeitaria, mudar ou manter a denominao implica em se alinhar a
(ou mesmo transformar) determinadas representaes (monrquicas, republicanas, anarquistas etc.), em
agir ou ser paciente de aes de um determinado modo (tornando-se alvo dos republicanos ou dos monar-
quistas, em pleno movimento de declarao da repblica), em recorrer a determinadas configuraes de
linguagem (nesse caso, a placa, as convenes de formao de nomes de empresas em voga nessa poca e
lugar, os formatos das letras etc.).
Assim como acontece com Custdio, ns e nossos estudantes tambm estamos constantemente
nos defrontando com a inevitvel mediao das linguagens. A prtica de um esporte, a escrita de um
e-mail, a ao de fotografar e expor essa fotografia so formas de produo de sentidos que se do como
linguagens. Alm disso, quando as prticas de linguagem adentram o espao escolar, elas trazem consigo
as identidades de diferentes grupos sociais e, ao serem trabalhadas como conhecimento, saber e reflexo,
elas exercem um importante papel no processo de constituio do sujeito e, portanto, do estudante como
sujeito em constituio.
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8Linguagens
Nossa reflexo nesse texto, assim, volta-se para uma atividade educativa que visa constituir saberes
a partir da prpria atuao dos sujeitos em prticas sociais, enfocando especialmente as mediaes de
linguagem pelas quais passam. Busca-se assim, propiciar e ampliar possibilidades de acesso a saberes e
culturas, bem como sua produo em espaos variados, como os cenrios urbanos e rurais, a fim de que
possam ser problematizados e (re)construdos referenciais voltados negociao das diferenas e busca
do respeito mtuo.
O itinerrio que escolhemos envolve, inicialmente, uma contextualizao da rea de Linguagens
que compreende tanto a sua caracterizao como rea com componentes integrados, quanto os conheci-
mentos que permitem o desencadeamento das atividades educativas. No momento seguinte, voltamo-nos
para uma reflexo sobre as especificidades que caracterizam o sujeito do Ensino Mdio e ao modo como,
contemplando essa especificidade, a atividade educativa da rea de Linguagens pode produzir uma ao
relacionada aos direitos aprendizagem e ao desenvolvimento humano na Educao Bsica. Dando pros-
seguimento a essa reflexo sobre o mundo do estudante do Ensino Mdio abordamos o trabalho, a cultura,
a cincia e a tecnologia como dimenses da atividade educativa. No ltimo momento desse percurso, nos
atemos organizao curricular e aos princpios metodolgicos para as atividades educativas da rea de
Linguagens.
Fica aqui, portanto, o convite leitura e ao dilogo conosco, com vias a nossa reflexo conjunta
sobre a atividade educativa em linguagens.
Desejamos um bom trabalho a todos e a todas!
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9Formao de Professores do Ensino Mdio
1. A rea Linguagens e sua contribuio para a formao do estudante do Ensino Mdio
As Linguagens constituem uma rea curricular no atual quadro da Educao Bsica. Mas o que
constitui essa rea, como ela se formou, por qu? Essas so algumas perguntas que iro guiar a nossa
reflexo nesta unidade. Iniciamos, portanto, refletindo sobre a constituio da rea de modo bem amplo,
depois passamos pelo conceito de linguagem e, em seguida, chegamos aos conhecimentos que permeiam
e integram os componentes da rea.
1.1 A formao da rea Linguagens
A concepo de uma rea de Linguagens como arranjo curricular da Educao Bsica comea a
tomar forma na dcada de 90. Nesse sentido, nos PCNEM (2000), PCN+ (2002) j aparecia uma rea
denominada Linguagens, cdigos e suas tecnologias, contendo os seguintes componentes: Lngua Por-
tuguesa, Lngua Estrangeira Moderna, Educao Fsica, Arte, e Informtica. H um comentrio geral
sobre a rea em ambos os documentos, mas que no chega a discutir a integrao dos componentes curri-
culares. Nas Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio - OCEM (2006), a rea aparece com a mesma
denominao, sendo considerados os conhecimentos relativos Lngua Portuguesa, Literatura, Lnguas
Estrangeiras, Espanhol, Arte e Educao Fsica. No h discusso sobre a rea ou sobre os seus compo-
nentes curriculares, tema que s volta a entrar em pauta nos documentos mais recentes.
Nas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educao Bsica DCNEB (2010) a rea passa
a ser definida, por sua vez, com o nome Linguagens, compreendendo os componentes obrigatrios: a) Ln-
gua Portuguesa; b) Lngua Materna, para populaes indgenas; c) Lngua Estrangeira moderna; d) Arte; e
e) Educao Fsica. Nas DCNEM (2012), ocorre apenas uma especificao do componente Arte, em suas
diferentes linguagens: cnicas, plsticas e, obrigatoriamente, a musical.
As DCNEB (2010) ainda abrem a possibilidade de que as reas e componentes construam as suas
prprias definies quando afirmam, no artigo 16, que Os componentes curriculares e as reas de conhe-
cimento devem articular em seus contedos, a partir das possibilidades abertas pelos seus referenciais, a
abordagem de temas abrangentes e contemporneos que afetam a vida humana em escala global, regional
e local, bem como na esfera individual. (BRASIL, 2010, p.5)
Os componentes curriculares, embora contemplem conhecimentos acadmicos, no equivalem s
disciplinas acadmicas/cientficas, pois eles so construdos em funo do tipo de processo formativo, em
funo do currculo que se quer instituir. A constituio da rea de linguagens, portanto, demanda escolhas
e um esforo de integrao de conhecimentos que, no contexto universitrio, nem sempre so produzidos
em grande proximidade, seja em termos de organizao departamental, seja de diviso de reas do conhe-
cimento, seja de fronteiras epistemolgicas.
Entendemos, nesse sentido, que os componentes curriculares arrolados na rea Linguagens se inte-
gram como rea em funo de todos terem como objeto a atuao de sujeitos em prticas sociais, sejam
enunciativas, artsticas ou corporais, como, por exemplo, proferir uma palestra, participar de uma roda de
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Linguagens
capoeira ou pintar uma aquarela. A linguagem, como forma scio-historicamente definida de produo de
sentidos, constitutiva de todas essas prticas e, portanto, fundante da rea. Em todas elas, conforme delas
participem, os sujeitos se defrontam com a inevitvel questo de seguir ou romper com as convenes
estabilizadas.
Outro ponto em que esses componentes convergem numa nica rea curricular o fato de todos,
ao focalizarem as prticas de linguagem como parte do processo de ensino e aprendizagem, dedicarem
especial ateno ao modo como o estudante com elas se envolve, seja realizando-as, seja refletindo sobre
elas. Nessa rea, portanto, a ampliao de saberes envolve experienciar e contrastar prticas diversas, ge-
rando debates, pesquisas, e a reflexo sobre o prprio processo de insero nessas prticas, de modo que
os estudantes desenvolvam autonomia para sua atuao no mundo fora da escola.
Por outro lado, importante mencionar que reconhecer, nos diferentes componentes da rea, esses
elementos em comum, no significa que cada um destes no trate de outros conhecimentos no direta-
mente relacionados ao campo das linguagens. Educao Fsica, por exemplo, alm de tematizar as prti-
cas corporais como manifestaes da linguagem, tambm se ocupa de outros conhecimentos vinculados
ao campo da sade, da prtica de exerccios fsicos, do desenvolvimento da aptido fsica etc., os quais
permitem interfaces efetivas com outros componentes e reas do currculo da Educao Bsica que, no
entanto, no sero aqui destacados. Dar centralidade dimenso comum dos conhecimentos das lingua-
gens foi uma escolha, produto do entendimento que, nesta etapa da formao, se deveria enfatizar o que
aproxima os componentes da rea, deixando para a prxima etapa, alm do detalhamento do aqui descrito,
a explicitao de possveis peculiaridades de cada componente.
1.2 A Linguagem como elo integrador da rea
No escopo da Educao Bsica, em que a educao escolar evidencia-se como um direito e tambm
como um componente crucial para o exerccio da cidadania, a rea de Linguagens desempenha um impor-
tante papel na medida em que constitutiva das relaes humanas, perpassando, assim, toda e qualquer
prtica social e, portanto, todas as reas especficas de construo de conhecimentos.
As linguagens so aqui compreendidas como formas scio-historicamente definidas de produo
de sentidos, sendo que elas configuram mundos e o que denominamos realidade. So, desse modo, dis-
cursivamente orientadas, ou seja, a realizao de uma prtica de linguagem implica em alinhamento a
pelo menos um regime de significao que especifica o que est dentro ou fora do domnio. Quando se
pratica futebol, rgbi, carat, quando se escreve um poema, posta algo em uma rede social, quando se
canta um samba, dana um forr, em todas as ocasies se produz sentido (de alinhamento, rompimento,
mixagem etc.) de acordo com os discursos estabelecidos. A linguagem, ento, constitui vises de mundo
e valores sobre tudo que nos cerca. Os sentidos e, portanto, as prticas sociais de linguagens so assim,
manifestaes situadas, no existindo de forma autnoma ou abstrada do contexto histrico-cultural nos
quais se do as relaes humanas.
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Formao de Professores do Ensino Mdio
A rea de Linguagens abarca, por conseguinte, prticas sociais diversas, as quais envolvem, em
toda sua pluralidade, representaes, formas de ao e de manifestaes de linguagens culturalmente
organizadas e historicamente determinadas. Em seu ncleo, as linguagens abarcam os mais diversos
modos de expresses e performances artsticas e literrias, manifestaes de movimento corporal e ges-
tual e vivncias de interpretao e construo de sentidos. O modo como se entra em uma roda de capo-
eira, girando em sentido anti-horrio e indo ao p do berimbau ( frente da bateria de msicos) pedir
licena, linguagem. Assim, como tambm linguagem o modo como se faz uma msica para contestar
(como o rock punk, a cano de protesto, o rap), ou se l uma notcia observando porque tal assunto foi
colocado no ttulo, porque o olho destaca tal frase e no outra, porque a opinio de determinado partici-
pante aparece e a de outro no.
Representao social - Em teorias do signo diz que algo est em lugar de algo para represent-lo. Nesse caso, a palavra casa, um desenho ou fo-tografia so representaes do objeto, sendo que uma representao pode ser tornar objeto de outra em uma cadeia semitica. Mais recentemente, as representaes tambm tm sido usadas como uma forma de observar a or-ganizao social pela linguagem. Segundo Serge Moscovici (2007, p. 21), as representaes sociais so tanto um sistema de valores e ideias quanto de prticas, funcionando como forma de ordenar e orientar a aes das pessoas, e como base comum para a comunicao.
Ao social - Max Weber define ao social como unidade bsica da or-ganizao da sociedade. Para ele, uma ao social se produz como causa e consequncia de outras aes e reaes, orientada para o outro. S ao social aquilo que percebido pelo outro como ao.
Manifestaes de linguagens As manifestaes de linguagem ocorrem, segundo Bakhtin, atravs de enunciados que so elos na cadeia ininterrupta da interao discursiva. Como unidade, o enunciado apresenta fronteiras de-terminadas pelo enunciado que o antecede e pelo que o sucede, alm de se caracterizar: a) pela exauribilidade do objeto e do sentido; b) pelo projeto de discurso ou vontade de discurso do falante; e c) pelas formas tpicas composicionais e de gnero do acabamento.
Compreender diferentes formas de linguagens como situadas significa reco-nhecer, primeiramente, que estas se realizam sob determinadas condies de produo. Elas se realizam em decorrncia de uma situao de comunicao especfica e so, assim, marcadas pelos tempo e lugar histricos em que se encontram envolvidos os participantes dessas relaes sociais, pelos campos sociais em que elas ocorrem, pelos propsitos comunicativos estabelecidos, bem como pelas linguagens, recursos e meios pelos quais os sentidos so expressos. A natureza situada das prticas de linguagens advm, ainda, do re-conhecimento de que os sentidos no so preestabelecidos ou estticos, mas que so construdos de forma dinmica nas relaes sociais, e so marcados por posicionamentos ticos, estticos, polticos, entre outros. Carregam, portanto, interesses que marcam as posies assumidas pelos sujeitos que participam dessas relaes e que, consequentemente, revelam relaes de autoridade e poder entre eles.
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Linguagens
Assim entendidas, as linguagens constituem as relaes humanas e instituem as mais variadas for-
mas de produo de conhecimento. importante, nessa perspectiva, o reconhecimento de que todo e
qualquer conhecimento, bem como os sentidos, so construdos em meio s especificidades de uma de-
terminada cultura, a qual, por sua vez, encontra-se sempre em movimento travando relaes, nem sempre
pacficas, com culturas outras e tempos histricos outros, marcando a natureza multi ou transcultural das
prticas de linguagens.
As perspectivas didticas que orientam a rea de Linguagens e seus componentes pressupem o
usufruto dos direitos estabelecidos pela Educao Bsica, materializados na ampliao de repertrios
lingusticos, culturais e artsticos por meio do envolvimento dos estudantes em prticas de criao e uso
crtico destas formas de expresso de sentidos.
1.3 Os conhecimentos da rea de Linguagens
Quando pensamos no contexto do Ensino Mdio, com suas potencialidades e problemas, e em
um trabalho educacional que se volta para o sujeito em sua constituio, para a ampliao do potencial
humano, precisamos pensar no que faz sentido em termos dos conhecimentos mobilizados para a atividade
educativa. No caso da rea de Linguagens, importante arrolar conhecimentos que sejam sensveis a esse
projeto educacional que favoream a aprendizagem significativa - e que tambm favoream a interdis-
ciplinaridade de componentes curriculares na rea e entre reas.
Listamos aqui seis conhecimentos sobre linguagens que, ao serem mobilizados na atividade educa-
tiva, podem favorecer o alcance de direitos de aprendizagem e desenvolvimento no Ensino Mdio. Essa
relao entre conhecimentos e direitos ser aprofundada na prxima unidade desse texto. Passamos, ento,
a uma exposio desses conhecimentos, quais sejam:
a) O conhecimento sobre a organizao e o uso crtico das diferentes linguagens. Diz respeito s diversas possibilidades de uso das linguagens em prticas sociais, que quando chegam ao estudante de
forma significativa, possibilitam uma ampliao de saberes relativos produo de identidades, das rela-
es sociais e da prpria realidade.
Prticas de criao e uso crtico das formas expressivas da linguagem pro-piciam a ampliao das possibilidades de engajamento do sujeito em deter-minadas prticas sociais, pressupondo um movimento contnuo de reflexo sobre as condies de produo que condicionam as relaes sociais naque-les espaos, assim condicionam tambm as representaes e juzos de valor que balizam tais relaes. Prticas orientadas por essa perspectiva implicam, ainda, o acolhimento e a busca por formas outras (distintas das socialmente validadas ou institucionalizadas) de construo de conhecimentos e de sen-tidos por meio das diferentes linguagens, alm de proporcionar espaos de rupturas com maneiras de pensar e agir autoritrias, que impem determina-dos valores em detrimento de outros.
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Formao de Professores do Ensino Mdio
b) O conhecimento sobre a cultura patrimonializada local, nacional e internacional. Com-preende o acesso cultura patrimonializada pelo vis da reflexo crtica sobre o prprio processo de pa-
trimonializao, sempre envolto em ideologias, interesses e jogos de poder, compreendendo desse modo
tambm o acesso aos bens culturais que no foram institucionalizados. Se por um lado tm-se patrimnios
como as cidades histricas, a literatura, as artes plsticas, h tambm todo um conjunto de expresses do
bairro e da prpria escola que so bens culturais importantes para o posicionamento daqueles sujeitos na
estrutura social. Muitas vezes, a comunidade perde em organizao social e bem-estar por no conhecer e
lutar pela valorizao de um patrimnio seu.
c) O conhecimento sobre a diversidade das linguagens. Est relacionado valorizao e/ou des-valorizao de grupos medida que compreende a construo das identidades socioculturais, e a conse-
quente insero em prticas polticas, ticas e estticas. Os estudantes podem se beneficiar do comparti-
lhamento e da reflexo sobre o outro e o que o constitui. O conhecimento sobre a diversidade se legitima
pela vivncia da diferena, no cabendo a a imposio de algumas codificaes culturais como melhores
que outras.
d) O conhecimento sobre a naturalizao/desnaturalizao das linguagens nas prticas so-ciais. Compreende o reconhecimento de que as manifestaes de linguagem se estabilizam atravs de um processo histrico e social que envolve relaes de poder e hegemonia. Muitas das representaes que
tratamos como naturais e imutveis, podem manter relaes de colonizao, de desigualdade de gneros,
de preconceitos tnico-raciais. Quando os estudantes se percebem como produto e produtores de lingua-
gens, podem desenvolver-se uma dimenso crtica sobre a linguagem que, desnaturalizada, favorece a
participao e a mudana social.
e) O conhecimento sobre autoria e posicionamento na realizao da prpria prtica. Trata-se de um conhecimento sobre as possibilidades e limites da prpria ao que se forma pela experincia da
participao poltica e do protagonismo. Consiste, alm disso, em uma ampliao das referncias atravs
das quais os estudantes estabelecem critrios que permitem avaliar a sua prpria conduta, e entender e
caracterizar a conduta dos outros.
f) O conhecimento sobre o mundo globalizado, transcultural e digital e as prticas de lin-guagem. Compreende as prticas e problemas sociais resultantes dos ajustes e desajustes nos planos macroeconmicos, tecnolgicos, de comunicao e transporte que impactam as formas de ser e agir no
mundo contemporneo. Assim, esse conhecimento diz respeito prtica social transversal e globalizadora
decorrente do rompimento das fronteiras espao-temporais que pem em cena as mestiagens lingusticas,
culturais, tnicas, sociais etc. caractersticas desse incio de sculo. O acesso a saberes sobre o mundo di-
gital fundamental aos estudantes do Ensino Mdio, pois: 1) as prticas digitais, direta ou indiretamente,
impactam o seu dia-a-dia, 2) certamente j lhe despertam o interesse, o que favorece o ensino significativo,
e 3) delas podem melhor se apropriar tcnica e criticamente para sua participao social e profissional.
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14
Linguagens
REFLEXO E AO
Nesta unidade discutimos a formao da rea de Linguagens, o conceito de linguagem e apresen-
tamos os conhecimentos da rea. Agora vamos refletir um pouco sobre esses temas atravs da discusso
do filme O enigma de Kaspar Hauser, do diretor alemo Werner Herzog, que voc pode assistir em:
https://www.youtube.com/watch?v=MxpuYFouR70. Consideremos a seguinte ordem na atividade:
1) Assistir ao filme, procurando observar e anotar, quais so as relaes entre linguagem e cons-
truo da realidade; como as prticas de linguagem esto atreladas aos contextos sociais e histricos;
como os conhecimentos de linguagem listados acimas aparecem no filme.
2) Em roda de discusso, comparar as anotaes e reflexes.
3) Ainda no grupo, discutir a relao entre imposio e opo na linguagem e entre reproduo e
mudana social.
2. Os sujeitos estudantes do Ensino Mdio e os direitos aprendizagem e ao desenvolvimento humano na rea de Linguagens
No Caderno II da Etapa I do PNEM j se falou sobre o sujeito do Ensino Mdio e aqui voltamos a ele, agora nos atendo um pouco mais sobre a rea da Linguagem. Nesta unidade, vamos passar pelo conceito de sujeito especificando o que vem a ser o sujeito jovem do Ensino Mdio, e como sua identi-dade e seu mundo se relacionam com os direitos aprendizagem e ao desenvolvimento humano na rea de Linguagens.
2.1 Sujeito, sujeitos da escola, contexto, interao
Sujeito um termo bastante antigo na histria do pensamento, mas vamos partir aqui da concepo de Foucault que est no cerne de qualquer discusso atual sobre esse termo. E por que sua reflexo to importante? Porque ele concebe o humano no como categoria pr-histrica ou a-histrica, mas como
produto das relaes de poder que vo se constituindo de modo diferente em lugares e tempos diversos. Sendo assim, o homem no uma condio para que as aes sociais existam, mas ele o resultado delas, uma imagem projetada, uma identidade que ele assume como sua. Assim, se louco ou lcido, enfermo ou so, revolucionrio ou reacionrio, gordo ou magro, o sujeito se coloca em relao aos discursos que produz e que nele se produzem. Esses termos so j interpretaes no interior de discursos e no embate entre discursos, seja o da cincia, o da religio crist, o da psicologia, o da medicina etc.
Se o sujeito uma construo histrica, como prope Foucault, contudo, ele no necessariamente determinado (assujeitado) pela histria. neste sentido que um autor como Ingo Voese (2003) vai defen-der que o sujeito se constitui pela mediao do discurso e que como tal ele pode desenvolver conscincia sobre essa mediao. Defende, em ampliao ao pensamento de Paulo Freire, Gyrgy Lukcs e Agnes Heller, que o homem torna-se tanto mais sujeito quanto maior seja a conscincia da mediao discursiva e mais desenvolvido seja seu senso de coletividade. Apoia-se tambm em Mikhail Bakhtin, ao afirmar que o
Michel Foucault (1926-1984) foi um dos mais influentes pensadores do s-culo XX. Sua obra, que contempla temas relativos aos mais diversos campos disciplinares (tais como Sociologia, Histria, Filosofia, Lingustica, Crtica literria, Antropologia, Psicologia), atm-se relao entre conhecimento e controle social. Muitos dos conceitos que props (como discurso, poder, sujeito, formao discursiva, dispositivo) so importantssimos para o deba-te acadmico atual e para a compreenso de como a sociedade se organiza e quais posies os sujeitos podem ou so obrigados a ocupar (ou seja, as condies, possibilidades, interdies do sujeito). Em sua obra, ele procura mostrar como as relaes sociais so constitutivamente permeadas pelo po-der que, como elemento interno, constitui tanto a segregao quanto a juno das pessoas. Para ter poder preciso saber; , portanto, necessrio fundar um campo disciplinar que diga o que algo e como esse algo deve se comportar. Sua obra tem duas fases: no incio, a arqueologia do saber (com sua busca pela gnese dos campos disciplinares como a psiquiatria e, com ela, a descrio da sociedade moderna disciplinarizada ps-sculo XVIII); depois, a genealogia do poder, com os micropoderes que perpassam os dispositivos sociais como a lei, a sade, a famlia, e como eles controlam a subjetividade humana. O livro A ordem do discurso (1971) texto de passagem entre as duas fases da obra foucaultiana.
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Formao de Professores do Ensino Mdio
desenvolvimento do sujeito e da conscincia dependem da superao da esfera imediata, ou seja, da pos-sibilidade que um humano especfico tenha de conviver com outras vozes, outros pontos de vista, outras
realidades, outros discursos, para alm daqueles que o cercam; de estar em relao de transgredincia, de se ver a partir do ponto de vista de outro humano.
Sendo assim, ao desenvolver conscincia da mediao discursiva e da construo coletiva da reali-dade e das prprias identidades, medida que supera a esfera imediata, o ser humano reelabora o coletivo a partir de sua prpria apreciao (singular, individual, mas no individualista) do mundo. Nesses termos, que Voese afirma:
O significado, pois, da expresso ser sujeito inclui assumir que a heterogeneidade so-cial e discursiva deve ser concebida, concomitantemente, como produto da atividade de conscincias singulares e individuadas, e como condio de constituio dos homens em individualidades. (VOESE, 2003, p. 175)
Ingo Voese (1940-2007) foi um analista do discurso que se dedicou a pensar o papel da linguagem na constituio da conscincia social. Para ele, uma das metas fundamentais da escola possibilitar, aos estudantes, uma refle-xo sobre a mediao discursiva, de modo que eles possam tanto ampliar seu mundo para alm da esfera imediata, quanto atuar pelo social, em meio ao conflito e gesto solidria de vozes. Dentre seus livros, destacam-se: O MST na imprensa: um exerccio de Anlise do Discurso (1998), Argumen-tao jurdica (2001), Anlise do Discurso e o ensino de Lngua Portugue-sa (2004).
REFLEXO E AO
Nesta unidade discutimos a formao da rea de Linguagens, o conceito de linguagem e apresen-
tamos os conhecimentos da rea. Agora vamos refletir um pouco sobre esses temas atravs da discusso
do filme O enigma de Kaspar Hauser, do diretor alemo Werner Herzog, que voc pode assistir em:
https://www.youtube.com/watch?v=MxpuYFouR70. Consideremos a seguinte ordem na atividade:
1) Assistir ao filme, procurando observar e anotar, quais so as relaes entre linguagem e cons-
truo da realidade; como as prticas de linguagem esto atreladas aos contextos sociais e histricos;
como os conhecimentos de linguagem listados acimas aparecem no filme.
2) Em roda de discusso, comparar as anotaes e reflexes.
3) Ainda no grupo, discutir a relao entre imposio e opo na linguagem e entre reproduo e
mudana social.
2. Os sujeitos estudantes do Ensino Mdio e os direitos aprendizagem e ao desenvolvimento humano na rea de Linguagens
No Caderno II da Etapa I do PNEM j se falou sobre o sujeito do Ensino Mdio e aqui voltamos a ele, agora nos atendo um pouco mais sobre a rea da Linguagem. Nesta unidade, vamos passar pelo conceito de sujeito especificando o que vem a ser o sujeito jovem do Ensino Mdio, e como sua identi-dade e seu mundo se relacionam com os direitos aprendizagem e ao desenvolvimento humano na rea de Linguagens.
2.1 Sujeito, sujeitos da escola, contexto, interao
Sujeito um termo bastante antigo na histria do pensamento, mas vamos partir aqui da concepo de Foucault que est no cerne de qualquer discusso atual sobre esse termo. E por que sua reflexo to importante? Porque ele concebe o humano no como categoria pr-histrica ou a-histrica, mas como
produto das relaes de poder que vo se constituindo de modo diferente em lugares e tempos diversos. Sendo assim, o homem no uma condio para que as aes sociais existam, mas ele o resultado delas, uma imagem projetada, uma identidade que ele assume como sua. Assim, se louco ou lcido, enfermo ou so, revolucionrio ou reacionrio, gordo ou magro, o sujeito se coloca em relao aos discursos que produz e que nele se produzem. Esses termos so j interpretaes no interior de discursos e no embate entre discursos, seja o da cincia, o da religio crist, o da psicologia, o da medicina etc.
Se o sujeito uma construo histrica, como prope Foucault, contudo, ele no necessariamente determinado (assujeitado) pela histria. neste sentido que um autor como Ingo Voese (2003) vai defen-der que o sujeito se constitui pela mediao do discurso e que como tal ele pode desenvolver conscincia sobre essa mediao. Defende, em ampliao ao pensamento de Paulo Freire, Gyrgy Lukcs e Agnes Heller, que o homem torna-se tanto mais sujeito quanto maior seja a conscincia da mediao discursiva e mais desenvolvido seja seu senso de coletividade. Apoia-se tambm em Mikhail Bakhtin, ao afirmar que o
Michel Foucault (1926-1984) foi um dos mais influentes pensadores do s-culo XX. Sua obra, que contempla temas relativos aos mais diversos campos disciplinares (tais como Sociologia, Histria, Filosofia, Lingustica, Crtica literria, Antropologia, Psicologia), atm-se relao entre conhecimento e controle social. Muitos dos conceitos que props (como discurso, poder, sujeito, formao discursiva, dispositivo) so importantssimos para o deba-te acadmico atual e para a compreenso de como a sociedade se organiza e quais posies os sujeitos podem ou so obrigados a ocupar (ou seja, as condies, possibilidades, interdies do sujeito). Em sua obra, ele procura mostrar como as relaes sociais so constitutivamente permeadas pelo po-der que, como elemento interno, constitui tanto a segregao quanto a juno das pessoas. Para ter poder preciso saber; , portanto, necessrio fundar um campo disciplinar que diga o que algo e como esse algo deve se comportar. Sua obra tem duas fases: no incio, a arqueologia do saber (com sua busca pela gnese dos campos disciplinares como a psiquiatria e, com ela, a descrio da sociedade moderna disciplinarizada ps-sculo XVIII); depois, a genealogia do poder, com os micropoderes que perpassam os dispositivos sociais como a lei, a sade, a famlia, e como eles controlam a subjetividade humana. O livro A ordem do discurso (1971) texto de passagem entre as duas fases da obra foucaultiana.
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Linguagens
A conscincia sobre as determinaes e possibilidades, por sua vez, importante, pois precisamen-
te porque s essa condio permitir, por exemplo, decidir com clareza sobre o que deve ser preservado e
reproduzido, e o que, atravs de acordos, pode e deve ser transformado. (VOESE, 2003, p. 170)
Quando se fala na escola, portanto, temos a presena de inmeros sujeitos, sejam aqueles consti-
tudos pelo discurso pedaggico como professores, alunos, inspetores, supervisores, sejam aqueles cons-
titudos pela atividade social extramuros, como o catlico, o ateu, o metaleiro, o funkeiro, o ecologista.
O desenvolvimento da atividade educativa se d no contexto da constituio subjetiva, mediante
identidades e prticas especficas, seus regulamentos, seus embates, e acordos. Para que essa atividade
educativa faa sentido para esses sujeitos, eles precisam ser contemplados em uma interao autntica,
onde haja espao para as opinies, os debates, as decises.
Quando se fala do conhecimento sobre linguagens, e de uma educao pautada pelos direitos
aprendizagem e ao desenvolvimento humano, se fala dessa possibilidade de conhecer e reconhecer as
prticas de linguagem, de ir alm das prticas cotidianas, de refletir sobre o que significa aderir a elas ou
reneg-las, sobre as possibilidades de acesso e subverso. Fazer musculao, praticar ioga, pilates. Como
atingem o corpo? Como conferem status? Quem tem acesso ao qu? O que se pode ou se quer escolher?
Falar em uma reunio, corrigir um trabalho, escrever um conto. Que poderes essas atividades conferem ao
sujeito? Como invisibilizam outras atividades e identidades?
2.2 Subjetividade e produo de conhecimento na juventude
Como to bem foi tratado no Caderno II da Etapa I desta formao, no Ensino Mdio est em questo
um sujeito aprendiz que se identifica e identificado como jovem, sendo que a juventude , ento, defi-
nida como uma condio social e um tipo de representao. (BRASIL, 2013, p. 14). uma condio
social, pois se trata de uma fase de transformaes fsicas, cognitivas e sociais. uma representao, pois
ser jovem tambm uma construo social que muda de comunidade para comunidade e de tempo para
tempo. Considerando-se as diferenas em termos de condies sociais, diversidade cultural, diversidade
de gnero, diferenas territoriais, no existe uma, mas vrias juventudes.
Os problemas no caracterizam a juventude, mas so aspectos relacionados s demandas e carn-
cias prprios de uma determinada sociedade e momento. Tanto os problemas quanto as potencialidades e
possibilidades so elementos que compem a ao transformadora da realidade se o jovem for entendido
como sujeito em constituio, tanto quanto o adulto o .
A aprendizagem demanda participao e o jovem tem um modo caracterstico de produzir sentido
em suas prticas. A escola pode contribuir com seu aprendizado na medida em que respeita suas especifi-
Pesquisem sobre as dimenses da Poltica Nacional de Juventude desde 2005, quando houve a criao da Secretaria e do Conselho Nacional de Juventude. O Brasil o nico pas da Amrica Latina que possui um conselho voltado especificamente para os jovens. Vide: http://www.juventude.gov.br/politica
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Formao de Professores do Ensino Mdio
cidades, possibilitando a ressignificao de sua ao e a formao de repertrios culturais de forma crtica.
Nesse sentido que o Caderno II da Etapa I aponta:
Uma das mais importantes tarefas das instituies educativas hoje est em contribuir para que os jovens possam realizar escolhas conscientes sobre suas trajetrias pessoais e constituir os seus prprios acervos de valores e conhecimentos no mais impostos como heranas familiares ou institucionais. (BRASIL, 2013, p. 19)
Pode-se recorrer aqui formulao de Boaventura de Souza Santos (1987) de um conhecimento
consequente para uma vida decente. O conhecimento no processo de ensino e aprendizagem conse-
quente quando mobilizado a partir da prpria histria de vida dos estudantes, servindo para que eles
possam pensar formas de insero social e de construo (manuteno, retomada, dependendo da situa-
o) de um mundo igualitrio e, portanto, decente.
No caso das prticas de linguagem (da cultura corporal de movimentos, das artes, das prticas enun-
ciativas em lnguas), o jovem pode tambm delas se apropriar para acessar espaos sociais, quanto para
refletir sobre o seu mundo e sua identidade. No h dvida que saber ler, escrever, apreciar obras artsticas,
falar um idioma estrangeiro, atuar sobre o corpo so desafios aos profissionais da escola e aos estudantes.
Eles, por outro lado, pouco podem se beneficiar de uma escolha que trabalhe essas prticas como treino ou
como conhecimento esttico. Quando os estudantes vo aprender a produzir um jornal escolar, por exem-
plo, no tanto o caso de aprenderem a seguir uma metodologia, ou de decorar definies do que seja uma
notcia ou uma reportagem. Seria interessante que eles aprendessem a descobrir como fazer, a escolher os
gneros, a pensar o que fariam diferente em uma segunda edio. Os professores no vo estar o tempo
todo na vida desses sujeitos para dizer por onde ir e dar opes de escolha e definies. Quase sempre,
aps a fase escolar, o estudante ter que descobrir sozinho como se integrar em um ambiente de trabalho,
em um movimento social, em uma igreja, sindicato. Nesse momento, sero teis algumas definies,
mas, principalmente, um conjunto de estratgias de busca e tratamento de informaes, de comparao e
julgamento de prticas.
2.3 Prticas de linguagem nos componentes curriculares da rea
Como vimos falando at aqui, ao se pensar o ensino e a aprendizagem na rea de Linguagens como
um modo de oportunizar aos estudantes a construo de sentidos se posicionando em meio a diversos pon-
tos de vista, tem-se como centro operacional o prprio processo de constituio do sujeito. Nesses termos,
a prtica educativa da rea visa produzir um conhecimento reflexivo e crtico sobre as linguagens, seja
quanto s manifestaes cotidianas (como as prticas do meio familiar), seja quanto s manifestaes de
esferas mais elaboradas (como os conhecimentos acadmicos, artsticos, literrios, miditicos etc.).
Nesses termos o trabalho com os componentes e interdisciplinarmente na rea, e fora dela, se be-
neficia ao considerar as potencialidades e pendncias em termos dos conhecimentos a que os jovens tm
acesso e aos saberes que esto formando. Nossos estudantes precisam desenvolver sofisticados saberes
relacionados leitura e a produo textual em lnguas maternas e estrangeiras, contemplando vrias es-
feras sociais e discursos, precisam se apropriar criticamente das manifestaes da cultura corporal de
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Linguagens
movimentos e das prticas e movimentos artsticos compreendendo,
alm disso, a reflexo sobre o mundo digital, os projetos de vida, as
possibilidades e questes relativas ao trabalho etc. Nos componentes
da rea de Linguagens, portanto, h muitas possibilidades em latncia
para o desenvolvimento desses saberes situados e consequentes, sendo
exemplos:
a formao de rodas de leitura e compartilhamento de tex-
tos produzidos, a instaurao de ciclos de debates e diversos outros
eventos, a produo de mdias que viabilizem conhecimentos sobre a
sociedade (a relao entre as mdias e os poderes pblicos e privados,
por exemplo), conhecimentos tcnicos (dominar, por exemplo, a lei-
tura e produo e textos jornalsticos em lngua materna e estrangeira)
e conhecimentos pessoais (de se ver como agente social e poltico).
Um recurso importante, nesse caso, a formao de convnios com os
jornais comunitrios para trocas de experincias e trabalho conjunto;
a construo de fruns de intercmbio entre estudantes falan-
tes de lnguas diferentes, a apreciao da produo cultural em lnguas
estrangeiras, a participao em movimentos internacionais de hip-hop,
de questes da juventude, de produo audiovisual etc.;
o desenvolvimento de projetos culturais (de teatro, dana,
msica, artes plsticas), a participao em movimentos j instaurados
(como os cineclubes, os saraus, as exposies), a frequncia a apare-
lhos culturais (teatros, cinemas, museus, feiras etc.);
projetos esportivos, as prticas que trazem embutidos movi-
mentos altamente atrativos e motivacionais para os jovens, como a ca-
poeira e a cultura afro, a caminhada em trilhas e as causas ecolgicas,
o folclore e o conhecimento e preservao da cultura regional (como
o Boi de Mamo, em Santa Catarina, que j conta com inmeras asso-
ciaes com as quais se pode fechar convnios).
Muitas dessas prticas viabilizam atividades educativas que
vo alm do interdisciplinar, ganhando um carter transdisciplinar.
Caminhadas em trilhas, por exemplo, podem ser discutidas a partir da
cultura corporal de movimentos, da preservao ecolgica, do turis-
mo e da indstria cultural, podem ser fotografadas, podem ser textu-
alizadas e disponibilizadas em diversas lnguas e mdias. A produo
de um jornal ou rdio tambm podem ensejar a produo de sees
e programas envolvendo diversos componentes curriculares. Sempre
lembrando que na escola no se trata nunca de reproduzir as prticas,
Consulte o acervo com-pleto da DVDteca com 162 ttulos sobre arte bra-sileira e tenha acesso ao trailer e ao material edu-cativo, em pdf, de cada documentrio disponvel. Acesse: http://artenaescola.org.br/dvdteca/catalogo/?-check=&token=c93941f59b-1739965467ce09e18bea11b-c35fcce&tag=&categoria=Arte+%26+matem%C3%A-1tica
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Formao de Professores do Ensino Mdio
mas de traz-las para os contextos das necessidades e potncias dos estudantes, e sempre de forma crtica,
comparativa, reflexiva.
Ao mobilizar e repensar as diversas linguagens que transitam pelo contexto juvenil, a rea coloca
em cena conhecimentos relacionados s prticas socioculturais de diferentes grupos sociais. Valorizam-se,
assim, as maneiras do jovem estar e se apresentar ao mundo, de vivenciar criticamente as prticas sociais
e a mediao discursiva que nelas incidem. As formas de interagir, de se divertir, de vestir, de relacionar,
de ser e de se expressar so oportunidades valiosas para a atividade educativa, bem como as janelas que
se abrem para um efetivo envolvimento dos estudantes nessas prticas e na vida social como um todo.
Os movimentos sociais juvenis, sobretudo das classes menos abastadas, emergentes de locais onde
as perspectivas so escassas, vm demonstrando, mediante pesquisas e aes, que tais iniciativas exercem
tambm a funo de aumentar a autoestima dos participantes e criar uma maior identificao com o seu
contexto, impactando nas demandas prximas quelas comunidades, estimulando estes jovens brasileiros
a lutarem por uma realidade melhor, junto s polticas pblicas voltadas para a juventude.
2.4 Direitos de aprendizagem e desenvolvimento humano e as prticas de linguagem
Nesse texto j mencionamos diversas vezes os direitos aprendizagem e ao desenvolvimento hu-
mano, mas o que so esses direitos? Entendemos que so as possibilidades de reflexo e ao a que os jo-
vens podem e devem chegar, e possuem a finalidade precpua de assegurar o direito educao. Falar em
direitos de aprendizagem no significa elaborar uma lista de conhecimentos a serem transmitidos, mas de se pensar modos de ampliar os saberes que permitam aos estudantes realizar e analisar criticamente uma
variada gama de prticas de diferentes esferas sociais. Nesse sentido que, em considerao formao
dos saberes dos sujeitos para a ao, as DCNEM de 2012 apontam, em seu artigo 15, pargrafo 2 que: O projeto poltico-pedaggico, na sua concepo e implementao, deve considerar os estudantes e os
professores como sujeitos histricos e de direitos, participantes ativos e protagonistas na sua diversidade
e singularidade. Ainda, no que tange a essa ampliao das possibilidades do fazer, as DCNEM apontam
em seu artigo 17, inciso III, a necessidade de se fomentar alternativas de diversificao e flexibilizao,
pelas unidades escolares, de formatos, componentes curriculares ou formas de estudo e de atividades, es-
timulando a construo de itinerrios formativos que atendam s caractersticas, interesses e necessidades
dos estudantes e s demandas do meio social, privilegiando propostas com opes pelos estudantes.
Os direitos aprendizagem e ao desenvolvimento humano, portanto, dizem respeito s experincias
as quais os estudantes tero acesso e aos tipos de saberes que constituiro. Nesse texto, estamos entenden-
do que os estudantes tm direito:
1. pluralidade de prticas e valores socioculturais;
2. considerao de seus saberes na relao com a experincia escolar;
3. compreenso, apropriao e uso de vrias formas de linguagem;
4. ao acesso crtico a patrimnios;
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Linguagens
5. reflexo sobre as relaes de poder e sobre as instituies polticas;
6. problematizao das relaes entre cultura, cincia, tecnologia, sociedade e ambiente;
7. construo e apropriao de ferramentas conceituais e procedimentais de diversas tradies do
conhecimento humano;
8. historicidade como forma de desnaturalizao das condies de produo e validao dos
conhecimentos;
9. ao pensamento emancipador;
10. ao desenvolvimento de prticas refletidas e orientadas ao cuidado de si;
11. apropriao de estratgias de tratamento de dados que viabilizem pensar a produo e a
transformao do conhecimento e da realidade;
12. atuao consciente no que concerne aos dilemas da contemporaneidade que afetam a dignidade
humana;
13. vivncia no espao escolar de experincias intencionalmente organizadas que considerem os seus
interesses especficos;
14. reflexo sobre o trabalho humano e seu papel na construo das relaes entre pessoas e destas
com as instituies.
Na seo 1.3, pontuamos os conhecimentos da rea de Linguagem que podem ser mobilizados nas
prticas educativas, sendo que eles dizem respeito:
a) organizao e ao uso crtico das diferentes linguagens;
b) cultura patrimonializada local, nacional e internacional;
c) diversidade das linguagens;
d) naturalizao/desnaturalizao das linguagens nas prticas sociais;
e) autoria e ao posicionamento na realizao da prpria prtica;
f) ao mundo globalizado, transcultural e digital e s prticas de linguagem.
Quando esses conhecimentos ganham espao nas atividades de ensino e aprendizagem desencadea-
das na escola, ao mesmo tempo remetem a direitos que nos estudantes se manifestam como potencialida-
des. Nesse sentido que quando trabalhamos o conhecimento d em prticas, como um debate sobre o
eurocentrismo na arte, por exemplo, ou sobre a idealizao do falante nativo de uma lngua estrangeira, ou
ainda uma pesquisa sobre as condies de classe, gnero, etnia nos esportes, estamos criando condies
para a efetivao dos direitos de aprendizagem 5, 6, 8 e 9.
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Formao de Professores do Ensino Mdio
REFLEXO E AO
Nesta unidade refletimos sobre o sujeito jovem, as prticas de linguagem e os direitos de aprendi-
zagem. Para que possamos agora investigar formas de levar essas reflexes para a atividade edu-
cativa, propomos um exerccio que leve em conta a realidade dos estudantes, e que compreende
quatro etapas, quais sejam:
a) Em conversa com seus alunos, levante cinco prticas de linguagem (interao/expresso) que
esto presentes em suas vidas.
b) Aponte como elas poderiam ser mobilizadas como atividades de ensino e aprendizagem,
quais conhecimentos da rea de linguagens estariam presentes e quais direitos aprendiza-
gem e ao desenvolvimento humano seriam contemplados.
c) Em uma roda de conversa, exponha seu levantamento e reflexo aos colegas.
d) Considerando os levantamentos expostos por todos os colegas, desenvolvam uma discusso,
contemplando o alcance dos direitos e as possibilidades de trabalhos interdisciplinares.
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Linguagens
3. Trabalho, Cultura, Cincia e Tecnologia na rea de Linguagens
Conforme estabelecido pela DCNEM de 2012 (art. 4, inciso VIII), o trabalho, a cultura, a cincia e
a tecnologia so dimenses da educao e, portanto, do desenvolvimento curricular. Nesta unidade, vamos
ver como essas dimenses se relacionam com a rea de Linguagens e seu trabalho pedaggico.
De modo geral, pode-se dizer que essa rea busca expandir a compreenso dos estudantes para alm
do carter instrumental das linguagens, enfatizando o modo como elas contribuem para a organizao das
relaes humanas, em especial as significaes que emergem das relaes de trabalho, o empoderamento
que advm do domnio da cincia e de questionamentos a ela endereados, os vnculos desta com as tec-
nologias, o modo como estas se articulam com o trabalho e como essas inter-relaes configuram a cultura
contempornea.
Nossa reflexo aqui vai tematizar primeiro o trabalho, depois a cultura, a cincia e, por fim, a tecno-
logia, procurando sempre evidenciar as inter-relaes que se mantm entre todos esses fenmenos sociais.
O trabalho, nosso primeiro tema de reflexo, referido nas DCNEM (BRASIL, 2012) na sua perspectiva ontolgica de transformao da natureza como realizao inerente ao ser humano e como
mediao no processo de produo da sua existncia. Logo, ocupa ele um lugar de extrema relevncia na
configurao das relaes humanas, na particularidade das diferentes culturas e nos grupos sociais que as
constituem.
Os seres humanos encontram no trabalho no s um modo de satisfazer suas necessidades, mas tam-
bm de potencializ-las para alm da dimenso vital que nos iguala aos animais. Por isso, possvel dizer
que os humanos se produzem a si mesmos para alm da natureza; qualidade que identificamos como a
dimenso ontolgica do trabalho. Soma-se a essa capacidade o carter teleolgico da interveno huma-
na sobre o meio material, isto , a capacidade de ter conscincia de suas necessidades e de projetar meios
para satisfaz-las. (BRASIL, 2012). Esta capacidade que nos torna potencialmente livres, capazes de
deliberao acerca das nossas aes; potencialidade da qual pode emergir a tica, a esttica e a poltica. O
pensamento, por sua vez, articula-se como linguagem (logos), nas suas diferentes formas, potencializando
modos de existncia, configuraes de mundos e o prprio sentido da existncia; o que torna compreen-
svel a afirmao de que quando morre uma lngua, morre uma possibilidade de mundo humano. Em
se tratando de formas elaboradas de comunicao humana pode-se dizer que estas so possveis porque o
pensamento reflete realidades experienciadas que atribuem sentidos aos conceitos e ideias. A linguagem
, nesses termos, mediadora na construo da identidade do indivduo no processo dinmico e conflituoso
entre as pretenses do sujeito e o contexto social.
Conforme consta no Parecer CNE/CEB n 5/2011 que dispe sobre as Diretrizes Curriculares Nacio-
nais do Ensino Mdio, ao referir-se Lei de Diretrizes e Bases da Educao (Lei 9.394/1996), o Ensino
Mdio como etapa da Educao Bsica deve possibilitar aos adolescentes, jovens e adultos trabalhadores
o acesso aos conhecimentos que permitam a compreenso das diferentes formas de explicar o mundo,
seus fenmenos naturais, sua organizao social e seus processos produtivos. Esse propsito encontra na
rea de Linguagens uma grande potencialidade de realizao, dado que o universo das prticas em ln-
guas materna ou estrangeira, artsticas e corporais, veiculam vises de mundo que, por um lado, podem
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Formao de Professores do Ensino Mdio
nos ajudar a situar os sujeitos nas suas singularidades e, por outro, nos fazem ver, dado o incremento das
tecnologias que nos globalizam, que somos suscetveis a processos homogeneizantes. (JENKINS, 2009)
As linguagens e suas representaes acabam, muitas vezes, cumprindo um papel ideolgico que,
a partir de algumas perspectivas, pode ser visto como de encobrimento das distintas realidades em que
vivem os sujeitos, em especial do lugar que ocupam no mundo do trabalho. Outras perspectivas tratam
tambm do carter ideolgico da linguagem, mostrando-nos que tudo o que dizemos marcado por valo-
res que encontram-se sempre em uma relao conflituosa e dinmica com outros. Este fenmeno pode ser
problematizado pelas prticas pedaggicas da nossa rea, evidenciando as contradies que acompanham
muitas dessas prticas. o que mostra esta charge de Glauco (do livro Abobrinhas da Brasilnia), ao
tematizar a ideologia, mais especificamente no que tange homogeneizao promovida pela televiso.
Podemos imaginar que a rea de Linguagens poderia contribuir para que os jovens refletissem, sob
vrias perspectivas, acerca do universo do trabalho, seja no que tange aos fatores condicionantes que este
promove, tais como ganhos econmicos que dele advm, seja tambm pelas significaes que o acompa-
nham, incluindo nessas problematizaes questes relativas a identidades socioculturais, estticas, polti-
cas, associadas aos diferentes grupos juvenis.
FONTE:
http://www.vestiprovas.com.br/questao.php?id=9622 (2014)
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Linguagens
A esse respeito, a rea de Linguagens pode desenvolver a com-
preenso de como a lgica da produtividade, inerente ao trabalho na
sociedade capitalista, tende a hierarquizar por exemplo, as disciplinas
escolares, estabelecendo tambm categorizaes e hierarquizaes de
conceitos, tais como: razo x emoo; intelecto x corpo; cognio x
expresso etc. Ao no problematizar estas configuraes, a tendncia
que elas sejam naturalizadas ( assim, sempre foi assim), enquan-
to que ao compreend-las, em seu carter de construo histrico-cul-
tural, a tendncia que as novas geraes estabeleam uma relao
crtica e dinmica com tais determinaes, o que traz implicaes em
termos do exerccio da cidadania.
De modo mais especfico, a dimenso do trabalho vinculada ao
processo educativo pode nos levar a compreend-lo como processos
a partir dos quais conhecimentos, de diferentes maneiras, so cons-
trudos. No que diz respeito aos diversos componentes curriculares
da rea de Linguagens, esse trabalho envolveria tanto prticas peda-
ggicas, quanto seus resultados. Em outras palavras, a dimenso do
trabalho abarcaria tanto os processos de ensino e aprendizagem, quan-
to o uso crtico das diversas linguagens e formas de expresso, em
situaes diversas, dentro e fora da sala de aula.
No que se refere cultura, as DCNEM (BRASIL, 2012) tomam
como referncia um conceito que entendemos como antropolgico,
uma vez que a compreendem como o resultado de uma dinmica cole-
tiva e dialgica, a qual viabiliza modos de vida das diversas socieda-
des, bem como a organizao produtiva dos grupos humanos.
Da atividade cultural, resultam as representaes e significados
que, em retorno, orientam as relaes sociais e aspectos normativos de
conduta de uma sociedade. Por essa perspectiva, a cultura compreen-
dida como a articulao entre o conjunto de representaes e compor-
tamentos e o processo dinmico de socializao, constituindo o modo
de vida de uma populao determinada. Portanto, a cultura tambm
reconhecida como locus de disputa de valores e sentidos.
Na perspectiva de uma formao humana integral pautada pelas
Diretrizes Curriculares Nacionais, o Ensino Mdio, tanto quanto pos-
sibilitar o acesso a conhecimentos cientficos e tecnolgicos, tambm
tem o compromisso de promover a reflexo crtica sobre os padres
culturais que constituem normas de conduta dos grupos sociais.
Dos conhecimentos sobre as linguagens identificados na pri-
meira unidade deste caderno, alguns ficam mais evidentes quando se
A articulao entre traba-lho, cincia, tecnologia e cultura pode ser pensada a partir de uma leitura crti-ca sobre o lugar da cultura. Porto (2006, p. 7) destaca que [...] preciso lem-brar a insuficincia hist-rica no Brasil do debate que relaciona a cultura e a retomada da democracia, cultura e direitos sociais e, consequentemente, cultu-ra e desenvolvimento. A autora destaca ainda o de-bate poltico sobre o farto campo de oportunidades e/ou contribuies que uma ao conjunta envol-vendo a educao, a uni-versalizao dos servios culturais equipamentos e programas e desenvol-vimento local baseado em ativos singulares de cada comunidade, a organiza-o de uma indstria e um mercado cultural digno da capacidade e do talento de nossa diversidade criado-ra. (PORTO, 2006, p. 7)
Para ampliar suas leituras sobre o conceito antropo-lgico de cultura, leia:
LARAIA, R. Cultura: um conceito antropolgi-co. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
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Formao de Professores do Ensino Mdio
trabalha com a dimenso da cultura do currculo. Em linhas gerais, trs abordagens diferentes podem ser
salientadas: a apropriao e/ou aprofundamentos de diferentes prticas culturais; os conhecimentos neces-
srios para melhor compreender as tendncias culturais contemporneas que se manifestam nas diferentes
formas de linguagens; e as possibilidades oferecidas pelo universo das diferentes prticas culturais como
campo laboral.
Na primeira abordagem, as prticas corporais, as manifestaes artsticas, os gneros literrios, as
diversas lnguas so materializaes de sistemas culturais, e como tal expressam diferentes possibilidades
de perceber e exprimir a realidade. Nessa perspectiva, quando os estudantes tm a possibilidade de conhe-
cer e se apropriar das mesmas, alargam suas perspectivas de mundo e suas possibilidades de refletir sobre
si prprio e de intervir no contexto social.
Nessa abordagem, tambm se inclui tanto o conhecimento sobre as manifestaes da linguagem
enquanto cultura patrimonializada, como o conhecimento sobre a diversidade das linguagens. Trata-se de
tematizar o patrimnio cultural, a partir de uma viso pluralista das linguagens e culturas, orientada por
uma perspectiva menos centralizadora de validao de conhecimentos, que permite pensar a ideia de
patrimnio num sentido mais alargado, possibilitando valorizar tanto as prticas culturais locais, como
aquelas reconhecidas a nvel nacional e/ou internacional.
Um olhar para as prticas de linguagem pelo prisma de perspectivas no essencializadas e mais
politizadas de cultura, implica a possibilidade de legitimao de diversas manifestaes lingusticas e
culturais que esto geralmente colocadas margem. O reconhecimento dessa diversidade de textos, lin-
guagens e saberes como modos legtimos de pensar, sentir, ser e estar no mundo, bem como de produzir
conhecimentos, leva-nos a perceber o carter situado e, portanto, tambm poltico do conjunto de prticas
entendidas como patrimnio da humanidade.
Quando analisamos a inter-relao entre cultura e a rea de Linguagens em uma segunda aborda-
gem, possvel vislumbrar a contribuio dos componentes curriculares para que os estudantes melhor
compreendam as duas faces da cultura (BRYM et al., 2006). Por um lado, a face da criao que consiste
na possibilidade de os sujeitos e grupos sociais inventarem novas formas de enfrentar os mais diversos
desafios da vida cotidiana, bem como de expressar-se mediante ritmos, gestos, rituais, palavras, sonorida-
des, que tambm refletem xitos, necessidades, sentimentos, desejos etc. Por outro lado, h a face das con-
Patrimnio cultural, no que tange s linguagens, trata-se do conhecimento sobre as configuraes/codificaes especficas historicamente construdas, que implicam em possibilidades de ser, ver, sentir e atuar no mundo. Inclui as expresses culturais reconhecidas como patrimnios imateriais por ins-tituies como a Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (UNESCO), ou o Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (IPHAN), apenas para mencionar algumas , as Expresses Orais e Grficas dos Wajpio, o Frevo, o Samba de Roda do Recncavo Baiano, a roda de capoeira - como tambm lnguas, formas de expresso, celebraes, danas populares, jogos, lendas, msicas, costumes e outras tradies ainda no institucionalizadas, que as comunidades ou grupos transmitem de gera-o a gerao, recriando-as coletivamente, ao longo do tempo.
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Linguagens
tingncias: trata-se de reconhecer que para toda criao utilizam-se
matrias primas, e que essas so os elementos culturais que existem
previamente e aos quais os sujeitos tm acesso. Nessa perspectiva, a
criao cultural combina elementos preexistentes para gerar algo di-
ferente. Dessa forma, a cultura existente coloca certos limites no que
possvel pensar e fazer no momento da criao dessas outras formas
de viver, de se expressar e de produzir.
Nesta perspectiva, a cultura contempornea pode ser discutida,
contemplada e experimentada na rea de Linguagens como uma
oportunidade para o exerccio da liberdade, uma vez que podemos,
na atividade educativa, franquear aos estudantes os conhecimentos
necessrios para reconhecer e interagir com essas duas abordagens.
Na primeira face da cultura, acima mencionada, poderamos
destacar, entre muitas possibilidades, a oportunidade que os estudan-
tes tm de ter contato com mltiplas referncias culturais permitidas
pelas tecnologias de comunicao e informao, para alm do seu pr-
prio contexto social imediato, bem como o contato crtico com os con-
tedos veiculados pela mdia hegemnica. Outro aspecto a se destacar
a presso dos movimentos sociais, os quais trouxeram diferentes
configuraes para as prticas sociais no sentido de promover a visibi-
lidade de grupos marginalizados pelas polticas pblicas, empresariais
e institucionais, se destacando na conquista de espaos sociais e na
legitimao de direitos de diferentes grupos, sejam raciais, tnicos,
religiosos, de gnero etc., que constituem a sociedade brasileira.
No que se refere tematizao da face da coero presente na
cultura, entendemos que no poderia deixar de ser abordado com os
estudantes, entre outros assuntos, o consumismo caracterstico da cul-
tura contempornea, entendido como a tendncia de nos autodefinir-
mos em termos dos bens e servios que compramos. Nesse sentido,
a rea de Linguagens tem como desafio, por exemplo, permitir que
os estudantes entendam os mecanismos utilizados pela publicidade
no apenas para destacar as caractersticas de um produto venda,
mas tambm para associar o mesmo a ideais socialmente valorizados,
como sucesso, conquista, juventude, simpatia, sensualidade, beleza.
Trata-se de possibilitar que os estudantes entendam as formas pelas
quais os publicitrios nos ensinam a associar marcas com diferentes
tipos de valores, bem como a acreditar que determinados produtos
dizem (ou nos transformam) no tipo de pessoa em que nos necessi-
tamos converter para sermos socialmente exitosos.
Um exemplo muito cla-ro desse movimento foi a aprovao da Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que inclui no curr-culo de todas as redes de ensino a obrigatoriedade da temtica Histria e Cultura Afro-Brasileira. Outro marco importante a ser considerado o De-creto n. 8.136, de 5 de ju-nho de 2013, que aprova o regulamento do Sistema Nacional de Promoo da Igualdade Racial, vide http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2 0 1 4 / 2 0 1 3 / D e c r e t o /D8136.htm
Assista o vdeo que re-trata as manifestaes da cultura popular brasileira na dana, msica, poesia e teatro: https://www.you-tube.com/watch?v=EX8aU-Tyw2gA
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Formao de Professores do Ensino Mdio
Finalmente, uma terceira abordagem da dimenso da cultura
na rea de Linguagens se materializa ao abarcarmos o campo labo-
ral. Nesta dimenso, experincias pedaggicas que aproximem os
estudantes dos desafios colocados por projetos de produo cultu-
ral, como por exemplo o Programa Mais Cultura nas Escolas, em muito
podem contribuir para entender e implementar a interao entre as
linguagens, a cultura e o trabalho.
Imaginem possibilidades como a de elaborar e executar um
projeto (por exemplo, espetculos de teatro, dana, msica, festi-
vais, mostras, eventos) ou desenvolver um produto cultural (revistas,
livros, programas televisivos, de rdio), nos quais possam ser con-
siderados, em sua formulao e realizao/execuo, tanto critrios
artsticos, estticos, editoriais etc., como sociais, polticos, econmi-
cos. Em processos como esses os estudantes, ao se ocuparem das di-
versas fases do projeto concepo artstica e esttica, pblico alvo,
gesto oramentria, logstica, captao de recursos, cronograma de
execuo, produo, montagem etc. teriam oportunidade de apren-
der tanto sobre as questes tcnicas implicadas no projeto, como as
dimenses conceituais mais amplas demandadas pela prtica social
desenvolvida.
A desconstruo de estruturas culturais naturalizadas pelo
tensionamento com a dimenso do trabalho, por exemplo, pode ser
viabilizada pela promoo da pesquisa como princpio pedaggi-
co, a partir da qual se podem articular diferentes componentes e
reas do saber. Esse exerccio permite aos estudantes vivenciarem
o carter emancipatrio de uma atuao que requer a produo de
conhecimento relativo s diferentes dimenses do saber, quer seja
cientfico, cultural, artstico, poltico. Trata-se de promover proces-
sos que liberam-se dos estreitamentos promovidos pelo denominado
senso comum, ampliando as capacidades de discernimento e crti-
ca dos estudantes.
Esse movimento, tal como consta nas DCNEM (BRASIL,
2012), permite que essas relaes naturalizadas sejam deslocadas
de seu contexto originrio e ordenadas, promovendo uma necessida-
de de reelaborao. A prpria Cincia, na modernidade, como proje-to de compreenso do mundo com pretenses de objetividade, segu-
rana, racionalidade, universalidade j mostrou suas limitaes. As
elaboraes, fruto dessa perspectiva, trazem consigo a pretenso de
uma neutralidade, livres do contexto em que emergem. Temos, en-
Quando falamos de juven-tude e cultura pressupe-se constante inveno e reinveno de formas e ca-nais de comunicao entre diferentes geraes e insti-tuies sociais. Com a so-cializao das conquistas tecnolgicas, aceleram-se os processos de contato e se ampliam as possibili-dades de hibridismos cul-turais. Assim, observa-se uma potente condio de a incluso digital favore-cer s redes de agregao juvenis j constitudas com a formao de novos tipos de interesses. Dessa forma, a cultura tambm tem se revelado como es-pao de criao e manifes-taes artsticas ligadas ao mundo juvenil, fomentan-do inclusive categorias de profisso como, por exem-plo, iluminador teatral, ce-ngrafo, figurinista, cujas demandas de mercado re-querem formao espec-fica. Acesse o site e saiba mais sobre esta interao: http://www.danielpuig.me/eletricap/home.html
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Linguagens
to, a necessria aproximao entre a teoria e a prtica. Este esforo constitui aquilo que podemos
chamar de trabalhos de conceituao (nomeao, ordenamento etc.) e reflexo (reviso termos e
hierarquias criados), sem os quais a cincia seria inconcebvel.
A Cincia, que pode ser entendida como o conjunto de conhecimentos sistematizados, produzi-dos socialmente ao longo da histria, como resultado da pesquisa e do embate entre vises de mundo
diversas, se expressa na forma de conceitos representativos dos objetos que estuda, conforme propem
as novas DCNEM. O conhecimento dos fenmenos, quando produzido pelas metodologias cientficas,
constitui os campos da cincia, que so as disciplinas cientficas. Nestes termos, a cincia conforma
conceitos e mtodos, sendo que esses, ao mesmo tempo, pelo menos em tese podem ser questionados e
superados historicamente, no movimento sempre impregnado ideologicamente, da construo de novos
conhecimentos.
Assim sendo, podemos entender que as diferentes reas ou disciplinas movidas pelo princpio da
pesquisa podem desenvolver prticas pedaggicas que rompam com o senso comum acerca dos temas
que tratam, no sentido de acmulo de discusses e criticidade, mas no no sentido de se chegar a uma
verdade ltima das coisas, nem de se tomar o conhecimento cientfico como superior a outros.
As representaes que embasam nossas aes sociais no s se constituem via discursos, mas, para
alm disso, elas adquirem existncia atravs de discursos. Como seres culturais, ns humanos mais que
possuirmos linguagem, nos movimentamos em um universo lingustico que nos constitui. Entendemos
assim que o esforo crtico que a rea de Linguagens pode promover ajudaria os jovens a explorar o
universo de sentidos de diversas linguagens, dentre elas a linguagem cientfica que, no mundo contem-
porneo, exerce grande presso sobre as prticas cotidianas e sobre a organizao da sociedade como
um todo.
A rea das Linguagens pode, desse modo, contribuir para que os jovens reconheam o papel das
cincias na produo de novos conhecimentos, imprimindo assim um significado ao rigor cientfico ne-
cessrio para tal fim. Por outro lado, a rea tambm pode contribuir para que os jovens elevem suas
Max Weber considera que o entusiasmo apaixonado de Plato quando es-creveu A Repblica deve-se ao fato de ter descoberto o sentido de um dos maiores instrumentos de todo conhecimento cientfico: o conceito. (WE-BER, 1968)
Aprendemos com Gadamer, quando este se refere a influncia sobre a lingua-gem do processo de estandartizao cientfica e tcnica, gerando um certo nivelamento, que inalcanvel um equilbrio definitivo entre a tendncia generalidade que caracteriza os conceitos, e os significados que o uso prag-mtico promove. O que certamente torna problemtica qualquer pretenso ltima de distinguir essncia e contingncia no que se refere ao significado dos conceitos e das palavras que os compem. Para saber mais sobre o pen-samento de Gadamer, leia: GADAMER, Hans-Georg. Verdade e mtodo I. 3 ed. Petrpolis: Vozes, 1999.
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condies de percepo frente a esta forma de discursividade, realizando uma crtica epistemolgica,
valendo-se dos processos mediados pela linguagem como meio de produo de significaes.
Algumas questes que poderiam orientar esta crtica seriam: Como essa forma discursiva chamada
cincia produz significaes? Com que signos ela trabalha? Para responder essas questes preciso de-
codificar, des-construir, pois a cincia uma espcie de cdigo, de construo, ou seja, uma construo
lingustica codificada e um discurso.
A rea de Linguagens pode desenvolver esta reflexo propondo a discusso de questes como: por
que o ingls tomado na atualidade como lngua oficial da cincia? Como lidar com isto? Por que a
literatura pode valer-se de narrativas no cientficas? O que tomado como norma culta e linguagem de
prestgio? Por que isso ocorre? Quais os poderes e ideologias que perpassam essas ideias e prticas? Como
a ideia de criao da arte pode dialogar com a ideia de criao nas cincias? De que modo a cincia se
relaciona com as prticas corporais? A arte cincia?
O Parecer n 5/2011 sobre as DCNEM (BRASIL, 2011) sintetiza o conceito de tecnologia como
a extenso das capacidades humanas, mediante a apropriao de conhecimentos como fora produtiva.
Nessa linha, a tecnologia considerada como uma transformao da cincia em fora produtiva ou me-
diao do conhecimento cientfico, e sua produo ocorre sempre atravessada pelas relaes sociais em
que gerada. Ao mesmo tempo em que produzem mediao e transformao do conhecimento cientfico,
as tecnologias modificam as relaes sociais, na medida em que transformam os meios atravs dos quais
agimos: por exemplo, a chegada da linha de trem em uma cidade relativamente isolada no interior do
Brasil no incio do sculo XX, trazia todo um conjunto de novas relaes comerciais, matrias-primas,
conhecimentos, transformaes culturais e do prprio espao urbano. As mesmas transformaes se ve-
rificam com as novas tecnologias de comunicao que mudam o modo como as pessoas se relacionam e
constroem a sociedade e a realidade.
A cultura moderna delegou ao conhecimento cientfico a exclusividade do saber, esquecendo que a cincia, com todos os seus sucessos e princpios, continua a ser um fato de civilizao e no pode ser transmudada em norma de uma tica, ou de uma poltica do conhecimento. (CHRTIEN, 1994, p. 25). Ainda, dar-lhe poderes absolutos torn-la um mito, esquecendo, como lembra a crtica epistemolgica, tratar-se de uma forma de saber, produto de certas civilizaes e no um dado da natureza. (WEBER apud CHR-TIEN, 1994, p. 213)
O que entendemos por cincia? Questo que revela muitas vezes que nosso paradigma de cincia no est sintonizado com o atual estgio da cincia. Uma boa leitura a este respeito a obra Introduo a uma Cincia Ps-Mo-derna de Boaventura de Souza Santos.
Disponvel em: http://www.boaventuradesousasantos.pt/pages/pt/livros/introdu-cao-a-uma-ciencia-pos-moderna
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Linguagens
Num mundo onde os sistemas de comunicao exercem um papel estruturante e, no raras vezes
dominador, onde as relaes migraram do produto para o consumo, a mediao tecnolgica constante.
O cotidiano das pessoas, nas mais diferentes dimenses e das formas mais diversas, atravessado pela
tecnologia.
Em outras palavras, podemos dizer que as incessantes transformaes sociais que marcam os tempos
atuais decorrem, entre outros fatores, das novas tecnologias e dos complexos processos de globalizao. No
campo das Linguagens essas questes tm sido bastante enfatizadas e problematizadas, na medida em que
as novas tecnologias impactam as relaes sociais, redimensionando-as.
Distantes de vises tecnicistas, que reduzem a ideia de tecnologia a de objetos e recursos que nos
auxiliam a resolver problemas, partimos de uma viso mais ampla, assumindo que as tecnologias assumem
papis cada vez mais centrais, e muitas vezes problemticos, nos processos de constituio dos sujeitos.
Assim como as linguagens, portanto, as tecnologias esto impregnadas ideologicamente e continuamente
reorganizam relaes sociais e redefinem os espaos e os modos de participao social.
Nessa perspectiva, as prticas sociais mediadas pelas linguagens podem manter um estreito vnculo
com as tecnologias digitais. Nesse sentido, as prticas educativas na rea de Linguagens podero sofrer in-
fluncias mais diretas das tecnologias e mdias digitais. Nesse caso, importante que haja problematizao
e a releitura das vises acerca do conhecimento, do papel dos estudantes e dos professores na construo
desses conhecimentos, entre outros fatores ligados s vises de mundo e de realidade que permeiam as pr-
ticas em que os sujeitos esto envolvidos.
Sendo as prticas sociais mediadas ou no pelas tecnologias digitais, discursivamente e culturalmente
marcadas, assim tambm se evidenciam as prticas educativas e o engajamento dos sujeitos em relaes so-
ciais em que as diversas formas de construo de sentidos se faam presentes. Assim sendo, entendemos que
ao serem trazidas para o campo educativo, as tecnologias podem contribuir para o desenvolvimento dos es-
tudantes se forem tambm objetos de questionamento, de problematizao, visando a ao crtica e criativa,
que leva em conta o carter plural e historicamente situado da atividade humana, qualquer que seja ela.
Por fim, vale a pena ainda destacar que o ensino, na rea de Linguagens, amparado por essa viso,
faz prevalecer o pensamento de que a noo de cultura e identidade, de trabalho, cincia e tecnologia, assim
como a ideia de lngua e outros modos de expresso e interao, so construtos ideolgicos nos quais esto
implcitos certos valores e certas formas de ver o mundo. Desse modo, identidades culturais so criadas e
no descobertas, e encontram-se em constante transformao. Da mesma forma, padres lingusticos, est-
ticos, culturais so normatizados e validados em meio aos tensionamentos sociais.
Sendo assim, na atividade educativa da rea de Linguagens, importante que problematizemos as no-
es de falante nativo e de lngua padro, bem como as ideias de cnones artsticos e literrios, entre muitos
outros exemplos, alm de questionarmos todo e qualquer tipo de esteretipo cultural e de preconceito, nos
mbitos das lnguas, das artes e dos movimentos do corpo.
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Formao de Professores do Ensino Mdio
REFLEXO E AO
Uma forma de mobilizar vrios dos conceitos discutidos nesta unidade passa pela possibilidade de planejar um trabalho interdisciplinar, em que linguagens e as diferentes dimenses do currculo: trabalho, cultura, cincia e tecnologia apaream entrelaados com um tema de interesse dos jovens de Ensino Mdio. Entre tantos possveis, um desses temas poderia ser estudar o que faz a cabea das pessoas, particular-mente dos jovens, em relao ao padro corporal, o ideal esttico a ser alcanado por homens e mulheres.
Para desenvolver um trabalho nessa linha, uma possibilidade seria debruar-se sobre uma revista ou outro artefato cultural consumido pelos jovens da sua escola, na qual o padro corporal fique sempre em
evidncia. Dessa forma, para desenvolver essa atividade recomendamos que o grupo de professores escolha uma revista especfica, preferencialmente, disponvel em i