Caderno de-agitprop via campesina

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Agitação e Propaganda no Processo deTransformação Social Coletivos de Comunicação, Cultura e Juventude da Via Campesina

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Agitação e Propagandano Processo deTransformação Social

Coletivos de Comunicação, Cultura e Juventude da Via Campesina

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ExpedienteA cartilha “Agitação e Propaganda no processo de transformação social”é uma publicação do Coletivos de Comunicação, Cultura e Juventude da Via Campesina.

Contatos:Alameda Barão de Limeira, 123201202-002 São Paulo - SPTelefax: (11) 3361-3866

Correio eletrônico: [email protected] / [email protected] /[email protected]

junho de 2007

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Sumário

Apresentação ................................................................................................................................................ 05

Introdução .................................................................................................................................................... 07

I. Agitação e propaganda no processo de transformação social ........................................................... 09

II. Aprenda com seu adversário! ............................................................................................................... 27

III. Poemas de Bertolt Brecht .................................................................................................................... 31

Dias da Comuna .................................................................................................................................. 32

Quem se defende ................................................................................................................................. 33

Aos que hesitam ................................................................................................................................... 34

Soube que vocês nada querem aprender ........................................................................................... 35

Não desperdicem um só pensamento .............................................................................................. 35

Sobre a atitude crítica ........................................................................................................................... 37

O governo como artista ...................................................................................................................... 37

IV. Registro de um agitador ...................................................................................................................... 39

V. Intervenções de agitprop ....................................................................................................................... 47

Eldorado dos Carajás ............................................................................................................................ 48

A luta do camponês contra o agronegócio .......................................................................................... 52

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Este caderno se insere num programa estratégico de formação política demassa, voltado para a juventude do campo e da cidade, tendo como horizonte apráxis revolucionária. Queremos que os militantes tenham acesso ao estudo e aoconhecimento.

Ele é fruto da construção coletiva de movimentos sociais de massa de esquerdaligados à Via Campesina, que vêm acumulando experiência com diversas táticas deagitação e propaganda desde a “redemocratização” do país. Os materiais para estudoaqui reunidos visam fazer a conexão com a experiência histórica da agitação epropaganda, e nos situar no processo, de acordo com o pressuposto de que paranós, militantes de movimentos sociais de massa, só faz sentido fazermos uso daagitação e propaganda se tivermos como meta a transformação do processo social,econômico, político e ideológico.

Apresentação

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O texto cuja provável autoria é de Max Valentim, escrito no calor da horadas ações de resistência ao nazismo e à social-democracia desencadeadas na décadade 1930 nos informa do alto nível de exigência política e estética requerido dosgrupos de agitação e propaganda daquele período, e é de extremo interesse para osagitadores de hoje porque muitos dos impasses apontados pelo autor estão presentesnas ações que as brigadas ou coletivos de agitação e propaganda realizam atualmente.

Os poemas de Brecht foram incluídos não como regra estética para produçãopoética, mas como evidência concreta que a matéria da luta de classes é matéria para apoesia, e que a agitação política depende também de um tratamento estético apurado.

O texto “Relato de um agitador” é resultado do esforço de sistematizaçãode um militante que pôde acumular experiência como agitador na tarefa de fazerexposição e debates sobre os motivos da luta pela reforma agrária no Brasil, navéspera da Marcha Nacional de 2005: esse texto ilustra bem como a experiênciaprática areja a teoria e é de fundamental importância para a constante re-elaboraçãodos métodos de formação de agitadores e para a criação e adaptação das táticas deagitação e propaganda.

Duas intervenções de agitação e propaganda realizadas pelos coletivos do MSTsão apresentadas. Uma sobre Eldorado dos Carajás, preparada por ocasião dos 10anos do massacre. A segunda, intitulada A luta do camponês contra o agronegócio,resultado de um longo processo de oficinas realizadas em diversas regiões, aborda ascontradições e o confronto com o modelo do agronegócio no Brasil.

Portanto, com a iniciativa de produção desse caderno nossa intenção é colocarna pauta dos debates sobre estratégia política e formação de militantes o método deagitação e propaganda, e o conjunto de suas táticas.

Desejamos um ótimo estudo dos textos a seguir.

Coletivos de comunicação, cultura e juventude.

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Introdução

A publicação do caderno “Agitação e propaganda no processo detransformação social” tem sentidos simbólicos de ordem política e cultural quemerecem ser ressaltados de início.

Está em jogo a recuperação histórica de uma expressão que comportacomplexas experiências desenvolvidas pelos trabalhadores nos campos de batalhada luta de classes, ou seja, está em jogo a reativação, em perspectiva crítica, damemória dos embates políticos e estéticos da classe trabalhadora no século passado.

A retomada consciente das ações de agitação e propaganda nesse contexto éconseqüência das circunstâncias regressivas do processo social em curso:flexibilização das leis trabalhistas, aumento progressivo do mercado de trabalhoinformal, recorde de lucro do capital financeiro, investimento prioritário do Estadoem setores voltados para exportação, coordenados por empresas transnacionais, união

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do latifúndio com o agronegócio, precarização do sistema educacional e dessolidarizaçãogeneralizada. O confronto de classes no Brasil é determinado por características objetivasda dinâmica do capital em áreas periféricas. Dentre elas a concentração de terras e adiscriminação sócio-racial – heranças vivas do regime escravocrata – configuram umaespécie de mapa da desigualdade brasileira.

Guardadas as diferenças de época – do desenvolvimento tecnológico e dasformas de dominação – podemos dizer que a desigualdade social e acumulação decapital têm semelhanças históricas com o contexto em que os métodos e táticas deagitação e propaganda foram elaborados, conforme estratégias de partidos e organizaçõessociais.

O que está em jogo nesse panorama, nada animador, é a própria perspectiva defuturo, das pessoas ao planeta, e do planeta às pessoas.

A perspectiva de construção de um projeto popular, livre e soberano para o paísé uma bandeira de luta que tem conseguido aglutinar forças sociais do campo e dacidade. Mas para que essa bandeira possa tornar-se uma alternativa concreta ao futurodo país, será necessário que as classes populares possam tornar-se protagonistas daarena política, econômica e cultural, e nesse sentido a agitação e propaganda tem muitoa contribuir.

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I. Agitação e propaganda no processo de transformação social

Na luta de classes todas asarmas são boas: pedras, noites, poemas.

Paulo Leminski

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Neste momento, de ação articulada entre os diversos segmentos da juventudebrasileira interessada na transformação da estrutura social, política e econômica dopaís, consideramos pertinente retomar o debate sobre as possibilidades da agitaçãoe propaganda como tática a ser utilizada em função de nossa estratégia.

1. O que é agitação e propaganda?

A agitação e propaganda é um conjunto de métodos e formas que podem serutilizados como tática de agitação, denúncia e fomento à indignação das classespopulares e politização de massas em processos de transformação social.

Segundo fontes de pesquisa (GARCIA, 1990) a expressão agitação epropaganda foi criada pelos revolucionários russos, para designar as diversas formasde fazer agitação de massas e ao mesmo tempo divulgar os projetos políticos darevolução.

Agitprop é o termo que sintetiza a expressão agitação e propaganda. Essetermo foi disseminado por diversos países, bem como as experiências dos grupos,brigadas ou coletivos de agitadores e propagandistas.

2. Origens

A Rússia pré-revolucionária de 1917 era o país de maior extensão territorialdo mundo e com grande índice de analfabetismo nas classes populares. Para poderorganizar os trabalhadores urbanos, camponeses e soldados (que estavam nas frentesde batalha), o Partido Bolchevique organizava duplas e brigadas de agitadores epropagandistas. Nesta época, o marxista russo Plekhanov chegou a definir agitação“como uma idéia que é inculcada em muitas pessoas” e propaganda como “muitasidéias que são trabalhadas para poucas pessoas”. Com a tomada do poder emOutubro de 1917 o acontecimento da revolução tinha que ser informado por todoo território, e era fundamental combater a contra-revolução.

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Com estes objetivos, grupos de soldados do exército vermelho, de estudantese de artistas se empenharam na invenção, desenvolvimento ou aprimoramento deuma série de técnicas de agitprop, fazendo uso das mais diversas linguagens – comoo cinema, o teatro, a música, o jornalismo, a retórica, as artes plásticas – e meios,como o trem de agitprop, que levava em cada vagão uma forma distinta de agitaçãoe propaganda: banda de música, grupo de teatro, equipamento de cinema paraexibição e filmagem, militantes para fazer discursos políticos, vagão biblioteca, etc.

A tomada do Palácio de Inverno, 1920.Ao mesmo tempo reconstrução histórica e alegórica da revolução, a tomada do Palácio de Inverno condensa a

política cultural de mobilização e envolvimento das massas de soviéts em sua fase agitatória.A intervenção, na Praça do Palácio de Inverno, contou com 150 mil expectadores e com mais de seis mil atores

que haviam participado dos combates de 1917.

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3. Meios, instrumentos e formas de agitprop

Cada movimento e organização produziu seus métodos e formas, de acordocom as demandas que se apresentaram ou se apresentam no contexto histórico emque atuaram, ou atuam. Há métodos e formas que ressurgem depois de longo tempo,como é o caso do teatro jornal, desenvolvido pelos agitadores russos e exportadopara a Alemanha e os Estados Unidos, e mais de meio século depois reinventadopor Augusto Boal em sua metodologia do Teatro do Oprimido, no contexto deresistência às ditaduras latino-americanas.

O importante é que não há métodos e formas fixas. Cada novo momentopode demandar a invenção de novas formas, ou a recuperação de métodos antigos.Tudo depende do contexto, da estratégia definida pela organização, das condiçõesde atuação e da criatividade das brigadas de agitprop.

Relacionamos abaixo alguns dos principais meios, instrumentos e formas deagitprop que já foram desenvolvidos em processos de luta:

a - Discurso (palavra/oratória): comícios relâmpagos, palestras, falas em atospúblicos...

b - Publicações impressas: panfleto, jornal, mural, revista, livro.

c - Artes Plásticas: pichações, grafitagem, muralismo, painelismo, faixas, cartazes,fotografia, estêncil, ...

d - Teatro: teatro jornal, teatro fórum, teatro invisível, teatro procissão, teatro de rua...

e - Música e poesia: corais, saraus, festivais, apresentações de rua ou em rádios, etc.

f - Indumentária/vestimenta: bonés, camisetas, bandeiras, broches, etc.

g - Produtos da Reforma Agrária.

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h - Meios de comunicação de massa: rádio, cinema, televisão, jornal, internet...

i - Manifestações e passeatas.

j - Carro de som.

l - Mística/Celebrações.

m - Pedagogia do exemplo.

n - Ações de massa.

4. Objetivos da agitação e propaganda neste momento histórico:

a- Motivar a classe trabalhadora para se organizar, elevando o nível de consciênciadas massas.

b - Estimular a luta social; reativar a noção de luta de classes.

c - Deslegitimar o projeto da elite atacando seus pressupostos ideológicos: apropriedade privada e o princípio da livre iniciativa.

d - Expor a falsidade, o fracasso e a impossibilidade de realização, neste sistema, daspromessas da “democracia” burguesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

5. Agitprop e processos revolucionários

A tática do agitprop deve ser planejada de acordo com a dinâmica do processosocial pelo qual o país estiver passando. Por exemplo, em época de descenso demassas a estratégia e as táticas são diferentes de épocas de reascenso. Ou seja: oagitprop de antes da revolução é diferente daquele realizado em etapa posterior.

O registro histórico das experiências na Rússia, e posteriormente URSS,Alemanha, França, EUA, indica três fases do desenvolvimento das experiências deagitprop (COSTA, 1996):

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a - Grupos de artistas, intelectuais e estudantes organizam movimentos culturaisvisando a politização das classes populares.

b - Estágio de socialização dos meios de produção, que implica por sua vez, aalteração das relações de produção.

c - Interrupção das experiências, por meio de intervenção do Estado.

Exceção: no caso brasileiro, passamos do primeiro momento diretamente para o terceiro, pois o golpe militar de 1964 interrompeu o desenvolvimento do segundo estágio.

O trem de agitprop soviéticotinha uma equipe de comício,um grupo de canto, de dançaspopulares, um pianista, umprojetor de cinema e filmes decaráter revolucionário, umavitrola com discos dossoviéts, uma orquestra,jornais e brochuras.Várias formas de intervençõese agitações.

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6. Depois do golpe de 1964: agitprop como uma tarefa menor

A imagem predominante que a esquerda brasileira tem sobre o trabalho deagitação e propaganda é a tarefa de panfletagem em locais de grande movimentaçãoe em áreas de periferia urbana. Seria uma tarefa de divulgação das bandeiras de lutaregistradas em jornais e panfletos preparados para esse tipo de atividade. Nessaconcepção, basta destacar militantes para a panfletagem e entre eles garantir a presençade um seleto grupo que tenha condições de conduzir um debate em escolas,comunidades de base, etc, quando isso for necessário. Não há formação específicapara a tarefa de agitprop, porque nessa conformação não há necessidade disso.

Desta forma, a atividade da agitação e propaganda virou uma tarefa “menor”,uma tarefa para militantes novos e, principalmente, para a juventude, que era vistacomo “mão-de-obra” barata para este tipo de atividade. O que fica patente nesse tipo de proposta é que há uma separação entre aquelesque formulam as reflexões e aqueles que as executam. Não questionamos em nossametodologia o sistema de divisão do trabalho que, ao dissociar teoria e prática,aliena os militantes envolvidos no processo para a dimensão da totalidade daexperiência. Do golpe de 1964 em diante, o domínio dos meios de produção da culturapermanece monopolizado nas mãos da elite e de frações da classe média. Ao mesmotempo em que os militares destruíram os então recentes e promissores vínculos pormeio dos quais se operava um processo de transferência dos meios de produção detécnicas e linguagens artísticas aos camponeses e operários, o regime dos fuzisincentivou a criação de um sistema nacional de televisão – do qual o maior expoentefoi a Rede Globo. O objetivo era respaldar esteticamente o projeto de modernizaçãoconservadora do país, por meio da imposição de uma imagem de desenvolvimento,progresso e integração da nação, com a qual os militares e a elite nacional pretenderamjustificar seu predomínio brutal no poder.

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Um dos efeitos da hegemonia burguesa no âmbito da cultura, decorrente desua dominação econômica e política, foi o apagamento da memória dos embatesanteriores, em que movimentos como os Centros Populares de Cultura (CPCs),nascido em 1961, e o Movimento de Cultura Popular (MCP), que surgiu em 1959,ambos destruídos pelo golpe militar de 1964, articularam as esferas da cultura e dapolítica de forma radical. A experiência de agitação e propaganda desses doismovimentos, que amadurecia a passos largos, compreendia a publicação de jornais,revistas, livros de poesia e música, a gravação de discos, a organização de festivais ede debates (BERLINCK, 1984). Ambos os movimentos operaram mudanças radicaisna organização da produção cultural brasileira, desde os temas, a pesquisa de formas,a incorporação do processo de construção coletiva de obras, a apresentação gratuitaem comunidades rurais e bairros de periferia urbana, a realização de oficinas deformação cultural em consonância com a formação política, que naquela conjunturanão andavam dissociadas (COSTA, 1996).

O prédio da sede da UNE e do CPC em chamas. Aexperiência da socialização dos meios de produçãocultural é interrompida pelas armas.

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Portanto, do golpe de 1964 em diante, prevalece o domínio dos meios deprodução da cultura monopolizado nas mãos da elite e de frações da classe média.Esse fato deu novo fôlego ao antigo preconceito, inclusive em amplos setores daesquerda brasileira – e, principalmente, manifestou-se como senso comum nas classespopulares – de que “cultura é coisa de rico”.

Há objeções contra o debate cultural no interior do movimento dostrabalhadores. Algumas nascem de um preconceito invertido: como a burguesia

dificulta o acesso do trabalhador à cultura, este sente que cultura é coisa deburgueses. Outros dizem que a energia do movimento não deve ser desviada

das questões políticas prioritárias. Outros enfim dizem que o povo já tem a suacultura, e o que importa é preservá-la e limpá-la dos contrabandos da cultura

burguesa e da modernização (SCHWARZ, 1987, p. 83).

Em suma, a idéia de cultura e arte como mercadoria, como espetáculo paradiversão, é a fatura que herdamos do golpe militar. Desde então cultura e política,diversão e formação, entretenimento e crítica são vistos como coisas opostas.Naturaliza-se a idéia de que o campo da estética deve ser desvinculado da vida políticaefetiva, pois disso depende sua qualidade. E toda tentativa de direcionar a produçãoartística e cultural para o rumo do engajamento, da intervenção na realidade, éinterpretada como manobra autoritária, maniqueísta, que atropela a dimensãosubjetiva da criação artística ao submetê-la a demandas de ordem política.

O golpe militar transformou a televisão no centro do sistema de produção demercadorias culturais, em que o refinamento das técnicas publicitárias estimula oconsumo das mercadorias excedentes. Estas técnicas expandem o desejo de consumir,e vendem uma imagem de nação em ascenso que não condiz com as mazelas do paísreal (KEHL, 1986). A criação desse universo estetizado da realidade exige, inclusive,a apropriação indiscriminada de técnicas artísticas sofisticadas, muitas das quaisgeradas em oposição ao capital.

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Reduzir uma sociedade de 100 milhões de pessoas a um mercado de 25 milhõesexige um processo cultural muito intenso, muito elaborado e muito sofisticado, muito

rico, para manter, para fazer com que as pessoas aceitem ser parte de um paísfantasma, de um país inexistente, de um país sem problemas. (...) É preciso

embrutecer essa sociedade de uma forma que só se consegue com o refinamento dosmeios de comunicação, dos meios de publicidade, com um certo paisagismo urbano

que disfarça a favela, que esconde as coisas. (...) A sociedade brasileira está sendoum pouco reduzida a isso: à ambição individual da ascensão social como um valorsupremo reduzido num setor muito pequeno (VIANA FILHO, 1999, p. 181).

No curso deste processo, ainda em andamento, a via partidária da esquerdabrasileira fez a opção majoritária pelo marketing político, de forte apelo emocional,pouca informação, ou contra-informação, e nenhuma pretensão de agitação dasmassas populares, para além do voto. Essa via herdou em peso o preconceito emtorno do agitprop, que o relega à condição de subutilização da ação isolada dapanfletagem, a ponto inclusive de “terceirizar” esta tarefa, passando da militânciapartidária para a “militância paga” de trabalhadores informais e desempregados.

Contudo, a via dos movimentos sociais de massa da esquerda brasileira mantevealgumas ações de agitprop durante as últimas décadas, como por exemplo: as marchase caminhadas, as ações pontuais dos produtos da reforma agrária em feiras, a tradiçãode painéis, camisetas e bonés das organizações, a ação direta de ocupação de terras...

No entanto, nem sempre essas ações têm o efeito pretendido de informaçãomassiva, na medida em que a divulgação depende da filtragem dos meios decomunicação de massa, em posse da classe dominante, que em geral omite ou desvirtuaas informações.

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Combate contra o imperialismo

Na sede da UNE, também futura cede do CPC, em 1960 os estudantes organizam cartaz com apoio ao cubanoFidel Castro e enfrentamento ao governo Kubitchek, que saudava o presidente americano, em plena guerra fria.

O CPC da UNE atuou ativamente em várias frentes artísticas.

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7. Qual é o nosso estágio atual?

O agitprop ressurge como demanda porque, via de regra, o problema dedesinformação, analfabetização e alienação que vigoravam no começo do séculoXX ainda persistem, apenas com diferença na forma de organização do poder.

Isto é, o monopólio dos meios de comunicação de massa não existia damesma forma nas décadas passadas, mas hoje ele é um dos principais mantenedoresda desinformação e alienação.

Como ainda não possuímos os meios de produção e divulgação de massa quenos permitam combater o padrão hegemônico de representação da realidade, temosque seguir potencializando os métodos de trabalho de base e agitação baseados nocontato real dos militantes com a população, inclusive porque o método do trabalhode base vinculado a agitação e propaganda é uma possibilidade que não foi apropriadapelas classes dominantes, com exceção do assédio de casa em casa que algumasreligiões de princípios conservadores utilizam como tática para aliciar fiéis.

Mas, para que essa vantagem da posição corpo a corpo do trabalho de basesurta efeitos de agitação e propaganda, não basta transmitirmos linearmente nossasinformações, pois para despertar a indignação é preciso que mostremos a falsidadedas promessas de democracia e universalidade da classe dominante, confrontando-as com nosso ponto de vista. No limite, a perspectiva de engajamento em torno deum projeto popular para o país tem que se mostrar como uma alternativa superiorà alternativa da solução individual, sustentada pelo princípio da livre iniciativa.

8. Agitprop e crítica radical

Uma providência fundamental nas ações de agitprop é a articulaçãopermanente entre elementos da conjuntura e da base estrutural do sistema a sercriticado. Nossa tarefa é ligar a “parte” ao “todo”, fazer com que a partir dos

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problemas imediatos e cotidianos se possacompreender o sistema e suas engrenagens. Pois senossa perspectiva não é melhorar, ajustar ouconsertar o sistema, é nosso dever erigir umametodologia de formação de agitadores e agitadorasque os habilitem a formular estratégias, com oconjunto de suas organizações, e táticas de ação cujaforça seja suficiente para abalar as estruturas dedominação, por meio de uma contraposição críticaque vá à raiz dos problemas, causando um efeitopermanente de estranhamento das relações de poderque a classe dominante naturalizou em séculos desistemática violência do Estado contra a populaçãopobre.

Se em solo brasileiro a falsidade do discursoda democracia burguesa está escancarada pelaevidência irrecusável de que as promessas universaisde liberdade, igualdade e fraternidade não escondem,ou justificam, o arbítrio da classe dominante, é tarefada agitação e propaganda implodir os conceitosestabelecidos pela grande imprensa, e agir no âmbitoda contra-hegemonia.

Para isso, todos os meios e linguagens sãoválidos. Além das experiências em andamento,podemos criar novos formatos ou refuncionalizarantigos, fundindo formas, linguagens, técnicas emeios.

Estêncil produzido por militantes daVia Campesina utilizados em açõesde denúncia contra a Aracruz noEspírito Santo.

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Por fim, atualmente contamos com os seguintes fatores que podem potencializaras ações de agitprop:

a - A tecnologia nos deu condição de acesso aos meios de produção.O avançotecnológico na produção de equipamentos de filmagem, edição e gravaçãoaudiovisuais e musicais tornou possível a popularização da produção de filmes,músicas, fotografias, etc. Isso significa que linguagens como o cinema e a televisão,até então monopolizados pela elite, poderão ser democratizadas, não mais apenaspela perspectiva do consumo. Além disso, a tendência é que novas alternativas dedemocratização da informação apareçam em ritmo crescente, também comoconsequência do desenvolvimento tecnológico, o que facilitará a divulgação daprodução.

b - A construção de um calendário comum de lutas entre movimentos sociais ecentrais sindicais dá organicidade para as ações de agitprop, pois elas passam aestar inseridas na vida política das organizações, como tática de ação contra-hegemônica e fortalecimento do contato com a sociedade

9. A natureza política do trabalho de agitação e propaganda

Existem pelo menos quatro condições que compõem a natureza de nossotrabalho:a - O nível de formação política da militância envolvida no trabalho de agitação e

propaganda, ou seja, a ideologia de classe. Um grupo de militantes pode não terrecursos financeiros para realizar o trabalho, mas a compreensão da necessidadepolítica estimula os militantes a agir, a criar ou adaptar métodos e formas, deacordo com as condições e meios possíveis. A ideologia sustenta o trabalho nosperíodos de descenso da luta de classes.

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É fundamental que tenhamos um processo permanente de formação e educaçãopolítica das classes populares articulado com o trabalho de agitação e propaganda,e ligado ao processo de organicidade de cada movimento social, para quepossamos ir além do cumprimento de calendários de luta e mobilização.

b - Entender que o trabalho de agitação e propaganda não é um fim em si mesmo. Éparte fundamental do trabalho de base que todo militante social precisa exercitarpermanentemente. O trabalho de base é um desafio constante, e não pontual oubaseado numa data do calendário de lutas. É fundamental articular agitação epropaganda com a estratégia de trabalho de base.

c - Todo trabalho de agitação e propaganda precisa, acima de tudo, cumprir com amissão de: elevar o nível de consciência da população brasileira e incentivar aparticipação popular; provocar o questionamento sobre a democracia em quevivemos – até onde o povo decide sobre as questões candentes da sociedade, comopor exemplo, a privatização da Vale do Rio Doce, o desmatamento da florestaamazônica, a transposição do rio São Francisco, etc? Nosso trabalho de agitação epropaganda parte do propósito de mudar a cultura de participação na vida políticabrasileira. Pois um povo só é sujeito e arquiteto da própria história quando ajuda atomar as grandes decisões que dizem respeito ao futuro das próximas gerações.

d - A prática de valores humanistas, de solidariedade e socialistas. Sem a vivência nocotidiano de novos valores, o trabalho de agitação e propaganda se torna vazio enão alcança os objetivos políticos que se propõe.

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10. Valores que devem ser cultivados por um agitador e propagandistado povo

Um agitador e propagandista é norteado por valores que o tornam diferenteno meio da massa. A agitação e propaganda deve ser parte da vida do militante. Osvalores fazem parte da natureza de sustentação do trabalho de agitação e propaganda.Apenas a técnica da agitação e propaganda não permite que alcancemos atransformação social.

Seguem abaixo exemplos de valores para desenvolvermos em nosso espíritomilitante:1. Gostar de ser e estar no meio do povo. De ter abertura para aprender com o

povo, com a comunidade, com as pessoas com as quais convive.2. Ter sensibilidade política para perceber os momentos certos de atuar, recuar e

avançar. A sensibilidade política nos permite ter a clareza de lidar com ascontradições que aparecem, os imprevistos na lida com as pessoas.

3. Desenvolver a capacidade individual de fazer leitura e análises da realidade local.Interpretar e interligar as questões do específico com as grandes questões geraisda sociedade. Interpretar e identificar em cada local e realidade o que maisdespertar a curiosidade das famílias, das pessoas. E partir da necessidade localpara fazer o trabalho de agitação e propaganda.

4. Gostar de estudar e pesquisar. Um bom agitador e propagandista busca à luz dahistória e da ciência elementos para aprofundar e melhorar o trabalho.

5. Espírito de companheirismo, de solidariedade, de sacrifício e do desprendimentodos bens materiais. Valor de criar espírito de coletividade.

6. A firmeza e a coerência ideológica. Não se deixar levar pelos problemas edificuldades do trabalho. Não se deixar levar pelas graças e fantasias da propagandafeita pelas elites.

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7. Acreditar que as mudanças profundas nascem, crescem e acontecem somenteatravés do povo organizado. Acreditar na força do povo e na capacidade demobilização social. As transformações não estão em outros lugares. Não perderde vista o horizonte político e os objetivos, a razão de nossa existência enquantomilitantes de um movimento social.

8. Ser exemplo no trabalho, nas iniciativas, na superação dos limites, na prontidãopara as tarefas mais árduas do cotidiano.

Cartaz animado produzido pelo coletivo Blusa Azul - Rússia.

A proliferação de grupos de agitprop durante a primeira década da revoluçãorussa, ligados aos clubes operários, às fábricas e núcles de bairros e à união dos jovenscomunistas, chegou a reunir 75 mil grupos, com aproximadamente 2 milhões de membros.

O coletivo Blusa Azul desenvolveu um conjunto de atividades. Tinham uma escolade preparação de agitadores e publicavam a Revista Blusa Azul, socializando os processosde trabalho.

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11. O que podemos fazer para fortalecer as ações de agitprop

1º) Discutir em nossas organizações como a agitação e propaganda pode serpotencializada de acordo com o objetivo estratégico de cada movimento, e visandoo objetivo comum de transformação radical da estrutura social, política eeconômica brasileira.

2º) Avaliar a viabilidade de criação de brigadas ou coletivos mistos de agitprop,com militantes de diversas organizações, em caráter provisório ou permanente.

3º) Promover cursos de formação de agitadores que culminem na criação oufortalecimento de brigadas ou coletivos de agitprop.

4º) Envolver as brigadas ou coletivos de agitprop nas atividades dos calendários deluta estaduais e nacionais.

5º) Trocar experiências de métodos e formas de agitprop entre as diversasorganizações que trabalham com essa tática. E pensar em formas de divulgaçãodas experiências, por meio de vídeo, publicação escrita, fotografias, etc, paraauxiliar o processo de formação de agitadores e acelerar a multiplicação debrigadas ou coletivos.

A nossa condição legítima de movimentos que lutam pela transformaçãoradical da sociedade, associada à nossa posição de alvo maior da artilharia da direita,e da crise política, cultural e ecológica que assola o planeta, nos autoriza a tentartudo novamente, aprendendo com as experiências anteriores, tentando evitar oslimites impostos naqueles tempos, procurando estabelecer novo patamar decompreensão sobre as ações de agitação e propaganda, contribuindo assim para osenfrentamentos daqueles que virão depois de nós, e honrando as companheiras ecompanheiros que nos antecederam na luta de classes.

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II. Aprenda com seu adversário!

Este texto foi publicado sem assinatura no jornal O porta voz vermelho,número 10, de outubro de 1930. O jornal era o orgão oficial do grupo

de agitprop de mesmo nome, cujo diretor – e também editor – chamava-seMaxim Vallentin. Infere-se que seu autor seja o próprio

Max Valentim pelo tipo de preocupação que emerge do texto.A tradução caseira que fizemos provém da tradução francesa.

Portanto, todo cuidado é pouco na leitura.

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Era uma vez uma trupe comunista de agitprop. Ela apresentava cenas contra oSPD (Partido Social Democrata Alemão) e também contra os nazistas. Até aqui tudonormal, pois ninguém pode ser contra isso. Mas eis que um dia apareceu uma trupesocial-democrata e viu a cena da trupe comunista contra os nazistas. Ela gostou da cenae se apropriou dela para encená-la. Nenhum detalhe foi modificado, a não ser por duaspequenas frases do final: “Só o SPD combate o fascismo; portanto filie-se ao SPD”. E eis que uma trupe nazista viu a cena de agitprop comunista dirigida contra oSPD. Eles também gostaram dela e a representaram. Só precisaram mudar umpequeno detalhe – no final acrescentaram: “Filie-se ao NSDAP (Partido NacionalSocialista dos Trabalhadores Alemães)! Heil Hitler!” O caso não é para rir, camaradas! A questão não é, de maneira alguma, ridícula,mas muito séria. A história não é lenda, ela se apóia em fatos. E estes fatos devem dar oque pensar a todos os grupos de teatro. É evidente que cenas que possam ser apropriadascom pequenas modificações por trupes social-democratas e nazistas são ruins. Tais cenas não exprimem o ponto de vista revolucionário nem o método dereflexão e de luta do proletariado revolucionário; elas nada mais são que umaexposição inorgânica de nossa ideologia comunista. Tais cenas não são, portanto,capazes de conquistar a massa dos trabalhadores para o comunismo. Nossas cenasdevem corresponder em cada período, cada frase, cada palavra, à ideologia comunistarevolucionária; elas devem ser construídas de modo a levar o espectador a uma sóconclusão: a luta da classe proletária contra o capitalismo! Não há aqui algumas semelhanças? Esperamos que muitos grupos como onosso experimentem agora um temor salutar! Quantas de nossas trupes aindaacreditam que podem representar o poder social do capitalismo e suas inumeráveisrelações com o proletariado simplesmente mostrando um homem de cartola, quetraz pendurado no pescoço um cartaz, onde se lê “Capital” e ele diz “Eu sou umexplorador”? Quantas de nossas trupes ainda acreditam ser possível dar uma imagem

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completa dos múltiplos e refinados métodos de traição dos social-democratasmostrando uma liderança que se apresenta dizendo: “Eu sou um traidor”? Onde éque o proletariado encontra um desses líderes que gentilmente o informa que suaprofissão consiste em trair a classe operária? Em lugar nenhum! O trabalhadorcomunista é que já vê as coisas assim, pois ele tem uma consciência mais desenvolvida,ele já é capaz de generalizar por si mesmo a análise de um fato concreto de suaexperiência, de descobrir sozinho as relações entre as coisas. Para ele, uma forma derepresentação assim talvez seja uma confirmação de sua própria opinião, e nadamais. Mas o que se passa com o trabalhador indiferente, ou mesmo hostil, que nósdevemos ganhar para a nossa causa? Ele não sente nenhuma necessidade de serconvencido, pois ele é incapaz de passar do abstrato e do geral à particularidade desua situação concreta. A tarefa de nossa agitação e de nossa propaganda é justamentea de seguir um caminho oposto. Isto consiste em mostrar, a partir da vida concretade um dos nossos camaradas, as relações que o ligam à luta da classe como um todo(e à “grande política”); é fazê-lo compreender como ele se confronta a cada dia como capitalismo, e das mais diversas maneiras. É a única forma de chegar a umaconvicção profunda – é a única forma de conseguir que o trabalhador não considereo capitalismo como um espectro maléfico, mas que compreenda claramente que aluta contra o capital é uma luta histórica da classe ascendente contra a classe emdeclínio. É só fazendo o trabalhador compreender: “Nenhum aspecto, nenhumminuto da minha vida está fora dos acontecimentos políticos”. Só assim nóspoderemos conseguir que o trabalhador não se transforme num papagaio de palavrasde ordem e num porta-voz que “espreita a chegada da luta final”, mas que sejaproletário consciente de sua classe e um combatente a cada segundo de sua vida!

Traduzido para o francês por Helga Vormus;

e deste para o português por Iná Camargo Costa).

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Na Alemanha as formas de agitprop desenvolvidas na Rússiarecebem uma assimilação original. Multiplas são as manifestações,

como as esquetes, a tradição do teatro de revista e do cabaré, ojornal vivo, a dança-coral, os corais e o coral-falado.

Intervenção do grupo WeddingVermelho num pátio de um bairro

operário de Berlim.

O grupo Megafone Vermelho em ação na cidade deBerlim.

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III. Poemas de Bertolt Brecht

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Dias da Comuna

Considerando nossa fraqueza os senhores forjaramSuas leis, para nos escravizarem.As leis não mais serão respeitadasConsiderando que não queremos mais ser escravos.

Considerando que os senhores nos ameaçamCom fuzis e com canhõesNós decidimos: de agora em dianteTemeremos mais a miséria que a morte.

Considerando que ficaremos famintosSe suportarmos que continuem nos roubandoQueremos deixar bem claro que são apenas vidraçasQue nos separam deste bom pão que nos falta.

Considerando que os senhores nos ameaçam Com fuzis e com canhões

Nós decidimos: de agora em dianteTemeremos mais a miséria que a morte.

Considerando que existem grandes mansõesEnquanto os senhores nos deixam sem tetoNós decidimos: agora nelas nos instalaremosPorque em nossos buracos não temos mais condições de ficar.

Considerando que os senhores nos ameaçamCom fuzis e com canhõesNós decidimos: de agora em dianteTemeremos mais a miséria do que a morte.

Considerando que está sobrando carvãoEnquanto nós gelamos de frio por falta de carvãoNós decidimos que vamos tomá-loConsiderando que ele nos aquecerá

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Considerando que os senhores nos ameaçamCom fuzis e com canhõesNós decidimos: de agora em dianteTemeremos mais a miséria do que a morte.

Considerando que para os senhores não é possívelNos pagarem um salário justoTomaremos nós mesmos as fábricasConsiderando que sem os senhores, tudo será melhor para nós.

Considerando que os senhores nos ameaçamCom fuzis e com canhõesNós decidimos: de agora em dianteTemeremos mais a miséria do que a morte.

Considerando que o que o governo nos promete sempreEstá muito longe de nos inspirar confiançaNós decidimos tomar o poderPara poder levar uma vida melhor.

Considerando: vocês escutam os canhões – Outra linguagem não conseguem compreender – Deveremos então, sim, isso valerá a pena Apontar os canhões contra os senhores!

Quem se defende

Quem se defende porque lhe tiram o arAo lhe apertar a garganta, para este há um parágrafoQue diz: ele agiu em legitima defesa. MasO mesmo parágrafo silenciaQuando vocês se defendem porque lhes tiram o pão.E no entanto morre quem não come, e quem não come o suficienteMorre lentamente. Durante os anos todos em que morreNão lhe é permitido se defender.

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Aos que hesitamVocê diz:

Nossa causa vai mal.A escuridão aumenta. As forças diminuem.Agora, depois que trabalhamos por tanto tempoEstamos em situação pior que no início.Mas o inimigo está aí, mais forte do que nunca.Sua força parece ter crescido. Ficou com aparência de invencível.Mas nós cometemos erros, não há como negar.

Nosso número se reduz. Nossas palavras de ordemEstão em desordem. O inimigoDistorceu muitas de nossas palavrasAté ficarem irreconhecíveis.Daquilo que dissemos, o que é agora falso:Tudo ou alguma coisa?Com quem contamos ainda? Somos o que restou, lançados foraDa corrente viva? Ficaremos para trásPor ninguém compreendidos e a ninguém compreendendo?

Precisamos ter sorte?

Isto você pergunta. Não espereNenhuma resposta senão a sua.

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Soube que vocês nada querem aprender Soube que vocês nada querem aprenderEntão devo concluir que são milionáriosQue seu futuro está garantido a sua frente, iluminadoSeus pais cuidaram para que seus pés não topassem com nenhuma pedraNeste caso você nada precisa aprenderAssim como é pode ficarHavendo ainda dificuldadesPois os tempos como ouvi dizer são incertosVocês têm seus líderesQue lhes dizem exatamente o que fazer para que tudo corra bemEles são aqueles que sabem as verdades válidas para todos os temposE as receitas que sempre funcionamOnde existem tantos a seu favorVocê não precisa levantar um dedoSem dúvida, se fosse diferenteVocês teriam que aprender

Não desperdicem um só pensamento

Não desperdicem um só pensamentoCom o que não pode mudar!Não levantem um dedoPara o que não pode ser melhorado!Com o que não pode ser salvoNão vertam uma lágrima! MasO que existe distribuam aos famintosFaçam realizar-se o possível e esmaguemEsmaguem o patife egoísta que lhes atrapalha os movimentosQuando retiram do poço seu irmão, com as cordas que existem em

abundância.

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Não desperdicem um só pensamento com o que não muda!Mas retirem toda a humanidade sofredora do poçoCom as cordas que existem em abundância!Que triunfo significa o que é útil!Mesmo o alpinista sem amarras, que nada prometeu a ninguém,

somente a si mesmoAlegra-se ao alcançar o topo e triunfarPorque sua força lhe foi útil ali, e portanto também o seriaEm outro lugar. E depois dele vêm os homensArrastando seus instrumentos e suas medidas ao pico agora escalávelInstrumentos que avaliam o tempo para os camponeses e para os aviões.

Aquele sentimento de participação e triunfoDe que somos tomados ante as imagens da revolta no encouraçado PotemkinNo instante em que os marinheiros jogam seus algozes na águaÉ o mesmo sentimento de participação e triunfoAnte as imagens que nos mostram o primeiro voo sobre o Pólo Sul.Eu presenciei comoMesmo os exploradores foram tomados por aquele sentimentoDiante da ação dos marinheiros revolucionários: assimAté mesmo a escória participouDa irresistível sedução do Possível, e das severas alegrias da Lógica.

Assim como os técnicos desejam por fim dirigir na velocidade máximaO carro sempre aperfeiçoado e construído com tamanho esforçoPara dele extrair tudo o que possui, e o camponês desejaRetalhar a terra com o arado novo, assim como os construtores de

ponteQuerem largar a draga gigante sobre o cascalho do rioTambém nós desejamos dirigir ao máximo e levar ao fimA obra de aperfeiçoamento deste planetaPara toda a humanidade vivente.

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Sobre a atitude críticaA atitude críticaÉ para muitos não muito frutíferaIsso porque com sua críticaNada conseguem do Estado.Mas o que neste caso é atitude infrutíferaÉ apenas uma atitude fraca. Pela crítica armadaEstados podem ser esmagados.

A canalização de um rioO enxerto de uma árvoreA educação de uma pessoaA transformação de um EstadoEstes são exemplos de crítica frutífera.E são tambémExemplos de arte.

O governo como artista1

Na construção de palácios e estádiosGasta-se muito dinheiro. NissoO governo se parece com o jovem artista queNão teme a forma, quando se trataDe tornar seu nome famoso. No entantoA fome que o governo não temeÉ a fome de outros, ou sejaDo povo.

2

Assim como o artistaO governo dispõe de poderes sobrenaturais

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Sem que lhe digam algoSabe de tudo. O que sabe fazerNão aprendeu. Nada aprendeu.Sua formação tem falhas, entretantoÉ magicamente capazDe em tudo interferir, tudo determinarTambém o que não compreende.

3Um artista pode, como se sabe, ser um tolo e no entantoSer um grande artista. Também nissoO governo parece um artista. Dizem de RembrandtQue ele não pintaria de outra maneira, se tivesse nascido sem mãosAssim também pode-se dizer do governoQue não governaria de outro modoTivesse nascido sem cabeça.

4Espantoso no artistaÉ o dom da invenção. Quando ouvimos o governoDescrevendo a situação, dizemosComo inventa! Pela economiaO artista tem apenas desprezo, e bem assimÉ notório como o governo despreza a economia. NaturalmenteEle tem alguns ricos patronos. E como todo artistaVive do dinheiro que arrecada.

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IV - Relato de um agitadorRegistro das experiências desenvolvidas em Goiânia e Valparaíso de

Goiás na ocasião do trabalho de agitprop da Marcha Nacional pelaReforma Agrária.

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Dificuldades iniciais com os apoiadores da Marcha impediram o começoimediato das atividades, isso atrasou o trabalho de palestras nas escolas euniversidades. A equipe avaliou que foi um erro cometido e que não é papel dosapoiadores agendar trabalhos para o Movimento. Eles podem fornecer informaçõesimportantes para nos orientar sobre a realidade da comunidade. O mesmo equívocoaconteceu com o grupo que estava em Valparaíso de Goiás que esperavam por umaprofessora realizar as agendas. Ela acabou adoecendo e os trabalhos atrasaram.

Num segundo momento se contatou com o Sindicato dos Trabalhadores emEscolas de Goiás (SINTEGO). Com a lista de escolas e respectivos telefones a equipeassumiu os contatos com as diretoras e coordenadoras pedagógicas. A partir dessepasso deslanchou a agenda. O fato de haver professores(as) que lecionam em váriasescolas também contribuiu para aumentar o público atingido.

O objetivo principal era fazer a propaganda da marcha e buscar apoio concretona luta pela Reforma Agrária, porém não se podia falar de MST sem falar dadistribuição das terras no Brasil e da formação do latifúndio, bem como as lutas deresistências que houve e que deram origem ao MST.

A primeira palestra foi na Faculdade Alfredo Nasser. Cheguei 45 minutosantes (de propósito) e fiquei na sala dos professores conversando com os que estavamlá (trabalho de base). Seria uma turma a ser trabalhada, mas a conversa com osprofessores resultou em mais duas adesões. Alguns professores foram assistir decurioso para ver como seria. Isso deu resultado positivo: mais 3 turmas para outradata. Foram 6 turmas de estudantes de pedagogia.

Em uma das escolas contatadas o diretor alertou que lá a “barra era pesada” eque teria que ter um método especial, pois alguma colocação mal feita poderia gerarconfusão. Então se criou o método de eles levantarem os problemas sociais e estudarna história do Brasil as causas desses problemas. Isso despertou o interesse dosalunos porque se estava falando dos problemas vividos por eles no dia a dia. O

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aproveitamento foi tão bom que uma parte da brigada passou a utilizá-lo durantetodo o período de trabalho.

Os principais problemas citados foram: desemprego, transporte coletivo,violência, drogas, analfabetismo, preconceito, moradia, etc. Partindo daí se diziaque eles haviam desenhando o mapa social do Brasil e era para mudar esse quadroque o MST se organizava e lutava para transformar o país. A música “Procissão dosRetirantes” de autoria dos companheiros Pedro Munhoz e Martim César fazia partedo estudo. Fazia-se uma diferenciação entre os diversos tipos de músicas. Há músicaspara dançar, para fazer ginástica na academia e exercitar os músculos, mas há tambémmúsicas para exercitar o cérebro, refletir. Esse era o tipo de música que eu costumavacantar.

Começava o estudo por um período da história do Brasil, de 1500 a 1850.Foi nesse período que foram causados todos os problemas citados, depois apenasforam se agravando. No caso da violência ela começou com a invasão dosportugueses matando os índios e estuprando as índias, escravizando os negros etambém estuprando as escravas; a falta de escolas e o analfabetismo também semediam nesse período, para quem trabalhava não havia escolas e isso se reflete hojeno pouco interesse que os brasileiros têm pelo estudo.

Após citar as diferenças entre uma pequena, média e grande propriedade setrabalhava os quatro meios de se tornar latifundiário no Brasil: 1) capitaniashereditárias, 2) concessão de sesmarias, 3) lei de terras/1850 e, 4) a grilagem. Depoisde uma rápida passagem pelas capitanias hereditárias (esmiuçando o que é hereditárioe se isso era justo: dividir o Brasil para apenas 15 famílias e as demais seriam sem-terra) e sesmarias aprofundava o debate sobre a primeira lei de terras no Brasil. Estafoi o primeiro golpe da classe dominante e que definiu o destino dos brasileiros. Foipor conseqüência dela que hoje existem milhares de brasileiros sem ter onde morar,que tomam o transporte coletivo lotado, sem escola para estudar, vítima dos

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preconceitos e violência enquanto que poucos seriam os “donos” das terras e dasriquezas, os exploradores.

O quarto jeito de se tornar fazendeiro(a) é através das quadrilhas de grilagem.Alguns alunos que acompanharam na imprensa a CPI da terra relatavam como eramfeitas as falsificações das escrituras. O documento falsificado era posto em uma gavetacom grilos. Esses roíam as bordas do papel e a urina do inseto deixava o papel coma cor amarelada, com características de um documento antigo (envelhecido). O livro“De Zé Porfírio ao MST” A Luta Pela Terra em Goiás, de autoria do jornalistaSebastião de Abreu, relata a luta de resistência dos posseiros da região de Formoso,norte daquele estado, contra uma quadrilha de grileiros formada por juízes,advogados, comerciantes, fazendeiros e policiais comandantes de destacamentos.Essa história é conhecida como a guerra de Trombas e Formoso, iniciada em 1954e termina com o massacre dos posseiros e a tomada de suas terras em 1964 com aparticipação dos militares. O Zé Porfírio foi um agricultor que se elegeu paradeputado, e seu corpo até hoje não foi encontrado.

No debate se falava mais do MST. Quando se referiam à imagem do MST namídia se trabalhava a ditadura eletrônica pelas “capitanias da mídia” onde apenas 4famílias dominam o mercado eletrônico no Brasil, citando a fonte “Mídia eDemocracia” de Pedrinho A. Guareschi e Osvaldo Biz. A partir daí devolvia apergunta se referindo o que a imprensa fala de quem mora nas periferias (favelas)? Aconclusão era de que jamais a mídia, pertencente aos ricos, iria falar bem dos pobrese muito menos dos pobres organizados.

Quando falavam que tinha Sem Terra que andava de carro novo a gente citavaas conquistas do MST em vinte anos. Antes fazia uma diferenciação entre acampadose assentados. Se um acampado tiver um carro novo (o que não existe) é suspeito,por outro lado um assentamento que vive e produz de modo cooperativo, como écaso da Cooperoeste, em Santa Catarina que coloca no mercado 400 mil litros de

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leite em caixinha por dia, por que irão comprar carro velho? É claro que não vamoscomprar carros de luxos, mas para trabalhar. Citava outras conquistas e afirmavaque isso é uma prova concreta que a Reforma Agrária dá certo.

A venda de lotes foi citada em todos os debates. Falava-se das linhas aprovadaspelo MST, desde os primeiros congressos, contra a venda de lotes pelos beneficiários.As causas das desistências nas diversas regiões do país e o que o Movimento vemfazendo para que isso não aconteça. Em SP já está sendo discutido sobre a carta deconcessão de uso da terra que seja expedida em nome do grupo de produção, assimevitaria uma família efetuar uma venda ou troca individualmente. O percentual dedesistência também era citado, de acordo com a pesquisa feita pela USP, em novembrode 2002, encomendada pelo governo FHC. Por essa pesquisa pode-se constatar quena região amazônica, Pará e Maranhão o índice de desistência chega a 40% devidoàs condições de abandono a que foram submetidas as famílias assentadas, sem infra-estrutura. Já no sul, nordeste e sudeste esse índice cai para apenas 5%, consideradobaixo em relação à média mundial de assentamentos humanos, segundo a FAO énatural até os 15%.

Outra colocação freqüente era a suposição de que se um trabalhador viesse ase tornar um latifundiário com que direito nós (MST) invadiríamos a fazenda dele.Esta colocação foi feita também por uma professora de matemática. Como se tratade uma suposição então vamos fazer os cálculos para ver se há uma possibilidadereal de isso acontecer: vamos supor que você ganha um salário de 5 mil reais mensal,desses tira 2 mil para as despesas do mês, e 3 mil para comprar terra (acima de 2 milha.). Por esses números compraria mais ou menos 2 ha. por ano. Sendo assim levariamil anos para se tornar um latifundiário. Também está excluída a possibilidade deum pobre fazer parte de uma quadrilha de grilagem de terra. Só participam os“graúdos”. É como um cachorrinho da raça pincher sonhar um dia virar lobo.

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Sobre a produtividade dos latifúndios usávamos os dados do sensoagropecuário de 1995/96 do IBGE. Iniciava pelos alimentos do café da manhã:trigo, leite, frutas; almoço e janta: arroz, feijão, mandioca, batatinha, batata doce,carnes (porco, frango, boi, peixe, ovelha), etc. Sempre lembrando que milhões debrasileiros não possuem esses alimentos em suas mesas e se não tivesse condições deverificar os dados no sítio do IBGE bastava olhar pela janela do ônibus quandoestivesse viajando pelas BRs para constatar o que os latifúndios produziam (no estadode Goiás partindo de Goiânia para sul ou norte não se avista nenhuma produçãobeirando as estradas). Nesse ponto se aprofundavam os benefícios da R.A. para odesenvolvimento econômico e social do país. Não foi o MST que criou a reformaagrária, mas os diversos países do mundo para alavancar o seu desenvolvimento.

“Existem pessoas que possuem posses (bem de vida) e se aproveitam doacampamento para ampliar suas riquezas ou pessoas que já foram assentadas evenderam seus lotes e querem conquistar outro para vender novamente”. Estacolocação não era em forma de pergunta, mas de afirmação. A resposta: vamospensar juntos, uma pessoa que possui uma boa casa, um bom salário ou umapropriedade rural de 100 ou 200 ha. (não é uma pessoa rica, mas de classe média),um bom carro. Quantos dias uma pessoa assim permanecia acampado em baixo deuma lona preta (construída por ele próprio), tomando banho em rio, buscandoágua de balde, lascando lenha a machado, cozinhando em um fogão feito de barro edormindo em cama de bambu? Eles mesmos respondiam. Alguns diziam que nãopermaneciam nem um dia, nem chegariam a construir o próprio barraco. Depoisdesse debate se falava quem pode e quem não pode ir acampar.

O que fazer para manter um contato permanente de relação MST/escolas?A idéia é que se mapeiem os professores interessados em aprofundar a pesquisasobre a Reforma Agrária como um projeto de desenvolvimento para o Brasil eformar núcleos de pesquisa nos municípios. Nas universidades também formar

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núcleos de universitários para aprofundar a pesquisa sobre as reformas agrárias nomundo e também planejar a reforma agrária brasileira. Não importa se é contra oua favor, mas que esteja interessado em pesquisar.

A minha avaliação é que está na hora de acelerar a relação/articulação comsociedade e que a prioridade são os estudantes noturnos e turmas do EJA. Sãotrabalhadores (empregados ou não), e sua assimilação e indignação é maior, afinalsofrem na pele as conseqüências do modelo excludente. Começar pelas escolas éuma maneira de quebrar o pré-conceito formado pela mídia. Depois delesentenderem por que uns são pobres e outros ricos, os ataques da imprensa não temo mesmo peso. A televisão, por exemplo, não tem o poder de fazer o debate com asociedade. Por isso entendo que, antes de se ocupar um espaço na mídia, devemosdesmontar a opinião já formada. A agitação e propaganda deve gerar o debate epara isso é necessário estarmos preparados para essa tarefa; por último a organizaçãoe mobilização dos setores da sociedade para lutas permanentes.

Junho de 2005.

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Duas versões da intervenção A luta do camponês contra o agronegócio.Na segunda, com utilização de bonecos gigantes.

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V . Intervenção de agitprop

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Eldorado dos Carajás

Produção coletiva dos participantes da oficina de teatro da 2ª etapa do cursoArte, Comunicação e Cultura na Formação do MST/DF e Entorno, nos períodos de 11 a21 de março de 2006.

Coordenação da oficina: Agostinho ReisColaboração direta: Edmar, Edleusa e Neudair.

Personagens:

Coro dos trabalhadoresCoro dos soldados da PM

Coro dos juízes

Narrador 1Narrador 2

1º Soldado2º Soldado3º Soldado4º Soldado

TrabalhadorOziel Alves

1° Vítima2ª Vítima

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Os três coros entram juntos tocando instrumentos, o coro dos soldados com tambores, zabumba,pandeiros, e outros instrumentos musicais de percussão; o coro dos trabalhadores entra com enxada,pás, foices e demais instrumentos de trabalho, batem com ferro nos metais dos instrumentos. Osdois coros param, um de frente para o outro, como em um tribunal, ou campo de batalhas. Osjuízes intermediam o conflito.

Narrador 1 – (Saindo do coro dos trabalhadores) – 17 de abril de 1996: Eldorado dosCarajás, Pará. Neste dia, por “competência do estado” foram assassinadoscruelmente pela polícia 21 trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra, e maisde 60 pessoas foram feridas.

Coro dos trabalhadores – E até hoje não se sabe quantos desaparecidos. Que estado é esse, em que a vida não tem valor? Onde mandam policiais pra matar trabalhador!

(Batem as ferramentas umas nas outras)Nós viemos pra lutar,Mudaremos essa história de Eldorado dos Carajás!

Coro dos soldados – (Tocando os instrumentos) – Combater é uma forma de viver!

Coro dos trabalhadores – (Batendo e mostrando os instrumentos) – Eis as nossas armas!

Coro dos soldados e juízes – Vejam o que fez esse bando de sem terra,Estragaram as nossas balas!Isso é um absurdo!

Coro dos trabalhadores – (Batendo os ferros nas ferramentas) – O julgamento dos assassinos.

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Coro dos juízes – Eu, como juiz de direito Representante do estado “competente” Dou início a seção.

Narrador 2 – (Saindo do coro dos juízes) – Quem entrem os inocentes... ou acusados.

Narrador 1 – 1º Soldado.

1° Soldado – A ordem não era matar, eles é que pularam em frente às armas.

Narrador 1 – 2º Soldado.

2º Soldado – A culpa não é minha. É do meu comandante, que mandou desocupar a via.

Narrador 1 – 3º Soldado.

3º Soldado – Como o meu trabalho é matar gente que não tem o que fazer, eu matei.

Narrador 1 – 4º Soldado.

4º Soldado – Eu atirei mas não tinha intenção de matar, matei.

Coro dos juízes – Eles são inocentes, foram para cumprir a lei e manter a ordem.

Coro dos trabalhadores – Mentira!

(Os trabalhadores batem com os ferros em suas ferramentas. Sai o trabalhador do coro enarra:)

Trabalhador – Mentira! Eles mataram Oziel e arrastaram ele até o caminhão.

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Narrador 1 – O relato dos mortos.

(Coro dos trabalhadores bate os ferros nas ferramentas, no início bem baixo, depois vaiaumentando progressivamente, e para).

Oziel – Eu, Oziel Alves, quero justiça! Me arrastaram, me bateram, me mataram!Eu senti na pele a covardia do Estado, mas não neguei “VIVA O MST! VIVA OMST!VIVA O MST!”

Coro dos trabalhadores – (cantam baixo) Terra que há de nos comer, Há de nos fazer viver!

(Batem com o cabo das ferramentas no chão, várias vezes, em progressão)

1ª Vítima – Sou cego, assim como eu a justiça também é. A justiça é cega porque atéhoje os assassinos continuam impunes. Se eu tivesse a oportunidade de fazer um únicopedido antes da minha morte eu pediria para enxergar. Para poder ver no fundo dosolhos daquele policial que me matou a podridão impregnada em sua alma, depoisperguntar a ele se tem família, se sente amor, nutre sonhos, se tem idéias. Acho quenão. Mesmo postumamente, desejo que o sangue de todos os companheiros ecompanheiras não tenha sido derramado em vão. Continuem a luta!

2ª Vítima – Vocês não sabem o que é ser arrancado de seus filhos e não poder vê-los crescer, vocês não sabem o que é ter um sonho apagado por uma bala.

Coro dos trabalhadores – (Batendo com suas ferramentas no chão) – Terra que há de nos comer, Há de nos fazer viver!

Narrador 2 – Enxugai as suas lágrimas, ergam as suas ferramentas, e continuem a luta (3X).

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A luta do camponês contra o agronegócio*

Construção coletiva a partir de experimentos realizados com elencos no Acampamento Nacionalda Via Campesina (Brasília – 10/2003), com a turma do curso técnico de agropecuária edesenvolvimento sustentável na Escola Agrícola Estadual Juvêncio Martins (Unaí – 12/2004),com o Coletivo de Teatro do MST/RS Peça pro povo (Viamão – 01/2005), com a BrigadaNacional de Teatro do MST Patativa do Assaré em parceria com o CTO (RJ – 02/2005) e com oelenco de teatro da II Oficina de Cultura da Região Centro-Oeste (03/2005).

Personagens:

Camponês

Grande fazendeiro

Juiz / grande imprensa

Coro

Policial 1

Policial 2

* Fonte pesquisada: Cartilha “O agronegócio X agricultura familiar e reforma agrária”. Brasília: Concrab, 2004.

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Juiz – Venham, venham, venham todos! Vamos se aproximando minha gente! Vaicomeçar a luta do ano! A luta mais esperada! Vamos se aproximar! Pode chegarperto que não paga nada! Desse lado do ringue temos um lutador espetacular, aquem muito devemos agradecer e nos orgulhar, o Grande Fazendeiro! Aplausospara ele!

Coro do agronegócio – Terra, TerraNós queremos terra! (2X)Acumular, acumular, acumular, acumulaaaarMonopolizarPra poder melhor lucrar (2X)

Juiz (Mudando o tom de voz) – E desse outro lado temos o desafiante, um lutadordesconhecido, o Camponês.

Coro do MST – MST! Essa luta é pra valer! (3X)

Juiz (Para o público) – Essa luta vai ser fichinha! Façam suas apostas! Vamos começaro massacre, quero dizer, a luta. Se aproximem os dois lutadores. Quero que a lutaseja limpa (pisca para o público) sem nenhum golpe baixo (pega a mão do GrandeFazendeiro e atinge o saco do Camponês) e sem nenhuma ofensa, afinal, isso aqui é umacasa de respeito!

1° Assalto – A COOPTAÇÃO

Juiz – E tem início o primeiro assalto!

Grande Fazendeiro – Ei, venha aqui, eu tenho uma proposta para lhe fazer. (OCamponês fica receoso mas decide escutar a proposta) – Olha, eu sei que você está passandopor dificuldades, o crédito não saiu na hora certa mais uma vez, suas crianças

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estão com fome, é época de natal... (O Camponês concorda com tudo) – Pois então, eutenho uma proposta para lhe fazer. Você passa a trabalhar pra mim, operando acolheitadeira, e em troca eu lhe dou um salário de R$ 1000 e folga aos domingos.O que acha? Você nunca teve isso na vida, homem! (O Camponês fica feliz com aproposta) – E como você vai trabalhar pra mim o tempo todo, você me emprestasua terra para eu poder estender a minha plantação e nós dois lucramos com isso.

Camponês – Êpa, mas o senhor quer que eu deixe minhas terras em suas mãos?!

Grande Fazendeiro – Mas é você mesmo quem vai cuidar dela homem!

(O Camponês fica pensativo. Ele conversa consigo mesmo e decide aceitar a proposta. Enquantoele pensa o Grande Fazendeiro arma um soco, em câmera lenta. No momento em que o Camponêsse vira para aceitar a proposta ele toma o soco.)

Juiz – Fim do primeiro assalto! Com vitória para nosso grande lutador! (Uma atrizsai do coro e anda desfilando até o Grande Fazendeiro, carregando um garrafão de água com umlado escrito 2° Assalto e o outro escrito Randap) – Durante o intervalo o glorioso GrandeFazendeiro se fortalece com Randap, o agrotóxico dos grandes fazendeiros! Vamosdireto para o segundo assalto, sem descanso pra não perdermos tempo, pois onosso negócio é assaltar o Camponês. Começa o segundo assalto!

2° Assalto: A VERDADE

Coro do agronegócio – O agronegócio é o responsável por mais de 30% dasexportações brasileiras (o Grande Fazendeiro acerta um golpe).

Coro do MST – Monocultura (o Camponês acerta um golpe), desemprego (o Camponêsacerta outro golpe), depredação da natureza: (mais um golpe do Camponês) são asconseqüências do agronegócio.

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Coro do agronegócio – Mas que ousadia! (Mudando a voz para o tom de narrador detelejornal) – O agronegócio é a continuidade da Revolução Verde, é o atualresponsável pelo progresso do nosso país, e é um grande empregador! (O GrandeFazendeiro arma um soco, em câmera lenta).

Coro do MST – Mentira! (O Camponês se esquiva do soco e arma o contra-ataque) – Aspequenas unidades empregam 87% da mão-de-obra do campo. (Primeiro soco. Emseguida, a cada dado o Camponês acerta um soco no Grande Fazendeiro) – As pequenasunidades de produção são os responsáveis por 70% da produção de café, 71% daprodução de leite, 87% da criação de suínos, 87% da criação de aves, 79% daprodução de ovos, 77% da produção de feijão, 92% da produção de mandioca,76% da produção do tomate, 85% da produção de banana, quer mais?!!!

Grande fazendeiro – Não! Pára! Pára! Não agüento mais! (Desmaia)

(O Grande Fazendeiro é sustentado por membros de sua torcida. O juiz chama os lutadores atéo centro do ringue, segura as mãos dos dois e faz o gesto de que vai anunciar o vencedor. A cenaé congelada. Entra a moça com o cartaz “Veredicto: a mentira”. Quando ela sai o juiz anunciaque o Fazendeiro é o vencedor).

Veredicto: A MENTIRA

Juiz – Tenho o orgulho de declarar como vencedor dessa grande batalha o nossoquerido Grande Fazendeiro! (O Juiz segura o Grande Fazendeiro, que continua desmaiado.O Camponês protesta.) – Sim, ele foi o vencedor porque lutou com elegância, e nãocom brutalidade. Isso é uma casa de respeito, e não posso admitir a sua violênciaaqui dentro. Você nada mais é do que um brigão de rua!

Coro do agronegócio – Isso prova que Reforma Agrária é caso de justiça!(Barulho de sirene. Entram dois policiais).

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Policial 1 – Olha ali Justino, um caipira safado caçando confusão na cidade!

Policial 2 – Parado aí malandro! Mãos na cabeça e pernas abertas!

Camponês – Mas eu não fiz nada!

Policial 1 – Cala a boca! Quem foi que mandou vir pra cidade?

Camponês – Eu só vim vender a minha produção...

Policial 2 – Você vai é pro xadrez, tomar umas porradas pra aprender a voltar deonde não devia ter saído! (Eles arrastam o camponês para o fundo da cena).

Camponês – Mas eu não fiz nada, sou inocente, sou trabalhador!

(Os dois coros se juntam em meia lua e quando os policiais e o Camponês chegam e se alinhamtodos fazem o gesto de agradecimento e, em seguida, são puxados os três seguintes gritos deordem).

1º) Puxador(a) – Reforma Agrária quando? Coro – Já! Puxador(a) – Quando? Coro – Já! Puxador(a) – Quando? Coro – Já!

2°) Puxador(a) – Enquanto o latifúndio quer guerra... Coro – Nós queremos terra! (3X)

3°) Puxador(a) – Reforma Agrária! Coro – Por um Brasil sem latifúndio! (3X)

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