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    Cadeias Operatorias Miticas

    Pierre Lemonnier

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    Pierre Lemonnier. Cadeias Operatorias Miticas. Amazonica - Revista de Antropologia, Uni-versidade Federal do Para - UFPA, 2013, 5 (1), pp.176-195.

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    sas

    as

    Cadeiasoperatrias

    mticas

    Centre de recherche et de documentation sur lOcanie, CNRS,

    EHESS, Universit de Provence, Marseille

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    Lemonnier, Pierre. 2004. Mythiqueschanes opratoires. Techniques & Cul-ture [Online], 43-44. URL: http://

    tc.revues.org/1054.Essa traduo foi autorizada peloperidico Techniques & Culture http://tc.revues.org/

    Traduo de Tallyta Suenny Arajo da Silva

    Quer se trate de incunbulos (Cresswell1972, Leroi-Gourhan 1964, Geistdoer-

    fer 1973), de acadmicos especializados(Balfet 1975, 1991), de coletneas utpi-cas (Lemonnier1976), ou de crenarevivalista (Digard 1979), os textos soclaros: a cadeia operatria constitui a ma-tria-prima da etnologia das tcnicas.Para quem leva a srio a proposiode Mauss (1968) de alargar o campoda etnologia aos humildes e triviaiscomportamentos humanos que so astcnicas corporais e, sobretudo, todaa ao tcnica, compreender que umaoperao material prpria a um gru-po particular primeiramente decifrarcomo vrios elementos (energia, uten-slios, gestos, conhecimentos, atores,materiais) esto ligados em processosque modificam um sistema material:digamos a fabricao de uma cermi-

    ca, o colocar em voo de um avio oua preparao do caf da manh paratomar um exemplo moderno queesgotou a pacincia de um grupo deestudantes. Por que primeiramente?Simplesmente porque ao focar demasi-adamente no estudo das mltiplas ma-neiras em que as tcnicas fazem outracoisa alm de modificar os corpos, ob-jetos ou nosso ambiente, arriscamos

    esquecer no percurso uma parte im-portante do programa da etnologia,que dar conta da diversidade relativa

    das produes socioculturais dos sereshumanos, quaisquer que sejam, aquie agora ou ontem e l, e inclusive asque supem um trabalho rduo. So,portanto, levados em conta, pela tec-nologia cultural, a maneira como esseselementos interferem fisicamente (ouseja, tal como podem os descrever umafsica e uma qumica suficientementeordinrias e incontestveis para que to-dos possam ter um vislumbre das ver-dades e fatos), mas tambm, a formacomo os atores pensam tais siste-mas, singularmente, desde o objetivode os implementar, mas no somente.

    Designando tanto a sucesso de gestose operaes fsicas realizadas por umator (ou por uma mquina que pro-longa seu pensamento, bem como o

    daqueles que a projetaram) e a represen-tao simplificada que se faz de um ob-servador, a noo de cadeia operatria enganadora. Alm disso, sabendoque a cultura material de uma dadasociedade forma um sistema em quemltiplas formas de ao sobre a ma-tria esto ligadas umas s outras (Gille1978, Lemonnier 1983), decidir onde

    comea e termina uma tcnica sem-pre uma escolha ad hocdo pesquisador,que define a ampliao de sua observa-o, a sequncia temporal e os marcosda ao descrita, o que implica ter umacompreenso bsica dos fenmenosfsicos e qumicos envolvidos no que observado. A reconstruo de uma ca-deia operatria nada menos que umaforma bastante simples de caracterizar

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    os elementos e etapas de uma trans-formao material controlada por umagente (humano ou primata, alis). Na

    escala dos fenmenos em que eles soresponsveis, os etnlogos e arquelo-gos no fazem nada alm de aplicaros mtodos semelhantes queles dosconsultores de engenharia e especialis-tas de pesquisa operacional que projetamas etapas do processo de faonagem oufabricao, cuja magnitude temporal ecomplexidade espacial superam em vriasordens de magnitude quela das tcnicasque os pesquisadores das cincias huma-nas geralmente tm que saber.

    Desnecessrio ser um grande sbio, noentanto, para notar que a descrio eanlise das cadeias operatria noconstituem mais nenhuma receita. Es-ses primos da etnologia das tcnicas queso os socilogos da inovao tm poucomais que valorizado a descrio passo a

    passo da produo ou do emprego dosobjetos dos quais eles estudam (mereci-damente) a imbricao com todos osmodos de constituio de laos sociais.Da mesma forma, embora a culturaque eles tentam apreender os contor-nos seja em grande parte compostade tcnicas corporais e da implemen-tao de um kit de ferramentas mais

    do que bsico, os primatlogos no semostram diligentes a descrever o menudas aes dos animais que observam.1Joulian (1996) e Byrne (1995) so, ob-viamente, excees, mas claro que omtodo utilizado nos clebres artigoscomparativos de Natureza e Compor-tamento (Whiten et al. 2000, 2001)dedicados s culturas materiais doschimpanzs, recupera muito mais

    uma abordagem em termos de tra-os caractersticose da disseminaodesses, que no teriam invalidado, nos

    anos de 1930, uma leitura assdua deTcnicas e Cultura (Lemonnier 2004).Na prpria etnologia, os processos tc-nicos no chamaram a ateno de an-tigos antroplogos marxistas que nor-malmente, mais do que outros, tiveramque lidar com a dimenso maior dasforas produtivas materiais, enquantoanalisavam as relaes de produosocial.2 De uma maneira mais preo-cupante ou que no pode deixarde levar reflexo os melhores es-tudos de cultura material especulamsobre a no ocorrncia da descrioe anlise da produo de objetos cu-jas formas de consumoso exami-nadas (por exemplo, Faure-Rouesnel2001, Julien et al. 2002, Kchler 1997,Warnier 1999). Uma edio recente

    de LHommedemonstra como agoraperfeitamente legtimo desenvolveruma antropologia dos objetos na qualnem a fabricao nem as utilizaesprimrias so abordadas, mas somenteseu futuro quando so recuperadospor colecionadores, investidos de fun-es no previstas por seus fabricantesou dotados por seu prprio caminhode um status de quase-nada-mais

    (nas palavras de Debary e Tellier 2004).Quanto revista Tcnicas e Cultura,arauto, se alguma vez houve, da anlisedas cadeias operatrias, publica apenasde tempos em tempos pesquisas base-adas na anlise de processos materiaisdescritos em detalhe. Em suma, comexcees notveis (Gosselain 1999,Kchler 1988, Leach 2002), grandeparte dos trabalhos de etnologia e de

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    sociologia, abordando de perto ou delonge a vida material, ignoram mais doque nunca a dimenso mais material

    dos comportamentos tcnicos. Ape-nas os arquelogos utilizam constante-mente as problemticas e instrumentosdesenvolvidos por Balfet e Cresswellna linha de Leroi-Gourhan.

    Se no me engano, nem a sociologiada inovao nem os estudos de culturamaterial jamais propuseram uma crticaconstruda das cadeias operatrias, mas

    este pesado silncio proclama a inutili-dade de uma abordagem parcialmentebaseada em seu estudo. A etnologianunca rejeitou esta abordagem, mastodo observador paciente de oleiros,arqueiros ou cozinheiros sabe por ex-perincia que ele ou ela nunca vai usarmais do que uma nfima parte das ca-deias operatrias armazenadas tedio-samente na forma de notas, croquis,

    fotografias, filmes e gravaes sonoras.Se essas inteis e fastidiosas pesqui-sas de campo condensadas so apenasfragmentos de uma etnografia de longadurao, isto tem pouca importncia.Mas o que dizer dos documentos noutilizados pelos alunos que duramenteobrigamos a enfrentar a chuva, o sol efadiga para compreender e traduzir da

    melhor forma os movimentos tcnicosde seus anfitries? Tesouros ou arqui-vos improvveis?

    Essa discrepncia entre o lugar que oscriadores desta revista reivindicaramanteriormente para a anlise de cadeiasoperatrias, e a prtica contemporneadas cincias humanas que se preocu-pam com as atividades culturais domundo material, induz a se questionar

    se as cadeias operatrias no so mitos.Sua coleo seria apenas um ato ritualque um punhado de fanticos tenta

    impor sobre seus subordinados? Emsuma, as cadeias operatrias so loga-ritmos amarelos3? Ou, ao contrrio,instrumentos rentveis cuja descrioe anlise a etnologia teria errado aoprivar-se, inclusive quando se voltoupara o estudo dos objetos de alta tec-nologia ou dos cuidados com bebsprematuros4?

    Minha proposta evidentemente deilustrar esta ltima proposio, mascolocando-me por uma vez e poruma questo de simetria quase lauto-riana sobre o terreno daqueles paraquem a dimenso material das tcnicasseria um aspecto extratrivial da questoda produo de sistemas de significadoe prticas: tomando como ponto departida dois conjuntos de mitos e ritos

    dos Ankave-Anga cuja anlise e com-preenso permanecem obscuras semum conhecimento profundo das ca-deias operacionais que permitem pro-duzir dois objetos tcnicos dos maisordinrios em Papua-Nova Guin.

    OS TAMBORES QUE NO FAZEM

    APENAS BARULHO

    Cinqenta anos depois de descobrir aexistncia de brancos e apesar da pre-sena ocasional de catequistas papuasque eles sempre expulsavam de seusvales, os ankave continuam a pen-sar em conjunto fenmenos cruciaisque so a imputao do infortnio, asrepresentaes da doena, os ataquescanibais imaginrios, o trabalho dos

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    xams e o respeito s boas maneiras.

    A gesto de infortnio, as lgicas detroca e os procedimentos de luto soregularmente associados com cerim-nias que permitem a esse pequenogrupo de horticultores silvicultores decaar eternamente, acredita-se, os fan-tasmas errantes dos mortos recentes(pisingen siwi).

    As cerimnias, que levam o nome detambores que ressoam noite aps noite(songain) so a parte mais ostensiva de

    um sistema de pensamento no cernedo qual se encontram seres impuros,canibais, invisveis e completamenteperversos, os ombo, que os ankaveconsideram como responsveis pelamaioria das doenas fatais. Ontologi-camente, no so nem humanos, nemespritos, mas a combinao sui generisde um humano (homem, mulher ou

    criana que tenha atingido a idade darazo) e um esprito canibal. Eles constituemum grupo horrendo de annimos es-fomeados que representam dois pa-pis sociolgicos essenciais. Primeira-mente, porque eles atacam, devoram erepartem homens, mulheres e crianas,os quais se acredita que tenham sidomaus partilhadores; os ombo so umlembrete constante deste pilar da or-

    dem social ankave que a obrigao deresponder favoravelmente a qualquerpedido de comida ou de um bem. Emsegundo, eles so os responsveis pelodesaparecimento da carne dos cadveres,que supostamente so devorados.

    Mas os mitos tambm relatam que aosomboque os humanos devem a instau-rao das cerimnias songain. So eles

    que, do fundo de um lago, deram hu-

    manidade o tambor de ampulheta quedevem tocar cada noite quando chegaa hora de expulsar para sempre um es-

    prito pisingen siwi, e de esquecer o fa-lecido, do qual ele o espectro; a elesdevemos ainda as mscaras daquelesque tocam os tambores, assim comoos cantos entonados durante o tocardos tambores. Concomitantementeaos songain, roubados, possivelmentedos ombo, os homens descobriram abrevidade da vida, a sexualidade, os be-nesses que acompanham o casamen-to... O caso, como se v, importante.Estes so os mesmos tambores que osankave utilizam atualmente, reparandoou fabricando novos instrumentos cadavez que necessrio, isto , uma ouduas vezes por ano em cada um dostrs vales que eles ocupam.

    Um tambor ankave (papua-novaguineense) semelhante a uma longa am-

    pulheta (77 a 120 cm para os exemplaresque vi), constitudo por dois cones uni-dos por seus vrtices e encimado poruma ala. Sua parte superior, onde feita a percusso, apresenta um dimetromximo de 11 a 13 centmetros, enquan-to que o orifcio atravs do qual escapao som atinge 12 a 16 centmetros. Amembrana do tambor e as pequenas

    bolas de cera que so coladas paraafin-lo recebem o nome dos materiaisde que so feitas (sindre waa, pele deserpente e undaa, cera de inseto),mas outras partes do instrumento sodescritas usando o vocabulrio aplicadoao corpo, humano ou animal: ombro(saongwain) para a ala, boca (man-gain) para a abertura na qual coladae amarrada a membrana; bunda (ike

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    mangain) para a abertura. A constriocentral do tambor seu pescoo(nguno). Os prprios cones so es-

    critos como os meios (awone), nosentido de partes intermedirias. primeira vista, um tambor ankave uminstrumento musical. Ao olh-lo maisde perto ou seja, atravs da realizaode uma pesquisa de tecnologia culturalenquanto ainda h tempo as coisasso mais complicadas.

    Para o etnlogo especializado no es-

    tudo da relao entre cultura, tecno-logia e sociedade, a preparao desteimportante momento na vida dos an-kave que so os ritos songain umaoportunidade de descobrir uma des-sas cadeias operatrias que constituemo ponto de partida usual de pesquisassobre tecnologia cultural. Com umaparticularidade de mensurao, no en-tanto: a cadeia operatria em questo

    no aquela que o observador olha,descreve e transcreve em seus cader-nos. definida pelos prprios ankave,sob a forma de uma srie de mitos queexplicam passo a passo como fazer oinstrumento, ao mesmo tempo em quereala os aspectos fundamentais dodispositivo imaginrio pela qual estapopulao expele seus mortos: a ori-

    gem da membrana sonora, feita da pelede um homem serpente, e a importn-cia do pescoo, ou parte central doobjeto (Lemonnier, no prelo).

    Depois de assinalar que um antepassadodistante foi a uma lagoa de guas turbu-lentas de onde saia um som to estranhoquanto maravilhosamente belo, o mitoconta como, no tendo conseguido agar-rar um primeiro tambor que saiu da gua,

    o heri agarra um segundo instrumento:

    Juntamente com este tambor, quea lagoa lhe deu, atado exterior-

    mente a este objeto havia: uma folhada rvore wuyaewa (Gmelina sp.), cujamadeira utilizada para fazer os tam-bores; uma videira nongwayeque temespinhos (um rat,5Calamus sp.), umafolha da rvore soo(Pipturus argenteus),da qual extrada uma cola; uma facade bambu, para raspar a madeira dotambor, e uma vara de madeira miye,uma rvore dura (Garcinia sp.) para

    perfurar o tambor; uma pele de cobra,pronta (provavelmente esticada poruma corda); e um inseto que d a ceraundaa. Tudo atado ao tambor.

    O homem olhou para todas essascoisas que a gua anexou ao tambor.Ele as tomou e as ensaiou (isto ,ele investigou para que elas serviam)de forma escondida. Ele ocultou oinstrumento sob seu manto de casca

    bem apertado contra ele. E ele o es-condeu em sua casa.

    O heri escondeu o tambor at anoite, depois, quando chegou a hora,o fez ressoar provocando espanto napequena multido, que naquela noite,perseguia o espectro de um falecidorecente, batendo os entrens de hastesde bambus no cho.

    Os outros estavam se preparandopra cozinhar seu jantar nos lo-cais onde ocorria a cerimnia. Elepegou o tambor que tinha escon-dido juntamente com alguma comi-da e foi se juntar a eles. Os outrospensaram que ele trazia comida.Ele chegou com o tambor. Ele re-tirou o pedao de casca que cobriao tambor e bateu no instrumento.Todos que batiam com a haste de

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    bambu no cho o olharam: eraum som diferente. Eles estavamcompletamente estupefatos. E o

    homem cantava ao mesmo tempo.Ele cantava: Nerwambonaa rwambe-wayo nerobewa topewayo (isto , o refrodo ciclone). Cada um ento largousua haste de bambu. Sozinho ele ba-teu o tambor e cantaram a noite todana frente dos outros, que o assistiam.Amanheceu, todos se reuniram e ob-servaram o tambor e como a gua lhetinha unido.

    Eles entenderam ao observar e re-mover tudo aquilo (o que foi uni-do), e ao ver o tambor (o prprio).Eles respiraram o cheiro das folhase souberam qual era a rvore. To-dos partiram em busca desta rvorejuntamente com o homem do tam-bor. Eles cortaram um pedao darvore e a sentiram, mas no estavaboa! Em seguida, eles encontrarama wuyaewae a sentiram: esta rvore

    tinha o mesmo cheiro que as folhasligadas ao tambor. Eles compara-ram as folhas: eram as mesmas.Eles cortaram a rvore, que caiu.Cada um pegou um pedao depoisde colocar o tambor no troncopara saber o comprimento corretopara cortar (para cada segmento).Eles cortaram completamente arvore. Eles queriam dar formaa estas peas de madeira; assim,observaram o que a gua os haviadado: eles identificaram a rvoremiye, cortaram-na e perfuraram ostambores, cada um o seu (a miyetem uma madeira por meio da qual possvel escavar gradualmente ascavidades de um instrumento apslhe ter queimado interiormente).Em seguida, eles viraram o tamborpara perfurar a outra extremidade,

    em seguida a parte central, com a

    miye. Eles retiraram a miye e pega-ram pedaos de espinhos, com osquais desgastaram o interior da

    pea de madeira para fazer umgrande buraco. Em seguida, elescolocaram fogo neste buraco, en-quanto colocavam um punhado desolo para controlar a combusto.Em seguida, eles sopraram as bra-sas. Quando o buraco ficou grandeo suficiente, eles viraram a tamborpara trabalhar do outro lado. Maisuma vez, eles colocaram a terra de-pois fizeram o fogo. Com um bam-

    bu seco em brasa, eles depois quei-maram e escavaram o pescoodo instrumento at produzir umfuro central de tamanho mediano.Ento, eles removeram completa-mente a casca que cobria a parteexterna da pea de madeira. Elescortaram com preciso a cabea eas ndegas do instrumento e nova-mente olharam para o que a gua

    lhes tinha dado, e em seguida, elesforam procurar uma pele de ser-pente (como membrana do tambor).

    Eles avistaram um sindre menaa(uma pton) do qual tiraram a peleaps mat-la. Eles jogaram os os-sos, guardando apenas a pele ecomeram a carne. Eles cortaram apele em pedaos que estenderamsobre uma armao de vime. Todomundo fez isso. Em seguida, elescolocaram no sol, para secar osangue da serpente, a fim de queas peles no apodrecessem e endu-recessem. Observando mais umavez o que a gua os tinha dado,eles viram uma folha da rvoresoo, da qual eles retiraram a seiva ecolocaram ao redor da abertura dotambor (onde ser colada a pele),e a cera do inseto undaa. Alguns

    foram em busca de um soo, outros

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    em procura de undaaem buracosde rvores. Eles prepararam a ceracolocando insetos em longas folhas

    de pebikwae (uma erva no identi-ficada) depois os aquecendo nosentrens da haste de bambu. Emseguida, resfriaram-na. Eles, ento,esfregaram a abertura dos tambo-res com casca de soo. E, todos aomesmo tempo, colocaram as pelesesticadas. Eles espalharam a cera deinseto e tentaram afinar o instru-mento (colando mais ou menos asbolinhas de cera sobre a membrana

    de pele de cobra). Eles tentarambater os tambores e disso produzi-ram um bom som.

    So tambores do mesmo tipo quens fabricamos e tocamos. O sig-nificado mais profundo da histria,entretanto, no sabemos. Ns souvimos nossos ancios contar. assim que cantamos at o amanhecer.Quando batemos os tambores,

    para afugentar o pisingen siwi dosmortos. Acreditamos que o espritoainda est conosco quando enter-ramos os mortos e que fazemos osaziara(enfeites de luto).

    Outra verso do mito retoma e desen-volve o episdio da identificao gradualdas matrias-primas e da fabricao doprimeiro tambor pelos humanos.

    Eles (os ombo) fizeram-lhe sonhar.Eles tinham-no bem explicadotudo, ele foi direto ao lugar certo.Cortou um pedao de casca coma enx de pedra, sentiu seu cheiroe comparou com o do pedao decasca que tinha (que estava entre oselementos atados ao tambor): era omesmo cheiro, assim que ele sabiaque era a rvore certa. Ele a der-rubou e cortou um segmento, no

    meio do tronco. Ele a carregou noombro e, em seguida, deixou emalgum lugar na floresta. Os ombo,

    no conseguimos v-los, mas foideles que veio o songain. O tamborapareceu em plena luz, o homempegou. O outro (deixado debaixoda gua), so os omboque o tocam,escondidos. Hoje, como antiga-mente, podemos ver os ombo. Meupai ouviu esta histria, eu tambm.(Outro informante, que era naqueledia um tradutor do primeiro, entome explicou que o heri tentou

    pegar o outro tambor colocandoa mo na gua, mas o objeto de-sapareceu sob a gua. Em seguida,o primeiro narrador anunciou queiria terminar a histria).

    Com sua enx, ele voltou paraonde havia deixado o pedao demadeira e comeou a cav-la. Elecavou at o meio de um lado e de-pois do ouro lado. Seu sonho bem

    tinha explicado como proceder.Ele fez um entalhe (para identificarat que ponto ele tinha perfuradoo cilindro de madeira). Ele virou ocilindro, e perfurou a outra extremi-dade. Mais uma vez, ele parou decavar no meio. Ento ele foi para afloresta porque queria um pedaode miye. Com sua enx, ele cortouuma miye, e cortou-lhe bem afiada.Tendo afiado, ele a levou para ondetinha se instalado para trabalhar ecomeou a perfurar o pescoono meio do tambor com esta pontade miye.6Em seguida, foi procurarum rat espinhoso para raspar ointerior do songain(deslizando essalima vegetal atravs do pequenoorifcio obtido por percusso coma ponta de miye). Com o auxlio dorat, ele rasgou o interior macio do

    pedao de madeira cilndrico. Este

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    cilindro se chama sookwa (outraverso fala de nongwaye). Para a par-te inferior do tambor, ele primei-

    ramente desobstruiu um canal nocentro do pedao de madeira at opescoo. Denomina-se este lugarde songain guno, como o pescoodos homens. Em seguida, ele ca-vou a boca do tambor, chamadasongain mangain. A parte inferiordo tambor, ele cavou lentamente,virando para cima. E a denomi-nou de ike mangain, bunda. Elefez esse trabalho permanecendo

    escondido, e quando terminou oinstrumento, o levou para sua casapara sec-lo sobre a lareira. Entoele voltou para a floresta.

    Ele caminhou e capturou muitascobras pequenas. Ele retirou-lhes apele, mas no o fez corretamente; emseguida, recomeou, e foi assim pormuito tempo. Ele voltou a observara pele da pton (do tambor que lhe

    tinham dado os ombo). Ele olhou commuito cuidado: era uma grande pele;ento foi novamente para a florestaprofunda para procurar uma. Eleno encontrou e voltou para casapara dormir. A este mesmo homem o ombo, claro enviou-lhe um novosonho e explicou quais espcies decobras tm a pele grande o sufici-ente (para fazer uma membrana detambor): Voc tem que tirar a pelede apenas trs cobras: sobe, menaa, eawine.7Tendo recebido este son-ho, ele retomou sua busca, e, final-mente, encontrou uma cobra, quematou. Ele retirou a pele e a colo-cou sobre um espesso rat do qualele fez um crculo. Depois esten-deu a pele sobre o crculo, raspoua carne ainda aderente, limpando-acompletamente. Ento colocou a

    pele esticada. Quando o sol a secou,

    a pele tinha crescido (sob a aodas cordas que lhe puxaram emdireo periferia do dispositivo).

    Uma vez completamente seca, eletentou coloc-la no tambor molhan-do-a com gua para amolec-la. Ele,ento, procurou uma rvore soo,da qual retirou a casca para retirar aseiva pegajosa. Ele revestiu a aber-tura do tambor com a seiva, entocobriu com a pele de cobra contor-nando sua borda com uma cordafina (emprestado de sua mulher).8Tendo fixado bem a membrana,

    colocou tudo para secar sobre ofogo, porque a pele da cobra estavafrouxa. Em seguida, ele bateu otambor: no fez o som certo! Eleento pensou em colar a secreode seu nariz sobre a pele da cobra,ento ele novamente bateu o tam-bor, mas no soava bem! Ele voltoua olhar para o instrumento (origi-nal), ele o sentiu e notou seu chei-

    ro. Ele procurou uma rvore (cujaespcie no indicada, porqueh dezenas que servem para essepropsito) at identificar uma naqual havia abundncia de pequenosinsetos. Cortou de cima abaixo acasca (na qual estes animais viviam)e retirou todos as undaa (as clulasde cera). Esta cera, ele colocou emum entren de bambu, que levouao fogo. Depois de aquecer a cera,

    resfriou-lhe e modelou em bolinhas(pupa) e as aderiu membrana depele de cobra. E ele tentou tocar otambor: explodiu tremendamente!Cortou-lhe o fgado! Todos os ho-mens, que estavam em casa, reuni-ram em torno dele, todos!

    Alm da clareza e nvel de detalhe quelhe caracteriza ao ponto de que noiria arruinar-se entre estas cadeias operatrias

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    que os tecnlogos descrevem e colo-cam no centro da suas pesquisas estemito tecnolgico notvel pela nfase

    na perfurao do pescoo do tam-bor. Este um dos poucos objetos queapenas alguns dos homens declaramsaber fazer; mas, entre todos os obje-tos ankave, o nico cuja produo explicada em um conto mtico, portan-to, ele no mnimo bastante complexopara produzir. No seria surpreendenteque a memria coletiva tivesse se con-centrado sobre os procedimentos es-pecficos que demandam a reproduo,gerao aps gerao, do presente fei-to pelos ombo para os seres humanos.Qualquer que seja, no seio das opera-es tcnicas originais que possibilitourealiz-lo, a perfurao do gargalo queliga as duas bacias do tambor merecetoda a ateno daqueles que os fabri-cam. Ao ponto em que podemos nos

    questionar (no se trata aqui de umahiptese) se a faonagemdo pescoodo tambor no revestida de uma im-portncia que excede sua dificuldadetcnica objetiva. Mas os mitos insistemsobre outro aspecto dos tambores.

    MEMBRANA SONORA OU LIMIAR

    DA ETERNIDADE?

    Aps resumir sua maneira a descobertada lagoa dos tambores e das primeirasetapas do fabrico do instrumento, outravariante do mito aborda o som sur-preendente proveniente da membranasonora. A histria comea por resumira descoberta do instrumento e a fa-onagem de sua primeira cpia. Entoo heri, tentando fazer o tambor, fala

    para o seu filho:

    Este homem disse a seu filho:Voc deve me cortar a pele,aquela do pescoo. E quando ele

    no tinha mais a pele do pescoo,tornou-se uma serpente menaa, que um pton grande, e ele partiu. Acriana colocou a pele sobre o tam-bor. Ele tocou o tambor: fez umsom muito bom. Anteriormente, ohomem-serpente disse a seus filhospara pegar a cera undaaporque ojovem queria colocar as secreesdo nariz. Ele disse a seu filho Vocvai retirar minha pele, mas voc no

    deve me matar: eu cortarei vriospedaos pequenos que voc podercortar para fazer as membranas son-gain. Depois de perder a sua pele,a cobra foi dormir em uma rvoreupongwain, uma grande rvore ques existe mais abaixo [em direo plancie de Papua], mais abaixo quePeekwa, s um pouco mais abaixo.

    Em outra verso do mito, o pai generoso

    que oferece a pele de seu pescoo ex-plica que a operao no o far mor-rer e seu esprito indica em sonho aoheri que ele deve capturar cobras, ecomo deve fazer. Mas ao ouvir umaterceira variante deste sacrifcio peloqual um homem oferece a sua pele aopovo ankave que eu senti comear acompreender a importncia dada ori-

    gem da membrana de songain.Tendo perdido sua pele para o bene-fcio de um ankave que cobriu o pri-meiro tambor, a serpente desta histriafoi em seguida dormir em uma rvoreupongwain, em algum lugar nas terrasbaixas.

    Essa cobra comeu todos os filhosdos homens, meninos e meninas.Ela sempre fazia isso. Um homem

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    subiu (na floresta da montanha).Ele queria encontrar marsupiais domato. Ele viu seu co que trazia a

    cobra (tratava-se daquela na qualtinha se transformado o pai quetinha oferecido sua pele). Haviauma pequena criana que queriaatirar uma flecha em um lagarto.Sua me disse: Voc deve munir-se desta faca de bambu. Se o p-ton vier te comer, no solte estafaca. A cobra engoliu a criana,e, ao mesmo tempo, a faca. Umavez dentro, o menino cortou a bar-

    riga da cobra e fugiu. E a crianapermaneceu assim (no local). Suame passou a lhe procurar l ondeas crianas desapareciam, l ondea grama estava amassada pela ser-pente quando ela os cercou. Ela foie viu a cobra rodeada por sangue, oda criana e do animal. O meninoestava l, braos suspensos, depoisde cortar a barriga da cobra. Tendo

    visto o pton, a me foi buscar ummonte de gente. Ela mostrou a elese disse: Esta a cobra que comeutodas essas crianas. Ela reuniu ummonte de gente. Ela queria matar acobra. Eles pegaram enxs de pe-dra, um monte de armas kara e ar-cos e flechas. E ento eles atirarame mataram-na. E eles foram a buscade comida (para comer, ao mesmotempo em que o animal). A cobra

    era grande demais para ser levadapara a aldeia. Eles levaram legumes,inhame, batata doce, bananas. Emseguida, eles cortaram a pton empedaos que colocaram para cozinharem um forno semi-enterrado. (Emmomento posterior), eles abriramo forno e tiraram a cobra. Eles acortaram e distriburam. No es-tava bem cozida ento colocaramos pedaos em suas redes dizendo

    que eles deveriam se reunir nova-mente para coz-los. Eles procura-ram a cabea e a cauda da serpente

    sem as encontrar. Eles (finalmente)encontraram, mas as duas extremi-dades estava recoladas! Em segui-da, os pedaos colocados nas redesuniram-se cabea e cauda!

    Aps ter se reconstitudo, a cobrapermaneceu para vigiar. Ela que-ria matar aqueles que a mataram.Como o vento (turbilhonante), elacercou todas as casas e matou a

    todos. Ento ela ficou ali pensan-do: Por que eu matei todas essaspessoas? Ela estava l, transfor-mada em homem novamente. Aoshomens, ela disse: Toda minhacarne eles comeram. Vocs devemme pagar! Eles lhe mostraram osbruos adornados de bzios, asdecoraes corporais, as grandesconchas memia, mas ele no que-ria. Eles, ento, lhe disseram: Se

    lhe dermos duas jovens mulheres,tudo certo? Sim. E as duasjovens casaram com o homem-serpente. Ele partiu, seguido pelasmulheres. noite os surpreendeuno caminho, e eles dormiram emum local coberto com grama. Aoamanhecer, eles partiram. Os paisdas duas mulheres estavam l, escu-tando atenciosamente. Eles tinhamdado s suas filhas enxs dizendo:Na noite seguinte, vocs devemcortar lenha com essas ferramen-tas. Chegaram a uma palmeiraazoo (Heterospathe sp.), subiram aolongo de seu tronco. O homemprimeiro, enquanto suas mulherespermaneceram no cho. O homemtornou-se uma cobra para subir naazoo. Ao chegar ao topo, ele se re-transformou para ajudar suas duas

    esposas a subirem. As duas mulheres

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    188 Amazn., Rev. Antropol. (Online) 5 (1):

    ainda estavam no cho e elas pega-ram sua cauda e a cortaram, cadauma um pedao. Os pais (das espo-

    sas da cobra), ento ouviram Ku-kukuku9(isto , o som do trovo,akerukwa). Eles disseram Elano est morta. Esta serpentese chama Omo. As mulheres eramMakie e Toe. Elas se viraram decosta e se transformaram em umrochedo que se localiza perto deRabaul, na Ilha Siesi.

    Alm de seu canibalismo, a cobra gi-

    gante apresenta a particularidade ain-da mais fundamental, pois est parcial-mente relacionada com a pele falada aolongo de toda histria de ser imortal.Embora no seja explcito no mito,esta qualidade do homem-serpenteauto-sacrificado no provoca dvida.Como todas as serpentes, esta perdeperiodicamente a pele, sem morrer,tornando-se uma boa candidata para

    encarnar a imortalidade. Mas, sobre-tudo, no mito das crianas devoradas,a cobra se reconstitui e volta vida nomomento em que foi golpeada, cor-tada em pedaos e meio-cozida, o que uma prova indubitvel de vigor! Aimortalidade da serpente compartilhadapelo homem que oferece sua pele,seja porque anuncia ao seu filho que a

    operao no [lhe] far morrer, ouporque ele se auto-transforma em umacobra. Que a cadeia operatria mticaenfatiza a necessidade de secar a peleda serpente antes de instal-la sobre otambor para que ele no apodreaconfirma que a no-putrefao, a auto-regenerao e, para ser breve, a imor-talidade tem algo a ver com a nfase dacultura ankave de dotar de significados

    a membrana sonora do objeto que oshomens receberam dos ombo. Por umrudo de trovo, os tambores ankave

    repelem os pisingen siwi da estadia en-tre aqueles que ainda vivem. Mas estebarulho parece ter algo de suas miste-riosas funes advindas das qualidadesde uma membrana inaltervel que emsi um elemento que confere a imortali-dade ao ser do qual provm.

    Do estudo desses mitos, do desen-volvimento dos rituais e da observao

    do conjunto tambor-portador da ms-cara nowimbere, resulta que o tamborampulheta desempenha um papel cru-cial na expulso dos espritos dos mor-tos recentes: atrado pelas energias damscara nowimbere, o espectro pisingensiwi enviado para o alm pelo rudoproduzido pela membrana do tam-bor. Ao fazer isso, o esprito da morteatravessa duas partes do instrumento

    em que os mitos de origem so par-ticularmente eloquentes: a constrioque liga as duas cmaras do tambore a membrana de pele de pton, quedesempenha o papel de um limiar daeternidade.

    Na verdade, desde sua origem, aostambores atribudo o signo de tro-ca e da passagem entre o mundo dos

    homens e aquele dos monstros cani-bais. Eles esto presentes em ambosos lados da superfcie da gua, j queoutro tambor, aquele dos ombo, estvoltado para a profundeza do lago. Nomomento em que ele passou por umturbilho cantante para as mos de umancestral ankave, o instrumento man-tido pelos humanos conservava, alis,exatamente a mesma funo que lhe

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    designaram os ombo e, atravs deles,a cultura ankave: a de um tubo queliga os dois lados da mesma entidade,

    a sociedade ankave com seus vivos emortos. Consequentemente, os tambores-ampulhetas nos revelam o que eles soinicialmente: funis psicopompo,10 isto ,um canal estreito pelo qual deve seguirum espectro para deixar o mundo dosvivos e dirigir-se ao dos ombo.

    MITO, RITO E TCNICA

    Alm do papel incomum que as cadeiasoperatrias tm nesses mitos, a ma-neira como elas misturam inextricavel-mente a histria da origem dos tambo-res, os rituais que lhes do o seu nome,e o seu processo de fabricao, quemerece nossa ateno. Essas histriasque explicam igualmente a origem dosritos songaine a transformao de tron-

    cos de madeira em instrumentos so-noros falam em unssono de um pro-cedimento tcnico repetido geraoaps gerao (cada vez que um tambor moldado) e da ao da magia (parans) que transporta o fantasma deum recm-falecido deste mundo paraaquele dos ombo. Neste caso, seria toinjustificvel quanto lamentvel distin-guir as referncias s aes materiaistangveis, tais como o uso do cip non-gwayeque tem espinhos ou as etapasde perfurao do pescoo dos tam-bores; da funo invisvel dos instrumentospsicopompos: precisamente a desordemdentro da mesma histria de aesreais e outras, para ns imaginrias, qued ao mito o significado que os ankavelhe atribuem, ou seja, a justificao das

    origens dos rituais que os desvinculam

    de seus mortos, ao mesmo tempo queoferecem o esquecimento aos vivos.

    Mito, tcnica e ritual esto todos ema-ranhados durante a caa de enguais cujacarne defumada oferecida aos primoscruzados11 (real ou classificatrio) notrmino das cerimnias de luto, du-rante as quais os tambores so tocados(Lemonnier 1993a). Constitudo por umcilindro de casca, no qual uma extremi-dade fechada por barras, enquantoa outra provida de uma porta, que

    distendida por arco que fecha violenta-mente sobre o animal, as armadilhasutilizadas apresentam caractersticasmecnicas que lhe do resistncia bemsuperior da que seria necessria pararesistir fora dos peixes capturados.12O observador no pode deixar de fi-car impressionado com os esforos ecuidados empregados pelos ankavedurante todo o processo de fabricao

    da armadilha para acumular a energiapassiva que ser utilizada contra a re-sistncia dos animais capturados. Estasprecaues redobradas parecem supr-fluas ainda mais quando conhecemosna Nova Guin outras armadilhas domesmo tipo que no tm esse luxode reforo. No h dvida de que arede resistiria tanto aos movimentos

    da enguia se as ligaduras fossem me-nos elaboradas, e tanto a fabricaoquanto a instalao dessas barras per-maneceriam firmes com menos forae preciso, principalmente a preocupa-o esttica. Por outro lado, em com-parao com a perfeita resistncia dodispositivo, a ateno dedicada suaancoragem na borda das torrentes de-ixa a desejar: a robustez da armadilha

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    parece desproporcional ao risco de v-las levadas pelas guas. Para os ankave,a captura do animal parece ter menos

    importncia do que a manuteno de seuconfinamento e controle de sua fora.

    Aproximando esta constatao domito de origem das enguias - que indicaque os primeiros destes peixes foramna verdade procedentes do corte dopnis de um antepassado que tinha omau hbito de copular de surpresa e distncia com as mulheres, at que,

    uma delas cortou seu membro incon-veniente antecipei a hiptese de quea suposta fora das enguias correspon-de a uma representao das tcnicas deconstruo da armadilha, e da prpriaarmadilha, que destaca a acumulaode uma enorme energia passiva, capazde se opor com sucesso a este smbolode vitalidade que o animal. Em suma,tudo se passa como se o prprio ob-

    jeto, e suas onomatopias de tirar o f-lego dos seus fabricantes, garantissemo estatuto simblico da enguia.

    Aqui, fez-se a anlise que relaciona o mitocom seus resultados tcnicos, mas os ges-tos daquele que produz uma armadilhaimaginria que d vida s enguias se refor-am mutuamente, uma mesma desordemde domnios tcnico e mtico est em

    ao. Durante uma das etapas de fabrica-o das armadilhas, esta mistura entre asduas ordens de fenmenos que ns isola-mos durante a pesquisa, tal que im-possvel distinguir a ao sobre a matria(a ocorrncia, instalao, e teste do arcoe do dispositivo que o mantm atado atque uma enguia aciona o fechamento daarmadilha) do ritual que representa o mito.

    Feito de uma haste resiliente de 1,5 cm

    de dimetro, o arco preso fora parte traseira do cilindro e juno dasduas hastes do diapaso, que consti-

    tui a estrutura principal da armadilhaligada a seu gatilho. Pouco antes de seulanamento gua pelo arteso (quetambm o organizador da cerimniade expulso do luto em vista do qualse caam as enguias), todos os alapesque foram fabricados so tambm alinhadosverticalmente ao longo de uma bar-reira frgil erguida para a ocasio, e osarcos, que servem como molas, so atados.Uma das esposas do homem disparamuito rapidamente as armadilhas umaaps a outra, tocando seu gatilho comuma vara de madeira ingwii (Litsea sp.)com a ajuda da qual ela coloca sal vegetalna boca da armadilha. Apenas umamulher madura considerada apta paraexecutar corretamente este ritual, queela aprende com seu marido. O cheiro

    do sal, acredita-se, atrair as enguias,e claro que sem esta prtica mgica,apanharamos somente uma enguiapor ms! Mas tambm vemos aquique uma mulher faz um gesto semelhantequele pelo qual a mulher mtica acionavoluntariamente a armadilha que cortao pnis do infeliz amante e ao mesmotempo cria o ancestral das enguias.Neste momento, os caadores silen-

    ciosamente proferem uma frmulamgica pela qual a vara segurada pelamulher descrita como desencadeado-ra do arco, que a mola da armadilha;em seguida, depois a vara fricciona asligaduras das armadilhas com a ajudade uma noz mgica (semente de Mu-cuna albertisii) enquanto so murmura-das algumas palavras. Posteriormente, concluda ento a ornamentao das

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    armadilhas com vrias folhas, estrita-mente decorativas ou odorifumante, afim de atrair as futuras presas.

    Como pode ser visto, a cadeia operatriade preparao das armadilhas e o ritoque garante a sua eficincia so um. Se-ria por exemplo impossvel decidir se oestalo da porta que se fecha a vcuo um teste do dispositivo ou uma represen-tao ritual do ato feminino que deu aopnis dos homens um tamanho adap-tado sexualidade. Ento duas con-

    cluses so possveis.Estes exemplos ankave sublinham pri-meiramente, mais uma vez, como ilusrio distinguir a priori as tcnicasdas outras produes scio-culturais.Cinqenta anos de tecnologia culturaldemonstraram amplamente que, devi-do inscrio das representaes e dasaes tcnicas em todos os tipos de

    sistemas de pensamento e de prtica,ns (e outros) colocamos constan-temente em prtica tcnicas mais oumenos absurdas, no relevantes fisi-camente, ou pouco adequadas suafuno material (Lemonnier 1993b).Como tantos outros j enfatizaram,cada um sua prpria maneira, osprs e contras de uma atividade tc-nica sempre excedem apenas a eficcia

    material (por exemplo, aleatoriamente,Cresswell 1996: 6; Gosselain 1999, La-tour 1993; Lemonnier 1993b; Mahias1993, 2002; Virolle-Souibs 1989). Damaneira como os ankave misturam mi-tos, rios e tcnicas, torna-se particular-mente insatisfatrio distinguir os atosrituais por sua falta de eficincia ma-terial intrnseca.

    No entanto, entre os trabalhos recentes

    sobre ritual, que doravante se concen-tram em entender as formas de aoque seriam prprias para este tipo de

    produes scio-culturais, em vez desuas funes ou significados (House-man & Severi 1994; Humphreys &Laidlaw 1994) alguns enfatizam a ausn-cia de motivaes tcnicas que lhescaracterizariam. No entanto, se, comoescreveu Whitehouse (2002: 46), deacordo com Humphreys & Laidlaw(1994: 158), o que nos permite reconheceruma ao como ritualizada a ausnciade motivao tcnica (...) em relao,ao menos, a alguns detalhes do esque-ma de trabalho prescrito, ento todaao tcnica tem uma dimenso ritual...O momento agora de aproximaros termos mito e tcnica e noconfrontar as mltiplas tentativas dedefinio do ritual com os nossos re-sultados tcnicos, mas notar que se os

    rituais so incontestavelmente formaspotencialmente intrigantes de ao(Whitehouse 2002: 46); isto, porm,no suficiente para distingui-losdas tcnicas. Todo mundo, no fundo,sabe bem que martelar um prego no exatamente o mesmo que depositaruma haste de incenso, murmurandouma frmula, mas o estudo monogr-fico dos tambores e armadilhas ankave

    mostra que as partes de toda cadeiaoperatria se confundem com as aesrituais. De passagem, supomos queaprofundar esta aproximao entretcnica e ritual rapidamente reve-laria uma relativa escassez de detalhesdas descries de rituais, o que testa oapogeu das coletneas sobre cadeiasoperatrias13...

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    A tecnologia cultural , certamente, ape-nas um ponto de vista (Bonte 1999: 15),que, entre uma infinidade de representa-

    es e prticas scio-culturais, tambmleva em conta aquelas que se traduzempelas aes sobre a matria suscetveisde variar de uma populao outra. Eeste ponto de vista no se destina ape-nas a construir um conhecimento sobrea tcnica, mas um conhecimento dosmais diversos aspectos de uma cultura oude uma organizao social. A imbricaodos mitos, ritos e das prticas tcnicasem torno dos tambores e armadilhas deenguia ankave relembram, consequente-mente, que analisar as cadeias operatriasimplementadas durante suas produestorna-se no apenas uma maneira deestender a pesquisa a todos os registrosdocumentais de uma monografia comtemas aparentemente desconexos: almdisso, esta reconfortante constatao de

    que os antroplogos no so os nicos apensar e exprimir os atos tcnicos comouma seqncia de aes sobre a matria,debruando-se sobre as dimenses maismateriais dos objetos, compreendendosua fabricao e seu funcionamento, per-mite, principalmente, descobrir seesinteiras dos sistemas ou das lgicas soci-ais que no saberamos identificar e com-preender de outro modo.

    Tal como acontece com todas as pes-quisas sobre a relao entre tecnologiae outras dimenses da vida social e dasprodues culturais, as anlises detalhadasso aqui indispensveis e dizem neces-sariamente outra coisa e mais do quepode produzir uma caracterizao geraldos fenmenos em jogo. Um poucocomo nos estudos sobre a articula-

    o sacrossanta das foras produtivase das relaes de produo que se con-tentam em sobrevoar a ao tcnica

    enquanto abre as vias fecundas, apenaspara investigar os impasses (Lemon-nier 1980: 4-7), certamente podemosdizer muito sobre a relao entre ritos,mitos e tcnicas por uma qualifica-o abstrata dos fenmenos em jogo(Bonte 1985: 22-25, 1999). Mas, porcausa da natureza de tais fenmenos eda perspectiva que define a tecnologiacultural, efetuar um trabalho de campoingrato, e observar mais de perto aao sobre a matria um meio privi-legiado de delimitar da melhor forma oentrelaamento dos gestos e das pala-vras que lhes caracterizam.

    Entre os ankave, a maneira de fabri-car os equipamentos sonoros ou asarmadilhas fornecedoras de gordura ede protenas fala de um luto e de um

    esquecer dos mortos, da imputao domal, e da circulao da vida entre asgeraes. Ainda necessrio esforo emeios para mostr-la.

    NOTAS

    1Em um colquio no Instituto Max Planckem Leipzig, sugeri que uma boa maneira

    de aprofundar nossa compreenso dosdispositivos mentais subjacentes s ex-traordinrias nuances culturais obser-vadas em primatas consistiria em refinara observao e anlise de seus gestos,equipados ou no; isto , para coletar ascadeias operatrias dos tipos que um an-troplogo tenta analisar. Foi-me dito queera muito trabalho e muito complicado.Seguramente!

    2Em retrospectiva ouvir: dadas as desco-

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    bertas cumulativas de tecnologia cultural,da sociologia da inovao e da primato-logia a idia de que a relao entre os

    homens pode ser independente dos obje-tos que os cercam no presente motivo depiada.... (Lemonnier 1980: 1-13).

    3Sem existncia ontolgica, apenas semi-tica.

    4Refiro-me aos notveis artigos que Miller(2000) e Landzelius (2001) respectiva-mente consagraram aos sites da internetconsiderados armadilhas e a diplomaciado ursinho de pelcia a qual recorrem as

    mes (e esperamos, os pais ) para penetrarna bolha da incubadora onde o beb se es-fora pela vida.

    5 Angiosperma. Designao comum splantas escandentes do gnero Calamus, ougneros afins, da famlia das palmas, de es-tipes semelhantes os colmos dos bambuse usada em arquitetura, pontes, mveis eobras tranadas. Dicionrio eletrnicoHouaiss da lngua portuguesa.

    6 Alm da miye (Garcinia sp.), que incluiduas subespcies reconhecidas pelos an-kave, pode-se tambm utilizar para essatarefa outra rvore chamada itsuwewo(Fa-graea sp.), que tem a vantagem de resistir aoataque de insetos.

    7Os ankave na verdade utilizam a pele dequatro tipos de pton entre sete que elesdistinguem.

    8

    Trs rvores (komare, Duckera taitensis;kwia, Garciniasp. e sirige Evodia sp.) forne-cem para a colagem de pele de pton sobrea abertura do tambor uma cola que precisaser aquecida; utiliza-se tambm o suco deum inhame selvagem, tomwe undaa, que comestvel.

    9Onomatopia que, at segunda ordem, notem relao com o termo pelo qual os angaforam designados por seus vizinhos. Em outras

    verses deste mesmo mito da cobra canibal

    especificam que, em seguida, ouviu-se o somda chuva e do trovo. O som da chuva feitopela serpente ento klokloklo

    10Que conduz as almas dos mortos. Umtipo de deus, criaturas, espritos, anjosou deidades que segundo a mitologia gregaso os responsveis por conduzir as almasdos recm-falecidos pra a outra vida.

    11Primos de sexo diferente.

    12A casca e seus reforos so apresentadoscomo uma estrutura em que cada elemen-to est vrias vezes ligado ao conjunto do

    qual ela participa e assegura a robustez. As-sim, no apenas todas as sries de espiraiscontguas desempenhando o papel de arosesto estritamente colados a casca, mastambm esto mantidas lateralmente nolugar por estarem fortemente ancoradasao longo do exo-esqueleto constitudo porum longo pedao de madeira em forma dediapaso. Muitos destes aros sobrepostosso acrscimos unidos por uma ligaduraatravessando a casca. Como se tudo isso

    no fosse suficiente, os tensores em formade 8 apertam contra si as espirais exte-riores das duas extreminades ao mesmotempo em que as unem sobre casca (Lem-onnier 1993a: 1023-1024).

    13 H evidentemente notveis excees,por exemplo Kratz (1994).

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