BRAY - Queixas escolares na concepção de professores da rede pública e privada
-
Upload
fabricio-a-bueno -
Category
Documents
-
view
217 -
download
0
Transcript of BRAY - Queixas escolares na concepção de professores da rede pública e privada
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
1/183
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIA - PPI:
MESTRADO
rea de Concentrao: Constituio do Sujeito e Historicidade
QUEIXAS ESCOLARES NA PERSPECTIVA DE EDUCADORES DASREDES PBLICA E PRIVADA: CONTRIBUIO DA PSICOLOGIA
HISTRICO-CULTURAL
CRISTIANE TOLLER BRAY
MARING2009
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
2/183
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIA - PPI:
MESTRADO
rea de Concentrao: Constituio do Sujeito e Historicidade
QUEIXAS ESCOLARES NA PERSPECTIVA DE EDUCADORES DASREDES PBLICA E PRIVADA: CONTRIBUIO DA PSICOLOGIA
HISTRICO-CULTURAL
CRISTIANE TOLLER BRAY
MARING2009
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
3/183
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIA - PPI:
MESTRADOrea de Concentrao: Constituio do Sujeito e Historicidade
QUEIXAS ESCOLARES NA PERSPECTIVA DE EDUCADORES DAS REDESPBLICA E PRIVADA: CONTRIBUIO DA PSICOLOGIA HISTRICO-
CULTURAL
Dissertao apresentada por CRISTIANE TOLLERBRAY, ao Programa de Ps-Graduao emPsicologia, rea de Concentrao: Constituio doSujeito e Historicidade, da Universidade Estadual deMaring, como um dos requisitos para a obteno dottulo de Mestre em Psicologia.
Orientador (a):
Prof (a). Dr(). NILZA SANCHES TESSAROLEONARDO
MARING
2009
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
4/183
Dados Internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP)(Biblioteca Central - UEM, Maring PR., Brasil)
Bray, Cristiane Toller
B827q Queixas escolares na perspectiva de educadores das redes
pblica e privada : contribuio da psicologia histrico-
cultural / Cristiane Toller Bray. -- Maring, 2009.
173 f. : il., tabs.
Orientador : Prof. Dr. Nilza Sanches Tessaro Leonardo.
Dissertao (mestrado) - Universidade Estadual de
Maring, Programa de Ps-Graduao em Psicologia, 2009.
1. Queixas escolares - Dificuldades de aprendizagem. 2.
Queixas escolares - Problemas de comportamento. 3.
Educadores - Escola pblica. 4. Educadores - Escola
privada. 5. Aprendizagem - Queixas escolares. 6. Psicologia
histrico-cultural. I. Leonardo, Nilza Sanches Tessaro,
orient. II. Universidade Estadual de Maring. Programa de
Ps-Graduao em Psicologia. III. Ttulo.
CDD 21.ed. 370.15
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
5/183
CRISTIANE TOLLER BRAY
QUEIXAS ESCOLARES NA PERSPECTIVA DE EDUCADORES DAS REDESPBLICA E PRIVADA: CONTRIBUIO DA PSICOLOGIA HISTRICO-
CULTURAL
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Nilza Sanches Tessaro Leonardo (Orientadora) UEM
Prof. Dr. Marilene Proena Rebelo de Souza USP - SoPaulo
Prof. Dr. Marilda Gonalves Dias Facci UEM
Data de Aprovao
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
6/183
AGRADECIMENTOS
A Deus, por me proporcionar oportunidades e me prover fora e coragem para enfrent-las eusufru-las.
Aos meus pais, Silvio Carlos Bray e Ana Maria Toller Bray, pelo amor e compreenso, alm
do apoio aos meus estudos, pois sem isso no teria sido possvel a concretizao dessa etapa.
Aos meus irmos, Renato e Helosa, que sempre acompanham a trajetria da minha vida,
incentivando-me e apoiando-me.
professora Dra. Nilza S. Tessaro Leonardo, que me orientou durante o curso de mestrado
com sabedoria, pacincia e carinho, alm da confiana depositada em meu trabalho e da
amizade construda ao longo dos anos que pude trabalhar com ela.
A todos os educadores que aceitaram participar da pesquisa de campo, para que essa
dissertao fosse concretizada, colaborando, inclusive, para o desenvolvimento da cincia.
Aos professores do mestrado, que contriburam na construo do meu conhecimento e que
direta ou indiretamente, auxiliaram na construo desse trabalho.
Aos amigos, em especial Solange Pereira Marques Rossato e Hilusca Alves Leite, que me
acompanharam na trajetria desse trabalho, no dia-a-dia das aulas, nas viagens para
congressos, alm dos trabalhos desenvolvidos juntas, mas, principalmente, pelo
companheirismo de todas as horas, da verdadeira amizade, das conversas, do carinho e do
apoio sempre que precisei.
banca de defesa, prof. Dra. Marilene Proena Rebelo de Souza e prof. Dra. Marilda
Gonalves Dias Facci, pelas sugestes e disponibilidade em participar da concretizao desta
importante etapa da minha carreira acadmica.
Capes, pelo auxlio financeiro.
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
7/183
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
8/183
ABSTRACT
This paper aimed to search in the scholar extent (public and private) with the educators
(teachers, directors, co-ordinators, and soon) their ideas and works about scholar complaints(the learning difficulties and students behavior) and either our reflection in the psychologycontribution as the purpose on involved phenomenon understanding (the direct or indirect) inthe scholar problems, what we consider necessary to a quality education construction for allchildren. In the research there was present a group of 24 (twenty four) professionals, startingby two groups of participants: G1 - it being 12 (twelve) private schools educators and G2 - itbeing 12 (twelve) public schools educators. Data were discussed to starting the Historical-Cultural Psychology presupposed theoretician which we used as first fountain Vigotski schoolauthors (Vigotski, Luria, Leontiev) whose basis are based upon in Materialist Historical-Dialectical. Besides we started from this Method for doing a Marxist analysis exercise. It waschosen a semi-strutured enterview technic and for data analysis it was used categorial analysis
(one from some technic that observes the content analysis). It was accomplished acomparative analysis between the two groups (public and private schools) it starting from theeducators ideas, to checking the differences or likeness on their performances and what theythink and feel about the scholar complaints/failures. The results pointed that as the publicschools as the private confront the same scholar complaints (learning difficulties and studentsbehavior) and the educators understand the learning difficulties and the behavior problem asbeing individual (personal) order. The participators attribute either, with more frequency, theattribute complaint/failures scholar causes to an organic, emotional or familiar studentsproblem. The observed difference in the two groups is that the students private schools aremore supervised by specialized professionals (psychopedagogs, psychologists, physicians,speech therapists, etc) because their financial conditions when it occurs the behavior anddifficult learning problems. By the way, we ask questions about this practice because manytimes the child is taken as the problem or it is with the problem and so it is concernedwith the scholar problems appearance. In no moment, the G1 and G2 participants mentionedHistorical aspects those envolved in the Education constitution as are presented nowadays.That may be resulted from an no-historical and no-critic professional education, speakingabout the society and scholar education construction. So, the understanding that thecomplaints are done in the social, historical scholar extent, doesnt appear detached on theeducators speech.
Keywords: Scholar complaints, educators, public and private schools, Historical-CulturalPsychology.
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
9/183
SUMRIO
Apresentao.................................................................................................................01
CAPTULO I: Introduo ............................................................................................05
1.1 Sociedade Contempornea e excluso social: compreendendo os fenmenos
envolvidos na Educao Escolar..........................................................................05
1.2 A queixa/fracasso escolar e a atuao do psiclogo: alguns apontamentos..........16
1.3 A Psicologia Histrico-Cultural e a Educao Escolar para a compreenso da
queixa escolar...............................................................................................................34
1.3.1 A Educao Escolar e o processo de humanizao do homem........................381.3.1.1O desenvolvimento do psiquismo....................................................................42
1.3.1.2 Relaes entre aprendizagem e desenvolvimento humano.............................48
1.4 Em defesa de uma formao aos educadores que esteja atrelada a uma reflexo
crtica e poltica do processo de educar.................................................................56
CAPTULO II: Metodologia........................................................................................68
2.1 Caracterizao das escolas.....................................................................................722.2 Participantes...........................................................................................................79
2.3 Material..................................................................................................................80
2.4 Procedimentos........................................................................................................80
CAPTULO III: Resultados e Discusses....................................................................82
CAPITULO IV: Consideraes Finais.......................................................................148
REFERNCIAS.........................................................................................................156
ANEXOS....................................................................................................................164
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
10/183
NDICE DE TABELAS
Tabela 1 - Compreenso dos participantes sobre dificuldade de aprendizagem.............84
Tabela 2 - Compreenso dos participantes sobre problema de comportamento.............91
Tabela 3 - Como os participantes lidam com as dificuldades de aprendizagem.............99
Tabela 4 - Como os participantes lidam com os problemas de comportamento...........107
Tabela 5 - Causas que os participantes atribuem s dificuldades de aprendizagem......114
Tabela 6 - Causas que os participantes atribuem aos problemas de comportamento....121
Tabela 7 - Expectativa ou o qu os participantes esperam em relao aos alunos que
apresentam dificuldade de aprendizagem e problema de comportamento....................127
Tabela 8 - Como o professor se sente diante das dificuldades de aprendizagem e dosproblemas de comportamento enfrentados na sala de aula............................................135
Tabela 9 - Opinio dos participantes acerca da sua formao profissional para trabalhar comas dificuldades de aprendizagem e os problemas de comportamento encontrados no contextoescolar.............................................................................................................143
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
11/183
APRESENTAO
Sabemos que no mbito escolar, atualmente, as principais queixas dos educadores
para o setor de Psicologia so que as crianas e adolescentes apresentam-se indisciplinados e
com dificuldades de aprendizagem. M.P.R. Souza (1997) afirma que muitas crianas com
essas queixas so encaminhadas para atendimento psicolgico e complementa que os
educadores atribuem aos alunos e as suas famlias a culpa pela dificuldade de aprendizagem
ou pelo problema de comportamento.
Essas ocorrncias foram observadas durante o estgio da graduao em Psicologia
UEM, que realizei na rea de Psicologia Escolar, em uma escola pblica do interior do
Paran, em 2006. Nesse primeiro contato com a escola percebamos, nos encontros com oseducadores, que suas queixas em relao aos problemas escolares eram justificadas
colocando-se a culpa no prprio aluno, sua famlia ou histria de vida dos mesmos. Deste
modo, faltava em suas falas uma reflexo crtica acerca da prtica docente, no relacionando
as queixas escolares, inclusive, com o momento histrico-social e poltico.
Foi a partir dessa experincia de estgio que surgiu o interesse pelo tema da presente
pesquisa. Afinal, concordamos com M.P.R. Souza (1997) que essas explicaes acerca da
queixa escolar desconsideram que as dificuldades de aprendizagem e os problemas decomportamento so produzidos no interior da escola. M.P.R. Souza (2000) ainda enfatiza que
o olhar sobre a queixa/fracasso escolar no pode ser privado de uma complexa rede de
relaes sociais, ou seja, deve articular as esferas individual e social, incluindo a
complexidade dos processos de escolarizao.
Alm disso, os encaminhamentos para profissionais de sade ou de sade mental,
segundo Boarini (1998), implicam na prtica histrica e polmica de psicologizar e
medicalizar os problemas escolares. Essa prtica, ao alegar que os problemas individuaisso os principais motivos pela no aprendizagem e indisciplina dos alunos, destitui a
existncia de aspectos sociais, econmicos, histricos envolvidos na produo da queixa
escolar. Collares e Moyss (1996) enfatizam que nesse processo de biologizao dos
fenmenos escolares [...] desloca-se o eixo de uma discusso poltico-pedaggica para
causas e solues pretensamente mdicas, portanto, inacessveis Educao (p.28).
Consistindo em ampliar a compreenso acerca da temtica queixa/fracasso escolar,
esta pesquisa foi elaborada tendo como objeto de estudo as concepes dos educadores de
escolas pblicas e privadas, acerca da queixa/fracasso escolar, procurando saber como lidam
com a mesma. Outro ponto relevante neste estudo foi o de refletir sobre a contribuio da
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
12/183
2
Psicologia na compreenso dos fenmenos envolvidos, direta ou indiretamente, nos
problemas de escolarizao presentes no contexto educacional.
Destacamos, neste momento, que o fato de praticamente no termos encontrado
estudos sobre fracasso/queixa escolar envolvendo escolas particulares nos incomodou muito,
pois a impresso passada era a de que nestas no existia queixa /fracasso escolar. Com isto as
indagaes aumentaram e alguns questionamentos foram surgindo, tais como: ser que estas
no enfrentam dificuldades tal qual a escola pblica, j que ambas pertencem a uma mesma
sociedade, capitalista e neoliberal? Qual a compreenso dos educadores sobre a queixa
escolar? Ser que as queixas/dificuldades escolares so as mesmas em ambas as escolas? Ser
que ambas lidam da mesma forma com suas queixas?
Sobre o exposto acima, entendemos que a escola tem sido um espao de produo dofracasso escolar, como denomina Patto (1990). Segundo esta autora, a Educao Pblica tem
sido inadequada s necessidades dos alunos das classes populares, por sua m qualidade,
isentando-se da sua tarefa bsica de alfabetizar e, consequentemente, excluindo as crianas
das camadas populares do seu interior. Entendemos que esse fracasso escolar abrange uma
noo de produo histrico-social, pois se a escola pertence a uma sociedade que se
apresenta por desigualdades sociais e econmicas entre grupos e classes, o fracasso escolar se
apresenta, antes de tudo, como um fracasso social.O ponto de partida que as escolas brasileiras parecem estar aqum de fornecer uma
Educao de qualidade, ou seja, que cumpra o seu papel de ensinar, visando o
desenvolvimento e formao crtica do aluno, para que este seja capaz de interpretar o mundo
e agir sobre ele. A escola tem parecido muito mais isentar-se da sua condio promotora de
desenvolvimento do homem, no promovendo transformaes, mas sim reprodues da
ordem social vigente. Sobre isso, Facci (2004) explica que nessa sociedade capitalista ocorre a
desvalorizao da escola e do trabalho do professor, no possibilitando a socializao dosaber, capaz de desvendar as contradies dessa sociedade. Na verdade, no h interesse em
formar homens conscientes de suas condies de excluso social e de bens culturais.
Apoiamo-nos, tal como Saviani (2005), numa Educao Escolar que transmita os
conhecimentos historicamente e culturalmente produzidos e acumulados aos alunos. Vigotski
(1931/1996) acrescenta que a sistematizao e planejamento dos contedos na escola, onde
o professor transmite esses contedos cientficos aos alunos, que contribui para o
desenvolvimento das funes psicolgicas superiores dos mesmos, o que no possvel no
cotidiano, pois somente a escola favorece a pleno desenvolvimento do homem.
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
13/183
3
Mesmo a escola estando aqum do seu papel, acredita-se que ela fundamental para
a transformao social. Este estudo se apoia na luta por uma Educao de qualidade, mais
igualitria e transformadora. Vale esclarecer que a escola pode transformar a conscincia dos
alunos, mas para ocorrer uma transformao social necessrio que ocorra um processo e um
engajamento coletivo. A partir dessas discusses entendemos que a Psicologia, numa vertente
crtica, pode contribuir trazendo novas compreenses para a Educao acerca da
queixa/fracasso. Este estudo possibilita propor sugestes e reflexes com o objetivo de rever
alguns posicionamentos e mitos que pairam no mbito escolar, buscando alternativas e
mudanas, visando contribuir para o trabalho dos educadores, bem como para o sistema
educacional brasileiro.
Alm disso, entendemos que a teoria Histrico-Cultural, a qual embasa esta pesquisa,como uma teoria crtica da Psicologia, cujos pressupostos so revolucionrios acerca da
Educao, constitui-se em subsdio para a compreenso da realidade histrico-social, servindo
de norte terico e poltico para o trabalho do professor. Esta perspectiva delimita o papel da
Educao escolar, bem como do professor, acreditando que o desenvolvimento e a
aprendizagem permitem a humanizao dos indivduos. Assim, podemos dizer que a escola
deveria possuir esse compromisso, alm de ser um instrumento fundamental para promover a
transformao social. Contudo, essa transformao possvel quando a escola ensina oscontedos cientficos e favorece uma Educao numa viso crtica, transformando, dessa
forma, a conscincia dos indivduos, sendo estes capazes de modificar a realidade.
A organizao final deste trabalho foi assim estruturada: Captulo I Introduo;
Captulo II Mtodo; Captulo III Resultados e Discusses; Captulo IV Consideraes
Finais; Referncias e Anexos.
No Captulo I consta a Introduo, que se divide em quatro partes, nas quais foram
levantados os fundamentos tericos que nortearam a anlise e discusso dos resultadosobtidos. A primeira parte apresenta a organizao da sociedade atual, possuindo como norte o
Materialismo Histrico, que nos leva a compreender como o modo de produo vigente
organiza a sociedade e influencia a constituio do sujeito e suas relaes, bem como
determina a Educao Escolar. Assim, entendemos que a queixa escolar precisa ser analisada
no interior da sociedade que se desenvolve, partindo das condies sociais e econmicas de
uma determinada poca.
A segunda parte enfoca a produo do fracasso escolar no ensino pblico brasileiro,
bem como as atuais queixas escolares dos educadores para os profissionais de sade e sade
mental. Discutimos tambm como os psiclogos tm atuado diante dessas queixas, abordando
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
14/183
4
a necessidade de se trabalhar numa concepo crtica da Psicologia Escolar. Questionamos as
vrias abordagens tericas e as atuaes de profissionais que, ao longo da histria, vm se
embasando no vis de culpabilizao do indivduo, aluno ou do seu seio familiar,
patologizando os problemas escolares.
Na terceira parte, apresentamos como a Psicologia Histrico-Cultural entende o
papel da Educao escolar, bem como do professor, para ensinar os contedos cientficos
produzidos, historicamente, pela humanidade. Nesta perspectiva, o homem nasce dotado de
funes biolgicas, mas a interao com outros homens e a apropriao dos bens culturais,
inclusive pela escola, que vo favorecer o desenvolvimento das funes psicolgicas
superiores, o que implica no desenvolvimento do psiquismo como um todo. Tambm
discutimos como se d a relao entre aprendizagem e desenvolvimento e a formao dosconceitos espontneos e cientficos, segundo Vigotski (2000), para uma melhor compreenso
do processo de aprendizagem do aluno.
A quarta e ltima parte apresenta a necessidade de uma melhor formao profissional
dos educadores, fundamentalmente crtica e poltica, cuja teoria que a alicera valorize o
papel do educador e, ao mesmo tempo, possibilite questionamentos sobre a prtica e o
contexto histrico e social que influenciam a educao escolar, visando lutar por uma
Educao de qualidade e lembrando que a transformao no acontece por meio de umindivduo, mas atravs de uma luta coletiva. Por isso, acreditamos que a Psicologia Histrico-
Cultural pode servir de subsdio para a formao do professor, direcionando um trabalho
pedaggico que promova realmente aprendizagem e desenvolvimento aos alunos.
No Captulo II apresentamos o mtodo e procedimentos, constando a caracterizao
das escolas e a descrio dos participantes, alm dos materiais utilizados para a coleta de
dados.
No Captulo III esto demonstrados e discutidos os resultados dos dados obtidos,estruturados em nove tabelas, as quais foram escolhidas como meio para melhor visualizao
e anlise dos mesmos.
No Captulo IV encontram-se as consideraes finais. Em seguida, destacadas as
referncias bibliogrficas consultadas para a fundamentao do presente estudo e, finalmente,
os anexos.
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
15/183
5
1. INTRODUO
1.1Sociedade Contempornea e Excluso Social: Compreendendo os Fenmenos
Envolvidos na Educao Escolar
Neste item sero apresentados alguns apontamentos acerca das caractersticas da
sociedade atual, possuindo como norte o Materialismo Histrico, que nos leva a compreender
como o modo de produo vigente organiza a sociedade e influencia na constituio do
sujeito e suas relaes, bem como no modo que determina a Educao Escolar.
Para compreender os fenmenos envolvidos na Educao atual, mais
especificamente a queixa das dificuldades de aprendizagem e dos problemas decomportamento dos alunos, que vm provocando mal estar em educadores, alunos e pais, se
faz necessrio resgatar e contextualizar o perodo histrico e as caractersticas da sociedade na
qual estamos inseridos. Partimos, portanto, do pressuposto de que a Instituio Escolar
pertence a uma estrutura maior, que corresponde e funciona dentro de uma dinmica, de uma
lgica, de acordo com a cultura estabelecida na sociedade. Dessa forma, cultura entendida
como um:
[...] conjunto de caractersticas de uma sociedade, geradas nointer-relacionamento humano, preservadas, aprimoradas e
reproduzidas ao longo do tempo, em princpio, sem maiores
crticas. Ao se produzir cultura, portanto, produz-se educao
(Nagel, 2005, p.2).
Ao considerarmos os homens como produtores de cultura e educao, encontramos
na concepo Histrico-materialista um respaldo para compreendermos melhor esse homeme, por consequncia, a sociedade atual. Marx e Engels (1986) partem do pressuposto de que
o modo de produo, ou seja, so as formas de desenvolvimento da produo (organizao de
vida material), que so produzidas por meio das relaes sociais, que vo determinar as
formas de organizao social (famlia, educao, sociedade civil, classes sociais).
Seguindo esse raciocnio, os autores acima explicam que A produo das idias, de
representaes, da conscincia, est, de incio, diretamente entrelaada com a atividade
material e com o intercmbio material dos homens, como a linguagem da vida real (Marx &Engels,1986, p.36). Assim, O modo de produo da vida material condiciona o processo da
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
16/183
6
vida social, poltica e espiritual em geral. No a conscincia do homem que determina o seu
ser, mas, pelo contrrio, o seu ser social que determina a sua conscincia (Marx & Engels,
n.d, p.301).
Sobre isso, Bock (2000) expe que conforme o tempo vai passando e nossa
sociedade modificando-se, nossas concepes cientficas tambm vo sofrendo modificaes
(p.16). A autora complementa essa ideia da seguinte forma: conforme vamos mudando
nossas formas de vida, vamos transformando nossas formas de ser (p.16). Isso significa, de
acordo com a autora, que a nossa estrutura psquica se transforma ao longo do tempo, da
histria e a Cincia acompanha essa mudana, buscando novos estudos e conceituaes acerca
dela, ou seja, do prprio homem que est em constante mudana. Marx e Engels (1986, p.42;
43) contribuem com essa concepo de histria em movimento, enfatizando o seguinte:
[...] Desde o incio mostra-se, portanto, uma conexo
materialista dos homens entre si, condicionada pelas
necessidades e pelo modo de produo, conexo esta que to
antiga quanto os prprios homens e que toma,
incessantemente, novas formas e apresenta, portanto, uma
histria, sem que exista qualquer absurdo poltico ou religiosoque tambm mantenha os homens unidos.
Ressaltamos, de acordo com os mesmos autores, que as formas econmicas
produzidas pelos homens so entendidas como transitrias e histricas e, medida que o
homem transforma a sociedade, este transformado por ela, em um movimento dialtico.
Sintetizando, de acordo com o Materialismo Histrico-Dialtico, o modo de
produo que determina as formas de organizao social, bem como o mundo material queconstitui as nossas ideias e, ao mesmo tempo, atravs da ao recproca entre os homens que
a sociedade produzida. Deste modo, pensamos acerca das relaes que estamos produzindo
e, inclusive, sobre o tipo de Educao que estamos produzindo na sociedade capitalista.
Portanto, ao resgatar a histria e o momento histrico contemporneo, possvel ter uma
compreenso do fracasso escolar e das frequentes queixas acerca dos problemas de
aprendizagem e de comportamento dos alunos. Por isso, pretendemos nessa ocasio no
perder de vista a historicidade dos fatos, a qual envolve o movimento e as transformaes aolongo do tempo, para compreendermos melhor a construo da sociedade atual.
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
17/183
7
Sobre isso, Nagel (2005) explicita que frequente a tendncia de acharmos que as
caractersticas, comportamentos, relaes de nosso tempo sempre foram assim, e quando
temos essa impresso perdemos de vista a histria, o passado e deixamos de fazer uma
anlise das mudanas (e correlaes dos fatos histricos), de como e por que os
comportamentos e as relaes das pessoas esto com determinadas caractersticas hoje. Bock
(2000) acrescenta que tendemos a pensar no homem como um ser oculto realidade e
histria social que o constitui. Mas Nagel (2005) esclarece que quando buscamos entender,
por exemplo, por que estamos produzindo comportamentos indesejados, que antes no se
percebiam, a autora diz que se inicia uma reflexo sobre a educao.
Sobre esses comportamentos atuais indesejados, que tm marcado o homem
contemporneo, a autora acima destaca o elevado consumismo, mortes no trnsito, alto ndicede criminalidade, entre outros, alm dos indivduos contemporneos estarem enfrentado
conflitos domsticos, insucessos na escola, violncia urbana, aumento no consumo de drogas
etc. A mesma autora acrescenta que determinadas caractersticas evidenciam a nossa cultura
contempornea, sendo elas:
[...] a) a busca do prazer imediato, b) o descompromisso com o
outro, c) a falta de motivao para qualquer tipo de trabalho, d)a ausncia de perspectiva para si mesmo, ou a apatia diante de
seu futuro, e) a banalizao da morte, f) a indisponibilidade para
qualquer reflexo (Nagel, 2005, p.3).
J. F. Santos (1986) denomina essa cultura contempornea de ps-moderna e explica
que nela os estilos de vida so pautados no vazio e na ausncia de valores. O indivduo dessa
sociedade no se prende facilmente aos princpios religiosos, aliena-se quanto trajetriahistrica e entrega-se ao prazer presente, ao consumo e ao individualismo. Nagel (2005)
entende que esses comportamentos, que so tpicos da nossa poca, esto sendo resguardados
na defesa inconteste da liberdade para agir sem limites, sem normas (p.3).
Na realidade, esses comportamentos so fruto de toda uma transformao ocorrida
no modo de organizao de vida das pessoas, ou seja, o modo de produo que estrutura a
sociedade a economia, a poltica etc. O capitalismo, nesse caso, capaz, segundo Alencar
(2003), de influenciar a dinmica de vida das pessoas de modo to intenso, que altera osentimento, o pensamento, as aes, enfim a subjetividade das mesmas. Se fizermos uma
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
18/183
8
retomada histrica, carregamos desde o sculo XVII, com John Locke (1632-1704), por
exemplo, e outros filsofos do liberalismo, a nsia de lutar pela liberdade individual e por
aquilo que direito seu, seja a propriedade privada, ou aquilo que cada um consegue atravs
do trabalho.
Acerca disso, Arce (2002) explica que a burguesia, naquele perodo, comeava a
lutar por espao, por privilgios, buscava o poder poltico, expandir o mercado, ou seja,
buscava derrubar o regime feudal, opondo-se dominncia da nobreza e do clero. Isto porque,
o modo de produo feudal, dividido entre senhor e servo, como escreveu Bock (2000),
organizava uma hierarquia clara e estvel sem que houvesse possibilidade de mobilidade
social; o domnio era da aristocracia e do clero (p.19).
Assim, esta sociedade passou a ser substituda por outra que visava igualdade deoportunidades e liberdade para vender a fora de trabalho. O capitalismo surge ento nesse
bojo, com a burguesia detendo os meios de produo, visando o desenvolvimento do
mercado, com a defesa do homem livre e dotado de razo, construindo uma nova forma social
(Bock, 2000).
A tentativa da burguesia para derrubar o regime feudal teve um carter
revolucionrio, j que os burgueses enxergavam que os privilgios de uma determinada classe
social eram por questes sociais e no por meras consequncias naturais ou divinas. Noentanto, a luta pelos princpios de igualdade, liberdade e fraternidade permaneceu no plano
das ideias, pois no se concretizou na igualdade entre todos os homens. Assim, quando a
burguesia conquistou o poder, deixou de ser revolucionria e se tornou reacionria, ou seja,
seus interesses passaram a ser: manter a ordem existente e no mais buscar por uma
transformao social (Arce, 2002).
O incio daquelas conquistas revolucionrias impulsionou o desenvolvimento do
capitalismo, apoiado nos pressupostos liberais e, mais tarde, no modelo neoliberal. Alm daigualdade de oportunidades e a busca pela liberdade individual, advinda do liberalismo
clssico, no plano da economia o capitalismo associa democracia/equidade, por um lado, e
competitividade (mercado), por outro (Costa, 1995, p.68). Isso acaba gerando uma grande
contradio, pois sob relaes capitalistas, padres de desigualdade podem se ampliar em
processos de crescimento econmico (Costa, 1995, p.68), ficando assim complicado atingir a
democracia/equidade numa sociedade em que reina o modo de produo capitalista.
As transformaes no modo de produo e organizao social implicaram,
atualmente, como sugere Nagel (2005) ao descrever as caractersticas da atualidade, na
prtica da liberdade sem princpios reguladores, (n)o crescimento do individualismo de
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
19/183
9
carter narcisista, (n)a autonomia sem responsabilidade (p.5). Os indivduos apresentam
ainda comportamentos como: consecutivas depresses, estados de pnico, irritabilidade,
dficit de ateno, apatia, ausncia de motivao (Nagel, 2005, p.5). A autora ressalta que
essas caractersticas mencionadas fazem parte do cotidiano das pessoas, atingindo o mbito
escolar, do ensino fundamental ps-graduao.
Acerca da caracterstica individualista do homem, nesse momento histrico,
conforme viso de Nagel (2005), consideramos tambm a contribuio de Bock (2000), para
quem esta caracterstica advm da doutrina liberal, j que os homens so dotados de
liberdade, propriedade e segurana. O indivduo sendo dono de si depende dele as suas
escolhas; a responsabilidade e a capacidade para desenvolver os seus atributos
(potencialidades) para encontrar seu lugar na sociedade.O neoliberalismo d continuidade a essa ideia do preceito liberal, embasando
questes polticas, econmicas e filosficas dessa sociedade. Este iderio serviu para defender
os interesses das classes dominantes com o discurso de que oportunidades, no mbito social e
inclusive acadmico, existem para todos. Se os indivduos no conseguem xito em suas vidas
eles so culpabilizados por serem excludos do sistema (T. S. Santos, 2001). Os fracassos so,
ento, atribudos a problemas de carter individual, o que individualiza cada vez mais
questes que so sociais.Sendo assim, esta lgica do individualismo exacerbado diminui as condies que o
indivduo tem de compreender a totalidade, compreenso esta indispensvel para superar a
conscincia alienada e imobilizadora que defende uma viso parcial, individualizando
problemas que tambm so de ordem social (Eidt & Ferracioli, 2007). Eidt (2004)
complementa que o neoliberalismo estimula o entendimento das questes sociais de forma
naturalizada, ou seja, no faz ligao com o contexto histrico em que so produzidas, no
passando de uma ideologia.As concepes liberais foram readaptadas no modelo neoliberal e, segundo Mancebo
(2002), este se firmou em finais dos anos 60, do sculo XX, como alternativa crise
econmica do mundo capitalista, tendo como princpio bsico o mercado competitivo. Nessas
circunstncias, tornou-se necessrio limitar a interveno estatal implantando, inclusive,
privatizaes, e racionalizar o governo (Estado mnimo). O neoliberalismo restabeleceu a
hegemonia burguesa trazendo implicaes no s para a vida econmica, mas tambm para
as diversas relaes que se estabelecem entre os homens (Mancebo, 2002, p. 106).
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
20/183
10
Sobre isso, Mancebo (2002, p.107) expe que:
[...] A lgica do mercado apresenta-se, ento, como a funo
estruturadora das relaes sociais e polticas, comportando um
vis de interpretao dos homens marcadamente utilitarista,
segundo a qual a motivao dos comportamentos humanos
pauta-se por um utilitarismo individual.
Alm disso, T. S. Santos (2001, p.186) acrescenta que o modelo hegemnico
neoliberal vem para assegurar o desempenho do sistema capitalista e tem como consequncias
principais:
[...] a reduo do poder do Estado, privatizaes, abertura s
importaes, endividamento externo, polticas fiscais favorveis
s multinacionais, aumento do desemprego, reduo de salrios
e gastos sociais, enfraquecimento dos sindicatos e limitao das
garantias trabalhistas.
O mesmo autor expe que as medidas neoliberais resguardam o avano do mercado
mundial juntamente com a explorao da fora de trabalho, aumentando cada vez mais o
domnio de grupos hegemnicos. Esse domnio leva a contrastes sociais cada vez maiores,
separados em dois polos: pobreza e riqueza. Assim, o processo de acumulao,
concentrao, centralizao e internacionalizao do capital, que se constitui a prpria
essncia do sistema capitalista, leva a uma crescente polarizao (T. S. Santos, 2001, p.180).
Alm disso, a fora de trabalho que deveria libertar o homem acaba oprimindo-o em precrias
condies de trabalho ou at na contradio de um desemprego estrutural.
Para ampliar o entendimento do modo de produo capitalista, de acordo com T. S.
Santos (2001, p.178), a teoria marxista nos ajuda a entender que esse sistema:
[...] se desenvolve atravs da acumulao de capital e que a
reproduo do sistema exige a busca permanente da mais-valia e
lucro. As relaes de explorao foram caracterizadas como o
principal fator explicativo da origem do valor e tambm como
mola propulsora da crescente desigualdade e excluso.
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
21/183
11
O autor supracitado explica que a maior contradio do nosso sistema a crescente
acumulao de riquezas, enquanto h um empobrecimento cada vez maior de grande parte da
populao que no pertence ao grupo dominante. Acrescenta ainda que as polticas neoliberaiscolocam em risco os regimes democrticos, incidindo negativamente na qualidade de vida da
maioria das pessoas.
Ao mesmo tempo em que existe o discurso de oportunidades e direitos iguais para
todos, garantidos pelas leis e luta pela democracia, novas formas de excluso passam a
vigorar. O que ocorre que muitas pessoas no so includas de modo digno na sociedade,
pois grande parte da populao inserida sem as mnimas condies de sobrevivncia. H
pouco ou nenhum acesso sade, educao, lazer, trabalho etc, (Sawaia, 2006). Sobre isso,Glria (2002, p.210) complementa afirmando o seguinte:
[...] a garantia dos direitos sociais (educao, sade, moradia
etc) implica num alto custo financeiro, o qual o Estado
democrtico tem assumido muito mais no papel (refere-se aqui
lei, expresso mais manifesta do direito) do que efetivamente na
prtica cotidiana.
Sawaia (2006) defende que a nossa sociedade utiliza-se de artimanhas para excluir
e manter a desigualdade social dos indivduos, pois diversos processos perversos fazem
parecer o excludo como participante/includo na esfera social. Refora a autora que, na
sociedade atual, h uma falsa ideia de incluso, uma vez que, ao menos aparentemente,
estamos todos inseridos. No entanto, nem sempre essa incluso ocorre efetivamente. Salienta
a respeito do processo de excluso/incluso que este um mecanismo social e histrico, e que
tem se naturalizado. Wanderley (2006, p.23) explica isso da seguinte forma:
[...] A naturalizao do fenmeno da excluso e o papel do
estigma servem para explicitar, especificamente no caso da
sociedade brasileira, a natureza da incidncia dos mecanismos
que promovem o ciclo de reproduo da excluso, representado
pela aceitao tanto ao nvel social, como do prprio excludo,
expressas em afirmaes como isso assim e no h nada parafazer.
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
22/183
12
Nunca se ouviu falar tanto em incluso como nos dias de hoje, o que bastante
sintomtico, j que s se fala em incluso quando existe o seu oposto: a excluso. Esta, por
sua vez, ocorre porque vivemos em uma sociedade organizada no modo de produo
capitalista, pautada numa acirrada desigualdade social, desigualdade esta atrelada excluso
de uma maioria da populao. Sobre isso, T. S. Santos (2001) afirma que as contradies da
acumulao capitalista so o que gera a excluso social. Sawaia (2006) aponta ento que em
lugar da excluso, o que se tem a dialtica excluso/incluso (p.8).
Ainda de acordo com a autora, a excluso parte constitutiva da incluso, e o
excludo mantido como parte integrante da sociedade. Nas palavras de Sawaia (2006): O
pobre constantemente includo, por mediaes de diferentes ordens, no n que o exclui,gerando o sentimento de culpa individual pela excluso (p.9). Para a autora, esse processo
excluso/incluso o que mantm o funcionamento do sistema, de acordo com a lgica do
capital. A incluso na nossa sociedade se configura em uma incluso perversa, j que a
excluso disfarada de incluso que mantm a ordem social.
Assim, falar em democracia nessa sociedade organizada nos princpios da
desigualdade social, econmica e poltica se torna contraditrio, pois exatamente a
desigualdade e a excluso que mantm e reproduzem a lgica de funcionamento do modocomo se organiza nossa sociedade (Wanderley, 2006).
Segundo Tessaro (2005), vivemos em uma sociedade excludente e de excludos, da
qual se excluem todos aqueles que se distanciam dos padres e das regras socialmente
construdas como normais (p.58). Por isso, h uma contradio quando em uma sociedade
organizada desse modo apresentamos, segundo Eidt (2004), uma prtica de normatizao dos
comportamentos desviantes. Busca-se, desesperadamente, a adaptao aos padres
estabelecidos, inclusive atravs da difuso da medicalizao, que acaba alcanando ainda umstatus cientfico.
Assim, busca-se uma normatizao dos comportamentos desviantes sem levar em
conta a sociedade excludente que estamos produzindo. Zucoloto (2007) aponta que o processo
de medicalizao no mbito escolar, ou melhor, medicalizar o fracasso escolar caracteriza-se
por interpretar o desempenho escolar do aluno que contraria aquilo que a instituio espera
dele em termos de comportamento ou de rendimento como sintoma de uma doena localizada
no indivduo, cujas causas devem ser diagnosticadas (p.2).
Collares e Moyss (1996) tambm falam acerca da prtica da medicalizao do
fracasso escolar, enfocando a excluso das crianas e adolescentes que frequentam a escola
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
23/183
13
pblica brasileira. Resultados de suas pesquisas evidenciam, na escola pblica, a produo da
impossibilidade de escolarizao dos alunos pobres, desmistificando explicaes dos
educadores acerca do fracasso escolar, explicaes estas marcadas pela relao
preconceituosa que muitos educadores estabelecem com as crianas e suas famlias.
As autoras acima relatam que no discurso dos educadores transparece que estamos
diante de um sistema educacional perfeito, no qual as crianas no aprendem porque so
pobres, negras, imaturas, preguiosas, os pais trabalham fora e no ensinam seus filhos, so
alcolatras, analfabetos. Diante desses preconceitos, evidencia-se um processo chamado
biologizao, que traz para planos individuais as questes que so do mbito social.
Collares e Moyss (1996) enfatizam que no processo de biologizao desloca-se o
eixo de uma discusso poltico-pedaggica para causas e solues pretensamente mdicas,portanto, inacessveis Educao (p. 28). E a isso se deu o nome de medicalizao do
processo ensino-aprendizagem. Outra expresso que passou a ser utilizada a patologizao
do processo-ensino aprendizagem, j que diversos profissionais da rea da sade tm sido
envolvidos em trabalhos com crianas que apresentam dificuldades de aprendizagem.
Assim, para estas autoras, na viso da escola a justificativa pelo fracasso escolar
passa a ser a clientela inadequada, ou seja, responsabilizam-se as crianas pelo no
aprender, alm de transformarem crianas normais em crianas doentes. As mesmas discutema situao das crianas normais que, com o passar do tempo, vo se tornando doentes. At o
momento, em que, a sim, j precisam de uma ateno especializada. No pelo fracasso
escolar, mas pelo estigma com que vivem (Collares & Moyss, 1996, p.226; 227). So
crianas que precisam de tratamento psicolgico para que reconquistem sua normalidade, da
qual foram privadas (Collares & Moyss, 1996, p.227).
Tambm no mbito escolar, tem sido muito difundida a expresso distrbios de
aprendizagem. Como nos ensina Collares e Moyss (1992), pela etiologia da palavra issosignifica uma anormalidade patolgica por alterao violenta na ordem natural de
aprendizagem (p.31). O uso dessa expresso, atualmente em moda, compreendido como
sendo um problema individual, orgnico, localizado no aluno. No entanto, essas autoras
questionam a existncia desses distrbios pela falta de comprovao cientfica, devido
inexistncia de diagnsticos claros acerca dessas pretensas disfunes neurolgicas. Desse
modo, efetuam-se os processos de biologizao e patologizao da aprendizagem, nos quais
individualizam-se questes sociais e educacionais e escamoteiam os determinantes polticos
e pedaggicos do fracasso escolar, isentando de responsabilidades o sistema social vigente e a
instituio escolar nele inserida (Collares & Moyss, p.32).
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
24/183
14
Outro termo que tem sido bastante disseminado o Transtorno de Dficit de Ateno
e Hiperatividade (TDAH). Eidt (2004) chama a ateno para o nmero cada vez maior de
crianas que tm sido encaminhadas aos postos de atendimento com queixa de dficit de
ateno e hiperatividade. Eidt e Tuleski (2007a) salientam que um dos caminhos para se
contrapor a esse elevado nmero de queixas escolares e diagnsticos de TDAH
compreender a forma como a sociedade est organizada neste incio do sculo XXI,
especialmente quando se considera que esta (sociedade) criada pelo prprio homem.
Para Eidt (2004), as explicaes cientficas e os encaminhamentos dados a
comportamentos desatentos, hiperativos e impulsivos se devem ao fato de que os indivduos
que apresentam esses comportamentos so vistos como deslocados da sociedade, o que mostra
uma viso naturalizante, individual e biologicista dos casos. Isso no significa que no podehaver componentes biolgicos relacionados ao TDAH, mas o elevado nmero de diagnsticos
desse transtorno (segundo a Associao Americana de Psiquiatria este afeta de 3 a 5% das
crianas em idade escolar), no pode ser justificado por esse nico fator.
A mesma autora salienta que preciso levar em considerao o momento histrico que
vivemos e as inadequaes no processo ensino-aprendizagem para o aparecimento de
comportamentos desatentos, hiperativos e impulsivos. Nas palavras da autora, h: a
possibilidade destes sintomas serem produto de um contexto escolar e social (Eidt, 2004,p.154). Sendo assim, vale pontuar as caractersticas da sociedade atual que favorecem a
manifestao desses comportamentos, to em voga na atualidade, como o imediatismo, a
permissividade educativa, a execuo de vrias atividades ao mesmo tempo.
Por isso, nos apoiamos no estudo da Psicologia em uma perspectiva histrica,
tomando como base a explicao de Leontiev (1987), para quem as caractersticas
especificamente humanas no so transmitidas somente por hereditariedade biolgica, mas,
acima de tudo, transmitidas de gerao em gerao, sendo que no processo de apropriao dacultura humana que se d a formao do homem enquanto ser social.
Deste modo, Eidt (2004, p.24) considera o seguinte:
[...] Se o desenvolvimento do psiquismo humano depende desta
apropriao cultural para que o homem se humanize, entende-se
que os transtornos mentais e de comportamento devam ser
pensados luz das relaes estabelecidas nesta sociedade.
Somente uma anlise que supere a dicotomia indivduo-
sociedade, compreendendo ambos em constante relao
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
25/183
15
dialtica, possibilita a apreenso do fenmeno em questo em
sua totalidade.
Ao compreendermos o desenvolvimento humano a partir de um referencial histrico e
adotarmos o mtodo materialista-histrico de anlise dos fenmenos psicolgicos, possvel
sair do mbito da viso hegemnica, biologizante ou das discusses simplistas e superficiais
em torno do TDAH e/ou dos problemas escolares. Essas discusses vm colaborando com a
excluso e estigmatizao de crianas diagnosticadas com este transtorno ou com distrbios
de aprendizagem e as medidas tomadas continuam disseminando o mito de que o problema
est no indivduo, retirando quaisquer consideraes acerca dos contextos pedaggicos e das
influncias da sociedade, inerentes produo desses comportamentos.
importante ressaltar o estudo realizado por Patto (1990), envolvendo tambm essas
ideologias produzidas no interior da escola. A autora buscou compreender os altos ndices de
repetncia e evaso na escola pblica de primeiro grau. Para tanto, acompanhou quatro
crianas multirrepetentes das camadas populares e realizou observaes e/ou entrevistas
formais e informais em vrios contextos (escola, casa e bairro dessas crianas moradoras da
periferia de So Paulo), com todos os envolvidos no processo educativo (famlia, educadores,
alunos). Junto a isso, fez uma anlise crtica da literatura quanto s causas das desigualdadeseducacionais e uma anlise histrica acerca das concepes sobre o fracasso escolar.
A autora acima constatou que a escola se apresenta inadequada s necessidades dos
alunos das classes populares, excluindo os mesmos de seu interior. Alm disso, apresenta-se
inadequada por sua m qualidade, ao isentar-se da sua tarefa bsica de alfabetizar. Aquino
(1998) tambm fala dessa crise da educao, que paira no Brasil, reconhecida por todos e
nomeada de fracasso escolar, em que grande parte da populao inserida na escola no
consegue completar a jornada escolar de oito anos mnimos e obrigatrios. Tanamachi eMeira (2003) apontam, atravs de pesquisas sobre o processo de escolarizao no Brasil, que
a impossibilidade de constituio da condio humana pela via da educao formal ainda
uma realidade em nosso pas (p. 13).
A excluso ou expulso, mesmo, dos alunos, pela evaso ou permanncia na escola
sem concretizar aprendizagem e os altos ndices de analfabetismo evidenciam que a escola
no tem sido para todos, como se prope, mas para uma minoria da populao. Essa a
Educao que estamos produzindo dentro da nossa sociedade capitalista, de classes. A escolano tem sido um direito de todos, como sugerem as leis.
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
26/183
16
Acerca disso, Arajo (2005), ao estudar os posicionamentos presentes na obra
marxiana, a respeito da Educao pblica, complementa que Marx se pauta na defesa da
escola pblica que negue privilgios e monoplios por parte de uma classe (p.54; 55). Desse
modo, aponta a necessidade de superar essa Educao em que a apropriao do conhecimento
privilgio de uma classe e restrita para a classe trabalhadora e, visando democratizao do
saber, coloca que as instituies escolares devem se tornar instrumentos viveis para a
transformao da sociedade capitalista. Outra contribuio do mtodo materialista-histrico
entender que as queixas e o fracasso escolar so uma manifestao histrica, que escancara
como as atuais relaes materiais esto determinando a Educao.
1.2A queixa/fracasso escolar e a atuao do Psiclogo: alguns apontamentos
O tpico anterior abrangeu brevemente o momento atual da sociedade e da Educao
no Brasil. No presente, a finalidade enfocar o fracasso escolar, bem como a queixa escolar
de educadores acerca das dificuldades de aprendizagem e problemas de comportamento dos
alunos. Alm disso, discutimos como os psiclogos tm atuado diante da queixa escolar,
abordando a necessidade de se trabalhar numa concepo crtica da Psicologia Escolar,enxergando o fracasso e a queixa escolar nas condies histrico-sociais, considerando que
vivemos em uma sociedade caracterizada por desigualdades sociais e econmicas entre
grupos e classes.
Na histria da Educao brasileira, Eidt e Tuleski (2007b) afirmam que so
significativos os ndices de evaso e repetncia escolar, enfatizando a excluso e a
seletividade dos alunos no processo de escolarizao. Outro fato relevante na Educao a
tendncia democratizao do acesso escola em termos de aumento no nmero de vagas,mas no em termos de escolarizao. Por escolarizao entende-se o direito de aprender os
contedos cientficos, sem que haja ndices expressivos de defasagem/repetncia ou evaso na
escola. De acordo com Moyss (2001), as crianas apenas possuem o acesso escola, mas o
direito de todas aprenderem a elas ainda no foi efetivado. A escola se apresenta, assim,
excludente e fracassada na sua funo de ensinar e proporcionar desenvolvimento e
aprendizagem aos indivduos.
Vale ressaltar aqui a situao da realidade presente no contexto escolar, j que, diante
dos resultados desastrosos que tm aparecido dentro das salas de aula, o processo ensino-
aprendizagem tem sido um grande desafio. Os grandes problemas a serem enfrentados tm
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
27/183
17
sido superar a defasagem de aprendizagem das crianas que, muitas vezes, j estiveram no
mnimo quatro anos na escola e ainda no aprenderam a ler, escrever e calcular. Para ilustrar
melhor, de acordo com B.P. Souza (2007), os resultados que o INEP1nos fornece, do SAEB2
de 2003 (avaliaes nacionais que informam o desempenho acadmico dos alunos, em Lngua
Portuguesa e Matemtica), mostram que menos de 5% dos estudantes da 4 srie esto
adequadamente alfabetizados para a srie, sendo que quase 19% so, provavelmente,
analfabetos (B.P. Souza, 1997, p.243). Essa autora tambm relata que somente 27% das
crianas que estudam em escolas pblicas no Brasil concluem o ensino fundamental, o que
evidencia um alto ndice de evaso escolar.
Dados do IDEB3 tambm revelam os resultados da taxa de rendimento escolar
(aprovao e evaso) e o desempenho dos alunos no SAEB e na Prova Brasil. Em 2007,incluindo todas as escolas brasileiras (pblica, federal, estadual, municipal, privada), a mdia
(escala de zero a dez) para as sries iniciais do Ensino Fundamental foi de 4,2. Para as ltimas
sries do Ensino fundamental a mdia foi de 3,8 e no Ensino Mdio 3,5. Esses dados revelam
como o ensino em nosso pas ainda se apresenta deficitrio e de m qualidade. Alm disso, os
nmeros ainda so muito inferiores aos dos pases desenvolvidos, que apresentam mdia 6,0.
Desde a dcada de 80, do sculo passado, esses problemas de evaso e repetncia
passaram a ser estudados no Brasil. Patto (1990) foi uma das pesquisadoras que buscoucompreender por que os problemas educacionais (evaso e reprovao) persistiam, pois, desde
antes desse perodo, a realidade brasileira j se deparava com um grande nmero de crianas
em idade escolar que se apresentava fora da escola, no porque nunca tivessem tido acesso
aos bancos escolares, mas porque muitas j haviam sido eliminadas j nos primeiros anos de
escolarizao4.
Esta autora realizou uma reviso crtica da literatura, procurando desmistificar teorias
que justificavam as causas do fracasso escolar individualizando a problemtica,estigmatizando e excluindo os alunos da escola. poca, a no aprendizagem dos alunos era
explicada pela desnutrio dos mesmos, por apresentarem distrbios de ordem neurolgica ou
incapacidades individuais, pela falta de estmulos em casa etc, responsabilizando os alunos ou
1Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeirahttp://www.inep.gov.br/download/saeb/2004/resultados/BRASIL.pdf2Sistema Nacional de Avaliao da Educao Bsica (SAEB).3ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica (IDEB) foi criado pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos ePesquisas Educacionais Ansio Teixeira), em 2007, como parte do Plano de Desenvolvimento da Educao
(PDE).http://ideb.inep.gov.br/Site/4Hoje se estima que 95% das crianas freqentam as escolas, mas a defasagem/repetncia e a evaso ainda soos fatores que preocupam a situao das escolas brasileiras, alm de ser discutido a qualidade desse ensino.
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
28/183
18
suas famlias pelo fracasso escolar. Nessa perspectiva, o aprendizado dos alunos concebido
como mrito individual, relacionado com a capacidade orgnica, biolgica de cada criana.
Esse modo de pensar o fracasso escolar, alm de reducionista, legitima a excluso
dos alunos das camadas populares, pois, segundo Patto (1990), sobre eles pesa o preconceito
por serem negros e pobres, persistindo a crena de que no possuem capacidade para aprender
os contedos escolares. Para esta autora, a escola ensina segundo modelos adequados
aprendizagem de um aluno ideal(p.340) e, quando se depara com alunos que no aprendem
segundo esses modelos, atribui os problemas de aprendizagem s disfunes
psiconeurolgicas.
Moyss (2001) tambm realizou uma pesquisa envolvendo nove escolas municipais
de Campinas em que diretores, quarenta professores de primeira srie e dezenoveprofissionais de sade participaram, com o intuito de relatar suas concepes acerca do
fracasso escolar e processo ensino-aprendizagem. Os resultados revelaram que todos os
participantes justificam o fracasso escolar como sendo resultado de fracassos individuais. No
entanto, a pesquisa aponta que de setenta e cinco crianas com dificuldade de aprendizagem,
submetidas avaliao cognitiva, apenas quatro apresentavam necessidade de ateno
especializada. Vale deixar claro que essas crianas se tornaram doentes, ou seja, incorporaram
o estigma de doente/incapaz a elas imputado, deixando de ser apenas crianas normaisestigmatizadas. O atendimento psicolgico se tornou, ento, necessrio para tentar recuperar a
normalidade perdida.
Sobre o aprendizado dos alunos ser concebido como capacidade individual, vale
mencionar a anlise de Moll (1996) acerca das trs abordagens que justificam o fracasso da
escola pblica de modo muito simplista e reprodutivista, as quais colaboram para a
manuteno da classe social vigente. So teorias reacionrias que influenciam o cenrio
educacional brasileiro corroborando com a excluso, com o estigma e o preconceito dascamadas populares.
A primeira abordagem, a psicologicista, explica o fracasso escolar na perspectiva de
que a criana no aprende porque nela h algum problema neurolgico, dficit mental-
intelectual, afetivo, motor ou sensorial. Essa abordagem menospreza as capacidades
cognitivas dos alunos das camadas populares que, muitas vezes, por uma defasagem na
aprendizagem acabam no atingindo o nvel esperado nos testes psicolgicos, carregando
assim um rtulo de fracasso. O aluno passa a ser o culpado pelo fracasso escolar (Moll, 1996).
B.P. Souza (2007) complementa que essa concepo ainda frequente entre
psiclogos e professores, que explicam o no aprendizado na escola devido a problemas
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
29/183
19
emocionais nas crianas. Esta autora explica que os psicodiagnsticos partem da hiptese de
que o problema da criana emocional e depois legitimam essa hiptese inicial atravs de um
conjunto de avaliaes. A autora esclarece que acreditar nisso desconhecer a importncia
das relaes institucionais na produo dos problemas de aprendizagem. Assim, a mesma
sintetiza:
[...] Embora a queixa seja a dificuldade na leitura e na escrita,
todo o encaminhamento feito pelo psicodiagnstico e
atendimento psicoterpico centra-se em aspectos emocionais,
acreditando-se que ao modificar a sua relao com sua me ou
conseguir lidar melhor com seus conflitos internos, essacriana melhorar a sua performance escolar (B.P. Souza, 2007,
p.50).
Para a autora, essa ideia no passa de uma crena e isso significa que os profissionais
esto tendo uma formao limitada. Existe a uma lacuna em sua formao que os faz carem
nessa armadilha de explicar um problema de mbito educacional e social restringindo-o a
fatores emocionais, individuais do aluno.
Na segunda abordagem, a biologicista, Moll (1996) explica a viso medicalizada do
fracasso escolar, atravs da qual se buscam causas biolgicas e respostas mdicas para uma
questo social e educacional (p.41). Aqui entram em cena, novamente, os testes, mas dessa
vez o exame neurolgico evolutivo, que estabelece escalas medidoras de padres de
desenvolvimento neurolgico normais. Esta autora alerta que estudos comprovam que as
crianas da classe popular possuem um desempenho melhor em situaes do cotidiano
quando comparadas ao desempenho nas situaes de testagens (exame neurolgico
evolutivo), o que significa que, embora nos testes a criana demonstre algum dficit
cognitivo, no dia-a-dia seu desempenho dentro do esperado. Alm disso, a perspectiva que
defendia a desnutrio como explicao para a no aprendizagem tambm foi
desmistificada, j que no h pesquisas que apoiem essa ideia, pautada no senso comum.
A ltima abordagem, de acordo com Moll (1996), a culturalista: Teoria da
deficincia cultural ou Teoria da carncia cultural. Esta explicada por Patto (1997) como
uma noo naturalizada de diferenas individuais e grupais de capacidade psquica, crena
sustentada pela burguesia que, dependendo da aptido natural, distribui as pessoas em
determinados lugares sociais, sustentando a ideologia necessria para a reproduo das
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
30/183
20
sociedades capitalistas. Moll (1996) complementa que essa teoria centra-se na explicao de
que o ambiente sociocultural desfavorecido o que interfere negativamente no desempenho
escolar dos alunos. Ao mesmo tempo, valoriza a cultura das classes privilegiadas
economicamente em detrimento da cultura das classes menos favorecidas, no analisando a
estrutura social como responsvel pela desigualdade, pelo contrrio, naturalizando essa
condio e colocando como modelo padres de comportamento das classes dominantes.
Com isso, ao logo da histria, vrias abordagens tericas tm sido construdas por
esse vis de culpabilizao do indivduo, aluno ou do seu seio familiar, patologizando os
problemas escolares. Essas abordagens defendem a existncia de distrbios de aprendizagem
nos alunos com problemas de escolarizao, mas M.P.R. Souza (2000) alerta que antes de
levantarmos a hiptese de distrbio de aprendizagem em alguma criana devem serlevantadas todas as informaes e anlises dentro da escola onde a queixa produzida. Dessa
forma, Eidt e Tuleski (2007b) afirmam que as dificuldades de aprendizagem podem ser
revertidas, por serem produzidas no processo ensino-aprendizagem e no relacionadas a
disfunes do sistema nervoso central (SNC), tal qual sugerem as definies de distrbios de
aprendizagem.
As autoras garantem ainda que grande parte da produo cientfica atual acerca dos
problemas de escolarizao tem centrado suas anlises, unicamente, nas caractersticasindividuais - tomadas como naturalmente patolgicas (Eidt & Tuleski, 2007b, p.538). Essa
leitura desconsidera as condies sociais e econmicas de uma determinada organizao
social e de um determinado perodo histrico para a ocorrncia do fenmeno, reduzindo-o ao
indivduo, destituindo as relaes complexas que envolvem o mesmo.
Sobre esse fato, estudos realizados no projeto em andamento, intitulado:
Fracasso/Queixa escolar e a Psicologia Histrico-Cultural: um estudo exploratrio, pela
UEM, nos quais se verificam produes cientficas que compreendem desde o incio dadcada de oitenta at 2007, acerca do fracasso e queixa escolar, tm revelado o mesmo que as
autoras acima garantem. Autores como Pacheco e Sisto (2005), Santos e Marturano (1999),
Suehiro (2006), Molina e Del Prette (2006), entre outros, demonstram em suas pesquisas uma
postura no crtica acerca dos problemas de escolarizao, enfatizando que algo com o aluno,
com sua famlia ou com o professor no vai bem, por isso ocorrem as dificuldades de
aprendizagem. No realizam uma leitura ou no trazem contribuies envolvendo a
complexidade social. A impresso passada pelos artigos a de que, se forem promovidas
condies para superar um determinado aspecto (por exemplo: desenvolver habilidades
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
31/183
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
32/183
22
alm da observao de fenmenos quantificveis do
enquadramento e da classificao.
Muitos so os motivos apontados pelos educadores como responsveis pelo fracasso
escolar, sendo o mais polmico deles o apontamento do aluno-problema, apresentado como
portador de distrbios psico-pedaggicos, os quais podem ser de ordem cognitiva
(aprendizagem) ou comportamental (indisciplina). Com isso, acaba-se colocando o prprio
aluno como obstculo para o trabalho docente, culpabilizando-o, assim, pelo fracasso escolar,
como se isso fizesse algum sentido (Aquino, 1998).
Dessa forma, isenta-se o profissional da educao da responsabilidade e da
necessidade de uma maior reflexo sobre sua prtica, uma vez que no se pode fazer nadacom alunos-problema. Aquino (1998) prope repensar nossos posicionamentos, rever
algumas supostas verdades, sem cair na armadilha de apenas buscar justificativas para as
causas do fracasso escolar, mas sim buscando alternativas e mudanas no trabalho cotidiano.
Alm disso, Boarini (1998), assim como M.P.R. Souza et al. (1993), nos incita a
pensar os problemas de aprendizagem e de comportamento do aluno sobre outra tica, que
deslocar essa questo para o universo da escola, onde essa problemtica produzida. M.P.R.
Souza et al. (1993) apresentam suas prticas no interior da escola, vivenciadas enquantopsiclogas, mostrando que os psiclogos e professores tm crenas e valores a respeito do
processo educacional e preciso problematiz-las, explicit-las, buscar suas concepes
(p.28).
Nesse aspecto, as mesmas autoras apontam que muitas crenas dos professores e
psiclogos tm origem no prprio curso de formao e no cotidiano escolar e social. So
explicaes e teorias acerca do fracasso escolar, como, por exemplo, a teoria da carncia
cultural, j explicada acima. Dessa forma, M.P.R. Souza et al. (1993) enfatizam anecessidade de se fazer a crtica dessas concepes para darmos um passo adiante no sentido
de rever as nossas prticas psicolgicas diante da queixa escolar (p.28). Acrescentamos aqui
a necessidade dos educadores tambm reverem suas prticas e fazerem crticas de concepes
a respeito da queixa escolar.
M.P.R. Souza et al.(1993, p.29) acrescentam ainda que:
[...] Pensar o comoas relaes se estruturam e se modificam
buscar a histria, recuper-la a partir de seus diversos
protagonistas; buscar com os professores e alunos as suas
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
33/183
23
diferentes verses sobre o processo de aprendizagem, poder
contrapor as diferentes verses e concepes existentes entre os
prprios professores, em relao s prticas veiculadas no dia-a-
dia da escola.
Alm de considerar as relaes que se estabelecem no interior dessas instituies,
cabe ainda, segundo Boarini (1998), entendermos que essas questes devem ser
contextualizadas, uma vez que so produtos das contradies sociais dessa sociedade de
classes em que vivemos. Ou seja, a crise das instituies pblicas , sobretudo, determinada
pela crise histrica da sociedade capitalista (Boarini, 1998, p.25). Ainda segundo a autora,
vivemos um perodo em que o homem contemporneo coloca os interesses individuais,particulares, acima dos interesses coletivos. Nesse contexto, sendo a escola um espao
pblico, acaba desvalorizada, fragilizada, pois no h mais respeito ao que do outro ou de
todos, o coletivo perdeu a dignidade, e o que tem valor so as propriedades individuais.
Partindo dessa afirmao, este estudo elege ampliar esta discusso, iniciando pelo
seguinte questionamento: ser que podemos dizer que a crise no somente das instituies
pblicas, mas da Educao brasileira como um todo, atingindo a Instituio privada? Boarini
(1998) assegura que os problemas de comportamento e a indisciplina escolar no ocorremapenas na escola pblica, mas atingem tambm a escola privada. Mas, e as dificuldades de
aprendizagem, tambm tm sido produzidas no interior das escolas privadas?
Boarini (1998) nos esclarece que os problemas de comportamento e as dificuldades
de aprendizagem so questes histrico-sociais, mais especificamente falando, que a
disciplina e a indisciplina no so categorias lineares, estanques. No so exclusivamente
reaes comportamentais de um indivduo em particular, mas o resultado de uma produo
social, datado historicamente. (p. 16).
Acerca dos comportamentos dos alunos em sala de aula, Meira (2003) relata que,
alm das queixas relacionadas s dificuldades e problemas de aprendizagem de contedo,
agresses, indisciplina, atitudes violentas e desrespeito a professores e funcionrios,
atualmente, tm se tornado a principal queixa das escolas em relao a seus alunos (p.24). A
autora considera que para discutir essa questo necessria uma anlise das relaes sociais
no contexto das escolas.
A mesma autora pontua que h correlao entre a qualidade das prticas pedaggicas
e os diferentes tipos de relaes interpessoais estabelecidos entre professor e aluno, em sala de
aula. Quando as relaes estabelecidas na escola favorecem a autonomia, e professores e
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
34/183
24
alunos possuem conscincia das relaes, possvel construir respeito, solidariedade e
cooperao recprocos. Mas se, ao contrrio, a relao estabelecida for de alienao e
subalternidade, medidas de controle e punio so acionadas, dificultando estabelecer regras e
normas coletivas, levando ao autoritarismo/abandono de autoridade, gerando um clima de
ameaa, agressividade/apatia, violncia, indisciplina. Dessa forma, as relaes interpessoais
precisam ser construdas de modo intencional e no espontneo.
Na opinio de Boarini (1998), ao se discutir o aluno indisciplinado preciso
relacion-lo ao contexto da sociedade, da escola e da famlia atual. A autora relata que a
maioria dos educadores anseia por um aluno naturalmente disciplinado quando, na verdade,
a disciplina deve ir sendo construda no dia-a-dia da sala, para que as atividades educativas
possam acontecer. Assim, fundamental questionar a escola, a sociedade e o conceito dedisciplina, pois esta no deve ser rgida e padronizada a ponto de tolher a criatividade e a
autonomia dos alunos.
Diante dos apontamentos acima, acerca dos problemas escolares (indisciplina,
dificuldade de aprendizagem) e das teorias e concepes que envolvem essa problemtica,
importante refletir a influncia dessas tendncias tericas na atuao do psiclogo em relao
queixa/fracasso escolar. Meira e Antunes (2003) mencionam que a Psicologia Escolar
passou a ser reduzida a uma Psicologia do Escolar, desconsiderando a realidade social eeducacional, alm de perpetuar a tendncia histrica de se colocar a servio da manuteno da
estrutura tradicional da escola e da ordem social na qual a mesma est inserida.
Acrescenta-se aqui que essa prtica profissional, em especfico a dos Psiclogos, tem
sido influenciada e apoiada pelas produes cientficas atuais mais disseminadas, tal como as
discutidas acima, na pgina 20, as quais centram suas anlises, unicamente, nas caractersticas
individuais tomadas, muitas vezes, como naturalmente patolgicas.
As autoras acima entendem que a Educao tem sido um campo de atuao dospsiclogos. No entanto, ainda no reunimos elementos terico-metodolgicos suficientes e
adequados consolidao de prticas profissionais competentes e comprometidas com a
transformao da educao (Meira & Antunes, 2003, p.7). Por isso, os conhecimentos e as
prticas desenvolvidas pelos psiclogos, no mbito escolar, tm sido alvo de srias crticas.
Nesse aspecto, Patto (1990) e outros autores, como M.P.R. Souza (1989), Boarini
(1992), Collares e Moyss (1992b), introduzem uma viso crtica e diferenciada acerca do
fracasso escolar, considerando como mito e preconceito atribuir a culpa pelo fracasso escolar
aos alunos, principalmente pobres de escola pblica, ou a suas famlias. Essa viso crtica, que
compreende que o fracasso escolar produzido considerando um processo psicossocial
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
35/183
25
complexo, serve de subsdio terico-metodolgico para as prticas profissionais, podendo, ao
mesmo tempo, superar os modelos e as produes cientficas que compreendem o fracasso
escolar de modo individualizado.
Alm disso, essa concepo crtica da psicologia escolar nos incita a repensar a
prtica do psiclogo, j que, segundo Eidt e Tuleski (2007b), a interveno do psiclogo
diante dos problemas escolares deveria favorecer a reflexo, junto ao professor e criana,
sobre as relaes estereotipadas existentes na escola, pautadas em crenas que atribuem a
dificuldade no processo de escolarizao criana (p.533).
Acreditamos que somente tomando conhecimento de elementos terico-
metodolgicos, pautados numa perspectiva crtica dos fenmenos educacionais, ser possvel
superar a tendncia subjetivista, nesse momento dominante, de atuao dos profissionais desade, educadores e, especificamente, dos psiclogos, diante dos problemas escolares. O
desafio est em introduzir essa perspectiva crtica nos cursos de graduao e ps-graduao,
j que M.P.R. Souza (2000) nos mostra como o discurso crtico ainda no se concretizou no
modo de explicar a queixa escolar e nem na atuao diante dos alunos encaminhados por
problemas de escolarizao.
Para Meira (2003), devemos ter claro o profissional que queremos formar, um
profissional comprometido com as necessidades sociais humanas, envolvido eticamente comprocessos de humanizao. O desafio construir e consolidar uma Psicologia escolar crtica,
que contribua para que a escola cumpra de fato seu papel de socializao do saber e de
formao crtica (Meira, 2003, p.57).
Essa tendncia de reflexo crtica sobre a Psicologia Escolar ainda nos permite
repensar o compromisso ideolgico da atuao do psiclogo, compromisso que,
historicamente, surgiu para atender s necessidades de uma classe burguesa. O ponto crucial
dessa reflexo a construo de modos de atuao pautados numa prtica maishumanizadora, democrtica e transformadora, na luta por uma Educao de qualidade5(Meira
& Antunes, 2003).
Compreendendo que o fracasso escolar resultado de uma sociedade que desvaloriza
as condies econmicas e sociais dos alunos empobrecidos da escola pblica, a corrente
crtica da Psicologia Escolar compreende tambm que a Educao pertence a uma sociedade
5Entendemos, conforme mencionamos na apresentao do trabalho e isto vale para todas as situaes que esta
terminologia foi utilizada, que Educao de qualidade aquela que cumpre o seu papel de ensinar a todos osalunos (promovendo aprendizagem dos contedos cientficos historicamente produzidos), visandodesenvolvimento do pensamento (do psiquismo), inclusive, por meio de uma formao crtica do aluno, para queeste seja capaz de interpretar o mundo e agir sobre ele.
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
36/183
26
formada por desigualdades sociais e econmicas entre grupos e classes e, consequentemente,
entende o fracasso, antes de tudo, como um fracasso social.
Para compreender melhor essa sociedade de classes e o fracasso social e escolar ao
qual nos referimos, faz-se necessrio recuperar um pouco da histria do surgimento da Escola
e da Psicologia.
Segundo Saviani (2005), com a propriedade privada surgiu a estruturao da
sociedade em classes, aparecendo a necessidade de se criar a escola que antes, nas sociedades
primitivas, no existia. Nas comunidades primitivas os homens produziam sua existncia
coletivamente, isto , se apropriavam de forma coletiva dos meios de vida fornecidos pela
natureza e, agindo sobre eles, produziam aquilo de que necessitavam para sobreviver
(Saviani, 2005, p. 247).No momento em que a sociedade se dividiu em classes, a educao tambm passou a
ser dividida: para proprietrios (os que no precisavam trabalhar) e para no proprietrios
(escravos que trabalhavam para os senhores). Se nas comunidades primitivas a educao era o
prprio processo de trabalho e igual para todos, com essa diviso os proprietrios passaram a
frequentar escolas (em grego significa lugar do cio) e os no proprietrios a serem educados
sem escola, mas no processo de trabalho (Saviani, 2005).
Assim, Com a sociedade moderna, capitalista, burguesa, a educao escolar, antesrestrita a poucos, tende a se generalizar, convertendo-se na forma principal e dominante de
educao (Saviani, 2005, p.248). No entanto, para este autor, a educao na sociedade de
classes, especialmente na sociedade capitalista, continuou a ser conhecida, principalmente na
segunda metade do sculo XX, como um aparelho a servio dos interesses da classe
dominante. Ou seja, a ideologia dominante continuou a ser imposta classe dominada,
preparando os indivduos para ocuparem seus postos na estrutura social, mantendo a
sociedade organizada em classes.Ainda de acordo com o mesmo autor, essa anlise da relao entre educao e
sociedade de classes por ele denominada de teoria crtico-reprodutivista da educao, a
qual no considera que a escola pode ser um instrumento de luta do proletariado para reverter
a dominao burguesa. O que ocorre que a educao na sociedade de classes depara-se com
muitos desafios, uma vez que a classe dominante utiliza-se de mecanismos para adaptar e
manter a sociedade como est, no promovendo transformaes, principalmente aquelas de
interesse dos trabalhadores.
Vale citar aqui a passagem em que Saviani (2005, p.255) fala da impossibilidade da
Educao para todos na sociedade de classes:
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
37/183
27
:
[...] a impossibilidade da universalizao efetiva da escola; a
impossibilidade de uma educao unificada, o que leva a se
propor um tipo de educao para uma classe e outro tipo para
outra classe ou ento uma mesma educao para todos, porm,
internamente, de fato diferenciada para cada classe social, e
assim sucessivamente.
nesse sentido que entendemos o fracasso social, pois a existncia de uma escola
que garanta a todos o acesso ao saber entra em contradio com a sociedade capitalista, de
classes, que ainda est longe de ser um instrumento a servio da classe dominada. Umasociedade que tem a educao escolar como principal forma de educar, transmitindo os
contedos historicamente produzidos pela humanidade, e que, antagonicamente, no fornece
ensino de qualidade para todos, ensino que busque transformao, permitindo a ao
consciente do homem sobre o mundo, revela-se uma sociedade fracassada. Por isso, Saviani
(2005) defende que a luta pela escola pblica tambm a luta pelo socialismo, que busca
uma forma de produo que socializa os meios de produo superando sua apropriao
privada (p.257).Podemos dizer que a sociedade capitalista gera o fracasso das camadas populares e a
Psicologia, como uma cincia que surgiu a servio da classe burguesa, tem contribudo para
isso. Patto (1984) esclarece que a Psicologia garantiu o seu status de cincia na Europa, na
segunda metade do sculo XIX, quando as indstrias apresentavam-se em ascenso, sendo
que a mesma foi sendo constituda diante das necessidades de selecionar, orientar, adaptar e
racionalizar, visando, em ltima instncia, a um aumento da produtividade (Patto, 1984,
p.87). Isso ocorreu, especialmente, na psicologia do trabalho e na psicologia escolar, estaltima atrelada s origens da psicologia cientfica. Segundo Patto (1984), a psicologia nasce
com a marca de uma demanda: a de prover conceitos e instrumentos cientficos de medida
que garantam a adaptao dos indivduos nova ordem social (p.96). Dessa forma, o
principal trabalho da Psicologia, na escola, adaptar, seja pela seleo ou orientao. Assim,
segundo Patto (1984, p.99):
[...] A primeira funo desempenhada pelos psiclogos junto aos
sistemas de ensino, seja na Frana, seja nos Estados Unidos, seja
no Brasil, seja nos demais pases que se valeram dos recursos
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
38/183
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
39/183
29
As explicaes que acobertam uma ideologia, segundo Patto (1990), devem ser
revistas por meio de reflexes crticas sobre os mecanismos escolares produtores de
dificuldade de aprendizagem, bem como sobre as prticas escolares e sobre os impedimentos
impostos pela sociedade capitalista, de classes, para a efetivao de uma educao de
qualidade. M.P.R. Souza (2000) deixa claro que, mesmo depois da introduo de uma
perspectiva crtica em Psicologia escolar, ainda permanece a psicologizao e a patologizao
das queixas escolares.
Sobre isso, Bock (2003) explica que a Psicologia se tornou cmplice da Pedagogia
na acusao da vtima (p.87), ou seja, a cumplicidade ideolgica da Psicologia foi produzir
teorias e saberes cientficos que vm como autoridade para explicar o que se quer esconder
(p.86). Assim, o fracasso da educao escolar, do processo de ensino-aprendizagem, no fruto de problemas individuais ou oriundos da pobreza, como se acostumaram a explicar, mas
fruto de polticas educacionais queprojetaram a crise da escola (Bock, 2003, p.86). E
essa informao, com certeza, ocultada no meio de tantas explicaes.
Vale citar tambm os mecanismos ideolgicos imbricados nas teorias pedaggicas e
psicolgicas burguesas que exercem influncia at hoje no mbito educacional. Conforme
Cambava e Tuleski (2007), a Psicologia Gentica de Piaget (o construtivismo), como uma
corrente da psicologia burguesa, que emerge no bojo do perodo reacionrio, mantm umaviso de homem naturalizante e a-histrica, ao descrever fases do desenvolvimento genricas
e pr como motor do desenvolvimento a maturao biolgica, a adaptao dinmica do
indivduo ao seu meio ambiente (p.85). Seguindo esses parmetros, a psicologia aplicada
estrutura testes, instrumentos e diagnsticos para avaliar aqueles que no lograram xito em
seu processo de adaptao, funcionando como um mecanismo ideolgico de naturalizao
das desigualdades sociais (Cambava & Tuleski, 2007, p.85).
Eidt (2009), do mesmo modo, explica que hoje a educao escolar utiliza-se deteorias burguesas, na perspectiva das classes dominantes, para fundamentar o trabalho
pedaggico defendendo uma educao diferenciada para determinados grupos sociais, em que
cabe aos trabalhadores habilit-los tcnica, social e ideologicamente para a adaptao ao
mundo do trabalho (p.10). Segundo a autora, trata-se de teorias pedaggicas burguesas,
estando entre elas: a escola nova, o construtivismo e, mais recentemente, a teoria do professor
reflexivo, a pedagogia das competncias e a pedagogia dos projetos.
Para Duarte (2001), nessas teorias encontra-se o iderio das pedagogias do aprender
a aprender, ou seja, nestas constam ideologias neoliberais e ps-modernas, as quais o autor
discute e critica. O lema aprender a aprender significa que o aluno aprender sozinho vale
-
7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada
40/183
30
mais do que a transmisso dos conhecimentos por algum; mais importante adquirir o
mtodo cientfico do que o conhecimento cientfico j existente; a atividade educativa deve
ser impulsionada pelos interesses da prpria criana; a educao deve preparar os indivduos
para se adaptarem s mudanas e o indivduo deve aprender a estar sempre se atualizando.
Este lema, portanto, no defende que o ensino-aprendizagem deva ocorrer por meio da
transmisso do conhecimento pelo professor, ao contrrio, valoriza a aprendizagem que o
aluno realiza sozinho, retirando, consequentemente, a importncia do papel da escola e do
professor no processo educativo.
Eidt (2009) afirma ainda que a maioria dos problemas que aparecem no processo de
escolarizao podem ser explicadospela apropriao parcial daatividade depositada nas
produes humanas, especialmente no que se refere aos conhecimentos cientficos(p.9;10, grifo da autora). Isto , a autora defende a tese de que as pedagogias do aprender a
aprender, que preconizam a mnima apropriao dos contedos cientficos, aceitando que o
pensamento se desenvolve apenas na e pela experincia, garantem ao indivduo apenas um
desenvolvimento parcial do pensamento e a no apropriao da cultura acumulada dos
contedos cientficos, submetendo-o, dessa forma, ordem do capital. Diante disso, Eidt
(2009, p.238) entende que:
[...] a educao escolar assume um papel ideolgico na
sustentao do sistema econmico capitalista ao lanar mo de
teorias supostamente inovadoras e revolucionrias, que, na
essncia, centram-se, por um lado, na perspectiva pragmtica de
adaptao do ser humano s demandas daacumulao flexvel
de acordo com o modelo biolgico de adaptao do indivduo ao
meio e, por outro, na fragmentao do conhecimento e naausncia de uma perspectiva da totalidade.
Duarte (2003) tambm faz uma provocao quando questiona se vivemos em uma
sociedade do conhecimento ou numa sociedade antes de tudo capitalista, que produz a
ideologia de uma sociedade