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BOSQUE MARECHAL CÂNDIDO RONDON (1950 A 1970): REFERÊNCIA E
PATRIMÔNIO LONDRINENSE.*
FROZONI, Fernanda Cequalini.**
O presente artigo visa abordar o Bosque Marechal Cândido Rondon, destacando
sua condição como referência dentro da paisagem da região central da cidade de Londrina-
PR, onde este se encontra; além do seu caráter de patrimônio, por conta da representatividade
que possui tanto para a cidade, quanto para seus moradores. Foram analisadas as décadas de
1950 a 1970, com maior destaque, além da discussão de alguns aspectos atuais do local.
Este Bosque se situa na região central de Londrina, e atualmente possui uma área
de “[...] cerca de 21.235,89 m², divididos em duas alas separadas, tendo como limite as ruas
Padre Bernardo Greiss (norte), Pará (sul), Rio de Janeiro (leste) e São Paulo (oeste)”
(ALMEIDA e ADUM, 2007, p.10). Área esta que foi doada como espaço público pela
Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), empresa colonizadora da cidade, na década de
1930. E, desde então, o Bosque aparece presente em muitos momentos da história
londrinense.
Na década de 1930, por exemplo, o local ficou conhecido por ser um espaço da
política, isso devido ao conflito entre a CTNP, que desejava que Willie Davids fosse o
prefeito da cidade, e o Estado, por meio do interventor Manoel Ribas, que impunha a figura
do prefeito Joaquim Vicente de Castro, por meio de nomeação. Para demonstrar apoio a
Davids, a população se reuniu no Bosque fazendo manifestações e passeatas, o que resultou
na sua posterior nomeação para o cargo.
Abaixo, está a figura 01, retratando esta passeata, onde podem ser vistas várias
pessoas, entre homens, mulheres e crianças. O chão é de terra, mas no fundo se vê um poste
de energia elétrica. Também podem ser notadas várias árvores, e, ainda, uma faixa com o
seguinte dizer: “Viva o Dr. Willie Davids”. Também vale ressaltar que os manifestantes estão
todos parados e olhando em direção à câmera do fotógrafo, o que mostra que elas sabiam que
iriam ser fotografadas.
* Monografia de especialização apresentada ao curso de História Social, Na Universidade Estadual de Londrina.
Orientadora: Zueleide Casagrande de Paula.
**
Graduada em História pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).
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Figura01. Passeata a favor de Willie Davids. Fotógrafo: José Juliani. 12/09/1935. Acervo CDPH-UEL.
Mas, além deste caráter, na mesma época, década de 1930, o Bosque também era
um local de passeio, de lazer. Utilizado para a realização, por exemplo, de piqueniques do
colégio Mãe de Deus, um colégio comandado por freiras, existente até hoje na cidade.
Abaixo, na figura 02, pode ser visto um destes piqueniques, onde se nota que o chão ao invés
de ser de terra, era coberto por uma espécie não identificada de vegetação rasteira. Nela se
vêem várias crianças, entre meninos e meninas, e dois adultos: um homem no canto esquerdo,
e no canto direito, uma freira, que brinca com as crianças. Ao fundo, existem várias árvores. E
assim como na foto anterior, todos estão olhando em direção à câmera fotográfica.
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Figura02. Piquenique no Bosque. Fotógrafo: José Juliani. Década de 1930. Acervo CDPH-UEL.
Duas décadas depois, em 1950, onde o trabalho se aprofunda, Londrina passa por
uma fase de crescimento e transformações que se deram, principalmente, porque nesta época a
cidade vivia o auge da cultura cafeeira. Por este motivo, Londrina adquiria importância e se
sobressaia frente a outras cidades da região. Segundo Arias Neto, a imprensa durante este
período, retratava a cidade com vários adjetivos, alegando sua prosperidade e grandeza:
“Cidade Milagre, Mina de Ouro do Brasil, Cidade Progresso, Grande Empório, Capital do
Norte e Capital do Café” (1998, p.147).
Mas, todo este crescimento levou a um aumento populacional, excedendo o
traçado inicialmente previsto para a cidade, e com isso, começam a surgir loteamentos
desprovidos de infra-estrutura e planejamento nas margens deste traçado. O que se percebe,
portanto, é que menos de vinte anos após a aplicação do primeiro traçado, este já estava
superado. E não eram apenas as áreas além do perímetro urbano que cresciam e se
modificavam. O centro da cidade também passava por uma renovação. As casas de madeira,
antes símbolo do desbravamento da mata, agora são substituídas por novas edificações: os
prédios e as residências de luxo em alvenaria. Estas residências serão ocupadas pelas elites, e
o centro, boa parte das vezes, é quem irá receber a maior parte do tratamento urbanístico da
cidade.
A geógrafa Maria Cecília Nogueira Linardi aponta que o próprio leito ferroviário
era um divisor da segregação:
[...] era perceptível dentro da cidade a configuração de áreas “mais nobres”, localizadas
em áreas privilegiadas, enquanto outras áreas definiam-se como populares. O próprio
leito ferroviário constituía o divisor de águas nesta segregação espacial; as vilas populares
cresciam a partir deste leito, onde localizavam-se especialmente armazéns e indústrias de
beneficiamento, comércio varejista, expandindo-se na direção Norte da cidade,
transformando algumas chácaras nas primeiras “vilas populares”; enquanto que a área
central ficava reservada para o comércio e os negócios, e algumas avenidas e ruas
privilegiadas, como reduto da classe “A”. (LINARDI, 1995, p.184).
As palavras da pesquisadora confirmam a linha férrea como ponte segregador:
quem morava acima da linha, era de uma classe social mais abastada, e quem morava abaixo
distanciava-se deste padrão. Esta divisão, no entanto, ainda permanece na lembrança da
população, que muitas vezes continua a rotular os bairros existentes acima e abaixo da antiga
estação ferroviária.
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Tomando o texto do Professor Vicente Barroso, como um relato de época, já que
foi escrito durante a década de 1950, também se pode ler sobre a cidade de Londrina:
Outra conseqüência de tantos lugarejos novos é que apezar de muita gente, muita
arrecadação, muito dinheiro que corre... não se nota, nestas „cidades‟ certas cousas
indispensáveis: água canalizada, exgotos, luz, correio, telégrafo, telefone etc. o que
ocasiona transtornos gerais (1956, p.145.).
Logo, se verifica que havia uma disparidade quanto à distribuição espacial e
socioeconômica na cidade: enquanto alguns poucos bairros se beneficiavam destas mudanças,
outros tantos sofriam com a falta de recursos indispensáveis, como água, luz e esgoto. Foi
inclusive criada uma lei, a lei 133, na tentativa de ordenar este crescimento urbano no
município. Esta também foi responsável por trazer importantes arquitetos e urbanistas, para
ajudar a conter este desordenamento, como o urbanista Prestes Maia e o arquiteto Vilanova
Artigas. Prestes Maia é contratado pela prefeitura municipal, e em pouco tempo realiza um
plano urbanístico para a cidade. Já Artigas foi responsável pela construção de vários edifícios,
muito modernos para a época, como a antiga rodoviária (atual museu de arte) e a casa da
criança (atual secretaria de cultura).
Essa quase “revitalização” do centro irá incluir o Bosque Marechal Cândido
Rondon, que também passa por reformas, ganhando quadra de esportes, viveiro de animais e
um parque infantil, transformando o local em um centro de lazer para a população, na região
central da cidade:
[...] em 1953, no bojo das reformas urbanas, o Bosque foi alvo também de uma série de
modificações. O prefeito Milton Ribeiro Menezes, além de instalar um viveiro para
animais de várias espécies típicas da região, construiu um parque infantil, quadra de
esporte polivalente, vestiários e sanitários públicos. (ALMEIDA e ADUM, 2007, p.15).
A reforma ocorrida pode ser percebida nas imagens de Oswaldo Leite da década
de 1950 que se seguem. Na figura 03, o que se vê são algumas árvores do Bosque, um
pequeno poste de luz, algumas construções ao fundo, e mais no primeiro plano, montes de
areia e uma máquina de misturar concreto, sendo operada por um homem negro. Também há
dois carros no fundo, e o homem que opera a máquina não percebe que está sendo
fotografado.
Já na figura 04, também há homens trabalhando. Montando uma grade de aço,
possivelmente para o viveiro de animais. Também há mais alguns homens ao fundo
trabalhando. Estes também não percebem que estão sendo fotografados. Ambas foram feitas
pelo mesmo fotógrafo: Oswaldo Leite, contratado pela prefeitura, para registrar os feitos que
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ocorriam na cidade, preocupando-se, talvez, em deixar uma boa imagem do que fazia esta
administração, uma imagem de uma gestão que trabalhava, e tinha como comprovar este
trabalho.
Figura 03. Acervo do Museu Histórico de Londrina. Fotógrafo: Oswaldo Leite. Década de 1950.
Figura 04. Acervo do Museu Histórico de Londrina. Fotógrafo: Oswaldo Leite. Década de 1950.
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Em meio a estas transformações, é durante a mencionada década que este Bosque
também irá receber o nome que possui até hoje: Bosque Marechal Cândido Rondon. Este
nome foi uma espécie de homenagem feita ao referido Marechal, que morrera no início de
1958. 1 O jornal Folha de Londrina, na sessão atos de municipalidade, que destacava as leis
aprovadas pelos vereadores e o que ocorria no gabinete do prefeito, publicou a lei que
comprova a mudança de nome:
Sessão Atos da Municipalidade – Prefeitura do município de Londrina.
NOTA: LEI Nº 414. A CÂMARAMUNICIPAL DE LONDRINA, ESTADO DO
PARANÁ, DECRETOU E EU, PREFEITO MUNICIPAL, SANCIONO A SEGUINTE:
ART.1º - Fica o Executivo autorizado a denominar BOSQUE MARECHAL RONDON o
arvoredo existente nas duas quadras, de propriedade do Município, e situadas entre a
Catedral de Londrina e Rua Pará; e entre as Avenidas Rio de Janeiro e São Paulo,
separadas pela Rua Piauí.
ART.2º - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições
em contrário.
EDIFÍCIO da Prefeitura do Município de Londrina, aos 4 de março de 1958.
ANTONIO FERNANDES SOBRINHO – PREFEITO MUNICIPAL.
MARIO CUNHA – SECRETÁRIO. (Jornal Folha de Londrina, 08/03/1958).
Sendo assim, pode-se perceber que durante a década de 1950, houve muitas
mudanças, mas não se pode esquecer de que quem acabou arcando com o custo da
modernização, foram as camadas mais populares, que por sua vez, não tiveram muitas
melhorias em suas vidas. Quem mais usufruiu destas transformações todas, foram os
segmentos sociais de poder aquisitivo mais alto, como confirma Arias Neto:
As vilas continuaram abandonadas à sua própria sorte, com problemas infra-estruturais
gravíssimos: falta de asfaltamento [...], de abastecimento de água e de energia elétrica.
[...] Desse modo, foram as elites e as classes médias as beneficiadas pelo processo de
modernização, sendo que seu custo foi socializado, ou seja, em outras palavras, as classes
populares pagaram – através de impostos, taxas e multas – por benefícios que não
receberam, e arcaram com o preço da implantação e manutenção da, pesada e
burocratizada, máquina administrativa municipal, que sobre elas desencadeou o processo
de repressão e banimento, confinando-as aos espaços tidos como adequados na nova ótica
urbanística (1998, p.162-163).
1 Informação cedida pela professora Ana Maria Chiarotti de Almeida, do curso de Ciências Sociais, da
Universidade Estadual de Londrina.
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Porém, na década seguinte, em 1960, a cidade não cresce da mesma maneira.
Grandes geadas ocorrem no final da década de 1950, além de não se conseguir vender mais
tanto café como no início da década. Este produto, que fora o responsável por fazer circular
tanto dinheiro na cidade, agora já não causava o mesmo impacto. Por isto, sua cultura vai
sendo gradativamente substituída por outras, como a soja e o trigo, beneficiado também pela
mecanização da agricultura que começava a ocorrer no país2.
Com isso, os trabalhadores rurais vão perdendo seus empregos, e passam a vir
para a cidade, em busca de novas oportunidades. Bortolotti mostra bem esta situação local:
“Sem trabalho e sentindo-se dispensados do campo, muitos [agricultores] tomaram rumo em
direção às cidades [...]. O aumento repentino da população nas cidades não foi atendido pelos
equipamentos e serviços públicos, agravando os conflitos sociais” (2007, p.109).
Neste momento a cidade já apresentava uma estrutura urbana de apoio que foi
ampliada. Esta se manifestava através da criação de cooperativas, centros de pesquisa, difusão
de tecnologias, uso de técnicas e defensivos, presença da agroindústria, e também de
indústrias de pequeno porte, produtoras de bens de consumo não durável. 3
Esta situação faz com que a cidade ao mesmo tempo cresça e se destaque como
um pólo regional, mas também faz com que os trabalhadores que saem do campo, para tentar
uma vida nova, acabem indo constituir residência na periferia, o que impulsiona ainda mais
seu crescimento. Isso prova também que o desejo, durante a década de 50, de conter este
crescimento desordenado nas periferias não se realizou.
A década de 1970 se inicia, assim, com o crescimento da população urbana, e um
déficit habitacional para abrigá-la. De acordo com Bortolotti, o déficit habitacional da cidade
começou a ocorrer desde sua fundação, com a grande quantidade de pessoas que se dirigiam à
área urbana. Como a cidade não estava preparada, e nem planejada, para receber todo este
contingente populacional, estas pessoas passam a se instalar em fundos de vale e áreas
insalubres, o que acaba gerando um déficit habitacional.
Para Ana Cleide C. Cesário, esta população que se instala nas periferias é
composta pelos setores médios inferiores e proletários. Como não haviam fábricas ou grandes
empreendimentos que pudessem absorver toda esta mão de obra que a cidade recebera, este
contingente populacional acabam se dedicando “às funções subalternas do setor terciário e o
trabalho doméstico assalariado” (1986,p.535). Sendo assim, as idéias antes tão presentes e
2 PRIMAVESI, Ana. Agroecologia: Ecosfera, Tecnosfera e Agricultura. São Paulo, 1997.
3 LINARDI, Maria Cecília Nogueira. São Paulo, 1995.
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divulgadas sobre Londrina, como sendo uma cidade altamente próspera diminui entre as
décadas de 1960 e 1970.
E, mais uma vez, o Bosque Marechal Cândido Rondon, juntamente com as
mudanças que ocorriam na cidade, também será modificado. Em 1971, o local se transformou
no primeiro terminal de ônibus urbanos da cidade de Londrina.4 Isto ocorreu neste local,
talvez por estar no centro da cidade; ser da prefeitura, evitando maiores gastos se fosse
construído em outro lugar; e também por ser um espaço já bastante conhecido da população.
E como a cidade crescera muito, precisava de um terminal de ônibus urbano. Para esta
transformação, foi necessário que se alargasse a Rua Piauí, que fica no entorno do Bosque.
Isto fez com que o espaço ficasse dividido em duas partes, como é até os dias atuais. Antes
disto, ele era um espaço único.
Abaixo, na figura 05, pode ser vista uma imagem do Bosque quando fora
terminal. O que se percebe é que o lugar era pequeno, sem muita estrutura. Por exemplo, os
bancos, que parecem ser de madeira, são pequenos e aparentemente desconfortáveis. Há a
presença de algumas pessoas também no local dos ônibus coletivos, e ainda alguns quiosques
ao lado direito. Nota-se que as árvores do Bosque ficam bem rentes ao lado direito, e ao fundo
há alguns prédios, o que comprova a verticalização da área central de Londrina, que começara
na década de 1950, e se acentua nas seguintes. Outro ponto a ser notado é o excesso de papéis
colados nos postes de sustentação da cobertura do local, feita por telhas de amianto. Este
terminal se encontrava na parte central do Bosque, como um prolongamento da Rua Piauí,
que fora alargada.
4 Informação cedida pelo funcionário Moacir, da Companhia Municipal de Trânsito e Urbanismo de Londrina.
(CMTU).
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Figura 05. Acervo do Museu Histórico de Londrina. Fotógrafo: Oswaldo Leite. 04/11/1979
No entanto, esta transformação irá alterar totalmente o caráter que o local possuía
antes. Pois quando fora doado pela Companhia de Terras Norte do Paraná, o espaço foi
apropriado pela população, e se tornou um lugar de passeio, descanso, festas. Depois, com o
Estado Novo5, era também um local de debates políticos, e mais tarde se tornou, ainda, um
acolhedor de inúmeras atividades econômicas, de fotógrafos lambe-lambe a artesãos.
Portanto, as pessoas se apropriaram do espaço com diversas finalidades diferentes,
desde o seu surgimento. Mas, nenhuma outra atividade ali desenvolvida fora tão destrutiva
como esta de terminal urbano.
A partir de 1971 novas modificações ocorreram no Bosque, estas foram ainda mais
importantes, por alterarem significativamente seu uso. Houve o alargamento da Rua Piauí
e o espaço do logradouro foi dividido em duas áreas, tendo sido instalado no local o
Terminal de Ônibus Urbano da cidade de Londrina. Ainda nesta década, com o
crescimento da cidade e o conseqüente aumento da violência, o local foi totalmente
cercado, o que afastou gradativamente usuários e, principalmente os artesãos.
(ALMEIDA e ADUM, 2007, p. 15-16).
O que ocorreu com o local foi, então, uma mudança de finalidade, conforme os
anos passavam. Primeiramente, era um local de festividades, de passeio e descanso para todas
as faixas etárias. Até a década de 1950, este caráter é mantido, prova disso é a construção do
5 Estado Novo, segundo Bóris Fausto, em seu livro “História do Brasil”, é o período da política brasileira
compreendido entre 10/11/1937 e 29/10/1945, onde Getúlio Vargas se vale de um golpe para continuar no poder.
É criada uma nova Constituição, onde o presidente era reconhecido a autoridade suprema do país. Também são
criados alguns órgãos como o DASP (Departamento de Administração do Serviço Público), que supervisionava
os interventores nos Estados; e o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), órgão de censura que
planejava a propaganda do governo, através de programas como a “Hora do Brasil”, nos rádios, e que existe até
os dias atuais.
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parque infantil, dos viveiros de animais. Mas, junto com esta função, as pessoas e os políticos
locais foram agregando outras, como as de disputas eleitorais e as atividades econômicas.
No entanto, até este momento, o que se entende é que as pessoas ainda ficavam no
Bosque, sentavam, passavam um tempo ali. Porém, com a implantação do Terminal, este
caráter vai se perdendo, e as pessoas utilizam o local apenas para passagem. Elas não se
detêm ali. Talvez pelo aumento da violência, talvez porque não há mais tanta “paz” como
havia antes, afinal, agora a circulação de pessoas no local seria muito maior.
E o próprio Terminal leva consigo a idéia de um lugar de passagem, transitório,
onde tudo deve ser rápido. Junto com isto, a própria paisagem do local se degrada, pelo
constante uso, e pela falta de estrutura também para abrigar um terminal, além dos gases
emitidos pelos ônibus. O jornal Folha de Londrina, em 07 de fevereiro de 1982 publica uma
matéria sobre o Bosque que diz exatamente isto, da mudança de caráter do local:
No decorrer dos tempos, o Bosque sofreu sucessivas transformações. Depois do viveiro,
foram construídos um parque infantil, uma cancha de esportes polivalente, bancos e
banheiros; e até mesmo a estreita Rua Piauí foi alargada para a instalação do terminal de
ônibus urbano. Tudo isso tem cooperado para que o ambiente que antes funcionava como
uma pausa do conturbado movimento da cidade, se transformasse num lugar pouco
desejado pelos londrinenses. (Jornal Folha de Londrina, 07/02/82, p. 20).
Além disso, existem várias matérias publicadas no mesmo jornal durante o
período em que o Terminal esteve funcionando no Bosque, com títulos como: “Bosque. Neste
domingo, você poderia ir passear no Bosque. Mas ele está completamente abandonado – e
ninguém sabe o que será dele”; “O escuro e maltratado Bosque”; “Apesar dos muitos
administradores, o Bosque está em petição de miséria”. E as críticas e denúncias também são
várias:
O aspecto geral do Bosque é de completo abandono. Os poucos bancos de granito que
ainda restam, apresentam-se quebrados. À noite, a iluminação é precária, propiciando ao
vandalismo um excelente campo de ação. (Jornal Folha de Londrina, 25/05/1975).
De dia a parte do Bosque localizada abaixo do Terminal de ônibus urbanos de Londrina é
um espetáculo triste. Os seus bancos sujos e quebrados acomodam aposentados,
desempregados, casais de namorados e outros usuários dos coletivos, que têm pela frente
um cenário de abandono: um aviário descuidado, um parque infantil e uma quadra de
esportes danificados: debaixo das árvores, muito lixo. À noite o local é invadido pela
algazarra de travestis e malandros, que se aproveitam da falta de policiamento e de
iluminação para fazerem do Bosque o seu ponto de encontro. [...] segundo seus atuais
freqüentadores [...] o Bosque vive sujo; o mau cheiro que exala dos sanitários e do viveiro
– onde poucas aves sobrevivem sem cuidados especiais – incomoda; e, ao invés de
vegetação rasteira, o que se tem é mato. (Jornal Folha de Londrina, 12/01/1984).
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Mas, apesar de todas estas transformações, e de todas as críticas, o Bosque não
perdeu o caráter de importância que tem para a cidade. Muito pelo contrário, com a sua
história, que muitas vezes se mistura à da cidade, sua importância cresce ainda mais. Adum e
Almeida mostram isto em seu livro:
O espaço do Bosque Marechal Cândido Rondon, do ponto de vista histórico, [...] é de
extrema relevância enquanto um espaço que abrigou diversas manifestações populares.
Existindo desde a fundação da CTNP, era um local de relações sociais, manifestações
públicas, festas e da economia informal. Devido à organização espacial feita pela
Companhia de Terras Norte do Paraná, ele fez parte do centro histórico da cidade e de
suas relações políticas, econômicas e sociais. (2007, p.19).
A trajetória histórica do Bosque, apresentada até aqui, justifica o argumento de
que este local pode ser considerado um patrimônio local. Por ter crescido junto com a cidade,
por ser parte de sua história e palco de manifestações como a ocorrida na década de 1930, que
definiu quem seria o prefeito da cidade; ou ainda, por ser o cenário de problemas sociais
como o do aumento da violência, que geraram e geram discussões, divergências de opiniões e
posições políticas sobre o uso deste espaço na atualidade.
É preciso considerar, também, que este local deve ser preservado não só para
“imortalizar a bravura dos pioneiros” 6, como uma mata no meio da cidade para ser uma
amostra do que estas pessoas enfrentaram para poder erguer uma cidade; mas também para
que a população, de uma forma geral, se sinta ali representada, tenha o Bosque como fazendo
parte da sua história. Até porque, este é um espaço democrático, por receber pessoas de
diversos estratos sociais. Para Schereiber, esta é uma característica comum aos parques
urbanos. Um lugar onde todos, por um momento, não desempenham nenhum papel
específico. Não há o médico, o padeiro ou o professor. Todos são iguais:
O parque urbano configura-se como um espaço aberto e de permanência, marcado pela
heterogeneidade social, graças ao seu caráter público, onde é possível encontrar
freqüentadores de distintos estratos, como numa espécie de suspensão temporal
imaginária dos seus específicos papéis sociais. (1997, p.149)
O Bosque é um dos elementos de representação do espaço da cidade de Londrina
no imaginário de seus habitantes. E, apesar de hoje ele não se caracterizar como um local de
permanência, já que a maioria das pessoas ali encontradas são transeuntes, ainda assim ele
deve ser preservado.
A não permanência em praças e parques é uma característica da cidade moderna,
onde tudo ocorre com rapidez, tudo precisa ser dinâmico. E talvez seja esta a característica
6 A cidade de Londrina possui um discurso elitista sobre a imagem de seus pioneiros. E, na história local, a
representação destas pessoas é feita em diversos espaços, inclusive o Bosque.
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que o Bosque precise adotar para que estes transeuntes dêem a ele mais atenção. De acordo
com o que afirma Diêgoli:
Existe uma tendência de as pessoas entenderem que o tombamento é uma figura
cerceadora ou congeladora; divulgam erroneamente que num prédio tombado, nada pode
ser feito. [...] O que estamos tentando adotar, é uma política onde a figura do tombamento
seja maleável e adaptável às novas exigências, e inclusive o tombamento deve ter como
pressuposto a dinâmica natural das cidades (1992, p.209).
Sendo assim, este espaço deve receber ações que o dinamizem e ajudem na sua
apropriação por parte da população, pois, como foi dito, ele fazendo parte da cidade, deve
seguir o seu ritmo natural, que são as mudanças. Ele deve sempre mudar, portanto, para tentar
melhorar. Eduardo Yázigi, em um texto que discute o patrimônio ambiental urbano, onde
afirma que um patrimônio não se constrói como tal apenas através de ações públicas; quem o
faz ser patrimônio é a própria população, que reconhece e participa da sua história:
A construção do patrimônio ambiental urbano não se dá somente por ato público de
planejamento, mas pelo reconhecimento de uma história e uma co-participação, onde uma
população assistida sempre encontra seu jeito de arrumação. Neste sentido, seria um erro
supor que o patrimônio consiste de uma catalogação definitiva dos lugares (2003, p.260).
Yázigi afirma, ainda, que “Não se pode decidir e forçar as pessoas a ficarem nas
praças, única alternativa de lazer social num tempo em que não existiam televisão e mil outras
opções” (2003, p.256). Ou seja, os lugares como o Bosque, nos dias de hoje não têm mais
tanto atrativo como antes, por vários motivos: segurança, higiene e também porque hoje as
pessoas se distraem de outras maneiras.
O que o espaço em estudo necessita é de uma revitalização que o deixe mais
dinâmico e seguro, portanto. Afinal, sendo o Bosque um patrimônio da cidade, por todos os
motivos já relacionados, ele deve se transformar em um espaço que todos se sintam à vontade
para utilizá-lo. Além de ser muito importante, também, o implemento de políticas onde a
população aprenda a preservá-lo. Esta seria uma possível saída para o atual estado de
abandono em que se encontra este local.
Desta maneira, deveriam ser pensadas uma revitalização para este espaço, e uma
boa política com o foco na orientação da população, através de oficinas de patrimônio, por
exemplo, que mostrem a elas o valor dos bens da cidade, e por que eles devem ser
preservados; mostrando, ainda, que se cada um fizer sua parte, ajudar a preservar; a cidade
como um todo melhora.
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Referências
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