Book Saúde Ensino e Comunidade 2014
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SAÚDE, ENSINO E
COMUNIDADE
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UNESP – Universidade Estadual Paulista
Faculdade de Medicina de Botucatu
Reitor: Júlio César Durigan
Vice-Reitora: Marilza Vieira Cunha Rudge
Diretora: Silvana Artioli Schellini
Vice-Diretor: José Carlos Peraçoli
Núcleo de Apoio Pedagógico – NAPCoordenador: Paulo José Fortes Villas Boas
Vice-Coordenadora: Alice Yamashita Prearo
Conselho Editorial do NAP
Paulo José Fortes Villas Boas
Alice Yamashita Prearo
Janete Pessuto Simonetti
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ANTONIO PITHON CYRINO
DANIELE GODOYELIANA GOLDFARB CYRINO(Org.)
SAÚDE,
ENSINO E COMUNIDADE
R EFLEXÕES SOBRE PRÁTICAS DE ENSINO
NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
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Copyright 2014, autoresComissão Editorial: Núcleo de Apoio Pedagógico
Avenida Prof. Montenegro, s/nBairro: Distrito de Rubião Junior CEP: 18618-970 – Botucatu, SPTel: +55(14)38801137
Ficha catalográfica elaborada pelaSeção Téc. Aquis. Tratamento da Inform.Divisão de Biblioteca e Documentação – Campus de Botucatu – UNESPBibliotecária responsável: Rosemeire Aparecida Vicente
Saúde, ensino e comunidade : reflexões sobre práticas de ensino naatenção primária à saúde / Organizadores Antonio Pithon Cyrino,Daniele Godoy, Eliana Goldfarb Cyrino. – São Paulo : CulturaAcadêmica, 2014
252 p.
Inclui bibliografia e índiceISBN: 978-85-7983-553-7
1. Cuidados primários de saúde. 2. Promoção da saúde.3. Programa Saúde da Família (Brasil). 4. Estudantes de Medicina.5. Humanização na saúde. 6. Pessoal da área médica.7. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdadede Medicina de Botucatu. I. Título. II. Cyrino, Antonio Pithon.
III. Godoy, Daniele. IV. Cyrino, Eliana Goldfarb.
CDD 614.44
Este livro contou com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (Capes), Programa Pró-Ensino na Saúde (n.024/2010).
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À memória da professora Cecília Magaldi, por toda uma vida
de dedicação à saúde pública e à educação médica. Aos professores Joel Spadaro e Marilza Vieira Cunha Rudge,
que fazem parte do começo desta história.
Ao professor José Carlos Peraçoli, pelo estímulo e apoio à produção do projeto Pró-Ensino na Saúde desta instituição,
e à pedagoga Elisabete Bemfato Dezan, pelo envolvimentocrítico e construtivo no desenvolvimento deste projeto.
Aos militantes da saúde coletiva que acreditam nessa rica e fundamental “mistura” da saúde com a educação,
combinação que assume um processo de ensinoe aprendizagem problematizador, crítico e permanente
como criação coletiva, aberto ao desafio constante dearriscar e poder errar e corrigir, à alegria
e ao compromisso da transformação.
À Pós-Graduação em Saúde Coletiva daFaculdade de Medicina de Botucatu, UNESP,
que nos acolheu prontamente para odesenvolvimento deste programa de pesquisa.
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Observar, pensar e imaginar coincidem e
constituem um só processo dialético. Quem não
usa a fantasia poderá ser um bom verificador de
dados, mas não um pesquisador.
José Bleger1
1. BLEGER, J. Temas de Psicologia. São Paulo: Martins Fontes, 1993. p. 7-41.
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SUMÁRIO
Prefácio: Compromissos do ensino da saúde com osdesafios sociais 13
Apresentação21
1. Ensino na atenção primária à saúde e asDiretrizes Curriculares Nacionais:o papel do projeto político-pedagógico 25
Victória Ângela Adami Bravo
Eliana Goldfarb Cyrino
Maria Antonia Ramos de Azevedo
PARTE I – A DISCIPLINA IUSC 49
2. A construção de uma disciplina:um olhar sobre o processo de implantação
do programa de ensino de graduação médicana comunidade 51
Maria Regina Pires Uliana
Antonio Pithon Cyrino
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PARTE II – PROFESSORES, PROFISSIONAIS DE SAÚDE E ALUNOS DA IUSC 75
3. Inovação pedagógica no ensino médico e deEnfermagem: desafios e perspectivas naformação de professores 77
Cássia Marisa Manoel
Eliana Goldfarb Cyrino
4. Os profissionais de saúde no ensino naatenção primária à saúde:tensões e potencialidades naspráticas pedagógico-assistenciais 93
Tiago Rocha Pinto
Eliana Goldfarb Cyrino
5. Alunos, os sujeitos do processo:o que pensam sobre “ser médico” esua formação 133
Maria Regina Pires Uliana
Antonio Pithon Cyrino
PARTE III – AS ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS DA IUSC 145
6. A metodologia da problematização nocontexto da formação em saúde 147
Marina Lemos VillardiEliana Goldfarb Cyrino
Neusi Aparecida Navas Berbel
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 11
7. Os vários naipes da visita domiciliar naformação de estudantes de Medicina 191
Renata Maria Zanardo Romanholi
Eliana Goldfarb Cyrino
Paulo Marcondes Carvalho Júnior
8. O caderno de campo: um instrumento deavaliação formativa na disciplina
IUSC III 231
Daniele Cristina Godoy
Antonio Pithon Cyrino
Vanessa dos Santos Silva
Sobre os autores 247
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PREFÁCIO COMPROMISSOS DO ENSINO DA SAÚDE
COM OS DESAFIOS SOCIAIS
Ricardo Burg Ceccim1
O livro Saúde, ensino e comunidade: reflexões sobre práticas deensino na atenção primária à saúde, escrito por professores da Fa-
culdade de Medicina de Botucatu, da Universidade Estadual Pau-lista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), traz para o conhecimentoe debate uma expressiva articulação entre educação universitária econstrução do fazer em saúde, segundo a motivação de desenvolveruma formação profissional compromissada com a sociedade e osinteresses populares. Essa articulação foi vivida como interação dauniversidade com os serviços de saúde e com a vida local, servindo-
-se dos referenciais de saúde da atenção integral, da ação preventivae social, da atuação em saúde comunitária e da prática de visitaçãodomiciliar, reensejados ao longo dos textos que o compõem. Olivro põe em cena uma experimentação que foi objeto de projetosde fomento à graduação, projetos de pesquisa acadêmica no âm-bito da pós-graduação stricto sensu e de ação social, segundo o
1. Pós-doutor em Antropologia Médica pela Universitat Rovira i Virgili (URV –Tarragona/Espanha), professor associado na Universidade Federal do RioGrande do Sul (UFRGS), pesquisador de produtividade pelo CNPq em Edu-cação e Ensino da Saúde, coordenador do EducaSaúde – Núcleo de Educação,Avaliação e Produção Pedagógica em Saúde, da UFRGS.
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acolhimento de um desafio ético e uma proposta de formação quedesejava fatores de exposição à aprendizagem distintos da sala
de aula, do laboratório ou dos estágios de assistência clínica. Entreesses fatores, estava a oportunidade de promover uma instância hí-brida entre extensão universitária, ensino de graduação e pesquisaacadêmica.
Ao contemplar a participação de doze pesquisadores envol-vidos com a docência, o assessoramento pedagógico, a pesquisa,a colaboração interinstitucional e a intervenção social, o livro veio
contribuir com a reflexão relativa à pedagogia universitária, emespecial no tocante à saúde, objeto de dedicação dos autores. Pro-venientes da formação em Medicina, Enfermagem, Psicologia,Fisioterapia e Pedagogia, todos eles possuem experiência – peladocência, pela pesquisa e pela vida profissional – tanto em saúdecoletiva como em educação. Entre os assessores da ação (em suamaterialidade) estavam pesquisadores com formação em Medi-
cina, Enfermagem e Antropologia, mas o livro inclui o contato,desdobrado pela história da instituição, com os projetos de inte-gração ensino-serviço-comunidade do programa UNI, Uma NovaIniciativa – a Integração com a Comunidade, nos anos 1990, nointuito da mudança no ensino de graduação pela busca de cenáriosexternos ao hospital universitário e orientado para as camadaspopulares da sociedade, assim como o contato com os projetos de
integralidade e humanização que marcaram a política nacionalde saúde na primeira década dos anos 2000 e com os estudantesque ingressaram e concluíram sua graduação na vigência da ino-vadora interação universidade-serviço-comunidade desenvolvidapela UNESP/Botucatu.
O livro foi organizado de modo a permitir que o leitor conheçaantecedentes referenciais na educação de profissionais de saúde;
perspectivas do trabalho universitário relacionadas aos docentes,aos discentes e aos trabalhadores da rede de atenção à saúde; e umaprodução estratégica à iniciativa híbrida entre extensão, pesquisae ensino, que lhe concede materialidade pela ação na vida local,como é o caso do trabalho de visitação domiciliar. A interação entre
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universidade, serviços de saúde e sociedade está na base do projetoético-político formulado, experimentado por dez anos e, então,
narrado analiticamente neste livro. Tal interação configura o desen-volvimento profissional como prática direcionada às camadaspopulares, ao acompanhamento de comunidades/cidadanias e àprestação de serviços de saúde com uma concepção crítico-social devida, de mundo, de usuário e de sociedade.
Se a trajetória dos movimentos de mudança na graduação dosanos 1990 resultou numa avaliação que indicava a dissociação
entre extensão universitária, ocupada com projetos sociais exte-riores ao hospital, e graduação universitária, ocupada com projetoselitizados centrados no hospital, a inovação contemporânea estariaem construir projetos sociais orgânicos à graduação, incorporadosao roteiro central da formação profissional básica e componentesdo aprendizado. A atual política nacional de extensão universi-tária sonha com essa construção, instaurando editais de fomento,
cujo julgamento deve priorizar iniciativas com potência de incor-poração e expansão pelo ensino de graduação. Este livro nos dá,além de uma pista, a exemplificação do viável e das condições depossibilidade.
A prestação de serviços comunitários pela universidade temseu registro na emergência da extensão universitária, iniciada noBrasil em meados dos anos 1920, tendo em vista o relacionamento
entre agentes da universidade e da comunidade.2 A ideia da extensãouniversitária era estender suas atividades àqueles que estavam forada universidade (a comunidade), mas é a partir da reforma educa-cional de 1968 que a universidade passaria a propiciar aos seusalunos, por meio das atividades de extensão, oportunidades de par-ticipação em programas de melhoria das condições de vida dapopulação e no processo geral de desenvolvimento (políticas
de compensação ou de equalização nas distâncias universidade--comunidade). É do início da década de 1980 o conceito da indis-
2. RODRIGUES, Marilúcia de Menezes. Extensão universitária: um texto emquestão. Educação e Filosofia, v.11, n.21-22, p.89-126, 1997.
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sociabilidade ensino-pesquisa-extensão, devendo a universidadeocupar-se do desenvolvimento de ações no interesse da sociedade,
democratizando o acesso ao saber à sociedade do lado de fora.Prestar serviços à comunidade e encontrar formas participativas dea sociedade ter acesso aos conhecimentos superiores representava aextensão em sentido mais amplo. No final dos anos 1980, além daligação universidade-comunidade, a extensão desenvolve a fórmulade uma outra ligação: universidade-empresa. Ao passo que o ensinoe a pesquisa são os polos acadêmico e científico da universidade, a
extensão é o polo ensino-sociedade, pesquisa-sociedade, ensino--pesquisa-sociedade, seja pelos componentes populares, seja peloscomponentes industriais/empresariais.
De todo modo, a extensão será sempre o principal corredor depassagem do ensino e da pesquisa aos serviços, às entidades e aosmovimentos sociais. A experiência e todo o conteúdo de ensino de
graduação, pesquisa e desenvolvimento profissional no contexto da
saúde da família está na interação universidade-comunidade, me-diada pelos serviços de saúde, realizando uma união da formaçãoacadêmica com a atenção profissional em saúde. É de se lembrarque o cenário da união entre formação acadêmica e atenção profis-sional em saúde que mais temos impregnado em nosso imagináriovem da primeira formulação de uma educação e ensino profissiona-lizados em saúde. Vem do início do século passado a formulação de
uma pedagogia para a educação da saúde: o modelo flexneriano.Naquele momento, propunha-se a montagem do hospital univer-sitário, depois, por diversos movimentos de mudança, forampropostas a integração docente e assistencial, a integração ensinoe serviços, a integração ensino, serviço e comunidade, a integraçãoeducação, trabalho e saúde. Na experiência relatada, fala-se eminteração, não em integração, fala-se em “ensino-comunidade, me-
diado pelo serviço”, não em docente-assistencial ou ensino-serviço.Quando falamos em serviço, trata-se de prestar atenção (estaratento) e prestar a atenção (atender às necessidades que se detectoupelo estar atento). A interação ensino-comunidade, mediada peloserviço, recupera ou assevera a relevância dos fatores recíprocos de
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renovação da qualidade no ensino-aprendizagem-avaliação e naação profissional em cenários de prática do fazer em saúde.
Os fatores de exposição à aprendizagem que oferecemos nauniversidade bem podem contribuir à formação de um erudito,assim como configurar um cidadão ilustrado em técnicas e ciência,mas podem, também, ativar um “campo de desejo”, no qual secoloquem o dominar conceitos, o dispor de uma agenda social e odesenvolver-se em um ser da ética. Nos projetos de mudança noensino, as metodologias ativas mostram-se como um desafio para
essa última linha vetorial, mas podem não ser mais que uma práticadiscursiva que impregna os cotidianos contemporâneos do ensinona área da saúde sem que os fins do ensinar e do aprender tenhamsido interrogados: o que, por que, para que, para quem? A intro-dução de metodologias ativas no ensino deve decorrer da luta porfatores de exposição que componham profissionais capazes deescuta, acolhimento e responsabilização para com os usuários das
ações e serviços de saúde e os qualifiquem para a resolubilidade desuas práticas assistenciais, com a satisfação dos usuários e o desen-volvimento de sua autonomia.
Nesse plano, percebe-se, muitas vezes, uma orientação àatenção básica ou às necessidades sociais dos setores excluídos,como se ela, por si só, cumprisse o devir ético de novos modosde ser. A orientação à atenção primária é coerente com a mudança do
modelo assistencial hegemônico: de hospitalocêntrico e centrado em práticas curativas para orientado pela atenção integral e centrado nasnecessidades sociais em saúde. Contudo, se, de um lado, levar osalunos à atenção primária os faz ver uma realidade da qual em geralestão distantes, de outro, isso pode instituir-se de maneira higie-nista ou culturalista, isto é, educando-se o usuário por valores quelhe são estranhos ou aceitando-se o outro como “identidade dife-
rente”, mas não nos tornando outro de nós mesmos por efeito docontato com a alteridade. Retomo este livro em seu componente desaúde da família. A saúde da família, como projeto do Estado bra-sileiro para a proteção universal da saúde, comporta a atenção pri-mária, mas, ter a saúde da família como equalização é diferente de
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compensação, ter a saúde da família como integralidade e huma-nização é diferente de higienismo e culturalismo. É aí que um
projeto pedagógico orientado pela proteção à saúde e centrado nasnecessidades sociais finca suas finalidades ético-técnico-políticasda atenção básica.
Na saúde da família – como campo e foco –, então, precisamosdesenvolver capacidades para a invenção permanente da integrali-dade da atenção, sem a dicotomia entre atenção primária e atençãohospitalar ou entre atenção básica e atenção de elevada sofisticação
tecnológica. O esforço de composição, entre os profissionais, deum ser da ética na saúde, não está em instalar ou desbancar settings para o trabalho, está no desenvolvimento das capacidades de ver eouvir, de dar guarida e companhia e de saber compartilhar com umusuário o andamento de seu processo saúde-doença. Isto ao ladoda elevada competência em respostas qualitativas nos resultados daterapêutica, seja em que âmbito da prestação de práticas se coloquecada ocupação especializada ou generalista da saúde.
Saúde, ensino e comunidade: reflexões sobre práticas de ensinona atenção primária à saúde lida com o projeto ético-técnico-polí-tico de formar os profissionais para trabalhar no Sistema Único deSaúde, com a atenção integral e em equipe, apresentando um posi-cionamento quanto ao “como se faz”. O livro não apresenta reco-mendações, tampouco prescrições sobre “como se faz”; apenas diz:nós fizemos, pensamos sobre o que fizemos e contamos para osoutros sobre nossa “fazeção”.
A decisão de verter em livro – para a circulação, difusão e dis-seminação – a experimentação da interação universidade-serviço--comunidade é motivo de comemoração e a instilação de um poucode alegria para quem precisa ter notícias sobre o “como se faz”,
“como fizeram”, “como estão fazendo”, “como nós poderíamos vira fazer”. O livro não responde a essas perguntas, mas se destina aquem as tem. Quem não as tem, as terá ao ler o livro. Assim, é umlivro com público objetivo e objetiva o público. Eu, como seus au-tores, milito aí nesse mesmo objeto e objetivo, contribuindo para
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compor um território de fertilização da produção científica emeducação e ensino da saúde.
Precisamos das experiências, dos conceitos que lhes são emer-gentes e da conversa com as pessoas que querem o diálogo com oque fazemos. Foi assim que me pronunciei no prefácio do livroorganizado por Ângela Cristina Ferreira da Silva, Eunice MariaViccari e Terezinha Eduardes Klafke, Marcas do trabalho em equipena saúde: formação e atenção, publicado pela EdUnisc em 2011.Em Saúde, ensino e comunidade: reflexões sobre práticas de ensino
na atenção primária à saúde, os autores colocam em debate uma ex-periência e deixam claro que a publicação é um convite para alargaressa discussão. Cumprem mais uma face da interação universi-dade-serviço-comunidade: o compromisso social com a sistemati-zação do feito pelo desafio de fazer, compromisso social com osistema de saúde do país e com o desenvolvimento profissional nocontexto de seu impacto e sua resolubilidade em problemas de
saúde.Em Educação médica: gestão, cuidado e avaliação, organizado
por João José Neves Marins e Sérgio Rêgo, publicado também em2011, pela Hucitec, destaquei, junto com Alcindo Antônio Ferla,em “Abertura de um eixo reflexivo para a educação da saúde: o en-sino e o trabalho” (p.258-77), que os avanços na formulação docampo da educação em ciências da saúde requerem tanto da gestão
setorial da educação como da gestão setorial da saúde, outro e espe-cial compromisso da formação com o desenvolvimento profis-sional. Dizíamos, então, que, “embora o amadurecimento das lutaspor saúde no Brasil tenha levado ao Sistema Único de Saúde (umaconquista), o princípio da universalização, a diretriz da integrali-dade e o objetivo da equidade ainda representam bandeiras de luta(desejo de conquista)”, para afirmar que “o lugar da educação não é
dizer isto, mas coproduzir esta conquista”. Este livro organizadopor Antonio Pithon Cyrino, Eliana Goldfarb Cyrino e DanieleGodoy afirma esse desafio, exemplifica esse campo de possíveise alia-se a quem assim se posiciona. Em que pese tantos recursosde saberes, de conceitos, de referências e de práticas no âmbito da
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mudança na graduação na área da saúde no mesmo plano ético--político dos autores, a longevidade da experiência da UNESP/
Botucatu nos fala de um registro sem improviso e nos oferta umaprovisão.
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APRESENTAÇÃO
Precisamos ocupar esse espaço.
E utilizá-lo.
Quem não se arrisca não pode berrar.Tem muito confete no ar, a ironia não tem limites
e as notícias podem correr pelo ar.
Torquato Neto
O trabalho de uma pesquisa participante que estuda relações e
necessidades sociais exige um alto grau de envolvimento com oproblema estudado e comprometimento com a validade e a utili-zação dos resultados obtidos. Nos estudos que compõem esta obra,reflexão e ação fizeram parte de um mesmo processo. “Não existepensamento que não esteja ligado à ação; o mundo teórico no seuconjunto é uma tomada de consciência das condições da ação realou virtual. Ora, qualquer ação é uma síntese de dois polos, sujeito e
objeto, homens e universo.”1
Neste livro apresentam-se diferentes olhares sobre a interaçãouniversidade, serviço e comunidade e os elementos do contexto na-cional e internacional que as motivaram, com base em programa/disciplina desenvolvido, desde 2003, em Botucatu (SP). Nesta in-vestigação, até certo ponto, sistematização da experiência e inter-pretação fizeram parte de um mesmo processo.
As pesquisas revelam o conhecimento sobre as tensões detrabalhar com práticas de ensino problematizadoras. É clara a
1. GOLDMANN, L. Epistemologia e Filosofia Política. Lisboa: Presença, 1984.
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dificuldade de desenvolvimento dessas práticas, mas visualiza-se apresença de diálogos construtivos e questionadores entre todos os
sujeitos envolvidos e a aposta em ações transformadoras.Registramos aqui um processo pedagógico de formação profis-
sional na saúde que visa integrar a aquisição de novos conhecimentoscom os saberes e as vivências locais por meio da prática reflexivasobre o contexto das ações desenvolvidas, decompondo os descon-fortos e conflitos resultantes desses pensamentos críticos e práticascoletivas, para criar novas práxis e transformar realidades.
Esse processo acompanha um momento histórico de nossopaís, no qual as políticas de saúde vêm produzindo novas estraté-gias que visam transformar a formação de profissionais, incenti-vando a instituição de espaços criativos de produção e promoção dasaúde, enquanto possibilidades novas de reconhecer e lidar com aimensa complexidade do processo saúde-doença-cuidado.
Foram essas inspirações que nos motivaram a aceitar o desafio
da produção coletiva de um programa de ação e pesquisa que, aolongo dos últimos onze anos, envolveu um enorme grupo de profis-sionais de saúde, pós-graduandos e docentes que participaram dediferentes momentos deste trabalho, entendendo, como AntonioMachado, que “ao andar se faz o caminho”.
Este programa integrou a linha de pesquisa “Desenvolvi-mento e Análise de Tecnologias e Processos para Formação de
Profissionais de Saúde” do Programa de Pós-Graduação em SaúdeColetiva da Faculdade de Medicina de Botucatu, resultando em oitomestrados acadêmicos e cinco doutorados, parte dos quais emandamento.
Para tanto, foi essencial o apoio do programa Pró-Ensino naSaúde da Capes (resultado de parceria com o Ministério da Saúde)a nosso projeto – “Integração Universidade, Serviços de Saúde e
Comunidade (IUSC) na FMB/UNESP: construindo novas prá-ticas de formação e pesquisa”– mediante bolsas de mestrado, dou-torado, apoio à pesquisa e a produção desta obra.
Sistematizar e socializar os textos aqui presentes foi produtorde conhecimento e apropriação desse saber/fazer, desse modo de
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 23
refletir sobre o cotidiano do ensino na saúde e da educação pelo tra-balho, dando origem a questionamentos, criando e potencializando
coletivos de construção entre professores, estudantes, trabalha-dores, gestores e usuários
Diante da necessidade de renovação dos processos de trabalhonos serviços de saúde e de ensino e aprendizagem na universidadebrasileira, pensamos que, quanto maior o trabalho e educação inter-disciplinar produzido no entrelaçar de diferentes saberes profis-sionais e educacionais, maior a chance de aproximação de processos
inovadores e do cuidado compartilhado.Fazemos o convite à leitura, à crítica, à composição e decompo-
sição destas produções. Afinal,
Passarinho passou longeO melhor é nem mexerS’ele pinica esteja certo
Muito bom é de comerSaiba homem é fruta boaÉ até medicinalCoisa rica, mel, maciaGosto doce, divinal...
Gonzaguinha (Quintais, 2006)
Eliana Goldfarb Cyrino Antonio Pithon Cyrino
Daniele Godoy
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1ENSINO NA ATENÇÃO
PRIMÁRIA À SAÚDE E AS DIRETRIZES
CURRICULARESNACIONAIS: O PAPEL
DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO
Victória Ângela Adami BravoEliana Goldfarb Cyrino
Maria Antonia Ramos de Azevedo
O movimento de reorganização dos currículos das graduaçõesna área da saúde balizados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais(DCNs), instituídas a partir de 2001, e no caso da Medicina, emrecente reformulação, em 2014, tem potencializado o redimensio-namento do papel que hoje o ensino na atenção primária à saúdevem exercendo na dinâmica formativa dos cursos por meio da inte-
gração ensino-serviço, com a participação de professores, alunos,residentes, gestores, trabalhadores da saúde, usuários dos serviçose comunidade.
Trata-se, neste capítulo, do papel que os projetos político--pedagógicos (PPPs) podem ter para legitimar as Diretrizes Cur-riculares Nacionais na área da saúde numa perspectiva de formaçãointerprofissional dos futuros trabalhadores da saúde no espaço do
Sistema Único de Saúde (SUS), mediatizadas pelo ensino naatenção primária.
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26 ANTONIO P. CYRINO • DANIELE GODOY • ELIANA G. CYRINO
Alguns apontamentos sobre aeducação médica, a implantação do SUS
e o ensino na atenção primária à saúde
Atualmente, é consenso a necessidade de reformular os currí-culos da graduação em Medicina. Desde o relatório Flexner, a maisimportante reforma das escolas médicas de todos os tempos nosEstados Unidos da América e que influenciou profundamente aformação médica no mundo ocidental, poucas mudanças, no sen-
tido paradigmático, foram impressas nas graduações médicas. NoBrasil, com o Sistema Único de Saúde (SUS), que tem por princí-pios a universalidade, a integralidade e a equidade, torna-se neces-sário que o médico a ser formado tenha um perfil diferente daqueleproposto pelo relatório Flexner no início do século XX (Stella; Ba-tista, 2004).
No modelo flexneriano, a formação médica deveria estar inse-
rida ou ligada a uma universidade, assim como o hospital; os do-centes se dedicariam integralmente à pesquisa e ao ensino; o cursode graduação médica seria composto por um ciclo de dois anos, ociclo básico, com aulas em laboratórios para obter conhecimentobiológico. A teoria deveria anteceder a prática e preparar para ela.No segundo ciclo, os alunos aprenderiam com a clínica; por fim, noterceiro ciclo, no internato, o aluno teria treinamento sob super-
visão de docentes, com foco em doença-lesão orgânica (Paraguay,2011).
Com isso, o relatório, e todo o movimento que o sucedeu, con-tribuiu para a reorientação dos currículos das escolas médicas, comcentralidade na visão biologicista, deixando para segundo planoaspectos sociais, culturais e psicológicos. Ao longo dos anos foipossível perceber sua enorme contribuição para a organização cur-
ricular, mas, com o passar dos anos, apareceram críticas ao modeloinstituído.
Nunes afirma que análises recentes revelam que Flexnerdefendia
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rigor científico e estandardização da educação médica, ressaltava
que o treinamento, a qualidade e a quantidade da formação mé-
dica deveriam responder às necessidades da sociedade, os médicostêm obrigações sociais com a prevenção da doença e a promoção
da saúde, devendo receber treinamento com amplitude necessária
para realizar tais obrigações, e a colaboração entre medicina aca-
dêmica e saúde pública das comunidades resulta em benefícios
para ambas as partes. (Nunes, 2010)
Thomas Maack (Cyrino; Cyrino, 2010), em entrevista re-cente, reflete sobre os anos que decorreram do relatório até os diasde hoje:
O que esses anos trouxeram foram essencialmente duas mudanças
fundamentais, na minha opinião e na opinião de muitos: uma é a
expansão vertiginosa do conhecimento de ciências biomédicas,
principalmente nos últimos cinquenta anos, o que estabeleceu de-finitivamente as bases científicas da Medicina; a outra é a cons-
cientização de que o atendimento médico é um direito humano,
um direito do cidadão, com um enorme aumento da demanda por
essa assistência.
O relatório, portanto, contribuiu em seu tempo, mas, com o
passar dos anos, mostrou-se ineficaz para fazer frente às mudançasda sociedade contemporânea. Essas mudanças trouxeram a neces-sidade de reflexão sobre a educação médica. Com isso, os partici-pantes do processo educacional nas escolas médicas foram semobilizando e trazendo à tona a necessidade de mudança desseprocesso para acompanhar a transformação que foi se instalando nomundo todo.
Em 1988 e 1993 aconteceram as Conferências Mundiais deEducação Médica em Edimburgo, nas quais os educadores da áreamédica começaram a estabelecer as orientações que hoje balizamas reformas curriculares e a adequação da formação do médico àsnovas demandas sociais. No Brasil, na década de 1990, a Comissão
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Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico (Ci-naem) apontou a necessidade de reformulação do modelo de for-
mação. Isso ocorreu com base na avaliação do ensino médico noBrasil (1991-1997) (Maranhão; Gomes; Ciqueira-Batista, 2012).
Novas e antigas necessidades decorrem desse contexto, que re-percutem na proposta de formação do médico, defendida por di-versos autores, que deveria ser voltada para a integralidade docuidado à saúde e não mais centrada na doença. A presença do con-ceito de promoção à saúde, como estratégia de produção de saúde,
articulada às demais políticas e tecnologias desenvolvidas no sis-tema de saúde brasileiro, deve contribuir para uma formação quevalorize a construção de ações que possibilitem responder às neces-sidades sociais em saúde.
Para que o estudante de Medicina possa tornar-se um médicoreflexivo, agente de transformação social, é necessário que ele tenhacontato com a realidade em que irá atuar. As Diretrizes Curricu-
lares Nacionais vêm com o intuito de melhor preparar o profis-sional para o trabalho, com visão atual do processo de formação domédico.
Tomamos como marco referencial para discutir as DCNs eatenção primária, o sistema de saúde vigente no país quando elasforam elaboradas.
O Sistema Único de Saúde – criado pela Constituição Federal
de 1988 e regulamentado pelas leis n.8.080/90 e n.8.142/90, leisorgânicas da saúde, com a finalidade de alterar a situação de desi-gualdade na assistência à saúde – tornou o acesso gratuito à saúdedireito de todo cidadão; até então, as pessoas que tinham acesso àsaúde eram pessoas advindas de classes sociais favorecidas, pessoascom carteira assinada, e quem não tinha nada disso dependia decaridade, pois não possuía esse direito. Segundo Ferreira e Campos
(2012), nesse período, as escolas médicas eram insuficientes, com aconsequente limitação do número de estudantes, e o “currículo mí-nimo”, vigente na segunda metade do século passado, enfatizavao modelo biomédico, priorizando o uso da tecnologia, com enfra-quecimento da relação médico-paciente. Nessa época, já havia
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experiências de ensino na atenção primária, geralmente atreladas auma instituição, a um departamento ou a um professor. O Pro-
grama de Integração Docente Assistencial (Pida) e a implantaçãode Centros de Saúde Escola, desenvolvidos a partir da segunda me-tade do século XX, são exemplos de projetos exitosos que buscaramimpulsionar o desenvolvimento da medicina comunitária e a apro-ximação do ensino médico com a atenção primária à saúde.
A 8a Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, con-tribuiu para que esse cenário de integração universidade e atenção
primária se expandisse. Essa conferência foi a primeira em quea população teve voz ativa e participou intensamente das discus-sões, propondo a criação de uma ação institucional correspondenteao conceito ampliado de saúde, que envolve proteção, promoção erecuperação.
Os projetos de reforma curricular das escolas médicas, influen-ciados pela implantação das Diretrizes Curriculares Nacionais,
pelos diversos movimentos sociais no país, pelo movimento da re-forma sanitária e, na sequência, pela implantação do SUS, apontama importância da integração ensino-serviço para a formação de ummédico voltado às necessidades de saúde da população e do sistemade saúde vigente no país (Brasil, 2001). No entanto, constata-se,ainda hoje, que a grande maioria das instituições de ensino superiorno Brasil responsáveis pela formação de profissionais na área da
saúde estão distantes de uma formação que privilegie a integra-lidade do cuidado ou a prestação de serviços no SUS, fazendo comque os profissionais formados não correspondam às necessidadesde saúde da população, em especial da rede de serviços de atençãoprimária (Dias; Cyrino; Lastória, 2007).
Discutindo os rumos das escolas médicas no Brasil e as pro-postas de mudanças curriculares, Briani (2001) mostra que estas
têm sido desenvolvidas em uma perspectiva tecnicista, privile-giando a organização do currículo restrita à atividade técnica –o como fazer. Voltam-se à “promoção de metodologias de ensinocentradas no aluno, na resolução de problemas e no aprendizadocontínuo”, que, muitas vezes, são experiências reproduzidas, sem
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maior reflexão crítica, de modelos de ensino de outras nações comcaracterísticas estudantis, padrões culturais e estrutura univer-
sitária que diferem da experiência nacional, não conseguindo pro-blematizar a organização do currículo no contexto da sociedadebrasileira contemporânea, nem discutir demandas econômicas,políticas ou questões ideológicas envolvidas na formulação dessescurrículos, principalmente tendo em vista a especificidade do sis-tema público de saúde brasileiro.
Teixeira, Paim e Vilas Boas (1998) destacam que as práticas de
saúde devem ser entendidas como respostas sociais aos problemase necessidades de saúde das pessoas, seja individualmente, nosgrupos populacionais ou até mesmo na totalidade das populações.Do ponto de vista do individual, a perspectiva de análise é a clínicae os chamados fatores de risco, que determinam não só a busca detratamento e cura das doenças, como a modificação de comporta-mentos. Do ponto de vista do coletivo, a perspectiva predominante
é a promocional e preventiva, que busca identificar os determi-nantes econômicos, sociais e culturais das condições de vida e saúdedos diversos grupos da população como ponto de partida para arealização de intervenções ambientais, socioeconômicas e culturaisque promovam a melhoria dos níveis de saúde e o controle dedoenças.
A partir da década de 1990, novas propostas e modelos de
ensino médico vêm sendo construídos em diversas escolas da Amé-rica Latina, buscando-se uma reformulação desse ensino. Algunsdesses projetos propõem-se a realizar um ensino médico voltadopara o desenvolvimento de atividades que tomem como objetonecessidades sociais de saúde, “a busca de novos cenários para oensino/aprendizado em saúde, como as unidades básicas de saúdee a própria ideia de um ensino médico que articule os diferentes
níveis de atenção à integração dos serviços de saúde” (Cyrino; Ri-zatto, 2004).
A atenção primária é entendida aqui como primordial na for-mação do futuro profissional de saúde, pois, através do envolvi-mento com ela, o aluno pode perceber a necessidade da promoção à
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saúde, do acompanhamento de gestantes e crianças, da expressãode problemas individuais na dimensão do coletivo, do seguimento
longitudinal dos pacientes portadores de doenças crônicas, do aten-dimento em grupo, do trabalho em equipe, da necessidade de açõesintersetoriais, da percepção de um campo de complexidade queenvolve o sofrimento de difícil dimensionamento, da determinaçãosocial do adoecer e demais aspectos que, em outros pontos dasredes de atenção, como o Hospital Escola, são pouco explorados,dadas as próprias características do trabalho hospitalar e do ensino
centrado nas doenças.A vivência do estudante de Medicina na atenção primária por
um período de tempo maior, contínuo e com regularidade, vai per-mitir-lhe compreender que nesse nível de atenção se consegueresolver mais de 80% dos problemas de saúde de uma população.Torna-se evidente que exames complementares, equipamentos,medicamentos e insumos são indispensáveis, mas que, com maior
veemência, é na relação entre profissional de saúde e paciente,família e comunidade, com troca de saberes e a presença da subjeti-vidade dos sujeitos, enquanto portadores de conhecimentos dis-tintos, que se dará o desenvolvimento do cuidado qualificado.
Com a criação do Programa de Saúde da Família, em 1994, ademanda de profissionais na atenção primária aumentou substan-cialmente. De acordo com o Portal da Saúde, “a saúde da família é
entendida como uma estratégia de reorientação do modelo assis-tencial, operacionalizada mediante a implantação de equipes mul-tiprofissionais em unidades básicas de saúde. Estas equipes sãoresponsáveis pelo acompanhamento de um número definido de fa-mílias, localizadas em uma área geográfica delimitada. As equipesatuam com ações de promoção da saúde, prevenção, recuperação,reabilitação de doenças e agravos mais frequentes, e na manutenção
da saúde desta comunidade”.Em 2014, a Estratégia Saúde da Família (ESF) completa vinte
anos de existência, com mais de 34 mil equipes implantadas emquase todos os municípios brasileiros. Em que pese todo o esforçopolítico do Estado na busca à reorientação do modelo assistencial e
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na adoção de práticas que rompam com o modelo biomédico tradi-cional, a conversão não pode se realizar plenamente sem a mudança
radical da formação do profissional de saúde.Para Almeida (2008), “a articulação com os serviços de saúde e
com as organizações comunitárias da sociedade local é uma estra-tégia decisiva para os processos de mudança na formação de mé-dicos. Só contando com as forças renovadoras existentes nessessegmentos é que as forças renovadoras que atuam dentro da escolamédica conseguem sobrepujar o status quo mantido pelas forças
conservadoras. Essa articulação precisa alcançar progressivamentepatamares mais elevados em termos de identidade de propósitos,intercâmbio de interesses e instrumentos ou mecanismos de ex-pressão. Ou seja, as fases de aproximação, de coordenação e deinteração devem ser estágios para o estabelecimento de verdadeirasparcerias: alianças entre atores diferentes para a conquista de finscomuns, constituindo uma modalidade de cogestão, a partir da
qual os vínculos entre os parceiros se dão em pé de igualdade ede maneira mais profunda”.
Nesse contexto de mudança e na sequência das DCNs, foi pro-posto, em 2002, o Programa de Incentivo a Mudanças Curricularesnas Escolas de Medicina (Promed), como iniciativa conjunta dosministérios da Saúde (MS) e da Educação (MEC), com o propósitode estimular mudanças nos cursos médicos visando adequar a for-
mação profissional às necessidades do SUS. O Promed, que se pro-punha a induzir, com apoio do MS e MEC “uma nova escolamédica para um novo sistema de saúde”, teve início em 2002, coma participação efetiva de dezenove escolas (Brasil, 2002). O obje-tivo desse programa de indução de mudanças era o estabelecimentode um processo de cooperação entre gestores do SUS e escolas mé-dicas de forma sistemática e autossustentável; a incorporação pelo
ensino médico da noção integralizadora do processo saúde-doençae da promoção da saúde com ênfase na atenção básica; a ampliaçãodos cenários da prática médica para a rede de serviços básicos desaúde e, finalmente, a adoção de metodologias ativas no processoensino-aprendizagem da Medicina (Padilha, 2002).
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Estudo realizado por pesquisadores da UFMG, financiadopelo MS, sobre o desenvolvimento do Promed, aponta:
A análise dos dados mostrou a diversidade e a complexidade dos
obstáculos enfrentados pelas escolas médicas para implementar
seus projetos de mudança curricular. Mostrou ainda como esses
fatores dificultadores se inter-relacionam e se potencializam. No
entanto, é preciso analisar o movimento de mudanças na formação
profissional em saúde no Brasil, especialmente a médica, como
um processo em construção e sob forte influência do momentohistórico das políticas de saúde. Significa dizer que, de um lado,
muitos dos entraves para o avanço dos processos formativos extra-
polam o campo da educação e expressam o pensamento, as expec-
tativas e os anseios da sociedade em que as escolas se inserem. Por
outro, é preciso que as instituições de ensino se comprometam
com a formação de profissionais que atuam na sociedade de modo
a transformá-la, quebrando os paradigmas que limitam a concre-tização do enunciado “uma nova escola, para um novo sistema de
saúde”. (Alves, 2013)
Em 2003, foi criada, no Ministério da Saúde, a Secretaria deGestão do Trabalho e da Educação na Saúde e, na sequência, oDepartamento de Gestão da Educação na Saúde. O objetivo era
que o Ministério da Saúde assumisse seu papel de gestor federal doSistema Único de Saúde no que diz respeito à ordenação da for-mação de pessoal para o setor e à educação permanente do pessoalinserido no SUS.
Assim, diversas iniciativas – políticas, programas e projetos –vêm sendo propostas, muitas vezes como ações conjuntas entre osministérios da Educação e da Saúde, com o objetivo de apoiar e
fomentar uma formação universitária que se aproxime do SUS,seus princípios, necessidades e qualificação, propondo-se a con-quistar relações orgânicas entre as instituições de ensino superior ea gestão, a rede de atenção à saúde, os serviços de saúde e seustrabalhadores e os movimentos sociais. Podemos destacar alguns
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programas e projetos, como o Projeto Vivências e Estágios na Rea-lidade do SUS, VER-SUS/Brasil; o Pro-Saúde (Programa Nacional
de Reorientação dos Profissionais de Saúde); o PET-Saúde (Pro-grama de Educação pelo Trabalho para a Saúde), a publicação daPolítica Nacional de Educação Permanente para o SUS (Pneps); oPró-Internato (Programa Nacional de Apoio ao Internato Médico),o Programa de Residência Multiprofissional de Saúde, o ProjetoPro-Ensino na Saúde (Pro-Ensino). Esses programas, projetose políticas apresentam como objetivo comum a reorientação da
formação das profissões da saúde e a ampliação das práticas nosserviços como espaço de ensino e aprendizagem, apresentandoespecificidades que se inter-relacionam e podendo ser compreen-didos como complementares.
As DCNs e o projeto político-pedagógico
Para Almeida (2008), a aplicação das Diretrizes CurricularesNacionais por parte da escola médica só terá êxito se houver umaformidável capacidade de formar e manter equipes de trabalhodocente, de trabalho universitário (professores e estudantes) e detrabalho interinstitucional (com os serviços de saúde e com ascomunidades) dedicadas à construção, implementação e avaliação
permanente dos projetos político-pedagógicos. Isso porque ainterdisciplinaridade, a formação multiprofissional, a diversifi-cação de cenários de ensino-aprendizagem e a adoção de meto-dologias ativas e suas interfaces com o âmbito avaliativo exigemesforços compartilhados por parte dos sujeitos nos diferentes es-paços formativos.
Recentemente, políticas indutoras vêm sendo propostas pelos
ministérios da Educação e da Saúde com o objetivo de mudar a for-mação nas graduações na saúde. A criação do Programa de Apoio aPlanos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais(Reuni), a recente Lei Mais Médicos para o Brasil, que traz mu-danças na política de provimento médico para o SUS e a revisão,
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pelo Conselho Nacional de Educação, de novas Diretrizes Curri-culares Nacionais (DCNs) para a graduação médica, ocorrida em
2014, têm ampliado a possibilidade de abertura de novos cursos degraduação, de vagas em cursos existentes, de vagas de médicos resi-dentes, afirmado a centralidade da formação na atenção primária ea perspectiva de uma formação em redes de atenção à saúde noSUS, o aprimoramento da integração ensino-serviço, tendo o SUScomo ordenador da formação em saúde, o que fortalece a perspec-tiva da indissociabilidade entre formação e atenção em saúde.
Um exemplo dessa busca de ressignificação da formação naárea da saúde, tanto no âmbito da concepção de uma formaçãofocada no contexto real do SUS como na saúde, nas práticas peda-gógicas dos professores e diferentes profissionais, é apontado nolivro O estetoscópio e o caderno, de Godoy e Cyrino (2013, p.28), daFaculdade de Medicina da UNESP de Botucatu, que participaramdesses programas indutores “reformulando seus currículos, incor-
porando ou ampliando a presença de alunos em cenários da redelocal de saúde e/ou práticas mais junto à comunidade, tambémem outros espaços”. Os autores acrescentam ainda a fundamentalideia de que essas práticas indutoras de mudança no foco formativodevam desencadear e potencializar a transformação do perfil dofuturo profissional da área da saúde por meio de uma prática refle-xiva e contextual focada na humanização das relações profissionais
e pessoais.É possível, assim, entendermos que as DCNs na área médica,
desde sua criação em 2001, têm potencializado inúmeras aprendi-zagens acerca das propostas formativas, encaminhamentos edu-cacionais e as correlações que podem ser desencadeadas entre auniversidade e seus respectivos cursos e a sociedade, enfraque-cendo a ideia de uma universidade intramuros e descontextual.
Ao analisarmos as DCNs do ano de 2014 na área da Medicina,é possível apontarmos avanços na busca pela qualidade formativados futuros médicos no país. É fundamental esclarecer que asDCNs têm papel educativo e formativo, pois apontam possibi-lidades de organização; direcionamento e estruturação dos cursos
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de Medicina no país, que deverão estar balizados e em consonânciacom a realidade nacional brasileira.
No artigo 3o dessa resolução, é apresentada a função educativada formação médica, apontando como as propostas formativasdesses cursos devem se organizar para que possam dar conta daconstrução identitária do futuro profissional da Medicina. Noperfil profissional apresentado destaca-se a intencionalidade decomo os futuros médicos deverão ser formados. Isso fica claro nesteartigo: “uma formação geral, humanista, crítica, reflexiva e ética,
com capacidade para atuar nos diferentes níveis de atenção do pro-cesso saúde-doença, com ações de promoção, prevenção, recupe-ração e reabilitação da saúde, nos âmbitos individual e coletivo,com responsabilidade social e compromisso com a defesa da cida-dania e da dignidade humana, objetivando-se como promotor dasaúde integral do ser humano” (Brasil, 2014, p.1).
Quando elaboramos proposta formativa na organização dos
projetos político-pedagógicos, é fundamental a estruturação dadinâmica curricular. Nas DCNs, são apresentados três grandeseixos integradores que devem permear todo o processo formativodos futuros médicos, exigindo, dos seus docentes e profissionaisexternos à universidade, conhecimento, reconhecimento e desen-volvimento desses eixos durante todo o curso. Destacamos aqui aimportância, por um lado, da clareza dos eixos norteadores que
devem ser balizados em todo o curso e, por outro, o papel forma-tivo interdisciplinar e interprofissionalizante que os eixos poten-cializam.
É pertinente entendermos que cada eixo norteador (I – Atençãoà Saúde; II – Gestão em Saúde; III – Educação na Saúde) apontadonas novas DCNs foca a formação em processo, auxiliando enorme-mente os diferentes cursos na organização das suas propostas, que
devem ser contempladas em seus componentes curriculares viaarticulação das diferentes áreas de conhecimento. Para cada eixonorteador é apresentada ampla definição daquilo que deve seraprendido (conhecimento), aquilo que deve ser apreendido no pro-cesso de realização das atividades médicas (habilidades) e, por fim,
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aquilo que deve contribuir com a formação do ser humano médico,para sua formação ética, cidadã e humanitária (atitudes). É apon-
tado nas DCNs como os eixos necessitam estabelecer vínculo coma realidade do SUS e com outros setores da área da saúde para que aformação não fique aligeirada, ineficiente e descontextualizada darealidade local, municipal, estadual, regional e nacional.
Outro aspecto importante e formativo nas DCNs é o foco nosconteúdos fundamentais do curso de graduação em Medicina, rela-cionando-se o processo saúde-doença do cidadão, da família e
da comunidade com a realidade epidemiológica e profissional, pro-porcionando, assim, a integralidade das ações do cuidar em saúde.Essa clareza das DCNs acaba por nortear os próprios PPPs.
As DCNs são absolutamente claras quanto às orientações aoscursos na construção, aplicação e avaliação permanente dos seusPPPs, destacando o papel da formação centrada no aluno como su- jeito da aprendizagem e apoiado no professor, que é o profissional
mediador do processo de formação integral e adequada do estu-dante, articulando ensino, pesquisa e extensão. Nessa premissa, asDCNs são fundamentais para apontar a necessidade emergente deque esses cursos devem nascer já indissociáveis, interdisciplinares einterprofissionalizantes.
Entretanto, as DCNs só poderão surtir o efeito pedagógiconecessário se os PPPs conseguirem traduzir com propriedade a
proposta formativa contida nas diretrizes.Para explicar o que são projetos político-pedagógicos, nos ba-
seamos em Veiga (2012), que disseca os termos: “projeto”, que sig-nifica etimologicamente a ação de lançar para a frente, tendo comosinônimos plano, intenção, propósito, delineamento; “político”,“explicita que é derivado do termo grego polis, que significa ci-dade, pois envolve uma comunidade de indivíduos; pedagógico
aponta em sua etimologia o vínculo ao sentido de condução”. Esseselementos conceituais, quando bem entendidos e apreendidos, têma ação formativa e educativa.
O projeto pedagógico é essencial para que a instituição de en-sino possa caminhar sem perder o foco nas reais necessidades.
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Deve ser construído coletivamente, com todos os sujeitos partici-pantes do processo (professores, alunos, graduados, residentes,
colaboradores etc). Em sua construção, é importante que se façamos seguintes questionamentos: Onde estamos? Aonde queremoschegar? Como fazemos para chegar lá?
Essas questões definem os rumos do curso tendo por base múl-tiplas necessidades sociais e culturais da população.
Desenvolver o educando, prepará-lo para o exercício da cidadania
e do trabalho significam a construção de um sujeito que domineconhecimentos, dotado de atitudes necessárias para fazer parte de
um sistema político, para participar dos processos de produção da
sobrevivência e para desenvolver-se pessoal e socialmente. (Veiga,
2003)
Para desenvolver o educando como afirma Veiga, o sistema
educacional há de ser estruturado e reestruturado com o passar dotempo, acompanhando sempre as mudanças sociais. Para isso, asDCNs foram implantadas e por isso se fala tanto em reformas cur-riculares das escolas médicas hoje.
O projeto político-pedagógico visa à eficácia que deve decorrer da
aplicação técnica do conhecimento. Ele tem o cunho empírico-
-racional ou político-administrativo. Neste sentido, o projeto polí-tico-pedagógico é visto como um documento programático que
reúne as principais ideias, fundamentos, orientações curriculares
e organizacionais de uma instituição educativa ou de um curso.
(Veiga, 2003)
A elaboração do projeto político-pedagógico da universidade é
o principal ponto de referência para a construção da identidade dosprofissionais que nela atuam, assim como é a base para a formaçãode futuros cidadãos críticos, profissionais éticos e qualificados.
Dessa forma, o currículo deverá estar direcionado aos inte-resses da universidade, considerando todo um contexto histórico,
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a realidade local e as reais necessidades vivenciadas no cotidianopelos envolvidos no processo educativo.
Um projeto político-pedagógico, ao ser elaborado ou conduzidoà elaboração, tem a função de ajudar na conquista e consolidação daautonomia da universidade; necessita, assim, ser organizado e con-duzido por concepções de conhecimentos, promovendo o desenvol-vimento integral dos indivíduos, atualizando-se e transformando-sede acordo com os avanços e as mudanças da comunidade universi-tária; deve ser balizado pelas DCNs para decidir que caminho seguir,
que identidade ter, que concepções desenvolver diante dos sereshumanos que pretende formar.
Para Libâneo (2001), a construção de um projeto político--pedagógico requer continuidade, reestruturação, participação edemocratização, partindo da problemática abordada pela comu-nidade universitária, sendo necessário primeiramente delinear osprincípios norteadores em termos de ação, definindo o rumo e
as concepções sobre a prática pedagógica.Para que se possa realizar uma prática pedagógica comprome-
tida com a realidade, é indispensável que, além do conhecimentodessa realidade, seja promovido um processo de problematizaçãocrítica, sensibilizando a comunidade universitária para a elabo-ração do projeto político-pedagógico buscando soluções práticaspara os problemas detectados, observando que esse projeto é um
processo em constante construção/reconstrução, estando sempreaberto a novas análises, argumentações e questionamentos quantoàs necessidades no decorrer de sua organização.
A universidade deve buscar a qualidade no ensino, visandoespecialmente à interdisciplinaridade, à contextualização e à auto-nomia, expressando a necessidade de uma educação mais justa esolidária, mas sem esquecer que, antes de tudo, é necessário que o
professor tenha conhecimento, habilidades específicas e, sobre-tudo, consiga desenvolver suas competências para, desse modo,melhor compreender o sentido do saber, buscando a estruturaçãoda aprendizagem a partir da estrutura econômica, política e cul-tural do ambiente ao qual a universidade e seus alunos pertencem.
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Nesse momento, é importante salientar também que, assimcomo professores e alunos são considerados sujeitos centrais desse
processo, a participação de outros setores da comunidade universi-tária se faz necessária na busca por uma melhor estruturação dainstituição para a construção e implementação do seu projeto polí-tico-pedagógico.
Tomando como base o projeto político-pedagógico, pode-secompreender todo o funcionamento, a estrutura, a metodologia e aprática pedagógica, enfim, tudo o que pode e deve ser esclarecedor
para o bom entendimento da universidade por parte da comuni-dade e sobretudo por parte dos professores.
A principal característica de um projeto político-pedagógicoconsiste no envolvimento da comunidade educativa, visando a umprocesso de reflexão-ação, que se consegue por meio da práticareflexiva, em que se estabelece com o grupo um ponto de referênciaque passará a ser o gerador de questionamentos, dúvidas e mudanças.
A partir desse processo de reflexão-ação, a comunidade educa-tiva terá referencial concreto para a elaboração de pareceres ava-liativos sobre a realidade universitária, sendo possível analisar oprocesso em toda sua extensão, seja nos valores agregados à insti-tuição, metas a serem seguidas ou na recriação das regras para aconstrução crítica e autônoma da nova ordem educativa.
Portanto, deve ficar explícito e evidenciado, ao se determinara proposta teórico-metodológica da universidade, quais as con-cepções de ser humano, sociedade e educação que a mesma assume,qual teoria educacional irá guiar o processo ensino-aprendizageme como se manifestará a prática pedagógica cotidiana. Nesse con-texto, o projeto político-pedagógico deve oferecer elementos para aelaboração do curso, que será avaliado por meio dos planos de ação
anuais que surgem das necessidades da própria universidade.O processo de construção do projeto político-pedagógicobusca a organização do trabalho pedagógico da universidade, colo-cando em prática ações educativas que visem à globalização dacomunidade universitária.
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Mas, para que essa construção adquira dimensões expressivasacerca do que a universidade pretende atingir, é necessário que esta
seja relativamente autônoma, sendo capaz de delinear sua própriaidentidade, observando a importância de todos participarem daelaboração do projeto, conscientizando-se de que a universidade éespaço único, local de discussão, experiência e reflexão coletivas.
Atingir essa clareza conceitual e prática do poder formativo einformativo que a universidade exerce na sociedade requer uniãoe especialmente organização das ideias propostas, pois só se houver
o compromisso de todos em assumi-la como um complexo teórico--prático é que a universidade estará alicerçada em uma teoria peda-gógica crítica viável, com o componente curricular norteando ospassos do processo educativo.
Essa inter-relação exige que esse currículo seja prescrito, cons-truído, estudado e refletido pelos professores num processo deação-reflexão-ação permanente, valorizando e respeitando aspectos
ligados à história, às ideologias, aos interesses de grupos profissio-nais e grupos heterogêneos.
É necessário que os professores universitários realmente te-nham conhecimentos/saberes sobre o contexto universitário emque vão trabalhar: conhecimento do currículo; do PPP do cursodo qual fazem parte; acerca das inúmeras modalidades didáticas;das novas tecnologias educacionais; das pesquisas da área, assim
como do ensinar a fazer e a pensar sobre pesquisa; conhecimentosteórico-metodológicos dos projetos interdisciplinares tanto naconstrução, adoção e avaliação desses instrumentos de trabalho queenvolvem o ensino, a pesquisa e a extensão; e principalmente oconhecimento de saber refletir criticamente sobre seus atos e acon-tecimentos para provocar mudanças e desacomodações no ato deser e fazer educação universitária.
A formação docente é complexa e longa e está ligada a inú-meros aspectos e fatores externos e internos que vão se entre-cruzando, constituindo e moldando o profissional professor. Aformação de melhores profissionais para atuarem na realidade so-cial, histórica, política e cultural em sua complexidade na contem-
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poraneidade torna-se um desafio ainda maior no ensino superior,no qual todos que lá atuam devem procurar o desenvolvimento
profissional permanente, preciso e transformador.Para tanto, as universidades devem possibilitar um espaço de
discussão didático-pedagógica que instigue nos docentes a sua in-serção na realidade que emerge das múltiplas relações dos projetospedagógicos dos cursos e das possibilidades inerentes aos novoscurrículos, orientados pelas Diretrizes Curriculares de EducaçãoNacional. Devem também posicioná-los no retorno à sua formação
em programas de competência para a docência universitária, orien-tados pelas constantes alterações no cenário em que estão inseridos.
Em vista disso, os docentes que atuam no ensino superiordevem primar cada vez mais pela qualificação de seu trabalho, in-vestindo na adoção de concepções, metodologias e avaliações ino-vadoras, desafiadoras, inteligentes, criativas e estimuladoras quepromovam o processo de intervenção dos sujeitos e os qualifiquem
para o real exercício da sua profissão, assim como para a vida.O ensino deve pautar-se, então, por momentos de assimilação,
acomodação, desacomodação e elaboração dos conhecimentos cien-tíficos e sociais materializados nas matrizes curriculares dos cursosa partir de uma construção em que sejam respeitadas as DCNs, arealidade regional e as diretrizes político-pedagógicas da própriainstituição.
Os projetos político-pedagógicos têm a função institucionalde regulamentar o curso perante órgãos oficiais e a reitoria, sendodocumentos públicos que devem, portanto, ser mantidos atualizadose em locais de fácil acesso aos interessados. Não devem ser elabo-rados somente para cumprir a função burocrática/regulatória.
Esse aspecto é fundamental, pois, dependendo de como a pró-pria instituição entende o papel e a função que hoje os PPPs e
as DCNs ocupam na universidade, o PPP acaba sendo apenasum documento burocratizante, entendido como regulatório, ou seconstitui em um documento emancipatório que, ao mesmo tempoque projeta novo entendimento da ação formativa da proposta naárea médica, pode desencadear a ação emancipatória dos sujeitos
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que a elaboram e a vivenciam no dia a dia da universidade e nosdiferentes contextos socioculturais, com especial destaque ao SUS.
Veiga (2003) tem contribuído imensamente nessa discussãocom a clareza conceitual e prática do entendimento do papel que osPPPs, balizados pelas DCNs, têm tido na realidade universitária.Para ela, muitas vezes, a perspectiva regulatória do PPP perpetuade forma acrítica um discurso instituído contido em documentoscomo o Plano de Desenvolvimento Institucional.
A respeito dessa forma de orientação do PPP, a autora afirma:
A inovação regulatória ou técnica tem suas bases epistemológicas
assentadas no caráter regulador e normativo da ciência conserva-
dora, caracterizada, de um lado, pela observação descomprome-
tida, pela certeza ordenada e pela quantificação dos fenômenos
atrelados a um processo de mudança fragmentado, limitado e au-
toritário; e de outro, pelo não desenvolvimento de uma articulação
potencializadora de novas relações entre o ser, o saber e o agir.(Veiga, 2003, p.269)
A respeito da possibilidade de modificação do statu quo, osprojetos regulatórios em pouco contribuem, uma vez que, ao seremoficializados, provocam uma mudança das ações e orientação daspropostas em função de outros fatores, mas tal mudança, que em
muitos casos é parcial e temporária, não se traduz em uma novaforma de organização ou na possibilidade de modificação de umsistema vigente. As modificações de um projeto regulatório sãoorientadas para reproduzir o mesmo sistema, apenas com uma alte-ração no foco de interesse.
Em contraste com essa ideia tão enraizada na realidade dosPPPs nos cursos universitários, há outra possibilidade no processo
de construção, implementação e avaliação de um PPP, balizada pelaação emancipatória ou dialética. Nessa direção, Lucarelli (1994)afirma que, ao pensarmos um PPP a partir de uma perspectivaemancipadora, buscamos a ruptura do statu quo não apenas emescala social a partir da modificação de nossas ações, mas a ruptura
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de um statu quo institucional e pouco questionado na estrutura uni-versitária e escolar brasileira.
Um projeto será emancipador na medida em que os atores en-volvidos o incorporem em sua prática cotidiana, e que a existênciadesse projeto extrapole os limites das funções institucionais e passea orientar as propostas de intervenção político-social dos envol-vidos, através de propostas articuladas, ainda que estas não sejamnecessariamente orientadas pelas mesmas bases, mas tenham comodenominador comum os objetivos do curso pensados coletiva-
mente. Desse modo, através da elaboração de um PPP emancipador,fica explicitado um entendimento da função social da educaçãocomprometida com a evolução do sujeito e quebra de paradigmassociais existentes.
A instituição educativa não é apenas uma instituição que reproduz
relações sociais e valores dominantes, mas é também uma insti-
tuição de confronto, de resistência e proposição de inovações. Ainovação educativa deve produzir rupturas e, sob essa ótica, ela
procura romper com a clássica cisão entre concepção e execução,
uma divisão própria da organização do trabalho fragmentado.
(Veiga, 2003, p.277)
A existência de todos esses elementos é fundamental para que
o PPP cumpra sua função institucional, ao garantir que as instân-cias superiores da universidade tenham dados completos e atuali-zados a respeito dos cursos existentes, e cumpra também sua funçãosocial ao deixar sintetizado e explícito aos alunos, professores efuncionários que se integrem ao coletivo de componentes do cursoquais são as propostas que orientam as ações e decisões internas,e qual é o comprometimento desse curso com a manutenção ou mo-
dificação da sociedade em questão.A busca pela efetivação das DCNs deve ser entendida como
elemento fundamental para a construção, implementação e ava-liação das propostas pedagógicas dos cursos médicos em que aatenção primária à saúde tenha papel determinante e cujo foco for-
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mativo seja o SUS, lugar onde o trabalho dos professores universi-tários e dos diferentes profissionais possibilite promoção à saúde
concentrada na qualidade de vida e das relações construídas com ossujeitos.
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PARTE I
A DISCIPLINA IUSC
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2A CONSTRUÇÃO DE UMA DISCIPLINA:
UM OLHAR SOBRE O PROCESSO DE
IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA
DE ENSINO DE GRADUAÇÃO MÉDICANA COMUNIDADE
Maria Regina Pires Uliana
Antonio Pithon Cyrino
Neste capítulo, apresentamos o processo de formulação, im-plantação e desenvolvimento inicial do programa de InteraçãoUniversidade, Serviços e Comunidade (IUSC), conjunto de ati-vidades pedagógicas do curso de graduação em Medicina da Facul-dade de Medicina de Botucatu (FMB) – UNESP, realizadas no
âmbito da atenção primária à saúde.1
A FMB, desde o final dos anos 1960, tem sua história pon-tuada por inúmeras iniciativas, desenvolvidas inicialmente peloDepartamento de Saúde Pública, que podem ser caracterizadascomo pioneiras no campo do ensino médico na comunidade (Cyri-no, 1996). A partir dos anos 1990, novas experiências, envolvendooutros departamentos acadêmicos, são estabelecidas, mediante es-
tímulo do programa UNI. Já na última década, há outra amplifi-cação dessas práticas a partir de novos desafios e proposições de
1. Este estudo foi realizado com base em pesquisa documental. Para um maiordetalhamento sobre a metodologia, ver Uliana (2010).
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reorientação da educação médica, como as Diretrizes CurricularesNacionais do Curso de Graduação em Medicina (DCNM), em
2001, e as iniciativas governamentais de incentivo à mudança doensino de graduação das profissões de saúde, dado o novo papel in-dutor do Ministério da Saúde, com a Constituição de 1988 e a legis-lação complementar que instituiu o Sistema Único de Saúde (SUS),que lhe atribui o papel de ordenador da formação de recursos hu-manos em saúde. Nesta última década, no contexto da FMB, tam-bém foi relevante para tal processo de expansão do ensino na
comunidade, a implantação, em 2001, do Núcleo de Apoio Pedagó-gico (NAP): um grupo de trabalho composto por discentes edocentes da instituição, que iniciou sua atuação em parceria como Conselho de Curso da Medicina. O NAP, caracterizado comoimportante espaço dedicado à formulação e apoio de projetos peda-gógicos, contribuiu para que a instituição fosse selecionada, peloMinistério da Saúde, para participar do Programa de Incentivo àsMudanças Curriculares dos Cursos de Medicina (Promed), dadoque a formulação do projeto da FMB deu-se aí.
A influência das DCNM também se fez presente no curso deMedicina da própria FMB, visto que em seus pressupostos res-saltam a necessidade de se adequar a formação profissional “demodo a contemplar um ensino em cenários da atenção primária àsaúde, permitindo aos alunos uma interação com os serviços”(Brasil, 2001, p.1).
Dadas as condições anteriormente indicadas, a proposta de umprograma de ensino na comunidade na FMB foi elaborada a partirdo lançamento do edital do Promed e orientado por um de seus ve-tores – diversificação de cenários de ensino-aprendizagem –, dentrodo eixo cenários de práticas (Brasil, 2002).
Elaboração do programa IUSC
A partir das anteriores experiências institucionais de modifi-cação curricular, a FMB, para atender ao edital do Promed, passa aconstruir, de maneira participativa, em 2002, um planejamento de
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proposta de mudança curricular utilizando-se do planejamentoparticipativo, ou seja, com base em discussões internas e oficinas
de planejamento envolvendo estudantes de Medicina, docentes edireção da FMB, docentes do Instituto de Biociências da UNESPe representantes da Secretaria Municipal de Saúde e da comuni-dade local (UNESP, 2002a).
Nessa ocasião, é relevante que se destaque a realização de semi-nário, no município de Embu (SP), com os dirigentes das institui-ções que se inscreveram no Promed. Após o evento, a diretora da
FMB, sensibilizada com as discussões de modelo de ensino nacomunidade, recomendou que a instituição priorizasse, no projeto,o ensino em pequenos grupos, uma vez que “diversificar cenários deaprendizagem significaria criar oportunidades de envolvimentodos alunos em situações de práticas de saúde desde o início do cursoe ao longo dos seis anos” (idem, p.9).
A proposta inicial de desenvolvimento do IUSC baseou-se naexperiência que a FMB tinha de ensino na comunidade e na atençãobásica, nos seus últimos quarenta anos de existência e, principal-mente, no processo que fora desenvolvido em Niterói pela Univer-sidade Federal Fluminense, a qual foi visitada por um grupo deprofessores, médicos e profissionais da FMB para conhecimentode tal processo (UNESP, 2005a).
Destaca-se que o momento era bastante propício, pois a dire-toria da FMB acreditou na proposta como uma forma de inovar e
dar visibilidade interna e externamente ao currículo médico.A proposta inicial estabeleceu que o ensino na comunidade
fosse desenvolvido com os alunos do 1o ao 6o ano médico, divididosem nove grupos, que frequentariam regiões da área de abrangênciadas unidades básicas de saúde (UBSs)/unidades de saúde da fa-mília (USFs) de Botucatu, permanecendo na mesma região durantetoda a graduação. Tal proposta permitiria ao aluno melhor conhecer
a população da área e vice-versa.2
2. Marilza Vieira Cunha Rudge, em aula sobre a proposta do IUSC, dada naFMB em 2003.
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As atividades na comunidade, de acordo com o projeto, se da-riam em parceria com a Prefeitura Municipal de Botucatu e a comu-
nidade, com o intuito de observar a situação de vida e de saúde dapopulação, e participar das estratégias de proteção e cuidadosdesenvolvidas na rede de atenção básica à saúde do município.
Os espaços da própria comunidade, tais como domicílios, cre-ches e escolas, além das unidades de saúde, corresponderiam aoscenários de ensino do IUSC. De acordo com documento institu-cional, nesses espaços deveriam prevalecer a resolubilidade, a assis-
tência integral, o trabalho em equipe e a participação dos usuários(UNESP, 2002b).
A metodologia de ensino-aprendizagem proposta pela coorde-nação do programa foi a de educação problematizadora, na qual oprocesso de ensino começa com exposição dos estudantes a pro-blemas reais: observação da realidade. Nesse processo, ao se re-velar, para alunos e professores, os problemas de saúde e as suas
contradições, há a possibilidade de reflexão da realidade local sobrea própria prática, o que marca o caráter fortemente analítico dessaproposta pedagógica (Cyrino et al., 2005b).
Nesse trabalho, segundo uma das formuladoras do projeto, oprofessor “deve refletir com o aluno, exigindo a disponibilidadede pesquisar, de acompanhar e colaborar no aprendizado crítico doestudante”, o que frequentemente coloca o professor diante de si-
tuações imprevistas, demandando que professores e alunos com-partilhem de fato do processo de construção do conhecimento(Cyrino et al., 2006, p.75). Assim, após o estudo de um problema,outros desdobramentos podem surgir, exigindo-se o contato comsituações ou conteúdos não previstos pelo professor num primeiromomento, mas que devem ser investigados por serem relevantes àcompreensão do problema.
A proposta final do programa IUSC foi então construída jácontemplando um cronograma de atividades para o ano de 2003.
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A operacionalização das propostas paraensino na comunidade
A FMB foi selecionada para o Promed com outras dezenoveescolas no Brasil (para a execução do projeto), iniciando um pro-cesso de reorganização do curso de Medicina com o objetivo, emconsonância com o referido edital, “de formar profissionais do-tados de conhecimentos, proficiência técnica e valores que os habi-litem a uma prática competente, ética e socialmente responsável”
(UNESP, 2002b, p.37).A partir da aprovação do projeto, o grupo de trabalho do NAP
realiza várias visitas às unidades de saúde para reconhecimento dosespaços de ensino que serviriam para a viabilização das atividadespropostas para os quatro anos seguintes.
Para tanto, contaram com o apoio da Secretaria Municipal deSaúde de Botucatu na escolha dos territórios e equipamentos sociais
que serviriam como cenários de ensino. Assim, a partir de 2003, oprojeto de ensino na comunidade operacionaliza-se de acordo coma proposta inicial apresentada ao Ministério da Saúde − Promed,mas readequado às condições da rede de serviços de saúde local e àqualificação do corpo docente.
O plano de ensino inicialmente estabelecido pelos formula-dores do programa IUSC propunha “formar médicos com habi-
lidades […] a serem exercidas com responsabilidade, comcuriosidade científica e que lhes permita recuperar a dimensão es-sencial do cuidado: a relação entre humanos” e orientando-se paraa integralidade e humanização do cuidado (Cyrino et al., 2005a,p.21).
Ao contemplar um ensino voltado para esses dois eixos temá-ticos – integralidade e humanização –, o IUSC se propõe a ampliar
a compreensão de que a clínica não é só um conjunto de ações indi-viduais, mas um olhar ampliado para os problemas de cada um, eque “o acolhimento às necessidades básicas de saúde pode e deveacontecer num sistema de saúde organizado pela hierarquia decomplexidade do cuidado” (ibidem, p.24).
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Além disso, para os formuladores do IUSC, as atividades edu-cacionais não deveriam se restringir à visão biológico-reducionista
do cuidado médico, mas voltar-se para a integralidade das açõesem saúde, que valoriza a educação em saúde e a promoção da qua-lidade de vida (Cyrino et al., 2007).
A prática na comunidade também deveria contribuir para umaformação humanizada mediante:
estratégia de ensino que valorize a enorme importância dos conhe-
cimentos clínicos, na assistência individual, mas também quevalorize a clínica como um espaço de desenvolvimento de diá-
logos, de narrativa, de fala e escuta, considerando o cliente sujeito
de seu tratamento e buscando melhorar sua qualidade de vida.
(Cyrino, 2005b, p.35)
A metodologia mais adequada para alcançar os objetivos pro-
postos, conforme documento, incluiria a problematização e o tra-balho grupal, por possibilitar aos alunos reflexões baseadas nascontradições da prática médica focada exclusivamente na doença epropiciar-lhes uma visão ampliada sobre o processo saúde-doença(UNESP, 2005a).
No entanto, tal proposta pedagógica apresentou um grandedesafio à equipe do IUSC: contar com número suficiente de profes-
sores tutores habilitados para trabalhar com essa metodologiaproblematizadora.
Definiu-se, ainda, que os professores poderiam e deveriam serde diferentes formações e, assim, a coordenação do programa sele-cionou e capacitou onze profissionais de saúde (médico, enfermeiro,psicólogo, pedagogo, fonoaudiólogo, biólogo, terapeuta ocupa-cional, nutricionista, odontólogo e profissionais de comunicação
e serviço social) para o acompanhamento dos noventa alunos do1o ano de graduação médica, os quais foram divididos em pequenosgrupos de oito a nove para cada professor (UNESP, 2002c).
Embora inicialmente prevista a participação de docentes daFMB como professores do IUSC, cabe apontar que isso não se con-
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cretizou, conforme consta no documento de avaliação, de modoque os onze profissionais (pertencentes ou não à rede de serviço
municipal) que compunham o quadro, passaram a ser denomi-nados professores tutores (UNESP, 2005a).
Nesse aspecto, a proposta do IUSC procurou trazer “o rompi-mento com o ensino disciplinar, buscando-se, assim, propiciarexperiências interdisciplinares, nas quais os alunos possam per-ceber que a construção do conhecimento depende do saber dedistintas áreas” (Cyrino et al., 2007).
A expectativa dos formuladores do programa IUSC era de quea inserção do estudante na região das unidades de saúde possibili-tasse um olhar e uma escuta mais qualificada, além de ampliar oconhecimento sobre a cidade, o bairro e o território. Ao mesmotempo, daria aos estudantes a oportunidade de intervir na realidadecom o desenvolvimento de ações educativas das mais diferentesnaturezas, mediante interação com as equipes locais de saúde e
comunidade (idem, 2007).No Quadro 1 dispõem-se os objetivos gerais definidos para os
primeiros anos com o propósito de acompanhar as imagens iniciaisna formulação do IUSC.
Em relação ao cenário de prática, conforme consta em rela-tório, o primeiro ano da graduação do IUSC desenvolveu-se comatividades na comunidade que se destinavam a contemplar ações de
promoção da saúde em área territorial definida pela abrangênciada UBS com as equipes dos serviços de saúde, buscando rompercom a dicotomia preventivo/curativo (UNESP, 2002c).
Dentre as estratégias estabelecidas para atuação dos estudantesna comunidade encontravam-se ainda: a realização de visitas domi-ciliares para observação e acompanhamento de crianças menores de2 anos; o reconhecimento do território referenciado a uma unidade
de saúde visando à compreensão de aspectos do SUS; visitas e reco-nhecimento do trabalho desenvolvido nas UBSs e nos equipamen-tos sociais (creches, escolas, centros comunitários, entre outrasorganizações de assistência), atentando para a interface saúde--educação e para a elaboração de práticas de prevenção à doença e
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promoção à saúde por meio de atividade de educação em saúde
orientadas para problemas específicos do bairro ou das escolas(UNESP, 2002c; Cyrino et al., 2006).
Uma estratégia que merece destaque, na proposta elaboradapara o IUSC, é a visita domiciliar, que é compreendida como umcampo de conflito.
A visita domiciliar (VD) foi, dentre as estratégias propostaspelos formuladores do IUSC, a que mais capitalizou a atenção dos
coordenadores e professores, especialmente sobre seus funda-mentos e seu significado para a formação médica. Nas discussõesocorridas sobre a visita domiciliar, o grupo dividiu-se entre o seuuso como instrumento de coleta de informações sobre o território,habitação, saneamento, condições ambientais e físicas em que viveo indivíduo, e estratégia pedagógica para a formação de vínculosinterpessoais, à medida que a inserção do aluno no território se
configurasse como oportunidade para o diálogo e a interação dosestudantes com as famílias.3
3. E. G. Cyrino (FMB), comunicação pessoal, 2009.
Quadro 1 − Objetivos gerais propostos para o programa IUSC, em seus
três primeiros anos de implantação
IUSC Objetivos gerais
1o ano (2003)
Reconhecer a real situação de vida e de saúde da comunidade (como vivem,por que adoecem e morrem os cidadãos) e ainda participar das estratégias deproteção e cuidados à saúde, desenvolvidas através da rede de atenção básicado município de Botucatu.
2o ano (2004)
Desenvolver uma formação médica que propicie uma atuação humanizadapara a população; desenvolver ações de promoção, educação e prevenção àdoença entre a comunidade da área de abrangência da unidade básica desaúde (UBS) e/ou unidade de saúde da família (USF), em parceria com a rede
de atenção básica do município de Botucatu.
3o ano (2005)
Manter o desenvolvimento de ações de promoção, educação e prevenção àdoença entre a comunidade da área de abrangência da unidade básica desaúde (UBS) e/ou unidade de saúde da família (USF), em parceria com a redede atenção básica do município de Botucatu.
Fonte: UNESP, 2003, 2004a, 2005b.
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 59
A opção que consta no documento do Promed refere-se à pri-meira proposta, na qual cada aluno faria, em média, vinte ou trinta
visitas às famílias durante o ano, levantando aspectos relacionadosa determinantes sociais do processo saúde-doença, para posteriorestudo destinado à caracterização do território (UNESP, 2002c).
Na sequência, a proposta foi reformulada e se optou por dimi-nuir o número de visitas, passando-se para doze a dezesseis porano, cabendo, a cada aluno, o acompanhamento de três famílias,com as atividades distribuídas em quatro ou cinco encontros ao ano.
Assim, os recém-nascidos e suas famílias foram selecionadospelo cadastro de nascidos vivos das duas maternidades de Botu-catu. A partir dessa seleção, os alunos iniciariam as visitas domi-ciliares com entrevistas às famílias usando roteiro semiestruturadoe, pela proposta estabelecida, deveriam acompanhar as mesmascrianças até o 6o ano do curso médico.
Após alguns meses de prática na comunidade e considerando
as primeiras avaliações de alunos e professores a respeito das ativi-dades ali desenvolvidas, o grupo de formuladores do programa fazuma revisão da proposta especialmente em relação ao objetivo davisita domiciliar. Com isto se adota a segunda proposta formulada,qual seja, a da visita domiciliar como estratégia pedagógica. Há,assim, uma reorganização dessas visitas para o segundo semestredesse mesmo ano (UNESP, 2005a).
Com essa revisão e readequação dos objetivos, os alunos pas-saram a acompanhar os bebês até o segundo ano de vida, durante oano todo, com um plano de visitas temáticas relacionadas à saúdeinfantil: amamentação, vacinação e desenvolvimento infantil noprimeiro ano de vida.4
Assim, o que se pode perceber na pesquisa dos documentos éque, durante a implantação do IUSC, ocorreu uma mescla entre
duas propostas de atividades para a visita domiciliar: os alunos ini-ciaram visitas rotineiras às casas das famílias realizando entrevistas
4. R. M. Z. Romanholi (FMB), comunicação pessoal, 2009.
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com um modelo de inquérito populacional epidemiológico e, a par-tir do segundo semestre, enfocaram também temas da saúde infantil
preestabelecidos, visando à formação de vínculos interpessoais.De acordo com o material pesquisado, ainda é possível observar
que, no ano seguinte, em 2004, com a implantação do 2o ano doIUSC, algumas estratégias foram reformuladas, especialmente a dasvisitas domiciliares. Assim, as famílias a serem acompanhadas desdeo 1o ano passaram a ser indicadas pelos profissionais das unidadesde saúde; o contato com as mesmas passou a ser realizado previa-
mente pelos professores tutores ou agentes comunitários de saúde, eos objetivos foram redefinidos de modo a se estabelecer uma conti-nuidade do trabalho nos dois primeiros anos (UNESP, 2004).
Para auxiliar essa nova prática, os professores tutores deveriampreparar seus respectivos grupos para que as visitas se realizassemmediante conversa com os familiares orientada por temática pre-viamente indicada pelas próprias famílias e pela coordenação geral
do IUSC. Caberia ainda aos tutores orientar os alunos quanto aosreferidos tópicos de forma a fundamentar e subsidiar suas ati-vidades nos bairros. Dessa maneira, as atividades desenvolvidasdeveriam, a todo momento, ressaltar a importância de se reco-nhecer o espaço comunitário como um lugar de relações a seremestabelecidas com as famílias, e de produção de saúde a partir desuas peculiaridades.5
A relevância da proposta também foi destacada no jornal dacidade de Botucatu, com a manchete “Futuros médicos vão paraperiferia”, ressaltando o trabalho desenvolvido pelos alunos nosbairros do município e apontando como principais objetivos doprograma: “verificar a área de abrangência do bairro, promover oacompanhamento de recém-nascidos e sua família, reconhecero cenário social do trabalho médico e profissional da saúde e, ainda,
participar ativamente em ações desenvolvidas pela comunidade paraa própria comunidade” (Futuros…, 2003).
5. E. G. Cyrino e R. M. Z. Romanholi (FMB), comunicação pessoal, 2009.
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Para acompanhar o desenvolvimento dessa nova estratégiacurricular da FMB, constituiu-se, em 2004, uma comissão gestora
local de acompanhamento do IUSC, com representantes da univer-sidade, da Secretaria Municipal de Saúde de Botucatu, do ConselhoMunicipal de Saúde e do corpo discente da faculdade, com o pro-pósito de se identificarem as fragilidades e fortalezas que fossemaparecendo na proposta de ensino na comunidade.
Além dessa comissão, já era prevista a realização, ao final decada semestre, de avaliações do curso, com estudantes e profes-
sores, por meio de instrumentos propostos pela coordenação,visando obter dados qualitativos e quantitativos (Perosa; Roma-nholi; Cyrino, 2005).
A operacionalização do programa IUSC se deu por um pro-cesso gradativo de implantação e readequação, de acordo com arealidade que se apresentava durante o processo de vivência, reve-lando tanto situações conflituosas e imprevistas, como facilitadoras
para o desenvolvimento das estratégias.Durante todo o processo de implantação do programa, houve
momentos de revisão dos objetivos, das estratégias e dos instru-mentos de avaliação, de maneira que o desenho da proposta foi sedefinindo ainda mais.
A participação dos alunos, dos professores tutores, dos profis-sionais dos serviços de saúde e da própria comunidade, nesse pro-
cesso de revisão e reavaliação da proposta de ensino na comunidade,foi importante para que muitos aspectos do programa fossem rea-daptados. Tais mudanças são mostradas no Quadro 2 (UNESP,2005b; Cyrino et al., 2007).
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Quadro 2 – Síntese dos principais aspectos do IUSC na sua idealização e
durante sua concretização
A proposta pedagógica do Promed (2002)O programa IUSC operacionalizado
(2003 a 2005)
A concepção elaborada no projeto inicial
Plano de ensino
Pautado nos planos discursivos deintegralidade e humanização, mas semdefinição clara desses conceitos
A construção do programa na comunidade
Plano de ensino
Pautado nos planos discursivos deintegralidade e humanização; construçãocoletiva desses conceitos de maneira acontemplar conteúdos de:
− comunicação, saúde pública, educação emsaúde, ciências sociais, humanismo
− saúde da criança e saúde mental
Professores e metodologia
− 9 professores de diferentes formaçõesprofissionais, com vivências na saúde econhecimentos de SUS e APS/AB
Preparo para metodologia problematizadora
alunos do 1o
ao 6o
ano médico
9 áreas de abrangência de UBS/USF
9 grupos de 10 a 12 alunos
Cenários de prática e atividades propostas:
− observar a situação de vida elevantamento de dados de saúde da
população no território, por meio de visitasdomiciliares às casas de famílias, com oacompanhamento de 288 crianças nascidasem 2003, e cada aluno ficando com trêsbebês e suas famílias, nos 6 anos defaculdade
− integração curricular com Saúde Coletivae Bioestatística
− identificação de problemas e construção
da sala situacional e apresentação dotrabalho à comunidade
− reconhecimento das UBSs eequipamentos sociais
Professores e metodologia na implantação
− 11 professores tutores (multiprofissionais)
Preparo para metodologia problematizadora
alunos do 1o
ao 3o
ano médico
11 grupos de 8 a 9 alunos
11 áreas de abrangência de UBS
Cenários de prática e atividades realizadas:
− reconhecimento de territórios
− realização de visitas domiciliares
temáticas às casas de famílias com bebêsmenores de um ano (três bebês/alunodurante o 1o e 2o anos)
− reconhecimento das UBSs e equipamentossociais (creches, escolas, projetos sociais)
− atividade de educação em saúde baseadaem demandas específicas do bairro ou dasescolas/creches
− atendimento em clínica de adulto nas
UBSs/USFs
Fonte: UNESP, 2002b, 2002c, 2005a.
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A consolidação do IUSC como disciplina
Em 2005, o Ministério da Saúde, em parceria com o Ministérioda Educação, lança novo edital de incentivo à reforma curricular: oPrograma Nacional de Reorientação da Formação Profissional emSaúde, Pró-Saúde, com proposta muito semelhante àquela doPromed, qual seja, a reorientação da formação profissional emescolas superiores na área da saúde (sobretudo Medicina, Enfer-magem e Odontologia) em direção à maior integração das insti-
tuições de ensino ao serviço público de saúde, na construção efortalecimento do SUS (Brasil, 2007).
Mais uma vez, a FMB − UNESP foi contemplada com osrecursos do Ministério da Saúde, visto que a Coordenação do Pro-grama IUSC, bem como o NAP e sua Frente de Ensino na Comu-nidade se empenharam em destacar a necessidade de se continuarinvestindo nesse projeto, demonstrando as reestruturações já reali-
zadas, apontando dificuldades, buscando novas capacitações e,sobretudo, apontando a necessidade de uma segurança institu-cional para que esse ensino fosse incorporado ao currículo (UNESP,2005b).
Destaque deve ser dado, dentro dessa perspectiva, ao apoio dadiretoria da FMB e de seu Conselho de Curso na busca da concre-tização e continuidade da proposta do IUSC. Desse modo, o IUSC,
que se iniciou em 2003, na condição de um “programa”, pleiteou acondição de disciplina curricular a partir de 2005.
Após diversas discussões e reuniões entre Conselho de Curso,membros do NAP e alunos sobre a possibilidade de o programaIUSC tornar-se disciplina (IUSC I, II e III), a proposta foi colocadaem pauta na reunião da Congregação da FMB − UNESP. Foi deba-tida intensamente e aprovada em 2006, para que, a partir do ano
seguinte, fosse implantada gradativamente do 1o
ao 3o
ano na gradedo curso médico (UNESP, 2006).
Para visualização de todo esse processo de construção relatadonos tópicos anteriores, o Quadro 2 apresenta, de maneira sintética, asprincipais informações do processo de operacionalização do IUSC.
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Discussão
É possível reconhecer que o contexto em que se deu a formu-lação do programa IUSC e, a seguir, da disciplina IUSC, foi forte-mente influenciado por políticas governamentais de indução deprocessos de reorientação do modelo político-pedagógico da edu-cação médica no país.
Cabe também lembrar que a legislação infraconstitucional –Lei n.8.080, de 19 de setembro de 1990, em seus artigos 13, 15 e 27
– deu a base jurídico-política para que o Ministério da Saúde (MS)viesse a ordenar a formação de recursos humanos em saúde. Talprocesso, todavia, só teve início doze anos após a regulamentação doSUS (Brasil, 1990), e avançou significativamente com a criaçãono MS da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde(SGTES), em 2003.
Essas políticas (Promed, Pró-Saúde, PET-Saúde) buscaramdar suporte financeiro, apoio técnico e político às instituições sele-cionadas, as quais deveriam conformar-se como exemplos de seualcance.
É notável que tais mudanças se fizessem em contexto de pós--reforma sanitária e em consonância com a implantação do SistemaÚnico de Saúde, quando uma nova agenda de questões relativas àformação de profissionais de saúde vinha sendo construída pordiferentes sujeitos nesse processo, e, sobretudo, quando havia o
reconhecimento do Estado da necessidade de executar os ajustesnecessários para a sintonia entre necessidades sociais, dimensiona-mento da força de trabalho e aparelho formador (Campos et al.,2001).
Parte desses ajustes foi realizado a partir dos referidos pro-gramas de incentivo à reorientação curricular das graduações mé-dicas, os quais tinham como dois de seus objetivos a ampliação dos
espaços de ensino para além da universidade e o fortalecimento daatenção básica, em especial do Programa Saúde da Família (Oli-veira, 2008).
A FMB conseguiu angariar apoio político institucional internopara sua reformulação curricular, para o que foi fundamental ter
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sido uma das escolas médicas selecionadas para receber recursos doPromed e do Pró-Saúde.
O programa IUSC, enquanto parte do processo de reformacurricular, mostrou-se uma proposta “inovadora”, ao introduzirelementos novos, por referência, às experiências anteriores de en-sino na comunidade na FMB.
Reconhecer o caráter inovador desta e outras experiências, queocorrem nos limites de uma disciplina ou entre disciplinas de ummesmo curso, pode favorecer rupturas com as formas tradicionais
do ensinar e do aprender (Cunha et al., 2001).Ao tratar das possibilidades de reorientação da educação mé-dica, Almeida (1999) assinala que tais iniciativas podem ocorrerem diferentes planos de modificação: o da inovação, o da reforma eo da transformação. No plano da inovação, estariam as mudanças,
geralmente pontuais, localizadas, particulares e parciais, [aquelas]inovações que concentram-se nas atividades, nos meios e nas rela-ções técnicas entre os agentes do ensino e o processo de ensino.(Almeida, 1999, p.10)
O processo de desenvolvimento do programa IUSC, coerentecom Cunha et al. (2001) e Almeida (1999), anteriormente citados,pode ser considerado uma inovação pedagógica dadas algumaspeculiaridades que serão tratadas a seguir: a adoção de uma peda-
gogia problematizadora e a orientação da prática de atenção tendocomo pressupostos a integralidade e a humanização do cuidado.
Os idealizadores do Programa IUSC, segundo esse estudodocumental, buscaram nas teorias de Paulo Freire subsídios paraefetivar um processo de ensino-aprendizagem mais reflexivo einterativo, tornando-o uma “aventura criadora” e não mais a merarepetição de lições e conteúdos.
Nesse sentido, a problematização deveria trazer ao aluno o atoconstante da reflexão, que, segundo Freire (1999, 2007), se caracte-rizaria como um construir e reconstruir conhecimentos, de maneiraa interferir e mudar, tornando o sujeito crítico de seu próprio pro-cesso de aprendizagem.
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Para tanto, os problemas a serem estudados pelos alunos pre-cisam valer-se de um cenário real para que, pela observação da
realidade, possam manifestar-se com todas as suas contradições(Freire, 1992).
Ainda em relação à metodologia, Cyrino e Toralles-Pereira(2004), ao estudarem duas estratégias pedagógicas – a proble-matização e a aprendizagem baseada em problemas (ABP) –, ascaracterizam como “educação problematizadora”. E que, assimsendo, trabalham
a construção de conhecimentos a partir da vivência de experiên-
cias significativas e se apoiam nos processos de aprendizagem por
descoberta, em oposição aos de recepção (em que os conteúdos são
oferecidos ao aluno em sua forma final), os conteúdos de ensino
não são oferecidos aos alunos em sua forma acabada, mas na forma
de problemas. (Cyrino; Toralles-Pereira, 2004, p.781)
Nesse sentido, a experiência do IUSC traz oportunidade aosestudantes de um aprendizado que se diferencia daquele adquiridono interior do hospital escola, e daquele experimentado em outraspropostas de ensino na comunidade da FMB − UNESP, pois expe-riências pedagógicas apoiadas na problematização (e/ou na ABP)“podem representar um movimento inovador no contexto da edu-
cação na área da saúde, favorecendo rupturas e processos mais am-plos de mudança” (ibidem, p.785).
Na análise documental realizada, é possível perceber, na expe-riência de formulação e operacionalização do IUSC, que existiauma preocupação de seus idealizadores com a recomposição dossignificados a respeito da integralidade e humanização do cuidado,visto que os referidos temas poderiam adquirir diversos sentidos na
prática do profissional da saúde.No entanto, apesar de os campos conceituais estarem “introje-
tados” nas concepções de seus formuladores, não existia uma des-crição clara de tais conceitos na proposta, submetida ao Promed,enviada ao Ministério da Saúde.
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Os sentidos da integralidade expressos nos objetivos e estraté-gias do programa IUSC articulam conceitos de diferentes autores.
Assim, reconhecem, segundo Almeida et al. (2007, p.157), que a“integralidade propõe um equilíbrio entre a excelência técnica ea relevância social, além de valorizar tecnologias pedagógicas desen-volvidas na área da educação…”; e também, segundo Feuerwerkere Cecílio (2007, p.967), que, ao reconhecerem a integralidade comoum conceito ampliado de saúde, apontam que
A diversificação dos cenários de aprendizagem é fundamentalporque há diferentes tipos de complexidade envolvidos nos pro-
blemas de saúde, que exigem a mobilização de diferentes áreas de
saber e de diferentes tecnologias e todos eles precisam ser ende-
reçados durante a formação […].
Foi possível verificar que a operacionalização dos conceitos na
prática do IUSC foi sendo construída gradativamente. Os eixostemáticos de integralidade e humanização foram objeto frequentede debate nas reuniões de coordenação. Após os primeiros anos deimplantação do IUSC vai se estabelecendo um maior consensoentre professores e coordenadores, a partir da experiência viven-ciada, quanto aos sentidos que podem assumir a integralidade e ahumanização no ensino na comunidade.6
Com isso, a integralidade no IUSC passa a representar, nas ati-vidades práticas dos alunos,
um contato regular e permanente com a comunidade e a criação de
espaços curriculares de prática, discussão, capacitação e inter-
venção para que as mesmas sejam incorporadas a uma prática clí-
nica voltada à promoção, prevenção, tratamento e reabilitação.
(Cyrino et al., 2006, p.76)
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Nessa perspectiva, busca-se também influir na organizaçãodos serviços e das práticas de saúde, uma vez que a vivência do es-
tudante em espaço comunitário de prática pode possibilitar umamudança no pensar a atenção à saúde das pessoas, da família e dacomunidade, levando-o a exercitar a integralidade no cuidado dopaciente (Mattos, 2001).
A humanização, enquanto um dos princípios que integram oIUSC, é reconhecido por seus formuladores como essencial parauma formação profissional que valorize:
a busca pelo conhecimento da história de cada paciente, prio-rizando, desta forma, uma relação mais individualizada no aten-dimento, na qual o médico e seu cliente se identifiquem,apresentem-se, percebam-se e, assim, façam da consulta uma opor-tunidade de compartilhar a situação, podendo criar um clima deconfiança. (Cyrino, 2005b, p.34)
Assim como a integralidade, a humanização também adquirediferentes sentidos no esforço de sua operacionalização no cotidianodos alunos e professores do IUSC. Um deles é o da intenção humani-zadora como produção de uma outra relação médico-paciente quesupere seu caráter ultratécnico e impessoal (Puccini; Cecílio, 2004).
Cabe destacar que a operacionalização dos princípios da inte-gralidade e da humanização do cuidado integraram o Plano de Ati-
vidades do programa IUSC desde os primeiros anos de trabalho,desafiando a equipe na produção cotidiana da prática pedagógica deensino na comunidade.
No primeiro ano, tais práticas desenvolveram-se por meiodo reconhecimento das condições de vida e saúde da população deum território, fundamentadas na perspectiva da saúde como com-preensão de vida proporcionada pelas visitas domiciliares às ges-
tantes e aos lactentes, bem como a avaliação e a discussão de seusprontuários nas unidades de saúde.
Já no segundo ano, o foco da visita domiciliar foi ampliado paraa família e sua rede de relações, além de se iniciarem práticas deplanejamento, execução e avaliação de atividades de educação em
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saúde, buscando promover a saúde a partir dos problemas levan-tados pela comunidade. E, no terceiro ano, os alunos começaram
a realizar uma prática de “clínica ampliada” supervisionada, prefe-rencialmente na UBS ou USF onde atuaram, descobrindo-se comosujeitos do cuidado médico, buscando alcançar uma prática inte-gral e mais humanizada em seu cuidado.
Com a preocupação de revelar os referidos sentidos de inte-gralidade e humanização aos alunos dentro das estratégias apre-sentadas, o IUSC inova em permitir a vivência e a construção de
conhecimentos não explorados habitualmente dentro dos portõesda universidade.É justamente nesse aspecto particular que a proposta do IUSC,
de ensino orientado à comunidade, não pode significar “uma medi-cina diferenciada, de médico para populações pobres […] nemsubstituir um imprescindível arsenal científico, teórico e metodo-lógico, necessário para permitir que os estudantes conheçam as rea-lidades sociossanitárias, pelo mero contato com a comunidade,como se este, por si só, tivesse o poder de revelar a dinâmica social”(Organização Pan-Americana da Saúde – Opas, 1992, p.49). Deve,sim, significar a busca constante de se trabalhar a formação do mé-dico de modo que as habilidades técnicas, raciocínio clínico e osconhecimentos específicos se somem ao entendimento de emoções,valores e, sobretudo, de uma reflexão da prática cotidiana, visandoao benefício do indivíduo e da comunidade atendida (Epstein;
Hundert, 2002).Vale ressaltar, ainda, que, apesar dos avanços conquistados
pela FMB e seu programa de Interação Universidade, Serviços eComunidade, novos e constantes desafios surgirão pela frente, poisa recuperação da “dimensão cuidadora das práticas de saúde nãosão conceitos ‘pacíficos’ e consensuais, e sua implementação im-plica em mudanças nas relações de poder entre as profissões e nas
relações de poder entre profissionais de saúde e usuários” (Feuer-werker; Cecílio, 2007, p.969).
Num programa de ensino que tem parte da equipe das uni-dades de saúde envolvidas no processo de ensino-aprendizagem deseus graduandos é, ainda, necessário reconhecer como desafio
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a necessidade de estender a capacitação em metodologias de en-
sino crítico-reflexivas aos profissionais que se interessam em par-
ticipar do processo de ensino aos estudantes, e também formularpropostas que estimulem esses mesmos médicos e enfermeiros
das equipes a se manter envolvidos neste processo […]. (Gil et al.,
2008, p.238)
Essa proposta de formação evidentemente deve incluir os do-centes que integram a equipe desse programa de ensino na comu-
nidade, como tem sido a experiência do IUSC nesta década deatividades, tendo como parte de seu projeto a formação crítica eproblematizadora de todo o corpo docente envolvido, seja ele doquadro da universidade ou da rede de serviços, o qual tem sido umcampo de grande prática de análise e pesquisa.7
À guisa de conclusão, cabe reconhecer, no exame empreendidoneste capítulo, que a apresentação e breve análise do processo de
formulação, implantação e desenvolvimento inicial do programade Interação Universidade, Serviços e Comunidade (IUSC), nospermitiu reconhecer a riqueza do processo de produção de umaexperiência inovadora que partiu de um pequeno grupo de do-centes e, ao longo destes anos, sua potência pode ser reconhecidanão só no crescente número desses participantes, como também noperfil interprofissional e na contínua cocriação que marcou essa
prática de ensino, como veremos ao longo deste livro.
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PARTE II
PROFESSORES,
PROFISSIONAIS DE SAÚDE E
ALUNOS DA IUSC
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3INOVAÇÃO PEDAGÓGICA NO
ENSINO MÉDICO E DE ENFERMAGEM:
DESAFIOS E PERSPECTIVAS NA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Cássia Marisa Manoel
Eliana Goldfarb Cyrino
Neste capítulo são apresentados os desafios e perspectivas naformação de professores para o ensino médico e de Enfermagemrumo à inovação pedagógica, tendo como proposta o trabalhodesenvolvido na disciplina Interação Universidade, Serviços eComunidade (IUSC). São apresentadas as características dos pro-fessores e do seu processo de formação na disciplina, que tem suabase metodológica na problematização de Paulo Freire e na ten-
dência pedagógica progressista “crítico-social dos conteúdos”. Ocapítulo desenvolve análise crítica sobre a participação reflexiva ecooperativa do grupo de professores tutores, com vistas à formaçãode identidade grupal e profissionalização da atividade docente.
Não é possível, hoje, caminhar para a inovação, reforma outransformação do ensino médico e de Enfermagem sem tomar oprofessor como elemento essencial desse processo, e então reco-
nhecer sua identidade, subjetividade, contradições e convicçõespróprias sobre o que é valioso e importante do ponto de vista edu-cacional. Nessa posição, o professor não está apartado também daspressões externas e internas à instituição de ensino (Rasco, 2000).Os profissionais de cada área introjetam os valores e as práticas ine-
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rentes ao seu campo profissional. Dessa perspectiva, não há umtípico professor de escola médica ou de Enfermagem, mas dife-
rentes profissionais, em diferentes situações e contextos.É dessa perspectiva que se percebe o trabalho do professor uni-
versitário de escola médica, reconhecendo uma certa especifici-dade, na qual se exige desse profissional, para o ingresso na carreira,conhecimentos aprofundados de sua área específica de atuação equase nada sobre educação e suas experiências prévias com oensino. Parte-se, portanto,
do princípio de que o professor que teve uma sólida formação na
especialidade em que deve atuar como docente encontra natural-
mente os meios para ensiná-la, no que se refere tanto ao corpo de
conhecimentos de sua área, quanto ao desenvolvimento de formas
de pensamento e habilidades técnicas essenciais à atuação profis-
sional do egresso de sua disciplina. (Batista; Silva,1998)
Ninguém duvida que ensinar o estudante de Medicina é umaprioridade na vida profissional de um professor de escola médicaou de Enfermagem. Mas, hoje, pode-se admitir que a dedicação aoensino pode ficar em segundo plano, diante da enorme pressãosobre os professores dessas instituições, dos quais é esperado umbom desempenho em tantas áreas de atividade, especialmente a
pesquisa.Destacam-se, assim, como questões relevantes para que o
ensino alcance seus objetivos: o sentido e o valor que se atribui àdocência e ao próprio ensino no conjunto dos papéis das institui-ções de ensino superior.
Batista e Silva (1998) apontam que, ao contrário de algumasáreas, no caso do professor da escola médica no Brasil, não se exige
em sua contratação uma “formação sistematizada que instrumen-talize a sua maneira de conceber e desenvolver o processo ensino--aprendizagem”, e talvez o mesmo ocorra nas escolas de Enfermagem.Pois, como afirmam criticamente Rodrigues e Mendes Sobrinho(2007), com relação a essas últimas, o processo de redirecionamento
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 79
na formação dos profissionais de Enfermagem deve estar voltadopara as transformações sociais.
Portanto, o profissional de ensino em saúde deve integrar suasatividades à realidade dos alunos e incorporar aspectos inerentesà sociedade globalizada deste século. Considerando que não po-demos formar enfermeiros generalistas, críticos e reflexivos semque os enfermeiros professores tenham uma formação adequada,a formação do docente enfermeiro precisa ser redirecionada demodo que esteja baseada na reflexão sobre a prática cotidiana,
considerando o professor como um pesquisador da própria prática.Nesse contexto, é de fundamental importância o estabeleci-
mento de programas de formação permanente voltados para a do-cência que considerem a reflexão sobre a prática, a universidadecomo o lócus de formação, a politização do trabalho, o coletivo e osaber experiencial (Rodrigues; Mendes Sobrinho, 2007).
Hernandez (1998), ao indagar sobre a possibilidade efetiva de acapacitação docente produzir, com segurança, uma mudança naspráticas de ensino, aponta algumas causas da rejeição dos profes-sores à capacitação: falta de tempo, desconforto de se propor aaprender, dificuldade de perceber a necessidade de reflexão sobrea prática, medo de perder a identidade, o modo e a experiência ad-quiridos para ensinar e a impossibilidade de aplicar teoria à prática.
Entre aquele professor que se propõe a participar de uma capa-citação e aquele que entende que já sabe como ensinar e não querrealizar qualquer mudança, há uma confluência na manutenção deuma prática tradicional. Muitas vezes, o professor frequenta umcurso de formação, mas, quando retorna ao seu cotidiano e en-contra os seus colegas pouco entusiasmados com qualquer pro-posta de mudança, pouco consegue transformar sua prática em sala
de aula a partir do que estudou em cursos (Hernandez, 1998).Hoje, dar um sentido à docência
implica vermos nossas disciplinas a partir de uma ampla perspec-
tiva histórico-cultural. Questões que dizem respeito ao mundo
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atual, projeções sobre o que nos legará o futuro, são fundamentais
para a formação do [professor] […]. (Balzan, 1999)
Deve-se por um lado, valorizar o conhecimento e as metodo-logias de que o docente dispõe e atualizá-los e, por outro, fazê-loenfrentar o desafio de atribuir significado ao que está realizandoenquanto professor, para poder transformar sua prática docente(Balzan, 1999).
A transformação da prática docente pode se dar pela proble-
matização dos fatos que ocorrem na prática cotidiana, que em umprocesso de construção coletiva podem produzir um aprendizadomais efetivo e para tanto pode-se considerar a política de educaçãopermanente proposta pelo Ministério da Saúde, que afirma:
A educação permanente é aprendizagem no trabalho, onde o
aprender e o ensinar se incorporam ao cotidiano das organizações e
ao trabalho. A educação permanente se baseia na aprendizagem
significativa e na possibilidade de transformar as práticas profissio-
nais. A educação permanente pode ser entendida como aprendi-
zagem-trabalho, ou seja, ela acontece no cotidiano das pessoas e
das organizações. Ela é feita a partir dos problemas enfrentados na
realidade e leva em consideração os conhecimentos e as experiên-
cias que as pessoas já têm. Propõe que os processos de educação
dos trabalhadores da saúde se façam a partir da problematização do
processo de trabalho, e considera que as necessidades de formação
e desenvolvimento dos trabalhadores sejam pautadas pelas neces-
sidades de saúde das pessoas e populações. Os processos de edu-
cação permanente em saúde têm como objetivos a transformação
das práticas profissionais e da própria organização do trabalho.
(Brasil, 2009)
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 81
Trabalhando com a problematização dePaulo Freire e com a tendência pedagógica
progressista crítico-social dos conteúdos
Ao propor a educação de adultos como prática de liberdade,Paulo Freire (1987) diz que a educação “não pode fundar-se numacompreensão dos homens como seres vazios a quem o mundoencha de conteúdos; […] a educação não pode ser a do depósitode conteúdos, mas a da problematização dos homens em suas re-
lações com o mundo”. Por isso, a educação problematizadora fun-damenta-se na relação dialógica entre educador e educando, quepossibilita a ambos aprenderem nos processos desenvolvidos.
A educação problematizadora trabalha a aprendizagem comoum processo de construção de conhecimentos a partir de experiên-cias significativas vivenciadas.
Na aprendizagem por recepção, o aluno recebe os conteúdos que
deve aprender em sua forma final, acabada; não necessita realizar
nenhuma descoberta, além da compreensão e da assimilação dos
mesmos, de modo que seja capaz de reproduzi-los, quando lhe for
solicitado. A aprendizagem pela descoberta implica uma tarefa
diferente para o aluno; neste caso, o conteúdo não se dá em sua
forma acabada, mas deve ser descoberto por ele. Esta descoberta
[…] deve ser realizada antes de poder assimilá-lo; o aluno reor-
dena o material, adaptando-o à sua estrutura cognitiva prévia,
até descobrir as relações, leis ou conceitos que posteriormente as-
simila. (Madruga, 1996)
A aprendizagem significativa caracteriza-se pela interação
cognitiva entre o novo conhecimento e o conhecimento prévio,sendo este a variável que mais influencia a aprendizagem. Portanto,só podemos aprender a partir daquilo que já conhecemos, segundonos aponta Moreira (2010), que também lembra que David Au-subel já nos chamava a atenção para isso em 1963. Já nessa época
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82 ANTONIO P. CYRINO • DANIELE GODOY • ELIANA G. CYRINO
ele afirmava que, se quisermos promover a aprendizagem signifi-cativa, é preciso averiguar qual é o conhecimento prévio e ensinar
de acordo com ele.Em contraposição à aprendizagem significativa, está a apren-
dizagem mecânica, na qual novas informações são memorizadas demaneira arbitrária, literal, não significativa. Esse tipo de aprendi-zagem, bastante estimulado no ensino, serve para “passar” nas ava-liações, mas oferece pouca possibilidade de retenção, não requercompreensão e não dá conta de situações novas, pois o aprendiz não
constrói seu conhecimento, não produz seu conhecimento (Mo-reira, 2010).
O ensino de novos conteúdos deve permitir que o aluno sedesafie a aprender e a avançar nos seus conhecimentos. Para isso, énecessário um trabalho de continuidade e ruptura em relação aosconhecimentos que o aluno traz.
A tendência pedagógica progressista crítico-social dos conteú-
dos acentua a primazia dos conteúdos culturais universais, não bas-tando que sejam ensinados, mesmo que bem ensinados; é precisoque exista uma significação humana e social, o confronto com asrealidades sociais. Atribui à escola o papel de difundir os conteúdose preparar o aluno para o mundo e suas contradições, fornecendo--lhe um instrumental, por meio da aquisição de conteúdos e dasocialização, para uma participação organizada e ativa na democra-
tização da sociedade. À escola também é atribuído o papel de me-diação entre o individual e o social, exercendo a articulação entre atransmissão dos conteúdos e a assimilação ativa por parte do aluno(Libâneo, 1982).
Os métodos de ensino utilizados na tendência pedagógica pro-gressista crítico-social dos conteúdos trabalham a relação diretacom a experiência do aluno; portanto, o trabalho docente relaciona
a prática vivida pelos alunos com os conteúdos propostos pelo pro-fessor. A relação professor-aluno se dá considerando que esse alunotraz a experiência imediata num determinado contexto cultural,participa da busca da verdade ao confrontá-la com os conteúdos emodelos expressados pelo professor.
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 83
Entendida nesse sentido, a educação é “uma atividade media-dora no seio da prática social global”, ou seja, uma das mediações
pela qual o aluno, pela intervenção do professor e por sua própriaparticipação ativa, passa de uma experiência inicialmente confusae fragmentada (sincrética) a uma visão sintética, mais organizada eunificada (Saviani, 1980).
Libâneo (1982) aponta que essa tendência pedagógica temcomo pressupostos de aprendizagem que o esforço próprio do alu-no que se reconhece nos conteúdos e modelos sociais apresentados
pelo professor pode ampliar sua própria experiência, e também queo grau de envolvimento na aprendizagem depende tanto da pron-tidão e disposição do aluno quanto do professor e do contexto dasala de aula. Segundo o autor, aprender é a capacidade de processarinformações e lidar com os estímulos do ambiente, organizando osdados disponíveis da experiência.
O aprendizado é um processo complexo; não acontece de
forma linear, tranquila, por acréscimo, de modo a somar algunsnovos elementos ao que sabíamos antes. Por isso, não se pode des-considerar a percepção de como o aluno entrará em contato comnovos conhecimentos inseridos em uma realidade concreta paraapropriar-se de novos conceitos e, ao apropriar-se destes, trans-formar-se (Cyrino; Toralles-Pereira, 2004). O aprendizado não énem acumulação nem substituição de informação; estrutura-se
mediante redes de conexão que cada sujeito faz, “reelaborandoassociações singulares que se ampliam e ganham novos sentidos àmedida que é capaz de desenvolver novas relações, envolver-se naresolução de problemas que esclarecem novas questões abrindo-separa aprendizagens mais complexas” (Ribeiro, 1998).
A IUSC e a formação de professores
Levando-se em conta o que foi apresentado anteriormente, otrabalho de formação dos professores e de planejamento das ativi-dades é feito de maneira contínua. Enfatizam-se na formação ques-
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tões como a importância do trabalho reflexivo, do ato de planejar,do trabalho em equipe, no qual a comunidade pode ter um papel
preponderante, da ética nas relações de trabalho do médico com osoutros profissionais de saúde, com a população atendida e comas instituições envolvidas no cuidado. Valoriza-se também a cons-trução coletiva do projeto, procurando-se trabalhar em parceria nosentido de, “longe de ser a unanimidade, aproximar-se mais dacapacidade de trabalhar com o diferente para objetivos profissio-nais comuns” (Cunha, 1996).
Os conhecimentos científicos integram percepções, emoções erepresentações de pessoas envolvidas no problema, permitindo quediferentes saberes sejam compartilhados na construção do conheci-mento (Berbel, 1998). O desafio é formar um grupo no qual o saberde cada um enriqueça o outro, com ênfase no trabalho coletivoe interdisciplinar, processo grupal, planejamento participativo eprodução do conhecimento.
No decorrer desse processo tem-se buscado a formação deidentidade grupal e conscientização da atividade educativa, a
observação e problematização das contradições entre prática desaúde centrada no modelo tradicional focado nas doenças e pro-cesso de trabalho comprometido com a solução dos problemas desaúde, prevenção da doença e promoção da qualidade de vida,
além de incentivar a troca de experiências, o conhecimento mútuo
e a produção coletiva (Cyrino et al., 2006).Participam e participaram, como professores tutores, profis-
sionais das áreas da Biologia, Comunicação Social, Enfermagem,Fonoaudiologia, Medicina, Nutrição, Odontologia, Pedagogia,Psicologia, Serviço Social, Sociologia e Terapia Ocupacional, quecontribuem com diferentes olhares e significados ao trabalho emequipe. São selecionados pelo interesse em atividade educacional
em construção, pela experiência em trabalho grupal e atuação nacomunidade. São docentes, pós-graduandos em Saúde Coletiva eprofissionais da Secretaria Municipal de Saúde ou da FMB.
A partir de 2009, com o início dos trabalhos do Programa deEducação pelo Trabalho para Saúde do Ministério da Saúde deno-
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 85
minado PET-Saúde da Família1 na FMB, ampliou-se a presença deprofissionais da Secretaria Municipal de Saúde de Botucatu
atuando como professores tutores na IUSC.Uma das ações priorizadas no PET-Saúde da FMB é a reali-
zação de atividades de formação permanente dos professores e pre-ceptores do programa e em que se pode perceber rico processo dedesenvolvimento profissional. Esse trabalho tem como objetivos:a) ampliar a reflexão/ação para o processo de ensino-aprendizagemna atenção primária à saúde; b) refletir sobre a integração de ações e
atividades do ensino-aprendizagem na atenção primária à saúdecom as demandas e necessidades da rede; c) instrumentalizar pro-fessores para o trabalho de preceptoria na rede com a utilização derecursos da metodologia da problematização nos trabalhos com osgrupos de alunos; e d) promover a reflexão e a qualificação do pro-cesso de trabalho na ESF e na articulação da rede como um todo.
As reuniões têm periodicidade quinzenal para professores tu-
tores de 1o e 2o anos e mensal para os do 3o ano. Os temas que com-põem o conteúdo programático da disciplina são trabalhados pelosprofessores tutores, que muitas vezes elegem um componente dogrupo para preparar e sistematizar a discussão, ou um profissionalexterno ao grupo é convidado, conforme afinidade e acúmulo comrelação ao tema. Alguns dos temas trabalhados nos últimos anossão o trabalho grupal e a construção coletiva, problematização
como metodologia de ensino-aprendizagem, avaliação da aprendi-zagem com ênfase na avaliação formativa, estudo de território, a in-terface entre saúde e meio ambiente, a visita domiciliar como
1. Programa de Educação pelo Trabalho para Saúde do Ministério da Saúde(PET-Saúde), Brasil, da FMB − UNESP, desenvolvido como programa dauniversidade em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de Botucatu.
Tem como objeto de pesquisa de intervenção proporcionar ao estudante degraduação em Enfermagem e Medicina, aos professores da FMB e aos profis-sionais da Saúde da Família vivências em ações e atividades de pesquisa eensino na Estratégia da Saúde da Família. Apresenta-se como inovação peda-gógica ao integrar cursos de graduação da saúde de forma interdisciplinar einterprofissional.
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86 ANTONIO P. CYRINO • DANIELE GODOY • ELIANA G. CYRINO
estratégia de ensino na atenção primária à saúde, integralidade docuidado à saúde, educação em saúde, narrativas em saúde e anam-
nese ampliada.Algumas estratégias são utilizadas para apreensão do conteúdo
proposto e valorização da construção coletiva do trabalho, comodiscussão de textos, filmes e vídeos, aulas expositivas dialogadas,vivências e dinâmicas de integração e participação em eventos,como cursos e congressos relacionados à temática da IUSC.
Além dos temas que compõem o conteúdo programático da
disciplina, são também discutidos nas reuniões os diferentes pro-cedimentos e técnicas de ensino que podem ser adotados, conside-rando-se os diferentes temas a serem trabalhados, característicasdo grupo de alunos e condições oferecidas pelo cenário de práticaonde as atividades são desenvolvidas. As dificuldades e avanços sãocompartilhados, buscando-se conjuntamente as soluções para osproblemas encontrados.
Os professores da IUSC
A Tabela 1 mostra a distribuição dos professores tutores daIUSC quanto ao ano de participação, série de graduação dos alunos,professores tutores que permaneceram no programa/disciplina em
relação ao ano anterior, professores tutores novos a cada ano e totalde professores participantes da IUSC entre 2003 e 2010. Revela umnúmero elevado de profissionais atuantes na IUSC e sua granderotatividade. Essa instabilidade no quadro de professores tutores évivenciada pela coordenação da disciplina como um grande de-safio. Assim, por exemplo, em 2006, a IUSC pôde contar com umgrupo de professores que participaram da mesma em anos ante-
riores e, em outros anos, como 2004, 2005 e 2010, houve uma reno-vação maior no quadro de professores tutores, impulsionando acoordenação a desenvolver estratégias de capacitação diferenciadas.Mas é interessante a observação de que em nenhum ano ocorreuuma renovação completa; portanto, sempre existiu a possibilidade
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 87
de troca de experiências entre aqueles que vivenciaram a prática dadisciplina e os novos professores incorporados.
Também podemos observar a variação do número de profes-sores tutores entre diferentes anos, como em 2008 com 7 e 2010com 21 professores tutores no 3o ano, sendo que a maioria dos pro-fissionais que atuaram em 2010 eram médicos da Secretaria Muni-cipal de Saúde e bolsistas PET-Saúde. Esse fato reforça a ideiade que os programas de incentivo desenvolvidos pelo Ministério daSaúde podem beneficiar as iniciativas de melhoria do ensino, visto
que, em 2010, os alunos puderam ser divididos em grupos me-nores, contando com a atenção mais individualizada de um pro-fessor tutor e assim possibilitando um aprendizado mais efetivo.
Tabela 1 – Distribuição dos professores tutores da IUSC quanto ao ano departicipação, ano de graduação dos alunos, professores tutores que perma-neceram, novos professores tutores a cada ano e total de professores parti-
cipantes da IUSC nos anos 2003 a 2010 – Botucatu, 2012
Ano/série de
graduação
1o ano 2o ano 3o ano Total de
novos
professores
tutores
Perma-
neceramNovos
Perma-
neceramNovos
Perma-
neceramNovos
2003 − 11 − − − − 11
2004 5 85
(1o ano)9 − − 17
2005 6 4 11 1 − 12 17
2006 10 0 10 0 7 3 3
2007 6 3 5 4 8 4 11
2008 6 5 5 4 7 0 9
2009 7 5 13 1 9 5 11
2010 9 2 11 5 11 10 17
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Desafios e perspectivas
Faria et al. (2008) afirmam que o corpo docente é parte essen-cial do processo de introdução, sustentação e consolidação demudanças curriculares, considerando que a formação profissionalpermanente dos docentes é primordial quando se praticam ino-vações pedagógicas, pois os professores são agentes centrais detransformação da realidade educacional. Os autores propõem umaparticipação reflexiva, cooperativa, coletiva e integradora do corpo
docente para que conflitos e dificuldades sejam superados.A importância da formação continuada de professores é defen-
dida por Castanho (2002), que afirma a existência da valorização,por parte dos professores, de espaços de aprendizado e reflexãocomo alento aos desafios impostos pelo trabalho e também comoalgo que clarifica o caminho profissional.
Sobre a formação dos professores, Nóvoa (1995) observa que
devemos valorizar e adotar um processo no qual os professoresaprendam a partir da análise e interpretação da sua própria ativi-dade, ou seja, “a profissão de professor conduz a criação de umconhecimento específico adquirido através da prática”. Tem sidopossível trabalhar a educação permanente dos preceptores envol-vendo o exame constante das próprias experiências, o diálogo crí-tico com teorias “e o reconhecimento de que a postura reflexiva
deve marcar o trabalho docente”. Esse processo tem favorecido aconstrução da autonomia para identificar e superar as dificuldadesdo cotidiano.
A rotina de preparação do professor para o desenvolvimentodas atividades de ensino o torna mais seguro e possibilita a amplia-ção de seu repertório de recursos didáticos, devendo ser defendidae aplicada, buscando assim o ensino mais qualificado, mesmo con-
siderando os desafios que se apresentam para essa prática.Os professores avaliam que a troca de experiências, reflexão e
planejamento coletivo das atividades no processo de formaçãopotencializam o curso, transformando-se em referencial teórico--metodológico para as atividades com os alunos. O processo grupal
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 89
torna-se um apoio decisivo. A coordenação tem observado o de-senvolvimento do pensamento crítico e reflexivo dos professores
que se manifesta na solicitação de momentos de aprofundamentocom oficinas de imersão e participação de consultores externosque possam enriquecer a discussão do processo.
Deve-se, no entanto, ter claro que para a sustentabilidade daproposta da IUSC há necessidade de maior incorporação da pro-posta por parte da universidade, inclusive com a perspectiva decontratação de professores para o desempenho das atividades. Esse
tem sido um desafio da IUSC desde sua implantação.
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4OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE
NO ENSINO NA ATENÇÃO
PRIMÁRIA À SAÚDE:
TENSÕES E POTENCIALIDADES NASPRÁTICAS PEDADÓGICO-ASSISTENCIAIS
Tiago Rocha Pinto
Eliana Goldfarb Cyrino
Introdução
A constituição do Sistema Único de Saúde (SUS) trouxe con-sigo uma série de aspectos envolvidos na organização do sistema e,por consequência, no modo com que são ofertados os cuidados em
saúde. Da mesma forma, as instituições formadoras também foramlevadas a rever a maneira com que vinham formando seus alunosna tentativa de se adequar a essas novas exigências, o que tem pas-sado diretamente pela articulação das instituições formadoras comos serviços de saúde e, em especial, com a rede de atenção primáriaà saúde (APS).
É importante ressaltar que, cada vez mais, as reformas curricu-
lares nos cursos médicos, assim como as experiências de inserçãode alunos em formação no campo da APS, têm sido estimuladas emtodo o território nacional. Vários estudos e trabalhos desenvolvidosna área apontam para essa necessidade e seus reflexos na capaci-tação de alunos que desde os primeiros anos da graduação se
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utilizam da APS enquanto campo de aprendizagem, qualificando--os para uma futura atuação profissional mais condizente com os
princípios do SUS e de suas possibilidades de retorno para a socie-dade brasileira (Feuerwerker, 2004; Tesser, 2008; Lampert et al.,2009; Sisson, 2009; Marins, 2004; Vieira et al., 2007; Ferreira;Silva; Aguera, 2007; Campos; Foster, 2008).
O interesse pela transformação e mudanças na educação médicavem aumentando nos últimos anos com o envolvimento de educa-dores, pesquisadores, gestores, estudantes, profissionais e entidades
da área − como o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Asso-ciação Brasileira de Educação Médica (Abem) −, além do Ministérioda Saúde (MS) e do Ministério da Educação (MEC), à medida quecresceu a percepção de que, sem profissionais formados com umnovo perfil, se tornava muito difícil a tarefa de reorganizar modelosde atenção à saúde, conforme preconizado pelo SUS (Oliveira et al.,2008; Brasil, 2001, 2002, 2005b).
Nesse ideário, a partir de 2001, os ministérios da Saúde e daEducação têm formulado uma série de propostas destinadas a pro-mover mudanças na formação e na distribuição geográfica dosprofissionais de saúde em consonância com as Diretrizes Curricu-lares Nacionais dos Cursos da Área de Saúde, tais como: Programade Incentivo às Mudanças Curriculares nos Cursos de Medicina(Promed), Programa Nacional de Reorientação da Formação Pro-fissional em Saúde (Pró-Saúde), Programa de Educação pelo Tra-
balho para a Saúde (PET-Saúde), e, mais recentemente, o Programade Valorização dos Profissionais da Atenção Básica (Provab) e oPET-Redes (Brasil, 2002, 2004, 2005a, 2005b, 2012, 2013).
Por atuar sob a lógica da responsabilização territorial, interse-torialidade, descentralização, priorização de grupos populacionaiscom maior risco de adoecimento e com uma concepção ampliadado processo saúde-doença, a Estratégia Saúde da Família possi-
bilita características estratégicas para o SUS, tanto na otimização daresolubilidade na APS, como no acompanhamento longitudinaldos usuários adscritos em sua área de abrangência, colocando-sedessa forma como lócus privilegiado de aprendizagem e formaçãoprofissional (Brasil, 2001, 2006).
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Com isso, os currículos estão sendo reorganizados para que osestudantes tenham um contato longitudinal com a APS, estagiando
em determinada unidade de saúde durante todo o curso. Isso tempermitido aos alunos ter noções de territorialização, verificação dascondições de saúde da comunidade, conhecimentos da rotina deum centro de saúde, desenvolver habilidades clínicas, desenvolverações de prevenção e promoção de saúde em conjunto com asequipes, bem como numa abordagem integral e contextualizadados pacientes (Marins, 2004; Vieira et al., 2007; Ferreira; Silva;
Aguera, 2007; Campos; Foster, 2008).É preciso compreender que não se trata mais de formar pessoalcompetente tecnicamente, mas profissionais que tenham vivênciano acesso universal, na qualidade e humanização na atenção à saúdee controle social, o que significa dizer integração efetiva e perma-nente entre formação médica e serviços de saúde (Feuerwerker,2004; Tesser, 2008; Lampert et al., 2009; Sisson, 2009).
Sperandio et al. (2010) apontam que a relação entre alunos etrabalhadores da APS pode incentivar a formação de grupos e açõesde promoção de saúde e contribuir para que as equipes possamcontinuar e ampliar o trabalho idealizado e desenvolvido pelosalunos. Contudo, estudos como os de Feuerwerker (2004) e Albu-querque et al. (2008) apontam que a relação entre universidade eserviços também pode gerar sérias tensões decorrentes da dico-tomia entre o ensino e a produção de cuidados em saúde, sendo
necessária a sensibilização e corresponsabilização de todos os atoresenvolvidos, tendo em vista que essas necessidades e potenciali-dades não são homogêneas, devendo ser reconhecidas para se pre-parar e determinar os novos rumos.
Diante desse quadro, Trajman et al. (2009) apontaram em es-tudo realizado que a maioria dos trabalhadores da APS consi-deram que a preceptoria faz parte das atribuições do profissional e
gostariam de assumir essa tarefa. Apesar disso, várias dificuldadesforam apontadas, incluindo problemas estruturais e de recursoshumanos, responsabilizando as instituições de ensino superior e oEstado pela pouca valorização e estímulo às ações de preceptoria.Nesse sentido, autores como Rego (2011) e Marins (2011) ressaltam
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a necessidade de preceptores com perfil e competência técnicapara trabalhar e problematizar a realidade da APS com os alunos, a
fim de que as possibilidades de ensino-aprendizagem na APS sejampotencializadas e os entraves dessa interação sejam minimizados.
Reconhecemos que, diariamente, alunos em formação de dife-rentes anos e especialidades transitam pelos corredores das unidadesde saúde e podem interferir em sua dinâmica de funcionamento eatendimento à população, sendo necessária uma série de negociaçõese ajustes para que tanto profissionais quanto alunos possam ser
beneficiados por essa experiência.Buscando apresentar a percepção dos trabalhadores quanto a
esse processo, assim como das implicações dessa interação para asunidades de saúde, o presente estudo busca apresentar algunsapontamentos sobre a problemática e contribuir com novos ele-mentos para esse processo ao analisar dados que auxiliem na for-mulação de estratégias e avanços na articulação de alunos na APS.
Dessa forma, buscamos analisar as potencialidades e dificul-dades na interação entre alunos em formação profissional e ostrabalhadores dos serviços de APS. Entre outras questões, espe-ramos poder compreender e ampliar o foco de análise sobre essefenômeno ao ouvir os profissionais que atuam diretamente no con-tato com os alunos e apresentar elementos que possam auxiliarinstituições formadoras, profissionais e gestores em pactos e arti-
culações na adequação do ensino na APS.
Marco teórico-conceitual
Como marco teórico-conceitual desse estudo levou-se emconta o processo de significação segundo Vigotski (1995, 2001,
2003). Para esse autor, quando um homem desenvolve uma ativi-dade, ele não se apropria automaticamente de seus conteúdos.Existe um significado externo que, quando é internalizado, trans-forma-se num instrumento subjetivo da relação do indivíduo con-sigo mesmo. E, assim, o significado externo adquire um sentido
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pessoal para o indivíduo. Em outras palavras: os conteúdos ex-ternos presentes na realidade objetiva têm significados construídos
socialmente por outras gerações, outros homens; através da ativi-dade e de outras relações sociais que estabelece com o meio, o indi-víduo internaliza esses conteúdos e significados a partir de suaprópria experiência e história de apropriações, ou seja, sua subjeti-vidade; o conteúdo que tinha um significado externo passa poruma mediação psíquica e adquire um sentido pessoal, único paracada pessoa.
Aqui ocorre o predomínio do sentido da palavra sobre o seusignificado. Assim, o sentido é sempre uma formação dinâmica,fluida e complexa que tem várias zonas de estabilidade (Vigotski,2001). O significado é apenas uma dessas zonas do sentido que apalavra adquire no contexto de algum discurso e, ademais, umazona mais estável, uniforme e exata. “O significado ao contrário éum ponto imóvel e imutável que permanece estável em todas as
mudanças de sentido da palavra em diferentes conceitos” (idem,p.465).
Aguiar e Ozella (2006) afirmam que os significados referem-seaos conteúdos instituídos, mais fixos, compartilhados, que sãoapropriados e configurados pelos indivíduos a partir de suas pró-prias subjetividades. O pensamento, portanto, é transformado paraser expresso em palavras cuja transição passa pelo significado e
pelo sentido, podendo afirmar que a compreensão da relação pen-samento/linguagem passa pela necessária compreensão das cate-gorias significado e sentido.
Tendo como base estudos anteriores e a palavra com signi-ficado como unidade de análise, se terá a base para a criação dos“núcleos de significação do discurso”. Assim, buscamos temas equestões centrais relatados pelos indivíduos, entendidos mais como
aqueles que geram motivação, emoção e envolvimento do que porsua frequência no relato (Lane, 1996; Aguiar, 2001; Aguiar; Ozella,2006, 2013; Dalla Vecchia, 2006; Pinto, 2007).
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Método
Trata-se de parte de um estudo exploratório de natureza quali-tativa integrante de um projeto maior intitulado “Integração Uni-versidade, Serviços de Saúde e Comunidade na Faculdade deMedicina de Botucatu (FMB) − UNESP: construindo novas prá-ticas de formação e pesquisa”, que, entre outras frentes de análise,está voltado para a formação de professores tutores para a APS e avisita domiciliar na formação médica. O desenvolvimento das
ações deste estudo ocorre paralelamente à IUSC que, desde 2007,está inserida na grade curricular da FMB como disciplina oficialdos 1o, 2o e 3o anos de graduação de Medicina e Enfermagem, com acolaboração de professores de diversas áreas da FMB e da Secre-taria Municipal de Saúde (SMS) do município.
Para o seu desenvolvimento, nos reunimos com representantesda SMS e dos centros de saúde escola (CSE), e obtivemos a autori-
zação para a realização da pesquisa a ser desenvolvida na APS domunicípio. Comparecemos a todos os serviços onde pudemosexpor o objetivo do trabalho e suas responsabilidades éticas, assimcomo a necessidade da colaboração dos mesmos para o agenda-mento das entrevistas. Com isso, o projeto foi encaminhado e apro-vado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FMB − UNESP,adotando os procedimentos pertinentes previstos na Resolução
n.196/1996 do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 1996).Dessa forma, foram agendadas as entrevistas individuais nas
próprias unidades de saúde. A coleta dos dados ocorreu no períodode agosto de 2010 a agosto de 2011, em diferentes dias e horários,com o tempo médio de quarenta minutos cada entrevista. Foi enfa-tizada a necessidade de sua gravação para posterior organização eanálise dos dados, como também foi estabelecido o compromisso
com os participantes do acesso ao trabalho final.Para tanto, foram escolhidos, por conveniência, membros de
diferentes categorias profissionais, níveis de formação e de dife-rentes serviços de APS do município, sendo desenvolvidas entre-vistas semiestruturadas com profissionais de quatro unidades de
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saúde da família (USFs), de duas unidades básicas de saúde (UBSs)e dos dois centros de saúde escola (CSEs) que recebem alunos em
formação profissional e, em particular, da IUSC.Em cada um desses equipamentos privilegiou-se a escuta de
pelo menos dois profissionais de nível superior (médicos(as),enfermeiros(as) e cirurgiões-dentistas) e de pelo menos um profis-sional de nível médio (auxiliares e/ou técnicos de enfermagem eagentes comunitários de saúde), que possuíam uma relação diretaou indireta com a IUSC, perfazendo um total de 24 entrevistas.
Levamos em consideração para tal delimitação buscar captarcom maior propriedade as idiossincrasias existentes dentre as dife-rentes categorias profissionais, bem como entre os diferentes mo-delos de atenção à saúde. Da mesma forma, optamos em ouvirtanto profissionais que atuam diretamente como tutores da IUSC,como aqueles que não possuem um vínculo direto com a disciplina,a fim de obter uma compreensão mais ampla do fenômeno em
estudo por meio de diferentes perspectivas.Destacando a análise através dos núcleos de significação,
Aguiar e Ozella realizam alguns apontamentos sobre os proce-dimentos e instrumentos recomendados para uma investigaçãodentro da abordagem histórico-cultural. De início, parte-se da lei-tura flutuante e organização do material, o que permite organizaros chamados pré-indicadores que irão compor um quadro amplo
de possibilidades para a construção dos núcleos. Uma segunda lei-tura irá permitir um processo de aglutinação dos pré-indicadores,seja pela similaridade, complementaridade ou pela contraposição.Assim, se faz possível a construção e análise dos núcleos de signi-ficação, que “devem expressar os pontos centrais e fundamentaisque trazem implicações para o sujeito, que o envolvam emocional-mente, que revelem as suas determinações constitutivas” (Aguiar;
Ozella, 2006, p.8).O passo seguinte à criação dos núcleos foi a sua análise pro-
priamente dita. Para isso, buscou-se a apreensão das determinaçõesque constituíram tais formas de significar, suas motivações e neces-sidades para, desse modo, poder compreender a produção dos sen-
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tidos presentes nesses discursos, buscando suas determinações,contradições e relações (Aguiar, 2001; Aguiar; Ozella, 2006, 2013).
Com base na organização das informações, foram estruturadostrês eixos de análise que apresentam os núcleos de significação nodiscurso dos profissionais pesquisados, bem como a exploraçãodos diversos sentidos existentes na singularidade dos relatos. Aprópria construção dos núcleos e o nome dado a cada núcleo jáconstituíram um movimento de análise, uma vez que esses núcleosagregam e expressam questões intimamente relacionadas e rele-
vantes para a compreensão dos aspectos pesquisados, sendo, por-tanto, organizadores das falas expressas pelos sujeitos (Aguiar,2001).
Caracterização dos sujeitos
Podemos constatar que a idade média dos entrevistados é de37,7 anos, revelando tratar-se de profissionais experientes comnove anos, em média, de formação. Quanto ao sexo, foram entre-vistadas 21 mulheres e 3 homens, revelando a alta predominânciade mulheres atuando na APS, o que também reflete a condição naárea da saúde de modo geral.
Quanto ao local de formação dos profissionais, ficou eviden-
ciado, assim como no estudo de Romanholi (2010), que a maioriados profissionais foi graduada e realizou a sua formação comple-mentar no próprio município. Com exceção dos cirurgiões-den-tistas, que não contam com instituições formadoras na cidade, osdados também apontam Botucatu, em particular a FMB – UNESP,como grande centro formador dos profissionais que atuam naatenção primária do município.
Outro dado que se mostrou significativo foi o alto grau deespecialização dos profissionais. Todos os trabalhadores de nívelsuperior possuem algum tipo de pós-graduação, inclusive algunscontando com duas ou três formações complementares. Alémdisso, foi observado que mesmo os profissionais de nível médio não
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ficaram restritos à formação técnica de auxiliar de enfermagem ouao curso de formação inicial para agentes comunitários de saúde
(ACSs). Em sua totalidade, continuaram a participar de pequenoscursos complementares que são oferecidos institucionalmente,assim como têm buscado uma maior e melhor qualificação profis-sional cursando o nível superior.
Aproximadamente um terço dos entrevistados possui umaatuação direta como tutores dos alunos do 1o, 2o e 3o anos da IUSC,enquanto cerca de um quarto também participa como preceptores
do Pró/PET-Saúde em diferentes projetos desenvolvidos em suasunidades e respectivos territórios.
Quanto à atuação profissional em outros locais ou equipa-mentos de saúde, constatamos que todos os médicos entrevistadospossuem mais de um vínculo empregatício, seja na saúde públicaou privada. Além destes, os auxiliares de enfermagem repre-sentam outra classe de profissionais que também revelou atuar na
prestação de serviços em saúde em locais e períodos além do tra-balho na unidade.
Apresentação e discussão dos resultados
Eixo 1 − As possibilidades e potencialidades da atençãoprimária à saúde na formação e desenvolvimentoprofissional de alunos e profissionais da saúde para otrabalho no SUS
Neste eixo, estão reunidos os núcleos de significação que cor-respondem aos aspectos positivos conferidos pelos profissionais da
APS diante de suas vivências e interação com alunos no cotidianode trabalho.
De modo geral, são apresentados relatos que enfatizam as con-tribuições institucionais trazidas pelos diversos grupos de alunosque auxiliam na assistência e qualificação das ações ofertadas para
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a população. Além disso, são ressaltados os benefícios possibili-tados por essa experiência na formação dos futuros profissionais de
saúde, bem como no desenvolvimento profissional daqueles quese relacionam direta e indiretamente com os alunos no cotidiano dotrabalho.
A construção do SUS ideal condicionado à necessária
vivência na atenção primária à saúde
A formulação deste núcleo de significação foi desenvolvida pormeio da constatação de que se deve pensar a formação dos profis-sionais de saúde associada ao conhecimento e particularidades quesão inerentes ao cenário da APS.
De modo mais particular, a IUSC é colocada como mecanismofundamental para fomentar a estruturação e desenvolvimentodesse aprendizado e possibilitar a construção de um profissional
que desenvolva a capacidade de ler e intervir de forma crítica nasdiversas nuances que esse nível de atenção e o sistema público desaúde requerem. Para tanto, iremos destacar os diversos sentidosconferidos pelos profissionais a essa questão conforme a explici-tação dos trechos a seguir.
Como podemos observar no relato de MED 3:
Eu penso que o aluno passa a ter uma visão mais geral da saúde.Sai... como é que eu posso falar, daquele modelo medicocêntrico,
onde tudo é o médico. Aqui, eles passam a conhecer e a trabalhar
com outros profissionais e isso faz bastante diferença. Diminui um
pouco aquela prepotência do aluno e do médico e vem conhecer
uma realidade bem diferente da sua. Aprende a lidar e a conversar
com outro tipo de população a que eles não estão acostumados.
Ressalta-se que a experiência dos alunos na APS colabora paraque haja um maior diálogo e aprendizado com outras categorias,assim como conhecimento de uma realidade diversa, à qual nãoestão familiarizados. MED 3 destaca a importância de tirar do
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 103
profissional médico o papel de único protagonista da saúde e daoportunidade de reconhecer e desenvolver a capacidade de trabalho
em equipe.DENT 1 corrobora essa perspectiva e acrescenta:
Quando me formei eu acho que também faltou isso. Porque a
gente não sabe nem prescrever, por mais que aprenda... Daí isso
ajuda na insegurança também.... é bom ter o contato antes com o
paciente, ver como funciona, até também pra decidir o que vai se-
guir depois, que área vai querer.
É possível perceber que essa vivência favorece a segurança doaluno no trato com pacientes e o auxilia a embasar melhor a suadecisão futura em relação ao campo de trabalho, o que foi falho emsua própria formação. Mais uma vez, DENT 1 enfatiza o papelfundamental do aprendizado em serviço, o que contribui não
apenas para uma formação mais qualificada, como também parauma escolha consciente de seu futuro campo de atuação.
A possibilidade de superação da formação tradicional tambémé colocada nos relatos de ENF 3 e MED 2.
O importante deles é estar começando no 1o ano, é que eles já
têm contato com a população, com a comunidade, já tira aquela
visão: “só hospital”, de trabalhar em um hospital, porque muitosmesmo, acho que nem sabem qual é a função, o papel de cada
equipe na unidade, da comunidade. (ENF 3)
Eu acho que quebra um pouco aquele paradigma do HC que é
extremamente biologizante, tecnológico, do ponto de vista tecno-
logia de equipamento, de visão assim, do paciente... descontex-
tualizado do seu ambiente, eu acho que a partir do IUSC elesconsideram o paciente numa casa, no trabalho, num meio am-
biente, então eu acho que isso amplia a visão que eles têm, amplia
o entendimento que eles têm de saúde-doença que não é só uma
questão física, mas que passa pelo emocional, pelo social; apesar
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104 ANTONIO P. CYRINO • DANIELE GODOY • ELIANA G. CYRINO
de pouco tempo, eu acho que dá uma vivência pra eles do trabalho
em equipe, da questão do trabalho de enfermagem, e mesmo a
importância desses profissionais na abordagem do paciente, etambém, eu acho, que quebra um pouco a questão do preconceito
que eles têm contra o trabalho na atenção básica, a gente vê com o
6o ano que vários têm a possibilidade de trabalhar com saúde da
família, trabalhar na atenção básica, e antes era pouco valorizado.
(MED 2)
Compreende-se que a desconstrução do modelo hospitalocên-trico, medicocêntrico e biologicista também é vislumbrada atravésdo conhecimento e contato precoce dos alunos com o nível primáriode atenção. ENF 3 e MED 2 destacam a necessidade de ir além dafragmentação e compartimentação dos pacientes em especifi-cidades, que o reduzem a um mero desajuste de órgãos e sistemas,descontextualizado do seu meio e da dimensão psíquica do pro-
cesso saúde-doença.Do mesmo modo, também enfatizam a possibilidade de co-
nhecer e incorporar saberes oriundos de outros campos e categoriasprofissionais, além de uma maior valorização da APS e, em parti-cular, da saúde da família enquanto um campo em evidência e cadavez mais valorizado na atuação dos futuros profissionais de saúde.
Repousa também no relato de ACS 1:
Porque assim, eles, principalmente uma população carente, às
vezes aquela velha informação, tão assim, já dita ou já castigada de
tanto falar que, passa a informação de fazer uma dieta, “Ah! A se-
nhora vai ter que comer uma carne uma vez por semana”, mas a
família não tem dinheiro pra comprar nem o arroz, né? É uma rea-
lidade que existe muito, sabe? Ou então, a mãe aparece aqui, de
repente, hum, sempre apresenta o mesmo sintoma, é... não temassim nada pra tá vestindo, ou a cueca toda suja, aí já tem gente,
“Ah! Maus-tratos com a criança”, ou não tem onde educar a
criança. Mas não é, aí você vai na casa, não tem cobertor, não tem
água pra tomar banho, então assim, claro que tem outras assistên-
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 105
cias, mas assim, eu sabendo que isso existe, por mais perto que
esteja toda assistência pra atender essa família, mas eles sabendo
que essa realidade acontece, então, e é perto deles, então vão ter aimaginação, “Poxa, eu sei que está perto de mim”, “eu sei que isso
é comum acontecer”. Então eles vão conhecer realidades na comu-
nidade que estão distantes, sabe, a gente imagina que está dis-
tante, mas não é. (ACS 1)
ACS 1 apresenta que é fundamental o conhecimento profundo
da realidade e das contradições sociais que se refletem na expressãoe constituição do processo saúde-doença. Isso aparece como desuma importância para uma compreensão ampliada dos diversosdeterminantes envolvidos nas questões de saúde e das possibi-lidades de enfrentamento das mesmas. Tal aprendizado poderácontribuir para que condutas e prescrições sejam mais bem bali-zadas por um conhecimento concreto da realidade, diminuindo
preconceitos e ranços de classe no olhar e abordagem dos pacientes.Nesse sentido, Ferreira, Silva e Aguera referem que:
este aprendizado no cenário da ABS, desde o início do curso, se
diferencia do aprendizado de outros estudantes pelos vínculos que
estabelecem, pela formação crítico-reflexiva e pela capacidade
que desenvolvem ao aprender a aprender com a realidade em que se
inserem. Portanto, é primordial a inserção em cenários de práticas,como a ABS, no início do curso, para construir saberes condizentes
com as reais necessidades de saúde da população. (2007, p.59)
MED 1 também apresenta essa visão ao afirmar:
o papel do médico não é mais aquele de que “eu mando e você
obedece”. É o de esclarecer o paciente sobre o que ela está fazendo,quais são as possibilidades dela de tratamento, você negociar e
discutir mesmo com o paciente. Então essa discussão foi muito
boa, porque na minha época a gente se formou achando que era
Deus... No IUSC, o aluno já tem esse contato com o paciente
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106 ANTONIO P. CYRINO • DANIELE GODOY • ELIANA G. CYRINO
desde cedo. Eles aprendem a lidar com diferentes situações, eles
ficam mais humanos. Eles aprendem a lidar com esse lado mais
humanitário do médico, e eles desenvolvem isso mais cedo.Aprendem a desenvolver o exercício da escuta, porque médico
geralmente não gosta muito de escutar, gosta mais de falar, né. Por
isso que eu tô aqui falando sem parar.
Ressaltam-se a vivência e o aprendizado precoces proporcio-nados na APS como condições para o desenvolvimento de uma
postura mais humanizada e dialógica com a comunidade. MED 1também referenda a necessidade de construção conjunta do trata-mento necessário entre profissionais e pacientes, o que passa pelodesenvolvimento da capacidade de escuta e de reconhecimento dosaber prévio trazido pelos pacientes.
Conforme o que foi apresentado, podemos refletir que a cons-tituição do SUS trouxe consigo uma série de aspectos envolvidos na
organização do sistema e, por consequência, no modo com que sãoofertados os cuidados em saúde. Da mesma forma, as instituiçõesformadoras também foram levadas a rever a maneira com que vi-nham formando seus alunos na tentativa de se adequar a essasnovas exigências, o que tem passado diretamente pela articulaçãodas instituições formadoras com os serviços de saúde e, em espe-cial, com a rede de APS.
A análise dos resultados constata que a maioria das escolas está
num movimento de saída de seus muros para proporcionar aos es-
tudantes maior experiência nos diferentes níveis de atenção à
saúde. Fazem uso de parcerias com os serviços de saúde de prefei-
turas, unidades dos níveis de atenção primária, secundária e ter-
ciária no entendimento da construção da rede do sistema de saúde,
o que vai ao encontro do que é preconizado nas Diretrizes Curri-culares Nacionais. (Stella et al., 2009, p.66)
De acordo com estudos anteriores de Cyrino et al. (2005,2006); Romanholi (2010); Uliana (2010) e Manoel (2012), consta-
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 107
tamos que a IUSC tem se colocado como possibilidade concretadiante dessa necessidade, na medida em que consegue articular a
experiência e o contato dos alunos nos diferentes cenários presentesno nível primário desde o primeiro ano da graduação.
Entre as possibilidades que lhes são favorecidas por essa expe-riência, foi destacada a ampliação da capacidade comunicacional ede escuta dos alunos em relação aos pacientes, maior atenção aosaspectos psicossociais, bem como o aprendizado em se trabalharcom outras categorias profissionais e realidades diversas das que
estão habituados. De acordo com Nogueira:
A instituição de novos cenários de prática na formação médica
possibilita uma reorientação do olhar sobre os aspectos subjetivos
do adoecimento, oferecendo maior visibilidade às questões so-
ciais, culturais e psicológicas do indivíduo doente, numa com-
preensão ampliada do processo saúde-doença. (2009, p.268)
Quanto ao aspecto metodológico do processo de ensino, Para-guay (2011) afirma que a construção dos projetos terapêuticospelos alunos compreende um papel ativo dos mesmos na pro-blematização e busca de informações e novas sínteses. Esseprocesso pedagógico também é percebido pelos alunos como umencontro pedagógico, em que existe espaço dialógico para apre-
sentarem as suas expectativas e participarem da construção dosprojetos terapêuticos.
Por meio das falas dos sujeitos, observa-se que a prática é umelemento motivador para a construção do conhecimento, tendoem vista que os estudantes passam a entender o seu lugar na confi-guração de novos saberes.
Ao desenvolverem as ações de saúde na ABS e se confrontaremcom os problemas em tempo real, os estudantes reconhecem uma
nova concepção de aprendizagem, na qual utilizam capacidades
prévias e buscam novos conhecimentos (cognitivos, afetivos e
psicomotores) para enfrentar as situações que emergem do coti-
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108 ANTONIO P. CYRINO • DANIELE GODOY • ELIANA G. CYRINO
diano, construindo, assim, maior significado em sua aprendizageme possibilitando a construção de novos saberes. Contrapõem-se,
portanto, à perspectiva de que uma sólida base científica deveanteceder a prática, ou seja, de que a teoria deva anteceder a prá-tica. (Ferreira; Silva; Aguera, 2007, p.55)
Além disso, espera-se que essa interação proporcione umamaior qualificação do aluno na compreensão do funcionamento eparticularidades da APS e de produção do processo saúde-doença
na própria comunidade. As palavras de Anjos et al. declaram essaexpectativa:
A integração da escola de Medicina com o espaço da atenção bá-sica permite inserir o estudante de modo mais participativo, numarealidade que possa formar um profissional mais preparado tecni-camente, mais humanizado, ético e comprometido com a comu-nidade. (2010, p.181)
Como podemos constatar, as instituições formadoras arti-culadas com equipamentos e serviços de saúde cumprem papelessencial para que o SUS funcione em consonância com seus prin-cípios doutrinários e organizativos. Para além das normas e legis-lações que norteiam a organização e funcionamento da saúde, opreparo técnico e o compromisso ético do estudante fomentado
desde os primeiros anos da graduação poderão contribuir para quese materializem de fato ações condizentes com as demandas enecessidades da população.
O contínuo aprendizado e crescimento profissional
proporcionado pela interação com os alunos
O segundo núcleo de significação estruturado se deu a partirda análise de que não são apenas os alunos que podem aprender pormeio dessa experiência. Isso é clarificado ao constatarmos que osprofissionais de saúde referem que também são beneficiados pelainteração com os alunos no cotidiano das unidades.
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 109
Embora existam alguns entraves e problemáticas nessa inte-ração, de modo geral, os profissionais retratam a relação como uma
rica troca de conhecimentos e saberes em que tanto eles como osestudantes saem ganhando. A seguir, estão destacadas algumaszonas de sentido observadas na particularidade dos relatos.
ENF 4 e MED 3 apontam a valorização do conhecimento novoadquirido no contato com os alunos que estão em processo de for-mação e informados sobre o que há de mais atual.
Aprendo porque eles também trazem coisas de onde eles estão, decoisas que eles ainda estão estudando, de novidades, coisas queestão saindo no mercado. Então é uma troca mesmo, a gente não ésabedor de tudo não... Eu gosto de cuidar dos alunos, mas achoque as coisas precisam estar bem organizadas e a equipe estarpreparada. (ENF 4)
E eles mesmos chegam e trazem novidade pra gente. Porque elesestão dentro da universidade, então nós também aprendemosmuitas coisas com eles. “– Oh, professora! Fui numa palestra outem fulano e fulano que falou isso...”. É claro que você não achaisso num livro, nem no trabalho do dia a dia. (MED 4)
Nos relatos anteriores, observa-se a valorização do conheci-mento novo adquirido no contato com os alunos. MED 4 afirma
que, embora seja reconhecida como professora no cenário da APS,sente que sua prática é enriquecida num processo dialético deensino-aprendizagem, apropriando-se de conhecimentos oriundosde espaços pertencentes ao universo dos alunos e que vão muitoalém das possibilidades vislumbradas em seu trabalho cotidiano.
Já MED 7 e ENF 6 nos apontam outras potencialidades:
A gente tem que estar sempre estudando, né, tem que estar semprese atualizando... Às vezes tem coisas que a gente não sabe e temque estar indo atrás disso para atender as expectativas dos alunos.(MED 7)
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110 ANTONIO P. CYRINO • DANIELE GODOY • ELIANA G. CYRINO
Acho que os alunos te exigem mais, vão te questionar mais, vão
trazer novos conhecimentos, novos procedimentos. Eu acho que
os profissionais ficam mais envolvidos e estimulados pelo contato.(ENF 6)
Aqui, observa-se que, embora a relação com os alunos lhesexija uma necessidade maior de ir à busca de novos conhecimentos,isso também se reflete num maior envolvimento e comprometi-mento com o próprio trabalho cotidiano. Dessa forma, a presença
do novo proporcionada pelos alunos contribui para que os profis-sionais saiam do comodismo, assim como agreguem em sua práticaas ideias e contribuições trazidas pelos alunos. Tal relação permiteque a comunidade atendida nesses equipamentos possa ser benefi-ciada, haja vista a possibilidade de uma prática mais refletida ecompromissada com suas próprias atitudes e para com os outros.
A possibilidade de desenvolvimento profissional e de am-
pliação do olhar para outras dimensões e possibilidades do cuidadoem saúde também se faz presente na fala de DENT 2.
Acredito que foi ampliando muito mais a minha visão na questão
de saúde geral das pessoas, da integralidade do cuidado. Antes eu
ficava muito fechada só na minha área e não conseguia enxergar a
relação de outras coisas que estão interferindo... Como tutora do
IUSC tive que abrir muito a minha cabeça, aprender sobre váriascoisas que eu não tinha conhecimento e vejo que agregou e me-
lhorou a minha prática.
Observa-se que sua condição de tutora lhe exigiu ir além desua prática habitual, favorecendo a compreensão de outras deter-minações do processo saúde-doença que se refletiu em sua própria
prática assistencial. Tendo que problematizar com seus alunos aconfiguração de novas modalidades de cuidado em saúde, DENT 2também se viu desenvolvendo uma prática diferenciada com forteschances de se manter, mesmo que não permaneça na posição detutora no futuro.
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 111
Trabalhos como Sakata et al. (2007) e Sisson (2009) ressaltamque esses saberes têm sido muitas vezes incorporados às práticas
dos profissionais e auxiliam em sua qualificação e qualidade dosserviços ofertados à população. Sperandio et al. (2010, p.620)também ilustram essas possibilidades ao afirmar:
Com relação aos profissionais do Centro de Saúde, ficou evidente
que o projeto dos alunos do 1o ano de Medicina serviu como
incentivo necessário à formação de outros grupos de gestantes, o
que já era uma demanda da população local a ser trabalhada. Aequipe se mostrou bastante interessada e engajada em continuar
e ampliar o trabalho desenvolvido, para manter um grupo perma-
nente de acompanhamento de gestantes.
Tais constatações também foram evidenciadas no trabalho deCyrino et al. (2012, p.98-9):
A maior aproximação entre a universidade e a população, sendo os
alunos parceiros da equipe na promoção da saúde, foi considerada
como um apoio à ampliação do conhecimento de demandas das
áreas que necessitam de maior atenção, e que algumas vezes per-
manecem esquecidas, e uma possibilidade de trazer novas ideias
de estratégias para trabalhar com a população dessas áreas. Outro
impacto para as equipes da ESF se refere à possibilidade de,mediante o trabalho realizado durante este ano, estabelecer proto-
colos para melhorar a qualidade no atendimento da população no
município e criar material didático específico padronizado.
Outra observação se mostra na exigência de uma maior re-flexão sobre o processo de trabalho e de busca por informações
que atendam as demandas e questionamentos dos alunos, o quetambém se reflete num maior comprometimento e motivação como próprio trabalho diário. Nesse sentido, Trajman et al. acres-centam:
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112 ANTONIO P. CYRINO • DANIELE GODOY • ELIANA G. CYRINO
A reflexão crítica sobre os processos de trabalho – mesmo em con-
dições de alienação e de subordinação a uma lógica que dificulta o
exercício profissional como prática criadora e capaz de dotar ossujeitos de satisfação – é uma condição necessária para ampliar as
dimensões realizadoras do trabalho na saúde... Por fim, os estu-
dantes também precisam ser ouvidos, pois têm sua própria visão,
receios e expectativas, que precisam ser conhecidos e pactuados à
luz das necessidades e expectativas dos profissionais de saúde.
(2009, p.31-2)
Nessa perspectiva, Ceccim e Feuerwerker (2004) enfatizam aimportância de instituições formadoras e municípios se recons-tituir e se comprometer eticamente para fazer frente aos desafios daformação para a área da saúde:
A educação em serviço reconhece os municípios como fonte de
vivências, autorias e desafios, lugar de inscrição das populações,das instituições formadoras, dos projetos político-pedagógicos,
dos estágios para estudantes e de mobilização das culturas. A edu-
cação permanente em saúde/educação em serviço contribui para
interfaces, interações e intercomplementaridades entre estados e
municípios na construção de um sistema único para a saúde,
incentivando todos os processos de gestão descentralizada e cole-
giada do SUS, no tocante à construção e à produção de conhe-cimento no interesse do SUS. (Ceccim; Feuerwerker, 2004, p.56)
Eixo 2 − Tensões e entraves para consolidação eoperacionalização das atividades de ensinona atenção primária à saúde
Neste eixo, encontram-se reunidos as dificuldades e empeci-lhos vistos como entraves à consolidação e operacionalização dasatividades de ensino na APS. Os diferentes relatos apontam paraaspectos problemáticos e de insatisfação dos profissionais ligados
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 113
principalmente a fatores da reforma curricular, da mudança nagestão municipal e da coordenação e tutoria da disciplina IUSC.
Mais uma vez, iremos destacar tais questões nos diferentes dis-cursos, bem como explicitar a pluralidade de sentidos conferidospelos entrevistados.
O cenário de possibilidades de aprendizagem limitado pelo
espaço físico das unidades de saúde
Tal núcleo de significação foi estruturado a partir da visão queos profissionais de saúde conferem à presença de alunos no coti-diano das unidades e de como essa relação afeta a dinâmica de fun-cionamento da instituição como um todo, principalmente no quetange às possíveis interferências na organização do trabalho e dasadequações necessárias para realização dessa vivência.
Contudo, salientamos que, embora a questão da limitação es-
pacial das unidades tenha se configurado como um importantedificultador à maioria dos entrevistados, os trechos de relatos aseguir demonstram algumas zonas de sentido dadas a essa pro-blemática.
Conforme podemos perceber no relato de ENF 1:
A gente tem que se organizar pra isso, porque é assim, embora
talvez pareça que aqui é um lugar amplo, tem momento que agente não tem onde atender todo mundo, mas tem uma contri-
buição, porque às vezes traz um outro olhar, pode contribuir com
a gente de uma outra maneira que às vezes na correria do dia a dia
a gente não tem determinado tempo pra tocar uma atividade de
promoção, que com a ajuda deles a gente acaba conseguindo...
Observa-se que, na sua posição de gerente de unidade desaúde, ENF 1 reconhece as limitações estruturais desse equipa-mento, contudo, atribui à presença de alunos um papel de “to-cador” de serviço, sobretudo em ações de prevenção e promoção desaúde aos quais a unidade deveria estar preparando-os para desen-
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volver. Essa lógica é subvertida, na medida em que a unidade nãolhes apresenta um ideário de trabalho condizente com as particula-
ridades e necessidades da APS, mas sim que tais ações não são colo-cadas em primeiro plano no cotidiano de trabalho, delegando-seaos alunos tarefas secundárias e renegadas pela equipe de saúde.
Já no relato de MED 2:
Eu acho que é assim: você tem que ter toda a equipe preparada e
capacitada pra receber alunos, desde auxiliar de enfermagem, os
médicos, o pessoal da administração. Você precisa ter a questão doespaço, então isso é uma coisa que às vezes é complicada. A partir
do momento, por exemplo, que o IUSC ficou como disciplina
obrigatória, a gente acabou tendo que atender aluno em dupla e
isso é ruim, não é mesma coisa que cada aluno com seu paciente
como era no início.
Nesse trecho, MED 2 aponta que a transformação da IUSC emdisciplina trouxe consigo outras problemáticas na interação entreprofissionais e alunos que se refletem diretamente na organizaçãodo serviço. Ressalta que essas tensões podem ser minimizadas pelapreparação prévia e envolvimento da equipe de saúde como umtodo, e não apenas dos profissionais tutores ligados diretamente àpreceptoria desses alunos. Mais do que isso, MED 2 aponta que
essa tarefa não é reconhecida como algo intrínseco ao trabalho dosprofissionais e, portanto, deve ser engendrada cotidianamente naforma de capacitação e educação continuada de seus trabalhadores.
Figura também na concepção de ACS 1:
Olha, já causou muito choque. Porque depende do espaço físico
da unidade e de como esses alunos foram recepcionados, né?
Porque eu tento me colocar no lugar, estar num local diferente, tácom uma proposta de trabalho, então você já vai receoso de como
você vai ter uma recepção na unidade, então eu acho que isso cabe
a nós, de quem tá do lado de cá. Do profissional que tá do lado de
cá tentar recepcioná-los da melhor maneira possível, mas também,
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o mais importante é questão de quem está na preceptoria disso, e
chegar e apresentar, “Olha, esses são os alunos, de tal categoria.
Eles vão ficar tanto tempo na unidade, com essa proposta...”. Euacho que isso é fundamental.
Falando a partir de uma posição diferenciada dos profissionaisde nível superior, ACS 1 reconhece o seu papel e dos demais mem-bros da equipe na tarefa de recepcionar adequadamente quem estáchegando às unidades. Por outro lado, destaca que a universidade,
na figura dos preceptores, também deve buscar uma maior inte-gração com as equipes, explicitando e acordando adequadamenteas propostas que serão executadas. Tais medidas poderiam cola-borar para que todos os profissionais se sentissem parte desse pro-cesso, e não meramente usados em ações pontuais que lhes gerammais transtornos e dificuldades do que contribuições em sua prá-tica diária.
Apesar dessas problemáticas, também é ressaltado que se faznecessária a compreensão da relevância dessa vivência para osalunos e da articulação conjunta de todos os envolvidos no pro-cesso. Essa observação se coaduna com a reflexão de Albuquerqueet al. (2007, p.361) de que é impensável a mudança dos profissio-nais de saúde sem se considerar a articulação ensino-serviço umespaço privilegiado para uma reflexão sobre a realidade da pro-
dução de cuidados e a necessidade de transformação do modeloassistencial vigente.
Assim como pode ser analisado no estudo de Trajman et al.(2009), salientamos que as unidades de saúde carecem de umamaior atenção em relação à condição concreta de falta de espaçopara acolher uma demanda cada vez mais crescente por formaçãoprofissional na APS. As equipes de saúde têm procurado se ade-
quar a essa configuração de trabalho por meio da improvisaçãode salas, rodízio de alunos em dias alternados, assim como na reali-zação de supervisão em grupo.
Salientamos que, para além das dificuldades na interação comos alunos impostas pela limitação espacial nas unidades de saúde,
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tal problemática revela que essas estruturas não têm sido cons-truídas de maneira a atender as necessidades e particularidades do
cuidado em saúde na APS. Isso se verifica na incongruência dessesdispositivos, que, por não se verem em condições favoráveis,acabam negligenciando uma série de ações que deveriam ser parteimportante do seu processo de trabalho, a exemplo das atividadesem grupo e de educação em saúde.
Em consonância com essas constatações, Leite et al. (2012,p.116) ressaltam outros fatores atrelados a essa problemática:
Cabe ressaltar que, na Estratégia Saúde da Família, há dificul-
dades na execução do trabalho local, escassez de recursos na
comunidade e problemas advindos de infraestrutura física inade-
quada das unidades básicas de saúde (UBSs). Muitas delas fun-
cionam em casas alugadas, adaptadas para o funcionamento como
unidade de saúde, sem inspeção dos riscos e insalubridade para a
certificação em termos de qualidade. Outro obstáculo importantereside nas relações trabalhistas expressas no vínculo dos profissio-
nais, sem garantia de estabilidade, sem progressão na carreira pro-
fissional, salários desiguais, demissões frequentes e substituições
dos profissionais capacitados, prejudicando a continuidade do
trabalho de forma sistematizada.
Embora não tenha sido destacado nos relatos dos profissionais,compreendemos que a relação de ensino-aprendizagem nos cená-rios da APS deve ir além dos muros das unidades de saúde. Alémde diminuir a sobrecarga dos serviços, a ampliação e diversificaçãodas atividades em outros espaços e equipamentos sociais do terri-tório iria favorecer ainda mais a formação de alunos conhecedoresdas reais condições de vida da população e capacitados para traba-
lhar em rede e de forma intersetorial.
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 117
Os agentes comunitários de saúde e sua ambiguidade de
sentimentos na relação com os alunos
Aqui, estão contidas as informações que buscamos captarsobre quais seriam as possíveis diferenças e/ou semelhanças entreas diversas categorias profissionais quanto à presença de alunos emformação profissional nesses espaços. Sendo os ACSs dentre todosos entrevistados a categoria profissional que apresentou de modomais enfático os problemas e insatisfações na relação com alunos,
julgamos pertinente a estruturação e exposição de tais aponta-mentos reunidos neste núcleo de significação.
Quanto aos aspectos que emergiram nos relatos dos ACSs,é notório que, desde a criação do Pacs em 1991, a figura dessesagentes tem sido destacada como fundamental para realizar aligação entre as demandas e necessidades de saúde da populaçãocom a unidade de saúde. Desde então, sua atuação tem sido cada
vez mais valorizada, assim como muitos pesquisadores têm estu-dado suas atribuições dentro da ESF e a relevância de seu papeldentro dessa configuração de cuidado.
Entre as questões que foram observadas e podemos explicitarneste estudo, encontra-se a ambivalência de sentimentos e de ati-tudes dos ACSs diante da relação com alunos que frequentam ocotidiano das unidades de saúde. Às vezes de forma mais enfática e
em outras de forma mais sutil e velada, mostramos, através dos re-latos a seguir, a pluralidade de opiniões expressas em algumaszonas de sentido.
Nos relatos dos ACSs 1 e 3 clarificam-se aspectos positivosperante essa relação:
É sempre bem gostoso quando você tem essa oportunidade de
transmitir informação. Até mesmo porque muitos não conhecemo agente de saúde, entendeu? Muitos não sabem nem do que se
trata, nem a sua função na equipe, e falar disso pra mim é bem
legal, bem gratificante. (ACS 1)
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Eu acho que por estar na rua você consegue mostrar para os alunos
uma outra visão do paciente... “− Ah! Você prestou atenção na-
quilo?” “− Ah, não tinha visto...” – Eu acho que a gente conseguedar umas dicas, um toque bem legal pra eles... São coisas que eu
gosto de fazer e acho que isso é importante pra eles sair um pou-
quinho do pedestal. (ACS 3)
Como podemos constatar nos relatos, observa-se que, apesarde não serem tutores dos alunos, os ACSs sentem-se gratificados
em explicitar a importância de seu papel dentro da equipe de saúde,assim como em colaborar na construção de um novo olhar do estu-dante. Reconhecem as disparidades de poder existentes entremédicos e demais profissionais das equipes e não se omitem emfavorecer o rompimento com padrões de comportamento cristali-zados em nossa cultura.
Mesmo que por vezes sejam sobrecarregados pelo acúmulo de
funções e pela pouca valorização dentro da própria equipe, a opor-tunidade de também exercer uma função pedagógica contribuipara o sentimento de pertencimento grupal e de protagonismo emseu local de trabalho.
Para além dessas questões de ordem técnica, Lima e Cockell(2008, p.485) nos levam a ampliar a compreensão sobre essa cate-goria profissional e enfatizam que,
Diante da precariedade e flexibilidade das relações de trabalho,
entendemos que, mesmo num contexto de crescente formalização
dos contratos e aumento dos processos judiciais desses traba-
lhadores, reivindicando seus direitos trabalhistas, os ACSs encon-
tram-se num contexto de vulnerabilidade social, uma vez que a
maior parte não tem acesso a direitos vinculados ao contrato de
trabalho regular.
Em estudo realizado sobre o ensino e a pesquisa na Estratégiade Saúde da Família, em particular sobre o desenvolvimento doPET-Saúde na FMB − UNESP, Cyrino et al. (2012) apontam a
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importância dos ACSs nos projetos em curso. Reconhecem suascontribuições na ligação entre profissionais, os grupos PET e
a comunidade, e da peculiaridade de sua condição de elo cultural,que possibilita maior desenvolvimento do trabalho educativo ao juntar dois universos culturais: o do saber científico e o do saberpopular.
Já o relato de ACS 1 evidencia outros aspectos:
A primeira é a questão que eu procuro ajudá-los, porque eu
também me imagino proporcionando uma melhora pra popu-lação. O que eu puder compartilhar do meu trabalho, compar-
tilhar a minha vivência aqui com eles... Penso que um dia eles vão
usar isso, sabe? Um dia eles vão poder falar: “− Poxa! Passamos
lá, tivemos essa conversa”. Essa parte eu vejo que é muito posi-
tivo, porque é uma experiência que tá sendo trocada. Mas para o
meu trabalho, não tem assim, uma devolutiva. Não acrescenta, ou
acrescenta só na questão de você conhecer mais pessoas... Nãotem mudança ou alteração.
ACS 1 nos apresenta uma postura aberta ao diálogo com osalunos, atitude esta que espera trazer contribuições na qualidadedo atendimento ofertado à população. Apesar disso, ressalta a insa-tisfação pela ausência de retorno que agregue reconhecimento e
conhecimento ao seu próprio trabalho. Tal argumento nos levaa refletir sobre o sentimento de ser “usado” e “descartado” pelosalunos quando suas contribuições não são mais necessárias. Aodispor de seu tempo e saber, espera também que essa experiênciaqualifique o seu trabalho e que não seja apenas um momento paraconhecer mais pessoas.
Por sua vez, os ACSs 3 e 4, revelam pontos de tensão e insatis-
fação em relação à sua interação com alunos:
Tem aluno que é muito metido. Tem outros que chegam aqui de
narizinho empinado, o que compromete um pouco o relaciona-
mento, mas no geral é muito bom. Porque eu gosto muito de ser
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acompanhada, eu acho muito bom quando vem aluno e vão sair
comigo, e eu vou falando um pouquinho do que é Saúde da Fa-
mília pra eles, eu gosto muito. (ACS 3)
Eu já cheguei a me sentir horrível e fui falar com a tutora deles:
“− Eu não levo mais, porque eu acho que eles não estão apren-
dendo nada, simplesmente cumprindo a carga horária e acabou,
não vai acrescentar em nada”. Em compensação, outros não,
muito pelo contrário, são superativos: “− O que você acha que eu
falo? Como eu chego na casa dele?”. Parece que tem vontade noque está fazendo. Então eu gosto dos alunos, mas pelo meu jeito às
vezes é meio complicado. Passo a bola pra outra, e não é todo
mundo que gosta, que aceita e vai auxiliar como deveria. (ACS 4)
Em determinados momentos, os ACSs revelam a gratificaçãoem apresentar seu papel dentro da equipe e o próprio território no
qual residem e cujas particularidades conhecem muito bem, etambém em poder contribuir com a formação dos estudantes naampliação do seu olhar para uma atuação em seu trabalho maishumana e condizente com as necessidades da comunidade. Poroutro lado, evidenciam-se sentimentos negativos dos ACSs quandose sentem “usados” diante da ausência de uma contrapartida dauniversidade e dos alunos, como na insatisfação em serem vistos
como profissionais secundários na equipe e tratados com descaso edesrespeito por alunos, tutores e chefias das unidades.
Embora tais conflitos tenham sido captados neste estudo,Cyrino et al. (2012) nos apontam que já foram realizadas atividadesvoltadas para a classe dos ACSs na tentativa de acolher seus sofri-mentos e diminuir as disparidades; justamente por entender que setrata de um grupo de profissionais identificados com a comu-
nidade, os problemas de ordem pessoal muitas vezes se mesclaramou permearam o relato do trabalho profissional. Isso possibilitou aabertura de um processo de reflexão sobre identidade pessoal eprofissional, apoiando e fortalecendo o compromisso com o tra-balho desenvolvido nas USFs.
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Mesmo que muito se tenha avançado nas relações intra e interins-
titucionais na perspectiva da consolidação dos módulos PIN, é
preciso enfrentar outros desafios. Entre eles, estão o aprofunda-mento das discussões sobre o papel dos profissionais da rede no
processo de formação na saúde e a importância de os serviços
assumirem esta função também para si, ou seja, se tornarem
corresponsáveis pela formação profissional, conforme disposto na
Constituição de 1988. (Gil et al., 2008, p.238)
Apesar de reconhecerem a importância da contribuição e espe-cificidade de seu papel na formação de alunos, os ACSs gostariamde obter maior conhecimento das diversas ações que são articuladasna unidade e que interferem diretamente em seu processo de tra-balho. Da mesma forma, avaliam que essa tarefa cabe aos diferentesórgãos e profissionais envolvidos na pactuação dos trabalhos, naqual gostariam de ser ouvidos e reconhecidos.
Eixo 3 − Avaliação das problemáticas edesafios a serem enfrentados
A ampliação da integração, do tempo e do espaço como
necessidade para qualificar o ensino na APS
Neste último núcleo, são apresentadas as ideias, sugestões eopiniões dos trabalhadores sobre o que deve acontecer para que asproblemáticas existentes na relação entre unidades de saúde ealunos sejam minimizadas e que aspectos devem ser revistos e ade-quados para potencializar esse cenário de aprendizagem.
No relato de MED 2:
Acho que às vezes falta um pouco mais de tempo pra gente se de-dicar a isso, mas tem o serviço pra tocar também, né? A principal
função do serviço não é essa, mas às vezes falta tempo pra gente
dar mais atenção a eles... De repente, se a unidade tivesse menos
movimento e a gente tivesse mais tempo pra dedicar a eles. Às
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vezes eu acho que falta um pouco mais de tempo pra ir a fundo
com eles em algumas coisas importantes, mas por outro lado eu
vejo que a função principal nossa também não é essa. Nós nãosomos professores.
Na fala dessa médica está ilustrada a falta de tempo disponívelpara supervisionar, discutir casos e problemas do cotidiano do tra-balho com os alunos. Tal realidade é vista como dificultadora para aunidade em se caracterizar como instituição pedagógica e conseguir
exercer essa função, embora afirme que a missão primordial do ser-viço em que atua seja assistencial.
Aqui se revela o conflito que os profissionais de saúde vivemao tentar conciliar a demanda assistencial da unidade de saúde comatributos relacionados à formação dos alunos. Além disso, MED 2concede uma importância secundária a essa relação, não se reco-nhecendo como professora, mas sim como profissional que foi con-
tratada para resolver problemas de saúde e não para problematizaressas questões com os alunos em aprendizado.
Embora afirmem que estão em um equipamento cuja principalfunção é a assistencial, revelam gostar de também poder colaborartransmitindo o seu saber e experiência aos alunos. Apesar disso,percebem que, por vezes, deixam a desejar em muitos aspectos daformação por não conseguirem conciliar essa tarefa com a grande
demanda assistencial, que é de fato a sua principal atribuição paraquem os contrata.
Nesse sentido, Feuerwerker (2011) nos alerta ainda para o fatode que a preceptoria é uma função que deve ser estabelecida e jáprevista como atribuição constitutiva a fim de que a tensão entre asatividades assistencial e docente seja menor, pois os preceptoresrespondem a muitos patrões e a lógicas e expectativas distintas das
instituições de ensino e dos serviços. Já DENT 3 apresenta outra concepção:
Como eles vêm sempre naquele período e vão executar os seus tra-
balhos, acho que não tem muita interação. Acho que é até por isso
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que os agentes falam que eles às vezes são um pouco metidos, que
não cumprimentam, que acham que não precisam deles... Eu
acredito que é porque eles ficam menos tempo e acabam não tendoaquela integração com a equipe. Eu acho que a gente pode me-
lhorar isso tendo atividades com as agentes também e também
trabalhar como os outros membros da equipe, mas também não
sei como envolver mais as auxiliares, não podem parar toda hora
pra tá saindo.
A possibilidade de se flexibilizar os horários das atividades,assim como em incorporar os outros profissionais da equipe comoACSs e auxiliares nas diversas ações, também são vislumbradascomo aspectos cruciais a uma maior integração com a unidade.Nesse ideário, Uchimura e Bosi (2012, p.157) também sustentam aconcepção de que
a necessidade de oportunizarmos, no processo de formação, expe-
riências integradoras e interdisciplinares, a fim de que saberes e
fazeres
diferenciados estejam presentes no processo de vinculação
do estudante com uma determinada identidade profissional, de
maneira que esta não resulte associada a apenas uma categoria ou
corporação profissional, mas a um campo de conhecimento e prá-
ticas, voltado a atender necessidades e demandas sociais, em espe-
cial aquelas que se apresentam no âmbito da saúde.
Revela-se que determinadas atitudes e comportamentos quesão interpretados como arrogância dos alunos poderiam ser mini-mizados a partir de um maior reconhecimento e integração com osdemais membros da equipe. Apesar disso, não se conseguem vis-lumbrar possibilidades que concretizem essas ações em categoriashistoricamente excluídas desse processo, como no caso dos auxi-liares de enfermagem.
Atentando para outros aspectos, AUX ENF 5 pontua:
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Talvez alguma coisa mais articulada no nível da secretaria e da
universidade com os profissionais. Falar, instruir diretamente
o profissional que for receber. Às vezes eu sinto que tem algunsproblemas nas unidades em que passa apenas pela chefia. E a
chefia não sei até que ponto ela consegue passar isso. Precisa sen-
sibilizar mais pra essa relação.
Em seu relato, AUX ENF 5 destaca a necessidade de maiorarticulação entre todos os envolvidos nesse processo, integração
esta que deve passar por todas as instituições e profissionais dasunidades e não apenas pela chefia imediata. Mais do que ser notifi-cada sobre a presença dos alunos no serviço, seu discurso explicitanão só a ausência de diálogo entre os profissionais no cotidiano detrabalho, como o desejo de ser verdadeiramente integrado ao pro-cesso de trabalho do serviço.
MED 4, por sua vez, nos diz:
Eu acho que a questão é sempre estar trabalhando com os profis-
sionais. Primeiro estar recebendo profissionais que tenham essa
visão de que num serviço não acontece só assistência, mas também
ensino. Você sempre estar tendo essa discussão com os auxiliares
de enfermagem e outros profissionais. Que eles têm que receber
alunos, têm que trabalhar com os alunos e da importância disso.
Então é esse trabalho meio cotidiano mesmo. A questão do espaçofísico é lógico que se puder melhorar será bom, mas eu acho que
de forma geral a atenção básica é subutilizada, acho que outras
disciplinas, outros anos e cursos poderiam estar vindo pra cá
também.
Embora atue num serviço de APS qualificado para exercer
também a função pedagógica, como no caso do CSE, a fala destacaque isso deve ser construído e discutido cotidianamente, o quepode levar a unidade a ampliar suas possibilidades também paraoutras disciplinas utilizarem esse lugar, apesar do problema dafalta de espaço físico. Sua argumentação aponta para a necessidade
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de esclarecer toda a equipe de saúde de que, para além do seu papelassistencial, a tarefa de formar os futuros profissionais de saúde é
um atributo inerente e fundamental em sua prática profissional.Nesse sentido, há uma série de questões que devem ser levadas
em consideração no momento em que são realizados esses con-tratos. Entre estas, é chamada a atenção para: criação de espaçosperiódicos de apresentação e discussão das diversas propostas emcurso; maior conscientização dos profissionais sobre a necessidadede ofertar espaços de formação para qualificar os futuros profissio-
nais de saúde; maior preparo dos professores e tutores encarregadosde supervisionar os alunos na condução das atividades nas uni-dades de saúde, entre outras.
De modo geral, os profissionais se mostraram favoráveis amanter e ampliar os cenários da APS enquanto campo necessárioe fundamental de aprendizagem aos futuros profissionais de saúde.Contudo, não deixaram de afirmar que os órgãos gestores devem
atentar para a adequação física das unidades de saúde para queconsigam congregar melhor não apenas as atividades assistenciais ede ensino, como também oferecer estruturas mais dignas de tra-balho a outros profissionais que desenvolvem atividades de matri-ciamento e apoio na APS.
Considerações finais
Diante do exposto, podemos apontar que os profissionais desaúde concebem de forma positiva a interação e contato com alunosna atenção primária à saúde, embora evidenciem que ainda existamaspectos problemáticos a serem superados, como a limitação dotempo e do espaço físico das unidades e uma melhor articulação
entre todos os envolvidos.A partir do método de análise, observamos que, entre os di-
versos sentidos conferidos a esses significados, repousam enten-dimentos diferentes quanto a essas relações. Entre esses, ressaltam-seinúmeras possibilidades de ganho advindas com essa experiência
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que superam os seus obstáculos, como a possibilidade de desen-volver maiores ações de promoção e prevenção em saúde, como
grupos e visitas domiciliares, e no aumento da qualificação de pro-fissionais e alunos diante da troca de saberes.
Também foi possível constatar que os cenários da atenção pri-mária têm se transformado em campo fundamental e necessário deaprendizagem aos futuros profissionais de saúde para uma for-mação que leve em consideração e atenda os preceitos do SUS. Demodo mais particular, a IUSC tem se consolidado como estratégia
potente e eficaz no favorecimento da formação dos alunos sob essaperspectiva, contribuindo para o desenvolvimento de habilidadescomunicacionais e de uma escuta mais qualificada, para o aprendi-zado do trabalho em equipe e de uma concepção ampliada do pro-cesso saúde-doença.
Embora saibamos das limitações do estudo, salientamos quetal objeto de investigação aponta para a necessidade de uma série
de ajustes e pactuações entre os órgãos formadores, unidades desaúde e gestores encarregados dessa articulação para que tanto osalunos quanto os serviços de saúde possam ser beneficiados poressa experiência.
No mais, se compreende que a adequação das problemáticasapresentadas poderá favorecer ainda mais no fortalecimento econsolidação da APS na formação dos alunos em consonância com
os preceitos do SUS e, acima de tudo, de profissionais qualificadospara o trabalho na APS e comprometidos com as necessidades desaúde da população brasileira.
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5ALUNOS, OS SUJEITOS DO PROCESSO:
O QUE PENSAM SOBRE “SER MÉDICO” E
SUA FORMAÇÃO
Maria Regina Pires Uliana
Antonio Pithon Cyrino
O presente capítulo é um recorte de estudo (Uliana, 2010) rea-lizado com alunos de graduação médica, no qual se exploraram os
significados e percepções que os estudantes atribuem à experiênciavivenciada na disciplina IUSC. Neste recorte, trata-se da escolhaprofissional, da construção de um (querer) “ser médico” realizadapelo aluno antes de entrar na escola médica e ao final de seu curso.Apresentaremos, assim, ao leitor um olhar que nos permitiráapreender uma das facetas da “produção” de uma nova identidadedesses alunos, que iniciaram a graduação em 2003, primeira turma
da disciplina IUSC. Ao mesmo tempo, este capítulo fornecerá aosleitores uma aproximação com os sujeitos principais dessa expe-riência de ensino na comunidade: os alunos.
Num olhar panorâmico sobre o conjunto da turma, a partir dedados da Vunesp,1 verifica-se no perfil socioeconômico dos alunosingressantes um predomínio de brancos (87,8%), do sexo feminino(64,4%), que cursaram o ensino médio em escola privada (88,9%),
com pai (68,7%) e mãe (61,1%) com formação superior completa erenda mensal maior que 15 salários-mínimos (57,8%). Já o con-
1. Informações colhidas na inscrição no exame vestibular e que dizem respeitoaos noventa alunos aprovados para o curso de Medicina (Vunesp, 2003).
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junto dos alunos (24) que participaram dos grupos focais2 reali-zados na produção dos dados deste estudo mostraram um perfil
com predomínio de mulheres brancas (67%), jovens (87%) comidade na faixa de 23 a 26 anos, com semelhanças, portanto, ao doconjunto da turma.
A análise dos dados produzidos permitiu identificar dois nú-cleos de sentido quanto à escolha profissional e à construção de um“ser médico” − ser médico: a escolha profissional e fazer-se mé-dico: a vivência na graduação médica.
Ser médico: a escolha profissional
E o que contribuiu também [para minha escolha]
é que eu achava o médico uma profissão
maravilhosa: o maior, o que salva todas as vidas.
(GF1, aluno 8)
As motivações indicadas pelos alunos, já no final do cursomédico, para a escolha da profissão médica, apontam diversasinfluências e/ou interesses que, muitas vezes, se misturam e secondensam em alguns núcleos temáticos: a percepção do sofri-mento humano e seu cuidado; o interesse pelas ciências (bioló-
gicas); a beleza da profissão; o status social potencialmentealcançado pelo profissional; e a influência produzida pelo convívioe identificação com médicos e outros profissionais da saúde, daprópria família ou próximos.
Destacou-se, entre esses diferentes temas, “a percepção dosofrimento humano e seu cuidado”, manifestado algumas vezespelo desejo “de exercer uma profissão que cura”, “que salva
vidas”, como é bem expresso na epígrafe, e que pode ser sinteti-zada pela ideia do cuidar do outro. Essa dimensão é também
2. Foram realizados três grupos focais com a participação total de 24 estudantes.
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 135
tomada pela “vontade de ajudar...”, de “fazer o bem para os ou-tros” ou proporcionar “um conforto ao ser humano”:
No meu caso, minha escolha nunca foi duvidosa. Eu achava o tra-
balho do médico bonito e era um bonito de conforto ao ser hu-
mano. Um contato próximo e bem íntimo com o outro, o ser
humano. (GF2, aluno 22)
Gosto de ajudar as pessoas, conhecer melhor o ser humano e
tentar ajudar de alguma forma. (GF1, aluno 10)
Queria escolher uma profissão que fizesse diferença: ajudar as
pessoas. (GF3, aluno 30)
Outros alunos enfatizaram, como dimensão motivadora daescolha profissional, a percepção do sofrimento humano provo-
cada pela vivência pessoal com um ente querido que enfrentoualguma enfermidade ou pela própria experiência pessoal de adoeci-mento e de ter sido objeto de atenção médica.
E tive muitas experiências familiares relacionadas à saúde, como
depressão, doenças crônicas e acho que, à medida que fui amadu-
recendo, pensei em fazer Medicina. (GF1, aluno 10)
Vou ser bem sincera: eu tinha uma avó que estava doente e preci-
sava de uma pessoa que pudesse ajudá-la. E, eu fui. Achava im-
portante ajudar no sofrimento [...]. (GF1, aluno 4)
A curiosidade pelo interior do corpo humano foi indicada poralguns alunos, como um interesse pelas ciências em geral, e pelas
ciências biológicas em particular. Desejo este que se compôs com ointeresse pelo cuidar e, assim, ser médico e desvendar os mistériosda ciência, especialmente do corpo biológico:
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Eu resolvi fazer Medicina, porque eu sempre gostei de tratar os
curativos de casa. [...] E também sempre tive curiosidade para
saber como era o ser humano por dentro e achei que como médicoeu ia me satisfazer em todos os sentidos. (GF1, aluno 1)
Eu queria ser lixeiro... Já pensei até em bombeiro. Passou muita
coisa pela minha cabeça. Foi na sétima série que tive contato com
Biologia, me identifiquei bastante [...]. (GF1, aluno 2)
A última coisa que eu queria era ser médica! Eu não gostava, masna sétima (série), comecei a ver Biologia... o corpo humano. Co-
mecei a me interessar muito, gostava muito da matéria. Então,
resolvi fazer Medicina para conhecer mais o ser humano. Gostava
de lidar com pessoas. (GF1, aluno 5)
A beleza da profissão, o reconhecimento e status social obtido
no exercício da Medicina também foram apontados como motiva-ções para essa escolha profissional. Foi possível identificar que,para alguns deles, a nobreza da profissão também se relaciona coma possibilidade de dominar um campo do conhecimento valorizadosocialmente, ter assegurado um lugar bem remunerado no mercadode trabalho.
Cheguei à conclusão... porque além de gostar da área, eu achavaque era uma super-respeitada; médico era uma pessoa de respeito
dentro de uma sociedade, que conseguia ajudar todo mundo
e [que] o valorizava por isso. Não era como a profissão do pro-
fessor, que eu acho maravilhosa, mas não é bem remunerada; os
alunos não tratam bem, todo aquele problema do professor, então
optei pela Medicina. (GF1, aluno 9)
Escolhi [ainda] bem pequena [...] por admirar alguns médicos que
estavam perto de mim, admirar os conhecimentos, a cultura, a
comunicação [deles]. [...] e, também pensei no mercado de tra-
balho [...]. O médico sempre vai ter emprego. (GF2, aluno 23)
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 137
O convívio, a influência, e especialmente a admiração porfamiliares médicos ou profissionais da saúde levaram alguns alunos
a escolherem a Medicina, tendo tais profissionais, muitas vezes,como “modelos” profissionais.
Não lembro direito porque escolhi, a minha mãe é enfermeira e
sempre tive contato com isso e também gostava da área de bioló-
gica. (GF3, aluno 31)
Desde criança sempre pensei nisso, meu pai é médico e me levavacom ele. Não me imagino fazendo outra coisa. (GF2, aluno 24)
As motivações apontadas pelos alunos do 6o ano em suas me-mórias do momento da escolha profissional são muito próximasàquelas identificadas por Ramos-Cerqueira e Lima (2002), comopertencentes a um nível consciente de escolha: o desejo por do-
minar um campo do conhecimento que atribui status e “prestígiosocial”, “o alívio prestado aos que sofrem, a atração pelo dinheiro[... e] pela responsabilidade [...], o desejo de uma profissão liberal ea necessidade de segurança” (Ramos-Cerqueira; Lima, p.109).
Schraiber (1993, 2008), em seus estudos sobre o trabalho deduas gerações de médicos, uma formada sob a égide da Medicinaliberal (de 1940 a 1950) e outra já na contemporânea Medicina tec-
nológica (década de 1980), identificou diferentes razões para levarà escolha da Medicina como profissão. A primeira delas diz res-peito à escolha da Medicina como sacerdócio, que é o mais clássicodesses sentidos: o médico como “homem que serve aos outros”;que deve esperar a clientela, estar disponível, atento e “acima detudo ser dedicado e responsável por seus doentes” (Schraiber, 2008,p.143). A segunda é a do médico como “homem da ciência”. Tema
este que corresponde, em boa parte, às escolhas feitas pelos alunoscom interesse pela Biologia e pelo corpo humano, como vimos. E, aterceira, a “nobreza da profissão” como dimensão do ser médico(ibidem, p.145), pois, ainda que produtora de renúncia, sacrifíciose uma vida de esforço, o exercício dessa profissão traz compen-
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sações pela “reconhecida autoridade social e elitização na hierar-quia do trabalho, com correspondentes vantagens materiais”.
Para os alunos, essa escolha profissional provoca muitas mu-danças em suas vidas já no momento da “intensa competição dovestibular”, quando aprendem “precocemente a renunciar a dese jos,prazeres, horas de lazer e à companhia de amigos e familiares...”(Ramos-Cerqueira; Lima, 2002, p.108); como reconhece um dosalunos que afirma aceitar estar menos tempo com a família oufazendo suas atividades preferidas, pois desde pequeno foi adver-
tido pela mãe de que teria que estudar e dedicar-se muito para sermédico.
Para muitos alunos e médicos (Schraiber, 1993, 2008), a es-colha profissional foi promovida pelo contato ou estímulo de fami-liares e profissionais que atuam na Medicina ou em outros camposda saúde. Tal “base familiar” na profissão médica é muito comumainda hoje.
Pode-se perceber, em muitos discursos dos alunos, um fortecomponente ideológico expresso na generosidade ou caridademanifesta como um “ajudar as pessoas” que estavam presentes no“sacerdócio”, enquanto modelo de prática presente na Medicinaartesanal ou liberal (Schraiber, 2008), como vimos. Pode-se afirmarque muitos desses valores e modo de compreender o mundo aindapresentes nos ideais dos atuais e futuros médicos provêm das
dimensões da pretérita Medicina liberal (Nogueira, 2007).Até aqui pudemos conhecer nos discursos dos alunos, no ano
da formatura, suas lembranças sobre a escolha profissional. Aindaque tais manifestações possam, de alguma forma, ter sido influen-ciadas pela experiência do curso médico, como veremos a seguir, háum enorme contraste com a percepção que apresentam de um“fazer-se médico” ao longo desses seis anos de formação. Tal con-
traste é bem evidente já na epígrafe que abriu este tópico e a que seapresenta no que segue: na primeira temos o médico como um “sal-vador (de vidas)” e na última como um “homem normal” e falível.
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 139
Fazer-se médico: a vivência na graduação
O médico era o super-herói e agora omédico voltou a ser um homem normal,
que está sujeito a um monte de erros.
(GF1, aluno 9)
Como é possível apreender desta epígrafe, as motivações maisidealizadas que levaram nossos alunos a buscar a profissão médica
foram gradativamente se transformando ao longo dos anos, dandolugar a um olhar menos idealizado e mais crítico sobre a profissão ea prática médica. No discurso do aluno, apresentado como epígrafeque abriu o tópico anterior, o médico era um “salvador (de vidas)”;nesta última, é agora um “homem normal” e falível.
Há também a passagem de um ideal anteriormente centradona “cura” para outro no qual se valoriza o cuidado do paciente,
expresso num “confortar”, como também uma maior percepçãodos limites dessa Medicina no enfrentamento dos problemas queafligem o indivíduo. Percebe-se nesse discurso uma maior sin-tonia com a atual relevância das doenças crônicas no perfil deadoecimento das comunidades que esses alunos assistem em suaspráticas clínicas durante a graduação:
Quando [...] entr[amos] na faculdade éramos muito centrados emrealizarmos a cura, a gente procura só o lado da cura: “Vamos
curar, vamos sarar você”, como a gente fala para as crianças. Mas
acho que eu mudei meu conceito nos seis anos [...] de faculdade.
Hoje eu acredito que mais importante que curar, é confortar o pa-
ciente; para mim é muito mais importante! Não é necessariamente
curando o paciente que eu vou resolver todos os problemas da
vida dele. (GF1, aluno 8)
Agora eu vejo que não sabia nada sobre Medicina. Não sabia
como era o funcionamento do curso, não sabia como ia ser minha
vida, futuro profissional. [...] Antes imaginávamos em dar tudo
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140 ANTONIO P. CYRINO • DANIELE GODOY • ELIANA G. CYRINO
ao paciente e hoje, o que é possível fazer ao paciente. (GF1,
aluno 7)
Como afirmam Ramos-Cerqueira e Lima (2002, p.108), essapassagem da visão “ideali[zada] do papel do médico” para a expe-riência concreta da “formação profissional não é tranquila”, comovemos no discurso que segue:
Eu acho que me perdi demais no começo com bastante coisa. Se
hoje eu soubesse de tudo o que eu iria passar, de como seria chegaraté aqui, eu não teria feito Medicina. Hoje para mim é um grande
dilema... Se eu soubesse disso, que eu iria passar por tudo isso, eu
não teria entrado nesse curso. (GF1, aluno 5)
A despeito de a quase totalidade dos alunos participantes doestudo terem se declarado satisfeitos com a escolha profissional,
destacaram com muita clareza as fragilidades do processo de for-mação, dentre as quais destacamos: o excesso de conteúdo teóricodos primeiros anos, a falta de integração entre as disciplinas do bá-sico com o clínico e a desarticulação entre o conteúdo dos primeirosanos com os conhecimentos necessários para o internato do 5o e 6o,este último momento de vivência integral em ambientes de assis-tência no hospital, ambulatórios e serviços básicos de saúde. Parte
deles também reconheceu o limitado espaço oferecido ao longo docurso para o desenvolvimento de habilidades necessárias à relaçãomédico-paciente e de responsabilização com este último, e aindaapresentam um olhar crítico quanto à formação recebida, dado seucaráter “medicalizado” e centrado na doença e de sobrevalorizaçãodo conhecimento em detrimento de valores:
A gente não aprende no curso [...] o lado da conversa, da relaçãomédico-paciente, você não tem muito isso. Às vezes, você não tem
o que fazer por ele [paciente], não tem mais remédio para dar... E
porque não tem remédio, você acha que não pode fazer mais nada.
E na faculdade você não aprende como lidar com isso. É muito
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 141
medicalizada a Medicina, é muito centrada na doença. Não é cen-
trada no paciente. (GF1, aluno 5)
Hoje eu vejo que mais importante que o conhecimento... o conhe-
cimento é fundamental, mas eu não tenho mais a ilusão que eu
tinha de alguns anos, de sair da faculdade com um conhecimento
completo da Medicina [...] o mais importante de tudo é o compro-
metimento com o paciente [...]. (GF1, aluno 10)
A despeito desses discursos mais críticos, cabe apontar que osestudantes, ao longo do curso médico, valorizam preferencial-mente as dimensões mais técnicas e orientadas pela Biomedicinado que aquelas de caráter mais humanístico, que são percebidascomo acessórias. Essa questão vem sendo um enorme desafio parapensar a formação médica em todo o mundo.1
Os estudantes consideraram a vivência no internato (5o e 6o
anos) o lócus mais relevante na formação profissional, pela opor-tunidade de atuação mais intensa com outros médicos e de vivênciacom os pacientes, uma experiência que parece mais próxima doque vão encontrar ao “tornar-se médico”. É, ainda, para algunsdesses alunos, um momento de enorme aprendizado, pois, comodiz um deles,
Durante os quatro primeiros anos você não se sente médico e sabeo que sua vizinha sabe. No internato você dá um salto muito
grande, é a fase mais gostosa e boa, é tudo que você esperava.
(GF2, aluno 23)
O referido convívio com as equipes dos serviços de saúdepor onde estagiaram permitiu aos alunos atuar com profissionais
cuja postura consideraram modelos a seguir, enquanto outras vivên-cias reforçaram um tipo de prática profissional que perceberam
1. A esse respeito, ver Good; Good, 1994.
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reduzir-se à sua dimensão “técnica” e, portanto, não reconhecidascomo bons “exemplos a seguir”, como se vê expresso nos seguintes
discursos:
[...] Você tem uma certa decepção com alguns modelos de médicos
que vemos aqui na nossa formação, mas acho que temos que tirar
de positivo, é reconhecer que não se deve fazer isso! (GF2, aluno
24)
Eu acho assim, [...] que durante a faculdade, a gente tem umasérie de situações que levam você para o “lado negro da força” ou
para o “lado bom da força” e se você não optar por um caminho e
seguir certos exemplos de profissionais, de conduta e de atenção
ao próximo, você vai virar um belo técnico de condutas e diagnós-
ticos [...]. (GF1, aluno 1)
Na apreensão que fazem sobre o curso médico percebe-seestreita articulação com o modo como compreendem o próprio sis-tema público de saúde e suas contradições, dado que o campo detreinamento dá-se integralmente em diferentes serviços do SUS(destacadamente, o hospital escola, espaço com maior carga horáriade estágios, e os serviços básicos de saúde).
não tinha ideia de como era um curso de graduação de Medicina elogicamente tem coisas que nos frustram até hoje, dentro do sis-
tema de saúde, mas o saldo é bem positivo. (GF1, aluno 7)
Eu acho que a minha visão mudou um pouco [...] tem muitos pro-
blemas, muitas coisas que a gente vê que não dá pra fazer por falta
de infraestrutura que a gente vê e encontra tanto aqui na faculdade
como em qualquer outro lugar [...]. (GF1, aluno 26)
Chama a atenção que algumas dificuldades vividas pelosalunos (como a “falta de infraestrutura” nos serviços de saúde, “ocomportamento de pacientes e médicos”) e relacionadas à profissão
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 143
médica sejam consideradas responsabilidades de outras esferas(sobretudo a social e a econômica), e, desse modo, não percebidas
como inerentes à escolha que fizeram.Mas os estudantes, ao reconhecerem dificuldades, perceberam
que tais experiências, ainda que menos prazerosas, também podiamcaracterizar-se como momentos de aprendizagem, crescimento,realização e oportunidade de fazer escolhas:
No final de seis anos a minha visão de Medicina não mudou, só
que hoje [ela é...] mais crítica sobre as dificuldades, as limitações.Hoje temos oportunidade de reconhecer as necessidades da popu-
lação e temos bons modelos [...]. (GF2, aluno 23)
Em relação à escolha [profissional] a palavra é satisfação!! Não
tenho dúvida da minha escolha [...]. No início era uma admiração
idealizada, agora é mais concreto. (GF2, aluno 22)
Traçadas ao longo do processo de formação, tais escolhas, toda-via, serão ainda submetidas ao heterogêneo mercado de trabalho deuma “nova” ordem médica tecnológica (e neoliberal), na qual, adespeito de uma diversidade de “identidades médicas” − médico--empresário, médico-cooperado, médico-assalariado etc. –, é aindaforte um ideário liberal deslocado no tempo. O desenvolvimento do
complexo médico-industrial e o surgimento da Medicina tecnoló-gica (ou Medicina neoliberal) reduziu a prática da Medicina liberala apenas um componente da nova forma de organização social. Po-rém, mesmo permanecendo secundária e dominada, continuou aser fonte inspiradora de muitos posicionamentos ideológicos e dosmovimentos políticos da categoria médica (Nogueira, 2007), comovimos mais recentemente no debate em torno do Programa Mais
Médicos aprovado pelo Congresso Nacional.
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ingresso na graduação médica em 2003. Ago. 2003.GOOD, B. J.; GOOD, M. J. “Learning Medicine”: the construction
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California Press, 1994. p.81-107.NOGUEIRA, R. P. Do físico ao médico moderno: a formação social da
prática médica. São Paulo: Editora UNESP, 2007.RAMOS-CERQUEIRA, A. T. A.; LIMA, M. C. P. A formação da
identidade do médico: implicações para o ensino de graduação emMedicina. Interface – Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu,v.6, n.11, ago. 2002.
SCHRAIBER, L. B. O médico e seu trabalho: limites da liberdade. SãoPaulo: Hucitec, 1993.
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PARTE III
AS ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS DA IUSC
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6A METODOLOGIA DA
PROBLEMATIZAÇÃO NO CONTEXTO DA
FORMAÇÃO EM SAÚDE
Marina Lemos Villardi
Eliana Goldfarb Cyrino
Neusi Aparecida Navas Berbel
Neste capítulo trataremos da problematização enquanto meto-
dologia de ensino aplicada nos cenários de práticas da disciplinaInteração Universidade, Serviço e Comunidade (IUSC) da Facul-dade de Medicina de Botucatu. Como tal, é resultado da expe-riência de trabalho e reflexão em torno das tensões vividas no usoda problematização como metodologia.
O capítulo se propõe a explorar o diálogo sobre a metodologiada problematização (MP) no ensino superior em saúde, expondo
inúmeras questões pedagógicas, conectando-as à qualificação pro-fissional. Para tal, recorrem-se às explanações sobre o novo perfildo profissional de saúde e às metodologias que contribuem parauma postura ativa do aluno na busca do conhecimento. Posterior-mente são enfatizados os fundamentos teóricos que sustentam ametodologia da problematização para avançar no conceito de pro-blematização, através do entendimento de diversos autores. A fim
de aproximar as práticas educativas problematizadoras da área dasaúde, elas serão brevemente contextualizadas, com ênfase noensino superior em saúde, para explorar as faces que dificultame ou fortalecem sua utilização a fim de verificar a diversidade desituações e cenários em que a metodologia da problematização
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pode ser aplicada, por meio da descrição de experiências na área dasaúde.
Mudanças no ensino superior na área da saúde
O ensino superior nas profissões de saúde passou por transfor-mações resultantes tanto das alterações do perfil demográfico eepidemiológico da população quanto da complexa exigência em
relação às práticas em saúde executadas. Dessa forma, busca-senesta seção retratar algumas questões que impulsionaram transfor-mações no ensino superior, bem como apontar as metodologias quese enquadram nesse novo panorama do ensino.
Dentre as modificações no mundo contemporâneo que pro-vocam discussões sobre a formação para o trabalho em saúde eexigem postura crítica do sujeito, estão: a velocidade da produção
de conhecimento; a necessária reflexão sobre a inserção do profis-sional de saúde nesse novo contexto; a influência dos meios de comu-nicação na construção do profissional que afastam a reflexão sobrea vida, a inserção no mundo e a nova organização do espaço social(Mitre et al., 2008).
Cyrino e Rizzato (2004) destacam que o ensino médico preo-cupa-se com tecnologias de diagnóstico e tratamento de enfermi-
dades. Embora tenha aumentado a expectativa de vida, não sãovalorizadas as habilidades que envolvem a relação médico-pa-ciente. “Esse sucesso na manutenção da vida, no entanto, não temsido acompanhado do desenvolvimento da habilidade médica deouvir, de cuidar, de compreender a vulnerabilidade dos pacientesdiante do sofrimento e ao adoecer” (Cyrino; Rizzato, 2004, p.60apud Puchalski, 2001).
Segundo Paim (1996), para formar profissionais de saúde maispreparados para as novas exigências da sociedade, cuja prática per-mita aderir às políticas de saúde, devem ser consideradas, nas for-mulações pedagógicas das universidades: capacidade de análise docontexto das práticas que realiza; compreensão do processo de
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trabalho em saúde; exercício da comunicação no cuidado em saúde;atenção a problemas e necessidades de saúde; senso crítico quanto
às intervenções realizadas e permanente questionamento sobre osignificado de seu trabalho.
Crivari e Berbel (2008) adicionam que a formação necessitacentralizar a promoção da saúde, trabalhando o conceito de saúdecomo qualidade de vida, o processo de trabalho na interdiscipli-naridade, o desenvolvimento de habilidades para a ação social e acapacitação para a educação em saúde, a fim de formar, ao mesmo
tempo, bons profissionais e bons cidadãos.Uma formação em saúde que ultrapasse uma educação cen-
trada somente na informação do professor é defendida em dife-rentes estudos, pois, segundo os seus autores, possibilita umaeducação problematizadora, na qual o aluno tem papel central nabusca dos conhecimentos, através do desenvolvimento da capaci-dade de “aprender a aprender”, criando oportunidade para uma
educação permanente (Chirelli; Mishima, 2004; Campos; Boog,2006; Crivari; Berbel, 2008; Espírito Santo et al., 2008; Mitre et al.,2008; Rodrigues; Caldeira, 2008; Silva; Miguel; Teixeira, 2011).
Para Mitre et al. (2008, p.2.135), citando Fernandes et al.(2003), aprender a aprender “deve compreender o aprender a co-nhecer, o aprender a fazer, o aprender a conviver e o aprender a ser,garantindo a integralidade da atenção à saúde com qualidade, efi-
ciência e resolutividade”. É necessário destacar que esses “aprendera...” são frutos do relatório de Delors (1998, p.14), que discute osnovos objetivos da educação do século XXI a fim de ampliar con-ceitos sobre seu papel e os meios que utiliza em busca de superaçãodos desafios da atualidade. Segundo esse relatório, a educação deveser entendida como “situada no coração do desenvolvimento tantoda pessoa humana como das comunidades”.
Sobre os ganhos em trabalhar com o aprender a aprender naformação em saúde, Silva, Miguel e Teixeira (2011, p.79) apontamque proporciona “uma visão ética, humanística e responsabilidadesocial, importantes qualidades na prática no Sistema Único deSaúde (SUS)”.
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Lima, Komatsu e Padilha (2003, p.177) adicionam a impor-tância de superar o enfoque do ensino em saúde centrado em as-
pectos biomédicos que limitam a aprendizagem, pois, segundoesses autores,
é imperioso que o profissional de saúde tenha uma atitude
contínua de aprender e habilidades para a busca e crítica das infor-
mações obtidas. A prática em saúde requer destrezas psicomotoras
que permitam a execução de procedimentos com segurança e téc-
nica acurada e atitudes que conformam a relação com o paciente eo trabalho em equipe. Como condutores dessa prática, senti-
mentos de humanidade, respeito aos direitos das pessoas e com-
promisso social são fundamentais para o exercício profissional
ético.
Godoy (2002) sustenta valorizar nesse cenário a qualidade da
assistência e a eficiência do trabalho em saúde, a articulação entreteoria/prática e também entre universidade, serviços de saúde e or-ganizações comunitárias e estratégias que indiquem o aluno comosujeito do processo ensino-aprendizagem.
Com a Constituição Brasileira de 1988, fica definido que osetor da saúde, além de organizar-se por meio do SUS, deve refor-mular os processos de formação dos profissionais tendo em vista
um perfil generalista e consoante com a realidade social e epide-miológica (Rezende et al., 2006).
Isso significa que a transformação no modelo hegemônico éimpulsionada por políticas públicas relacionadas às necessidadesda população, como a implementação do SUS e sua estratégia maisinovadora, a Estratégia da Saúde da Família (ESF) (Crivari; Berbel,2008).
Essa preocupação com a qualificação do cuidado à saúde fazparte das mudanças previstas para a educação médica, como o en-sino centrado na prática em saúde e nos princípios da integralidadee da intersetorialidade das ações, a diversificação dos cenáriosde aprendizagem, como os da atenção primária (pois trabalha com
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as reais necessidades de saúde da população, com o trabalho multi-profissional e com intervenções de educação em saúde) e a valori-
zação das dimensões psicossociais do adoecer (Cyrino; Rizzato,2004; Gianini et al., 2008; Rodrigues; Vieira; Torres, 2010; Silva;Miguel; Teixeira, 2011; Berger, 2011).
Crivari e Berbel (2008) reforçam que as Diretrizes Curricu-lares Nacionais, implantadas nos anos 2000 para os cursos de gra-duação em saúde, têm por intuito buscar uma formação dosprofissionais de saúde orientada para o Sistema Único de Saúde.
As DCNs caminham para uma articulação entre os programasdo Ministério da Saúde e os projetos pedagógicos e buscam a for-mação de um profissional que atue com qualidade na promoção dasaúde e na prevenção, de modo a atender as necessidades sociais(Kruze; Bonetti, 2004; Rezende et al., 2006; Marin et al., 2010).
As DCNs propõem romper com o modelo arcaico e rígido deensino fornecendo elementos das bases filosóficas, conceituais,
políticas e metodológicas que compõem as habilidades essenciaisaos profissionais de saúde. Produz-se o desafio de romper com atradição tecnicista do ensino, do aspecto curativo de atendimento,em virtude do próprio modelo de atenção à saúde existente noBrasil (Kruze; Bonetti, 2004).
Para tanto, utilizam-se “novos referenciais” para a educação naárea da saúde, como as metodologias que consideram o aluno pro-
tagonista do seu próprio processo de formação (Cyrino; Pereira,2004; Damasceno; Said, 2008; Mitre et al., 2008; Silva; Delizoico,2008; Marin et al., 2010; Cotta et al., 2012).
No processo de aprendizagem ativa, o estudante tem a oportu-nidade de propor questionamentos para o contexto, além de solu-cioná-los por meio de alternativas aprendidas em diferentes fontes,considerando a necessidade de trazer respostas adequadas a serem
debatidas nos grupos de discussão (Marin et al., 2010).Algumas metodologias são, para Cyrino e Rizzato (2004), Cy-
rino e Pereira (2004), Silva e Delizoico (2008), Cardoso et al.(2011), e Freitas (2011), conhecidas como “aprendizagem baseadaem problemas (ABP)” e “problematização”, que, embora distintas,
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apresentam semelhanças, pois pretendem romper com os métodostradicionais de ensino-aprendizagem pela construção de uma visão
que busca romper com a fragmentação do conhecimento, o quepode representar um avanço na formação de profissionais de saúdepara o SUS. Apoiam-se na aprendizagem por descoberta, significa-tiva e na solução de problemas (Berbel, 1998; Cyrino; Pereira,2004; Marin et al., 2010).
A aprendizagem baseada em problemas (ABP) foi aplicada nofinal da década de 1960 na Universidade de McMaster, Canadá, e,
pouco depois, na Universidade de Maastricht, Holanda (Cyrino;Pereira, 2004; Silva; Delizoico, 2008).
A ABP, como estratégia de integração entre o ciclo básico eo clínico, permitindo a articulação de disciplinas e o desenvolvi-mento do raciocínio clínico, ganhou a adesão de escolas espalhadasem todo o mundo no decorrer das últimas décadas do século XX,chegando a casos, como o da Austrália, no qual, das dez escolasmédicas existentes no país, nove utilizam a ABP (Lima; Komatsu;Padilha, 2003).
A ABP representa um avanço em relação ao ensino transmis-sivo predominante no meio universitário, caracterizado pela ati-tude receptiva do aluno, surgindo em reação às escolas médicas soba influência do modelo flexneriano, que privilegiava o modelo bio-médico e o ensino centrado no hospital. A ABP é considerada oeixo principal do aprendizado teórico de um currículo médico, coma finalidade de promover o aprendizado de conteúdos e a inte-gração de disciplinas. Propõe-se a um trabalho criativo do pro-fessor preocupado com o “porquê” e o “como” o estudante aprende.A ABP é uma proposta que passa a guiar a organização curricularde um curso, havendo necessidade de maior movimento do corpo
docente, administrativo e acadêmico da instituição para desen-volvê-la. Sua utilização demanda alterações estruturais e trabalhointegrado dos diversos departamentos e disciplinas que compõemo currículo dos cursos. Sua operacionalização requer estrutura ma-terial complexa e em maior volume do que o habitual, bem como
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uma proporção maior de professores em relação ao número dealunos (Berbel, 1998; Cyrino; Pereira, 2004).
Para tanto, utiliza grupos tutoriais em que o professor apre-senta o problema ao aluno, seguido de sete passos, como citado porBerbel (1998, p.147), de acordo com um documento formulado naUniversidade de Londrina (UEL):
1. Leitura do problema, identificação e esclarecimento de termos
desconhecidos; 2. Identificação dos problemas propostos pelo
enunciado; 3. Formulação de hipóteses explicativas para os pro-blemas identificados no passo anterior (os alunos se utilizam nesta
fase dos conhecimentos de que dispõem sobre o assunto); 4. Re-
sumo das hipóteses; 5. Formulação dos objetivos de aprendizado
(trata-se da identificação do que o aluno deverá estudar para apro-
fundar os conhecimentos incompletos formulados nas hipóteses
explicativas); 6. Estudo individual dos assuntos levantados nos
objetivos de aprendizado; 7. Retorno ao grupo tutorial para redis-
cussão do problema frente aos novos conhecimentos adquiridos
na fase de estudo anterior.
Internacionalmente, na área da saúde, metodologias proble-matizadoras surgiram na década de 1980, pela necessidade debuscar currículos orientados para o modo como os estudantesaprendem. Uma proposta foi aplicada na Enfermagem, na Univer-sidade do Havaí, com o “ensino baseado na investigação”, que in-clui solução de problemas, pensamento crítico e responsabilidadedo aluno pela sua própria aprendizagem (Cyrino; Rizzato, 2004).
A metodologia da problematização, adotada nas mudançascurriculares nos cursos de graduação no Brasil, é sustentada pelo
referencial teórico de Freire, marcada pela busca das transforma-ções da sociedade pela prática conscientizadora, como se lê em Cy-rino e Pereira, 2004; Miranda e Barroso, 2004; Backes et al., 2007;Mitre et al., 2008; Rodrigues e Caldeira, 2008; Marin et al., 2010;Corrêa et al., 2011; Borille et al., 2012.
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A problematização tem sido muito utilizada como estratégia deensino e aprendizagem por apresentar uma abordagem pedagógica
que estimula a participação do educando, desenvolvendo a auto-nomia e a compreensão da responsabilidade individual e coletivano processo de aprendizagem (Cotta et al., 2012).
Berbel (1998) sinaliza que, embora essa metodologia não exijaalterações estruturais em um curso, diferentemente da APB, é ade-quado utilizá-la em situações em que sobressaiam o caráter polí-tico, econômico e social, já que carrega o potencial de trabalhar com
temas relacionados com a vida em sociedade.Isto porque a metodologia da problematização pretende formar
profissionais que se percebam como cidadãos participativos emuma sociedade democrática e tenham compreensão crítica da reali-dade, dispostos a transformá-la e a se transformar também, comosalientam os autores Berbel, 1998; Cyrino e Pereira, 2004; Silva eDelizoico, 2008; Freitas, 2011.
Em síntese, é possível evidenciar que o novo perfil do profis-sional de saúde requer habilidades que valorizem a produção desaúde, ampliando o olhar para além da ausência de doenças, massobretudo ao ser humano e sua relação com o contexto de vida, quedetermina suas condições de saúde. É necessário oferecer aos estu-dantes de cursos de graduação em saúde esses instrumentos ca-pazes de qualificar sua futura prática profissional.
A ABP e a metodologia da problematização, com suas dife-renças e semelhanças, permitem enxergar novos caminhos tri-lhados no ensino superior em saúde nesse panorama de qualificaçãoprofissional. Ambas estimulam postura ativa do aluno em busca doconhecimento, podendo ser impulsionadas por um problema esta-belecido ou por uma situação extraída da realidade.
Tendo como objeto de pesquisa as práticas de ensino-aprendi-
zagem nos cursos de Medicina e Enfermagem que se propõem autilizar uma educação problematizadora, esta é centralizada nasexposições teóricas a seguir.
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Bases teóricas da problematização
A metodologia da problematização encontra pontos de aproxi-mação com a educação e o trabalho pedagógico do professor, en-tendidos como um processo historicamente construído, e encontrafundamentos na filosofia da práxis, na pedagogia libertadora/pro-blematizadora de Paulo Freire e na pedagogia crítico-social dosconteúdos.
A pedagogia libertadora, para Freire (2005), se compromete
com a libertação e não compreende os homens como seres vazios,passíveis de serem completados por conteúdos, mas como seresconscientes do mundo, aptos a problematizar suas relações com omesmo. Segundo o autor,
se pretendemos a libertação dos homens não podemos começar
por aliená-los ou mantê-los alienados. A libertação autêntica, que
é a humanização em processo, não é uma coisa que se deposita noshomens. Não é uma palavra a mais, oca, mitificante. É práxis, que
implica a ação e a reflexão dos homens sobre o mundo para trans-
formá-lo. (Freire, 2005, p.77)
A educação problematizadora se insere no contexto da edu-cação libertadora e carrega a motivação da aprendizagem a partir da
identificação de uma situação-problema da qual se utiliza para ana-lisá-la criticamente. Libâneo afirma ainda:
Aprender é um ato de conhecimento da realidade concreta, isto é,
da situação real vivida pelo educando, e só tem sentido se resulta
de uma aproximação crítica dessa realidade. O que é apreendido
não decorre de uma imposição ou memorização, mas do nível crí-
tico de conhecimento, ao qual se chega pelo processo de com-preensão, reflexão e crítica. (Libâneo, 1984, p.35)
Freire (2005) complementa também que a educação problema-tizadora está pautada pela busca dos homens pelo mundo, com o
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mundo e com os outros, não se reduzindo ao ato de depositar ou detransferir conhecimentos como faz a educação bancária, que apre-
senta uma postura de transferência do saber dos que se julgam sá-bios aos que nada sabem.
O educador que problematiza deve facilitar aos educandos ascondições em que se dê a superação do conhecimento, provocandoo desvelamento da realidade resultante de sua inserção crítica namesma. É de Freire a afirmação:
Quanto mais se problematizam os educandos, como seres nomundo e com o mundo, tanto mais se sentirão desafiados. Tão
mais desafiados, quanto mais obrigados a responder ao desafio.
Desafiados, compreendem o desafio na própria ação de captá-lo.
Mas, precisamente porque captam o desafio como um problema
em suas conexões com outros, num plano de totalidade e não
como algo petrificado, a compreensão resultante tende a tornar-se
crescentemente crítica, por isto, cada vez mais desalienada.
(Freire, 2005, p.80)
Com a reflexão sobre os homens em suas relações com omundo, a problematização propõe novas compreensões, surgemnovos desafios que dão espaço a outros em resposta aos primeirosque vão se articulando em desafios maiores que compõem res-postas mais complexas. Isto porque os educandos vão construindosua compreensão de mundo através de suas relações com ele, ouseja, não mais como uma realidade imóvel, mas em processo, emtransformação (Freire, 2005).
A educação problematizadora carrega como princípio a trans-formação da sociedade, por meio da transformação do homem que
nela se insere, para que aja consciente, informado, mais políticoe criativo, ampliando sua consciência e seu papel na sociedade detransformar-se e a seu meio pela atividade prática, intencionale consciente, pela práxis (Berbel, 2006; Schaurich; Cabral; Al-meida, 2007).
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Para Freire (1996), a ação de problematizar enfatiza a práxis,pois o sujeito busca soluções para a realidade, transformando-a
com sua própria ação, ao mesmo tempo em que se transforma epassa a detectar novos problemas e buscas de transformação. Oconceito de práxis como uma atividade transformadora reflete apassagem da teoria à prática, consciente entre pensamento e açãointencionalmente realizada.
O conceito de práxis apresentado por Vázquez (1977 apudBerbel, 2006, p.3), em Filosofia da práxis, significa “elevar nossa
consciência da práxis como atividade material do homem quetransforma o mundo natural e social para fazer dele um mundo hu-mano”.
Berbel (2006, p.9) expõe que a práxis não é definida apenascomo interpretação do mundo, mas também como guia de suatransformação. E a autora aprofunda:
A práxis é uma atividade consciente e intencionalmente transfor-
madora; para se atingir o nível da práxis é preciso ultrapassar o
senso comum; é preciso superar o ponto de vista espontâneo e ins-
tintivo da consciência comum; alcançar o nível da práxis significa
ascender a um ponto de vista objetivo e científico a respeito da
atividade humana; a práxis implica, pois, em relação consciente
entre pensamento e ação, entre teoria e prática; é pelo trabalho do
homem que ele se eleva a uma concepção da práxis humana total;
é pela práxis que o homem atinge o domínio sobre a natureza e
sobre ele mesmo; a práxis constitui um instrumental para se
abordar os problemas do conhecimento, da história, da sociedade
e do próprio ser; o nível da consciência da práxis equivale a um
nível de consciência filosófica, para além do senso comum; e, a
práxis constitui um instrumento de superação criadora e revolu-cionária do já existente.
A educação problematizadora, segundo Freire (2005), permitedesenvolver a práxis, pois reconhece a historicidade dos sujeitos e o
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caráter histórico da realidade, ou seja, os indivíduos são “seres alémde si mesmos”, que buscam melhor construir o futuro e melhor
conhecer o que estão vivendo, dentro de um movimento perma-nente e histórico e com uma realidade que também é inacabada ehistoricamente construída.
Também considerada progressista, a pedagogia crítico-socialdos conteúdos, conforme defende Libâneo (1984, p.39), consideraa educação na formação para a realidade e suas contradições, utili-zando para isso a socialização dos conteúdos, visando à postura
ativa do educando na sociedade democrática.Essa pedagogia privilegia a questão dos conteúdos. Libâneo
considera que os métodos de ensino são subordinados aos con-teúdos, pois o objetivo é a obtenção do saber e os métodos precisambeneficiar os interesses dos alunos com os conteúdos. “Os métodosde ensino da pedagogia crítico-social dos conteúdos não partem,então, de um saber artificial, depositado a partir de fora, nem do
saber espontâneo, mas de uma relação direta com a experiênciado aluno, confrontada com o saber trazido de fora” (Libâneo, 1984,p.40).
O trabalho docente articula a experiência dos alunos com osconteúdos sugeridos pelo professor, rompendo com a experiênciapouco significativa. Libâneo (1984, p.41) afirma que essa rupturaé possível com a introdução dos elementos novos aplicados à prá-
tica do aluno e esclarece:
uma aula começa pela constatação da prática real, havendo em se-
guida a consciência dessa prática no sentido de referi-la aos termos
do conteúdo proposto, na forma de um confronto entre a expe-
riência e a explicação do professor. Vale dizer: vai-se da ação à
explicação e da compreensão à ação, até a síntese, o que não é outra
coisa senão a unidade entre a teoria e a prática.
Constata-se que os fundamentos teóricos que embasam ametodologia da problematização são resultantes do entendimentosobre educação como mais do que transmitir conhecimentos, como
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fim em si mesmo. Isto porque essa metodologia compreende aeducação como fenômeno social, ou seja, tem como objetivo formar
a consciência crítica do indivíduo para atuar intencionalmente emsua realidade, utilizando a socialização dos conteúdos e buscando aconstrução do saber, cabendo ao professor articular a vivência dosalunos com o meio.
Muito mais do que estar inserida numa tendência pedagógica,a metodologia da problematização assume um complexo olharsobre o indivíduo, suas experiências e sua relação com o meio.
Conceitos sobre problematização: apresentando oentendimento de autores
Partindo do princípio de que este estudo focaliza as práticas noensino superior que se propõem a trabalhar com a problematização,
neste momento expõem-se os conceitos referentes à temática a fimde aproximar ideias, confrontar opiniões e descrever o entendi-mento de diversos autores.
Inicialmente, antes de nos debruçarmos sobre os conceitos deproblematização apresentados por diversos autores, é importanteque nos remetamos às ideias de John Dewey, considerado o maiorpedagogo do século XX, as quais são referências da base teóricapara aprender a aprender, para refletir e para resolver problemas.
Segundo Gadotti (1995), John Dewey foi o defensor da EscolaAtiva, que propunha a aprendizagem através da atividade pessoaldo aluno, criticava a obediência e a submissão cultivadas na edu-cação, pois as considerava verdadeiros obstáculos à educação.
Além disso, o pedagogo liberal norte-americano defendia quea iniciativa, a originalidade e a cooperação favoreciam o desenvol-vimento das potencialidades dos indivíduos, as quais não eramenxergadas em um contexto verticalizado e submisso, ao qual eracontrário, pois entendia que
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A imposição de cima para baixo opõe-se à expressão e cultivo da
individualidade; à disciplina externa, opõe-se à atividade livre;
a aprender por livros e professores, aprender por experiências; àaquisição por exercício e treino de habilidades e técnicas isoladas,
sua aquisição como meios para atingir fins que respondem a apelos
diretos e vitais do aluno; à preparação para um futuro mais ou
menos remoto opõe-se aproveitar-se ao máximo das oportunidades
do presente; a fins e conhecimentos estáticos opõe-se a tomada de
contato com um mundo de mudança. (Gadotti, 1995, p.150)
Dewey valorizava a relação estreita e necessária entre as expe-riências vividas dos indivíduos e a educação, visto que os contatosentre o “imaturo” e a “pessoa amadurecida” passam a ser mais fre-quentes do que os estabelecidos na escola tradicional (Gadotti,1995).
A educação é entendida por Dewey como ampliação das possi-
bilidades de vida pela aquisição da capacidade de pensar reflexiva-mente os problemas. Em sua teoria educacional, Dewey focaliza oaprendizado através da experiência reflexiva e por descoberta e cri-tica o armazenamento de conhecimentos de experiências alheias.Isso porque despejar conhecimentos é trabalho vazio, segundo oautor, pois a ideia que é dita constitui um comunicado para quemouve e não algo vital, levando à perda de interesse e diminuição do
esforço para pensar (Dewey, 1979a).Isso porque, na concepção deweyana, o pensar adota a lógica
do problema advindo da experiência de vida que gera a investi-gação reflexiva, permitindo a reconstrução de opiniões, signifi-cados e soluções da situação problemática, produzindo, assim, oconhecimento. Nessa concepção, a relação com situações que en-volvem um problema é decisiva no processo de conhecer.
Dewey considera que a aprendizagem deve partir da proble-matização dos conhecimentos prévios do aluno. Nessa visão educa-tiva, propõe que a aprendizagem seja estimulada por problemas ousituações que gerem dúvidas ou perturbações intelectuais. Valorizaexperiências concretas e problematizadoras com forte motivação
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prática e estímulo cognitivo para possibilitar escolhas e soluçõescriativas. Nesse caso, leva o aluno a uma aprendizagem significa-
tiva, pois este utiliza diferentes processos mentais (capacidade delevantar hipóteses, comparar, analisar, interpretar, avaliar) e desen-volve a capacidade de assumir responsabilidade por sua formação(Dewey, 1979a).
Para Cambi (1999), Dewey utiliza a ciência e a investigaçãocomo suportes para a formação da inteligência e para a revisão crí-tica da experiência, através de três ideias centrais: 1) pragmatismo,
pelo qual o fazer do educando é o momento central da aprendi-zagem e os conteúdos ensinados devem servir como instrumentospara a resolução de problemas reais; 2) ciências experimentais, emque a educação deve recorrer a seus próprios problemas; e 3) edu-cação como responsável por uma formação cidadã dotada de umamentalidade moderna, científica e aberta à colaboração.
Feito esse destaque sobre as ideias de John Dewey que contri-
buíram para a construção dos conceitos sobre problematização,passamos à exposição de diversos autores que exprimem seus en-tendimentos sobre a questão.
Os conceitos relacionados à problematização referem-se, emsua maioria, a um método de ensino voltado para o estudo da reali-dade dinâmica e complexa e a busca para solução de problemas es-pecíficos da mesma, como encontramos em Cyrino e Rizzato,
2004; Rodrigues e Caldeira, 2008; Godoy, 2002; Mitre et al., 2008;Cyrino e Pereira, 2004; Giannasi e Berbel, 1998; Berbel, 1999; Mi-randa e Barroso, 2004; Téo et al., 2002; Borille et al., 2012; Silvae Delizoico, 2008; Corrêa et al., 2011; Prado et al., 2012; Marinet al., 2010; Freitas, 2011.
A expressão “metodologia da problematização” foi cunhadapor Berbel (1995, 1998, 1999, 2012) e se originou do livro Estra-
tégias de ensino aprendizagem, de Juan Diaz Bordenave e AdairMartins Pereira, sobre um esquema de trabalho elaborado porCharles Maguerez denominado método do arco, que posterior-mente foi aperfeiçoado por Bordenave, centrado em uma pedagogiaproblematizadora.
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De acordo com outros autores, a metodologia da problemati-zação fundamenta-se na abordagem pedagógico-crítica, que con-
cebe a educação como prática social voltada para a crítica e atransformação social da realidade e do sujeito por meio da interaçãoentre as pessoas e a relação com o mundo que as cerca, envolvendodiferentes dimensões: individuais, institucionais, políticas, cogni-tivas, afetivas e relacionais (Damasceno; Said, 2008; Corrêa et al.,2011).
Berbel (1998, 1999), Téo et al. (2002) e Cyrino e Rizzato (2004)
indicam que, ao desenvolver trabalhos com essa metodologia, sepromove a mobilização do potencial social, político e ético dosalunos, pois são levados a observar a realidade atentamente e iden-tificar aquilo que se mostra como preocupante e, através de umprocesso criativo que envolve ação-reflexão, a trabalhar sobreum aspecto da realidade observada e, como consequência, realizaralguma transformação.
Berbel (2006) e Freitas (2011) assinalam que essa intervençãodos alunos sobre o problema diagnosticado, mesmo em uma pe-quena dimensão, é importante para torná-los participantes daconstrução histórica da realidade, num exercício de práxis, pois, naeducação problematizadora, o importante, como considera Gian-nasi (1999), é a construção do conhecimento e do aluno como res-ponsável, crítico e agente de transformação. O que se prioriza é a
tomada de consciência e decisões para intervir nos problemas darealidade na qual estão inseridos, como afirmam Torrezan; Guima-rães; Furlanetti (2012).
Saviani (2001, p.71) define a problematização como:
identificação dos principais problemas postos pela prática social.
Trata-se de detectar que questões precisam ser resolvidas no âm-
bito da prática social e, em consequência, que conhecimento énecessário dominar.
Além disso, o autor defende que “a capacidade de problema-tizar depende da posse de alguns instrumentos” (ibid., p.75). Isso
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porque o ensino não prossegue por alguma dificuldade surgida,sendo preciso resolver esse problema através da busca de infor-
mações (coleta de diferentes tipos de dados: documentais, biblio-gráficos, de campo) que permitam formular e testar hipótesesexplicativas para o problema.
Fundamentando-se nas ideias de Saviani e Gasparin (2002)considera a problematização como desafio, significando levantarsituações-problema que estimulem o raciocínio para que o edu-cando busque o conhecimento, ou seja, investigue soluções para as
questões do estudo. O autor afirma ser uma nova forma de consi-derar o conhecimento, já que as questões de estudo assumem múl-tiplas faces que podem ser exploradas.
Libâneo (1984) reconhece a problematização como um dospassos para uma aprendizagem pautada na troca de experiênciasem torno da compreensão profunda sobre a realidade, motivada apartir de uma situação-problema identificada. Ainda, segundo o
autor, a problematização envolve o exercício da abstração, pelaqual se procura atingir, por meio de reflexões sobre a realidade con-creta, a razão de ser dos fatos.
Rossi e Trevisan (1995) e Chirelli e Mishima (2004) comparti-lham a ideia de que a problematização é questionamento, dis-cussão, apresentação de dúvidas e troca de informações dentro docontexto de uma realidade e permite construir na área da saúde
uma visão questionadora sobre o mundo, transformando os su- jeitos na sua forma de ver e pensar o mundo.
Furlanetti (2009, p.28) adiciona, nesse sentido, que a proble-matização começa quando há quebra do silêncio por meio de per-guntas, pois no silêncio não existe a compreensão da realidade:“Perguntas são dúvidas e elas existem a partir do momento em quepercebemos que não sabemos, mas que temos o espaço do diálogo,
o espaço da voz”.Morin (2001) destaca o “espírito problematizador” para des-
pertar a curiosidade, orientando os alunos para os problemas fun-damentais de nossa própria condição e época. Afirma o autor(2001, p.22): “o desenvolvimento da inteligência geral requer que
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seu exercício seja ligado à dúvida, fermento de toda atividadecrítica”.
Entretanto, para Zanotto (2002) e Mitre et al. (2008), proble-matizar seria mais do que formular questões ou perguntas, poisnem toda pergunta contém um problema. Significa responder aoconflito que o problema traz e que o sustenta ou solucionar con-flitos que delimitam o problema.
Giannasi e Berbel (1998), Berbel (1998), Colombo e Berbel(2007) ressaltam que, ao problematizar a realidade, os alunos
adquirem um compromisso com o seu meio, já que do meio identi-ficaram os problemas e para ele levarão uma resposta de seus es-tudos, a fim de aplicar os conhecimentos na solução dos problemas,através do retorno crítico a esse meio, estimulado pelo educador.
A metodologia pedagógica baseada na problematização tem opotencial de formar estudantes críticos, reflexivos e criativos noque se refere aos problemas vividos na forma individual e coletiva,
contribuindo para a construção do conhecimento de forma refle-xiva, em parceria com os educadores, visando prepará-los para amodificação da realidade, transformando as situações de saúde--doença e seus respectivos cuidados que fazem parte da realidadevivida, conforme apontam autores como Rodrigues e Caldeira,2008; Schaurich, Cabral e Almeida, 2007; Godoy, 2002; Dal Poz etal., 1992; Giannasi e Berbel, 1998; Miranda e Barroso, 2004; Prado
et al., 2012.Silva e Delizoico (2008) expõem que a metodologia problema-
tizadora pode ser entendida também em duas dimensões: comobusca de situações que envolvem a necessidade de liberdade do serhumano, com contribuições aos conhecimentos da área de saúde; ecomo procedimento mediador do diálogo entre o conhecimentoprévio do aluno e o conhecimento científico do professor em torno
das situações eleitas como problemas.Berbel (1999, p.33) sintetiza, com Bordenave e Pereira:
Uma pessoa só pode conhecer bem algo quando o transforma e
transforma-se a si própria no processo de conhecimento; a solução
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 165
de problemas implica a participação ativa e o diálogo constante
entre alunos e professores. A aprendizagem é concebida como
uma resposta natural do aluno ao desafio de uma situação-pro-blema; a aprendizagem é uma pesquisa em que o aluno passa de
uma visão sincrética ou global do problema a uma visão analítica
do mesmo, chegando a uma síntese provisória, que equivale à
compreensão. Esta síntese tem continuidade na práxis, isto é, na
atividade transformadora da realidade.
A metodologia da problematização carrega um rico potencialde mobilizar o posicionamento social, político e ético dos alunos,através de reflexões entre educador e educando sobre situações quese mostram preocupantes.
Requer mudança na postura do professor, justificando aosalunos os motivos de adotar tal metodologia em sua formação deprofissionais de saúde, ou seja, revelando os ganhos, os frutos ad-
quiridos, ou seja, as experiências que poderão ser colhidas.As diversas explicações sobre a metodologia da problemati-
zação são permeadas por conceitos que se centralizam na identifi-cação de um problema e na busca de soluções. A dúvida, a pergunta,a reflexão são amplamente utilizadas ao problematizar; no entanto,alerta-se para não se simplificar essa ação, pois a mesma requer ha-bilidade dos professores e situações favoráveis de investigação para
a formulação do problema.
Práticas pedagógicas nos serviços de saúde:a aproximação das práticas problematizadorascom a área da saúde
O estudo das práticas de ensino superior em saúde que anun-ciam utilizar a problematização estimula situar o processo históricodas práticas educativas tradicionais e das baseadas nos conceitos doeducador Paulo Freire no contexto da área da saúde, não só no en-sino, como já foi feito ao expor o novo perfil do profissional de
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saúde, mas no contexto dos serviços de saúde, a educação popularem saúde. A breve contextualização histórica resgata alguns dos
principais pontos que demarcam as presenças pedagógicas no con-texto da saúde no país.
As preocupações com a transmissão de conhecimentos sobresaúde à população se iniciam em torno de 1894, para tentar con-trolar as epidemias que se alastravam no país: peste, tuberculose efebre amarela. Em 1920, surge a expressão “educação sanitária”, aqual tinha como foco realizar a propaganda de hábitos de higiene,
visto que o indivíduo era considerado como principal fator dadoença (Donato, 2000). A figura do educador sanitário ganha forçasobre a população, pois o mesmo difundia as normas e regras dodiscurso higienista, afastando-se da cultura, costumes e crençasda população em decorrência da imposição de atitudes conside-radas adequadas a uma boa saúde. Conforme esclarece Silva et al.(2010, p.2.542),
as ações de educação em saúde passaram a se desenvolver pelos
educadores sanitários e professoras, que eram treinados para exer-
cerem a função de educar a população. Porém, houve uma grande
falha na proposta da década de vinte, que foi o pequeno peso con-
ferido aos fatores ambientais e ainda a excessiva importância aos
agentes etiológicos. As ações não intervinham nas condições de
vida e de trabalho a que a classe popular estava submetida.
Durante os anos de 1930 a 1945, a educação sanitária assumeum caráter mais autoritário e o sentido de enfatizar a formação dehábitos sadios e limpos entre a população persiste. A pedagogiautilizada nesse contexto era baseada no combate à ignorância e nadifusão de conhecimentos e hábitos de higiene adequados. Os ma-
teriais utilizados para tal feito eram folhetos, cartazes, livretos efilmes, cujas mensagens carregavam ilustrações aterrorizantes. Em1950, surge um esforço por parte dos educadores sanitários em co-nhecer os fatores socioeconômicos e culturais da população dita“marginalizada” de modo a integrá-la à sociedade em geral e,
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assim, a partir de 1967, surgem novos programas educativos quecomeçam a fazer parte dos serviços de saúde. Nesse sentido, apa-
recem tentativas de melhorar as práticas dos programas educativosem saúde baseando-se em práticas comprometidas com as classespopulares (Donato, 2000).
De maneira geral, entre os anos 1950 e 1960, a pedagogia emsaúde, para Silva et al. (2010), tinha por meta remover os obstá-culos culturais e psicossociais às inovações tecnológicas de controleàs doenças, a fim de manter o domínio estrutural da sociedade.
Contudo, segundo Vasconcelos (2001), é a partir da década de1970 que profissionais de saúde, motivados por uma atuação maissignificativa para as classes populares, buscam formas alternativasde atuação, valorizando o diálogo para compreender o saber dointerlocutor popular e as trocas interpessoais que acontecem tantonos contatos formais (consultas individuais, reuniões educativas evisitas domiciliares) como também nos contatos informais.
Conforme nos indica Silva et al. (2010), a participação de pro-fissionais de saúde nas experiências de educação popular a partirdos anos 1970 trouxe para o setor de saúde uma cultura de relaçãocom as classes populares que representou uma ruptura com a tra-dição autoritária e normatizadora da educação em saúde.
No setor da saúde, a educação popular passa a dinamizar e for-talecer a relação com a população e seus movimentos, pois buscatrabalhar pedagogicamente o homem e os grupos envolvidos noprocesso de participação popular, fornecendo formas coletivas deaprendizado e investigação de modo a promover o crescimentoda capacidade de análise crítica da realidade (Vasconcelos, 2001).
Assim, é nesse cenário que o método educacional sistemati-zado por Paulo Freire constituiu-se como referência para a relação
entre profissionais de saúde e as classes populares, permitindoespaço para novas experiências no campo da educação em saúde,baseadas no método dialógico de Paulo Freire, configurando,enfim, a educação popular em saúde, segundo estudos de Silvaet al. (2010).
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Vasconcelos (2001, p.124), no entanto, complementa que aeducação popular em saúde tem as seguintes características:
O elemento fundamental do seu método é o fato de tomar como
ponto de partida do processo pedagógico o saber anterior das
classes populares [...]. No trabalho, na vida social e na luta pela
sobrevivência e pela transformação da realidade, as pessoas vão
adquirindo um entendimento sobre a sua inserção na sociedade e
na natureza. Este conhecimento fragmentado e pouco elaborado
é a matéria-prima da educação popular. A valorização do saberpopular permite que o educando se sinta “em casa” e mantenha a
sua iniciativa. Neste sentido, não se reproduz a passividade usual
dos processos pedagógicos tradicionais. Na educação popular não
basta que o conteúdo discutido seja revolucionário, se o processo
de discussão se mantém vertical.
Silva et al. (2010) fortalecem a ideia de que a educação popularem saúde se afasta do autoritarismo da cultura sanitária e do modotradicional de definir normas na área de saúde, trabalhando pelaparticipação das pessoas comuns e pela interlocução entre saberes epráticas. Parte da dinâmica própria que as classes populares têmsobre as doenças e seus processos de cura, adquirida no seu coti-diano, e esse saber deve ser respeitado e incorporado às práticas de
saúde. Dessa forma, ocorre uma relação horizontal entre profissio-nais de saúde, considerados mediadores, e a comunidade, atravésde um diálogo educativo não punitivo ou normativo para o fortale-cimento comunitário.
Após a implantação do SUS, na década de 1980, ainda perma-nece a educação tradicional, centrando o poder nas mãos do profis-sional de saúde. No entanto, a educação popular ganha visibilidade
e incorpora outras práticas e espaços educativos, baseando-se noencorajamento e apoio, para que as pessoas assumam maior con-trole sobre sua saúde e suas vidas (Silva et al., 2010).
Desde 1991, experiências com educação popular e saúde vêmse expandindo e consolidando a trajetória de atuação nos novos
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serviços de saúde a partir do instrumental da educação popular(Vasconcelos, 2001).
A seguir são descritas algumas experiências que focalizam aeducação popular em saúde como proposta das práticas e açõesdesenvolvidas.
Vasconcelos (1997), em seu livro A Medicina e o pobre, publi-cado no ano de 1987, conta a sua experiência de utilização do rádiocomo instrumento de educação popular e de dinamização das açõestécnicas de saúde que repercutiram no interior da Paraíba, justi-
ficando que o rádio é um meio de comunicação para atividadeseducativas, campanhas, esclarecimentos, ou seja, serve para ajudaros membros da comunidade a se fortalecer como cidadãos.
Torres et al. (2003) discutem, em seu trabalho, uma estratégiaeducativa desenvolvida em ambulatório de especialidade para esti-mular o indivíduo a refletir sobre seu estilo de vida cotidiano rela-cionado à diabetes mellitus. Para tal, foram desenvolvidas atividades
de interação profissional de saúde/indivíduo com técnicas pedagó-gicas, como curso de orientação em diabetes mellitus, consulta indi-vidual, grupo operativo e uso de material educativo de comunicaçãoe aprendizagem.
Como se observou, as práticas educativas em saúde dividem--se entre posturas tradicionais, autoritárias e verticalizadas, e pos-turas que valorizam o diálogo e o saber popular como ponto de
partida para as intervenções em saúde. Tais posturas demarcam aevolução do conhecimento sobre o ser humano, sua relação coma sociedade e suas condições de vida.
A metodologia da problematização no ensino emsaúde: suas etapas e possibilidades
Situadas as bases teóricas da MP, exposto o entendimento dediversos autores e brevemente contextualizadas as práticas que uti-lizam a educação problematizadora na esfera da saúde, parte-separa a exposição teórica sobre a metodologia da problematização
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com o arco de Maguerez, enfatizando o ensino superior em saúde eas faces que dificultam e/ou fortalecem sua utilização.
Os responsáveis pela apresentação a público desse métodoforam Juan Diaz Bordenave e Adair Martins Pereira, em seu livroEstratégias de ensino aprendizagem, com primeira edição em 1977.O arco de Maguerez foi um dos primeiros referenciais teóricos queauxiliaram na fundamentação que Berbel (1995, 1998, 1999, 2012a,2012b) passou a desenvolver e denominar de metodologia da pro-blematização (MP).
A metodologia da problematização, cunhada por Berbel, é am-plamente utilizada por profissionais da área da saúde na práticaprofissional com envolvimento de usuários na educação em saúde,com profissionais na capacitação e educação permanente, na for-mação e na pesquisa, tal como se lê em Merhy, 2005; Backes et al.,2007; Cyrino e Rizzato, 2004; Rodrigues e Caldeira, 2008; Costa,1999; Rezende et al., 2006; Schaurich, Cabral e Almeida, 2007;
Godoy, 2002; Kruze e Bonetti, 2004; Cotta et al., 2012; Fernandeset al., 2005; Cyrino e Pereira, 2004; Farah e Pierantoni, 2003; Pe-reira, 2003; Miranda e Barroso, 2004; Torrezan, Guimarães e Fur-lanetti, 2012; Marin et al., 2010; Stroschein e Zocche, 2011; Borilleet al., 2012; Prado et al,. 2012; Silva e Delizoico, 2008; Freitas,2011; Iochida, 2004. Isso porque essa metodologia, segundoSchaurich, Cabral e Almeida (2007, p.322), no ensino em saúde
auxilia
na transcendência do modelo biomédico dominante para um mo-
delo holístico, ou seja, por possibilitar a crítica e a reflexão, esta
proposta metodológica pode ajudar a transpor o modelo curati-
vista e medicalizante, que percebe o ser humano de forma frag-
mentada e se utiliza de um conhecimento altamente especializado,
para um outro paradigma que estimula o desenvolvimento dacidadania, possibilitando a compreensão do ser humano social-
mente inserido […] de forma holística e humanizada, além de
priorizar a prevenção de agravos e a promoção à saúde.
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Prado et al. (2012) e Rossi e Trevisan (1995) acrescentam que ametodologia da problematização é, ainda, capaz de possibilitar a
ocorrência de transformações na prática em saúde e na realidade.A seguir apresentam-se, detalhadamente, as etapas que com-
põem o caminho didático da metodologia da problematização, con-forme descrição de Berbel (1998, 1999, 2012a, 2012b) e Colomboe Berbel (2007). São cinco etapas que se desenvolvem a partir darealidade ou de um recorte da mesma e para ela retorna: a obser-vação da realidade e a identificação do problema, os pontos-chave,
a teorização, as hipóteses de solução e a aplicação à realidade.
1. Observação da realidade concreta. Observação atenta doaluno e registro sobre o que percebe de uma parcela da realidade,podendo ser dirigidas questões gerais para focalizar os temas.Devem identificar dificuldades, falhas, contradições, discrepân-cias, conflitos etc., que possam configurar-se como problemas.
Quando se aproxima dessa realidade a ser observada, os partici-pantes trazem consigo alguns saberes advindos de fontes diversasque, ao serem confrontados com as informações da realidade, per-mitem problematizar a realidade, isto é, fazem interagir saberesprévios com aqueles construídos diante da realidade. É momento
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de problematização: formular o problema (uma questão, afirmaçãoou negação) a partir de fatos observados, por entendê-los como ins-
tigantes. Elege-se um problema com critérios (o que tem mais ur-gência, necessidade de estudo e qual apresenta maior possibilidadede que se atue sobre ele). Há, então, justificativas para a escolha doproblema, entre as quais, as possíveis contribuições para o estudo epara o meio. Esta etapa possibilita ao aluno postura crítica, envolvi-mento intelectual e político.
2. Determinação de pontos-chave. Momento de definição do
que vai ser pesquisado sobre o problema. Inicia-se com uma re-flexão para compreendê-lo melhor através da interrogação sobre ospossíveis determinantes ligados ao problema numa dimensão con-textual mais ampla que afetam a situação na qual este surge, produ-zindo uma percepção de sua multideterminação e complexidade.Os educandos refletirão sobre os possíveis fatores do problema emestudo. Por que será que esse problema acontece? Depois da re-
flexão inicial dos possíveis fatores associados ao problema, de-finem-se os possíveis determinantes maiores, contextuais, como osaspectos políticos, econômicos e éticos. Assim, os educandos vãoelaborando os pontos essenciais a serem estudados para com-preender mais profundamente o problema e encontrar formas deinterferir na realidade. São eleitos os pontos considerados prioritá-rios ou mais relevantes, que indicarão caminhos para solucionar o
problema. Esse é o momento da análise reflexiva em que o pro-fessor ajuda os alunos na produção de uma nova síntese e no con- junto dos tópicos a serem investigados.
3. Teorização. Etapa do estudo, da investigação. É a etapa emque os alunos buscam conhecimentos e informações acerca do pro-blema em variadas fontes, com o uso de diferentes estratégias ouformas de coleta de informações (pesquisa bibliográfica, entre-
vistas, consultas a especialistas etc.). O estudo deve servir de basepara a transformação da realidade. As informações colhidas sãoanalisadas e avaliadas quanto à sua contribuição para a resolução doproblema. Os alunos organizam e analisam o material obtido, alémde verificar sua validez e pertinência para a solução do problema,
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relacionando teoria e prática, através da discussão e análise. É omomento em que os educandos adquirem uma consciência maior
daquele problema e de sua influência para o meio social.4. Hipóteses de solução. Etapa em que o potencial criativo e o
reflexivo são mobilizados para pensar de modo inovador. Per-guntas dessa etapa são: o que é necessário acontecer para que sechegue à solução do problema? O que deve ser providenciado? Oque pode ser feito, de fato? Com base na teorização, os partici-pantes projetam ideias que poderão se transformar em ações con-
cretas para solucionar ou desencadear caminhos para a solução. Aformulação das hipóteses de solução deve ser norteada pela per-cepção do problema e pela compreensão teórica adquirida pelosalunos. Todo o estudo deverá fornecer elementos para os alunoselaborarem soluções.
5. Aplicação prática à realidade. Esta é a etapa da efetuação dashipóteses de solução mais viáveis, sendo analisadas e escolhendo-se
as que poderão ser realizadas e atingirão o problema em algumgrau, contribuindo para a transformação da realidade estudada.Promove transformação, mesmo que pequena. Momento de plane- jamento e execução, desenvolvimento de um compromisso social,profissional e político. Permite ampliar o conhecimento para omeio estudado, com os participantes percebendo-se como sujeitosativos para a cidadania. O caráter prático faz com que os alunos
tomem decisões e as executem, demarcando um componente sociale político em sua formação que os ajuda a desenvolver o compro-misso com a transformação da realidade observada. É importante enecessário garantir alguma forma de aplicação concreta do estudo,no mínimo a ação de socializar o conhecimento adquirido.
Dadas as aproximações entre teoria e prática permitidas pela
metodologia da problematização, o estudante torna-se mais bempreparado para dar respostas complexas aos problemas de saúde,considerando os determinantes sociais que influenciam as condi-ções de vida e as intervenções em saúde como se lê em Cardosoet al., 2011; Schaurich, Cabral e Almeida, 2007; Godoy, 2002; Mitre
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et al., 2008; Dal Poz et al., 1992; Cyrino e Pereira, 2004; Rossi eTrevisan, 1995; Moraes e Berbel, 2006; Téo et al., 2002; Siqueira
Júnior e Bueno, 2006; Borille et al., 2012; Silva e Delizoico, 2008;Prado et al., 2012; Marin et al., 2010; Freitas, 2011.
Schaurich, Cabral e Almeida (2007) também concordam que ametodologia da problematização prepara o estudante para identi-ficar problemas e apontar propostas de superação dos mesmos, jáque aproxima o ensino dos serviços de saúde, favorecendo um olharrefinado e uma prática contextualizada, tão necessária à área da
saúde.Observa-se que não basta aplicar as etapas do arco, mas, sobre-
tudo, fundamentar-se em teorias, tanto científicas como pedagó-gicas, que assegurem um bom aproveitamento desse modo detrabalho com os alunos.
Os alunos dos cursos da área da saúde necessitam refletir sobrea prática de cuidado de maneira comprometida com as necessi-dades da população, através da problematização da realidade paracompreendê-la, explicá-la e transformá-la por meio da práxis.
Dificuldades e implicações do uso dametodologia da problematização noensino superior em saúde
Para contribuir na composição de um panorama que envolvaas inúmeras possibilidades de trabalho com a MP e seus possíveisganhos, nesta seção são expostas também algumas questões rela-cionadas às dificuldades ao se utilizar a MP tanto no que diz res-peito ao posicionamento do professor e da instituição quanto ao
posicionamento e perfil de trabalho do aluno.A dificuldade dos alunos em trabalhar em equipe e a capaci-dade criadora reprimida limitam o aproveitamento do potencial daMP para o pleno desenvolvimento de futuros profissionais desaúde (Cotta et al., 2012).
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Chirelli e Mishima (2004) lembram que o espaço para o diá-logo precisa ser aberto na busca da superação das contradições,
pois, quando não se trabalha o conflito entre os alunos, ignora-se adiversidade de opiniões e modos diferentes de ver o mesmo objeto.
Borille et al. (2012) consideram que a execução de todas asetapas do arco de Maguerez e a inclusão do sujeito como partici-pante torna sua aplicação complexa e difícil. Isto ocorre pelo fato dea maioria dos profissionais da saúde ter sua formação acadêmica nomodelo da pedagogia transmissora e essa metodologia demandar
flexibilidade para estabelecer diálogo com os sujeitos e posiciona-mento do professor como facilitador da aprendizagem, conside-rando os diferentes pontos de vista e conhecimento de cada aluno.
Nesse sentido, o professor necessita estar capacitado para aaplicação do arco de Maguerez na metodologia da problematização,para ter clareza dos limites e avanços necessários para trabalhar osproblemas e as etapas. Isto é, o uso do arco exige posturas diferentesdo modelo tradicional de ensino, bem como uma mudança na pos-tura do aluno, que passa a fazer parte da construção de seus conhe-cimentos, conforme indicam os autores Farah e Pierantoni, 2003;Cyrino e Pereira, 2004; Rossi e Trevisan, 1995; Moraes e Berbel,2006; Téo et al., 2002; Iochida, 2004.
Somado a esse fator, destaca-se a convergência dos professorese alunos em elaborar os problemas; dificuldade em adquirir umapostura problematizadora e confusão sobre o que é problematizar(Alves; Berbel, 2012).
Há também que se reconhecer que essa proposta metodológica,quando aplicada no ensino na área da saúde precisa estar associadaa outras propostas pedagógicas que envolvam a interdisciplinari-dade de conhecimentos. Além disso, exige um espaço temporal que
pode não estar disponível nas grades curriculares e/ou nas relaçõesde ensino-aprendizagem, principalmente nos espaços de prática,contemplando as diversas dimensões do processo saúde-doença,possibilitando aproximação entre as ações curativas e preventivas,entre a educação e o mercado de trabalho, tanto em uma perspec-
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tiva individual quanto coletiva (Schaurich; Cabral; Almeida,2007).
Iochida (2004, p.166) sinaliza ainda a importância de umaatenção aos nós críticos da metodologia da problematização, dentreeles:
O risco de tomá-las como simples instrumentos técnicos, desvin-
culados de um projeto político-pedagógico; o viés de discutir
apenas a partir da centralidade no aluno, secundarizando as con-
dições concretas de prática e formação e o lugar do ensino comoação intencional; o desafio de reconfigurar o papel do educador
em uma perspectiva dialógica.
Percebe-se que, dentro das questões expostas nesta seção, háautores que explicam a utilização da MP com o arco de Maguerezno ensino superior em saúde, outros que valorizam possíveis resul-
tados com o seu uso, há os que indicam o que seria necessário paraa utilização no ensino acadêmico e os que apontam as dificuldadespara adotar essa metodologia.
Esses posicionamentos podem estar ligados à operacionali-zação da metodologia da problematização nos estudos acessados,de maneira que o perfil da instituição de ensino, as tradições deensino e o sucesso ou não na primeira experiência com essa meto-
dologia podem interferir nos apontamentos sobre as facilidades edificuldades.
A metodologia da problematização é amplamente utilizada naárea da saúde, pois contribui para a construção de habilidadesnecessárias no trabalho em saúde, como: identificação de pro-blemas e indicação de soluções, prática contextualizada, criativi-dade e o trabalho em equipe, capacidade de raciocinar, comunicar e
criar compromisso e responsabilidade.
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Experiências com metodologiada problematização na área da saúde
e a problematização de cenários naspráticas em saúde
Nesta seção são apresentadas as experiências com a Metodo-logia da Problematização com o Arco de Marguerez a fim de veri-ficar a diversidade de situações em que pode ser aplicada.
Com o levantamento bibliográfico realizado, foi possível veri-
ficar diversos contextos em que a metodologia da problematizaçãoestá presente na formação dos estudantes da área da Saúde, nas in-tervenções de educação em saúde e na coleta de dados de pesquisas.
Schaurich, Cabral e Almeida (2007), seguindo orientações deBerbel para a metodologia da problematização, aplicaram as etapasdo arco de Maguerez com alunos de Enfermagem no campo daspráticas hospitalares. O primeiro momento do arco − o contato
com a realidade − ocorreu com uma visita dos alunos às enferma-rias e um diálogo com os pacientes e seus acompanhantes. Essecontato com a realidade permitiu aos alunos conhecer a pessoa a sercuidada e o seu contexto. Assim, os educandos, com o educador,identificaram como problema a ser resolvido a falta de um cuidadoem enfermagem que envolvesse efetivamente os cuidadores. Poste-riormente, na fase de levantamento dos pontos-chave, passaram a
elencar as necessidades de cuidado de cada paciente, como: a reali-zação de curativo, a alternância de decúbito, a administração demedicamentos, os materiais necessários para se fazer um curativo,a interação entre quem cuida e quem é cuidado, o respeito e os pre-ceitos éticos. Definidas as questões básicas para o estudo, estasforam teorizadas, ou seja, os educandos e o educador revisaram naliteratura os aspectos considerados importantes. Após a teorização,
seguiu-se o momento em que os educandos elaboraram ideias que setornariam soluções do problema, as hipóteses de solução, e foi de-finida a proposição de um plano de cuidados em enfermagem,descobrindo uma forma de envolver o acompanhante do pacienteno processo de cuidar. A aplicação à realidade ocorre quando os
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educandos implementam os planos de cuidados em enfermagem afim de provocar melhorias no contexto de cuidado vivido pelo pa-
ciente e pelo seu acompanhante.Damasceno e Said (2008) basearam-se também nas orientações
de Berbel sobre a metodologia da problematização e relataram queo parto foi o estopim para enfermeiras realizarem também oficinas,mas agora sobre educação em saúde, utilizando as etapas do arco deMaguerez, para auxiliar as mulheres quanto às suas dúvidas e seusmedos diante desse evento. Na execução da primeira etapa, rea-
lizou-se uma dinâmica com discussões entre as grávidas de umaunidade básica de saúde a fim de extrair percepções sobre o parto,levantando suas inquietações e elegendo aquela mais importantepara todas, que foi o tratamento da gestante nas UBSs e hospitais,do processo físico aos direitos das gestantes. Na segunda fase, a in-tenção foi verificar quais conteúdos o grupo gostaria de discutir nasoficinas seguintes. Os pontos-chave levantados foram: tipos de
parto, sinais do parto e tempo do trabalho de parto, humanizaçãono parto, dor e medo do parto e direitos das gestantes. Para a teori-zação trocaram-se ideias, informações e preocupações, e houveapoio de uma psicóloga e uma fisioterapeuta para discutir com ogrupo sobre o medo e a dor do parto. Como hipótese de solução, asmulheres compartilharam a ideia de um documento escrito sobre oque todas gostariam que mudasse em relação ao tratamento rece-
bido na unidade de saúde e no hospital, para ser entregue por elasem dia agendado com os responsáveis tanto da unidade de saúdequanto do hospital, e assim, na aplicação à realidade, foi elaboradoesse documento em conjunto com as gestantes e entregou-se omesmo às autoridades responsáveis.
Guiando-se nos caminhos propostos por Berbel em relação àmetodologia da problematização, o método do arco de Maguerez
foi aplicado na coleta de dados de uma pesquisa em Enfermagem,na construção de um marco de referência para o cuidado em saúdemental. A pesquisa de Borille et al. (2012) utilizou encontros comequipes de saúde de um hospital psiquiátrico. Na etapa inicial dométodo do arco, que consiste na observação da realidade, os parti-
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cipantes foram instigados a refletir a respeito do cuidado na insti-tuição. Nesse momento, os participantes relataram que sentiam a
necessidade da discussão de conceitos que sustentassem o cuidadoem saúde mental e, assim, identificou-se a situação-problema: aconstrução de um marco de referência para o cuidado ao pacientepsiquiátrico da instituição em que trabalhavam. Na etapa dospontos-chave, foram identificadas as questões a serem estudadasque sustentariam a resolução da situação-problema: enfermagem,ser humano, saúde-doença, ambiente, equipe e relação interpes-
soal. Na terceira etapa, da teorização, ocorreu a discussão dospontos-chave eleitos pelos sujeitos, bem como o estudo de textossobre os aspectos levantados. Essa etapa se desenvolveu em mo-mento individual e grupal, por meio de dinâmica com cartazes,solicitando que refletissem a respeito da realidade que vivenciavamno seu trabalho em saúde mental, relacionando cada conceito como cuidado em saúde mental desenvolvido. Na etapa da hipótese de
solução foi elaborada uma proposta de construção de referênciapara sustentar o cuidado em saúde mental da equipe. Para desen-volver as atividades da última etapa do método do arco, aplicação àrealidade, foi solicitado aos participantes que fizessem a leitura dosconceitos expressos nos cartazes. Na sequência, foi apresentado oconceito preelaborado pelo pesquisador, a partir das ideias centraisde todos os cartazes e foi solicitado que os participantes lessem e
validassem a ideia. Foram sugeridas inclusões, substituições e ex-clusões de termos, de modo que, ao final da etapa, obtiveram umconceito que expressava a concepção daquele grupo, resultandona construção de conceitos para o cuidado em saúde mental da ins-tituição. Importante salientar que, nessa experiência, a situação--problema (a construção de um marco de referência para o cuidadoao paciente psiquiátrico da instituição em que trabalhavam) não
apresentava um formato de situação-problema, pois já era a soluçãopara algo identificado como problema, o que revelava uma adap-tação ou desvio do que era a elaboração do problema.
Cyrino e Rizzato (2004) usaram a problematização com alunosdo 3o ano de Medicina para trabalhar a formação médica no SUS e
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na atenção primária, a fim de valorizar o ensino centrado no estu-dante, sua capacidade de construir conhecimento com autonomia
e imprimir maior politização na apreensão da realidade e dosdeterminantes sociais no processo saúde-doença. Desenvolveu-seatravés da elaboração de uma disciplina que facilitasse a com-preensão do trabalho e das especificidades da saúde pública, daintegralidade do cuidado, enfatizando-se questões como a impor-tância do trabalho reflexivo, do ato de planejar, do trabalho emequipe, da ética nas relações de trabalho do futuro médico com os
outros profissionais de saúde, com a população atendida e comas instituições envolvidas no atendimento. Assim, organizou-se adisciplina em temáticas: Problemas de Saúde, Nutrição em SaúdePública e Planejamento. Participaram da execução professores queorientaram grupos de alunos. Buscou-se problematizar a realidade,propondo-se que os grupos de alunos estudassem, interpretassem eapresentassem soluções às questões/vivências apresentadas.
Nesse cenário, a Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB),no esforço de distanciar-se dos modelos tradicionais e assumir osdesafios contemporâneos à formação profissional em saúde, cria,em 2007, a disciplina Interação Universidade, Serviço e Comu-nidade (IUSC), oferecida aos 1o, 2o e 3o anos de graduação emMedicina e 1o e 2o anos de graduação em Enfermagem, buscandotrabalhar com práticas de ensino problematizadoras, como a
metodologia da problematização com o arco de Maguerez.O trabalho com a metodologia da problematização nessa disci-
plina deve-se ao fato de se pretender contribuir na formação deprofissionais que se percebam como cidadãos participativos emuma sociedade democrática, tenham compreensão crítica da reali-dade e estejam dispostos a transformá-la e a se transformartambém, como salientam Berbel, 1998, e Cyrino e Pereira, 2004.
A IUSC, disciplina foco do estudo, trabalha a partir do reco-nhecimento da necessidade de vivência de alunos e professores empráticas voltadas à integralidade das ações em saúde com a comu-nidade; centra seu foco nas famílias das comunidades inseridas nouniverso das relações históricas, culturais, socioeconômicas e polí-
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ticas da sociedade, procurando romper com a concepção biomédicano processo ensino-aprendizagem. Dessa forma, trabalha com um
grupo de alunos, cerca de 11 a 13, de Medicina e Enfermagem, soba orientação de um professor tutor (profissional da saúde ou edu-cação) com o objetivo de atuar em uma determinada área de abran-gência de uma unidade básica de saúde (UBS) ou unidade de saúdeda família (USF) de Botucatu, através de atividades educativasdesenvolvidas com a comunidade desses locais.
Apesar de se perceber, nessas experiências descritas, ênfase em
situações que oferecem riscos à saúde, o uso da metodologia da pro-blematização revela a diversidade de cenários em que pode seradotada e que as situações envolvidas trazem, na sua essência,diversas dimensões – individuais, institucionais e políticas – quepermitem um mergulho na realidade, favorecendo a percepção crí-tica da mesma aos graduandos, aos profissionais de saúde e aospesquisadores.
Sintetizando o tema
Como fruto das explanações apresentadas até o momento, épossível destacar a necessidade, até mesmo a urgência, de estimularo aluno dos cursos de saúde para um aprendizado crítico e refle-
xivo, atuando consciente e qualificadamente sobre as necessidadesda sociedade.
Foi possível perceber que lançar mão de práticas educativasque, através do diálogo, utilizem o questionamento, a dúvida e aproblematização da realidade como ingredientes essenciais, per-mite ao estudante ampliar sua visão de mundo ao encontrar cone-xões com outros conhecimentos que conduzem à práxis, identificar
a teoria e a prática como faces da mesma moeda.A MP insere-se nesse contexto com potencial valioso de
atuação consciente e criativa na realidade, alimentada pelo papel daeducação enquanto ato político, entendendo o homem em sua re-lação com o mundo e sobre o mundo.
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Somado a isso, a MP visa contribuir para um novo olhar doeducando, do educador sobre a sociedade em geral, pois entende
o educar como um agir responsável, através da ação dialógica e dotrabalho com conteúdos reais que estimulem a reflexão sobre pro-blemas e a busca de soluções dos mesmos.
Então, adotar a MP requer do educador despertar no educandoa satisfação de pensar e agir sobre o mundo, de aprender coletiva-mente e de conviver com as diferenças de pontos de vista. Tais pos-turas do educador precisam sustentar esse trabalho pedagógico
com o futuro profissional de saúde, revelando que o mesmo poderáampliar seu olhar para o ser humano e sua relação com o contextode vida, o qual determina suas condições de saúde, e que questio-namentos e dúvidas são necessários ao perfil desse profissional, oqual precisa desenvolver a capacidade de identificar problemas eapontar soluções, a prática contextualizada, a criatividade, o tra-balho em equipe, a capacidade de raciocinar e de comunicar-se,
além da responsabilidade. Isto é, a MP permite ao estudante reco-nhecer o caráter social do conhecimento bem como a dimensão so-cial de seu ato de conhecer e atuar em seu meio.
Com a descrição de vários autores das características da MP épossível afirmar que a mesma focaliza a identificação de um pro-blema e a busca de soluções. Aproximando a MP do âmbito dasaúde, através de uma sucinta contextualização das práticas educa-
tivas nessa área, percebe-se que as posturas problematizadorasdesenvolvem-se, progressivamente, dada a valorização dos desa-fios que compõem as condições de vida do ser humano e do modocomo este lida com essas questões e possíveis soluções.
No entanto, utilizar a MP requer ainda mais do que situaçõesfavoráveis de investigação para a formulação do problema, pela ne-cessidade percebida de fundamentar-se em teorias. Ou seja, não
basta apenas aplicar as etapas do arco, é necessário buscar saberesque qualifiquem seu uso e que não se perca de vista a essência desua contribuição.
A importância em se utilizar a MP no ensino superior em saúdeé difundida em diferentes estudos. Embora existam diversos posi-
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cionamentos que destacam os possíveis resultados com o seu uso,há outros que indicam o que seria necessário para a utilização no
ensino acadêmico e também os que apontam as dificuldades paraadotar essa metodologia e, nesses casos, sugerem relacionar-se como perfil da instituição de ensino, com as tradições de ensino, quecontribuem ou não para o sucesso das experiências.
Sobre os diversos cenários de aplicação da MP, os estudos des-critos revelam a diversidade de situações em que pode ser adotada eque as situações envolvidas carregam aspectos sociais e políticos,
trabalhados tanto com os alunos quanto com profissionais de saúdee de pesquisa. Entretanto, no contexto hospitalar, percebe-se ên-fase nas experiências biologicistas e nas situações que oferecemriscos eminentes à saúde.
Reúnem-se diferentes possibilidades ao adotar a MP no ensinosuperior em saúde, tanto no que diz respeito a novas maneiras decompreender a formação em saúde, como em despertar nos profes-
sores e alunos seus papéis de sujeitos da própria história e que, por-tanto, necessitam ter consciência de sua ação sobre ela, oferecendo,desse modo, novos significados ao trabalho do professor e à for-mação do aluno.
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7OS VÁRIOS NAIPES DA VISITA
DOMICILIAR NA FORMAÇÃO DE
ESTUDANTES DE MEDICINA
Renata Maria Zanardo Romanholi
Eliana Goldfarb Cyrino
Paulo Marcondes Carvalho Júnior
A visita domiciliar: histórico e perspectiva atual
Há relatos de médicos que percorriam as cidades na Grécia(443 a.C) prestando assistência às famílias, de casa em casa, orien-tando-as quanto ao controle e melhoria do ambiente físi co, alívioda incapacidade e do desamparo (Reinaldo; Rocha, 2007).
Segundo Rosen (1994), anterior ao surgimento das enfermeirasvisitadoras em Londres, nos anos de 1854 e 1856, a prática da visita
domiciliar (VD) era realizada por mulheres da comunidade semmuita instrução, que tinham apoio financeiro do Estado paraeducar as famílias carentes sobre os cuidados de saúde.
Mas é no século XX que as enfermeiras assumem o papel devisitadoras responsáveis pela saúde pública. Esse movimento acon-tece inicialmente nos Estados Unidos e se espalha por todo omundo, com o objetivo de trabalhar junto com as comunidades
para atender os seus problemas como um todo (Reinaldo; Rocha,2007).
No Brasil, a partir de 1920, com a escola de Enfermagem daCruz Vermelha, é criado um curso de visitadoras sanitárias, comoparte do serviço de profilaxia da tuberculose. Tal iniciativa marca a
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inclusão da VD como atividade de saúde pública (Lopes; Saupe;Massaroli, 2008).
Em entrevista a Virginia Schall, a professora Hortênsia H. deHollanda fala sobre seu trabalho, de 1949 a 1955, como assistentetécnica da Divisão de Educação Sanitária do Serviço Especial deSaúde Pública da Fundação Serviço Especial de Saúde Pública(Sesp), do Ministério da Saúde, na qual a VD é destacada comouma atividade frequente no trabalho realizado naquela época, comconteúdo de educação em saúde. Para a professora,
as melhores formas de conhecer bem os problemas das pessoas
são: visita nas casas, reuniões do bairro, pesquisas, conversas des-
contraídas sem perguntas prontas, não deixar anotações atrapa-
lharem a conversa, procurar fazer trabalhos em grupo, devolver ao
bairro a resposta do levantamento do problema, depois tentar re-
solver juntos os problemas, escolher o que fazer em cada mo-
mento. Então é isso... (Schall, 1999, p.159)
Na década de 1970, no Brasil, diante das mudanças nas polí-ticas de saúde, e com a priorização da alocação dos recursos finan-ceiros para a assistência intra-hospitalar, há um esvaziamentonas ações de enfermagem na saúde pública e, consequentemente, nasvisitas domiciliares. Com o período militar, o que se observou foiuma gradativa transformação do modelo assistencial higienista/preventivista para o modelo dual curativista/preventivista, acarre-tando, assim, a descaracterização das práticas de prevenção, dentreelas, a VD (Egry; Fonseca, 2000).
Lopes, Saupe e Massaroli (2008) apontam que, historicamente,a VD teve uma preocupação centrada em evitar doenças e mini-mizar a dor dos doentes, e não na promoção da saúde, na valori-zação do contexto social e na qualidade de vida dos visitados.
Para Kerber, Kirchhof e Cezar-Vaz (2008), a VD, tambémchamada de atenção domiciliária, pode agregar ao seu processotanto a ação de cuidar como a de educar.
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Segundo Carletti e Rejani (1997), a atenção domiciliária ou vi-sita domiciliar é um serviço em que ações de saúde acontecem a
partir da realidade em que o visitado está inserido, e são destinadasà manutenção, promoção ou restauração da saúde.
A VD é uma categoria da atenção domiciliar que prioriza odiagnóstico do indivíduo no seu contexto e, assim, prevê açõeseducativas. É um instrumento que permite conhecer a realidade dooutro para poder propor ações de saúde para a família e para acomunidade (Giacomozzi; Lacerda, 2006).
A VD tem reorientado o modelo de atenção à saúde recomen-dado no SUS e, portanto, podemos afirmar que é um instrumentoque permite a transversalidade do sistema de saúde, além de ser umespaço de construção de políticas públicas por meio da relação quese estabelece entre os diferentes sujeitos, pois é nessa prática que sepode entender a totalidade dos condicionantes que afetam a vida docidadão (Lopes; Saupe; Massaroli, 2008).
Kerber, Kirchhof e Cezar-Vaz (2008) apontam que, por inter-médio da atenção domiciliária, é possível ser desenvolvida, pelostrabalhadores em saúde, a assistência ao indivíduo e sua família deforma mais integral, contextualizada, nos aspectos de promoção,prevenção, recuperação e reabilitação − promovendo, assim, a in-tegração dos trabalhadores que atuam no sistema de saúde de formaque estes possam, portanto, oferecer o cuidado de saúde de acordo
com as possibilidades da tecnologia, como o encontro das pessoas,que permite criar espaços de intersubjetividade, em que acontecemfalas, escutas e interpretações. Esses são momentos de cumplici-dade nos quais pode haver a responsabilização em torno dos pro-blemas que serão enfrentados. Essa tecnologia permite trabalharcom três pontos, que são: a observação, o diálogo e o relato oral.
Para Pereira (2001), a VD permite aos trabalhadores fazer uma
reflexão sobre a concepção do processo saúde-doença e de ser hu-mano. Enfim, permite ao profissional reconhecer seu paciente emsuas múltiplas relações, biopsicossocial e ambiental.
Outra vantagem de se realizar a visita ao domicílio é a possibi-lidade de que os trabalhadores de ambos os espaços e serviços de
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saúde se integrem e possam efetuar um trabalho em conjunto, nãosomente em nível de referência e contrarreferência, mas no com-
partilhar de suas responsabilidades (Kerber; Kirchof; Cezar-Vaz,2008).
Atualmente, no Brasil, a VD é considerada como uma estra-tégia de reorganização do SUS. Essa prática substitui o modelo tra-dicional de saúde, aproximando o serviço da população brasileira,levando a saúde mais perto das famílias e melhorando a qualidadede vida, rompendo com a passividade das unidades de saúde.
Segundo Takahashi e Oliveira (2001), a VD propicia maiorproximidade dos profissionais e serviços com as pessoas e seusmodos de vida, permitindo, dessa forma, uma aproximação com osdeterminantes do processo saúde-doença no âmbito familiar − e éconsiderada fonte de quase todas as informações necessárias à or-ganização do serviço que se faz na Saúde da Família.
A visita domiciliar na ESF é uma importante ferramenta que
diferencia a ESF de outros programas, modelos de atenção ou degestão em saúde no Brasil, e é realizada prioritariamente pelosagentes comunitários de saúde (ACSs). Nela, os membros daequipe vão até a residência dos moradores de cada área de abran-gência das unidades, deixando para trás modelos de atenção queesperavam a vinda dos usuários até a unidade de saúde.
A VD da Saúde da Família é considerada estratégia de trabalho
prioritária e o primeiro passo para o acolhimento (Belluscci, 2006),e caracteriza o modelo de atenção em saúde adotado. De acordocom a Portaria GM n.648, de 29 de março de 2006, no seu anexo 1,são atribuições comuns a todos os profissionais da equipe da Saúdeda Família “realizar o cuidado em saúde da população adscrita,prioritariamente no âmbito da unidade de saúde, no domicílio enos demais espaços comunitários (escolas, associações, entre ou-
tros), quando necessário” (Brasil, 2009).Também consta, como uma das atribuições específicas do
agente comunitário de saúde, “acompanhar, por meio de VD, todasas famílias e indivíduos sob sua responsabilidade, de acordo com asnecessidades definidas pela equipe” (idem, 2009). Na Estratégia
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Saúde da Família, não está definido o parâmetro para a frequênciade VDs para os profissionais da equipe, salvo para os agentes comu-
nitários de saúde, cujo parâmetro estabelece uma visita domiciliar/família/mês (idem, 2009).
A VD é uma prática antiga na área da saúde e, hoje, pode serconsiderada um dos eixos transversais da ESF, pois perpassa pelosprincípios da integralidade, universalidade e equidade.
Na Estratégia de Saúde da Família, é o ACS que informa apopulação sobre o modelo de atendimento na unidade, ajudando o
agendamento de consultas e serviços, melhorando o esquema defuncionamento da unidade de saúde.
Amaro (2003) defende que é necessário afastar o mito de que aVD é uma atividade empírica. Acredita que seu desenvolvimentodeve ser realizado sobre bases teóricas, humanas e profissionais.Para isso é necessário que as visitas sejam realizadas com respeitoà subjetividade de cada ser, pois o quadro de valores é distinto e a
relação que se estabelece entre visitador e visitado é importantepara o sucesso do trabalho desenvolvido no decorrer da visita.
Segundo Nogueira (1997), a VD tem como vantagens para oprofissional da saúde: o conhecimento do meio ambiente do outro,atentando para as condições de moradia, as relações afetivas e so-ciais da família, além de facilitar a adaptação e planejamento dasações conforme os recursos da família, propiciando, assim, melhor
relacionamento entre família e profissional de saúde, pois ela émenos formal do que as atividades realizadas nos serviços de saúde.
Cohn, Nakamura e Gutierres (2009) trazem uma reflexão doprocesso de implantação da ESF em seus diferentes contextos eobstáculos, em que observamos uma preocupação na produção depesquisas que discutem a organização, a estruturação e o gerencia-mento das equipes da ESF. Apontam as autoras que pouco se tem
pesquisado sobre o processo de emancipação da população aten-dida pela estratégia. Hoje, uma particularidade da ESF é seu poten-cial de penetração na comunidade por meio do ACS, que traz parao privado (o domicílio) as questões do público (as políticas de saúde – unidades).
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Nesse trabalho fica claro quão complexa é a atividade de VD,conforme a proposta do Ministério da Saúde no sentido de monito-
ração da saúde das famílias. Nas áreas estudadas por essas pesqui-sadoras, podem-se observar as mais variadas formas em que asVDs se realizam e quanto são variados os “vínculos por ela estabe-lecidos com a respectiva população atendida” (Cohn; Nakamura;Gutierres, 2009).
As autoras explicitam que, por meio da arquitetura das casas, já se coloca um ponto de diferenciação das VDs. Assim, em locais
onde as casas têm suas portas abertas diretamente para a rua, apa-rece, para o ACS, a possibilidade de visualização da casa logo ao seabrir a porta, ainda no espaço da rua (ibidem).
A mesma pesquisa aponta, por meio do ACS, que atua como in-termediário entre o serviço de saúde e a população, se haverá umamaior ou menor possibilidade de vínculo com a população atendida:
portanto, o bom relacionamento mantido pelos ACSs com acomunidade facilita o trabalho da equipe, colaborando para que
algumas atividades, especialmente as reuniões de grupos, se
tornem mais eficazes pela participação da população nestas ações.
(Ibidem, p.150)
Nessa mesma pesquisa é afirmado que, em geral, o ACS não
entra nas casas, ficando no portão, na porta ou no corredor, deacordo com o tipo de habitação. Aponta-se, assim, que o ACS entrana casa apenas quando convidado, e essa situação é mais frequente-mente relatada quando há alguém mais doente ou um recém-nas-cido, ou, mesmo, quando há um vínculo de amizade com a pessoa.Dessa forma, para as autoras, fica patente que, ao atuar comomediador entre o serviço de saúde e a comunidade, o ACS, ao en-
trar nas casas, possibilita à ESF um maior acompanhamento do es-tado de saúde da população e, também, um maior “controle deoutras dimensões de seu cotidiano, revelando-se, assim, um duplopotencial normatizador do programa”, no sentido de normatizaçãoda saúde e da vida das famílias (idem).
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Atualmente, na ESF, a visão que se tinha de que o ACS eraapenas uma representação da comunidade, foi totalmente modi-
ficada, pois a presença do ACS na equipe é imprescindível. Aoatuar na comunidade, o ACS se comunica com esta por meio deuma linguagem simples e objetiva, levando informações sobre pre-venção de doenças, promoção de saúde, condições de higiene esaneamento.
Assim, a VD pode aproximar a equipe de saúde da comuni-dade, proporcionando às famílias um acompanhamento mais parti-
cularizado, pois tal estratégia é entendida como única, pertencentea um contexto social e cultural específico que condiciona diferentesformas de viver e de adoecer.
Para Kawamoto, Santos e Matos (1995), “a visita domiciliar éum conjunto de ações de saúde voltado para o atendimento, tantoeducativo como assistencial”.
Por intermédio da literatura encontrada, observamos que há
uma contradição no papel da VD, que, para alguns teóricos, é en-tendida como ferramenta de assistência com a qual é possível con-trolar o paciente no cuidado com sua saúde; mas ela pode ser,também, uma tecnologia de promoção da saúde e prevenção dedoenças que considera a realidade e o contexto em que o pacienteestá inserido, ou uma estratégia que propicia o aprendizado na for-mação dos profissionais da saúde, as chamadas VDs pedagógicas.
Dessa perspectiva, da VD como ferramenta didática ou peda-gógica, diversas instituições de ensino superior (IES) buscam, pormeio de diferentes cenários de ensino, trabalhar habilidades e ati-tudes essenciais para o profissional de saúde que possam contribuirpara o desenvolvimento do SUS e a adequação do currículo àsDCNs.
Levantamento recente, realizado nos anais da Revista de Edu-
cação Médica, referente aos congressos de educação médica brasi-leiros, permite observar a presença de vários trabalhos que ilustrama mudança de postura em relação à valorização do ensino médico naatenção básica e apontam a VD como estratégia no ensino médico,com diversos objetivos.
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Peternelli et al. (2009) afirmam que, “através de visitas domi-ciliares de caráter didático e não assistencial”, são visitadas “famí-
lias que se utilizam dos serviços de unidades básicas de saúde(UBSs)”. Nesse estudo é apresentado que, “nos primeiros contatos,muitas famílias e alunos mostraram-se apreensivos nesta fase in-trodutória da atividade”, demonstrando certo constrangimentoinicial no primeiro contato e que,
no decorrer das visitas, tanto os alunos como as famílias demons-
traram maior facilidade em comunicar-se, iniciando aí a construçãodo vínculo citado, baseado no respeito e confiança entre as partes,
possibilitando a partir daí a inserção de intervenções de caráter
educativo, elaborados pelo próprio grupo de alunos sob orien-
tação dos tutores, juntamente com profissionais de saúde da UBS
em questão. (Ibidem, p.299)
Na Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora(MG), o ensino na comunidade também privilegia a estratégia daVD, definindo a mesma como “provisão de serviços de saúde porprestadores formais e informais com objetivo de promover, res-taurar e manter o conforto, função e saúde das pessoas num nívelmáximo, incluindo cuidados para uma morte digna” (Peternelli etal., 2009). Nesse estudo, a importância da VD aparece como estra-
tégia pedagógica e para melhoria do cuidado de pacientes crônicose acamados. Assim, acreditam que a
visita ao domicílio permite ao estudante perceber não apenas as
doenças, mas também o contexto do usuário e, sob uma visão crí-
tica e reflexiva, suas necessidades individuais e coletivas possibili-
tando realizar atenção continuada com prática de ações, para a
melhoria da qualidade de vida de seus integrantes. (Ibidem, p.300)
A VD também é ferramenta pedagógica na Universidade Ca-tólica de Goiás (UCG) e tem como objetivo a interação entre aca-demia e serviço, como apontam em estudo Elias et al. (2009):
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a visita domiciliar é um instrumento de compreensão do viver
familiar que permite ao profissional de saúde e ao acadêmico
estarem mais próximos das famílias, possibilitando conhecer e in-terpretar o modo de vida, cultura, crenças e padrões de comporta-
mento. Permite a avaliação dos fatores determinantes da saúde
daquela população. Assim, os acadêmicos em parceria com os
profissionais do serviço são capazes de programar ações para o
controle das doenças de forma mais efetiva e resolutiva. (Ibidem,
p.312)
Mesmo na instituição onde a presente pesquisa está se reali-zando, há referências de resumos de trabalhos apresentados sobrea VD.
As visitas domiciliares (VDs) são instrumentos de abordagem da
família, suas características bio-psico-sociais, culturais e ambien-
tais e auxiliam no vínculo entre a família e o profissional de saúde.Para os acadêmicos de Enfermagem e Medicina que nos primeiros
anos de graduação pouco fazem pela população em geral devido
ao modelo de ensino que não prioriza esta prática, a visita domici-
liar é um instrumento de formação acadêmica que propicia o con-
tato precoce com a população, e gera conhecimentos que fogem
dos padrões teóricos da sala de aula. (Yakuwa, 2009, p.304)
Assim, podem-se observar diferentes concepções e proposi-ções no trabalho de VD. Embora alguns autores superdimensionema importância das visitas domiciliares, outros as dividem em peda-gógicas, assistenciais ou didáticas. A presente pesquisa assume quenem toda ida ao domicílio do usuário deve ser considerada umaVD. Para ser uma VD, a atividade deve compreender um conjunto
de ações que combinem o trabalho pedagógico com o assistencial efaça parte do cuidado que não se limite ao ato da VD, mas sim a todoum processo que ocorre antes, durante e após a visita ao domicílio.
Também se assume que, para a realização da VD, o aluno ou oprofissional de saúde deve ser preparado com uma capacitação
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específica no sentido de que a VD não seja uma ação invasiva e res-peite a condição de espaço privado do domicílio.
Entende-se que a relação entre o profissional de saúde, o estu-dante e o morador visitado deve ser pautada pelos “princípios daparticipação, da responsabilidade compartilhada, do respeitomútuo e da construção conjunta no processo saúde-doença” (Taka-hashi; Oliveira, 2001). Deve-se, ainda, destacar que as diferençassociais, econômicas, culturais e educacionais existentes entre mora-dores, estudantes e profissionais de saúde precisam ser conside-
radas no planejamento, na execução e na avaliação da VD.Destaca-se ainda que, seja pelo caráter assistencial, seja pelo
caráter pedagógico, a VD pode propiciar um processo de aproxi-mação e vínculo único entre moradores, estudantes e profissionaisde saúde.
Breve contextualização: o ensino na comunidadee a visita domiciliar na disciplina InteraçãoUniversidade, Serviço e Comunidade
A Faculdade de Medicina de Botucatu − UNESP tem umalonga história no ensino de graduação realizado na comunidade,privilegiando a prática em saúde pública no ensino, na pesquisa e
extensão e na prática clínica realizada na atenção primária.Nos últimos anos, a formação médica centrada no hospital
escola tem sido muito criticada pela percepção de esgotamentoe inadequação do profissional que está entrando no mercado de tra-balho. Para atender as necessidades de saúde da população e se ade-quar ao mercado de trabalho, a FMB − UNESP tem desenvolvido,atualmente, um oitavo de seu curso médico na atenção básica.
A FMB − UNESP diversifica seu cenário de ensino em váriosmomentos do curso, dos quais podemos citar: as disciplinas deSaúde Coletiva, Pediatria, Clínica Médica, Obstetrícia. A própriaexistência do Centro de Saúde Escola da FMB, responsável por sig-nificativa cobertura da atenção básica em Botucatu, tem contri-
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buído para o funcionamento de um sistema de atenção básicaresolutivo e de qualidade (Cyrino et al., 2007).
O presente texto objetiva relatar a proposta de realização daVD na formação de médicos na disciplina Interação Universidade,Serviço e Comunidade (IUSC). Realizou-se revisão da literatura epesquisa documental, com leitura de documentos e relatórios pro-duzidos por alunos e professores que participaram da IUSC.
A visita domiciliar na disciplina IUSC1
A concepção que fundamenta a proposta pedagógica da IUSCbaseia-se em princípios dialeticamente articulados: “indivisibi-lidade método-conteúdo, coerência do método com a natureza doobjeto em construção e apropriação da estrutura do conhecimentopelo ator da aprendizagem” (Cyrino, 2005, p.35). Dentro dessa
concepção, ressalta-se a estratégia de VD realizada na disciplinaIUSC.
Para Cyrino (2005, p.35), a atividade de visitas domiciliares
permite que o estudante partindo de sua experiência de vida, de
sua identidade cultural e da interação com os outros, possa tomar
consciência do ambiente, da sociedade e do sistema produtivo,
percebendo-se como cidadão coadjuvante do processo de trans-formação da realidade e como profissional comprometido com a
saúde e a qualidade de vida de pessoas e comunidades.
A atividade de VD sempre foi destacada como um “nó crítico”na disciplina, tanto para os alunos como para os professores; e, parase entender esse fato, faz-se necessário situar historicamente essa
estratégia desde a implantação do então programa IUSC.
1. Parte desta seção foi publicada no artigo “A visita domiciliar na formação demédicos: da concepção ao desafio do fazer”, Interface, julho de 2012.
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Em 2003, no ano de implantação do programa, a VD tinha umcaráter de inquérito populacional,2 no qual os alunos, a partir da
seleção do cadastro de nascidos vivos de Botucatu, da Maternidadedo HC − UNESP e da Maternidade do Hospital Sorocabano, ti-nham como objetivo “acompanhar” os recém-nascidos até o 6o anodo curso médico, e, por meio de questionários pré-elaborados esemiestruturados, realizavam entrevistas com as famílias dos quemoravam nas áreas de abrangência de unidades de saúde ou de ter-ritórios que seriam sede de futuras USFs.
Para alguns professores do grupo de formuladores da proposta,a VD deveria se realizar dentro de um modelo de estudos popula-cionais, com uma perspectiva epidemiológica. Assim, cada alunofaria, em média, vinte ou trinta visitas às famílias durante o ano,levantando aspectos dos determinantes sociais do processo saúde--doença, e caberia a cada grupo de estudantes compilar o materialdas entrevistas nas VDs para caracterizar cada estudo de território
(UNESP, 2002a).No próprio texto do projeto do Promed, primeiro material de
referência para a realização das VDs, já aparecem “dúvidas sobre onúmero de famílias adscritas por aluno” (UNESP, 2002b).
Antes de se iniciarem os trabalhos de campo, em 2003, a pro-posta foi reformulada e se optou por diminuir o número de visitas,passando-se para doze a dezesseis visitas por ano, cabendo, a cada
aluno, o acompanhamento de três famílias (UNESP, 2002c).Na realidade, em meio a inúmeras dificuldades e com a carga
horária fornecida ao IUSC, pelo então Conselho de Curso de Medi-cina, entre preparo de campo, estudo teórico, aulas dialogadas edificuldades inerentes à própria prática da VD − como mudança de
2. No sentido proposto por Viacava (2010, p.1.864), que apresenta o conceito de
inquéritos populacionais “para gerar informação sobre as múltiplas dimensõesdo estado de saúde, os estilos de vida associados à ocorrência de doenças […]avaliação das desigualdades sociais na prevalência das doenças […] e no acessoe uso de serviços de saúde” para levantamento de “informações de base popu-lacional para gestores e pesquisadores de saúde pública” que contribuem paraa disseminação do conhecimento e a formação de profissionais na saúde.
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 203
famílias, endereços errados e recusas, e outras situações adversas −,cada aluno conseguiu realizar, no máximo, cinco visitas por casa,
em 2003.3
O modelo de entrevista usado nesse ano foi muito criticadopelos alunos, que relatavam se sentir “coletores de dados” (Cyrinoet al., 2005), e não conseguiam entender objetivos e tampouco comoessa atividade auxiliaria na formação do profissional médico.
Ao que tudo indica, por meio da leitura dos relatórios dos estu-dantes e, mesmo, da leitura de atas de reuniões dos professores,
pode-se notar um certo descontentamento com o modelo de VD uti-lizado em 2003, que privilegiou o inquérito epidemiológico, com ouso de questionários fechados sobre a criança e a família.4
Com certa crise de identidade, resistências e dúvidas sobre osseus objetivos, ocorreram inúmeras discussões, pois o que se obser-vava no início era uma clara divergência sobre os objetivos das VDsentre os membros da coordenação e um grupo de professores que
viam a VD como uma estratégia de vínculo com a comunidade,num caminho de um trabalho mais qualitativo.5
A visita domiciliar (VD) foi, dentre as estratégias propostas pelos
formuladores do IUSC, a que mais capitalizou a atenção dos coor-
denadores e professores, especialmente sobre seus fundamentos e
seu significado para a formação médica. Nas discussões ocorridas
sobre a visita domiciliar, o grupo dividiu-se entre o uso da mesmacomo: instrumento de coleta de informações sobre a habitação, sa-
neamento, condições ambientais e físicas em que vive o indivíduo,
e estratégia pedagógica para a formação de vínculos interpessoais
à medida que a inserção do aluno no universo se configurasse como
oportunidade para o diálogo e a interação dos estudantes com as
famílias.6
3. E. G. Cyrino (FMB), comunicação pessoal, 2010.4. A. Y. Prearo (FMB), comunicação pessoal, 2010.5. E. G. Cyrino (FMB), comunicação pessoal, 2010.6. Idem, 2009; prestada a M. R. G. Uliana, 2010.
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No decorrer desse primeiro ano de implantação, 2003, notou--se a falta de homogeneidade entre os grupos de trabalho na reali-
zação da VD. Existiam professores que, contrariando as orientaçõesda coordenação, trabalhavam as visitas como estratégia pedagógicapara a formação de vínculos, sem desvalorizar os aspectos epide-miológicos.7 Esse grupo de professores acreditava que a VD deveriaprivilegiar a formação de vínculo e, assim, cada aluno teria comometa visitar uma, duas ou três famílias repetidamente, de tal formaque, a cada novo encontro, se trabalharia um diálogo sobre dife-
rentes temáticas, construídas a partir do trabalho relacional entreestudantes e famílias.8
Em 2004, segundo atas de reuniões de coordenação e de pro-fessores, com a entrada e saída de alguns membros da coordenação,redefiniu-se o objetivo da VD como oportunidade de trabalhar vín-culo e troca, conhecimento do outro, possibilidades de qualificar arelação da família com as UBSs e as USFs, no desenvolvimento denarrativas orais e escritas capazes de explorar compreensões e sen-timentos antes não percebidos.
Segundo Cyrino et al. (2006, p.76), as visitas deveriam for-necer subsídios para que os estudantes “incorporem as dimensõessociais e psíquicas do ser humano, para que as mesmas sejam incor-poradas a uma prática clínica voltada à promoção, prevenção, tra-tamento e reabilitação”.
Desse modo, a estratégia tem uma mudança radical, deixandode ter, como sua base fundamental, o modelo de inquérito popula-cional. A partir de 2004,
• as famílias a serem visitadas passam a ser indicadas pelasunidades de saúde, a partir do olhar e necessidade das
mesmas;
7. E. B. Dezan (FMB), comunicação pessoal, 2010.8. E. G. Cyrino (FMB), comunicação pessoal, 2010.
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• o contato com as famílias é realizado previamente peloprofessor e pela equipe das unidades para acordar o que
será feito;• a atividade se dá na forma de conversa sobre alguns temas
que são indicados pelas famílias;• inicialmente, o foco está na criança, com temas discutidos
em cada grupo a partir da construção de um trabalho maiscoletivo;
• os alunos passaram a realizar a VD em duplas de estu-
dantes;• para o 1o ano ainda permanece um roteiro de entrevista
preestabelecido, ao menos na fase de primeiros encontros;• no 2o ano, se investiu numa construção de roteiro de acordo
com o trabalho realizado em cada grupo.
Essa mudança de perspectiva trouxe, para a equipe de profes-
sores e a coordenação, momentos de enorme tensão, pois, para al-guns grupos de professores e alunos, a VD representava umaatividade de constrangimento. Ao retornar à mesma casa, muitasvezes, os estudantes e professores eram surpreendidos com ques-tões pouco trabalhadas no ensino médico. Os professores se sen-tiam inseguros na orientação das VDs, que, por vezes, se tornavamesvaziadas de conteúdo e de sentido.9
Esse foi um período de muitas tensões e discussões tanto nogrupo de professores como no de alunos. O que se observava, pormeio das avaliações dos alunos e dos relatos dos professores tutoresnas reuniões, era que, nos grupos em que os professores eram resis-tentes e não acreditavam na VD como estratégia de ensino, o apren-dizado realizado pelos alunos ficava prejudicado e muito diversodos demais grupos no que dizia respeito à compreensão dos obje-
tivos do programa. Nos grupos que optaram por trabalhar a VDcomo estratégia pedagógica e, de certa forma, assistencial, para a
9. E. G. Cyrino (FMB), comunicação pessoal, 2010.
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206 ANTONIO P. CYRINO • DANIELE GODOY • ELIANA G. CYRINO
formação de vínculos, os alunos sentiam-se mais seguros e menosresistentes à realização das VDs.
É ainda no 2o ano, em 2004, com ênfase na educação em saúde,que o IUSC faz integração com outras disciplinas, como Parasito-logia, e, também, é convidado a participar da semana de integraçãocurricular que acontece no segundo semestre.
Nessa segunda semana de integração básico-aplicada, propõe--se um tema a ser estudado que seja relevante na formação médica,e a metodologia usada é a da aprendizagem baseada em problemas.
Nos dois primeiros anos de funcionamento do IUSC, essa ativi-dade de educação e saúde era pontual, sem grande relação com otrabalho das VDs. A partir de 2006, houve uma maior integraçãoentre essa atividade e o IUSC, que passou a priorizar ações de edu-cação em saúde, enfatizando uma maior escuta e posterior narrativadirecionadas às necessidades dos pacientes visitados. O diálogoentre pacientes visitados e estudantes foi considerado um espaço
para aprendizagem, pelo contato com pacientes que apresentavamo que havia sido estudado, em maior ou menor grau, e, também,pela aplicação das orientações aprendidas e dadas aos pacientes deuma forma acessível ao contexto destes.10
Também, desde o início do programa, no 2o ano (em 2004), apartir de demandas levantadas nas VDs e com a comunidade, vemocorrendo a atividade de integração com a Parasitologia. Desde
então, os alunos elaboram um plano de ação para a atividade educa-tiva que deve ser trabalhado em parceria com a unidade de saúde daárea de abrangência estudada e a população. Tais atividades sempreaconteceram em parceria com os profissionais do serviço municipalde saúde.
Nesse período, de 2004 a 2006, conforme consta nas atas dereuniões e memórias de eventos de formação de professores, ainda
por várias vezes a coordenação precisava defender a ideia da reali-zação das VDs, pois um grupo de professores contrários chegava a
10. Programa do IUSC, 2o ano do curso médico, 2004.
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 207
“boicotar” a estratégia colocando atividades diferentes nos diaspropostos para a realização das visitas. Deve-se destacar que os pro-
fissionais da rede municipal eram os maiores parceiros da coorde-nação no sentido de reafirmar a importância da VD para se ampliara formação médica, sobretudo no que dizia respeito à qualificaçãode vínculo e ao conhecimento das famílias na sua moradia. Des-taque-se que, entre 2003 e 2005, o município estava implantandoas USFs. Essas informações estão relatadas em atas de reuniões dacomissão de acompanhamento do Promed e nas memórias de reu-
niões de assessoria externa.Em 2005, iniciam-se os trabalhos do 3o ano do IUSC, como um
programa opcional oferecido aos estudantes, com cerca de quarentaa sessenta vagas e com a participação de professores voluntários. Ofoco é o atendimento médico a adultos nas UBSs e USFs, e as VDscomplementam esse trabalho como apoio assistencial.
Na tentativa de obter maior base teórica e qualificar o signifi-
cado da VD, a coordenação do programa contou com assessoria ex-terna em diversos momentos para discutir e aprimorar a VD.11
No início de 2007, esteve com o grupo de professores uma as-sessora que destacou a necessidade de maior clareza em relação àsfinalidades da VD na formação dos estudantes. Privilegiou, nessadiscussão, a necessidade de uma VD que trouxesse a ideia de co-nhecer a família para trabalhar os temas de educação em saúde e a
questão de devolver para a comunidade o que se levantava na visita.Discutiu-se, também, sobre um descompasso entre o que que-ríamos e o que podíamos fazer com a VD e quais eram as expecta-tivas e o que acontecia no real.
Reforçou-se, nesse momento, quão difícil é realizar uma VDque tenha impacto na formação do médico. E ainda outras questõesforam apresentadas, como: seria possível construir um vínculo
mais efetivo? Como fazer a discussão do relato da visita? Do pontode vista teórico, qual é a nossa competência?
11. Atuaram como assessoras: Ana Cecília Sucupira (médica), Eunice Nakamura(antropóloga) e Mara Regina Lemos de Sordi (enfermeira).
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208 ANTONIO P. CYRINO • DANIELE GODOY • ELIANA G. CYRINO
Desse momento de discussão, algumas importantes mudançasforam propostas na realização das VDs:
• preparar o aluno antes da realização da primeira VD no1o ano, no sentido de que o mesmo possa falar sobre seusreceios;
• fazer uma boa elaboração da atividade, diante da dúvidado que seria uma VD invasiva ou não invasiva à famíliavisitada;
• problematizar cada VD realizada;• narrar oralmente e depois por escrito o que havia sido a
VD para cada aluno;• ampliar o olhar e a escuta do estudante para além da queixa
do sujeito;• reforçar a importância do protagonismo do estudante na
realização das VDs, com um papel a ser desenvolvido que
tivesse sentido para ele e para a família;• ampliar a parceria com os agentes comunitários de saúde
no trabalho e no acompanhamento das famílias visitadas;• atuar com diferentes técnicas para melhor se trabalhar a
habilidade de comunicação com o paciente e a família;• ter claro que o objetivo da VD no 1o ano não poderia ser
igual ao do 2o, ficando no 1o ano o foco na criança e, no
2o, na família.
Nesse momento, final de 2006 e início de 2007, organizaram--se, também, as bases teóricas para a realização das VDs, tanto naformação dos professores como para embasar os estudantes. Nessesentido, os seguintes autores foram propostos como base de tra-balho com as VDs: Cunha (1997); Amaro (2003); Grossman e
Cardoso (2006); Leite, Sá e Bessa (2007); Leite, Caprara e CoelhoFilho (2007).
É, então, diante das angústias despertadas nos alunos com asVDs, que o grupo de coordenação do IUSC faz, em 2006 − parainício em 2007 −, um convite aos professores das disciplinas de
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 209
Psicologia e Psiquiatria para colaborar na preparação dos alunosdo 1o ano para a realização das VDs, com o objetivo de se discutir
expectativas, preocupações e sentimentos em relação a essa novaatividade (Cerqueira et al., 2009). Na vivência sociodramática pro-posta, os estudantes foram convidados a falar sobre seus senti-mentos, e
destacaram principalmente a impotência e a frustração que expe-
rimentaram ao se imaginarem diante dessas famílias. Impotência
por não saberem “ainda” o que fazer com o bebê febril ou comdiarreia: “Ah, se estivéssemos no 6o ano...”. Impotência porque
não têm como resolver problemas estruturais do país, como a po-
breza extrema que acreditam que irão encontrar em todas as casas.
Impotência porque não há como mudar a cultura, ou a “falta de
cultura/ignorância” da mãe que deixa os filhos brincarem no cór-
rego sujo, que leva o filho para benzer e lhe dá chá de romã. Impo-
tência e ansiedade diante da situação crônica de abuso e violênciaem que vivem algumas famílias. (Cerqueira et al., 2009, p.279)
É importante salientar que o ano de 2007 foi aquele no qual oIUSC, para o bem e para o mal, torna-se uma disciplina regular eobrigatória do curso médico.
Assim, em 2006, preparando-se a disciplina para 2007, na qual
havia necessidade de nota e aprovação escolar dos estudantes,estruturou-se um modelo de relatório sobre as VDs, com base teó-rica nas proposições da narrativa, defendida, conforme Cunha(1997), como um instrumento educacional que provoca “mudançasna forma como as pessoas compreendem a si próprias e aos outrose, por este motivo, são, também importantes estratégias forma-doras de consciência numa perspectiva emancipadora” (Cunha,
1997, [s.p.]).Importante notar que a professora Maria Isabel da Cunha
havia estado em Botucatu nos assessorando no trabalho pedagógicocom o aluno no IUSC, e seu texto foi nossa primeira base para o usodas narrativas. Como afirmou a professora, trabalhamos, nesse
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210 ANTONIO P. CYRINO • DANIELE GODOY • ELIANA G. CYRINO
momento, na perspectiva de que as narrativas não constituíam umafidedigna descrição dos fatos, e sim a representação do sujeito da
realidade, e, como tal, as narrativas “estão prenhes de significadose reinterpretações” (idem, [s.p.]).
Na sequência, foi possível trazer as ideias de Grossman e Car-doso (2006), e entrar em contato com os trabalhos sobre as contri-buições das narrativas na formação de médicos, que nos serviramde subsídio para embasar nosso trabalho de valorização das narra-tivas das VDs.
É importante salientar que o grupo de professores da IUSC do2o ano de 2007 iniciou uma produção escrita refletindo sobre o tra-balho e o significado da VD para a IUSC. Esse material não chegoua ser finalizado ou divulgado. No entanto, constou de rico materialconstruído como uma produção conjunta desse grupo.12 No pre-sente estudo foi realizada a leitura e análise do referido material.Ressalta-se que, nessa produção, ficava claro para os professoresque cada VD, por mais orientada que estivesse, poderia levar a umasérie de imprevistos que não seria possível controlar ou anteverinteiramente no seu planejamento, o que tornava necessária a per-manente sensibilização e capacitação dos professores e dos estu-dantes para lidar com o inusitado.
No decorrer das ações, experiências significativas são debatidasmais profundamente e, somadas às observações do tutor no acom-
panhamento dos alunos em algumas oportunidades, novas refle-
xões são colocadas em manifesto e, com elas, problematizações em
torno das condições de vida, das características do processo saúde-
12. Grupo de professores do 2o ano de 2007: Coordenação: Sueli Terezinha Fer-reira Martins, Luzia Tiemi Oikawa, Helen Isabel de Freitas e Renata MariaZanardo Romanholi. Professores tutores: Cátia Regina Fonseca, Danilo LimaTebaldi, Helen Isabel de Freitas, Karina Rubia, Renata Maria Zanardo Roma-nholi, Sandra Fogaça Rosa Ribeiro, Tiago Rocha Pinto, Vera Lucia Garcia,Michele Chanchetti.
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-doença, na utilização dos recursos comunitários e de saúde e das
necessidades e demandas daquela população.13
É importante perceber, nessa produção, a riqueza do material ea presença clara de estudo do grupo sob orientação da então equipede coordenação, que buscava, em autores como Martins (2003),por meio de contribuições de Martin-Baró, analisar a visita domici-liar, compreendida como um “fazer” que contribui, internamente,para a identidade do grupo e, externamente, para a sociedade,
quando leva para fora do grupo a atividade, no contato com di-versos grupos da sociedade; no caso da VD, com cada família. Cabeaos professores mediar o processo de aprendizagem, manejar e arti-cular as questões trazidas pelos alunos, considerando seu conheci-mento prévio, a identificação das problemáticas observadas e osobjetivos da IUSC.
O momento atual da VD nodesenvolvimento da IUSC
Levando-se em conta a angústia expressada pelos estudantesnesse processo de preparo e realização das VDs, houve um períodode adequação das mesmas. Hoje, as visitas domiciliares são reali-
zadas como estratégias de ensino-aprendizagem desenvolvidas pelaIUSC, nos três primeiros anos da graduação em Medicina, quepermitem alcançar objetivos diferenciados para cada um dos anos.
Atualmente, a VD, no primeiro ano da IUSC, é realizada emduplas de alunos a uma ou duas famílias, e destina-se a apoiar oreconhecimento do território da unidade de saúde à qual os alunosforam designados para os três primeiros anos do curso; dessa forma,
há uma tentativa de aproximar os alunos da realidade das famíliaspor meio do acompanhamento de recém-nascidos escolhidos pela
13. Citação de texto produzido pelo grupo de professores da IUSC, 2007.
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unidade de saúde, onde são observados e discutidos temas como: achegada do bebê à família, aleitamento materno, desenvolvimento
nos primeiros anos de vida, o brincar, vacinação, entre outros. Osretornos a essas famílias são agendados regularmente e, após essasVDs, são escritos relatórios individuais, na forma de narrativa, queasseguram aos professores a possibilidade de compreensão daaprendizagem e a necessidade de se aprofundarem os temas. Énessa fase que se inicia a formação de habilidades comunicacionaispara o estudante − competência comunicacional como um campo
ligado às humanidades na formação médica.
Tivemos a primeira visita com o intuito de reconhecimento da
família. Ela é composta pela mãe de 28 anos, que no momento
da visita encontrava-se de licença maternidade da indústria de
ração, onde trabalha; seu marido e quatro filhos, e finalmente a
bebê que nasceu no Hospital Sorocabano. Eles residem em uma
casa bem simples de tijolo um pouco pequena para comportartodos os membros da família, com um quintal grande gramado
em uma rua não asfaltada com rede de esgoto e eletricidade. Eles
mantêm um bom relacionamento com os vizinhos e utilizam o
posto de saúde quando sentem necessidade, o que vem ocorrendo
com maior frequência com a chegada da criança; é que a mesma
tem uma cardiopatia congênita, sendo acompanhada no HC da
UNESP. Ela toma remédio a cada doze horas e a mãe se esforçaem fazer com que ela ganhe peso, necessário para que quando
complete 1 ano de idade seja operada. (Aluno, 1o ano)
A visita domiciliar, nesse período inicial, pode ser consideradaum momento singular do exercício da comunicação estudante-comunidade, com diversas implicações no modo como os estu-
dantes, com o apoio de seus professores, desenvolvem o processode comunicação com as famílias. Cabe ao professor fazer o papel demediador para que ocorra um diálogo rico no qual se permita“aflorar a subjetividade dos participantes, que passam a ser ambossujeitos do cuidado” (Sucupira, 2007).
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 213
Nesse momento, pode-se perceber certo constrangimento narealização das primeiras visitas domiciliares, tanto por parte dos
alunos como das próprias famílias. O trabalho realizado pela disci-plina de Psicologia Médica tem como objetivo preparar o alunopara esse primeiro encontro.
Ressalta-se ainda que muitos alunos apresentam enorme ansie-dade por terem de assumir esse chegar à casa de um estranho; nemsempre o aluno está pronto para “mobilizar sua capacidade de em-patia, o que equivale neste contexto a ter capacidade de entender e
acolher a angústia por que passa” cada uma das famílias visitadas(Leite et al., 2007).
Também é desse momento e do ano seguinte a entrada do estu-dante em conflito com a realidade de famílias muito diversas da suaprópria experiência.
No segundo ano da IUSC, as VDs estão diretamente relacio-nadas à vivência dos alunos do 1o ano, com as famílias e com a uni-
dade de saúde. Ocorre a continuidade do acompanhamento jáestabelecido com as respectivas famílias pelas duplas de alunos.
Na primeira visita do ano encontramos a mãe em casa, a qual
novamente mostrou-se muito receptiva. Tivemos uma conversa
agradável e a oportunidade de adquirir subsídios para acompa-
nhar o desenvolvimento da criança. A mãe também pôde escla-
recer algumas dúvidas e levantou questões a serem trabalhadas nopróximo encontro. A criança está com 1 ano e 3 meses de idade…
Nessa hora a mãe citou que sente prazer em ainda amamentar a
filha. Mas, o pai, os amigos e familiares a pressionam para que ela
pare, pois acreditam que se isso persistir será pior para a criança,
que quando vir outra mãe amamentando um bebê, terá vontade e
ficará com lombriga. Fomos questionados quanto a essa questão,
e dissemos que a amamentação só traz benefícios a ela e ao bebê eque quanto maior for o tempo que ela conseguir amamentar, me-
lhor será para ambas; e que a questão da lombriga trata-se de um
mito, que ela não é contraída dessa forma que eles acreditam. Ela
pediu que disséssemos isso ao seu marido e assim o fizemos para
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que ele mudasse de opinião e deixasse de questioná-la. (Aluna,
2o ano)
O foco da VD amplia-se para toda a família e objetiva discutirquestões sobre condições de vida e saúde, promoção da saúde eprevenção da doença, além de continuar acompanhando a criança.Nesse ano, os alunos continuam a construir narrativas que serão abase dos relatórios e trabalham com as demandas levantadas pelafamília com o apoio da unidade de saúde, onde estão já há dois anos.
No 2o ano, objetiva-se uma VD bastante dialógica, com aintenção de uma horizontalização na relação estudante-família.Esse é considerado um momento de muitas trocas, no qual todos osenvolvidos aprendem com o processo da VD. Como há uma conti-nuidade na realização das visitas às mesmas famílias do ano ante-rior, pode-se observar que é nessa vivência que se amplia o vínculoestudante-família-comunidade.
Contou-nos bastante sobre a relação com o marido e nos informou
que este agora trabalha no período da manhã chegando ao final do
dia em casa, podendo assim passar mais tempo com as crianças e
com os animais de criação (obs.: oito das trinta cabras que pos-
suem estão prenhas, sendo os partos realizados por ele e a esposa
nas baias do quintal). Embora o marido passe mais tempo em
casa, queixou-se do fato deste não ajudá-la muito nas tarefasdomésticas. Contou-nos que está pensando em como irá prevenir-
-se de uma futura gravidez, após encerrar a amamentação do me-
nino e parar de tomar a injeção contraceptiva, revelando a
preferência pelo DIU, porém preocupada com falhas neste
método e o fato do marido não querer usar o preservativo...
(Aluna, 2o ano)
Um dos objetivos dessa ação refere-se ao trabalho de responsa-bilização, de acolhimento às demandas da família e de sensibili-zação em relação às necessidades trazidas pelas mesmas. Tambémhá o foco no respeito a culturas e crenças diferentes e na possibili-
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 215
dade de percepção de que a família tem mais conhecimento do queo estudante sobre diversos temas.
Trabalha-se, assim, para que, em toda VD, a família seja enco-rajada a falar sobre temas de seu interesse e, a partir deste, o alunodesenvolve o diálogo. O aluno aprende a ouvir, mais do que a falar,a narrar, mais do que a interpretar. A partir das narrativas trazidasda VD de cada aluno de cada pequeno grupo, o professor realiza amediação,14 procurando fazer com que os estudantes interpretem ereinterpretem a fala trazida das famílias.
Nesse sentido, a VD tem uma perspectiva pedagógica e assis-tencial, pois, ao mesmo tempo em que o aluno está aprendendo a secomunicar com um outro diferente dele, traz, para essa família,temas e questões que a mesma vai lhe apresentando sobre seu modode lidar com os problemas de saúde. É desse diálogo na casa quesurge uma abertura para tratar do sofrimento e da relação com osserviços.
O objetivo da VD no 3o ano da IUSC é voltado ao trabalho decomplementação ao modelo de atendimento da clínica ampliada,no qual os alunos acompanham e auxiliam médicos na assistênciaaos pacientes. Nesse momento, a visita tem sentido, muito mais, deassistência médica domiciliar, na qual o estudante acompanha mé-dicos e/ou enfermeiros para a realização de algum procedimento,ou para o cuidado com pacientes impossibilitados de comparecer à
unidade de saúde. Este é também um espaço no qual os alunos con-seguem relacionar o que foi aprendido, nos anos iniciais, para aassistência integral do indivíduo. Assim, ocorre uma VD paraum paciente idoso impossibilitado de comparecer à unidade desaúde, e também para um paciente que está em acompanhamentosupervisionado.
14. O papel mediador do professor é aqui entendido, por Paulo Freire, como pro-posição de uma educação, como um ato dialógico, e da linguagem comoprincipal elemento mediador no processo educacional, por Vigotski, trazendo,como ponto comum, a centralidade do diálogo na ação pedagógica (Marques;Oliveira, 2005).
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No dia de hoje fomos numa visita domiciliar na casa da dona
Maria. Foi uma experiência muito valiosa, já que pudemos ob-
servar o quanto os nossos julgamentos pós-consultas podem serfalhos. A paciente estava muito receptiva e alegre, como nunca
havíamos visto antes. Também havia uma filha sua na casa, a
Catarina, a qual nos ajudou a entender melhor a dinâmica familiar.
Pareceu-nos que a paciente não está sabendo lidar bem com as
perdas de capacidade funcional e autonomia, decorrentes da
idade e da sua condição de saúde, e que, por isso, alega que os fi-
lhos não cuidam bem dela. A impressão que ficou é que na ver-dade eles não “cuidam” da maneira que ela quer. A filha relatou
que ela sai sozinha para resolver problemas bancários e ir a con-
sultas médicas e que se nega a receber ajuda dos filhos… No
geral, fiquei com uma boa impressão da dinâmica familiar, sendo
que muito dos problemas alegados pela paciente talvez possam
ser resolvidos se a questão da perda da autonomia for melhor tra-
balhada. Trouxemos os seus aparelhos auditivos ao posto parareajuste, embora tenhamos ficado com a impressão de que há ou-
tros motivos envolvidos no não uso deles (questões estéticas?).
(Aluno, 3o ano)
O esquema da página seguinte permite observar o processo deorganização e operacionalização da visita domiciliar na disciplina
IUSC, respeitando os objetivos previstos para cada um dos trêsanos de sua realização.
Na IUSC, a VD é uma estratégia de ensino-aprendizagem queauxilia no desenvolvimento de habilidades − como a comunicação,a escuta e a observação − e aproxima o aluno da realidade das pes-soas que ele futuramente irá atender no serviço público de saúde.
Tem sido uma prioridade, no trabalho de formação dos profes-
sores, discutir e propor que os mesmos acompanhem seu grupo deestudantes para realizar as VDs e, a partir daí, revisitar os diálogosentre estudantes e professores. Mobilizar o professor no sentido deque ele também participe da VD pode permitir uma melhor com-preensão real do processo vivenciado pelo estudante e, mesmo,
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 217
apoiar o estudante no enfrentamento das dificuldades de comuni-cação, no sentido apresentado por Pinto (1987): “O caminho que oprofessor escolheu para aprender foi ensinar. No ato do ensino elese defronta com as verdadeiras dificuldades, obstáculos reais, con-cretos, que precisa superar. Nessa situação, ele aprende”.
No 6o ano, quando o aluno realiza estágio curricular do inter-
nato, por seis semanas na USF, muitas vezes, ele retoma o signifi-cado da visita domiciliar na sua formação, agora realizando-a comointerno da equipe de saúde local.
Hoje, 2009, acadêmico do 6o ano a pouco para me formar, com
uma visão bem menos idealista do 1o ano, tive o privilégio (pois
assim o considero) de retornar à USF Jd. Iolanda no meu estágio
da Saúde Pública, desta vez pertencendo à grade curricular dointernato. […] As visitas domiciliares, desta vez como “médico”
da equipe, fizeram-me lembrar dos velhos tempos em que com
cabeça ainda raspada ia visitar aquelas três famílias. […] Como
observei uma dissociação entre a prática clínica de um hospital
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terciário (como a UNESP) e a complexidade de execução prática!!!
Como o treinamento feito pela inserção “precoce” na comunidade
conseguiu me agregar uma sensibilidade mais acentuada na abor-dagem do paciente, embora me sinta longe do meu ideal!15
Para Túlio, Stefanelli e Centa (2000), a VD permite avaliardesde as condições ambientais e físicas em que vive o indivíduo esua família, até assistir o grupo familiar, acompanhar seu trabalho,levantar dados sobre as condições de habitação e saneamento.
A VD também pode ser considerada no contexto de educaçãoem saúde por contribuir para a mudança de padrões de compor-tamento e, consequentemente, promover a qualidade de vida. É apartir da VD realizada na IUSC, da narrativa do outro, que osalunos vão construindo, dentro das atividades, o significado do queé o processo de saúde-doença, o que é a autonomia do indivíduo, ecomo pensar em estratégias de saúde que considerem a realidade do
outro e que, assim, possam construir ações para as mudanças decomportamento e para a melhoria da qualidade de vida.
Para Takahashi e Oliveira (2001), a VD constitui uma ativi-dade utilizada com o intuito de subsidiar a intervenção no processode saúde-doença de indivíduos ou no planejamento de ações desti-nadas à promoção da saúde da coletividade.
A VD é caracterizada, fundamentalmente, pela interação entre
indivíduos, e, nesse sentido, a comunicação assume uma impor-tância decisiva. A VD permite ainda uma maior proximidade dosprofissionais e serviços com as pessoas e seus modos de vida.
15. F. Gondo (Secretaria Municipal de Saúde de Botucatu). Aula do 11 o Con-gresso Paulista de Saúde Pública, São José dos Campos/SP, 2009.
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 219
O relato das visitas realizadas por estudantes:a ênfase nas narrativas
Escrever é procurar entender, é procurar
reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último
fim o sentimento que permaneceria apenas vago e
sufocador. Escrever é também abençoar uma vida
que não foi abençoada.
Clarice Lispector
Para Grosman e Cardoso (2006, p.12),
Narrar é uma manifestação que acompanha o homem desde a sua
origem. As narrativas estão estruturadas sobre cinco elementos,
quais sejam: os fatos, as personagens, o tempo, o espaço e o nar-
rador. Este último configura-se como o elemento organizador de
todos os outros componentes, o intermediário entre o narrado e oautor, entre o narrado e o leitor.
Na IUSC, a narrativa tem sido usada desde o início da disci-plina. No 1o ano ainda possui um formato mais fechado, pois asVDs realizadas são tematizadas, e isto propicia que os conteúdostrazidos pelos alunos sejam mais “padronizados”. Mas, ainda
assim, é possível constatar, nos relatos dos alunos, como as famílias“lidam” com as questões da saúde − por exemplo, o aleitamentomaterno − e como o aluno se coloca diante do que foi observado,trazendo suas concepções de mundo e os seus conceitos de saúde,que, muitas vezes, são contrários ao que ele constatou.
Outra visita domiciliar foi realizada, com ênfase no aleitamento
materno. Observamos que o bebê, por ter então 8 meses de vida, já havia sido desmamado pela mãe, que crê na eficácia da ama-
mentação apenas até o sexto mês. No entanto, a mãe oferecia
alimentos saudáveis de forma segura ao bebê, com suplementos ali-
mentares, seguindo as orientações da pediatra que a acompanhava.
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A mãe preferia não levar o filho ao posto de saúde, alegando des-confiança do serviço prestado. Essa desconfiança provinha de um
mau atendimento anterior segundo a própria mãe. No geral, obebê estava saudável e bem alimentado. (Aluno, 1o ano)
Já no 2o ano, aperfeiçoa-se o trabalho das narrativas a partir dasVDs e, nessa fase, o que se observa é que as questões são mais“ricas”. Isso se dá por meio da própria estratégia do 2o ano, poisaqui os temas discutidos e abordados são os indicados a partir de
demandas e interesses da família. Os alunos entendem que hánecessidade de relatar fatos que não são “corriqueiros”, mas quefazem parte da história de vida daquela pessoa. Esses fatos, muitasvezes, auxiliam os alunos a entender a realidade de cada família e oque seria a integralidade do cuidado, eixo norteador da disciplina.
Hoje foi realizada a visita com ênfase no tema da obesidade, oobjetivo era conhecer a percepção do paciente sobre seu quadroclínico de sobrepeso. Fernanda, 37 anos, diarista com ensinofundamental incompleto e com denominação evangélica… con-cordou em participar da entrevista, nos apresentamos e pergun-tamos a ela como se deu início o seu quadro de ganho de peso e elanos disse:
− Comecei a engordar depois de uma depressão, mas aí eu metratei e melhorei mas não sei por que engordei tanto nestes últimos
tempos… Eu como pouco, fico de jejum e ainda engordo…Questionamos o porquê do jejum e ela disse:− É que eu sou evangélica e a gente tem que jejuar pra receber
bênção, né, não é obrigada, mas como a gente quer ser abençoadae daí a gente faz. Ontem mesmo eu comi uma pratada de sopa era9 horas da manhã.
− Mas a que horas você levanta?
− Umas 8 horas.− E você não toma café da manhã?− Não, eu fico de jejum até a hora que eu consigo e daí eu al-
moço. Eu sou muito ansiosa, eu como muito quando eu fico an-siosa, nervosa e ultimamente eu tô ficando muito ansiosa.
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− Qual a sua principal queixa?− Eu sinto muita dor no peito, pra fazer uma caminhada, ser-
viço de casa, até mesmo para se abaixar para pegar alguma coisano chão.
− Mas o que você come?− Comida mesmo e eu como mais quando estou nervosa ou
ansiosa e ultimamente eu tenho andado muito ansiosa.Pudemos notar que a paciente estava querendo desabafar e
deixamos ela falar, sem interromper, mas questionando no mo-
mento necessário.− Eu já tô gorda e agora que eu resolvi entrar no grupo doposto, eu não tenho um par de tênis para caminhar. Eu pedi para omeu filho para ele comprar na conta dele no Jô Calçados porqueeu andei emprestando o meu nome para umas pessoas, mas elasnão pagaram e o meu nome ficou sujo, aí agora eu não posso com-prar… Pedi para o meu filho e ele me negou porque disse que eleemprestou o cartão da loja para alguns amigos e agora não temcrédito. A gente agrada, leva comida pra eles no computador masa gente não ganha nada em troca, a gente não ganha nenhum ca-rinho. Eu até pensei em sair de casa porque ninguém valoriza agente, meu marido chega em casa e só pensa em dormir, não dáum carinho, uma atenção, não quer levar a gente pra passear, sópensa em ficar em casa, aí a gente cansa, né… Você sabe que mu-lher sempre gosta de uma atenção especial, um carinho a mais,
gosta de passear bastante, gosta de sexo e nem sempre a genterecebe isso… Eu comecei namorar com 12 anos e esse meu pri-meiro namorado e ele era bem carinhoso, me dava atenção sabe,era mais atencioso, a gente ficou junto uns três anos e eu aprendi aser assim como ele, aí a gente se desentendeu e terminamos e de-pois eu conheci o meu marido, a gente casou tudo, já fazem unsvinte anos, mas mesmo assim eu não esqueço o jeito que o meu ex
me tratava, eu gostava, eu aprendi a ser como ele e eu sinto faltadesse carinho. A gente fica carente, né, mas graças a Deus eu vouna igreja e lá o pessoal faz oração pra gente e aí eu fico melhor.(Aluno, 2o ano)
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É no diário de campo que é relatada toda a narrativa ao final doatendimento clínico do 3o ano. Neste, os alunos colocam não só a
história do paciente, mas também como se sentiram ao realizaraquele atendimento. E é a partir dessas narrativas que os profes-sores problematizam com seus alunos as questões da clínicaampliada.
Dia quente, estava desconfortável para atender, o consultório
muito quente, mal dava vontade de falar. Atendemos uma pa-
ciente POLIQUEIXOSA e com queixa de depressão, descon-tentamento com si mesma, e que além de tudo ficava montando e
desmontando a parede [sic]. Sei lá, não senti “verdade” nas
queixas psiquiátricas dela, senti como se ela não tivesse ativi-
dades para ocupar a cabeça. É tabagista, estava com cheiro forte
de cigarro, e que, naquele calor, tava me dando dor de cabeça.
Preciso trabalhar melhor isso!!! No retorno espero dar o melhor
de mim pra paciente. Apesar de tudo, ela disse que foi a melhor
equipe que já atendeu ela, que ela só quer ser atendida por mim
e pela outra aluna. Deu peso na consciência… acontece! (Aluna,
3o ano)
Na IUSC acredita-se que a narrativa
provoca mudanças na forma como as pessoas compreendem a
si próprias e aos outros. Tomando-se distância do momento de sua
produção, é possível, ao “ouvir” a si mesmo ou ao “ler” seu es-
crito, que o produtor da narrativa seja capaz, inclusive, de ir teo-
rizando a própria experiência. Este pode ser um processo
profundamente emancipatório em que o sujeito aprende a pro-
duzir sua própria formação, autodeterminando a sua trajetória. Éclaro que esta possibilidade requer algumas condições. É preciso
que o sujeito esteja disposto a analisar criticamente a si próprio, a
separar olhares enviesadamente afetivos presentes na caminhada,
a pôr em dúvida crenças e preconceitos, enfim, a desconstruir seu
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 223
processo histórico para melhor poder compreendê-lo. (Cunha,
1997, [s.p.])
Na disciplina IUSC, a narrativa a partir da VD tem sido traba-lhada de duas formas distintas, mas não excludentes: a narrativaoral, que relata o que foi ouvido, e a narrativa escrita, que tem o
objetivo de dar sentido e ajudar a interpretar o que cada pessoa trazconsigo de sua experiência de vida.
Segundo Carrió et al. (2008), há hoje um movimento, em dife-
rentes escolas médicas, trabalhando com uma proposta que se ini-ciou nos Estados Unidos e que se tem denominado MedicinaNarrativa.
Nos programas de Medicina Narrativa trabalha-se com relatos
nos quais os protagonistas são os médicos e os enfermos, em
determinado contexto. Os participantes desde o início praticam
reescrever ou contar essas histórias em uma linguagem cotidiana
(não na linguagem técnica das histórias clínicas) e confrontar suas
percepções e vivências, buscando gerar habilidades imaginativas
que ajudem a transpor a distância entre saber sobre a doença do
paciente e compreender sua experiência. (Carrió et al. 2008,
p.138)
Charon (2006) fala sobre a narrativa como uma singularidade,e o que distingue a narrativa do conhecimento universal ou cientí-fico é a sua capacidade de captar a singularidade, o não replicável
ou incomensurável.Usar as narrativas como recurso para valorizar as VDs e fazê-
-las significativas para o estudante, como recurso para sua for-
mação, com o objetivo de ampliar sua percepção sobre os pacientes,as famílias, tem sido uma estratégia pedagógica da IUSC.
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Considerações finais
Um olhar interessado à visita domiciliarna formação de médicos
Na revisão bibliográfica sobre a visita domiciliar como estra-tégia pedagógica no Brasil, observaram-se distintas e ricas propo-sições que enfatizavam as questões aqui trabalhadas. Emborao diálogo com a literatura precise ser ampliado, constataram-se
poucas referências sobre o tema. Verifica-se que parece haver umadireção a ser explorada e que diversas escolas médicas vêm parti-lhando esse caminho de forma semelhante, ou seja, os cursos deMedicina, apoiados por políticas públicas nacionais, vêm buscandose adequar às DCNs propostas para os cursos da área da saúde e aocompromisso social com o SUS e, como parte dessa proposta, têminvestido na realização de visitas domiciliares.
Disciplinas ou currículos inovadores que utilizam a VD comoampliação dos cenários de práticas e, também, como forma de apro-ximação com a população, contribuem para a compreensão doprocesso saúde-doença e o contexto de vida das pessoas. A contri-buição para o desenvolvimento dessas ações busca “desvelar ocaminho para se assumir o princípio da integralidade, especial-mente na dimensão da boa prática profissional, como um orien-
tador das práticas em saúde e da formação profissional” (Marinet al., 2010, [s.p.]).
Sistematizar, a partir do relato, da reflexão, da percepção e dis-cussão sobre a VD, e socializar essa experiência de trabalho podesignificar algo muito “produtor de conhecimento e de apropriaçãodesse saber/fazer, desse modo de refletir sobre o cotidiano de tra-balho” (Lauer, 2010), no desenvolvimento da pesquisa que, ao
mesmo tempo que aqui foi sendo sistematizada, permitiu levantarinúmeras questões para o desenvolvimento da própria práticapedagógica na IUSC.
Pôr em prática os princípios de uma VD dialógica e que expõea necessária habilidade comunicacional, conflitos e contradições
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 225
entre o visitador estudante e a família visitada é lançar-se em um“universo dinâmico, composto por uma complexa diversidade
de saberes e modos de existir, é transitar entre os poderes insti-tuídos, produzindo questionamentos onde caberiam apenas cer-tezas” (Lauer, 2010). É poder, a cada novo problema identificado,recriar cotidianamente novos modos de fazer saúde.
A visita domiciliar é uma estratégia pedagógica que permiteaos alunos refletir sobre a necessidade de mudança do modelo deatenção à saúde, pois podem se considerar características impor-
tantes que “transcendem a lógica do atendimento voltado para adoença e centrado na queixa principal de ordem biológica. Eviden-ciam-se, também, predicativos de ações inerentes ao princípio dahumanização e do cuidado centrado no usuário e sua família”(Marin et al., 2010, [s.p.]).
A VD na IUSC é, assim, considerada uma atividade pedagó-gica e assistencial, uma vez que permite interferir na relação entreusuários, estudantes e profissionais, professores e serviços, seja nocaráter educativo, com o próprio diálogo que se vai construindo,seja constatando ausências e necessidades não acolhidas pelas uni-dades e que são reveladas pelos estudantes para que se transformemem ação.
O que se busca na formação do profissional da área da saúde,atualmente, é um processo formativo mais contextualizado, queconsidere a relação da teoria e da prática, ou vice-versa, instrumen-talizando os futuros médicos para enfrentarem os problemas doprocesso saúde-doença da população.
Criar e potencializar espaços de discussão sobre o fazer e comofazer uma VD significativa na formação médica pode possibilitarque conflitos existentes em relação a seu valor, na graduação, sejam
expostos e, assim, possam ser ressignificados e reconstruídos.
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8 O CADERNO DE CAMPO:
UM INSTRUMENTO DE AVALIAÇÃO
FORMATIVA NA DISCIPLINA IUSC III
Daniele Cristina Godoy
Antonio Pithon Cyrino
Vanessa dos Santos Silva
A IUSC III direcionada ao 3o ano de graduação médica possui
um caráter eminentemente prático e tem como atividade principala consulta médica supervisionada, orientada pelos princípios daintegralidade e da humanização do cuidado, de usuários adultosde UBSs/USFs do município de Botucatu. A vivência proporcio-nada aos alunos pela IUSC III permite a prática da consulta médicaorientada para além do diagnóstico e da conduta, ou seja, buscasensibilizar o aluno para “cuidar do sujeito doente e não somente
da doença do sujeito” (UNESP, 2010), tendo o ensino da “ClínicaAmpliada” como proposta pedagógica da disciplina.
São objetivos específicos da disciplina IUSC III: a formaçãomédica orientada para uma prática clínica que respeite as especifi-cidades e necessidades de cada usuário; a ampliação da prática deregistro em prontuários, tornando-o mais completo, com informa-ções que contemplem a história psicossocial dos usuários; a inte-
gração dos conhecimentos de semiologia e raciocínio clínico pormeio da consulta médica supervisionada (UNESP, 2012).
Os alunos são divididos em grupos pequenos de quatro a seisalunos, cada qual sob a supervisão de um professor tutor. O con- junto de professores tutores do 3o ano da IUSC é formado por
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médicos do Hospital das Clínicas ou da Faculdade de Medicinae mé dicos da Secretaria de Saúde do município que atuam na
atenção primária no Programa de Saúde da Família ou nas unidadesbásicas de saúde.
Os diferentes professores tutores e os coordenadores do pro-grama, desde o início de sua idealização, já buscavam uma meto-
dologia de avaliação formativa capaz de auxiliar o aluno no seupróprio aprendizado, trazendo um aspecto mais reflexivo à sua prá-tica; que pudesse ser um instrumento para os tutores acompa-
nharem o aprendizado do aluno, tornando-os capazes de identificaras dificuldades do estudante a tempo de serem superadas, e mos-trasse o desenvolvimento de cada indivíduo ao longo da disciplina.Por ser uma disciplina inserida num currículo tradicional, a cons-trução de um portfólio não foi, inicialmente, considerada possível,mas já se entendia que seria necessária a mescla de diversos instru-mentos para atingir os objetivos avaliativos imaginados.
Dentre os instrumentos analisados, pensou-se em uma fichade avaliação que pudesse ser aplicada pelo tutor, a cada aluno, logoapós a atividade do dia. Esse instrumento foi baseado principal-
mente nos objetivos da disciplina e na capacidade de o aluno, indi-vidualmente, se aproximar do objetivo proposto, sendo possívelclassificar sua atividade em insatisfatória, satisfatória ou plena-mente satisfatória.
Para auxiliar no caráter reflexivo do aluno ante a atividade queacabara de desenvolver, assim como sua capacidade de autoava-liação, optou-se por estimular o uso de um diário de campo.
Analisando inicialmente a avaliação na educação superior, emseguida revisando a avaliação na graduação em Medicina, este capí-tulo se propõe a discutir o diário de campo – caderno do aluno –
como um instrumento de avaliação formativa utilizado na disciplinaIUSC III, como uma de suas estratégias pedagógicas. Traz infor-mações a respeito do seu uso na disciplina e ressalta a potenciali-dade desse instrumento para o processo de ensino-aprendizagem.
O presente capítulo apresenta dados obtidos da dissertação de
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 233
mestrado em Saúde Coletiva pelo Departamento de Saúde Públicada FMB − UNESP que, através da análise temática de conteúdo das
narrativas do caderno do aluno, buscou identificar, descrever eanalisar os principais temas tratados pelos alunos em seus cadernose, por fim, analisar o diário como potencial instrumento de ava-liação formativa do aluno.
A avaliação na educação superior
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de1996, definiu que a avaliação educacional no país seja: contínua ecumulativa, que os aspectos qualitativos da avaliação se sobrepo-nham aos quantitativos, destacando a importância que deve serdada ao desempenho do aluno ao longo do ano e não somente emuma prova ao final do curso ou da disciplina. Esse modelo de ava-
liação é conhecido por avaliação formativa. O que se espera é queesse modelo proposto desestimule a avaliação tradicional (somativaou classificatória) no meio educacional.
No entanto, a avaliação somativa ainda é a mais empregada noensino superior, tendo como características a centralização no pro-fessor e na verificação do desempenho dos alunos – por meio deprovas e contabilização de resultados (Romanowski, 2006); prio-rizar os acertos obtidos e desvalorizar os erros (enquanto indica-tivos das dificuldades a serem superadas); limitar-se a verificar osresultados obtidos pelos alunos, o que estimula o aluno a estudarpara tirar nota e não para aprender (Mendes, 2005).
A avaliação formativa, também considerada um processo de re-gulação permanente por aquele que aprende (Bonniol; Vial, 2001),
é aquela realizada regular e periodicamente, ao longo do processoeducacional, acompanhando o desenvolvimento do aluno nesse pro-cesso de ensino-aprendizagem, sem desconsiderar os erros e difi-culdades do aluno, os quais devem ser alvo de correções efetivas.Caracteriza-se por ser democrática, holística, emancipatória, cons-
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tantemente diagnóstica, centrada na confiança mútua entreprofessor e aluno e, em vez de causar medo, despertar confiança
(Moura, 2007).O emprego da avaliação formativa no ensino superior é objeto
de muita resistência por parte de professores e alunos, e, embora ateoria avaliativa tenha tido grandes avanços, a prática avaliativapouco evoluiu, conservando muitas características da avaliação so-mativa (Perrenoud, 1999).
A avaliação do estudante de Medicina
Falar em mudanças no ensino médico implica não só reco-nhecer a necessidade de novas estratégias de ensino-aprendizagem,como também assegurar a coerência dos projetos de reforma comos pressupostos ético-políticos e técnicos da saúde no país. Não émais possível promover a formação do médico fora do contexto doSUS, utilizando estruturas tradicionais de ensino, de currículosfragmentados, com disciplinas não integradas e sem considerar asexperiências do aluno como parte integrante do eixo da aprendi-zagem (Gomes et al., 2010).
Nesse contexto, ressaltam-se questões relativas à avaliação doprocesso de ensino-aprendizagem, com vistas à formulação denovos métodos capazes de superar a orientação somativa ou classi-
ficatória prevalente, ainda hoje, na avaliação educacional.A avaliação do estudante de Medicina cumpre um papel
fundamental na sua formação, embora os métodos usualmente uti-lizados, quase sempre somativos, de caráter punitivo ou de pre-miação, tenham causado uma imagem negativa das práticas deavaliação e provocado distorções no processo de ensino-aprendi-zagem. Isso porque o processo de avaliação deve abranger não só o
conhecimento adquirido, como também as habilidades específicase elementos de ordem afetiva, como atitudes diante dos inúmerosaspectos da prática profissional (Trocon, 1996).
Feuerwerker (2002) levanta problemas comuns na avaliação daaprendizagem nas escolas médicas, como: a avaliação de caráter
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cognitivo ao final das disciplinas (valorizando a memorizaçãodos conteúdos teóricos), a valorização da prova como método ava-
liativo e o estímulo à competitição entre os estudantes.Gomes et al. (2010), ao discutir as necessidades de mudança
no ensino médico, destacam o papel da avaliação como elemento deação transformadora e como grande colaboradora para o sucessodas metodologias ativas, dentre as quais se destacam, na área dasaúde, a problematização e a aprendizagem baseada em problemas.O que se pretende nesse contexto é que a avaliação deixe ser um
mero espaço para o exercício de poder, passando a ser utilizadacomo um espaço dialógico entre o avaliador e o avaliando, que con-sidere as particularidades dos sujeitos envolvidos e, dessa forma,ocupe um lugar como método promotor da aprendizagem.
Autores propõem para a avaliação do estudante de Medicina ouso do método formativo e apontam como uma de suas caracterís-ticas fundamentais o retorno imediato que deve ser fornecido aoestudante, considerado um aspecto fundamental da aprendizagem eque, no contexto da clínica, ao se referir ao desempenho dos alunosem determinadas situações ou atividades, contribui para uma auto-percepção do aluno, bem como a possibilidade de se autoavaliar(Trocon, 1996; Zeferino, 2007).
Para Dolores Araújo (2006), um dos caminhos para se pro-mover mudanças na educação médica é investir em transformaçõesno campo da avaliação, a qual representa um elemento de fun-
damental importância para o aprimoramento do processo deensino-aprendizagem.
O caderno de campo como instrumento deavaliação formativa
Quando se fala de instrumentos de avaliação formativa, reco-mendam-se aqueles que a tornem um processo contínuo, dialógico,diagnóstico e participativo, contribuindo para a responsabilizaçãodo estudante com a sua educação e permitindo às instituições termelhor acompanhamento dos mesmos (Silva, 2006).
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Com relação aos instrumentos mais indicados para um pro-cesso de avaliação nos moldes formativos, há um consenso entre os
pesquisadores sobre o assunto de que não há um método perfeito enenhum deles deve ser usado isoladamente (Moura, 2007; Domin-gues et al., 2010). A disciplina IUSC III busca uma metodologia deavaliação formativa e utiliza como um de seus instrumentos o diáriode campo – caderno do aluno.
O caderno do aluno foi inspirado no diário de campo da pes-quisa etnográfica, e como tal é um valioso instrumento de coleta na
pesquisa qualitativa, dada a possibilidade de registro de impressões eopiniões no cotidiano de uma determinada vivência, podendo poten-cializar o exercício da escrita e da reflexão e se constituindo numafonte infinita de produção de sentidos (Pinho; Molon, 2011).Outra forma de ser utilizado, como aconteceu na pesquisa referen-ciada no início do capítulo, é para o “registro das observações,comentários e pensamentos reflexivos, podendo ser usado de ma-
neira individual pelo profissional, pesquisador e aluno” (Falkem-back apud Pinho, 2011, p.2).
O caderno do aluno é também considerado um instrumentomuito apropriado como parte de um processo técnico e pedagógicoque leva à reflexão e análise da realidade vivenciada no cotidianoprofissional (Lima et al., 2007).
O seu uso na área de ensino-aprendizagem no processo de for-
mação de profissionais da saúde o torna um instrumento muito va-lioso, não só pelo seu papel como instrumento avaliativo do referidoprocesso, mas pelo seu comprometimento com a aprendizagem re-flexiva e com o desenvolvimento da competência narrativa doaluno (Araújo et al., 2006; Freitas et al., 2006).
Na disciplina IUSC III se estabeleceu o uso do diário de campopara o registro diário das reflexões do aluno sobre as atividades rea-
lizadas como uma das estratégias pedagógicas da disciplina, sendoo mesmo um instrumento de avaliação formativa para alunos e pro-fessores da disciplina.
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A avaliação formativa e o diário de campo nadisciplina IUSC III
A avaliação do desempenho dos alunos na disciplina IUSC IIIé processual e diversificada no que diz respeito aos instrumentosavaliativos. O diário de campo vem sendo utilizado para o registrodas vivências do aluno, tendo se mostrado um rico instrumento deavaliação formativa e autoavaliação do aluno, o qual é incentivado aresponder, ao final da atividade proposta, as seguintes questões
norteadoras: 1) O que aprendeu na consulta médica (ou na ativi-dade) de hoje? 2) Quais as dificuldades que encontrou nesta prá-tica? 3) O que achou motivador na prática de hoje? O aluno podeinserir, a partir dessas questões, outras temáticas reflexivas. Nessediário, os alunos relatam suas experiências vivenciadas na atenção àsaúde prestada na disciplina. Como tal, o diário “permite acompa-nhar as atividades do aluno e a atuação didática dos professores,
fornecer subsídios para a avaliação do desempenho dos estudantes,apoiar processos de reformulação da prática pedagógica a partir do
feedback dos discentes e funciona para o aluno como um instru-mento de autoavaliação” (Araújo et al., 2006).
O caderno do aluno, na disciplina IUSC III, deve ser utilizado,obrigatoriamente, desde o primeiro dia de atividade nas unidadesde saúde. Esse caderno, no decorrer da disciplina, fica com o aluno
ou o tutor do grupo e, ao final da disciplina, é encaminhado paraarquivamento no Núcleo de Apoio Pedagógico (NAP) da FMB.
Com o intuito de analisar o conteúdo dessas anotações, foi ela-borado um projeto de pesquisa, aprovado no comitê de ética, e seusresultados serão apresentados a seguir. Foi utilizada a metodologiade avaliação qualitativa, com leitura, classificação e seleção pelopesquisador. A classificação se deu considerando a qualidade dos
registros, quanto à densidade de expressão das vivências do coti-diano das atividades da disciplina relativas ao próprio aluno, ao pa-ciente e ao tutor. Assim, foram incluídos no estudo os cadernos queapresentavam uma maior densidade de expressão das vivências, eforam excluídos aqueles preenchidos de maneira inadequada,
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muito mecânica, como se fosse uma transcrição do prontuário nocaderno, sem anotações das suas percepções referentes àquela
atividade.Numa apreensão qualitativa do conjunto de cadernos estu-
dados, verificou-se que os mesmos tinham cerca de trinta páginasde registros, que se referiam às percepções dos alunos relativas àsatividades vivenciadas, o envolvimento do tutor e muitas vezes co-mentários relativos ao seu próprio desempenho. As narrativascompunham-se de registros contemplando as perguntas nortea-
doras já citadas, sendo geralmente mais curtas no início do cadernoe tornando-se mais detalhadas, longas e mais ricas em impressões,percepções e sentimentos a partir do início das consultas médicassupervisionadas.
Os registros estavam homogêneos quanto à cronologia de seuconteúdo, coerentes com o cronograma de atividades da disciplina,qual seja: reconhecimento da unidade de saúde, sua equipe e área
de abrangência; acompanhamento da consulta clínica realizadapelo tutor; realização da consulta clínica com os colegas e posterior-mente sozinhos; participação em visitas e atendimentos domici-liares com a equipe da unidade e em atividades de discussão de caso.
Dentre muitos aspectos destacados das narrativas no cadernodo aluno, aqui ressaltaremos aqueles que o caracterizam como uminstrumento avaliativo na disciplina, que são as descrições sobre
as habilidades adquiridas, as facilidades e dificuldades do aluno nasatividades propostas, além da avaliação da disciplina. Esses sãoaspectos que estão inseridos dentro do eixo temático identificadona análise dos cadernos como Percepções sobre a Aprendizagem.
Análise do caderno do aluno na
disciplina IUSC III como um instrumentode avaliação formativa
O eixo temático Percepções sobre a Aprendizagem é compostopor narrativas referentes às vivências e reflexões cotidianas sobre o
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aprendizado experimentado na disciplina IUSC III, bem comosobre as estratégias utilizadas pela disciplina para o desenvolvi-
mento do processo de ensino-aprendizagem. Destacando-se quetais registros foram provocados por algumas das questões pro-postas aos alunos no preenchimento do diário: o que aprendi naconsulta médica ou na atividade de hoje? Quais as dificuldades queencontrei na consulta médica ou na atividade de hoje?
Na leitura dos cadernos é possível perceber o quanto o alunotrata do seu aprendizado, direta ou indiretamente, em suas narra-
tivas. O aluno traz importantes informações do seu aprendizado,expondo as facilidades e dificuldades nesse processo, o que de-monstra a potencialidade do caderno de campo como parte de umprocesso de autoavaliação.
O aprendizado, as habilidades adquiridas e desenvolvidas sãoquestões muito presentes nas narrativas:
Aprendi a diferenciar causas pulmonares e cardíacas de dispneia(ou pensar sobre as diferenças entre tais causas). Aprendi a fazer
uma anamnese com queixas psiquiátricas. A direcionar o exame
físico especificamente para a queixa de uma consulta extra; a in-
vestigar uma massa abdominal e sua relação com Ca de cólon; a
remover um cisto e a operar uma unha encravada; a colher papani-
colau; a fazer uma consulta de puericultura; a elaborar uma hipó-
tese diagnóstica e a antecipar achados do exame físico. (57F10)
Demos continuidade à rotina de atendimentos, o que nos permitiu
continuar a desenvolver as habilidades comunicacionais e a adquirir
cada vez habilidade para o atendimento, o relacionamento com o
paciente, o raciocínio clí nico, o desenvolvimento de hipóteses diag-
nósticas e condutas. (68M1)
As narrativas que trazem questões referentes ao aprendizadona disciplina contemplam o progresso do aluno na abordagem clí-nica, seja com descrições mais genéricas ou singulares dessa vi-vência, como se observa nos exemplos a seguir:
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Também aprendi um pouco sobre muitas coisas que ainda não ti-
vemos no currículo da faculdade. No começo o atendimento na
IUSC parece muito precoce por sabermos somente o básico da se-miologia, patologias e também Farmacologia. Mas, ao longo do
ano, vamos aprendendo um pouco sobre várias coisas e os casos
passam a fazer mais sentido para que possamos pensar em hipóteses
diagnósticas e condutas. (68M10)
Aprendi como é importante fazer as orientações corretas para o pa-
ciente. (56M10)
As narrativas também contemplam as dificuldades na ativi-dade do dia, constituindo-se em uma oportunidade para o aluno seautoavaliar, reconhecendo o que está difícil e precisa ser melho-rado, e ao tutor, a possibilidade de agir sobre as limitações do aluno:
Algumas dificuldades encontradas envolvem a inexperiência em re-lação à anamnese, então às vezes confundo a ordem dos questiona-
mentos e perco o fator organização. Acredito que o tempo e a
prática ajudarão a solucionar este problema. (41M10)
Ressalto como dificuldade da experiência de hoje, a questão de dar
uma boa orientação ao paciente sobre como administrar a medicação,
pois pode haver dificuldade na comunicação entre profissional desaúde e paciente. (55M10)
É explícito nas narrativas o sentimento de insegurança pre-sente nas primeiras consultas, que progressivamente vão se trans-formando em declarações mais seguras, dando ao tutor uma visãodo desenvolvimento do aluno durante a disciplina no que se refere
ao seu desempenho na atividade:
Como dificuldade de hoje, eu cito apenas lembrar-se de todos os
passos da anamnese e do exame físico (ainda usei bastante o guia),
pois a insegurança de não ter o professor do lado está sendo substi-
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tuída por uma sensação de estar mais à vontade, mais acostumado,
quando fazendo uma consulta. (65M09)
Acredito que a atividade de hoje foi muito proveitosa, pois fizemos
uma anamnese ampliada, e fomos capazes de perceber diversos as-
pectos da vida da paciente (principalmente psicológicos e emocio-
nais) que podem estar envolvidos no aparecimento e evolução dos
sintomas. (32F10)
Fiquei perdida na primeira consulta [...] Na segunda fiquei um pouco
mais à vontade [...] Mas, ainda assim, me sinto muito insegura para
atender pacientes, tenho a impressão de que não sei nada e que
posso passar alguma informação importante tanto na anamnese
quanto no exame físico. (20F10)
Foi possível observar na análise dos cadernos que, ao narrar
suas experiências diárias, o aluno o faz de forma bastante reflexivae crítica, descrevendo suas vivências com riqueza de detalhes. Namaioria dos cadernos, suas inseguranças, facilidades, dificuldades,potencialidades e limitações estão expressas de maneira bastanteclara. O fato de relatar esses sentimentos e sensações ao longo dodesenvolvimento da disciplina, e poder recuperá-los pela leiturado caderno, propicia ao aluno perceber seu crescimento, reconhecer
o processo e adquirir segurança nas atividades exercidas.Ressalte-se que essas são informações de extrema importância
para o acompanhamento do processo de ensino-aprendizagem,que, se não fosse assim, dificilmente apareceriam em um processoavaliativo de caráter somativo.
Além das questões relativas ao seu aprendizado técnico e cog-nitivo, em suas narrativas o aluno também expõe situações de difi-culdade de relacionamento com os colegas e pacientes, o que talveznão expusessem em uma discussão aberta, e que estão diretamenterelacionadas ao seu desempenho na disciplina.
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Consultamos um paciente bastante idoso que tinha dificuldades
para falar devido aos esquecimentos. Foi bastante difícil para mim
por falta de paciência. Quando descobri que ele tinha mentidosobre outra família que ele tinha em São Manuel, me senti muito
incomodado. (62M09)
Fiquei triste com os problemas de hoje. Senti que não consegui passar
confiança necessária à paciente. Talvez minha estratégia tenha sido
errônea. Espero corrigir estes erros em atendimentos futuros.
(93F10)
Tive muita dificuldade para trabalhar em dupla, já fiz dois atendi-
mentos em dupla, talvez seja melhor fazer o próximo sozinha,
para ver como me saio. (45F09)
Relatos como esses dão uma real impressão dos sentimentos
que permeiam a atividade clínica, especialmente no seu início, etêm um potencial grandioso para discussão com o grupo de alunos.Certamente, esse potencial será mais bem utilizado de acordo coma capacitação e o olhar de cada tutor.
Ao utilizar o caderno do aluno na disciplina, o estudante faz,também, comentários sobre a disciplina e suas contribuições para oseu crescimento profissional.
As aulas do IUSC foram bem proveitosas, pois pudemos pôr em
prática nossos aprendizados sobre anamnese e exame físico, além
de conviver um pouco mais com os casos de pacientes. A maior
qualidade do IUSC nessa prática é a proximidade que temos com o
médico da unidade para tirar nossas dúvidas e discutir os casos.
Acredito que isso é determinado pela disponibilidade do médico
no momento da aula e pelos grupos serem pequenos. (11F10)
Logo foi uma oportunidade ímpar de ter um contato mais próximo
com o dia a dia da prática médica, especialmente com a rotina dos
atendimentos, que até então não tínhamos experienciado. (35F09)
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Embora menos frequente, em suas narrativas, o aluno tambémtraz algumas críticas e sugestões à disciplina, que podem ser inter-
pretadas de maneira positiva e contribuir para o desenvolvimentoda mesma.
Fomos apresentados aos objetivos da disciplina. [...] Conhecemos
também o material de apoio. [...] Sugestão: acredito que aproximar
as aulas de apresentação (estas quatro aulas do primeiro semestre)
das aulas do segundo semestre seria mais proveitoso. (24F09)
A dificuldade hoje foi o fato de terem sido agendados dois pacientes
para o mesmo horário. Também o número de salas da unidade foi
muito reduzido. (68M10)
O diário de campo ou caderno do aluno na disciplina IUSC IIItem um valor muito grande no que se refere ao seu uso como um
instrumento de avaliação formativa. As narrativas do aluno em seucaderno permitem-nos acompanhar o seu desenvolvimento no co-tidiano da clínica.
Segundo Mourão et al. (2009), a avaliação formativa é aquelarealizada durante todo o processo de ensino-aprendizagem, permi-tindo o acompanhamento longitudinal e individual dos estudantes(Gomes et al., 2010). Essa é uma das características fundamentais
do diário de campo, que, através das narrativas que são feitas dia-riamente, nos permite essa visualização linear e horizontal dodesempenho do aluno.
Diferentes autores também defendem a autoavaliação comoparte da avaliação formativa (Domingues et al., 2007; De Sordi,2000; Moura, 2007), considerando o seu papel na valorização daperspectiva daquele que aprende (Mendes et al., 2005). O que fica
muito evidente no caderno do aluno quando, em muitos momentos,o mesmo descreve o seu desempenho, identifica os seus erros eacertos e imediatamente propõe estratégias: “Preciso estudar mais”.
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Considerações
Pode-se concluir, com o presente estudo, que o diário de campo – caderno do aluno − na disciplina IUSC III tem um grande poten-cial nesse cenário de ensino-aprendizagem para os diversos atoresenvolvidos: alunos, tutores e equipe de coordenação, represen-tando para cada um deles um papel significativo e singular.
Para o aluno, o diário de campo tem um significado ímpar noprocesso de ensino-aprendizagem, ao mesmo tempo que lhe pro-
porciona o desenvolvimento da escrita e lhe permite que, ao des-crever seu aprendizado e seu crescimento, também faça reflexõessobre o referido processo ao longo da disciplina, bem como sobre asdificuldades e enfrentamentos. Tal método abre espaço ao alunopara a prática da autoavaliação.
Ao tutor, o caderno dá a oportunidade de acompanhar o de-sempenho diário do aluno nas atividades propostas. Mas, quando se
verifica a grande diferença na qualidade dos registros apresentadospelos diferentes diários, é possível inferir que a capacitação dotutor, sua apreensão do potencial reflexivo, de avaliação formativae autoavaliação dos diários interferirá diretamente na construção desuas potencialidades ao longo do desenvolvimento da disciplina.Este estudo, juntamente com a avaliação da disciplina na visão doaluno, sugere que a construção desse conceito de diário de campo
como estratégia pedagógica ainda está em desenvolvimento, neces-sitando de aprimoramentos e reflexões por parte dos tutores ecoordenação.
O conteúdo temático dos cadernos, por sua riqueza, pode seconstituir num importante recurso para que a equipe de coorde-nação da disciplina trabalhe o processo de supervisão e formação dedocentes no desenvolvimento e aperfeiçoamento das estratégias
pedagógicas da disciplina.
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SOBRE OS AUTORES
ANTONIO PITHON CYRINO é médico sanitarista, com mestrado e dou-
torado em Medicina Preventiva pela Faculdade de Medicina da Univer-
sidade de São Paulo e pós-doutorado em Antropologia Social peloPrograma de Pós-Graduação em Antropologia Social da UnB. Professorassistente doutor do Departamento de Saúde Pública e do Programa de
Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da Univer-
sidade Estadual Paulista. Editor da revista Interface − Comunicação,
Saúde, Educação desde 1997. Foi diretor do Centro de Saúde Escola da
Faculdade de Medicina de Botucatu.
ELIANA GOLDFARB CYRINO é formada em Medicina pela Faculdade de
Medicina de Jundiaí, em 1982. Fez residência médica em Medicina Pre-
ventiva e Social na FMB − UNESP. Mestre em Medicina (Medicina
Preventiva e Social) pela FMUSP (1994). Mestre em Educação para Pro-
fissionais de Saúde, University of Illinois, EUA (2000). Doutora em Pe-
diatria pela FMB − UNESP (2002). Tem especialização em Formação de
Ativadores de Processos de Mudança na Educação Superior de Profissio-
nais de Saúde, pela Escola Nacional de Saúde Pública, Ministério daSaúde (2006). É professora do Departamento de Saúde Pública da FMB
− UNESP. Participa da equipe de coordenação da implementação do
ensino na atenção básica e na comunidade da FMB. É membro do Núcleo
de Apoio Pedagógico da FMB. Coordena o programa PET-Saúde da
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248 ANTONIO P. CYRINO • DANIELE GODOY • ELIANA G. CYRINO
FMB. Participa do Programa Faimer Brasil. Participa do Projeto Grupo
de Mulheres do Jardim Peabirú, que articula saúde à educação popular. É
editora associada da revista: Interface − Comunicação, Saúde e Educação.Diretora do Programa da Secretaria do Trabalho e da Educação na Saúde
(SEGTES) do Ministério da Saúde.
CÁSSIA MARISA MANOEL é enfermeira graduada na Escola de Enfermagem
de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP). É mestre e dou-
tora em Saúde Coletiva pela Faculdade de Medicina de Botucatu –
UNESP, onde atua no Centro de Saúde Escola e Departamento de
Enfermagem. Participa da coordenação das disciplinas IUSC e é docente
da mesma desde 2004 até a presente data.
MARIA R EGINA PIRES ULIANA possui graduação em Medicina pela Facul-dade de Medicina de Sorocaba PUC-SP (1992). Residência médica em
Pediatria Geral e Social pela UNESP/Botucatu. Mestrado em Saúde Pú-
blica na área de Educação Médica também pela UNESP/Botucatu. Atua
na área de Pediatria, com atendimento clínico de crianças e adolescentesem consultório, ambulatórios, enfermaria e maternidade e na gestão e de-
senvolvimento de projetos para UBSs, creches e escolas. Nos últimos
anos, vem trabalhando como professora de graduação médica e de resi-
dentes de Pediatria. Atualmente, é gestora hospitalar nas áreas de planeja-
mento ambulatorial e gestão da informação do Hospital Estadual Bauru.
R ENATA MARIA ZANARDO R OMANHOLI possui graduação em Pedagogia
pela Unifac − Associação de Ensino de Botucatu (1999). Aprimoramento
em Saúde Escolar – FMB − UNESP. Mestre em Saúde Coletiva pela
FMB − UNESP. Atualmente, é doutoranda do Programa de Pós-Gra-
duação em Saúde Coletiva da FMB − UNESP. É pedagoga do Núcleo de
Apoio Pedagógico da FMB − UNESP. Tem experiência na área de edu-
cação, com ênfase em saúde, atuando principalmente nos seguintes temas:
educação médica, comunidade, universidade, interação e ensino médico.
TIAGO R OCHA PINTO graduou-se em Psicologia (2003) pela Faculdade de
Ciências da UNESP/Bauru. Especialização em Violência Doméstica
contra Crianças e Adolescentes pela USP (2003). Aprimoramento profis-
sional em Saúde Pública (2004). Mestrado em Saúde Coletiva (2007).
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 249
Residência multiprofissional em Saúde da Família (2010). Doutorado em
Saúde Coletiva pela FMB − UNESP. É professor no Instituto Municipal
de Ensino Superior de São Manuel (Imes), professor substituto no Depar-tamento de Saúde Pública da FMB − UNESP e orientador de aprendi-
zagem no curso de Especialização em Docência na Saúde pela UFRGS.
MARINA LEMOS VILLARDI concluiu o curso de Pedagogia na UNESP/
Bauru em 2007. Realizou aprimoramento em Saúde Escolar pela FMB −
UNESP em 2008, onde trabalhou com crianças com dificuldades esco-
lares, desenvolvendo atividades lúdicas no contexto escolar, assessorando
professores e profissionais da saúde que atendiam crianças com baixo ren-
dimento escolar. Concluiu o mestrado em Saúde Coletiva na UNESP/Botucatu em 2011, onde estudou as ações desenvolvidas pela Estratégia
da Saúde da Família voltadas à saúde da criança em idade escolar. Em
2014, concluiu o doutorado em Saúde Coletiva pela FMB − UNESP, pes-
quisando práticas de ensino que utilizam metodologias problematiza-
doras. Atualmente, trabalha como coordenadora pedagógica no curso de
Pedagogia da Faculdade Sudoeste Paulista (FSP) – Avaré –, atuando comodocente nos cursos de Pedagogia, de Biomedicina e Farmácia, onde tra-
balha com interação comunitária.
NEUSI APARECIDA NAVAS BERBEL é graduada em Pedagogia pela Univer-
sidade Estadual de Londrina (1971), mestra em Educação pela Universi-
dade Federal Fluminense (1982) e doutora em Educação pela Universidadede São Paulo (1992). É professora associada da Universidade Estadual de
Londrina. Tem experiência na área de educação, com ênfase em ensino
superior, atuando principalmente nos seguintes temas: ensino superior,
metodologia da problematização com o arco de Maguerez, avaliação da
aprendizagem, saberes pedagógicos e formação de professores.
DANIELE CRISTINA GODOY possui graduação em Fisioterapia pela Univer-
sidade Estadual de Londrina (1999). Especialização em Fisioterapia Neu-
rológica pelo Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium (Cucsa),2005. Mestre e doutoranda em Saúde Coletiva pela FMB − UNESP. Fi-
sioterapeuta do Centro de Saúde Escola – Unidade Auxiliar da FMB –
UNESP desde 1999. Atuou de 2008 a 2013 como preceptora da Residência
Multiprofissional em Saúde da Família da Faculdade de Medicina de
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Botucatu e atualmente é preceptora da residência multiprofissional em
saúde do adulto e do idoso – FMB − UNESP, tutora da disciplina IUSC.
VANESSA DOS SANTOS SILVA possui graduação em Medicina pela FMB –
UNESP, residência médica em Clínica Médica e Nefrologia pela mesma
universidade. Doutorado em Fisiopatologia em Clínica Médica (Departa-
mento de Clínica Médica) pela UNESP em 2008. Médica contratada do
Hospital das Clínicas da FMB – UNESP desde 2003, com atuação em
Nefrologia Clínica. Tem especialização em Formação de Ativadores de
Processos de Mudança na Educação Superior de Profissionais de Saúde,
pela Escola Nacional de Saúde Pública, Ministério da Saúde, em 2006.
Atua na capacitação de profissionais de saúde da região em cursos e pro-
jetos de extensão, e como tutora do programa Integração Universidade
Ensino Comunidade no seu terceiro ano da graduação em Medicina desde
a criação da proposta.
VICTÓRIA ÂNGELA ADAMI BRAVO é formada em Pedagogia (2009) e Edu-
cação Especial (2010) pela Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara− UNESP. Possui aprimoramento em Saúde Escolar (2011) pela FMB −
UNESP e atualmente é mestranda em Saúde Coletiva na mesma insti-
tuição.
MARIA ANTONIA R AMOS DE AZEVEDO possui graduação em Pedagogia pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1989). Mestrado em Edu-
cação pela Universidade Federal de Santa Maria (1997). Doutorado emEducação pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado em Pedagogia
Universitária na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2011). Atual-
mente, é professora assistente II na área de Didática no Departamento de
Educação da UNESP/Rio Claro. Tem experiência em docência em todos
os níveis da educação básica e no ensino superior (inclusive na Purdue
University), em cargos de gestão (assessoria na Pró-Reitoria de Graduação)
e em coordenação pedagógica e orientação pedagógica. É credenciada no
Programa de Pós-Graduação em Educação na UNESP/Rio Claro na linhade pesquisa Formação de Professores e o Trabalho Docente. É líder no
Grupo de Estudos e Pesquisa em Pedagogia Universitária (Geppu) no
CNPq.
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SAÚDE, ENSINO E COMUNIDADE 251
PAULO MARCONDES CARVALHO JUNIOR é médico, concluiu o mestrado e o
doutorado em Engenharia Biomédica pela Faculdade de Engenharia Elé-
trica e Computação da Universidade Estadual de Campinas, o mestradopelo Departamento de Educação Médica da Faculdade de Medicina da
Universidade de Illinois em Chicago. Atualmente é professor da Facul-
dade de Medicina de Marília (Famema), na disciplina de Informática em
Saúde e docente permanente do Programa de Mestrado Acadêmico Saúde
e Envelhecimento. É tutor de um subprojeto PET-Saúde 3 na temática
Urgência e Emergência em Idosos. É supervisor do Programa de Resi-
dência Médica em Medicina de Família e Comunidade da Famema. Atua
na área de saúde, com ênfase em Informática em Saúde e Educação paraProfissionais de Saúde. É professor do Programa Faimer Brasil para For-
mação Docente na Área de Saúde da Universidade Federal do Ceará.
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SOBRE O LIVROFormato: 14 x 21 cm
Tipologia: Horley Old Style MT Std 10,5/14Papel: Pólen 80 g/m2 (miolo)
Cartão Supremo 250 g/m2 (capa)1a edição: 2014
EQUIPE DE REALIZAÇÃO
Capa
Andrea YanaguitaEdição de texto
Tulio Kawata (Preparação)Fábio Storino e Sílvia Kawata (Revisão)
Editoração eletrônica
Nobuca Rachi
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