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    Copyright

    Esta obra foi postada pela equipe Le Livrospara proporcionar, de maneiratotalmente gratuita, o benefcio de sua leitura a queles que no podem compr-

    la. Dessa forma, a venda desse eBook ou at mesmo a sua troca por qualquercontraprestao totalmente condenvelem qualquer circunstncia.A generosidade e a humildade so marcas da distribuio, portanto distribua este

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    Este aqui para a Equipe Seattle

    Mark Henry, Caitlin Kittredge,

    Richelle Mead e Kat Richardson

    pois eles so o corao e a alma deste lugar.

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    AGRADECIMENTOS

    Este livro requer m uitas rodadas de agradecimentos, ento, por favor, Epermitam-me fazer uma lista.

    Obrigada minha editora, Liz Gorinsky, por suas habilidades excepcionais, pela

    pacincia incrvel e pela determ inao sem igual; obrigada equipe depublicidade da Tor, especificamente Dot Lin e Patty Garcia, am bas as quais soigualmente sensacionais; obrigada minha agente sempre incentivadora eincansvel, Jennifer Jackson.

    E obrigada equipe de casa tambm em particular, meu marido, AricAnnear, que sujeito maioria dessas histrias em excruciante riqueza dedetalhes para dissecao antes mesmo que elas estejam terminadas; minhairm Becky Priest, por ajudar a escanear todas as minhas provas de reviso e

    documentaes; a Jerry e Donna Priest,por serem meus principais torcedores; e minha me, Sharon Priest, por me manter humilde.

    Um obrigado vai para a supracitada Equipe Seattle, e aos nossos am igos DuaneWilkins, da livraria da Universidade de Washington, e o incomparvel SyndeKorman da Barnes & Noble do centro da cidade. Por falar na Barnes & Noble,tambm mando meu carinho e meus agradecimentos a Paul Goat Allen.

    Ele sabe por qu.

    E mais agradecimentos devem ser dispensados generosamente minha

    licantropa favorita, Amanda Gannon, por me deixar usar seu nome deLiveJournal como nome de um dirigvel (ela a original Naamah Darling); aosguias da excurso Seattle Subterrnea, que sempre viviam me oferecendo umemprego por conta das tantas vezes que fiz o passeio; e minha velha amigaAndrea Jones e seus Suspeitos de Sempre, porque ela sempre me cobriuhistoricamente e m e oferece as melhores frases para usar como citaes.

    Obrigada tambm a Talia Kaye, a incrivelmente solcita bibliotecriaamante defico especulativa do Salo Seattle da Biblioteca Pblica de Seattle; a Greg

    Wild-Smith, meu intrpido webmaster; a Warren Ellis e a todos do clube; e aEllen Milne, por todos os cookies.

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    esta era de inveno, a cincia das armas fez um grande progresso. Naverdade, as invenes mais notveis tm sido criadas desde as guerras

    prolongadas da Europa no comeo do sculo, e a curta campanha italiana daFrana em 1859 serviu para ilustrar quo grande poder os engenhos dedestruies podem exercer.

    THOMAS P. KETTELL, Histria da Grande Rebelio. De seucomeo ao seu encerram ento, fornecendo um relato de sua origem,A Secesso dos Estados Sulistas, e a Formao do GovernoConfederado, a concentrao dos recursos Militar e Financeiro dogoverno federal, o desenvolvimento de seu vasto poder, olevantamento, organizao e equipagem dos exrcitos e marinhasem guerra; lcidas, vvidas e acuradas descries de batalhas e

    bombardeios, cercos e rendio de fortes, baterias capturadas etc.etc.; os imensos recursos financeiros e medidas abrangentes dogoverno, o entusiasmo e as contribuies patriticas do povo,

    juntamente com esboos das vidas de todos os eminentes estadistase comandantes militares e navais, com ndice completo. Das FontesOficiais (1862)

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    De Episdios Improvveis Na Histria do Oeste

    CAPTULO 7: O Peculiar Estado Murado de Seattle

    Obra em Progresso, de Hale Q uarter (1880)

    Trilhas no pavimentadas e irregulares fingiam ser estradas; elas uniam ascostas da nao como cadaros segurando uma bota, ligando-a com fioscruzados e dedos cruzados. E sobre o grande rio, atravessando as plancies, entreas passagens nas montanhas, os colonos abriram caminho de leste a oeste. Eles

    passaram pelas Montanhas Rochosas em conta-gotas, aos poucos, em carroese carruagens.

    Ou pelo menos foi assim que comeou.

    Na Califrnia havia pepitas do tam anho de nozes cadas no cho ou pelomenos era o que diziam, e a verdade viaja devagar quando boatos tm asas deouro. O riachinho de humanidade se transformou num magnfico caudal. Asreluzentes margens ocidentais ficaram repletas de garimpeiros, tentando a sorte eforando suas bateias nas correntes cheias de cascalho, rezando para encontrarfortunas.

    Com o tempo, a terra foi ficando bem ocupada, e as solicitaes por novosterrenos mais tnues. O ouro saa do cho na forma de um p to fino que os

    homens que o escavavam podiam at inal-lo. Em 1850, outro boato, dourado e alado, veio voando ligeiro do norte. OKlondike, ele dizia. Venham e cortem o gelo que encontrarem por l. Umafortuna em ouro aguarda o homem que for determinado o bastante.

    A mar virou na direo das latitudes setentrionais. Isso significava coisasmuito, muito boas para a ltima parada antes da fronteira com o Canad umacidadezinha de serralherias em Puget Sound chamada Seattle, em homenagemao chefe nativo das tribos locais. O vilarejo lamacento se tornou um pequeno

    imprio quase da noite para o dia, quando exploradores e garimpeiros pararamali para fazer negcios e se abastecer de suprimentos.

    Enquanto legisladores americanos discutiam se compravam ou no o territriodo Alasca, a Rssia reduziu seus riscos e considerou o preo que pedia. Se a terraestava mesmo repleta de depsitos de ouro, o jogo mudava completamente; masmesmo que um suprimento constante de ouro pudesse ser localizado, poderia serretirado? Um veio potencial, avistado de modo intermitente, mas em grande

    parte soterrado por baixo de trinta metros de gelo permanente, daria um local desepultamento ideal.

    Em 1860, os russos anunciaram um concurso, oferecendo um prm io de

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    100.000 rublos ao inventor que conseguisse produzir ou propor uma mquina quepudesse minerar o gelo procura de ouro. E, assim, uma corrida arm am entistacientfica comeou, apesar de uma guerra civil que se iniciava ento.

    Ao longo do Noroeste do Pacfico, mquinas grandes e pequenas foram aospoucos sendo inventadas. Eram coisas engenhosas feitas para suportar o maisduro frio e o desgaste numa terra congelada que era dura como diamante.

    Eram movidas a vapor e carvo, e lubrificadas com solues especiais queprotegiam seus mecanismos dos elementos. Essas mquinas eram feitas parahomens dirigirem como carruagens, ou projetadas para escavarem por conta

    prpria, controladas por engenhosos dispositivos mecnicos de orientao.

    Mas nenhuma deles era resistente o bastante para chegar at o veio enterrado, eos russos estavam a ponto de vender a terra aos Estados Unidos por um preo queera praticamente uma pechincha... Quando um inventor de Seattle os abordoucom planos para uma mquina fantstica. Ela seria o maior veculo de

    minerao j construdo: quinze metros de extenso e inteiramente mecanizada,movida a vapor comprimido. Ela exibiria trs cabeas primrias de perfurao ecorte, posicionadas na frente do aparelho; e um sistema de dispositivos deescavao espiralados montados ao longo das partes de trs e dos lados tiraria ogelo perfurado, rochas ou terra do cam inho da perfura triz.

    Cuidadosam ente pesada e meticulosamente reforada, essa mquina podiaperfurar em um caminho vertical ou horizontal quase perfeito, dependendo doscaprichos do homem que estivesse no banco do motorista. Sua preciso seria sem

    precedentes, e seu poder definiria o padro para todos os dispositivos que viriamdepois.

    Mas ela ainda no havia sido construda.

    O inventor, um homem chamado Leviticus Blue, convenceu os russos a lheadiantarem uma soma grande o bastante para reunir as peas e financiar ostrabalhos da Incrvel Mquina Perfuratriz Boneshaker do Dr. Blue. Ele pediu seismeses, e prometeu uma exibio pblica de teste.

    Leviticus Blue pegou seu financiamento, retornou para sua casa em Seattle e

    comeou a construir a notvel mquina em seu poro. Pea a pea, ele montou odispositivo longe das vistas dos moradores de sua cidadezinha; e noite aps noiteos sons de misteriosas ferramentas e instrumentos assustavam seus vizinhos. Mas,no fim das contas, e bem antes do prazo de seis meses chegar ao fim, o inventordeclarou sua obra-prima completa.

    O que aconteceu em seguida continua sendo tem a de muitas discusses.

    Pode ter sido apenas um acidente, afinal um terrvel defeito defuncionamento, um equipamento totalmente descontrolado. Pode no ter sido

    nada alm de confuso, ou de erro de cronometragem, ou clculos malfeitos.

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    Ou, pensando bem, pode ter sido um movimento calculado, afinal, traado paraderrubar o ncleo de uma cidade com uma violncia sem precedentes eganncia mercenria.

    O que motivou o Dr. Blue talvez jam ais se saiba.

    Ele era um homem avaro sua maneira, mas no mais do que a maioria daspessoas; e possvel que ele quisesse apenas pegar o dinheiro e fugir com umpouco de dinheiro em espcie no bolso para financiar uma escapada em maiorescala. O inventor havia se casado recentemente (como no cansavam de falaras lnguas mais apressadas, a noiva era vinte e cinco anos mais nova), e muito seespeculava sobre a possibilidade de que talvez ela exercesse uma influncia emsuas decises. Talvez ela tivesse exigido pressa ou quisesse se ver casada comum marido mais rico. Ou, quem sabe, como ela sempre sustentou, no soubessenada de nada.

    O que se sabe ao certo o seguinte: na tarde de 2 de janeiro de 1863, uma coisa

    assustadora irrompeu do poro e saiu deixando um rastro de caos desde a casaem Denny Hill at o distrito comercial no centro, voltando depois casa.

    Poucas testemunhas concordam umas com as outras, e menos aindaconseguiram ter um vislumbre da Incrvel Mquina Treme-Terra. Seu curso alevou por debaixo da terra, sob as colinas, cavoucando a terra embaixo dasluxuosas casas de marinheiros ricos e magnatas do transporte martimo, sob oslamaais onde ficava a enorme serralheria, e descendo pelos corredores, porese despensas de armazns gerais, lojas de produtos para senhoras, boticas, e, sim...

    os bancos. Quatro dos maiores, que ficavam enfileirados um ao lado do outro todosesses quatro bancos foram devastados quando suas fundaes foram esmagadasat virarem polpa. Suas paredes tremeram, cederam , e desabaram .

    Seus chos caram numa imploso em form a de V quando suas fundaescaram, e ento o espao foi parcialmente preenchido com os tetos quedesabaram. E esses quatro bancos tinham trs milhes de dlares ou mais,somados, acumulados dos mineiros da Califrnia que depositavam ali suas

    pepitas e iam para o norte em busca de m ais. Dezenas de passantes inocentes foram mortos enquanto aguardavam na fila

    para fazer um depsito ou um saque. Muitos mais morreram do lado de fora, narua, esmagados pelas paredes trm ulas, quando, inclinando-se, se desprenderamde sua argamassa e despencaram com toda a fora.

    Os cidados clamaram por segurana, mas onde ela podia ser encontrada?

    A prpria terra se abria e os engolia, aqui e ali onde o tnel da MquinaPerfuratriz era raso demais para m anter at mesmo a crosta m ais fina de terra.

    A rua tremia, rolava, subia e descia como um tapete sendo sacudido antes de

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    ser batido para limpeza. Ela se movia com fora de um lado para o outro, e emondas. E para onde quer que a mquina tivesse ido, ouviam-se os sons dedesmoronamento e perfurao das passagens subterrneas deixadas pela sua

    passagem .

    Chamar a cena de desastre presta a ela um terrvel desservio. A contagemfinal de mortos nunca foi inteiramente calculada, pois s Deus sabe quantos

    corpos poderiam estar esmagados por entre os escombros. E, infelizmente, nohavia tempo para escavaes.

    Porque, depois que o Dr. Blue voltou a alojar a mquina embaixo de sua prpriacasa, e depois que os feridos foram tratados, e as primeiras perguntas indignadascomearam a ser gritadas de cima dos telhados remanescentes, uma segundaonda de horror comearia a afligir a cidade. Foi difcil para os residentes deSeattle concluir que essa segunda onda no tinha relao com a primeira, mas osdetalhes de suas suspeitas jamais foram explicados para a satisfao coletiva de

    ningum. Apenas os fatos observveis podem ser registrados agora, e talvez com o tempoum futuro estudioso possa fornecer uma resposta melhor do que a que no

    presente m omento pode ser pressuposta.

    O que se sabe isto: aps a surpreendente trilha de destruio da MquinaPerfuratriz, uma doena peculiar afligiu os trabalhadores da reconstruo queestavam mais prximos dos destroos nos quarteires dos bancos. Por todos osrelatos, essa doena acabou sendo rastreada at os tneis cavados pela Mquina

    Perfuratriz, e a um gs que saa deles. No comeo, esse gs parecia inodoro eincolor, mas com o tempo ele se acumulou a um ponto tal que podia serenxergado pelo olho humano, se visto atravs de um pedao de vidro polarizado.

    Atravs de tentativa e erro, algumas caractersticas particulares do gs foramdeterminadas. Ele era uma substncia espessa, que se movia lentamente ematava por contaminao, e seu avano podia geralmente ser detido ouretardado por simples barreiras. Medidas de interrupo temporria despontaram

    por toda a cidade enquanto uma evacuao era organizada.

    Tendas eram desmontadas e tratadas com piche para formar murosimprovisados.

    medida que essas barreiras foram caindo, um anel de proteo de cada vez, e medida que outros tantos milhares de habitantes da cidade caam fatalmentedoentes, medidas mais rigorosas eram aplicadas. Planos foram concebidos eexecutados s pressas, e um ano depois do incidente com a Incrvel MquinaPerfuratriz Boneshaker do Dr. Blue, toda a regio do centro da cidade estavacercada por um imenso muro de tijolos, argamassa e pedra.

    O muro tem aproximadam ente sessenta metros de altura dependendo dosvrios acidentes geogrficos da cidade e tem uma mdia de espessura de

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    quatro metros e meio a seis metros. Ele cerca inteiramente os quarteiresdestrudos, contendo uma rea de quase cinco quilmetros quadrados. verdadeiramente uma maravilha da engenharia.

    Entretanto, no interior desse muro a cidade apodrece, profundamente morta ano ser pelos ratos e corvos que, dizem os boatos, vagam por l. O gs que aindamana do cho arruna tudo aquilo que toca. O que um dia foi uma metrpole

    fervilhante hoje uma cidade fantasma, cercada pela populao sobreviventeque se realocou. Essas pessoas so fugitivas de sua cidade natal, e embora muitasdelas tenham se mudado para Vancouver, mais ao norte, ou para Tacoma ouPortland, ao sul, um nmero significativo permaneceu prximo ao m uro.

    Elas vivem nos lam aais e encostadas s colinas, em uma nocidade que crescecada vez mais e que costumam chamar de Arredores; e, l, eles recomearamsuas vidas.

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    UM

    Ela o viu, e parou a poucos metros das escadas.

    Desculpe ele se apressou a dizer. No queria assustar a senhora.

    E A mulher de sobretudo preto fosco no piscou e no se mexeu. O que osenhor quer?

    Ele havia preparado um discurso, mas no conseguia se lembrar dele. Conversar. Com a senhora. Eu quero conversar com a senhora.

    Briar Wilkes fechou os olhos com fora. Quando voltou a abri-los, perguntou: sobre Zeke? O que foi que ele fez agora?

    No, no, no sobre ele o homem insistiu. Madam e, eu estavaesperando que pudssemos falar sobre seu pai.

    Os ombros dela perderam os ngulos retos defensivos e rgidos, e ela balanou acabea. Faz sentido. Eu juro por Deus, todos os homens da minha vida, eles...

    Parou de falar. E ento disse: Meu pai era um tirano, e todos que eleamava o temiam. isso o que o senhor quer ouvir?

    Ele continuou onde estava enquanto ela subia os onze degraus tortos quelevavam at sua casa, e at ele. Quando chegou varanda estreita, ele

    perguntou: verdade? No posso dizer que no seja.

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    Ela ficou parada diante dele segurando um m olho de chaves. O tampo dacabea dela batia no queixo dele. As chaves dela estavam apontadas para acintura dele, ele pensou, at perceber que estava na frente da porta. Saiu de

    banda e deu passagem para e la.

    H quanto tem po o senhor estava esperando por mim? ela perguntou.

    Ele considerou fortem ente a possibilidade de mentir, mas ela o pregou naparede com seu olhar. Vrias horas. Eu queria estar aqui quando a senhorachegasse em casa.

    A porta estalou com o barulho da chave na fechadura e se abriu para dentro.

    Fiz um turno extra na oficina. O senhor podia ter voltado mais tarde.

    Por favor, madame. Posso entrar?

    Ela deu de ombros, mas no disse que no, e no fechou a porta na cara dele nofrio, ento ele foi atrs dela, fechando a porta e ficando ao seu lado enquanto

    Briar encontrava um lampio e o acendia. Ela carregou o lampio at a lare ira, onde os troncos haviam apagado eestavam frios. Ao lado da moldura havia um atiador, um conjunto de foles euma cesta de ferro com vrios troncos cortados. Ela pegou o atiador, usou-o

    para futucar entre os tocos esturricados e encontrou uns carves acesosdescansando no fundo.

    Com um pouco de incentivo gentil, um punhado de palha seca e m ais duasbraadas de madeira, uma cham a lenta pegou e se manteve.

    Um brao de cada vez, Briar re tirou o sobretudo e o pendurou num gancho deparede. Sem o casaco, seu corpo tinha um aspecto mais para o magro comose ela trabalhasse demais, e comesse de menos ou mal. Suas luvas e suas botasmarrons de cano alto estavam cobertas com a sujeira da usina, e ela vestiacalas como um homem.

    Seus cabelos compridos escuros estavam presos para cima e para trs, mas doisturnos de trabalho o haviam desalinhado, e mechas pesadas haviam se espalhado,escapando aos pentes que ela usava para mant-lo preso.

    Ela tinha trinta e c inco anos, e no parecia nem um m inuto mais jovem. Em frente ao fogo cada vez maior e mais brilhante havia uma antiga poltronade couro.

    Briar desabou sobre ela. Diga-me, Sr... Desculpe. O senhor no disse seunome.

    Hale. Hale Quarter. E devo dizer que uma honra conhec-la.

    Ela estendeu a mo at uma m esinha ao lado da poltrona e pegou uma bolsinha.

    Est certo, Hale Quarter. Diga-m e. Por que o senhor esperou tanto do ladode fora neste tempo de amargar? De dentro da bolsinha ela tirou um

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    pedacinho de papel e uma pitada grande de tabaco. Ela enrolou os dois juntos atproduzir um cigarro, e usou a cham a do lampio para acend-lo.

    Ele havia chegado at ali dizendo a verdade, ento arriscou mais uma confisso.

    Eu vim quando soube que a senhora no estaria em casa. Algum m e disseque, se eu batesse, a senhora daria um tiro pelo buraco da fechadura.

    Ela assentiu, e pressionou a cabea contra o encosto de couro da poltrona. Eutambm j ouvi essa histria. Ela no afasta tantas pessoas como o senhorpoderia imaginar.

    Ele no sabia dizer se ela estava falando a verdade, ou se a resposta delasignificava que no. Ento eu lhe agradeo duplamente, por no atirar emmim e por me deixar entrar.

    De nada.

    Posso... posso me sentar? Isso seria apropriado?

    Fique a vontade, mas o senhor no vai ficar muito tempo ela previu. A senhora no quer falar?

    Eu no quero falar sobre May nard, no. No tenho nenhuma resposta sobrenada que aconteceu a ele. Ningum tem. Mas pode perguntar o que quiser. E

    pode se retirar quando eu me cansar do senhor, ou quando o senhor se entediarde todas as maneiras que eu puder dizer No sei. o que vier primeiro.

    Sentindo-se incentivado, ele pegou uma cadeira de madeira de espaldar alto earrastou-a para frente, colocando seu corpo diretamente na linha de viso dela.

    Seu caderno de notas se abriu para revelar uma folha sem pauta, com umaspoucas palavras rabiscadas no alto.

    Enquanto ele comeava a se situar, ela lhe perguntou? Por que o senhor quersaber algo sobre Maynard? Por que agora? Ele morreu h quinze anos. Quasedezesseis.

    Por que no agora? Hale vasculhou sua pgina de notas anterior, e seacomodou com o lpis posicionado sobre a seo em branco seguinte. Mas,

    para responder mais diretamente senhora, eu estou escrevendo um livro.

    Outro livro? ela disse, e isso soou rpido e direto.

    No uma obra sensacionalista ele esclareceu cuidadosamente. Queroescrever uma biografia apropriada de Maynard Wilkes, porque acredito que

    prestaram um grande desservio a ele. No concorda?

    No, no concordo. Ele conseguiu exatamente o que devia ter esperado.Passou trinta anos trabalhando duro, por nada, e foi tratado sem d nem piedade

    pela cidade qual serviu. Ela tornou a enrolar a varinha sem i-fum ada detabaco. Ele permitiu que isso acontecesse. E eu o odiei por isso.

    Mas seu pai acreditava na lei.

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    Ela quase o atacou. Assim como todo criminoso.

    Hale alfinetou. Ento a senhor acredita realmente que ele era um criminoso?

    Mais uma tragada forte do cigarro, e depois ela falou: No distora minhaspalavras: mas o senhor tem razo. Ele acreditava na lei. Houve momentos emque eu no tinha certeza se ele acreditava em alguma coisa alm disso, mas sim.

    isso ele acreditava.

    Fascas e fagulhas da lareira preencheram o curto silncio que se fez entre eles.

    Finalmente, Hale falou: Estou tentando fazer a coisa direito, madame. sisso. Acho que o que aconteceu foi mais do que uma fuga da priso...

    Por qu? ela interrompeu. Por que o senhor acha que ele fez aquilo?Qual a teoria sobre que o senhor vai escrever no seu livro, Sr. Quarter?

    Ele hesitou, porque no sabia o que pensar, no ainda. Apostou na teoria quetorcia que Briar fosse achar a menos ofensiva. Acho que e le estava fazendo o

    que pensava que fosse o certo. Mas eu realmente quero saber o que a senhoraacha. Maynard a criou sozinho, no foi? A senhora deve t-lo conhecido melhordo que qualquer um.

    O rosto dela perm aneceu um pouco cuidadosamente neutro demais. Osenhor ficaria surpreso. No ramos assim to chegados.

    Mas sua me morreu...

    Quando eu nasci, isso mesmo. Ele foi o nico pai que tive, e no foi l grandecoisa. Ele no sabia o que fazer com uma filha, assim como eu no saberia o que

    fazer com um mapa da Espanha. Hale sentiu um m uro de tijolos, ento recuou e tentou outra aproximao, paraver se conseguia cair nas graas dela. Seus olhos varreram o aposento pequenocom sua moblia slida e sem adornos, e seus pisos limpos mas riscados. Reparouno corredor que dava para a parte dos fundos da casa. E, de sua cadeira, ele

    podia ver que todas as quatro portas no final dela estavam fechadas.

    A senhora cresceu aqui, pois no? Nesta casa? Ele fingiu adivinhar.

    Ela no am oleceu. Todo mundo sabe disso.

    Mas eles o trouxeram para c. Um dos rapazes da fuga da priso, e o irmodele... eles o trouxeram para c e tentaram salv-lo. Mandaram buscar ummdico, mas...

    Briar recuperou o fio pendurado da conversao e o puxou. Mas ele haviainalado uma dose muito grande da Praga. Morreu antes que o mdico recebessea mensagem, e eu juro ela bateu algumas cinzas do cigarro na fogueira foimelhor assim. Pode imaginar o que teria acontecido a ele se ele tivessesobrevivido? Julgado por traio, ou insubordinao, na melhor das hipteses.

    Preso, no mnimo. Fuzilado, na pior das hipteses. Meu pai e eu tnhamos l

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    nossas discordncias, mas eu no teria desejado isso a ele. Foi melhor assim ela repetiu, e ficou encarando o fogo.

    Hale passou alguns segundos tentando preparar uma resposta. Por fim, elefalou:

    A senhora chegou a v-lo antes dele morrer? Eu sei que a senhora foi umadas ltimas pessoas a deixar Seattle...e sei que veio at aqui. A senhora o viu umaltima vez?

    Eu o vi ela assentiu. Ele estava deitado sozinho naquele quarto nosfundos, em sua cama, sob um lenol encharcado com o vmito que finalmente osufocou at a morte. O mdico no estava aqui, e at onde sei ele j amais chegou.

    o sei se sequer era possvel encontrar algum, naqueles dias, no meio daevacuao.

    Ento, ele estava sozinho? Morto, nesta casa?

    Ele estava sozinho ela confirmou. A porta da frente estava quebrada,mas fechada. Algum o havia deixado na cama, o colocado nela com respeito,disso eu me lembro. Algum o havia coberto com um lenol, e deixado seu riflesobre a cama ao lado dele com sua insgnia. Mas ele estava morto, e morto elecontinuou. A Praga no o fez voltar a andar, ento preciso agradecer a Deus

    pelas pequenas coisas, suponho.

    Hale anotou isso tudo, murmurando sons de incentivo enquanto seu lpisdeslizava pelo papel. A senhora acha que foram os prisioneiros que fizeramisso?

    O senhor acha ela disse. No chegava a ser uma acusao.

    o que eu suspeito ele respondeu, mas estava bastante certo disso.

    O irmo do garoto da priso lhe dissera que eles haviam deixado a casa deMaynard limpa, e no levaram uma coisa sequer. Disse que eles o colocaramem cima da cama, seu rosto coberto. Esses eram detalhes que ningum maishavia sequer mencionado, em nenhuma das especulaes ou investigaesreferentes Grande Fuga da Priso da Praga. E muito se especulou e se

    investigou a respeito disso ao longo dos anos. E depois... ele tentou fazer que ela continuasse.

    Eu o arrastei para fora e o enterrei embaixo da rvore, ao lado de seu velhoco. Dois dias depois, dois policiais da cidade chegaram e o desenterraram .

    Para se certificarem?

    Ela grunhiu. Para se certificarem de que ele no havia fugido da cidade evoltado para o leste; para se certificarem de que a Praga no havia feito com queele comeasse a se mexer novamente; para se certificar de que eu o havia

    colocado onde eu disse que havia. Escolha uma opo.

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    Ele terminou de caar as palavras deles com seu lpis e levantou a cabea.

    O que a senhora acabou de dizer, sobre a Praga. Eles sabiam, assim torpido, sobre o que ela podia fazer?

    Eles sabiam. Descobriram rpido mesmo. Nem todos os mortos pela Pragacomearam a se mexer, mas os que se mexeram se levantaram logo ecomearam a sair por a bem rpido, em poucos dias. Mas, em sua maioria, as

    pessoas queriam era garantir que May nard no havia fugido com alguma coisa.E quando se deram por satisfeitos de que ele estava fora do alcance deles,ogaram-no de volta para c. Nem sequer o enterraram novamente. Eles

    simplesmente o deixaram l fora, ao lado da rvore. Tive que enterr-lo duasvezes.

    O lpis de Hale e seu queixo ficaram pendurados sobre o papel. Desculpe, asenhora disse... A senhora quis dizer...?

    No fique com essa cara to chocada. Ela m udou de posio na poltronae o couro repuxou sua pele com um rangido. Pelo menos eles no encheram o

    buraco de terra da primeira vez. A segunda foi bem mais rpida.

    Deixe-me fazer uma pergunta ao senhor, Sr. Quarter.

    Hale, por favor.

    Hale, como queira. Diga-me, quantos anos o senhor tinha quando a Pragasurgiu?

    O lpis dele estremecia, ento ele o deitou sobre o caderno de notas e

    respondeu. Eu tinha quase seis anos.

    Era mais ou menos o que eu imaginava. Ento o senhor era uma coisinhamida. Nem mesmo se lembra, no ... de como era a vida antes do muro?

    Ele virou a cabea para a frente e para trs; no, no se lembrava. Noexatamente. Mas eu me lembro do muro, quando ele foi levantado. Eu melembro de v-lo ser erguido, metro a metro, ao redor dos quarteirescontaminados. Todos os seus sessenta metros, ao redor de todas as vizinhanas

    evacuadas. Eu me lembro tambm. Vi tudo daqui. Dava para ver daquela janela dosfundos, perto da cozinha. Ela acenou na direo do fogo, e de um pequeno

    portal retangular atrs dele. O dia inteiro e a noite inteira por sete m eses, duassemanas e trs dias, eles trabalharam para construir aquele muro.

    um clculo muito preciso. A senhora sempre mantm a conta dessascoisas?

    No ela disse. Mas fcil de lembrar. Eles terminaram a construo

    no dia em que meu filho nasceu. Eu costumava me perguntar se ele no sentia

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    falta disso, de todo o barulho dos trabalhadores. Era tudo o que ele sempre ouvia,enquanto eu o carregava o bater dos martelos, o trincar dos formes. Assimque a pobre criana chegou ao mundo, o mundo ficou em silncio.

    Alguma coisa ocorreu a ela, e ela se endireitou na poltrona. A poltrona chiou.

    Ela olhou para a porta. Falando no garoto, est ficando tarde. Para onde serque ele foi? Ele normalmente j costuma estar em casa a esta hora. Ela secorrigiu. Muitas vezes ele j est em casa a esta hora, e est um frio dos diabosl fora.

    Hale se recostou no encosto duro de madeira de sua cadeira emprestada.

    uma vergonha que ele jamais tenha chegado a conhecer o av. Tenhocerteza de que May nard teria ficado orgulhoso.

    Briar se inclinou para a frente, os cotovelos apoiados nos joelhos. Apoiou o rostonas mos e esfregou os olhos. No sei ela disse. Endireitou-se e limpou a

    testa com o brao. Tirou as luvas e jogou-as em cima da mesinha redonda ebaixa que ficava entre a cadeira e a lareira.

    A senhora no sabe? Mas no h outros netos, h? Ele no teve outros filhos,teve?

    No at onde eu sei, mas acho que no h como saber. Ela se inclinoupara diante e com eou a desamarrar suas botas. Espero que me d licena ela disse. Estou usando estas aqui desde as seis da m anh.

    No, no, no se incomode comigo ele disse, e manteve os olhos na

    lareira. Desculpe. Sei que estou me intrometendo. O senhor est se intrometendo, mas eu o deixei entrar, ento a culpa minha. Uma bota saiu do p dela com um estalo de suco. Ela comeou a

    pelejar com a outra. E no sei se May nard teria se importado muito comZeke, ou vice-versa. Eles no so da mesma cepa.

    Zeke ... Hale estava cheio de dedos, tateando em terreno perigoso, esabia disso, mas no conseguia evitar. muito parecido com o pai, talvez?

    Briar no piscou, nem franziu a testa. Mais uma vez ela manteve aquele olhar

    de jogadora de pquer firme no lugar enquanto removia a outra bota e acolocava ao lado da primeira. possvel. O sangue pode dizer, mas ele ainda s um garoto. Ainda h tempo para ele se descobrir. Mas quanto ao senhor, Sr.Hale, receio que vou ter que mand-lo embora. Est ficando tarde, e daqui a

    pouco vai amanhecer.

    Hale suspirou e assentiu. Ele havia forado demais, e ido longe dem ais. Deviater permanecido no assunto, na questo do pai morto no do marido morto.

    Desculpe ele disse ao se levantar e enfiar o caderno de notas debaixo do

    brao. Ps o chapu na cabea, puxou o casaco apertado de encontro ao peito edisse:

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    E obrigado pelo seu tem po. Aprecio tudo o que a senhora m e contou, e semeu livro algum dia for publicado, sua ajuda ser registrada.

    Claro disse ela.

    Ela fechou a porta para Hale, e ele foi em bora noite afora. Ele se segurou paraencarar o vento da noite de inverno, enrolando o cachecol ainda mais forte no

    pescoo e ajustando as luvas de l.

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    DOIS

    Na esquina da casa, uma sombra disparou e se escondeu. E ento sussurrou.

    Ei. Ei, voc.

    Hale ficou parado e esperou enquanto uma cabea castanha despen teadaespiava de lado. A cabea foi acompanhada pelo corpo magricelo masfortemente coberto de um garoto adolescente de rosto afundado e olhosligeiramente enlouquecidos. A luz da lareira dentro da casa danava pela janelada frente e m eio iluminava, meio sombreava seu rosto.

    Voc estava perguntando sobre o meu av?

    Ezekiel? Hale arriscou com certa segurana.

    O garoto se aproximou devagar, tomando cuidado para ficar longe da divisrianas cortinas, de modo a no poder ser visto de dentro da casa. O que foi queminha me falou?

    No muita coisa.

    Ela lhe contou que ele um heri?

    No disse Hale. Ela no me contou isso.

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    O garoto fez um som irritado e passou uma mo enluvada pelos cabelosembaraados. claro que no.

    No sei se assim.

    Eu sei ele disse. Ela age como se ele no tivesse fe ito nada de bom. Elaage como se todo mundo estivesse certo, e ele tivesse esvaziado a cadeia porquealgum pagou ele pra fazer isso... mas se ele fez isso, cad o dinheiro? A gentetem cara de quem tem algum dinheiro?

    Zeke deu ao bigrafo tempo suficiente para responder, mas Hale no soube oque dizer.

    Zeke continuou. Assim que todo mundo entendeu o que era a Praga,evacuaram tudo que puderam, certo? Esvaziaram o hospital e at mesmo a

    priso, mas as pessoas detidas na delegacia os sujeitos que haviam si dopresos, mas no tinham sido acusados de nada ainda simplesmente deixarameles l, trancafiados. E eles no podiam sair. A Praga estava chegando, e todomundo sabia. Todas aquelas pessoas l, elas iam morrer.

    Ele fungou e esfregou as costas da mo sob o nariz. Podia estar escorrendo, ousimplesmente dormente por causa do frio.

    Mas meu av, Maynard, voc sabe? O capito mandou ele selar a ltimaextremidade do bairro, mas ele no queria fazer isso enquanto ainda houvessegente l dentro. E aquelas pessoas, elas eram gente pobre, que nem ns. Noeram todos maus, nem todos. A maioria tinha sido presa por coisa pequena, porroubar coisa pequena ou invadir lugar pequeno.

    E meu av no quis nem saber. Ele no deixou eles morrerem l dentro. Ogs da Praga estava chegando para pegar eles; e j tinha comido o caminho maiscurto at a delegacia. Mas ele correu de volta para dentro da Praga, cobrindo orosto o mximo que pde.

    Quando ele chegou l, subiu a alavanca que mantinha todas as celastrancadas, e ele se inclinou em cima dela ele a segurou com o prprio peso,

    porque era o que voc tinha que fazer pra manter as portas abertas. Ento,enquanto todo mundo saa correndo, ele ficou pra trs.

    E os dois ltimos a sarem eram uma dupla de irmos. Eles entenderam oque ele havia feito, e eles o ajudaram. Mas a ele j estava passando muito mal

    por causa do gs, e era tarde dem ais. Ento eles o levaram para casa, tentandoajud-lo mesmo sabendo que se algum visse eles, eles seriam presos tudo denovo. Mas foi o que eles fizeram, pelo mesmo motivo porque Maynard fez o quefez. Porque ningum inteiramente mau de cabo a rabo. Talvez Maynard fosseum pouco mau, fazendo o que ele fazia; e talvez aqueles dois sujeitos fossem um

    pouco bons.

    Mas aqui que est o xis da questo, para resumir disse Zeke, levantando

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    um dedo e colocando-o embaixo do nariz de Hale. Havia vinte e duas pessoasdentro daquelas celas, e Maynard salvou elas, todas elas. Isso custou a ele suavida, e ele no ganhou nada com isso.

    Quando o garoto se virou para a porta da frente de sua casa e estendeu a mopara a maaneta, acrescentou: E ns tam bm no.

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    TRS

    Briar Wilkes fechou a porta atrs do bigrafo. Ela encostou a testa na porta porum momento e depois se afastou, de volta para a lareira. Ali, aqueceu as mos,

    pegou as botas e com eou a desabotoar a camisa e afrouxar o arns de suporteque a apertava junto ao corpo.

    Desceu a sala e passou pelas portas dos quartos de seu pai e de seu filho. Ambaspoderiam at estar pregadas, pois ela jamais as abria. No entrava no quarto dopai fazia anos. No entrava no do filho desde... no conseguia se lembrar de umadata especfica, no importava o quanto tentasse nem tampouco conseguia se

    lembrar de seu aspecto. Do lado de fora do corredor ela parou em frente porta de Ezekiel.

    Sua deciso de abandonar o quarto de Maynard fora tomada por necessidadefilosfica. Mas no havia nenhum motivo real para que ela evitasse o quarto dogaroto. Se algum algum dia perguntasse (e, claro, ningum jamais perguntava)ento ela poderia ter dado uma desculpa sobre respeitar a privacidade dele; masera mais simples do que isso, e possivelmente pior. Ela deixou o quarto em paz

    porque no tinha puramente a menor curiosidade a respeito dele. Sua falta de

    interesse poderia ter sido interpretada como falta de afeto, mas isso era apenasum efeito colateral da sua exausto perm anente.

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    Mesmo sabendo disso, ela sentia uma ponta de culpa e disse isso em voz alta,porque no havia ningum ali para ouvi-la nem para concordar com ela, oudiscutir com ela Eu sou uma pssima m e.

    Era apenas uma observao, mas ela sentia a necessidade de refut-la dealgum jeito, ento levou a mo maaneta e girou.

    A porta se inclinou para dentro, e Briar levou a lanterna para a escuridocavernosa.

    Uma cam a com uma cabeceira de aspecto familiar, empurrada para o canto.Era a mesma na qual ela havia dormido quando criana, e era comprida o

    bastante para caber um homem crescido, mas tinha apenas metade da largura desua prpria cama. As tbuas do estrado eram cobertas com um velho colcho de

    penas que havia sido achatado at ficarem com pouco mais de uma ou duaspolegadas de espessura. Em cima, um edredom pesado, dobrado para trs eenroscado num lenol sujo.

    Ao lado da j anela, ao p da cam a, espreitava um ba marrom pesado cheio degavetas e uma pilha de roupas sujas encimado por botas espalhadas, que nocombinavam umas com as outras.

    Preciso lavar as roupas dele ela resmungou, sabendo que isso teria deesperar at domingo, a menos que ela planejasse lavar roupas noite... esabendo tambm que Zeke provavelmente ficaria cheio e lavaria as prpriasroupas antes disso. Ela nunca ouvira falar de um garoto que fizesse suas prpriastarefas domsticas em to grande quantidade, mas as coisas eram diferentes

    para famlias em todo lugar desde a Praga. As coisas eram diferentes para todos,sim. Mas as coisas eram especialmente diferentes para Briar e Zeke.

    Ela gostava de pensar que ele compreendia, pelo menos um pouquinho, por queela o via com to pouca frequncia quanto o fazia. E preferia supor que ele no aculpava tanto assim. Garotos queriam liberdade, no queriam?

    Eles davam valor sua independncia, e a usavam como um sinal dematuridade; e se ela pensava assim, ento seu filho era um sujeito realmente desorte.

    A porta da frente bateu com um barulho surdo.

    Briar deu um pulo, e fechou a porta do quarto, e caminhou clere at o hall.

    Por trs da segurana da porta do seu prprio quarto ela acabou de tirar suasroupas de trabalho, e quando ela ouviu o som dos sapatos de seu filho no quartoda frente, gritou: Zeke, voc est em casa? Sentiu-se boba por perguntar,mas era um cumprimento to bom quanto qualquer outro.

    O qu?

    Eu perguntei: voc est em casa, no est? Eu estou em casa ele gritou. Cad voc?

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    J saio num segundo ela lhe disse. Mais de um minuto depois ela emergiuvestindo uma coisa que cheirava menos como lubrificante industrial e p decarvo. Onde voc esteve? perguntou ela.

    Fora. Ele j tinha tirado o casaco e o deixado pendurado no gancho pertoda porta.

    J comeu? ela perguntou, tentando no notar como ele estava m agro. Recebi o pagamento ontem. Eu sei que estamos com pouca coisa na despensa,mas posso mudar isso logo. E ainda temos um pouquinho de alguma coisa quesobrou por aqui.

    No, eu j comi. Ele sem pre dizia isso. Ela nunca sabia se ele estavadizendo a verdade. Ele se esquivava de quaisquer perguntas adicionais

    perguntando: Voc chegou em casa tarde hoje? Est frio aqui dentro. J seique a lareira no est acesa h muito tem po.

    Ela assentiu, e foi at a despensa. Estava fam inta, mas estava sem pre com tantafome que aprendera a no pensar muito a respeito. Fiz um turno extra. Tinhaalgum doente. Na prateleira do alto da despensa havia uma m istura de feijoe m ilho secos que daria um cozido ralo. Briar apanhou-a e desejou ter um poucode carne para acompanhar, mas no desejou nem muito tempo nem com muitafora.

    Ela colocou uma panela com gua para ferver e estendeu a mo embaixo deuma toalha para pegar um pedao de po que estava quase duro demais paracomer, mas meteu-o na boca e mastigou-o rpido.

    Ezekiel pegou a cadeira que Hale havia tomado emprestada e a arrastou at alareira para derreter um pouco da rigidez frgida de suas mos. Eu vi aquelehomem indo embora ele disse, alto o bastante para ela ouvi-lo do outroaposento.

    Viu, ?

    O que que ele queria?

    Um torro de mistura para sopa caiu na panela, espirrando gua. Conversar.

    Est tarde, eu sei. Acho que isso parece uma coisa feia, mas o que que osvizinhos iriam fazer a respeito: falar besteira pelas nossas costas?

    Ela ouviu um risinho na voz do filho quando ele perguntou: Sobre o que elequeria falar?

    Ela no respondeu. Acabou de mastigar o po e perguntou: Tem certeza deque no quer comer nem um pouco disto aqui? Tem o bastante pra dois, e vocdevia se olhar no espelho. Voc est que s pele e osso.

    Eu j lhe falei, j comi. Voc que tem que engordar. Voc est mais

    magra do que eu. No estou no ela retrucou provocando.

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    Tambm est. Mas o que aquele homem queria? ele tornou a perguntar.

    Ela voltou sala e encostou na parede, braos cruzados e cabelos mais cadosdo que presos. Respondeu: Ele est escrevendo um livro sobre seu av. Ou

    pelo menos diz que est.

    Voc acha que talvez ele no estej a?

    Briar olhou sria para seu filho, tentando imaginar com quem ele se pareciaquando fazia aquele rosto cuidadosamente inocente e sem emoes.

    No ao seu pai, certamente, em bora a pobre criana tivesse herdado o cabeloabsurdo. Nem to escuro quanto o dela, nem to claro quanto o do pai, o cabelono conseguia ser penteado nem empastado para ficar direito. Era exatamente otipo de cabelo que, quando acontecia num beb, fazia velhinhas sentirem umavontade louca de o bagunarem com carinhos e rudos agradveis. Mas, quantomais velho Zeke ficava, mais ridculo parecia.

    Me ele tentou mais uma vez. Voc acha que talvez aquele homemestivesse mentindo?

    Ela balanou a cabea rapidamente, no em resposta, mas para limp-la.

    Ah. Bem , eu no sei. Talvez sim, talvez no.

    Voc est bem?

    Estou bem ela disse. Eu estava s... Eu estava olhando para voc, sisso. Eu no vejo voc o bastante, acho que no. Ns deveramos, no sei...Deveramos fazer algo juntos, um dia desses.

    Ele se rem exeu desconfortvel. Como o qu? O desconforto dele no passou despercebido. Ela tentou recuar da sugesto. Eu no tinha nada em mente. E talvez seja m ideia. Provavelmente ... bem. Ela se virou e voltou cozinha para poder falar com ele sem ter de ver seudesconforto enquanto confessava a verdade. provavelmente mais fcil paravoc de qualquer maneira, que eu mantenha distncia. Imagino que seja bemdifcil para voc viver sendo meu filho. s vezes penso que a coisa maisgenerosa que eu possa fazer seja deixar voc fingir que eu no existo.

    Nenhum argumento veio da lare ira at ele dizer: No to ruim ser seufilho. No tenho vergonha de voc nem nada, sabe. Mas ele no saiu de pertodo fogo para ir dizer isso na cara dela.

    Obrigada. Ela mexeu uma colher de madeira na panela e fez desenhosturbilhonantes na mistura que espumava.

    Bom, eu no tenho mesmo. E, falando nisso, no to ruim ser neto deMaynard tambm. Em alguns crculos, isso funciona muito bem eleacrescentou, e Briar ouviu uma interrupo brusca na voz dele, como se ele

    tivesse medo de ter falado demais.

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    Como se ela j no soubesse.

    Eu gostaria que voc tivesse um crculo melhor de companhias disse aele, embora mesmo enquanto dizia, j adivinhava mais do que queria saber.Onde mais um filho dela buscaria amigos? Quem mais iria querer ter algo a vercom ele, a no ser os lugares onde Maynard Wilkes era um heri popular eno um bandido de sorte que m orreu antes de poder ser levado a j ulgamento?

    Me...

    No, voc vai me ouvir. Ela abandonou a panela e voltou parede deantes. Se voc quiser algum dia voltar a ter uma esperana de uma vidanormal, precisa permanecer longe de problemas, e isso significa ficar longedesses lugares, longe dessas pessoas.

    Vida normal? Como que a senhora acha que isso vai acontecer? Eu poderiapassar a minha vida inteira sendo pobre mas honesto, se isso o que a senhoraquer, mas...

    Eu sei que voc jovem e no acredita em mim, mas precisa confiar emmim: melhor do que a alternativa. Fique pobre mas honesto, se isso o que vailhe colocar um teto sobre a cabea e mant-lo fora da cadeia. No h nada to

    bom l que valha a pena... Ela no tinha certeza de como terminar, mas sentiaque havia conseguido dizer o que queria, ento parou de falar. Deu meia-volta evoltou ao fogo.

    Ezekiel deixou a lareira e foi atrs dela. Parou na entrada da cozinha,bloqueando a sada dela e forando-a a olhar para ele.

    Ento de que vale isso? O que eu tenho a perder, me? Tudo isto aqui!

    Com um gesto sarcstico e abrangente ele indicou a casa cinza escura naqual habitavam. Todos os am igos e o dinheiro?

    Ela bateu a colher com fora na borda da pia e pegou uma tigela para se servirde um pouco de cozido no muito bem cozido, para assim poder parar de olhar

    para o filho que havia feito. Ele no se parecia em nada com ela, mas a cada diaparecia um pouco m ais com um dos homens, e depois com o outro.

    Dependendo da luz e dependendo do seu humor, ele poderia ter sido seu pai, ouseu marido.

    Ela se serviu de uma tigela de cozido insosso e lutou para no derram -lo aopassar num rom pante por ele.

    Voc preferia fugir? Isso eu entendo. No h muita coisa que o prenda aqui,e quem sabe quando voc for um homem crescido voc se levante um dia e vembora ela disse, jogando a tigela de pedra em cima da mesa e se enfiandona cadeira ao lado. Eu sei que no fao um dia de trabalho honesto parecer l

    muito atraente; e sei tambm que voc pensa que uma chance de uma vidamelhor lhe foi roubada, e no culpo voc. Mas aqui estamos, e isto o que temos.

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    As circunstncias nos am aldioaram a ambos.

    Circunstncias?

    Ela tomou um grande gole do cozido e tentou no olhar para ele. Disse: Estcerto, circunstncias e eu. Pode me culpar se quiser, exatamente como eu culposeu pai, ou meu pai se eu quiser no importa. No muda nada. Seu futuroestava estragado antes mesmo de voc nascer, e no restou ningum vivo paravoc culpar a no ser eu.

    Do canto de seu olho, ela viu Ezekiel abrir e fechar os punhos. Ela esperava porisso. A qualquer momento ele perderia o controle, e aquele olhar selvagem emau preencheria seu rosto com o fantasma de seu pai, e ela teria de fechar osolhos para afast-lo dali.

    Mas a exploso no aconteceu, e a loucura no o cobriu com seu terrvel vu.Em vez disso, ele disse, numa voz morta que combinava com o olhar vazio queele lhe dera antes. Mas essa a parte mais injusta de todas. Voc no feznada.

    Ela ficou surpresa, mas com cautela. o que voc acha?

    Foi o que eu deduzi.

    Ela soltou uma risada amarga. Ento voc j deduziu tudo a esta altura, no?

    Mais do que voc imagina, eu aposto. E voc devia ter dito para aqueleescritor o que Maynard fez, porque se mais pessoas soubessem, e entendessem,

    ento quem sabe algumas pessoas respeitveis saberiam que ele no foi umcriminoso, e voc poderia viver um pouco menos como uma leprosa.

    Ela usou o cozido para ganhar para si mesma mais algumas mordidas parapensar. No lhe escapou ateno que Zeke devia ter falado com Hale, mas elapreferiu no cham ar ateno para isso.

    Eu no disse ao bigrafo nada sobre Maynard porque ele j sabia muito, eele j havia se decidido a respeito dele. Se isso faz voc se sentir melhor, eleconcorda com voc. Ele tambm acha que May nard foi um heri.

    Zeke j ogou as mos para o cu e disse: Viu? Eu no sou o nico. E quanto scompanhias com quem eu ando, talvez meus amigos no sejam da altasociedade, mas eles conhecem bons sujeitos quando pem os olhos neles.

    Seus amigos so escroques ela disse.

    Voc no tem como saber. Voc no conhece um s dos meus amigos; vocnunca encontrou nenhum deles, a no ser o Rector, e ele no to mau assim emtermos de maus amigos, voc mesma chegou a dizer isso. E voc entende doassunto: o nome de Maynard como um aperto de mo secreto. Eles

    pronunciam o nom e com o se cuspissem na sua mo pra jurar. que nem jurarcom a mo em cima da Bblia, s que todo mundo sabe que Maynard realmente

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    fez alguma coisa.

    No fale assim ela o interrompeu. Voc est procurando encrenca,tentando reescrever a histria, tentando modificar as coisas at que e las passem asignificar alguma coisa melhor.

    Eu no estou tentando reescrever nada! E ela ouviu aquilo, o timbreassustador em sua voz recm-esganiada, quase comeando a soar como a deum homem. S estou tentando corrigir!

    Ela engoliu o restante do cozido rpido dem ais, quase queimando a garganta napressa de acabar logo com aquilo, e parar de sentir fom e para poder seconcentrar naquela briga se que aquilo estava se tornando uma briga.

    Voc no entende ela disse baixinho, e as palavras saram quente na suagarganta quase queimada. Eis a dura e horrvel verdade da vida, Zeke, e sevoc nunca mais quiser ouvir nada do que eu lhe disser, oua isto: no importa seMaynard foi um heri. No importa se seu pai foi um homem honesto com boasintenes. No importa se eu nunca fiz nada para merecer o que aconteceu, eno importa que sua vida tenha sido marcada mesmo antes que eu soubesse quevoc estava para chegar.

    Mas como que pode no importar? Se todo mundo compreendesse, e setodo mundo soubesse todos os fatos sobre meu av e meu pai, ento... odesespero comeou a transparecer por entre sua objeo.

    Ento o qu? Ento subitamente ns seramos ricos, amados e felizes?

    Sim, voc j ovem, mas no burro o bastante para acreditar nisso. Talvezdaqui a algumas geraes, quando muito tempo j tiver se passado, e ningum selem brar mais do caos ou do medo, e seu av tiver tido tem po para se tornar umalenda, a os contadores de histrias como o jovem Sr. Quarter daro a palavrafinal.

    Ento ela perdeu a voz de choque e horror, porque subitamente percebeu queseu filho no estava realmente falando de Maynard no fim das contas.

    Respirou bem fundo, levantou a tigela da mesa e foi at a pia, onde a deixou.

    A perspectiva de bombear mais gua para lav-la naquele exato instante erademais.

    Me? Ezekiel percebeu que havia atravessado uma linha terrvel e nosabia qual era. Me, o que foi?

    Voc no entende ela lhe disse, em bora sentisse que j tinha dito isso ummilho de vezes desde que ele chegara. H tanta coisa que voc no entende,mas eu conheo voc melhor do que voc pensa. Eu conheo voc melhor doque qualquer um, porque eu conheo os homens que voc imita mesmo quando

    no tem a inteno de fazer isso... mesmo quando no faz ideia do que disse oufez para me assustar.

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    Me, voc no est dizendo coisa com coisa.

    Ela bateu com a mo espalmada no peito. Eu no estou dizendo coisa comcoisa? voc quem est me dizendo coisas maravilhosas a respeito de algumque voc nunca conheceu, construindo uma grande apologia para um morto

    porque voc acha porque voc no sabe que isso no possvel que se vocconseguir redimir um morto talvez consiga redimir outro. Voc se entregou, ao

    falar dos dois ao mesmo tempo. Enquanto ela tinha toda a ateno dele, antesque ela perdesse o elemento de choque que o mantinha quieto, ela continuou: aonde voc quer chegar com isso, no ? Se Maynard no era to mau assim,ento quem sabe seu pai tambm no era to mau? Se voc conseguir vingar um,ento haver esperana para o outro?

    Lentamente, e depois com ritmo mais forte, ele comeou a concordar com acabea. Sim, mas a coisa no assim to imbecil quanto voc d a entender...no, no . Pare e me escute. Me ouve: se, esse tempo todo, todo mundo nos

    Arredores esteve errado sobre voc, ento... Como eles esto errados sobre mim? ela exigiu saber.

    Eles acham que foi tudo culpa sua! A fuga da priso, a Praga e o Boneshakertambm. Mas no foram culpa sua, e a fuga da priso no foi um grande ato decaos e perturbao da ordem. Ele parou para respirar um pouco, e sua me se

    perguntou onde ele havia ouvido essa expresso.

    Ento eles estavam errados sobre voc, e acho que estavam errados sobreVov. Dois em trs, hein? Por que tanta loucura achar que eles todos erraram

    sobre Levi tambm? Era exatamente o que ela tem ia, apresentado a ela em uma nica, linda e

    perfeita fala. Voc ela tentou dizer, mas a palavra saiu como uma tosse.

    Ela reduziu seu ritmo e fez o melhor que pde para permanecer calma, apesardo terrvel impacto das palavras inocentes e perigosas de seu filho. H...escute. Eu entendo por que isso parece to bvio para voc, e entendo por quevoc quer acreditar que existe alguma coisa da memria de seu pai que vale a

    pena salvar. E... E talvez voc tenha razo quanto a May nard; provavelmente ele

    s estava tentando ajudar. Talvez ele tenha tido aquele momento, aquela pausaem que percebeu que podia obedecer a letra da lei ou o esprito dela e foicaar algum tipo de ideal, at o interior da regio da Praga, e at dentro de suacova. Nisso eu consigo acreditar, e aceitar, e posso at ficar um pouco zangadaquando penso na maneira como ele lembrado.

    Zeke soltou um gritinho adolescente desafinado de descrena e estendeu asmos como se quisesse sacudir sua m e, ou estrangul-la. Ento por que vocnunca disse nada? Por que deixou eles pisarem em cima da memria dele se

    achava que ele estava tentando ajudar as pessoas?

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    Eu j lhe disse, isso no importaria em nada. E, alm do mais, mesmo que afuga da cadeia nunca tivesse acontecido, e ele tivesse morrido de outra forma,menos estranha, no teria feito diferena para mim. Eu no teria lembrado delede maneira diferente por nenhum herosmo de ltimo minuto, e, e, e... Alm domais ela acrescentou mais uma defesa feroz quem que iria me ouvir? As

    pessoas me evitam e me ignoram, e no culpa de May nard, no de fato. Nada

    que eu pudesse dizer para defend-lo abalaria uma nica alma dos Arredores,porque ser filha dele apenas uma maldio secundria sobre a minha cabea.

    A voz dela aumentou de volume novamente, e ficou prxima demais do medopara sua prpria satisfao. Ela voltou a abaix-la, contou o ritmo da respirao,e tentou manter as palavras numa linha rgida e lgica que com-binasse com asde Ezekiel e as derrotasse.

    Eu no escolhi meus pais; ningum escolhe. Eu poderia ser perdoada pelospecados do meu pai. Mas eu escolhi o seu pai, e por isso eles nunca me deixaro

    descansar. Alguma coisa salgada e brilhante estava abrindo um rasgo fundo e louco em seu

    peito, e era como se fossem lgrimas galgando sua garganta com garras afiadas.Ela as engoliu. Respirou fundo e esmagou-as at se renderem, e, quando seu filhose afastou dela, voltando ao seu quarto onde podia fechar a porta e deix-la dolado de fora, ela foi atrs.

    Ele fechou a porta na cara dela. Ele teria trancado a porta, mas ela no tinhatranca, ento ele forou seu peso contra ela. Briar podia ouvir o rudo leve do

    corpo dele fazendo uma resistncia teimosa no outro lado. Ela no puxou a maaneta, nem sequer tocou nela.

    Pressionou a tmpora contra um ponto que achava que a cabea dele poderiaestar, e falou: Tente salvar Maynard, se isso vai fazer voc feliz.

    Torne essa sua misso, se isso lhe der algum tipo de direcionamento e fizer vocficar menos... zangado. Mas, por favor, Zeke, por favor. No h nada a salvar deLeviticus Blue. Absolutamente nada. Se voc cavar fundo demais ou for longedemais, se ficar sabendo demais, s vai partir seu corao. s vezes, todo mundo

    tem razo. Nem sempre e nem mesmo normalmente, mas de vez em quando,todo mundo tem razo.

    Ela teve de usar todo o seu autocontrole para parar por ali. Em vez de continuarfalando, ela virou as costas e foi para seu prprio quarto para praguejar e pr suaraiva para fora.

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    Q UATRO

    Na manh de sexta, Briar se levantou logo antes do am anhecer, como sempre,e acendeu uma vela para poder enxergar. Suas roupas estavam N onde ela ashavia deixado. Ela trocou a camisa da vspera por outra limpa, mas vestiu omesmo par de calas e enfiou as pernas estreitas dentro das botas. O arns desuporte de couro estava pendurado ao p da cama. Ela o apanhou e o afivelou,apertando-o ainda mais ao redor da cintura do que era estritamente confortvel.Assim que ficasse quentinho no seu corpo, iria se ajustar melhor a ela.

    Depois que am arrou os cadaros das botas e encontrou um colete grosso de l

    para j ogar por cima da camisa, tirou o sobretudo do outro p da cam a e enfiou osbraos pelas suas mangas.

    Descendo o hall, ela no ouviu um rudo sequer do quarto de seu filho, nemmesmo um ronco ligeiro ou um remexer nos cobertores. Ele ainda no estariaacordado, mesmo que fosse escola e frequentemente nem se dava aotrabalho de ir.

    Briar j tinha se certificado de que ele sabia ler, e ele sabia contar e somarmelhor do que muitos garotos que ela conhecia, ento no se preocupava demais

    com ele. A escola o manteria longe de encrencas, mas a prpria escola muitasvezes era fonte de encrencas. Antes da Praga, quando a cidade fervilhava de

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    gente o bastante, havia vrias escolas. Mas depois, com uma parte to grande dapopulao dizimada ou espalhada, os professores acabavam nem sempreficando, e os alunos no recebiam l muita coisa em termos de disciplina.

    Briar ficava se perguntando quando a guerra iria term inar l no leste. Os jornaisfalavam a respeito em termos empolgantes. Uma Guerra Civil, uma GuerraEntre os Estados, uma Guerra de Independncia ou uma Guerra de Agresso.

    Esses nomes tinham sons picos, e depois de dezoito anos de luta constante, talvezfossem. Mas se ela simplesmente terminasse, ento talvez valesse o trabalho devoltar para a outra costa. Apertando muito o cinto e economizando, talvez elaconseguisse reunir o dinheiro para comear de novo em algum outro lugar, ondeningum soubesse nada a respeito de seus falecidos pai ou marido. Ou quem sabeWashington podia se tornar um estado decente, e no apenas um territriodistante. Se Seattle fizesse parte de um estado, ento os Estados Unidos teriam deenviar ajuda, no teriam? Com ajuda, eles poderiam construir uma muralha

    melhor, ou quem sabe fazer alguma coisa a respeito do gs da Praga aprisionadodentro dela. Poderiam trazer mdicos para pesquisar tratamentos para oenvenenam ento por gs e, s Deus sabia, talvez at mesmo cur-lo.

    Esse pensamento deveria ter sido algo de emocionante, mas no foi. No s seisda manh, e no quando Briar estava iniciando uma caminhada de trsquilmetros at os lamaais.

    O sol se erguia lentamente e o cu assumia o tom diurno cinza-leitoso do qualnunca se livraria, no at a primavera. A chuva caa de lado, chicoteada pelo

    vento at descer pelo chapu de couro de aba larga de Briar, subir pelas mangasdela, e descer por suas botas at congelar seus ps e suas mos adquirirem aconsistncia de pele de galinha.

    Quando ela chegou usina, seu rosto estava dormente por causa do frio, masum pouquinho queimado pela gua fedorenta.

    Ela foi andando devagar at os fundos do complexo enorme e barulhento smargens do Estreito de Puget. Ele bombeava vinte e quatro horas por dia todos osdias, chupando gua da chuva e gua da terra para dentro da usina e filtrando-a,

    processando-a, limpando-a, at ela estar pura o bastante para beber e tomarbanho. Era um procedimento lento e laborioso, imensamente trabalhoso mas nointeiramente ilgico. O gs da Praga havia envenenado os sistemas naturais atque os riachos e correntes passaram a fluir quase amarelos de tantacontaminao. No se podia confiar nem mesmo na chuva quase constante. Asnuvens que a jogavam podiam ter passado por cima da cidade murada eabsorvido toxinas suficientes para esfolar a pele e descascar tinta.

    Mas a Praga podia ser destruda pelo processo de fervura; podia ser filtrada,

    transformada em vapor e depois filtrada novamente. E depois de dezessete horasde tratamento, a gua podia ser consumida com segurana.

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    Grandes vages puxados por equipes de cavalos Clydesdale macios levavam agua em tanques e a entregavam de quadra em quadra, transferindo-a por funis

    para reservatrios coletivos que poderiam ento ser bombeados por famliasindividuais.

    Mas primeiro ela tinha de ser processada. Tinha de passar pela instalao daEstao de Tratamento de gua, onde Briar Wilkes e vrias centenas de outros

    passavam dez ou quinze horas por dia enganchando e desenganchando cilindrosde bronze e tanques, e movendo-os de uma estao a outra, de um filtro a outro.A maioria dos tanques ficava a uma altura elevada, e podiam ser descidos porcabos e trilhos de um lugar para outro, mas outros eram embutidos no cho etinham de ser deslocados de uma, tampa a outra como peas de um quebra-cabeas deslizante.

    Briar subiu os degraus dos fundos e levantou o brao da alavanca que prendia aentrada dos trabalhadores.

    Ficou piscando sem parar com a rajada costumeira de ar aquecido pelo vapor.o outro canto, onde os trabalhadores guardavam pertences da empresa em

    escaninhos, ela foi buscar suas luvas. No eram as peas de l grossa que elausava em casa, mas couro grosso que protegia suas mos do metalsuperaquecido dos tanques.

    Ela calou a luva esquerda at o pulso antes de notar a tinta. Na palma,descendo pelos dedos, e cruzando-os pelas costas, algum havia pintado faixas deum azul brilhante. A luva direita havia sofrido idntico ato de vandalismo.

    Briar estava sozinha na rea dos trabalhadores. Ela havia chegado cedo, e a tintaestava seca. A brincadeira havia sido feita na noite anterior, depois que ela foraembora. No havia ningum presente a quem acusar.

    Ela deu um suspiro e enfiou os dedos na outra luva manchada. Pelo 'menosdesta vez ningum havia enchido o interior de tinta. As luvas ainda eramaproveitveis, e no precisariam ser substitudas. Talvez ela pudesse at mesmolimp-las mais tarde.

    Isso nunca envelhece, no ? ela disse consigo mesma. Dezesseis

    malditos anos e seria de se esperar que, de algum modo, a piada pudesse terficado velha.

    Ela deixou suas prprias luvas de l na prateleira que costumava ter seu nomenela. Ela havia escrito WILKES ali, mas enquanto no estava olhando, ele haviasido riscado e substitudo por BLUE. Ela riscara o BLUE e reescrevera oWILKES, e o jogo se repetiu vrias vezes at no restar espao na prateleira

    para ningum escrever mais nada, m as todos sabiam a quem ela pertencia.

    Seus culos no haviam sido incomodados; s por isso ela j estava grata.

    As luvas j haviam sido caras o bastante, e o equipamento de cabea feito pela

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    empresa custaria uma semana de pagamento para restaurar.

    Todos os trabalhadores usavam culos com lentes polarizadas. Por motivos queningum entendia completamente, essas lentes permitiam que o usurio visse atemida Praga. Mesmo em quantidades vestigiais, ela apareceria como umanvoa amarelo-esverdeada que vazava e pingava. Embora a Praga fossetecnicamente uma substncia gasosa, era uma substncia muito pesada que se

    derramava ou empoava como uma papa espessa. Briar prendeu as lentes enormes no rosto e deixou o sobretudo num cabide de

    parede. Apanhou uma chave de boca quase do tamanho de seu antebrao e foiat o andar principal para comear seu dia de transferir crisis escaldantes deuma abertura para outra.

    Dez horas mais tarde, ela retirou as luvas, tirou os culos e abandonou tudo emcima da prateleira.

    Abriu a porta de metal dos fundos para descobrir que ainda estava chovendo, oque no a surpreendeu. Amarrou seu chapu grande e de abas redondas maisforte debaixo do queixo. No precisava de mais faixas alaranjadas rodopiandosob seus cabelos escuros, cortesia dessa chuva terrvel.

    Com o sobretudo bem am arrado sobre o peito e as mos bem enfiadas nosbolsos, ela partiu para casa.

    O cam inho de volta para casa era quase todo de ladeira acima, mas o ventoestava atrs dela, soprando do oceano e batendo nas cordilheiras que ficavam smargens da cidade velha. A caminhada propriamente dita era longa, masfamiliar, e ela a realizou sem pensar muito no vento ou na gua. Ela tinhaconvivido com esses caprichos da temperatura por tanto tempo que eles haviamse tornado msica de fundo, desagradveis, porm no notados, a no ser quandoos dedos dos seus ps ficavam dormentes e ela tinha de bat-los com fora nocho para trazer a sensibilidade de volta.

    Mal havia acabado de escurecer quando ela chegou em casa.

    Isso a deixou quase tonta de felicidade. Durante o inverno ela ficava toraramente em casa antes que o cu ficasse inteiramente escuro que ela seespantava ao se ver subindo os degraus tortos de pedra enquanto ainda havia umtoque de rosa por entre as nuvens de chuva.

    Uma pequena vitria ou no, ela teve vontade de comem orar.

    Mas primeiro, pensou, devia desculpas a Ezekiel. Podia sent-lo e conversarcom ele, se ele quisesse ouvir. Ela poderia lhe contar algumas histrias, sechegasse a esse ponto. No tudo, claro.

    Ele no podia saber a pior parte, muito embora provavelmente achasse que

    sabia. Briar conhecia as histrias que circulavam. Ela prpria j as tinha ouvido,sido interrogada a respeito delas por dezenas de policiais, reprteres e

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    sobreviventes furiosos.

    Ento Zeke certamente as havia ouvido tambm. Ele havia sido perse-guido porelas desde que j tinha idade suficiente para chorar na escola. Uma vez, anosatrs, quando ele mal chegava sua cintura, ele havia perguntado se algumadelas era verdade. Seu pai realmente havia construdo a terrvel mquina quequebrou a cidade at fazer com que pedacinhos dela cassem dentro da Terra?

    Ele realmente provocou a Praga? Sim ela teve de lhe contar. Sim, foi assim que aconteceu, mas no sei

    por qu. Ele nunca me contou. Por favor, no m e pergunte mais.

    Ele nunca m ais perguntou, muito embora Briar s vezes quisesse que sim.

    Se ele perguntasse, ela poderia ser capaz de lhe dizer algo de bom algo debonito. Nem tudo havia sido m edo e estranheza, havia? Ela honestamente am araseu marido um dia, e havia motivos para isso. Alguns deles no devem ter sidogerados a partir da estupidez de uma garotinha, e nem tudo era dinheiro.

    Ah, ela sabia que ele era rico desde o comeo e talvez, em algum pequenoaspecto, o dinheiro tivesse tornado mais fcil ser estpida. Mas a questo nuncafoi dinheiro.

    Ela podia contar a Zeke histrias de flores mandadas em segredo, de anotaesfeitas em tinta quase mgica pela maneira como brilhava, queimava edesaparecia. Havia maquininhas bonitas e brinquedos sedutores. Certa vez,Leviticus fez para ela um alfinete que parecia um boto de casaco, mas quando a

    borda trabalhada em filigranas era girada, minsculas engrenagens mecnicasem seu interior tocavam uma msica preciosa.

    Se Zeke tivesse perguntado, ela poderia ter compartilhado uma ou duas anedotasque faziam o homem parecer menos monstruoso.

    Era uma burrice, ela percebeu, a maneira como ela havia ficado esperando queele perguntasse. Subitamente a coisa ficou bvia: ela devia simplesmente dizer aele. Deixar a pobre criana saber que tambm houve bons tempos, e que houve

    bons motivos pelo menos, eles pareceram bons motivos na poca pelosquais ela havia fugido de casa e de seu pai rgido e distante e se casado com ocientista quando no era muito mais velha do que seu filho agora.

    Alm do mais, na noite anterior o que ela devia ter dito a ele era: Voctam bm no fez nada. Eles esto errados a seu respeito tambm, mas voc aindatem tempo de provar. Voc ainda no fez o tipo de escolhas que iro destruir suavida.

    Essas resolues fizeram seu esprito ficar mais leve do que a volta mais cedopara casa, e a esperana de que Zeke pudesse estar ali dentro. Ela poderiacomear naquele instante, corrigindo seus velhos males que eram apenaserros de incerteza, afinal.

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    Sua chave girou na fechadura com um rudo enferrujado e a porta se abriu paradentro, revelando a escurido.

    Zeke? Zeke, voc est em casa?

    A lareira estava fria. O lam pio estava em cima da mesa ao lado da porta,ento ela o pegou e procurou um fsforo. No havia uma nica vela acesa alidentro, e ela ficou incomodada por precisar de iluminao extra. Havia mesesdesde a ltima vez que ela voltara para casa e simplesmente abrira as cortinasem busca de luz. Mas o sol j havia se posto quase totalmente agora, e osaposentos estavam escuros, exceto pelos lugares onde seu lampio afastava assombras.

    Zeke?

    Ela no sabia ao certo por que cham ou seu nome novamente. J sabia que eleno estava em casa. Tambm no era apenas a escurido; era a maneira como acasa parecia vazia. Ela parecia silenciosa de um jeito que no podia incluir umgaroto fechado em seu quarto.

    Zeke? o silncio era insuportvel, e Briar no sabia por qu. Ela haviachegado a uma casa vazia muitas vezes antes, e isso nunca a deixara nervosa.

    Seu bom humor evaporou.

    A luz do lam pio varreu o interior. Detalhes se infiltravam pelo brilho.

    No era sua imaginao. Havia algo de errado. Um dos armrios da cozinhaestava aberto; era onde ela guardava os secos, quando os tinha biscoitos em

    lata e cereais. Ele havia sido saqueado, e estava vazio. No meio do cho, emfrente grande poltrona de couro, uma pecinha de metal reluziu quando captouos limites da luz da vela.

    Uma bala.

    Zeke? ela tentou mais uma vez, mas desta vez foi menos uma pergunta doque uma afirmao sem flego.

    Ela apanhou a bala e a exam inou; e enquanto ficou ali em p, interrogando opedacinho com os olhos, sentiu-se exposta.

    No como se estivesse sendo observada, mas como se estivesse aberta paraataque.

    Como se houvesse perigo, e esse perigo pudesse ver um caminho deentrada.

    As portas. Descendo o pequeno corredor, quatro portas uma que dava paraum closet e trs para os quartos.

    A porta de Zeke estava aberta.

    Ela quase deixou cair a lanterna e a bala ao mesmo tempo. Um medo cegoapertou seu peito, e ela ficou ali grudada ao cho.

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    A nica maneira de se livrar dessa sensao era se mover, ento ela se moveu.Ela arrastou os ps para a frente, na direo do corredor. Talvez ela devesseverificar a presena de intrusos, mas algum instinto primitivo lhe disse que nohavia nenhum. O vazio era completo demais, e o eco muito absoluto.

    Ningum estava em casa, ningum que devesse nem ningum que no devesse.

    O quarto de Zeke estava quase exatamente do jeito que estava quando ela derauma espiadinha na vspera. No parecia limpo, mas no estava atulhado, porvirtude do fato de que ele tinha to poucos pertences.

    S que agora havia uma gaveta bem em cima de sua cam a.

    No havia nada dentro dela, e Briar no sabia o que ela um dia podia terguardado, ento passou direto por ela e seguiu para as outras gavetas que

    permaneceram no lugar. Estavam vazias, exceto por uma meia abandonada,coberta de buracos demais para cobrir um p.

    Ele possua uma bolsa. Isso ela sabia que ele tinha; ele a levava para a escola,quando se dignava a ir. Ela a havia feito para ele, costurando pedaos avulsos decouro e lona at ter fora e tamanho o bastante para conter os livros que ela malconseguia comprar. H pouco tempo, ele havia lhe pedido para consert-la,ento ela sabia que ele ainda a utilizava.

    E ela no conseguia encontr-la.

    Uma rpida varredura do quartinho no bastou para ach-la, nem para revelarqualquer sinal de onde o garoto ou a sacola poderiam ter ido... at que ela caiu de

    oelhos e levantou a beirada do edredom. Embaixo de cama no havia nada.Mas, debaixo do colcho, entre a armao e o protetor de colcho, alguma coisaestava fazendo uma marca geomtrica. Ela enfiou a mo ali no meio e pegouum pacote de alguma coisa m acia que estalou por entre seus dedos.

    Papis. Uma pilha pequena de papis, de vrias formas e tamanhos.

    Incluindo...

    Ela virou a pilha de um lado e verificou a frente, o verso, e o medo gelando seuspulmes de modo tal que ela mal conseguia respirar.

    ...um mapa do centro de Seattle, rasgado ao meio. A metade desaparecida teria indicado o antigo distrito financeiro onde amquina Boneshaker havia provocado o catastrfico terremoto em seu primeiroteste... e onde, alguns dias mais tarde, o gs da Praga havia comeado a vazar.

    Onde ele o havia conseguido?

    Num dos lados, o mapa tinha uma parte rasgada que a fez pensar que ele umdia fizera parte de um livro. Mas a pequena biblioteca da cidade nunca reabrirafora das muralhas, e os livros faltavam e eram caros. Ele no o teria

    comprado, mas poderia t-lo roubado, ou...

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    O mapa tinha um cheiro esquisito. Ela s notou depois de mais de um minutocom ele nas mos, e, de qualquer maneira, o cheiro era to familiar que quase

    passou despercebido. Ela levou o pedao de papel at o rosto e inalouprofundam ente. Podia ser apenas sua imaginao. S havia um jeito dedescobrir.

    Ela disparou corredor abaixo, entrou em seu prprio quarto, e comeou a

    cavucar dentro do armrio grande e velho at encontrar o que estava procurando um fragmento de lente que havia restado dos primeiros dias, dos maus evelhos dias... os dias em que a ordem de evacuao era nova e vaga.

    Ningum sabia ao certo do que estava fugindo, ou por qu; mas todos haviamdescoberto que voc podia ver isso, se tivesse mscara ou um par de culos comum pedao de vidro polarizado.

    Na poca no havia outro teste. Malandros vendiam lentes nas esquinas a preosridculos, e nem todas eram verdadeiras. Umas eram retiradas de mscaras

    industriais quebradas e culos de segurana, mas as mais baratas eram poucomais do que monculos individuais e fundos de garrafa.

    Naquela poca, dinheiro no era problema. A lente tingida de Briar, que cabiana palma de sua mo, era de verdade, e funcionava to bem quanto os culosque ela havia deixado numa prateleira na estao de tratamento.

    Acendeu mais duas velas e as levou at o quarto de Zeke, e, com a luz dolampio ajudando, ela levantou o pedao de vidro transparente arranhado e ousou para examinar as coisas que havia encontrado no colcho. E todas elas o

    mapa, os panfletos, os pedaos de cartazes reluziam com um halo amarelodoentio que as marcavam com tanta clareza quanto se tivessem recebido umcarimbo de a lerta.

    Praga ela grunhiu. Os papis estavam imundos com seus resduos.

    Na verdade, os papis estavam to completamente contaminados que haviapoucos e preciosos lugares de onde eles poderiam ter vindo. Ela no podiaimaginar que seu filho tivesse adquirido essas estranhas tiras no interior da cidadeselada com sua muralha gigante e intransponvel. Algumas das lojas do local

    vendiam artefatos com os quais o pessoal da cidade havia sido evacuado, maseles costumavam ser muito caros.

    Malditos sejam seus am igos imbecis e sua seiva de limo imbecil elaxingou. Malditos sejam todos eles.

    Ela se levantou correndo e voltou ao quarto, desta vez retirando uma mscarafacial de musselina. Ela a colocou ao redor do nariz e da boca e amarrou, eespalhou o contedo do colcho de Zeke sobre a sua cama. O sortimento eraestranho, para dizer o mnimo. Alm do mapa, ela encontrou bilhetes e entradas

    antigos, pginas arrancadas de romances, e recortes de jornais que eram mais

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    antigos do que o garoto.

    Briar queria estar com suas luvas de couro ali. No lugar delas, ela usou a meiaesburacada para tocar os papis, escolhendo-os e passando os olhos por eles edescobrindo seu prprio nome, ou pelo menos seu nome antigo.

    9 de Agosto de 1864. Autoridades vasculharam a casa de Leviticus eBriar Blue, mas nenhuma pista do incidente Boneshaker foiencontrada. Evidncias de m-f aumentam pois Blue permanecedesaparecido. Sua esposa no consegue fornecer uma explicao

    para o teste da mquina que quase fez desabarem as fundaes dacidade e matou pelo menos trinta e sete pessoas e trs cavalos.

    11 de Agosto de 1864. Briar Blue detida para interrogatrio depois dodesabamento do quarto banco na Avenida Comercial e dodesaparecimento de seu marido. Seu papel nos eventos dacalamidade Boneshaker permanece obscuro.

    Briar se lembrou dos artigos. Lembrou-se de tentar ter apetite para comerenquanto ha os malditos relatrios, sem saber ainda que sua nusea tinha outromotivo que no meramente o estresse da investigao. Mas onde Ezekiel haviaconseguido esses recortes, e como? Todas as histrias haviam sido impressasdezesseis anos atrs, e distribudas numa cidade que estava morta e fechada hquase todo esse tempo.

    Ela franziu o nariz e agarrou o travesseiro de Zeke, arrancando sua fronha eenfiando os papis dentro dela. Eles no deviam ser to perigosos, enfiadosdebaixo de suas roupas de cama; mas, quanto mais ela os cobrisse, melhor sesentia. Ela no queria simplesmente ocult-los nem cont-los; ela queria enterr-los. Mas no havia nenhum motivo real.

    Zeke ainda no tinha voltado para casa. Ela suspeitava que ele no tinhanenhuma inteno de voltar para casa naquela noite.

    E isso foi antes mesmo de ela encontrar o bilhete que ele havia deixado em

    cima da mesa de jantar, por onde ela havia passado direto. O bilhete era breve esrio. Ele dizia: "Meu pai era inocente, e eu posso provar. Desculpe por tudo,Volto assim que puder."

    Briar esmagou o bilhete na mo, e ficou ali parada tremendo at soltar um gritofrentico e furioso que sem dvida apavorou seus vizinhos, mas ela estavaligando to pouco para as opinies deles que soltou outro. Isso no a fez se sentirnem um pouco melhor, mas ela no conseguiu evitar um terceiro grito e pegar acadeira mais prxima e jog-la do outro lado da sala em cima da lareira.

    Ela se quebrou em dois contra a pedra, mas antes que tivesse tempo de desabarem pedaos no cho, Briar j estava na varanda da frente e descendo as escadas

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    correndo com o lampio na mo.

    Amarrou o chapu na cabea e apertou o sobretudo com m ais fora no corpoenquanto corria. A chuva havia quase parado e o vento estava forte comosempre, mas ela avanou contra ele. descendo a colina e percorrendo oslamaais at o nico lugar onde seria capaz de encontrar Ezekiel com certeza,como nos velhos tempos em que ele havia ficado fora tempo suficiente para

    deix-la preocupada. Perto da gua, um prdio de tijolos de quatro andares que havia sidoantigamente um armazm e depois um bordel, um contingente de freiras haviacriado um abrigo para, crianas que ficaram rfs por causa da Praga.

    O Lar para rfos das Irms da Graa havia criado toda uma gerao demeninos e meninas que de algum modo haviam conseguido escapar do gs echegar aos Arredores sem nenhuma superviso. Agora os mais jovens dosocupantes originais estavam ficando velhos o bastante para em pouco tempo

    serem levados a encontrar lares prprios ou aceitar trabalho dentro da igreja. Entre os garotos mais velhos havia um certo Rector "Destruidor" Sherman, umrapaz de no mximo dezessete anos, e que era famoso como distribuidor da ilegal

    porm muito cobiada seiva de limo. Era uma droga barata um a substnciaamarelada, granulada e pastosa destilada do gs da Praga e seus efeitos eramagradveis, mas devastadores. A "seiva" era cozida e inalada para a obteno deum estado de xtase de apatia, at que o uso crnico comeasse a matar... masno rapidamente.

    A seiva no danificava apenas a mente; ela necrosava o corpo. A gangrenasurgia e se espalhava, partindo dos cantos das bocas e devorando bochechas enarizes. Dedos das mos e dos ps caam, o corpo podia se transformarinteiramente numa pardia dos "podres" mortos-vivos que sem dvida aindavagavam sem esperana pelos bairros murados.

    Apesar das bvias desvantagens, a droga estava em alta demanda. E como ademanda era boa, Rector estava pronto com um sortimento completo decachimbos, sugestes e minsculos pacotes de seiva de limo.

    Briar havia tentado manter Zeke longe de Rector, mas no podia fazer m uitopara cont-lo e, pelo menos, Rector no parecia interessado em deixar Zekevender ou usar a seiva. De qualquer maneira, Zeke estava mais interessado nacomunidade, na camaradagem e na chance de se encaixar num bando degarotos que no jogassem tintura azul nele nem o segurassem para escrevercoisas terrveis em seu rosto. Isso ela entendia, mas no queria dizer que elagostasse, e tambm no queria dizer que ela gostasse do varapau ruivo queatendeu ao seu chamado urgente e insistente.

    Ela em purrou uma freira num hbito cinza pesado e cercou Rector num canto.Os olhos do rapaz eram grandes e srios demais para serem inocentes de

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    qualquer coisa.

    Voc ela comeou com um dedo apontado l no alto, embaixo de seuqueixo Voc sabe onde meu filho est, e vai me dizer, ou vou arrancar suasorelhas e fazer com que voc as coma, seu vagabundo vendedor de veneno. Tudo isso saiu sem entrar no territrio dos gritos, mas cada palavra tinha o pesode um martelo.

    Irm Claire? ele gemeu. Tinha recuado o mximo que podia e no haviamais para onde ir.

    Briar disparou para a Irm Claire um olhar que teria derretido metal, e voltousua ateno para Rector. Se eu tiver que perguntar duas vezes, voc vailamentar pelo resto da sua vida... por menos longa que ela possa ser.

    Mas eu no sei. No sei. Eu no sei ele gaguej ou.

    Mas voc pode fazer uma suposio, aposto, e provavelmente seria uma

    suposio muito boa, e Deus me ajude se eu no comear a ouvir algumassuposies comearem a sair da sua boca. Eu vou machucar voc e muito, e noh um padre ou freira ou mais ningum aqui num uniforme de Deus que h dereconhecer voc quando eu terminar. Os anjos vo chorar quando virem o querestou de voc. Agora fa le.

    O olhar frentico dele ficou passando alucinadam ente entre Briar, a Irm Claire, que estava boquiaberta, e um padre que havia acabado de entrar noaposento.

    Briar foi apanhada bem a tempo de se segurar para no dar um soco noestmago do rapaz.

    Entendi, est certo. Ele no queria falar de negcios na frente de seussenhorios.

    Ela o agarrou pelo brao e o puxou para frente, dizendo por sobre o ombro: Perdo, Irm, Irmo, mas este jovem e eu vamos ter uma conversinha. S vailevar um momentinho, prometo, vocs vo v-lo de novo antes da hora dedormir. E ento, abaixando bem a voz ao levar o garoto at as escadas:

    Tenha em mente, Sr. Destruidor, que eu no fiz promessa alguma quanto ao seuestado fsico quando eu devolver voc.

    Eu ouvi, eu ouvi ele disse. Esbarrou num canto e tropeou num degrauquando Briar o puxou para baixo.

    Ela no sabia para onde o estava levando, mas era escuro e silencioso, e apenasum par de minsculos lampies de parede e o lampio de Briar evitavam que asescadas fossem impossveis de navegar.

    No poro havia um ponto estreito atrs dos degraus.

    Ela parou Rector com um safano e o forou a olhar de frente para ela.

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    Aqui estamos ela lhe disse num grunhido feito para a terrorizar um urso.

    Ningum mais para ouvir. Voc vai falar, e vai falar rpido. Eu quero saberpara onde Zeke foi, e quero saber agora.

    Rector estremeceu e bateu na mo dela, tentando desgrudar os dedos de seubceps m agro. Mas ela no soltava. Pelo contrrio: apertou com mais fora , atele dar um gemido agudo e reunir coragem suficiente para se contorcer todo eescapar da mo dela.

    Tudo o que ele quer provar que Leviticus no era louco nem criminoso!

    O que faz voc pensar que ele pode fazer isso? E como ele poderia sequercomear tamanha tarefa?

    O garoto respondeu, com muito mais cautela do que deveria se fosse inocente: Ele poderia ter ouvido um boato em algum lugar.

    Que boato? De que lugar?

    Havia histrias sobre um livro contbil, no havia? Blue no disse que osrussos pagaram a ele para fazer uma coisa estranha com o teste?

    Ela estreitou os olhos. Foi isso o que Levi disse. Mas nunca houve provaalguma. E se houvesse alguma prova, voc no poderia provar por meuinterm dio... porque ele nunca a mostrou para ningum .

    Nem mesmo a voc?

    Especialmente no para mim ela disse. Ele nunca me disse uma nicacoisa a respeito do que estava fazendo naquele laboratrio, com aquelas

    mquinas. E certamente nunca dividiu nenhum detalhe financeiro. Mas voc era esposa dele!

    Isso no quer dizer nada ela disse. Ela j am ais havia descoberto ao certo seseu marido havia ficado to quieto porque no confiava nela, ou porque achavaque ela era burra. Provavelmente um pouco de cada.

    Escuta, madame, a senhora deve ter sabido que Zeke estava se perguntandoquando comeou a fazer perguntas a respeito.

    Briar bateu no corrimo com a m o livre. Ele nunca fez nenhuma pergunta!em uma vez sequer, no desde que era um menininho, ele perguntou sobreLevi. E acrescentou, mais baixo: Mas ele tem perguntado sobre Maynard.

    Rector ainda estava olhando fixo para ela, ainda encurralado, ainda recuado omais distante possvel de Briar. Este era o ponto em que ele devia ter interferidocom algo que pudesse ajudar, mas permaneceu em silncio at ela fechar o

    punho e bater novam ente no corrimo de m etal.

    No ele disse, estendendo as mos. Madam e, no... no faa isso. Ele

    vai ficar bem, a senhora sabe. Ele um sujeito esperto. Ele conhece oscaminhos, e sabe sobre Maynard, ento ele vai ficar bem.

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    O que voc quer dizer com isso? Ele sabe sobre May nard? Todo mundo sabesobre May nard.

    Ele fez que sim, abaixando as mos e levando-as mais perto do peito, prontopara se defender se a coisa chegasse a esse ponto. Mas Zeke neto dele, e aspessoas vo cuidar dele. No, bem ... Ele calou a boca, e comeou de novo.

    em todo mundo l fora, mas para onde ele vai, o que ele est fazendo... o tipo

    de pessoal que ele vai encontrar? Todas aquelas pessoas, elas sabem sobreMaynard, e vo cuidar dele.

    Todas aquelas pessoas andei ela perguntou, e a ltima palavra saiu comum qu de angstia, porque ela sabia muito embora fosse impossvel, e umaloucura. Ela sabia onde, muito embora no fizesse o menor sentido.

    Ele partiu... Ele foi... Rector levantou o dedo indicador e apontou nadireo geral da cidade velha.

    Briar precisou invocar cada grama de fora de vontade para no dar um murrona cara do garoto; ela no tinha o bastante para fazer isso e