BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 659 · O direito ao esquecimento se refere aos...

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BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 659

(Ano VIII)

(22/7/2016)

 

ISSN- -  

 

 

 

 

 

 

 

 

BRASÍLIA ‐ 2016 

Boletim

Conteú

doJu

rídico-ISSN

–1984-0454

 

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ConselhoEditorial 

COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.

Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário

Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.

Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.

Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

   

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SUMÁRIO

COLUNISTA DO DIA

 

22/07/2016 Carlos Eduardo Rios do Amaral 

» Condomínio deve indenizar dono de animal envenenado

ARTIGOS  

22/07/2016 Clarissa Ferraz Monteiro » O direito ao esquecimento e as biografias não autorizadas 

22/07/2016 Ruth Helena Silva Vasconcelos Pereira 

» A necessidade de demonstração de imprescindibilidade de oitiva das testemunhas e de cartas 

precatórias no processo civil brasileiro 

22/07/2016 Amanda Expósito Tenório de Araújo 

» O Brasil na temática do trabalho análogo à escravidão na esfera internacional 

22/07/2016 Beatriz Figueiredo Campos da Nóbrega 

» Povos indígenas: seu tratamento à luz do Estatuto do Índio, da Constituição Federal e da 

jurisprudência nacional 

22/07/2016 Natália Costa Aglantzakis 

» Noções introdutórias acerca do controle de constitucionalidade 

22/07/2016 Pedro Matos de Arruda 

» Da (In)comunicabilidade dos rendimentos de participações societárias no regime de comunhão 

parcial de bens 

22/07/2016 Thyago de Pieri Bertoldi 

» A eficiência da repercussão geral como filtro recursal no recurso extraordinário 

MONOGRAFIA 

22/07/2016 Manuela Clemente Silva Torres Rabelo » O Concubinato Adulterino como Entidade Familiar: a necessidade do rateio da pensão por morte 

entre a viúva e a concubina 

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CONDOMÍNIO DEVE INDENIZAR DONO DE ANIMAL ENVENENADO

CARLOS EDUARDO RIOS DO AMARAL: Defensor Público do Estado do Espírito Santo.

Nesta segunda década deste terceiro milênio ninguém ousaria duvidar que os condomínios residenciais de apartamentos e casas constituem-se em verdadeiras fortalezas escolhidas por aqueles que buscam segurança e tranquilidade pagas nas grandes cidades do País.

Mediante o pagamento de uma taxa condominial nada módica o condomínio promete ao seu condômino zelar pelo seu conforto, bem-estar e segurança.

Vislumbra-se nessa complexa relação entre condomínio e condômino um típico negócio jurídico bilateral. Para que este último goze dos benefícios e vantagens quanto à sua segurança, de sua família e de seu patrimônio deverá o mesmo desembolsar todas as importâncias sedimentadas mensalmente em sua cota-parte.

Por sua vez, a contrapartida obrigacional por excelência do condomínio é fazer com que todo o seu aparato de segurança esteja funcionando de modo ininterrupto, sem intermitências. Para tanto, a assembleia geral de moradores elege um síndico, geralmente remunerado, que deverá fiscalizar todo o regular funcionamento dos serviços de vigilância do condomínio, auxiliado não raras vezes por pessoa jurídica especializada no ramo.

Assim, todo e qualquer envenenamento de animal provocado no interior do condomínio residencial é fato inevitavelmente passível de indenização. Pois atingido bem jurídico de condômino, o dono do animal, ocasionado pelo defeito do serviço de vigilância prometido pelo condomínio.

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Tratando-se de serviço – o de segurança – genuinamente prestado pelo condomínio, nos termos do §1º, do Art. 373 do Novo Código de Processo Civil de 2015, caberá a este a demonstração de sua inocência, provando que o fato não ocorreu nas suas dependências comuns.

A velha e conhecida admissão pelo condomínio de que não possui a captação das imagens da colocação do veneno pelo agente criminoso ou de que a filmagem de seu sofisticado circuito interno à época dos fatos foi apagada conspirará contra a sua própria defesa. Pois demonstrará apenas o defeito na prestação do serviço de vigilância e segurança eletrônicas das partes comuns, bem como o vício no armazenamento das imagens.

Cabe registrar que o pagamento da indenização pelo condomínio ao dono do animal envenenado importará na sub-rogação daquela entidade no direito de regresso em desfavor do agente criminoso causador do dano. E se este não for identificado restará ao síndico apenas ratear entre todas as unidades o ressarcimento feito ao morador prejudicado pela morte de seu animal.

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O DIREITO AO ESQUECIMENTO E AS BIOGRAFIAS NÃO AUTORIZADAS

CLARISSA FERRAZ MONTEIRO: Advogada. Graduada pela Universidade Católica de Pernambuco.

RESUMO: O presente artigo trata sobre o direito ao esquecimento, trazendo

discussões acerca de sua aplicação pela jurisprudência, com enfoque no

seu conflito com a liberdade de informação. Discorre sobre a necessidade

de ponderação entre interesses assegurados constitucionalmente e o

embate com a desnecessidade de autorização para a publicação de

biografias.

Palavras-chave: Direitos da personalidade. Direito ao esquecimento.

Liberdade. Biografias.

1. INTRODUÇÃO: DO DIREITO AO ESQUECIMENTO

O direito ao esquecimento se refere aos acontecimentos passados que

geram perturbação ao individuo ou a seus familiares, trazendo a ânsia de

que tal fato seja excluído do debate público ou rememorado [1].

Na VI Jornada de Direito Civil foi aprovado o Enunciado n. 531, que

reconheceu o direito ao esquecimento como uma das formas de expressão

do princípio da dignidade da pessoa humana na sociedade de informação.

Como justificativa do enunciado apresentada pelo Conselho da Justiça

Federal:

Os danos provocados pelas novas tecnologias de

informação vêm-se

acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento t

em sua origem histórica no campo das condenações criminais.

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Surge como parcela importante do direito do ex-detento à

ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos

ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a

possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos,

mais especificamente o modo e a finalidade com que são

lembrados.

Conforme ensina a doutrina, o direito ao esquecimento, na verdade,

trata da possibilidade que deve ser reconhecida a todos os indivíduos de

restringir o uso de fatos pretéritos ligados a si, mais especificamente no que

tange ao modo e a finalidade com que são lembrados esses fatos passados.

Destarte, não se trata de atribuir a alguém o direito de apagar fatos ou de

reescrever a história - ainda que seja a própria história.

Dessa forma, o direito ao esquecimento se trata do direito de “impedir

que dados e fatos pessoais de outrora sejam revisados, repristinados, no

presente ou no futuro de maneira descontextualizada”. Ou seja,

consubstancia em uma garantia contra o denominado

superinformacionismo. [2]

É importante mencionar que somente analisando cada caso concreto

será possível determinar por exemplo qual é efetivamente a abrangência do

fato a ser esquecido e o tempo razoável para que um fato não mais deva

reverberar, com vistas à proteção do titular da personalidade. Destarte, não

é possível responder tais indagações aprioristicamente. [3]

O direito ao esquecimento - que representa proteção à personalidade

- apresenta um conflito com interesses outros, também tutelados pelo

ordenamento jurídico, como a liberdade de imprensa.

Nesse contexto, é necessário que haja uma ponderação dos interesses

em conflito para que caso a caso seja encontrada a melhor solução.

Ademais, é importante destacar que

existem fatos que estão enraizados na vida e na história

de uma sociedade, prendendo-se, muita vez, ao próprio

processo de formação da identidade cultural de um povo. Estes

não serão apagados e, tampouco, esquecidos. [4]

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Conforme ensina Rosenvald, o direito ao esquecimento:

surgiu na discussão sobre a possibilidade da pessoa

impedir a divulgação de informações que, apesar de verídicas,

não sejam contemporâneas e causem transtornos das mais

diversas ordens. O direito ao esquecimento confere ao sujeito

a prerrogativa de não ser eternamente lembrado pelo equívoco

pretérito ou por situações constrangedoras e vexatórias,

preservando-se a sua esfera da intimidade. [5]

Como um exemplo de aplicação do direito ao esquecimento pela

jurisprudência pátria, cite-se o julgamento pelo STJ do pedido de familiares

de Aida Curi (Resp 1.335.153RJ), uma jovem assassinada em 1985 no Rio

de Janeiro, crime que teve a história apresentada em programa televisivo,

com a divulgação do nome da vítima e dos fatos ocorridos. Conforme

Rosenvald:

Em Dezembro de 2014 o STF declarou a repercussão

geral do direito ao esquecimento, com base recurso

extraordinário oriundo de um processo movido pelos familiares

de Aída Curi, que morreu aos 18 anos de idade, em 1958,

vítima de um crime bárbaro. A história desse crime, um dos

mais famosos do noticiário policial brasileiro, foi apresentada

no programa Linha Direta com a divulgação do nome da vítima

e de fotos reais, o que, segundo seus familiares, trouxe a

lembrança do crime e todo sofrimento que o envolve. Os

irmãos da vítima moveram ação contra a emissora com o

objetivo de receber reparação por danos morais, patrimoniais

e à imagem. Por maioria de votos, o STJ entendeu que, nesse

caso, o crime era indissociável do nome da vítima. Isto é, não

era possível que a emissora retratasse essa história omitindo

o nome da vítima, a exemplo do que ocorre com os crimes

envolvendo Dorothy Stang e Vladimir Herzog.[6]

Para o STJ, não só o ofensor como também as vítimas de crimes e

seus familiares têm direito ao esquecimento, evitando que canais de

informação se enriqueçam mediante a indefinida exploração das desgraças

privadas pelas quais passaram. No entanto, esclareceu a Corte que assim

como o direito ao esquecimento do ofensor - condenado e já penalizado -

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deve-se ponderar a questão da historicidade do fato narrado. Assim, em um

crime de repercussão nacional, a vítima acaba por se tornar elemento

indissociável do delito, o que inviabiliza a narrativa do crime caso se

pretenda omitir a figura do ofendido.

Outro caso a ser citado é o da Chacina da Candelária (Resp

1.334.097RJ), em que o STJ entendeu que houve violação ao direito ao

esquecimento por parte de emissora de televisão, que reapresentou o caso,

mencionando o nome e apresentando a imagem de individuo que fora

absolvido criminalmente da pratica deste fato. Entendeu a Corte que deveria

haver tutela ao direito ao esquecimento, com imputação de ressarcimento a

emissora de televisão, já que a história poderia ter sido veiculada de forma

fidedigna sem qualquer menção ao nome a imagem daquele individuo que

inclusive fora absolvido na esfera criminal.

Consoante deixou expresso a Corte, o reconhecimento do direito ao

esquecimento dos condenados que cumpriram integralmente a pena e dos

que foram absolvidos em processo criminal, revela que o direito ao

esquecimento afirma-se, na verdade, como um direito à esperança, em

absoluta sintonia com a presunção legal e constitucional de regenerabilidade

da pessoa humana. Portanto, para o STJ, entre a memória - que é a conexão

do presente com o passado - e a esperança - que é o vínculo do futuro com

o presente -, nosso ordenamento jurídico fez clara opção pela segunda.

Nesse ponto, é importante destacar que mesmo quem cometeu um

crime, após o transcurso de certo lapso temporal, tem a prerrogativa de ver

apagadas as consequências penais do seu ato. Dessa forma, não seria

razoável que os atos da vida privada, sendo divulgados, permaneçam

indefinidamente nos meios de comunicação. [7]

2. DAS BIOGRAFIAS E DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO

A doutrina aponta a liberdade de expressão como um dos mais

relevantes direitos fundamentais, assegurada constitucionalmente nos

artigos 5º, IV e XIV, e 220. [8]

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Estão incluídas na liberdade de expressão diversas faculdades, como

a de comunicação de pensamentos, de ideias, de expressões.

A garantia de liberdade de expressão tutela, ao menos

enquanto não houver colisão

com outros direitos fundamentais e com outros valores c

onstitucionalmente estabelecidos, toda opinião, convicção,

comentário, avaliação ou julgamento sobre qualquer assunto

ou sobre qualquer pessoa, envolvendo tema de interesse

público,

ou não – até porque ‘diferenciar entre opiniões valiosas

ou sem valor é uma

contradição num Estado baseado na concepção de uma

democracia livre e pluralista’. No direito de expressão cabe,

segundo a visão generalizada, toda mensagem, tudo o que se

pode comunicar- juízos, propaganda de ideias e notícias sobre

fatos. A liberdade de expressão, contudo, não abrange a

violência [9].

Conforme ensina Gilmar Mendes,

não é o Estado que deve estabelecer quais as opiniões

que merecem ser tidas como válidas e aceitáveis; essa tarefa

cabe, antes, ao público a que essas manifestações se dirigem.

Daí a garantia do artigo 220 da Constituição Federal. Estamos,

portanto, diante de um direito de índole marcadamente

defensiva- direito a uma abstenção pelo Estado de uma

conduta que interfira sobre a esfera de liberdade do individuo

[10]

A Constituição Federal assegura a liberdade de imprensa, que abrange

diferentes meios de comunicação, como jornais, revistas, televisão, rádio e

internet. No entanto, se no Estado Democrático de direito a liberdade de

imprensa não pode estar submetida a prévia censura, também os direitos da

personalidade merecem especial tutela constitucional [11].

Para Gilmar Mendes,

Convém compreender que censura, no texto

constitucional, significa ação governamental, de ordem prévia

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centrada sobre o conteúdo de uma mensagem. Proibir a

censura significa impedir que as ideias e fatos que o indivíduo

pretende divulgar tenham de passar, antes, pela aprovação de

uma agente estatal. A proibição de censura não obsta, porém,

a que o indivíduo assuma as consequências, não só cíveis,

como igualmente penais, do que expressou [12].

Conforme ensina a doutrina, nas hipóteses de colisão de direitos da

personalidade e liberdade de imprensa, não há qualquer hierarquia,

merecendo, ambas as figuras, uma tutela constitucional. Assim, impõe-se o

uso da técnica de ponderação dos interesses, de modo que seja possível

averiguar, no caso concreto, qual o interesse que sobrepuja, na proteção da

dignidade humana [13].

É importante destacar nesse ponto que:

A colisão de princípios constitucionais ou de direitos

fundamentais não se resolve mediante o emprego dos critérios

tradicionais de solução de conflitos de normas, como o

hierárquico, o temporal e o da especialização. Em tais

hipóteses, o intérprete constitucional precisará socorrer-se da

técnica de ponderação de normas, valores ou interesses, por

via da qual deverá fazer concessões recíprocas entre as

pretensões em disputa, preservando o máximo possível do

conteúdo de cada uma. Em situações extremas, precisará

escolher qual direito irá prevalecer e qual será

circunstancialmente sacrificado, devendo fundamentar

racionalmente a adequação constitucional de sua decisão. [14]

Com relação à liberdade de expressão, surge questionamento sobre a

publicação de biografias não autorizadas de pessoas públicas. Conforme

alerta a doutrina, no que tange a detalhes particulares da vida privada de um

indivíduo, até mesmo das pessoas públicas (celebridades), tendo em vista

que a liberdade de expressão não é absoluta, há a incidência dos

instrumentos da responsabilidade civil, com vistas a proteção dos direitos da

personalidade [15].

Sobre as biografias, Rosenvald explica que:

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Na etimologia grega, "biografia" traduz a vida transcrita.

Uma das modalidades em que se desdobra o direito à

informação consiste no direito dos cidadãos ao conhecimento

de sua história e à construção da memória coletiva. A

personalidade cuja trajetória pessoal, profissional, artística ou

política gere dimensão social, goza de uma esfera de

intimidade naturalmente mais estreita. Certamente, há uma

margem de dados e acontecimentos que não se franqueiam

indistintamente, mas essa reserva não defere ao biografado o

direito potestativo de submeter a sociedade à exclusão

absoluta sobre as informações suscetíveis de lícita apuração

ou que sejam voluntariamente reveladas pelos seus

detentores. A história de vida do ser humano passa a se

confundir com a história coletiva, na medida de sua inserção

em acontecimentos de interesse público. As biografias, em sua

articulação do geral e do particular, em sua capacidade de

desenhar o contexto e mergulhar no indivíduo são

instrumentos privilegiados de acesso ao sujeito e a sociedade

[16].

Nesse contexto, é necessário buscar uma solução que permita a

convivência entre liberdade de expressão e intimidade do biografado.

Portanto, deve-se conferir precedência ao direito que não anula o outro, ou

seja, como já manifestou o Min. Ayres Britto:

quando se parte da tutela à intimidade antes do direito à

liberdade de expressão, este ficou prejudicado e não pode ser

exercido. No caso inverso, há uma ponderação que leva ao

entendimento de que biografar é uma descrição de coisas já

acontecidas, é atividade de quem apenas descreve o modo

pelo qual o biografado viveu e já fez o concreto uso de sua

intimidade e vida privada. Noutros termos, o ato de biografar

não se traduz em interceptar escutas telefônicas, bisbilhotar

recintos privados, esconder-se em armários alheios ou

qualquer outra forma de obstruir o direito que assiste à pessoa

humana de desfrutar de uma vida íntima e manter relações de

natureza privada. Nada disso! Biografar é a descrição do que

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vem depois desse desfrute, materializado por um modo a que

o biógrafo teve acesso [17].

Na hipótese de biografia elaborada com base em inverdades ou fatos

distorcidos ou diante da ofensa à honra do biografado, havendo a este

prejuízos de ordem patrimonial, moral ou à imagem, sempre haverá uma

alternativa menos gravosa do que tolher a liberdade de expressão e impor a

censura. A vítima poderá intentar ação penal por crimes contra a honra, além

da possibilidade de exigir reparação no âmbito cível, juntamente ao exercício

do direito de resposta [18].

Conforme alerta a doutrina:

Este é o equacionamento da tensão entre liberdades

comunicativas e direitos da personalidade. Ao lado de

biografias sérias e embasadas em ampla e consistente

pesquisa fática, o mercado editorial sempre disponibilizará

trabalhos que beiram a leviandade. Infelizmente, em nome da

liberdade já foram e ainda serão cometidas grandes

atrocidades. A liberdade de expressão permite que todas as

obra se franqueiem ao público, ainda que somente as primeiras

constituam trabalhos legitimamente dignos de proteção [19].

3. DOS INTERESSES EM CONFLITO. DA LIBERDADE DE IMPRENSA E

DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

É importante destacar que não decorre do direito ao esquecimento o

direito potestativo de suprimir fatos ou fazer uma releitura da historia,

incluindo a própria historia, submetendo a sociedade. Por outro lado, o

direito ao esquecimento acaba por constituir um eficiente instrumento:

de controle sobre a razoabilidade do emprego dos fatos

pretéritos, ou seja, a forma pela qual o evento é rememorado

e a destinação a ele concedida. Cuida-se de uma tutela em

face daquilo que conhecemos como superinformacionismo,

uma fórmula bombástica que combina a velocidade do pós-

moderno, que dissemina toda e qualquer notícia, com a

curiosidade de uma sociedade ávida pelo entretenimento [20].

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A Suprema Corte julgou procedente a Ação Direta de

Inconstitucionalidade 4815, conferindo interpretação conforme a

Constituição aos artigos 20 e 21 do Código Civil, declarando inexigível a

autorização prévia para a publicação de biografias.

Nesse ponto, surge uma tensão entre de um lado, a liberdade de

expressão e direito à informação e, de outro, a proteção aos direitos da

personalidade (privacidade, imagem e honra).

O Supremo entendeu pela necessidade de balanceamento de direitos,

conjugando-se o direito às liberdades com a inviolabilidade da intimidade,

da privacidade, da honra e da imagem da pessoa biografada e daqueles que

pretendem elaborar as biografias. Conforme entendeu a Corte, a

autorização prévia para biografia constitui censura prévia particular,

proibida pela Constituição Federal. O exercício do direito à liberdade de

expressão não pode ser cerceada pelo Estado ou por particular.

Para parte da doutrina, é possível afirmar que o STF poderia incidir em

uma das figuras parcelares da boa fé objetiva - venire contra factum

proprium – caso prestigie a tutela inibitória do direito ao esquecimento. Isso

porque

No recente julgamento das biografias não autorizadas, a

Ministra Relatora priorizou o acesso da sociedade à

historiografia das pessoas notórias, considerando que “não é

proibindo, recolhendo obras ou impedindo sua circulação,

calando-se a palavra e amordaçando a história que se

consegue cumprir a Constituição”. Se em um giro de 180 graus

o STF considerar que o direito ao esquecimento defere ao

protagonista dos fatos (ou aos seus parentes) o poder de

censurar o trabalho da imprensa e de historiadores, fatalmente

incorrerá em conduta manifestamente contraditória ao

comportamento adotado no julgamento das biografias, lesando

a legítima expectativa da sociedade quanto à total

transparência de sua história e a promoção das liberdades

comunicativas, sobremaneira no que diz respeito a

personalidades públicas e fatos de interesse coletivo [21].

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Destarte, a doutrina destaca a necessidade de fixação das balizas de

aplicação do direito ao esquecimento, propondo uma série de

questionamentos ainda sem resposta:

Podemos considerar que o direito ao esquecimento

abrange qualquer fato ocorrido no passado que incomoda de

tal forma um sujeito, a ponto de desejar que o assunto não seja

reavivado por qualquer membro da sociedade? Qual é o lapso

temporal daqueles que pleiteiam o direito de esquecer? O que

determina se um acontecimento pretérito deverá ou não ser

trazido a? tona? Verificada a ilicitude do fato, qual seria a

melhor sanção a se aplicar: a tutela inibitória (eliminação da

informação), a tutela reparatória genérica do dano moral, ou a

tutela específica para se exigir a atualização das informações,

a fim de que o público conheça a verdade contextualizada? [22]

4. CONCLUSÃO

Diante do exposto, é possível concluir que o direito à informação foi

assegurado de forma expressa pela Constituição Federal. No entanto, como

todo direito fundamental, não se deve consubstanciar em um direito

absoluto, de modo que, no caso concreto, adotando-se a técnica da

ponderação, deve-se verificar qual direito deve prevalecer - se o direito a

informação ou liberdade de expressão, ou se os direitos da personalidade,

como a vida privada e a intimidade, todos estes também amparados pela

Carta Magna.

Nesse contexto, a aplicação do direito ao esquecimento deve ser

analisada no caso concreto, estabelecendo-se caso a caso os seus

parâmetros de aplicação, sob pena de haver uma afronta a preceitos

estabelecidos constitucionalmente, como o direito a informação.

5. REFERÊNCIAS

BARROSO, Luis Roberto. Colisão entre liberdade de expressão e

direitos da personalidade. Critérios de ponderação. Interpretação

constitucionalmente adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa. Revista

Jurídica da FIC. Fortaleza, v. 3, abr. 2004/out. 2004, p. 9-44.

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 ‐ 1984‐0454 

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito

civil. Volume I. 12ª edição. Salvador: Juspodivm, 2014.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva. 2012.

ROSENVALD, Nelson. Direito ao esquecimento: incidirá o STF

no venire?, 2015. Disponível em: http://www.nelsonrosenvald.info/#!Direito-

ao-Esquecimento-incidir%C3%A1-o-STF-no-

Venire/c21xn/559abcce0cf28e68712c561f. Acesso em 14 de jul.2016.

ROSENVALD, Nelson. E as biografias não autorizadas?, 2015.

Disponível em: http://www.nelsonrosenvald.info/#!E-as-biografias-

n%C3%A3o-autorizadas/c21xn/559ac36c0cf2585ebcdf6a13. Acesso em 14

de jul.2016.

NOTAS:

[1] ROSENVALD, Nelson. Direito ao esquecimento: incidirá o STF

no venire?, 2015. Disponível em: http://www.nelsonrosenvald.info/#!Direito-

ao-Esquecimento-incidir%C3%A1-o-STF-no-

Venire/c21xn/559abcce0cf28e68712c561f. Acesso em 14 de jul.2016.

[2] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de

direito civil. Volume I. 12ª edição. Salvador: Juspodivm, 2014, p.184

[3] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de

direito civil. Volume I. 12ª edição. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 185.

[4] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de

direito civil. Volume I. 12ª edição. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 185.

[5] ROSENVALD, Nelson. Direito ao esquecimento: incidirá o STF

no venire?, 2015. Disponível em: http://www.nelsonrosenvald.info/#!Direito-

ao-Esquecimento-incidir%C3%A1-o-STF-no-

Venire/c21xn/559abcce0cf28e68712c561f. Acesso em 14 de jul.2016.

[6] ROSENVALD, Nelson. Direito ao esquecimento: incidirá o STF

no venire?, 2015. Disponível em: http://www.nelsonrosenvald.info/#!Direito-

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[7] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de

direito civil. Volume I. 12ª edição. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 189.

[8] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso

de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva. 2012, p. 588

[9] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso

de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva. 2012, p. 590

[10] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso

de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva. 2012, p.591

[11] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de

direito civil. Volume I. 12ª edição. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 177.

[12] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso

de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 592

[13] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de

direito civil. Volume I. 12ª edição. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 178.

[14] BARROSO, Luis Roberto. Colisão entre liberdade de expressão e

direitos da personalidade. Critérios de ponderação. Interpretação

constitucionalmente adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa. Revista

Jurídica da FIC. Fortaleza, v. 3, abr. 2004/out. 2004, p. 9-44.

[15] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de

direito civil. Volume I. 12ª edição. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 183.

[16] ROSENVALD, Nelson. E as biografias não autorizadas?, 2015.

Disponível em: http://www.nelsonrosenvald.info/#!E-as-biografias-

n%C3%A3o-autorizadas/c21xn/559ac36c0cf2585ebcdf6a13. Acesso em 14

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[17] ROSENVALD, Nelson. E as biografias não autorizadas?, 2015.

Disponível em: http://www.nelsonrosenvald.info/#!E-as-biografias-

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[18] ROSENVALD, Nelson. E as biografias não autorizadas?, 2015.

Disponível em: http://www.nelsonrosenvald.info/#!E-as-biografias-

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de jul.2016.

[19] ROSENVALD, Nelson. E as biografias não autorizadas?, 2015.

Disponível em: http://www.nelsonrosenvald.info/#!E-as-biografias-

n%C3%A3o-autorizadas/c21xn/559ac36c0cf2585ebcdf6a13. Acesso em 14

de jul.2016.

[20] ROSENVALD, Nelson. Direito ao esquecimento: incidirá o STF

no venire?, 2015. Disponível em: http://www.nelsonrosenvald.info/#!Direito-

ao-Esquecimento-incidir%C3%A1-o-STF-no-

Venire/c21xn/559abcce0cf28e68712c561f. Acesso em 14 de jul.2016.

[21] ROSENVALD, Nelson. E as biografias não autorizadas?, 2015.

Disponível em: http://www.nelsonrosenvald.info/#!E-as-biografias-

n%C3%A3o-autorizadas/c21xn/559ac36c0cf2585ebcdf6a13. Acesso em 14

de jul.2016.

[22] ROSENVALD, Nelson. Direito ao esquecimento: incidirá o STF

no venire?, 2015. Disponível em: http://www.nelsonrosenvald.info/#!Direito-

ao-Esquecimento-incidir%C3%A1-o-STF-no-

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A NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE IMPRESCINDIBILIDADE DE OITIVA DAS TESTEMUNHAS E DE CARTAS PRECATÓRIAS NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

RUTH HELENA SILVA VASCONCELOS PEREIRA: Advogada, especialista em direito empresarial;

Resumo: Em busca da boa-fé objetiva atinente ao processo civil brasileiro, propõe-se uma nova interpretação acerca da real necessidade de demonstração de imprescindibilidade de oitiva das testemunhas e das cartas rogatórias. É dever das partes no processo agir de modo que favoreça o bom andamento do feito, a celeridade e a correta aplicação do Direito, utilizando os meios necessários e suficientes para que se alcance o devido provimento final. Na busca da verdade, os limites de atuação das partes no processo devem respeitar a real suficiência das provas e se utilizar dos meios necessários e adequados para a demonstração dos fatos alegados. Em vistas de importante decisão jurisprudencial negativa do direito da parte em se fazer valer de medida instrutória contrária àquela boa-fé e à objetividade do processo, faz-se devida uma análise sistemática do Direito a estender, assim, a teleologia do entendimento a todo tipo de instrução processual utilizada como subterfúgio para alterar o sentido do processo e distorcer o objetivo da prova e, assim, deslealmente procrastinar e dificultar que se alcance o fim almejado.

Palavras-chave: Lealdade processual; Cartas Precatórias; Oitiva de testemunhas; boa-fé objetiva.

1. Introdução

O presente estudo parte de um ponto muito específico para, assim, demonstrar a real necessidade no Processo Civil Brasileiro

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de se exigir oitiva de testemunhas e das Cartas Precatórias como meios de prova.

Tendo em vista o despacho do Ministro Relator da Ação Penal 470 do Supremo Tribunal Federal, Dr. Joaquim Barbosa, datado de 06 de fevereiro de 2009, conforme reproduzido abaixo, procede-se uma análise integrativa do ato jurídico e político com fins de aplicação reflexa no âmbito do processo civil brasileiro, ou seja, a exigência da determinação de justificação da necessidade da oitiva das testemunhas arroladas residentes no exterior, via carta rogatória, no processo penal, projetada à esfera de aplicação das cartas precatórias no processo civil brasileiro.

É o despacho, portanto:

“DESPACHO: Uma vez que foi ouvida a última testemunha arrolada pela acusação, no último dia 2 de fevereiro, terá início agora a fase de oitiva de testemunhas de defesa.

Como salientei no despacho anterior, dentre essas testemunhas, algumas residem no exterior (Estados Unidos, Bahamas, Argentina e Portugal), o que exige a extração de cartas rogatórias.

Contudo, no último dia 9 de janeiro, entrou em vigor a Lei n° 11.900/2009, que alterou o Código de Processo Penal e inseriu o art. 222-A, cujo teor é o seguinte:

“Art. 222-A. As cartas rogatórias só serão expedidas se demonstrada previamente a sua imprescindibilidade, arcando a parte requerente com os custos de envio.”

Com isto, torna-se necessária a manifestação dos réus JOSÉ MOHAMED

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JANENE, EMERSON ELOY PALMIERI, ROBERTO JEFFERSON, MARCOS VALÉRIO, JOSÉ DIRCEU, CARLOS ALBERTO QUAGLIA, ZILMAR FERNANDES, KÁTIA RABELLO, JOSÉ ROBERTO SALGADO e CRISTIANO DE MELO PAZ, no sentido de demonstrar a imprescindibilidade da oitiva das testemunhas por eles arroladas que residam no exterior.

Por outro lado, é importante esclarecer que, nos termos da lei recém-promulgada, os custos do envio de cada carta rogatória (no caso, seria necessário expedir quatro cartas) deverão ser arcados pelas respectivas defesas, que deverão adiantar os valores de modo a viabilizar a realização da diligência.

De acordo com informação constante dos autos (fls. 19750/19752),apenas para a tradução de três das cartas rogatórias(já que a de Portugal não precisaria ser traduzida), seria alcançado o custo de R$ 19.187.928,00 (dezenove milhões, cento e oitenta e sete mil, novecentos e vinte e oito reais). Isto porque, embora sejam feitas cópias dos documentos considerados imprescindíveis, para facilitar a apreciação dos juízes delegatários-rogados, o acesso ao inteiro teor dos autos deve ser garantido, para permitir a melhor colheita das provas, sob o crivo do contraditório. Note-se que, quanto aos juízes delegatários no Brasil, este acesso vem sendo franqueado em meio magnético, que permite o conhecimento

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do inteiro teor das peças desta ação penal. Já para os juízes rogados, este simples envio dos CD rom’s com cópia dos autos não seria suficiente, diante da necessidade da tradução.

Assim, tendo em vista o custo astronômico do processamento de cartas rogatórias em um processo judicial desta dimensão, determino aos réus supramencionados que, no prazo de 05 (cinco) dias:

a) informem se insistem ou não na oitiva das testemunhas com residência no exterior;

b) caso insistam, demonstrem a imprescindibilidade destas testemunhas, devendo esclarecer qual o conhecimento que elas têm dos fatos e acolaboração que poderão prestar para a instrução da presente ação penal; e

c) caso seja demonstrada sua imprescindibilidade, manifestem-se sobre eventual opção pela oitiva das testemunhas por via menos dispendiosa do que a carta rogatória, como, por exemplo, optando por sua oitiva no Brasil, através do pagamento de passagens de ida e volta para as mesmas.

Publique-se. Intime-se.

Brasília, 6 de fevereiro de 2009.

Ministro JOAQUIM BARBOSA

Relator”

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O ato relatado emanado pelo Exmo. Ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, demonstra embasamento na lei nº 11.900, de 8 de janeiro de 2009. Essa lei se refere a alterações no Código de Processo Penal Brasileiro no que toca dispositivos do Capítulo III, do interrogatório do acusado, e do Capítulo VI, das testemunhas, ambos do Título VII que trata das provas.

Poderia, portanto, aplicar tal dispositivo respaldado em lei processual penal no processo civil? A resposta em primeiro momento poderia ser até negativa. Entretanto, ao se verificar a natureza jurídica dos institutos legais, percebe-se que não são relevantes para qualificá-los a denominação, demais características formais adotadas na lei ou o fim direto a que se destina. Fazendo, portanto, uma associação com os demais institutos jurídicos em uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, o que caracterizaria melhor a natureza jurídica de um instituto seria a relação jurídica estabelecida e a proteção jurídica que lhe é atribuída.

2. Referencial teórico

2.1. O Direito Processual

Reportando-se às primeiras lições jurídicas acadêmicas, retoma-se a real acepção do Direito na sociedade. Para Reale (apud ALBUQUERQUE, 1973, p. 52), “Direito é a vinculação bilateral imperativo-atributiva da conduta humana para a realização ordenada dos valores de convivência”. Tais valores de convivência são, em grande número de vezes, controlados nas relações sociais ordinárias de vida em comum através da moral e da consciência de cada um. Outras vezes, tais valores são controlados por forças cogentes e externas cujos fundamentos se esteiam na própria razão de ser do Estado, que determina e protege condutas com objetivo de pacificação social.

O ordenamento jurídico, expressão objetiva do Direito, “é um conjunto harmônico de regras que não impõe, per si, qualquer divisão em seu campo normativo”. É o que afirma Nader (1991, p.

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379). E prossegue: “A setorização em classes e ramos é obra de iniciativa da Ciência do Direito ou Dogmática Jurídica, na deliberação de organizar o Direito Positivo, para fazê-lo prático ao conhecimento, às investigações científicas, à metodologia do ensino e ao aperfeiçoamento das instituições jurídicas”.

A enciclopédia jurídica, portanto, é a sistematização científica do Direito de acordo com a dinâmica da vida em sociedade e que especifica os ramos de um gênero único, completo e coerente.

Tal enfoque se justifica por se procurar buscar evidências reais da inter-relação ou interdisciplinaridade existente entre esses diversos ramos do Direito e, acima de tudo, entre os ramos considerados públicos, uma redundância dos dogmas jurídicos.

O Direito Processual é um desses ramos enciclopédicos do direito público. Por suas vezes, são ramos do direito processual: o direito processual constitucional, o processual administrativo, o processual fiscal, o processual penal e o processual civil, dentre outros que eventualmente se façam necessários distinguir à luz de disciplinas específicas.

Fazer uma interpretação constitucional das decisões políticas do Estado e do que representa seu ordenamento é nada mais que justo, legítimo e necessário.

O despacho do Exmo. Sr. Ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa pode ser visto não só como reflexo da aplicação literal de uma lei vigente em nosso país, mas de legítima interpretação constitucional de dispositivo que reside no inciso LXXVIII do artigo 5º, a duração razoável do processo e o princípio da celeridade. E não só, pois outros tantos princípios constitucionais relativos ao processo e à forma de atuação do Estado também estão contemplados.

A Constituição Federal em seu parágrafo 1º do artigo 5º atribui aplicabilidade imediata às normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais. Certo é que os direitos e garantias

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fundamentais consubstanciados nos dispositivos constitucionais visam primordialmente assegurar aos indivíduos a correta ação do Estado devedor às relações individuais credoras dos particulares, e não só, mas também, dos próprios particulares entre si, como tem sido repetidamente entendido pelo próprio Supremo Tribunal Federal. Não se poderá afastar os instrumentos hábeis para a tutela material dos direitos individuais. A esses instrumentos, a boa-fé é exigida nas relações tanto verticais quanto horizontais estabelecidas na sociedade institucional.

O Direito Processual, notório “ramo” do direito público, é exercido pelo monopólio do Estado na solução dos conflitos sociais. Se submete não só aos seus estatutos específicos, mas também a um regime jurídico público subsidiário baseado na supremacia do interesse público sobre os interesses privado. O Direito Processual funda-se na clássica trilogia jurisdição, processo e ação.

A jurisdição, per si, como atividade imparcial e equidistante do Estado, segundo Rocha (2006, p. 80-85), possui características categorizadas em funcional e estruturais. A primeira categoria se identifica como a própria tutela do Direito em última instância. A segunda relaciona o conflito de interesses, a imparcialidade do juiz, a inércia inicial, o princípio do contraditório, a coisa julgada e a irrevogabilidade dos atos jurisdicionais pelos outros poderes. Afirma ainda que, a partir de Chiovenda, a doutrina ensina, de maneira quase que unânime e, nas palavras do autor, “sem nenhum censo crítico, que a distinção básica entre jurisdição e administração está em ser a jurisdição uma atividade de substituição, no sentido que o juiz pode se substituir à atividade primária das partes, enquanto a administração é uma atividade primária do Estado, no sentido de que é desenvolvido no próprio interesse do Estado”.

Visto, assim, que a Administração não se confunde com a Jurisdição por essa contemplar interesse específico diverso daquela, os poderes inerentes à solução definitiva de crises ou conflitos de interesses sociais, em cada situação concreta, estão relacionados diretamente ao caráter definitivo de suas decisões, à

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possibilidade de exercício do poder político do Estado com vistas à coerção para fazer valer tais decisões e seus atos de documentação, atribuindo-lhes a fé ou a presunção de verdade no exercício da atividade.

Mas não implica dizer que o juiz, agente público político estatal cuja identidade é funcional de exercício da função diretiva no processo, dando-lhe oficialmente o devido impulso, esteja adstrito à atuação administrativa. Submete-se a todos os princípios administrativos explícitos e implícitos na Constituição Federal e no ordenamento jurídico. Portanto, de forma impessoal, o magistrado tem o poder-dever de agir com base nos ditames legais e nos diversos conteúdos ético-valorativos irradiados pelo espírito das leis. Deve agir com probidade e de forma eficiente, com vistas sempre ao ideal de perfeição da função administrativa que lhe é inerente, de organização das funções dentro do devido processo legal e aos ideais de justiça na solução dos conflitos.

O processo, por sua vez, se constrói sobre princípios outros que lhe são informativos, quais sejam: princípio lógico, consubstanciado na adequação de atos prévios logicamente estruturados ao ato de provimento final; princípio econômico, em que os atos devem ser necessários e suficientes para a produção daquele ato final; princípio jurídico, cujo embasamento se dá por meio de atos regrados e condizentes com as normas jurídicas; e, princípio político, em que os atos devem ser condizentes com um contexto maior de diretrizes políticas públicas.

As reflexões propedêuticas anteriormente elencadas exigem uma breve análise do Direito Processual à luz de suas próprias fontes para que, só assim, se possa continuar na empreitada interpretativa daquele ato processual proferido no despacho do iminente Relator e sua eventual e análoga utilização nos processos cíveis.

2.2. Fontes do Direito Processual

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Podem-se dividir as fontes do direito processual em formais e materiais. As fontes formais são as leis, os enunciados, os dispositivos ou os fatos através dos quais o Estado autoriza que se extraiam normas. Normas, por sua vez, são entidades abstratas que surgem de um juízo de valor, imparcial e não neutro, ou estado de espírito do julgador que brota através da apreensão dos sentidos das mesmas leis, enunciados, dispositivos ou fatos disponíveis. São as normas fontes primordiais do direito, frutos da razão humana. As fontes materiais, por sua razão, são os próprios fatos sociais que geram as lides ou crises jurídicas postos em discussão no palco jurisdicional.

São ainda princípios do processo relevantes ao presente trabalho: o devido processo legal, que exige um tratamento isonômico e contraditório equilibrado; princípio da isonomia, que reflete a tentativa de alcance da igualdade material atribuindo às partes litigantes oportunidades de igualdade e paridade entre suas “armas”; princípio do contraditório e da ampla defesa, princípios diversos que podem ser vistos sob a ótica do desenvolvimento dialético do processo, ambos de caráter democrático, fundados no binômio informação e possibilidade de manifestação; princípio da economia processual e instrumentalidade das formas, reproduzindo a exigência da eficiência no processo; princípio da lealdade processual, que exige condutas adequadas e dignas do processo legal; princípio da persuasão racional do juiz, gerado por um sistema de avaliação das provas segundo sua legalidade, consciência de seus conteúdos probatórios e convencimento pela razão; princípio da livre investigação das provas, caracterizado pela liberdade de perseguir provas para se alcançar a verdade material; princípio da motivação das decisões judiciais, que contempla a publicidade no processo através da exposição dos motivos e fundamentos das decisões envolvidas na questão; princípio do duplo grau de jurisdição, inerente à própria estrutura hierarquizada do poder jurisdicional; princípio da oralidade, que faculta a sustentação das partes oralmente, embora se faça mister a apresentação escrita posterior para que se junte aos autos formalizando-a; e, princípio do

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impulso oficial, que atribui ao juiz da causa o poder de direção e de condução no processo.

Outro princípio bastante relevante à análise teórica aqui abordada é o princípio da livre admissibilidade da prova que consiste na hipótese de admissão de uma prova no processo sempre que for necessária à determinação da verdade dos fatos e à formação da convicção do juiz. É possível dividi-lo em três aspectos: quanto ao momento da prova, quanto aos meios de prova e quanto ao objeto da prova (PORTANOVA, 1995, p. 208-212). Tal princípio dirigido ao juiz da causa e que autoriza a produção de provas necessárias à elucidação da verdade material tem limitações. Tais limitações consideram os princípios informativos lógicos e o da economia. Não pode, portanto, tal princípio manter sua força se a tratativa for de fato estranho ou sem interesse para a solução do litígio. Para que a prova seja produzida com a extraordinariedade peculiar desse princípio, deve estar estritamente relacionada a fatos pertinentes à causa.

2.3. O Direito de Ação e a Prova no Processo

O Código de Processo Civil, segundo Santos (1990, p. 277 apud PORTANOVA, 1995, p. 211), baseia-se em um sistema que atribui ao juiz um caráter ativo, podendo-se dizer que “a produção da prova é ato do juiz, com intervenção supletiva das partes”. Informa ainda Portanova (1995, p. 211) que “na dúvida entre fazer a prova ou demorar o andamento do processo, a melhor solução é permitir a produção da prova e só restringir em casos de excessiva demora”.

A análise do direito de ação não pode ser olvidada uma vez que nele se consubstancia “o direito das partes de pedir a atividade jurisdicional do Estado e participar necessariamente de seu desenvolvimento processual, tendo em vista a obtenção de proteção relativamente a uma situação jurídica subjetiva ou objetiva, violada ou ameaçada de violação, afirmada no processo” (ROCHA,

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2006, p. 164), sendo também denominado de direito fundamental à prestação jurisdicional.

É relevante estabelecer quais os efeitos jurídicos que, segundo Rocha (2006, p. 164), decorrem da natureza do direito de ação:

a. Tem aplicação direta e imediata; b. Goza de supremacia, de modo que,

em caso de dúvida sobre sua admissão, a interpretação deve ser em favor do direito fundamental, o que equivale a dizer que as causas de inadmissão devem ser interpretadas restritivamente;

c. É fundamento para a elaboração das leis e decisões judiciais nos casos omissos;

d. Revoga disposições anteriores contrárias e anula as posteriores também contrárias;

e. É guia obrigatório para a interpretação de todo o ordenamento jurídico.

Ainda para o autor, os direitos fundamentais referidos são classificados em direitos de liberdade e direitos de prestação, em que os primeiros correspondem a uma obrigação passiva do Estado consistente em não fazer e os segundos caracterizam-se por exigirem do Estado uma ação positiva, um fazer algo. Assim, o Direito de Ação é um direito de prestação, pois exige do Estado a proteção de direitos violados ou ameaçados de violação.

Representam, portanto, o Direito de Ação o acesso aos órgãos jurisdicionais, o acesso ao devido processo legal, as decisões motivadas e fundadas no ordenamento jurídico, as execuções e as medidas cautelares e os recursos.

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No tocante ao acesso aos órgãos jurisdicionais, a Constituição Federal reserva tal direito garantido em seu artigo 5º, XXXV, quando enuncia que nem a lei excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Em relação à motivação das decisões, as disposições constitucionais contidas no artigo 93, incisos IX e X, garantem esse direito. Por sua vez, aos litigantes, em processo judicial ou em processo administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LV, CF). Entende-se esse dispositivo como um prolongamento ou uma extensão do direito de ação aplicável a todas as classes de ações e a todos os recursos.

O despacho do Ministro Joaquim Barbosa em sede de ação penal e tocante ao regime das cartas rogatórias pode ser entendida como uma medida de salvaguarda dos interesses públicos e gerais fundados na maioria dos princípios processuais anteriormente elencados.

Tal decisão acerca de uma análise preliminar de prescindibilidade da prova testemunhal na referida ação penal (AP 470/STF) garante, na mais míope das análises, não só a duração razoável do processo, mas também a economicidade e a lealdade processuais devidas. Não é razoável que se permita protelar uma instrução por pura especulação de algo que não garante relevância para os interesses em discussão. Tratam-se as testemunhas de meios indiretos de prova cujo teor não há como verificar ou perceber a autenticidade de plano, ou mesmo, a necessidade de oitiva de certas provas testemunhais excessivas, cabendo ao juiz dispensar a oitiva das que entender desnecessárias no curso do processo, conforme disposição expressa no parágrafo único do artigo 407, CPC/73[1], que apesar de substituído pela inteligência dos artigos 357 e 450 do NCPC/2015, não mudou a teleologia. Pelo contrário, reforçou. Naquele dispositivo: “É lícito a cada parte oferecer, no máximo, dez testemunhas; quando qualquer das partes oferecer mais de três testemunhas para a prova de cada fato, o juiz poderá dispensar as restantes”.

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Os atos e as decisões emanados do Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula do Poder Judiciário, têm caráter político antes mesmo de jurídico. É órgão, inclusive, competente para ponderar as disposições constitucionais, o que o faz em suas consagradas interpretações. Fazem emanar feixes normativos a todas as áreas de competência do Poder Judiciário, sejam em razão de matérias, sejam das pessoas envolvidas no conflito, sejam em razão das funções, sejam quanto aos limites territoriais, sejam em razão de valores. Suas decisões centralizadas têm reflexos políticos em todos os limites da atividade jurisdicional do Estado, bem como, em circunstâncias específicas, tais como as súmulas vinculantes que sujeitam toda a Administração Pública, direta ou indireta.

Abrindo-se o leque para uma análise adequada, necessária e útil, portanto proporcional, o pertinente despacho do Ministro Joaquim Barbosa na Ação Penal 470 do STF, motivado pelo dispositivo legal nº 11.900/09 que alterou a legislação referente aos processos penais, não traria qualquer problemática se aplicável às ações cíveis, mesmo apesar de não haver um dispositivo legal específico albergando tal possibilidade, uma vez que naquelas o bem da vida em risco é de maior grau ou relevância, a liberdade. Ora, se é o próprio peso da liberdade não foi impeditivo para que se pensasse de tal forma e se autorizasse a medida, o que se dizer, então, quando os direitos em litígio são, de modo geral, patrimoniais disponíveis e, comparadamente àquele, menos relevantes.

2.4. As Cartas

Estreitando mais o entendimento do ato, não aponta ainda qualquer celeuma na aplicação do posicionamento tomado pelo referido Ministro no tocante às cartas rogatórias às cartas precatórias por ambas possuírem a mesma finalidade. Além disso, o esforço político exigido para que se internalize uma convenção internacional em nosso ordenamento também não é considerado. É por esse expediente que o instituto das cartas rogatórias adentra em nossa sistemática jurídica.

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Fundamentando essa opinião, após já ter apresentado importantes princípios do processo, apresento o Art. 3º do Código de Processo Penal que dispõe que a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito. Ora, mais uma vez, se a interpretação extensiva e a aplicação analógica são legítimas às ações penais, é, pois, com base nos princípios gerais do direito e do processo, nesse dispositivo legal, a contrário senso, e na relevância do bem juridicamente protegido que se pode entender pela possibilidade de extensão da aplicação do ato em questão aos processos cíveis, sem sombra de dúvidas.

Ademais, segundo Machado (2007, p. 189), ao comentar o artigo 203 do Código de Processo Civil de 1973 (art. 261, NCPC),[2] que a marcação do prazo de cumprimento das cartas pelo juiz não gera a exigibilidade de tal cumprimento seja pelo juiz deprecado, seja pelo juiz rogado. Sendo, portanto, dispensável o cumprimento das cartas pelos juízos destinatários. Dispensável também poderá ser o envio delas, pois pior que a ausência da comunicação é a expectativa de uma eventual resposta que pode nunca ser priorizada.

O artigo 133, II, do NCPC/2015[3] dispõe que o juiz responderá por perdas e danos quando recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte. Entretanto, o artigo 77[4] (NCPC) pondera e determina que são deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo:

Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:

I - expor os fatos em juízo conforme a verdade;

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II - não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento;

III - não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito;

IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação;

V - declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva;

VI - não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso.

§ 1o Nas hipóteses dos incisos IV e VI, o juiz advertirá qualquer das pessoas mencionadas no caput de que sua conduta poderá ser punida como ato atentatório à dignidade da justiça.

§ 2o A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta.

§ 3o Não sendo paga no prazo a ser fixado pelo juiz, a multa prevista no § 2o será inscrita como dívida ativa da União ou do Estado após o trânsito em julgado da decisão que a fixou, e sua execução observará o procedimento da execução

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fiscal, revertendo-se aos fundos previstos no art. 97.

§ 4o A multa estabelecida no § 2o poderá ser fixada independentemente da incidência das previstas nos arts. 523, § 1o, e 536, § 1o.

§ 5o Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa prevista no § 2o poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo.

§ 6o Aos advogados públicos ou privados e aos membros da Defensoria Pública e do Ministério Público não se aplica o disposto nos §§ 2o a 5o, devendo eventual responsabilidade disciplinar ser apurada pelo respectivo órgão de classe ou corregedoria, ao qual o juiz oficiará.

§ 7o Reconhecida violação ao disposto no inciso VI, o juiz determinará o restabelecimento do estado anterior, podendo, ainda, proibir a parte de falar nos autos até a purgação do atentado, sem prejuízo da aplicação do § 2o.

§ 8o O representante judicial da parte não pode ser compelido a cumprir decisão em seu lugar.

3. Conclusão

Para finalizar, ressalte-se que, embora já mencionado, o princípio da boa-fé merece que sobre si se teçam alguns pormenores. É de sua essência que todos os sujeitos do processo devam manter uma conduta ética adequada, de acordo com os deveres de verdade, moralidade e probidade em todas as fases do procedimento. Aliás, todos os comportamentos das pessoas em sociedade devem ter como norte a boa-fé. O processo, portanto, é palco não de disputas desvalidas de ética, mas, principalmente, é o

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palco de respeito e cooperação das partes e do Estado com as pretensões ali debatidas. O processo serve para discutir o discutível, mas nunca para negar evidências ou render pelo cansaço o adversário que eventualmente tenha razão. Esse é o entendimento trazido por Alcalá-Zamora, citado por Justino Magno Araújo (apud PORTANOVA, 1995, p. 156).

Citando ainda Alcides de Mendonça Lima (PORTANOVA, 1995, p. 157), reforça-se que o princípio em debate preserva o processo de ser utilizado como meio para sustentação de situações ímprobas, de forma a macular o resultado que se pretende no alcance da verdade real. Não se sugere, portanto, que se exija das partes argumentos ingênuos que possibilitem o triunfo da parte adversária, mas assim procura-se evitar a possibilidade de uma vitória através de malícias, fraudes, espertezas, dolos, improbidades, embustes, artifícios, mentiras e desonestidades.

Assim, não pode o juiz ser cúmplice inocente das espertezas das partes. A busca da verdade atinge não só às partes, mas também advogados, juízes, membros do Ministério Público, serventuários e todos aqueles que de forma direta ou indireta participem do processo.

É corolário do princípio da boa-fé o princípio da verdade. O dever de veracidade específico desse último informa a todo o ordenamento que as partes devam declarar as circunstâncias fáticas que motivaram seus atos, de modo completo e determinado.

Reproduz-se abaixo algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça acerca eventual permissibilidade de o juiz, na direção do processo e de acordo com seu convencimento, apreciar a necessidade de cartas precatórias:

RECURSO ESPECIAL Nº 184.854 - SP (1998/0058483-8)

RELATOR : MINISTRO BARROS MONTEIRO

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RECORRENTE : EDMUNDO PEREIRA PESSOA E OUTRO

ADVOGADO : JOSÉ EDUARDO FERREIRA PIMONT

RECORRIDO : PIEDADE JORGE FERRADOSA E OUTROS

ADVOGADO : LOURENÇO RENATO BIONDI

EMENTA

AÇÃO REIVINDICATÓRIA. INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA.ADITAMENTO À CARTA PRECATÓRIA. INDEFERIMENTO.AGRAVO RETIDO. FALTA DE RAZÕES. INADMISSIBILIDADE.

- A petição de agravo retido deve conter as razões do pedido de reforma da decisão.

- Não conhecido o agravo retido, preclusa restou a questão que constituía o seu objeto (indeferimento do pedido de aditamento à carta precatória para a inquirição de mais uma testemunha).

Recurso especial não conhecido.

AgRg no HABEAS CORPUS Nº 84.648 - MG (2007/0132862-1)

RELATOR : MINISTRO HÉLIO QUAGLIA BARBOSA

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AGRAVANTE : GERALDO LEMOS

ADVOGADO : GERALDO LEMOS

AGRAVADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

PACIENTE : D P C

EMENTA

AGRAVO REGIMENTAL -HABEAS CORPUS - ALIMENTOS – PRISÃO DETERMINADA - JUÍZO DEPRECANTE – ALEGADA INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DA CARTA PRECATÓRIA -

NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA - IMPOSSIBILIDADE - INDEFERIMENTO IN LIMINE - PRETENDIDA REFORMA – AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.

1. Para dirimir a pretensão deduzida faz-se mister investigar se efetivamente foram preenchidos os requisitos da precatória e, de igual forma, a existência de eventual prejuízo que configure a ilegalidade apontada pelo impetrante. Ocorre, porém, consoante é cediço, na angusta via do writ of mandamusse mostra

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inadequada a dilação probatória, de modo que efetivamente o habeas corpus deve ser indeferido liminarmente.

2. Agravo regimental improvido.

RECURSO ESPECIAL Nº 331.084 - MG (2001/0070907-7)

RELATOR : MINISTRO CASTRO FILHO

RECORRENTE : ANTÔNIO GONÇALVES DE AGUIAR E OUTRO

ADVOGADO : LEONARDO AUGUSTO DE ALMEIDA AGUIAR E OUTROS

RECORRIDO : JOSÉ CARLOS BRAGA

ADVOGADO : SEBASTIÃO COTTA LIMA E OUTRO

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL – ROL DE TESTEMUNHAS – PRAZO PARA DEPÓSITO – TESTEMUNHA RESIDENTE EM OUTRA COMARCA – IRRELEVÂNCIA – PEDIDO DE NOVA PERÍCIA – DECISÃO JUDICIAL ACERCA DE SUA NECESSIDADE – FACULDADE DO JUIZ – SUMULA 07/STJ.

I - O qüinqüídio legal para depósito do rol de testemunhas é prazo instituído em favor da outra

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parte, a fim de dar-lhe ciência acerca das

pessoas que vão depor, não havendo exceção legal com relação às pessoas que devem ser ouvidas por meio de precatória. O artigo 410, II, do Código de Processo Civil não altera o prazo instituído pelo artigo 407, mas apenas dispensa as testemunhas inquiridas por cartado dever de depor perante o juiz da causa.

II - Cabe ao juiz decidir quais as provas pertinentes ao deslinde da controvérsia e quais devem ser indeferidas, por desnecessárias, não constituindo cerceamento de defesa a negativa de nova perícia, considerada desnecessária pelo magistrado. A lei processual o autoriza, mas não lhe impõe, como diretor do processo, determinar a realização de nova prova técnica.

III - Tendo o tribunal a quo decidido expressamente que estava correta a decisão do juiz singular, só a ele cabendo avaliar a necessidade de nova perícia e tendo o laudo técnico esclarecido toda a matéria, a revisão de tal entendimento demandaria o revolvimento de matéria fática e probatória, inadmissível em sede de recurso especial, conforme o enunciado da

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Súmula 07 da jurisprudência da Corte.

Recurso especial não conhecido, com ressalvas quanto à terminologia.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 31.442 - SP (2001/0010633-1)

RELATOR : MINISTRO FERNANDO GONÇALVES

AUTOR : AGIR S/A EDITORA E OUTRO

ADVOGADO : ÁLVARO ALMERIO DE AZEVEDO PESSOA DOS SANTOS E

OUTRO(S)

RÉU : PANCROM INDÚSTRIA GRÁFICA LTDA

SUSCITANTE : PANCROM INDÚSTRIA GRÁFICA LTDA

ADVOGADO : ALDE SANTOS JUNIOR E OUTRO(S)

SUSCITADO : JUÍZO DE DIREITO DA VARA DAS CARTAS PRECATORIAS

CIVEIS DO FÓRUM CENTRAL DE SÃO PAULO - SP

SUSCITADO : JUÍZO DE DIREITO DA 30A VARA CÍVEL DO RIO DE JANEIRO - RJ

DECISÃO

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Ao decidir o regimental tirado contra a decisão indeferindo a suspensão dos processos nos juízos de origem, o Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, com unânime aprovação da colenda Segunda Seção, em decisão transitada em julgado (fls. 127v), fez consignar, verbis:"Não há conflito de competência. A uma, porque o Juiz deprecado não se manifestou a respeito, faltando ao conflito o pressuposto da existência de dois juízos afirmando competência para a prática de mesmo ato processual. A propósito, o CC 21.093-MG (DJ

15/3/99), com esta ementa:

"COMPETÊNCIA. CONFLITO POSITIVO. PRESSUPOSTOS. DOIS JUÍZES DIZENDO-SE COMPETENTES PARA A MESMA CAUSA OU

PRATICANDO ATOS NA MESMA CAUSA AO MESMO TEMPO. INOCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DO CONFLITO.

I - O conflito positivo de competência caracteriza-se pela divergência entre dois ou mais juízes que se dizem competentes para julgar a mesma causa, ou quando há mais de um juiz praticando atos processuais na mesma causa."

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A duas, porque não se trata de substituição da penhora em razão de vício verificado na constrição efetuada pelo Juízo deprecado, hipótese em que seria realmente competente o Juízo deprecado, mas de substituição determinada pelo Juízo da execução, independentemente do cumprimento da precatória, por motivos por ele considerados do interesse da própria execução e não decorrentes do ato da penhora em si. Com efeito, o ato do Juízo deprecante que deferiu a penhora de percentagem da renda da executada não tem relação com os atos praticados pelo Juízo deprecado, seja na efetivação da penhora das máquinas, seja na avaliação desses bens.

Em breves palavras, a conveniência da execução e a invalidade ou não de constrições, com o objetivo de atender ao princípio de satisfação do crédito, não podem ser transferidos ao Juízo deprecado, cuja competência se limita aos atos a ele delegados pelo deprecante.

Neste passo, torna-se inaplicável o precedente invocado em memorial, de que "o pedido de substituição do bem penhorado no juízo deprecado deve ser por ele decidido, por versar incidente relativo ao ato de penhora, sem repercussão sobre o mérito" (CC

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24.448-DF, relatora a Sª Ministra Fátima Nancy Andrighi).

A três, porque a existência ou não de vícios na penhora realizada no Juízo deprecado, bem como o mérito da decisão do Juízo deprecante que deferiu a penhora da renda, não têm no conflito de competência a via adequada, devendo os argumentos a esse respeito ser expendidos em sede recursal própria.

Destarte, não é de aplicar-se o invocado verbete sumular nº 46/STJ, segundo o qual, "na execução por carta, os embargos do devedor serão decididos no juízo deprecante, salvo se versarem unicamente vícios ou defeitos da penhora, avaliação ou alienação dos bens", uma vez não se tratar de substituição de bens, nem haver dois juízos igualmente afirmando competência para a mesma causa.

Por fim, o princípio de menor onerosidade para o devedor, a justificar ou não a penhora sobre a renda diária da executada, a instituição ou não de

regime de administração, a suficiência das máquinas penhoradas para satisfazer o débito, também não encontram eco nesta via do conflito, por se tratar de argumentos apropriados para eventual agravo contra aquela decisão do Juízo

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deprecante, cuja controvérsia há de ser dirimida no âmbito do Colegiado de segundo grau competente." (fls. 120/122)

A ementa do julgado diz:

"AGRAVO REGIMENTAL. INDEFERIMENTO DE LIMINAR EM CONFLITO DE COMPETÊNCIA PARA SUSPENDER O PROCESSO NA ORIGEM. NÃO CARACTERIZAÇÃO DO CONFLITO. AGRAVO DESPROVIDO.

Determinado pelo Juiz deprecante o recolhimento da precatória e por ele deferida penhora sobre bem existente na própria comarca da execução, em

substituição àquela anteriormente efetuada por precatória totalmente cumprida em outra comarca, não há conflito de competência com o juízo deprecado, que somente atua por delegação.

Se equivocada a decisão do juiz da execução, em tese o remédio para alcançar a sua reforma é a interposição do recurso cabível." (AgRg no CC 31442/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27.06.2001, DJ 12.11.2001 p. 124)

O parecer ministerial, na mesma linha, sustenta a ausência de conflito,

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limitando-se a emprestar seu apoio à decisão definitivamente julgada.

Colocado nestes termos o debate, não merece acolhimento o pedido de fls. 172/174, porquanto nada existe a ser decidido na espécie.

Publicar e intimar.

Brasília, 06 de dezembro de 2007.

MINISTRO FERNANDO GONÇALVES, Relator

Com isto, diante de todo o exposto, torna-se viável a exigência de demonstração da imprescindibilidade da oitiva das testemunhas arroladas no processo cível cujo domicílio demande comunicação via carta precatória quando entender o magistrado que tal ato é meramente protelatório e atentatório à lealdade e à boa-fé processuais, ou que dificulte de qualquer modo a instrução processual e a economia necessária ao bom andamento do feito.

REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, Francisco Uchôa de. Introdução ao Estudo

do Direito. Fortaleza: Imprensa Universitária da Universidade Federal do Ceará, 1973.

NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991.

ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil.Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1995.

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MACHADO, Costa. Código de Processo Civil Interpretado, 7ª ed. São Paulo: Manole, 2008.

NOTAS:

[1] Tal dispositivo foi substituído pela inteligência dos artigos 357 e 450 no Novo CPC/2015. Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo: I - resolver as questões processuais pendentes, se houver; II - delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos;III - definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373; IV - delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito; V - designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento. § 1o Realizado o saneamento, as partes têm o direito de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes, no prazo comum de 5 (cinco) dias, findo o qual a decisão se torna estável.§ 2o As partes podem apresentar ao juiz, para homologação, delimitação consensual das questões de fato e de direito a que se referem os incisos II e IV, a qual, se homologada, vincula as partes e o juiz. § 3o Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações. § 4o Caso tenha sido determinada a produção de prova testemunhal, o juiz fixará prazo comum não superior a 15 (quinze) dias para que as partes apresentem rol de testemunhas. § 5o Na hipótese do § 3o, as partes devem levar, para a audiência prevista, o respectivo rol de testemunhas. § 6o O número de testemunhas arroladas não pode ser superior a 10 (dez), sendo 3 (três), no máximo, para a prova de cada fato. § 7o O juiz poderá limitar o número de testemunhas levando em conta a complexidade da causa e dos fatos individualmente considerados. § 8o Caso tenha sido determinada a produção de prova pericial, o juiz deve observar o disposto no art. 465 e, se possível, estabelecer, desde logo, calendário para sua realização. § 9o As pautas deverão ser preparadas com intervalo mínimo de 1 (uma) hora entre as audiências; Art. 450. O rol de testemunhas conterá, sempre que possível, o nome, a profissão, o estado civil, a idade, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas, o número de registro de identidade e o endereço completo da residência e do local de trabalho.

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[2] O dispositivo correspondente no Novo Código de Processo Civil de 2015 é o art. 261. Na redação deste: “Em todas as cartas o juiz fixará o prazo para cumprimento (...)”. Na redação anterior, comentada pelo autor: “Em todas as cartas declarará o juiz o prazo dentro do qual deverão ser cumpridas (...)”

[3] Dispositivo correspondente no Código de Processo Civil de 1973.

[4] O dispositivo correspondente no CPC/73 é o art. 14, a teor: “São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: I. Expor os fatos conforme a verdade; II. Proceder com lealdade e boa-fé; III. Não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento; IV. Não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito; V. Cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais. Parágrafo único: Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado”.

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O BRASIL NA TEMÁTICA DO TRABALHO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO NA ESFERA INTERNACIONAL

AMANDA EXPÓSITO TENÓRIO DE ARAÚJO: Auditora Fiscal do Trabalho. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Pós-graduada em Direito Civil e Empresarial pela Universidade Federal de Pernambuco. Pós-graduada em Novas Questões de Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade Damas.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo visa tratar da possibilidade de responsabilização do Estado brasileiro na esfera internacional, especialmente diante da temática do trabalho escravo. Assim, inicialmente é importante esclarecer que o Brasil é signatário da Convenção n. 29e n. 105 da Organização Internacional do Trabalho, que tratam da vedação do emprego de trabalho forçado ou obrigatório em quaisquer de suas formas. Além disso, vários tratados de direitos humanos trazem também a vedação à escravidão ou à servidão ou ao tráfico de pessoas com esta finalidade, a exemplo do art. 61 da Convenção Americana de Direitos Humanos. Cumprindo com os compromissos internacionais, o Brasil prevê o tipo penal de "redução a condição análoga à de escravo" no art. 159 do Código Penal.

Contudo, não basta esta previsão legal para que o país se exonere de suas responsabilidades internacionais, sendo necessárias várias ações para cumprimento não apenas deste tratado específico, mas dos tratados protetivos de direitos humanos como um todo, que de forma direta ou reflexa protegem tanto o direito a liberdade quanto o direito ao trabalho digno. O descumprimento destas obrigações já ensejou a responsabilização do Brasil, com previsão de medidas a serem tomadas, nos termos do acordo amistoso ou do tratado desrespeitado.

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O tema será adiante aprofundado especificamente com relação a redução a situação análoga à escravidão. 2. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO - ART. 149 DO CÓDIGO PENAL.

Assim, foi previsto no art. 149 do Código Penal o tipo penal incriminador, abaixo transcrito:

" Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1o Nas mesmas penas incorre quem: I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. § 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I – contra criança ou adolescente; II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. "2

Como se verifica da própria redação do texto normativo, a proibição refere-se a uma situação similar a de escravidão, pois a escravidão propriamente dita foi abolida do ordenamento jurídico. Assim, ela constitui uma proteção mais ampla do que simples vedação à escravidão, como antigamente entendida, e é importantíssimo tal reconhecimento diante das novas formas de exploração do trabalhador, que alguns doutrinadores chamam de neoescravidão.

A doutrina não é pacífica sobre qual seria o bem jurídico protegido por este tipo penal. Baltazar defende que seria múltiplo,

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pois abrangeria a liberdade pessoal, o direito ao trabalho e a dignidade da pessoa humana3.A questão era mais controvertida quando o objeto protegido influenciava diretamente na determinação da competência para o processamento e julgamento de tais crimes. Isto porque, anteriormente, entendia-se que em se tratando de um bem jurídico individual do trabalhador, a competência seria da justiça estadual. Por outro lado, caso o bem jurídico fosse a própria organização do trabalho, a competência seria afetada a justiça federal, conforme previsão do art. 109, inciso VI4, da Constituição Federal.

Atualmente, porém, o Supremo Tribunal Federal, reformulando posicionamentos anteriores, definiu que o crime de redução a condição análoga à escravo será sempre da competência da justiça federal, conforme ser verifica, exemplificativamente, do julgado abaixo:

"Ementa Recurso extraordinário. Constitucional. Penal. Processual Penal. Competência. Redução a condição análoga à de escravo. Conduta tipificada no art. 149 do Código Penal. Crime contra a organização do trabalho. Competência da Justiça Federal. Artigo 109, inciso VI, da Constituição Federal. Conhecimento e provimento do recurso. 1. O bem jurídico objeto de tutela pelo art. 149 do Código Penal vai além da liberdade individual, já que a prática da conduta em questão acaba por vilipendiar outros bens jurídicos protegidos constitucionalmente como a dignidade da pessoa humana, os direitos trabalhistas e previdenciários, indistintamente considerados. 2. A referida conduta acaba por frustrar os direitos assegurados pela lei trabalhista, atingindo, sobremodo, a organização do trabalho, que visa exatamente a consubstanciar o sistema social trazido pela Constituição Federal em seus arts.7º

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e 8º, em conjunto com os postulados do art. 5º, cujo escopo, evidentemente, é proteger o trabalhador em todos os sentidos, evitando a usurpação de sua força de trabalho de forma vil. 3. É dever do Estado (lato sensu) proteger a atividade laboral do trabalhador por meio de sua organização social e trabalhista, bem como zelar pelo respeito à dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, inciso III). 4. A conjugação harmoniosa dessas circunstâncias se mostra hábil para atrair para a competência da Justiça Federal (CF, art. 109, inciso VI) o processamento e o julgamento do feito. 5. Recurso extraordinário do qual se conhece e ao qual se dá provimento." (RE4595105/ MT - Rel: Min. CEZAR PELUSO - Julgamento: 26/11/2015- Tribunal Pleno)

3. SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS O Sistema Interamericano de Direitos Humanos constitui um

sistema regional com vistas a proteção e promoção dos direitos humanos. Hoje é bastante comum o uso deste modo organizacional, existindo, por exemplo, além do interamericano, o europeu e o africano. Ele surgiu como uma alternativa ao sistema global de proteção dos direitos humanos e sofreu muitas críticas com base na característica da universalização dos direitos. Contudo, os benefícios pela similitude cultural das regiões é inegável, pois acaba por formar um standard mínimo de aplicação e interpretação dos tratados protetivos. Além disso, seu objetivo final não é substituir o sistema global, mas atuar de forma complementar, de modo que se pode concluir que ele constitui mais uma ferramenta para efetivação dos direitos.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos é órgão integrante do sistema da Organização dos Estados Americanos, adiante chamada simplesmente de OEA, com vistas a zelar pelo respeito dos direitos humanos. Para alcançar seus objetivos, ela

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pode atuar de forma variada, podendo elaborar estudos, fornecer capacitação, criar relatorias e realizar visita em campo.

Além do já relatado, ela pode também receber petições individuais, tanto de vítimas e seus familiares, quanto de organizações não governamentais, que aleguem violações tanto a Carta da OEA quanto a Declaração Americana de Direitos Humanos. Os Estados poderão também fazer denúncias a Comissão, desde que reconheçam sua competência para examinar suas próprias violações. No presente trabalho, esta competência terá maior atenção por se referir exatamente a um dos casos analisados.

O procedimento de apuração no âmbito da Comissão também obedecerá aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Assim, a apuração de violações de direitos humanos no âmbito do sistema interamericano seguirá um procedimento bifásico, primeiramente na Comissão, e, caso não solucionado a querela, na Corte. O primeiro passo na Comissão é analisar a admissibilidade do pedido, devendo haver o preenchimento dos requisitos previstos na Convenção, tais como não ter sido apresentada comunicação anterior, em termos semelhantes, à Comissão ou outros órgãos internacionais e o esgotamento de todos os recursos de direito interno.

Admitida a denúncia, serão enviados trechos da petição para que o Estado acusado se manifeste no prazo de dois meses. Como se verifica, o procedimento de apuração no âmbito da Comissão também obedecerá aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Inicialmente, tenta-se alcançar a conciliação entre as partes, associada a interrupção dos atos lesivos. A solução amistosa poderá ser também firmada em outro momento, quando então a Comissão fará um relatório e o encaminhará aos Estados-parte da Convenção e ao Secretário Geral da OEA.

Caso não alcançada, passar-se-á a fase do Primeiro Informe, também chamado Informe preliminar, que consiste em relatório conclusivo sobre os fatos apurados, com determinação de recomendações ao Estado violador, que deverá cumpri-las num

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prazo de três meses. Ressalte-se que este primeiro informe é confidencial as partes.

Ao final dos três meses, a Comissão deliberará sobre o saneamento ou não da situação violadora, assim como pela publicação ou não do relatório. Também decidirá se remeterá o caso a Corte para apreciação, quando considerar que a situação não foi solucionada.

A introdução feita neste tópico visa apenas permitir a compreensão dos casos a seguir analisados, não sendo suficiente a compreensão do sistema como um todo. 4. CASO JOSÉ PEREIRA.

O Caso José Pereira expôs situação em que trabalhadores rurais da Fazenda Espírito Santo foram vítimas de trabalhos forçados, culminando em homicídio, quando da tentativa de fuga dos mesmos. A questão foi analisada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e se encerrou com a homologação de acordo de solução amistosa entre entidades não governamentais e o Brasil.

Dentre os vários compromissos assumidos pelo Brasil no acordo de solução amistosa, alguns merecem maior destaque. Primeiramente, o Brasil reconheceu sua responsabilidade não pelo crime de redução a condição análoga à de escravo, que não foi praticado pelos seus agentes, mas sim pela sua conduta omissiva na prevenção e repressão do citado. Este foi um marco importante para defesa dos direitos humanos, pois, pela primeira vez, no âmbito do sistema interamericano de direitos humanos, o Estado brasileiro assumiu responsabilidade por atos de terceiros. O reconhecimento foi feito em ato público, tendo sido especialmente escolhida a solenidade de criação da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo - CONATRAE.

Além disso, o Brasil também se comprometeu a: a) cumprir mandados judiciais de prisão contra os acusados, os quais se encontravam foragidos; b)defender a competência da justiça federal para casos relacionados a este tipo de crime, com vistas a evitar a impunidade; c) fortalecer o Ministério Público do Trabalho, o qual atua como substituto processual na defesa dos direitos dos

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trabalhadores; d) velar pelo cumprimento da legislação já existente, através de cobrança inclusive das multas administrativas e judiciais; e) fortalecer o grupo móvel do Ministério do Trabalho e Emprego, hoje transmudado em Ministério do Trabalho e da Previdência Social, de combate ao trabalho escravo; f) atuar junto ao poder judiciário e demais entidades para garantir o castigo dos autores destes crimes.

Apenas a título de curiosidade, este foi o segundo acordo de solução amistosa assinado pelo Brasil no âmbito do sistema interamericano de direito humanos, havendo uma pontual diferença pois, no presente caso, já havia uma decisão de admissibilidade por parte da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. 5. CASO TRABALHADORES BRASIL VERDE.

O caso também traz a tona situação de trabalho análogo à escravidão, desta vez na Fazenda Brasil Verde. Aqui foram realizadas inúmeras visitas tanto da fiscalização do trabalho, quanto pela própria polícia federal. Neste ponto, não foi confirmada a ocorrência de homicídio, mas houve o desaparecimento de dois adolescentes que laboravam na citada propriedade, até hoje não encontrados.

Foi instaurado processo penal, mas o mesmo acabou extinto pelo reconhecimento da prescrição. No âmbito cível, apesar de ter sido firmado acordo entre os proprietários e o Ministério Público do Trabalho, os trabalhadores continuaram a receber tratamento degradante.

Por conta deste contexto, o caso foi apresentado a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a qual expediu uma série de recomendações. Infelizmente, houve descumprimento das mesmas por parte do Brasil, o que ensejou o encaminhamento do processo a Corte Interamericana de Direitos Humanos, conforme procedimento acima explicitado.

Em fevereiro de 2016, houve audiência eaguarda-se, até setembro, a prolação da sentença, determinando se o Brasil será formalmente condenado ou não. Contudo, analisando-se o posicionamento anterior da Comissão Intermamericana de Direitos Humanos e mesmo da Corte Interamericana de Direitos Humanos,

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em casos diversos que tratavam da responsabilidade estatal em face de omissão na defesa de direitos fundamentais, é provável, quando não esperado, que a condenação ocorra. Saliente-se que esta foi a primeira vez que o Brasil foi processado na Corte Interamericana de Direitos Humanos com relação a esta temática, pois o Caso José Pereira tramitou perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, não chegando a ser processado na Corte. 6. CONCLUSÃO

De forma consentânea, em verdadeiro diálogo entre os ordenamentos nacional e internacional, verifica-se que a mudança de entendimento do STF sobre a competência da justiça federal vai ao encontro da determinação da esfera internacional, com perfeita harmonização entre as condutas.

Além disso, também como medida preventiva e repressiva ao trabalho análogo à escravidão, foi aprovada a emenda constitucional n. 81/14, que, na nova redação do art. 2436 da Constituição Federal, determinou a expropriação de terras em que seja explorado este tipo de mão de obra.

Deste modo, é possível reconhecer certo esforço do Brasil para se adequar aos tratados internacionais que versam sobre trabalho escravo ou trabalhos forçados. Contudo, ainda falta um longo caminho a ser percorrido, tanto que, no caso José Pereira o próprio país reconheceu sua responsabilidade, e, no caso Brasil Verde, é provável uma condenação por parte da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

BIBLIOGRAFIA - Heemann, Thimothie Aragon. Paiva, Caio Cezar de

Figueiredo. Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos. Manaus. Dizer o Direito: 2015, 432 páginas.

- Júnior, José Paulo Baltazar. Crimes Federais. 9 edição. São Paulo. Saraiva: 2014, 1350 páginas.

- Ramos, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 5 edição. São Paulo. Saraiva: 2016, 468 páginas.

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- Constituição Federal de 1988, consultada emhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm, em 15/07/2016.

- Convenção n. 29 da OIT, consultada em http://www.oitbrasil.org.br/node/449, consultado em 15/07/2016.

- Convenção n. 105 da OIT, consultada em http://www.oitbrasil.org.br/node/469, consultado em 15/07/2016.

- http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm, consultado em 15/07/2016.

-http://www.cptnacional.org.br/index.php/publicacoes/noticias/trabalho-escravo/3106-brasil-e-julgado-na-corte-interamericana-de-direitos-humanos-por-caso-de-trabalho-escravo, consultado em 15/07/2016.

-https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm,consultado em 15/07/2016.

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POVOS INDÍGENAS: SEU TRATAMENTO À LUZ DO ESTATUTO DO ÍNDIO, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DA JURISPRUDÊNCIA NACIONAL

BEATRIZ FIGUEIREDO CAMPOS DA NÓBREGA: Graduada em Direito pela UFRN, graduada em Comércio Exterior pelo IFRN, especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera/ UNIDERP e mestre em Direito Constitucional pela UFRN.

RESUMO: Os povos indígenas tiveram relevante contribuição na formação da cultura e história nacionais. Nada obstante, sofreram extermínio em massa com a chegada do colonizador europeu e, com isso, transformaram-se em minorias. Às comunidades indígenas que resistiram e que se perpetuaram aos dias de hoje foi necessário conceder uma salvaguarda jurídica especial, como forma de compensar no plano jurídico a desigualdade fática vivenciada por tal povo. A presente pesquisa se destina, pois, a avaliar a tutela constitucional e infraconstitucional dos direitos indígenas fundamentais - respaldada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal -, que se confirma como pressuposto necessário ao resguardo dos interesses e necessidades das comunidades tradicionais.

Palavras-chave: Povos indígenas. Minorias. Tutela constitucional e infraconstitucional.

1. Introdução: dos povos indígenas

Os povos indígenas congregam uma multiplicidade de agrupamentos étnicos que já habitavam o país quando da chegada dos colonizadores europeus. À época, constituíam-se em tribos nômades e seminômades que se mantinham através de uma cultura

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de subsistência movida, notadamente, através da caça, pesca e agricultura.

A crescente exterminação dos povos indígenas, iniciada pelos novos habitantes vindos do Novo Mundo, seja direta ou indiretamente - notadamente por meio de extermínios ou doenças -, causou uma redução exponencial de grande parte de tal população, que já chegara a milhões de habitantes, sendo atualmente de apenas 817.963 indígenas, de acordo com o Censo IBGE de 2010[1].

Diante de tal realidade, o ordenamento jurídico buscou conferir uma proteção adicional aos indígenas, a fim de assegurar a perpetuação da etnia, cultura, tradições e costumes das populações indígenas remanescentes, bem como a viabilização de sua reprodução física por meio do usufruto da terra por eles tradicionalmente ocupada e, ainda, pela concessão de um tratamento especial dado à capacidade do indígena.

2. Do tratamento conferido aos indígenas pelo Estatuto do índio

Os indígenas, também chamados de índios ou silvícolas pelo ordenamento jurídico nacional, receberam específico tratamento por meio de legislação própria. Trata-se da Lei 6.001, de 19 de dezembro de 1973, também chamada de Estatuto do Índio. Este diploma legislativo teve como objetivo precípuo a preservação da cultura e integração de tal povo à comunhão nacional.

Segundo o Estatuto, é índio ou silvícola, conforme o art. 3º, I: “todo indivíduo de origem e ascendência pré-

colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional”

Comunidade Indígena ou Grupo Tribal, por sua vez, configura, nos termos do art. 3º, II:

“conjunto de famílias ou comunidades índias, quer vivendo em estado de completo isolamento em relação aos outros setores da comunhão nacional,

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quer em contatos intermitentes ou permanentes, sem contudo estarem neles integrados.”

Os índios podem, ainda, ser classificados em: isolados, em vias de integração ou integrados. Índios isolados são aqueles que compõem grupos dos quais não se tem conhecimento ou há poucas e vagas notícias de sua existência; os índios em vias de integração, por sua vez, detêm contato com grupos externos, de forma permanente, conservando parcialmente condições de sua vida nativa, mas, ao mesmo tempo, incorporando práticas e modos de existência alheios a suas tradições originais, os quais se tornam cada vez mais integrados a seu processo de sustento; por fim, tem-se os integrados que são aqueles que, embora conservem aspectos característicos da cultura indígena, já se encontram incorporados à comunhão nacional, desfrutando da plena capacidade civil.

Quanto à capacidade civil do indígena, aliás, vale mencionar que a legislação lhe conferiu um tratamento diferenciado. Com efeito, o próprio Código Civil, em seu art. 4º, parágrafo único remete à legislação especial o seu disciplinamento – o qual, por sua vez, se dá pela mencionada Lei n. 6.001/73.

O Estatuto do Índio prevê a sujeição do índio não integrado ao regime tutelar, inquinando do vício de nulidade todos os atos praticados entre o indígena não integrado se ausente a assistência do órgão tutelar competente. Nada obstante, fica isento da incidência do regime especial de tutela e assistência previsto em tal diploma se o índio demonstrar consciência acerca do ato e praticado e de seus efeitos, sempre que o ato não lhe seja prejudicial[2].

Por meio do Estatuto do índio foram elencadas, ainda, obrigações aos entes federados, bem como aos órgãos das respectivas administrações indiretas, dentre os quais sobressaem os seguintes deveres: prestação de assistência aos índios e às comunidades indígenas ainda não integrados à comunhão nacional; execução de programas e projetos tendentes a beneficiar as comunidades indígenas; garantia aos índios e comunidades indígenas, da posse permanente das terras que habitam, reconhecendo-lhes o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades naquelas terras existentes;

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utilização de qualidades pessoais do índio, tendo em para fins de melhoria das condições de vida e integração no processo de desenvolvimento; bem como, de forma geral, garantia aos índios do pleno exercício dos direitos civis e políticos[3].

Com efeito, em tal diploma legislativo foram ainda previstos, enquanto direitos civis e políticos dos indígenas, normas especiais acerca da Assistência ou Tutela do índio; de seu Registro Civil; das suas condições de trabalho; e da proteção conferida às terras indígenas. Ademais, no que atine à educação, cultura e saúde, prevê o Estatuto que o respeito ao patrimônio cultural das comunidades indígenas deve ser assegurado; que a educação será viabilizada de modo a se garantir um gradativo processo de compreensão do funcionamento da sociedade nacional, sendo a alfabetização promovida tanto na língua nativa como no português; bem como que os meios de acesso à saúde são garantidos também aos indígenas.

Quanto às normas penais contidas no Estatuto, prevê-se a atenuação da pena em caso de o autor do delito ser indígena, bem como sua aplicação em conformidade com o grau de integração deste. Ademais, a aplicação de sanções por parte das tribos indígenas é admitida, quando aplicada aos próprios membros integrantes do grupo, sob a condição de que não haja caráter de crueldade ou ofensividade. Em todo caso, veda-se a pena de morte.

3. Das terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas

Com o intuito de salvaguardar os direitos indigenistas, promoveu-se, no campo legislativo, um modelo protecionista às terras ocupadas tradicionalmente pelos indígenas – as quais, além de encontrarem assento no Título III do Estatuto do índio, foram consagradas na Constituição Federal (CF), em art. 231.

Segundo a Carta Magna, é reconhecido aos índios, juridicamente, não apenas os costumes, línguas, crenças, tradições e organização social que lhe são peculiares, como também os direitos às terras ocupadas de forma tradicional pelos mesmos. Com efeito, prevê o art. 231, § 1º da CF que:

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“São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.”

Ao interpretar este dispositivo constitucional, o Supremo Tribunal Federal (STF) [4], entendeu que, para fins de reconhecimento da terra enquanto indígena - ou, ainda, tal como previsto na Constituição Federal, como terra “tradicionalmente ocupadas por indígenas” -, é necessário o preenchimento de dois marcos característicos, o da tradicionalidade e o da temporalidade. Nesta senda, é preciso comprovar que, por um lado, havia uma relação efetiva dos índios com esta terra; bem como que os índios de fato habitavam-na à data da promulgação da CF/88.

Assim, não são consideradas terras indígenas aquelas nas quais o aldeamento já se encontrava extinto a esta data, ainda que a área já tivesse sido habitada por índios em um passado distante. Neste sentido, a Súmula 650, do STF:

Os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto.

Da mesma forma, não será indígena a área se, em 05 de outubro de 1988, não houvesse qualquer ocupação por índios. Nada obstante, o STF, no ARE 803462 AgR/MS, relativizou este marco temporal ao reconhecer a figura do “renitente esbulho”. Para a Suprema Corte, em caso de os indígenas não se encontrarem mais na ocupação da terra no marco temporal fixado como regra para o enquadramento da área enquanto indígena, ainda assim será possível reconhecer este status, caso a retirada dos índios de sua terra tenha sido originada a partir de conflito possessório persistente até mencionada data, 05 de outubro de 1988. Para

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tanto, deve-se comprovar o conflito, seja por circunstancias fáticas, seja por lide possessória. Caso retirados de forma deliberada e voluntária, não há que se cogitar do renitente esbulho, nem, portanto, de área indígena. Para a configuração do “renitente esbulho” é necessário, pois, que, quando da promulgação da CF/88, os índios ainda estivessem na disputa pela posse da terra ou que a expulsão tenha sido recente[5].

Definidos os requisitos necessários à configuração da terra indígena, voltemos à análise dos aspectos característicos destas. Segundo a Carta Magna, sua propriedade pertence à União (art, 20, XI), mas sua posse e usufruto exclusivo pertencem aos índios (art. 231, § 2º). Nada obstante, para fins de aproveitamento dos recursos hídricos, bem como pesquisa e lavra das riquezas minerais, é exigida prévia autorização do Congresso Nacional, com a oitiva das comunidades afetadas. Esta exploração condicionada ao aval do Poder Legislativo de certa forma mitiga o usufruto dos indígenas sobre as terras por eles ocupadas, mas fica assegurada a eles a participação nos resultados da lavra de tais recursos.

As terras indígenas são, ainda, inalienáveis, indisponíveis e imprescritíveis[6]. Desta feita, não podem ser objeto de alienação, nem de disposição de qualquer sorte, tampouco podendo ser objeto de usucapião – conclusão, aliás, que exsurge do mero fato de se tratarem de bens públicos (art. 182, § 3º, CF e art. 102, Código Civil).

Por fim, cabe mencionar o tratamento deferido pela Carta Magna aos atos de particulares de ocupação, domínio, posse e exploração das riquezas naturais das terras consideradas indígenas com a promulgação da CF/88. Segundo previu o constituinte, serão eivados de nulidade tais atos e, por conseguinte, não produzirão quaisquer efeitos jurídicos.

Neste sentido, entende o STF que o fato de haver propriedade particular objeto de inscrição registral imobiliária no Cartório de Registro de Imóveis não obsta o reconhecimento da terra enquanto indígena, não sendo tal inscrição no fólio matricial do imóvel

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oponível à União[7], sendo que a caracterização da área enquanto terra indígena gera a inocuidade de ações possessórias ou dominiais de particulares[8].

Assim, tem efeito declaratório, e não constitutivo, o reconhecimento dos direitos indígenas sobre suas terras, já que se trata da mera declaração de uma situação jurídica prévia, não se cabendo cogitar de direito adquirido por parte dos particulares ocupantes das mesmas, e sendo até mesmo desnecessária prévia demarcação administrativa para que haja tal inoponibilidade do registro particular à União[9].

4. Conclusão

Os povos indígenas representam a ancestralidade de considerável parte da população brasileira, sendo dotados de cultura, tradições e costumes próprios.

Foram contemplados pelo ordenamento jurídico de forma plural – merecendo contemplação jurídica tanto o silvícola não integrado, como o índio em estado de integração com a comunhão nacional.

Receberam proteção legal e constitucional e têm sido alvo de numerosos litígios envolvendo os direitos sobre as terras que ocupam. A intervenção do legislador, com efeito, busca compensar, no plano jurídico, a desigualdade fática verificada historicamente, notadamente pela subjugação e opressão iniciadas pelos colonizadores sobre os aborígenes.

A afirmação do direito, ao indígena, sobre as terras ocupadas de modo tradicional por estes sobreleva de importância neste pormenor. Torna-se inequívoco que o espaço fundiário deve ser garantido ao índio como pressuposto necessário à perpetuação de suas crenças e valores, bem como à viabilização da autossuficiência econômica da comunidade usufrutuária. Para tanto, a CF e a jurisprudência do STF preveem a prevalência, sobre o registro imobiliário de propriedades particulares, da situação

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jurídica prévia de ocupação indígena, caracterizada pelos marcos da tradicionalidade e temporalidade.

A compensação jurídica de disparidades fáticas revela-se instrumento essencial à perpetuação da identidade linguística, cultural e somática dos indígenas, sendo indispensável, para se alcançar a integração comunitária destes, a realização de ações afirmativas empreendidas pelo Poder Público, que conta com lastro legal e constitucional para subsidiar tais políticas públicas.

5. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 9 ed ver., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015.

ARAUJO, Luiz Alberto David; JUNÍOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de Direito Constitucional. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

BELFORT, LUCIA FERNANDA INÁCIA. A proteção dos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas, em face da convenção sobre diversidade biológica. 2006. 139 f.. Dissertação Mestrado – Faculdade de Direito, Universidade de Brasília, Brasília, 2006.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: . Acesso em: 16 jul 2016.

_______. Lei Federal n. 6.001, de 19 de dezembro de 1973. Dispõe sobre O Estatuto do Índio. Disponível em: . Acesso em: 16 jul 2016.

VILLAS BÔAS, O.; VILLAS BÔAS, C. Contradições da aproximação do índio com o “civilizado”. In: VILLAS BÔAS FILHO, O. (Org.) Orlando Villas Bôas: expedições, reflexões e registros. São Paulo, Metalivros, 2006.

VILLAS BÔAS O.; VILLAS BÔAS, C. Proteccionismo, conscientização e politização. In: VILLAS BÔAS FILHO, O. (Org.)

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Orlando Villas Bôas: expedições, reflexões e registros. São Paulo, Metalivros, 2006.

VILLAS BÔAS, O. Integrar em quê? In: VILLAS BÔAS FILHO, O. (Org.) Orlando Villas Bôas: expedições, reflexões e registros. São Paulo, Metalivros, 2006.

NOTAS:

[1]Vide: http://indigenas.ibge.gov.br/graficos-e-tabelas-2.html

[2] Lei 6001/73, Art. 8º São nulos os atos praticados entre o índio não integrado e qualquer pessoa estranha à comunidade indígena quando não tenha havido assistência do órgão tutelar competente. Parágrafo único. Não se aplica a regra deste artigo no caso em que o índio revele consciência e conhecimento do ato praticado, desde que não lhe seja prejudicial, e da extensão dos seus efeitos.

[3] Lei 6001/73, Art. 2º.

[4] Vide Pet 3388/RR

[5] “Conforme entendimento consubstanciado na Súmula 650/STF, o conceito de ‘terras tradicionalmente ocupadas pelos índios’ não abrange aquelas que eram possuídas pelos nativos no passado remoto. (...) Renitente esbulho não pode ser confundido com ocupação passada ou com desocupação forçada, ocorrida no passado. Há de haver, para configuração de esbulho, situação de efetivo conflito possessório que, mesmo iniciado no passado, ainda persista até o marco demarcatório temporal atual (vale dizer, a data da promulgação da Constituição de 1988), conflito que se materializa por circunstâncias de fato ou, pelo menos, por uma controvérsia possessória judicializada.” (ARE 803.462-AgR, rel min. Teori Zavascki, julgamento em 9-12-2014, Segunda Turma, DJE de 12-2-2015.)

[6] “As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios incluem-se no domínio constitucional da União Federal. As áreas por elas abrangidas são inalienáveis, indisponíveis e insuscetíveis de prescrição aquisitiva. A Carta Política, com a outorga dominial atribuída à União, criou, para esta, uma propriedade vinculada ou reservada, que se destina a garantir aos índios o exercício dos direitos que lhes foram reconhecidos constitucionalmente (CF, art.

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231, § 2º, § 3º e § 7º), visando, desse modo, a proporcionar às comunidades indígenas bem-estar e condições necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.” (RE 183.188, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 10-12-1996, Primeira Turma, DJde 14-2-1997.)

[7]“A eventual existência de registro imobiliário em nome de particular, a despeito do que dispunha o art. 859 do Código Civil de 1916 ou do que prescreve o art. 1.245 e §§ do vigente Código Civil, não torna oponível à União Federal esse título de domínio privado, pois a Constituição da República pré-excluiu do comércio jurídico as terras indígenas res extra commercium, proclamando a nulidade e declarando a extinção de atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse de tais áreas, considerando ineficazes, ainda, as pactuações negociais que sobre elas incidam, sem possibilidade de quaisquer consequências de ordem jurídica, inclusive aquelas que provocam, por efeito de expressa recusa constitucional, a própria denegação do direito à indenização ou do acesso a ações judiciais contra a União Federal, ressalvadas, unicamente, as benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé (CF, art. 231, § 6º).” (RMS 29.193-AgR-ED, rel. min Celso de Mello, julgamento em 16-12-2014, Segunda Turma,DJE de 19-2-2015.)

[8] Pet 3.388-ED, rel. min. Roberto Barroso, julgamento em 23-10-2013, Plenário, DJE de 4-2-2014.

[9] "Terras indígenas não demarcadas pela União. Desnecessidade de prévia demarcação administrativa. Prosseguimento do julgamento pelo Tribunal para emissão de juízo conclusivo sobre a situação jurídico-constitucional das áreas abrangidas pelos títulos. Questão de Ordem que assim se resolve: (1) a demarcação prévia da área abrangida pelos títulos, não é, em si, indispensável ao ajuizamento da própria ação; (2) o Tribunal pode examinar se a área é indígena ou não para decidir pela procedência ou improcedência da ação." (ACO 312-QO, rel. min. Eros Grau, julgamento em 27-2-2002, Plenário, DJ de 27-10-2006.)

    

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NOÇÕES INTRODUTÓRIAS ACERCA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

NATÁLIA COSTA AGLANTZAKIS: Servidora Pública da Câmara dos Deputados.

RESUMO: Com o advento da Constituição Federal o controle de constitucionalidade brasileiro foi reforçado por meio de diversos instrumentos concretos. Esse instrumento possui como finalidade primordial proteger a Constituição Federal nas hipóteses em que leis e atos normativos a afrontarem. Assim, especializa-se a força normativa constitucional, bem como a sua rigidez. Destarte, o objetivo desse trabalho é demonstrar os pressupostos básicos do controle de constitucionalidade brasileiro, bem como analisar as modalidades adotadas.

PALAVRAS-CHAVE: Noções Introdutórias. Pressupostos. Controle de Constitucionalidade. Modelos.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. PRESSUPOSTOS DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. 3. SISTEMAS DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. 4. CONCLUSÃO.

1. INTRODUÇÃO

Serão abordados os conceitos de Constituição, partindo-se das premissas majoritariamente adotadas pela doutrina constitucional. Simultaneamente a isso serão explanados os pressupostos do controle de constitucionalidade, isto é, a supremacia e a rigidez constitucional.

Serão, também, ressaltados os modelos constitucionais existentes quanto à jurisdição constitucional, quais sejam, difuso,

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concentrado e misto. Suas principais características serão discutidas, viabilizando, assim, o estudo do modelo adotado no Brasil.

2. PRESSUPOSTOS DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

O instituto do controle de constitucionalidade consiste na análise de compatibilidade entre uma lei ou ato normativo infraconstitucional em decorrência da Constituição.[1] Tal análise é possível mediante a existência de dois pressupostos, quais sejam: a) a supremacia da Constituição, e; b) rigidez constitucional.[2]

Konrad Hesse conceitua o controle de constitucionalidade como:

“Controle de normas é o exame da compatibilidade de uma norma com uma norma de hierarquia superior. Ele pode ser efetuado “abstratamente”, desprendido de um caso particular a ser decidido, ou “concretamente”, isto é, em conexão com um caso particular, para cuja decisão importa a validez da norma a ser examinada.”[3]

Nesse ínterim, aborda-se o conceito de Constituição para a explicação da jurisdição constitucional.

Partindo de uma noção ampla sabe-se que o vocábulo Constituição deriva do verbo constituir, traduzindo a vertente de composição de algo. Porém, não é esse sentido que importa a ciência jurídica. Deve-se abordar a Constituição como o “documento” capaz de regular a vida em sociedade, em sua feição política. Além do mais, é como se traduz o poder político, com repressão a eventuais abusos deste. É possível extrair da Constituição o histórico de uma sociedade, e, como se alcançou o atual estágio normativo político.

Corroborando a ideia de Dworkin, temos que:

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“Há uma diferença muito grande entre a Constituição e as leis comuns. A Constituição é o fundamento para a criação de outras leis [...]. Deve ajustar-se às disposições mais básicas do poder político da comunidade e ser capaz de justificá-las, o que significa que deve ser uma justificação extraída dos aspectos mais filosóficos da teoria política.”[4]

Sobre a dicção de Canotilho tem-se que a Constituição é “um complexo normativo ao qual deve ser assinalada a função da verdadeira lei superior do Estado, que todos os seus órgãos vincula.”[5]

Segundo o magistério do professor Paulo Gonet, a Constituição:

“Emerge como um sistema assegurador das liberdades, daí a expectativa que proclame direitos fundamentais. As liberdades, igualmente, são preservadas mediante a solução institucional da separação dos poderes.”[6]

Conclui-se, em virtude do abordado acima, que a Constituição consiste no fundamento normativo das outras leis, funcionando como fator de regulação da vida em sociedade quanto aos pontos essenciais de convívio social, tendo como fim, além de outros, assegurar as liberdades e direitos fundamentais, juntamente com a preservação da separação dos Poderes. Confirmando o entendimento, vejamos o que leciona Mendes:

“[...] também são ordenados na Constituição os fundamentos de esferas vitais que nada têm a ver, de forma direta, com a formação de unidade política e ação estatal, como é o caso do ordenamento jurídico civil: matrimônio, família, propriedade, herança, fundamentos do

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Direito Penal, princípios do ensino, liberdade religiosa ou das relações laborais ou sociais. Em tudo isso, a Constituição é o plano estrutural básico, orientado por determinados princípios que dão sentido à forma jurídica de uma comunidade.”[7]

Visto que a Carta Magna possui como uma de suas funções a garantia e o exercício dos direitos fundamentais, mister se faz conceituá-los. Tem-se que estes são definidos por Ingo Sarlet, da seguinte forma: “os direitos fundamentais, ao menos de forma geral, podem ser considerados concretizações das exigências do princípio da dignidade da pessoa humana”[8].

O professor Gilmar Mendes assevera que tais direitos possuem primariedade aos indivíduos, ao passo que os deveres devidos ao Estado possuem um caráter secundário.[9]

Por fim, no que tange a proteção dos direitos fundamentais, cita-se o magistério do professor Barroso:

“Um dos fundamentos do controle de constitucionalidade é a proteção dos direitos fundamentais, inclusive e, sobretudo os das minorias, em face de maiorias parlamentares eventuais. Seu pressuposto é a existência de valores materiais compartilhados pela sociedade que devem ser preservados das injunções estritamente políticas.”[10]

Averbara-se que tais funções explicitadas não seriam possíveis sem a força normativa atribuída à Constituição em tempo relativamente recente, adotando-se a doutrina brasileira da efetividade.

O fundamento da doutrina da efetividade é verter as normas constitucionais de aplicabilidade direta e imediata, na dimensão máxima de sua densidade normativa. Como ilação, ao

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violar-se uma norma constitucional, o ordenamento jurídico deve regular sistemas apropriados de tutela – por meio da ação e da jurisdição –, regulamentando os remédios jurídicos próprios e a atuação efetiva dos órgãos jurisdicionais.[11]

Ainda no que se refere ao conceito de constituição, tem-se, conforme os ensinamentos de Hans Kelsen, uma perspectiva formal e material. Em suma, tem-se que o sentido formal atrela-se à superioridade da Constituição – decorrente do aspecto procedimental mais complexo - em relação às demais leis. E, no que tange o sentido material, tem-se que Constituição são as normas referentes aos aspectos políticos fundamentais.

“Tudo isso sob o pressuposto de que a simples lei não tenha força para derrogar a lei constitucional que determina a sua produção e o seu conteúdo. (...) Quer isto dizer que a Constituição prescreve para a sua modificação ou supressão um processo mais exigente, diferente do processo legislativo usual; que, além da forma legislativa, existe uma específica forma constitucional.”[12]

Vislumbra-se, por conseguinte, inserida a hipótese de um arranjo de controle de constitucionalidade, com fundamento na superioridade da Carta Magna. Persevera o autor, na acepção da qual o legislador constitucional deve se valer de que “as normas constitucionais não serão respeitadas sempre e totalmente”[13]. Dessa maneira, ressalta-se a necessidade da existência de um órgão capaz de “controlar” a aplicação da Constituição.

Verifica-se que o sistema originado dessa lógica jurídica foi o intitulado “sistema austríaco”. Neste, cabia, com exclusividade, à um Tribunal Constitucional a análise de coadunação das normas infraconstitucionais com as constitucionais.

Nesse sentido, adota-se a asserção sobre a qual uma lei é valida apenas se a tiver em correspondência com a Constituição

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e, não estando, ela sequer poderá ser tomada como lei. Assim, assevera o autor austríaco:

“Quando se tem fundamento para aceitar a validade de uma lei, o fundamento da sua validade tem de residir na Constituição. De uma lei inválida não se pode, porém, afirmar que ela é contrária à Constituição, pois uma lei inválida não é sequer uma lei.”[14]

Importa ressaltar que o modelo austríaco de constitucionalidade propunha um Tribunal Constitucional independente dos demais órgãos do Poder Judiciário, visto que a sua finalidade era a resolução de demandas objetivas, isto é, a adequação das normas em face da Carta Magna.

Por derradeiro, há diversamente do austríaco, o modelo difuso. Este confere competência a todos os órgãos jurisdicionais – juízes e Tribunais – referente a declaração de inconstitucionalidade de eventual norma em conflito com a Constituição. Nessa concepção de jurisdição constitucional incide o modelo americano.

Feitas as devidas iniciações do instituto do controle de constitucionalidade nas perspectivas concentrada e difusa, evolui-se à explanação dos pressupostos existenciais do controle de constitucionalidade, quais sejam: a supremacia da Constituição e a rigidez constitucional.

O princípio da supremacia da Constituição alude historicamente à obra de Emmanuel Joseph Sieyés, intitulada “O que é o Terceiro Estado?”. Nesta, o autor reiterou a noção de Constituição como “Lei Fundamental”, documento superiormente hierárquico às normas infra legais.

No que tange ao princípio citado acima, explana Pinto Ferreira: “é reputado como uma pedra angular, em que assenta o edifício do moderno direito político” [15].

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Em suma, significa que a Constituição é o fundamento de validade de todas as demais normas, conferindo caráter de legitimidade a todos os poderes estatais. Convém explanar, a título didático, a classificação abordada pela maioria doutrinária, qual seja: supremacia material e supremacia formal.

A supremacia material é cabível no aspecto sociológico, e reconhecida até nas constituições costumeiras. Comporta os fundamentos do Estado de Direito: direitos fundamentais, organização dos poderes e poder político do Estado.

Por outro ângulo, a supremacia formal relaciona-se, além do aspecto sociológico, com o sócio-político.

José Afonso explora que há o surgimento de duas modalidades de normas, as quais se diferenciam no aspecto de surgimento e hierárquico: leis ordinárias e leis constitucionais.[16]

Dessa maneira, vislumbra-se a supremacia da Carta Constitucional em face das leis infraconstitucionais, vez que o processo de alteração da Constituição é mais dificultoso, dando ensejo ao instituto do controle de constitucionalidade.

Aduz o professor José Gomes Canotilho que a Constituição possui posição ímpar no ordenamento jurídico, vez que tal possui posição topográfica hierárquica, de forma e gênese superior, ensejando, a meu ver, a sua supremacia. Vejamos:

“A Constituição é uma lei dotada de características especiais. Tem um brilho autônomo expresso através da forma, do procedimento de criação e da posição hierárquica das suas normas. Estes elementos permitem distingui-la de outros actos com valor legislativo presentes na ordem jurídica. Em primeiro lugar, caracteriza-se pela sua posição hierárquico-normativo superior relativamente às outras normas do

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ordenamento jurídico. Ressalvado algumas particularidades do direito comunitário, a superioridade hierárquico-normativa apresenta três expressões: (1) as normas constitucionais constituem uma lex superior que recolhe fundamento de validade em si própria (autoprimazia normativa); (2) as normas da constituição são normas de normas (normaenormarum) afirmando-se como uma fonte de produção jurídica de outras normas (leis, regulamentos, estatutos); (3) superioridade normativa das normas constitucionais implica o princípio da conformidade de todos os actos do poder público com a Constituição.”[17]

No que se refere à rigidez constitucional, importa ressaltar o processo de elaboração mais complexo das normas constitucionais, o qual é distinto das demais normas infraconstitucionais.

Quanto ao aspecto prático da rigidez constitucional, friso que, caso as normas infraconstitucionais e as normas constitucionais possuíssem o mesmo processo de elaboração, ocorreria na hipótese de contrariedade, a revogação da norma anterior, e, não, a inconstitucionalidade – como de fato ocorre.[18]

Sob este aspecto, conclui-se que a base do controle de constitucionalidade está evidenciada na supremacia e na rigidez constitucional, sendo estas fundamentais à harmonia do ordenamento jurídico, vez que a as leis encontram a sua validez na Constituição, garantindo-se, dessa forma, a sua própria existência.

3. SISTEMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

O controle de constitucionalidade é um instituto o qual teve sua evolução a partir de elementos históricos, filosóficos e culturais, podendo ser dividido em três

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modalidades: a) modelo concentrado; b) modelo difuso; c) modelo misto.

O modelo concentrado de constitucionalidade foi apontado primordialmente na Constituição da Áustria – 1920, tendo sua aplicação limitada a um órgão ou a um número determinado de órgãos tendo como função única ou primordial a realização do mesmo. Este modelo é utilizado pelo sistema austríaco, sendo este composto pelos tribunais constitucionais europeus.[19] Referido modelo é utilizado para o controle de constitucionalidade de leis e atos normativos, tendo suas decisões eficácia ex tunc.

Cabe advertir que a Emenda Constitucional de 7/12/1929 trouxe transformações significativas à essa espécie de modelo introduzido na Constituição Austríaca de 1920. Acrescentou-se a participação do juiz ou Tribunal ao controle de constitucionalidade, ainda que na condição de mero provocador, rompendo com a atribuição exclusiva de controle pela Corte Constitucional. Nesse sentido, ensina o professor Gilmar Mendes:

“Passou-se a admitir que o Supremo Tribunal de Justiça (ObersterGerichtshof) e o Tribunal de Justiça Administrativa (Verwaltungsgerichtshof) elevem a controvérsia constitucional concreta perante a Corte Constitucional. Rompe-se com o monopólio de controle da Corte Constitucional, passando aqueles órgãos judiciais a ter um juízo provisório e negativo sobre a matéria. Essa tendência seria reforçada posteriormente com a adoção de modelo semelhante na Alemanha, Itália e Espanha. Em verdade, tal sistema tornou o juiz ou tribunal um ativo participante do controle de constitucionalidade, pelo menos na condição de órgão incumbido da provocação. Tal aspecto acaba por mitigar a separação entre os dois sistemas básicos de controle.” [20]

Tipicamente, essa espécie de controle traduzia os ensinamentos do austríaco Hans Kelsen, não obstante, segundo

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Barroso, dois apontamentos impeliram a adoção do modelo concentrado, quais sejam: “a) a inexistência de stare decisis em seus sistemas judiciais; b) a existência de magistratura de carreira para a composição dos tribunais.”[21]

O instituto do stares decisis consiste na existência de um tribunal superior cujas decisões proferidas vinculem os demais órgãos judiciais inferiores, traduzindo-se na obrigatoriedade do cumprimento da decisão por todos os juízes e tribunais. Disso advém o seguinte entendimento: na hipótese da declaração de inconstitucionalidade de determinada lei, esta não será mais aplicada pelos juízes e tribunais. A decisão proferida pelo tribunal superior possui eficácia erga omnes, a despeito de um caso singular, atuando sobre os demais casos supervenientes. Como o instituto do stares decisis não era aplicado no sistema europeu, instituiu-se um órgão especial – um tribunal constitucional - cuja competência era exercer um juízo de constitucionalidade a respeito das leis.

Os juristas e legisladores europeus atribuíam ao juízo de constitucionalidade a perspectiva de legislador negativo, isto é, a sua atuação retirava uma lei do ordenamento jurídico. Dessa forma, explica-se o segundo pressuposto lógico do modelo concentrado austríaco: a criação de um Tribunal Constitucional, órgão não integrante do Poder Judiciário, se faz pela composição de homens de Estado e, não por juízes de carreira, visto a função do referido modelo.

A título de complementação, ressalta-se que no Brasil o modelo concentrado de constitucionalidade foi introduzido pela Emenda Constitucional nº 16/65[22], sendo exercido mediante representação do Procurador-Geral da República, também nomeado de ação genérica.

Ressalta-se que o Controle Concentrado de Constitucionalidade, perante o Supremo Tribunal Federal, ganhou novos contornos a partir da Constituição Federal de 1988. Ampliou-se o rol de legitimados ativos; incluiu-se, por meio da emenda constitucional nº 03/1993, a Ação Declaratória de Constitucionalidade; regulamentou-se a Ação Declaratória de

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Inconstitucionalidade Genérica, a Ação Declaratória de Constitucionalidade e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Somou-se a isso a possibilidade de edição de súmula vinculante e a adoção do Recurso Extraordinário com Repercussão Geral, aproximando mais o controle difuso do concentrado.

Nos moldes do art. 103 da Constituição de 1988 são legitimados para propor a ação de inconstitucionalidade o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de uma Assembleia Legislativa, o Governador do Estado, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional, as confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional. Anteriormente, o rol dos legitimados incluía apenas o Procurador-Geral da República.

A extensão do rol de legitimados para a propositura, bem como a celeridade dessa modalidade de resolução da jurisdição constitucional, nota-se aqui a viabilidade de concessão liminar da suspensão do ato impugnado (artigo 10, Lei 9.868/99), faz com que a ação direta configure-se em um instrumento processual largamente adotado da resolução de controvérsias constitucionais em sede de modelo concentrado.

Verifica-se, além da importância dos instrumentos do controle concentrado, a noção de defesa das minorias em face da legitimidade dos partidos políticos com representação no Congresso Nacional, vez que é conferida, inclusive, às quotas parlamentares menos significativas à viabilidade de impugnação da inconstitucionalidade de lei.[23]

A respeito das inovações trazidas ao controle de constitucionalidade concentrado brasileiro, o professor Gilmar Mendes adverte:

“São significativas as mudanças verificadas no processo constitucional no âmbito do controle concentrado. A aplicação da Lei n. 9868/99 (ADI e ADC) e da Lei n.9882/00 (ADPF) deu ensejo à ampla atualização no processo constitucional no

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Brasil. A constatação de que, no processo de controle de constitucionalidade, faz-se, inevitavelmente, a verificação de fatos e prognoses legislativos, conduziu à necessidade de adoção de modelo procedimental que outorgasse ao Tribunal as condições necessárias para proceder a essa aferição. Esse modelo pressupõe não só a possibilidade de a Corte se valer de todos os elementos técnicos disponíveis para a apreciação da legitimidade do ato questionado, mas também o amplo direito de participação por parte de terceiros interessados. Passos significativos foram dados com a promulgação das Leis ns. 9868/99 e 9882/99 (admissão de amicus curiae e realização de audiências públicas) e com a edição das normas regimentais pertinentes.”[24]

Consagra-se dessa maneira a influência do pensamento do professor Peter Habërle na criação legislativa das Leis 9.868/99 e 9.882/99 quando da inclusão do amicus curiae e da realização de audiências públicas, mediante o qual a interpretação jurisdicional não deve restringir-se á uma sociedade fechada de intérpretes – juízos constitucionais – e, sim, ampliar-se à uma sociedade aberta de intérpretes, com a inclusão dos setores sociais. Respalda seu entendimento no argumento de que essas instâncias jurídicas competentes – atualmente – para a interpretação constitucional, não passam de meras criações constitucionais passíveis de desaparecimento a qualquer momento, visto que não se encontram intangíveis às resistências sociais. Dessa maneira, vejamos o que expõe o autor da tese “Sociedade Aberta de Intérpretes”:

“No processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer- se um elenco cerrado ou fixado

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comnumerus clausus de intérpretes da Constituição.”[25]

Além do mais, a par dessas importantes incorporações ao Controle Concentrado de Constitucionalidade, tem-se como a mais forte e significativa, resultante de textos fundamentais estrangeiros, como o da Alemanha (art. 94.º2) e o da Itália (art. 136), a possibilidade da modulação dos efeitos do controle de constitucionalidade em sede de Ação Declaratória de Inconstitucionalidade e de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, quando sobrevierem razões de segurança jurídica e de excepcional interesse social.

Quanto ao controle difuso de constitucionalidade, tem-se que este confere competência a qualquer órgão judicial afeto à aplicação da lei concretamente no que tange o poder-dever de não aplicá-la caso a julgue incongruente com o ordenamento jurídico constitucional.

Referido modelo expande-se a partir do caso Marbury v. Madison, de 1803, realizado na Suprema Corte Americana. A decisão do julgado acima citado foi a primeira com grande repercussão[26] na qual a Suprema Corte exerceu jurisdição constitucional, negando aplicação às normas contrárias a Constituição, conforme o seu juízo interpretativo. Cabe observar que a Constituição não conferia expressamente a competência da jurisdição constitucional, tendo a Corte argumentado no sentido que tal atribuição era decorrente do sistema visto, do caráter de supremacia constitucional e do judicial review.

No Brasil, o controle difuso é adotado desde a Constituição de 1891, e perdura até os dias atuais sem muitas diferenças. Neste, todos os órgãos com função jurisdicional – dos juízes à Suprema Corte – possuem competência para tal, devendo negar aplicação às normas em conflito com a Constituição.

Por fim, quanto ao sistema misto de controle de constitucionalidade, tem-se que tal adota características dos outros sistemas, quais sejam: o difuso e o concentrado. Em suma, confere-se um poder-dever aos órgãos jurisdicionais – juízes e tribunais – de não aplicar as normas quando estas se manifestam

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contrariamente à Constituição, e; confere-se competência a um órgão determinado – Tribunal Supremo ou Corte Constitucional – para decidir casos com perfil abstrato ou concentrado.

Toma-se como exemplo de adoção do sistema misto de controle de constitucionalidade o sistema Português, no qual coexistem uma Corte Constitucional e os órgãos judiciais ordinários, ambos com competência para cotejar a constitucionalidade da legislação ordinária e, o sistema Brasileiro, em que se adota o modelo difuso de constitucionalidade conjuntamente com as ações diretas de inconstitucionalidade.

Assinala-se a expansão da jurisdição constitucional no direito comparado até mesmo nos países que anteriormente o recusavam.

Na França a atuação do Conselho Constitucional – órgão fundado pela Constituição de 1958 – vem gradativamente adotando posições atuantes do controle de constitucionalidade. Cita-se como exemplo a inclusão do sistema repressivo de controle de constitucionalidade por meio da Lei de Reforma Constitucional nº 724/08. Além do mais, a inclusão do artigo 61-1 da Constituição Francesa de 1958, permitiu ao Conselho Constitucional uma atuação repressiva na jurisdição constitucional das leis promulgadas e em vigor, quando a este for resignado o exame de uma questão prioritária de constitucionalidade (QPC), em qualquer processo judicial ou administrativo.[27]

Nas lições de Dirley da Cunha Júnior, entende-se por questão prioritária de constitucionalidade:

“Um incidente que qualquer pessoa que seja parte em um processo (judicial ou administrativo) pode suscitar, para afirmar que uma disposição legislativa viola os direitos e liberdades garantidos pela Constituição.”[28]

Não obstante o apontado acima, traduz-se como

importante inovação no modelo francês do controle de constitucionalidade a possibilidade da modulação dos efeitos da

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decisão, instituto correlato ao da legislação brasileira – Lei nº 9.868/99, art. 27.

Assim dispõe a legislação francesa no art. 62 da Constituição de 1958: “uma disposição declarada inconstitucional com fundamento no art. 61-1 fica revogada a partir da publicação da decisão do Conselho Constitucional ou a partir da data fixada na decisão”.[29]

A Alemanha tem o seu controle de constitucionalidade inspirado no modelo austríaco. Difere-se desse, pois, é cingido ao Poder Judiciário. Não obstante, isso se difere, também, quanto aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.

Na Alemanha adota-se, em regra, a teoria da nulidade, na qual a declaração de inconstitucionalidade retroage com efeitos ex tunc, visto que a norma inconstitucional nunca existiu mediante a sua nulidade.

Tal regra é excepcionada com o intuito de conservar os efeitos decorrentes do ato estabelecido sob a guarida da lei inconstitucional, vez que a retroatividade da declaração da lei nula geraria “graves repercussões sobre a paz social, ou seja, sobre a existência de um mínimo de certeza e de estabilidade das relações e situações jurídicas".[30]

Em Portugal, o Tribunal Constitucional Português fundou-se como constituinte do Poder Judiciário. Suas decisões referentes à declaração de inconstitucionalidade das leis produzem efeitos erga omnes vinculantes, repristinatórios e retroativos, exceto na incidência da coisa julgada. Dessa forma, implica-se a nulidade aos atos declarados inconstitucionais.

Assevera-se, ainda, que mediante o artigo 282 da Constituição de Portugal, o Tribunal Constitucional poderá efetuar a modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade nas hipóteses de segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo. Consagra-se, assim, a instituição da modulação dos efeitos no controle de constitucionalidade português. Vejamos o artigo 282 da Constituição Portuguesa:

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“Artigo 282.ºEfeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade

1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado.

2. Tratando-se, porém, de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por infracção de norma constitucional ou legal posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor desta última.

3. Ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido.

4. Quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos n.os1 e 2.”[31]

Consoante o professor Jorge Miranda, a viabilidade da modulação dos efeitos quando da aferição da inconstitucionalidade de uma lei dedica-se a impedir que o Tribunal Constitucional solucione a jurisdição constitucional no sentido da não existência de inconstitucionalidade a fim de preservar-se da ilação gravosa resultante da declaração. [32]

Ademais, Martins e Mendes propugnam que apesar da cláusula geral contida no artigo 282 da Constituição Portuguesa, os doutrinadores e os juristas explanam que apesar da possibilidade da modulação temporal dos efeitos de declaração de

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inconstitucionalidade, isto não significa uma autorização para proceder com arbitrariedade, devendo a atuação da Corte respaldar-se no princípio da proporcionalidade.[33]

4. CONCLUSÃO

A Jurisdição Constitucional é ponto destacado quanto aos assuntos discutidos no Direito Constitucional Moderno. Com o advento da Constituição de 1988 o assunto ganhou novos moldes mais concretos e eficazes. A primazia da finalidade teológica do texto constitucional foi evidenciada a partir da implantação de mecanismos jurisdicionais afetos ao controle de constitucionalidade tanto concreto e difuso, quanto abstrato e concentrado.

Quanto ao controle difuso de constitucionalidade, tem-se que a competência para realizá-lo é conferida a qualquer órgão judicial afeto à aplicação da lei in concreto, especialmente no que tange o poder-dever de não aplicá-la caso a julgue incongruente com o ordenamento jurídico constitucional. Trata-se de uma análise de direito subjetivo.

No Brasil, a adoção do controle difuso ocorre desde a Constituição de 1891 e, perdura até os dias atuais sem muitas diferenças. Neste, todos os órgãos com função jurisdicional – dos juízes à Suprema Corte – possuem competência para tal, devendo negar aplicação às normas em conflito com a Constituição.

A implantação do modelo concentrado de constitucionalidade possui origem histórica na Constituição Austríaca de 1920 sendo utilizado para o controle de leis e atos normativos que afetem a Constituição. A declaração de inconstitucionalidade dos referidos atos possuem eficácia ex tunc.

Dessa forma, ímpar é o estudo dos pressupostos do controle de constitucionalidade como forma de garantir a aplicação prática da Constituição Federal de 1988.

5. REFERÊNCIAS AVILA, Ana Paula. A modulação de efeitos temporais pelo STF no

Controle de Constitucionalidade: ponderação e regras de argumentação

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NOTAS:

[1]BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p. 26.

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[2] Idem. p. 27.

[3] HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Editora Livraria dos Advogados, 1998. p. 494.

[4] DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 454.

[5] CANOTILHO, J. J. GOMES; MOREIRA, V.Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1991. p. 43.

[6] MENDES, G. F; BRANCO, P. G. G. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011. p. 61.

[7] Idem. p. 77.

[8] SARLET, Ingo Wolfgang. Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p.110.

[9] MENDES, G. F; BRANCO, P. G. G. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011. p. 136.

[10] BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. pag. 27.

[11] BARROSO, Luís Roberto. O constitucionalismo democrático no brasil: crônica de um sucesso imprevisto. Disponível em: <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/constitucionalismo_democratico_brasil_cronica_um_sucesso_imprevisto.pdf>. Acesso em 31 mar. 2014.

[12] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Babtista Machado. 6. ed. Coimbra: Armenio Amado, 1984. p. 312-313.

[13] Idem. p. 368.

[14] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Babtista Machado. 6. ed. Coimbra: Armenio Amado, 1984. p. 367.

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[15]FERREIRA, L. Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno. 6ª ed, São Paulo: Saraiva. 1983. p. 90.

[16] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011. p. 45.

[17]CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional: e teoria da constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, 1997. p. 1111-1112.

[18] BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p. 27.

[19] BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p. 200.

[20]MENDES, G. F; BRANCO, P. G. G. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011. p. 340.

[21] BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.

[22] “Emenda Constitucional nº 16/65:[...] Art. 2º As alíneas c , f , i e k do art. 101, inciso I, passam a ter a seguinte redação: [...] k) a representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral da República; "

[23] MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade: Repercussões na Atividade Econômica. Disponível em: <<http://www.bcb.gov.br/htms/public/8encjur/04%20-gilmar%20ferreira%20mendes.pdf>>. Acesso em: 18 de maio de 2014.

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[24] MENDES, Gilmar Ferreira. Estado de Direito e Jurisdição Constitucional – 2002-2010/Gilmar Ferreira Mendes. – São Paulo : Saraiva, 2011. p. 143.

[25] HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Contribuição Para a Interpretação Pluralista e Procedimental da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997. p. 25.

[26] Cabe assinalar a existência de precedentes nos quais o exercício e a explanação teórica da tese da jurisdição constitucional foi desenvolvida. A mesma já houvera sido identificada em precedentes datados desde a Antiguidade e no período colonial dos Estados Unidos. No plano teórico a tese houvera sido argumentada por Alexander Hamilton, no Federalista n. 78.

[27] SOUZA, Rômulo Vinícius Nunes De. Atuação do STF na modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Revista de Direito Constitucional e Internacional. Ano 19. Volume 76. Jul-set. 2011.

[28]JÚNIOR, Dirley Da Cunha. O Controle de Constitucionalidade na França e as alterações advindas da Reforma Constitucional de 23 de julho de 2008. Disponível em: <http://portalciclo.com.br/downloads/artigos/direito/O_Controle_de_Constitucionalidade_na_Franca_e_as_Alteracoes_advindas_da_Reforma_Constitucional_de_23_de_julho_de_2008.pdf>. Acesso em: 13 de maio de 2014.

[29] JURISDIÇÃO. Constituição Francesa de 1958. Disponível em: < http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/root/bank_mm/portugais/constitution_portugais.pdf>. Acesso em: 01 ago. 2014.

[30] SOUZA, Rômulo Vinícius Nunes de. Atuação do STF na modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Revista de Direito Constitucional e Internacional. Ano 19. Volume 76. Jul-set. 2011.

[31] JURISDIÇÃO. Constituição da República Portuguesa. Disponível em: <

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[32] MIRANDA, Jorge. Controlo da constitucionalidade e direitos fundamentais em Portugal. 2. ed. Coimbra: Coimbra Ed., 1988. t. 2, p. 389.

[33]MARTINS, lves Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira. Controle concentrado de constitucionalidade: comentários à Lei n. 9.868, 10 de novembro de 1999. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 47.

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DA (IN)COMUNICABILIDADE DOS RENDIMENTOS DE PARTICIPAÇÕES SOCIETÁRIAS NO REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS

PEDRO MATOS DE ARRUDA: Técnico Judiciário no Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. Bacharel em Direito pela UFPE.

RESUMO: Neste artigo, analisaremos a comunicabilidade ou não dos rendimentos decorrentes de participações societárias adquiridas por um dos cônjuges antes da constância do casamento, a partir da análise dos artigos 1.659 e 1.660, ambos do Código Civil de 2002.

Palavras-chave: Comunhão parcial de bens. Comunicabilidade. Rendimentos de Participações societárias.

INTRODUÇÃO

Traça-se, como objeto de estudo, a comunicabilidade ou não dos rendimentos decorrentes de participações societárias adquiridas por um dos cônjuges antes da constância do casamento, a partir da análise dos artigos 1.659 e 1.660, ambos do Código Civil de 2002.

Para tanto, deve-se perquirir inicialmente a natureza jurídica dos rendimentos para, assim, determinar qual a norma incidente.

Da (In)comunicabilidade dos rendimentos de participações societárias no regime de comunhão parcial de bens

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A sociedade empresária é formada pela união de pessoas que se organizam para exercer uma atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços no intuito de gerar lucro. Para que a sociedade seja constituída, seus integrantes devem disponibilizar-lhe recursos necessários para dar início às suas atividades – estes recursos são denominados capital social.

Em contrapartida à contribuição que o sócio dá ao capital social, é-lhe atribuída uma participação societária. Se a sociedade é limitada, esta participação se chama “quota” (ou “cota”); se anônima, “ação” (motivo pelo qual o sócio da S/A é chamado também acionista). A participação societária é bem integrante do patrimônio de cada sócio, que pode aliená-la ou onerá-la, se atendidas determinadas condições.[1]

O valor das quotas é que definirá, em regra, a participação do sócio nos lucros ou nas perdas da sociedade, como determina o art. 1.007, do Código Civil:

Art. 1.007. Salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas quotas, mas aquele, cuja contribuição consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção da média do valor das quotas.

Os rendimentos obtidos em razão da participação societária são considerados bens acessórios, na modalidade frutos civis, conforme interpretação do art. 92 c/c art. 95, ambos do Código Civil, tal como leciona Maria Helena Diniz:

(...) O princípio de que o acessório segue a natureza do principal vale para os frutos, produtos, benfeitorias e partes integrantes por aderirem ao bem principal, sendo desnecessária norma expressa para tanto (...).

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E segue:

Quanto à sua origem os frutos podem ser: (...) civis, se se tratar de rendimentos oriundos da utilização de coisa frutífera por outrem que não o proprietário, como as rendas, aluguéis, juros, dividendos e foros.[2]

Por via das consequências, é possível concluir que parte dos lucros gerados pela empresa pertencem ao sócio, na fração ideal de sua cota societária. Deve-se atentar que não são todos os rendimentos da sociedade empresária que constituem acréscimo patrimonial dos sócios. Pelo fato de ser a sociedade uma entidade dotada de personalidade jurídica própria, distinta da de seus integrantes, seu patrimônio também é destacado dos demais. Desta forma, os lucros de uma empresa podem ter três destinos, quais sejam: (i)constituição de reserva; (ii) incorporação ao capital social; e (iii) distribuição aos sócios, por meio dedividendos. Somente neste último caso é que se caracterizarão os frutos civis, amealhados pelo sócio.

Na hipótese de o sócio haver contraído núpcias e o regime de bens adotado for o legal, isto é, de comunhão parcial dos bens, algumas considerações devem ser feitas, a fim de evitar interpretação equivocada acerca da comunicabilidade de tais rendimentos quando da divisão dos bens, mormente quando as quotas societárias houverem sido adquiridas anteriormente à celebração do casamento, caracterizando-se bem particular do cônjuge.

Com a adoção do regime de comunhão parcial de bens, preserva-se a titularidade dos bens adquiridos anteriormente à constância do casamento, a fim de evitar o enriquecimento sem causa de qualquer dos cônjuges, como observa Maria Berenice Dias, que completa: [c]omunica-se apenas o patrimônio amealhado durante o período de convívio, presumindo a lei ter sido adquirido

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pelo esforço comum do par.[3]Sobre o tema, dispõe o Código Civil em seus art. 1.659 e 1.600, nos seguintes termos:

Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:

I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;

II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;

III - as obrigações anteriores ao casamento;

IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;

V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;

VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;

VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.

Art. 1.660. Entram na comunhão:

I - os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;

II - os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;

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III - os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;

IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;

V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.

Num primeiro momento, poder-se-ia enquadrar os frutos das participações societárias no inciso I, do art. 1.659, CC, excluindo-os da meação, em virtude doprincípio da gravitação jurídica prescrito no art. 92, do CC, pois se a quota societária é considerado um bem particular do sócio, todos os seus frutos pertenceriam, por consequência, ao mesmo sócio.

No entanto, a ressalva estabelecida no inciso V, do art. 1.660, CC, impede tal interpretação, uma vez que determina a comunhão dos frutos dos bens particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão. Conjugando-se ainda com o art. 1.215, do CC, é possível concluir que todos os rendimentos gerados na constância do casamento incluem-se na comunhão do bens. Também este é o entendimento de Carlos Roberto Gonçalves:

O inciso V prevê a comunicação dos frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, patenteando que somente os bens é que constituem patrimônio incomunicável. Os frutos percebidos na constância do casamento, bem como os pendentes ao tempo de cessar a comunhão, sejam rendimentos de um imóvel, de aplicação financeira ou de dividendos de ações de alguma empresa, integram o patrimônio comum, como consequência lógica do sistema estabelecido, que impõe a separação quanto

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ao passado e comunhão quanto ao futuro, ou seja, quanto aos bens adquiridos após o casamento.[4]

Segue, ademais, lição apurada de Silvio Rodrigues:

Frutos de bens particulares se comunicam. Assim sendo, p. ex., em uma sociedade anônima, havendo participação de um dos cônjuges (acionista) nos lucros sociais, oriunda de um investimento realizado com vista à remuneração periódica do capital empregado, mediante atribuição dos dividendos, pois tem direito de crédito eventual ao dividendo ou à parcela do lucro líquido, cuja concretização dependerá da existência daquele lucro, devidamente apurado e que lhe será distribuído em moeda. Como tais dividendos são frutos civis, resultantes do capital investido em empreendimento, entrarão para o patrimônio comum do casal, comunicando-se, portanto, ao outro cônjuge (não acionista).[5]

Os Tribunais pátrios apresentam posicionamento semelhante no tangente a comunhão dos frutos dos bens particulares, senão vejamos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA DE BENS. DIVIDENDOS E BONIFICAÇÕES. MEAÇÃO DOS FRUTOS DE BENS PARTICULARES. Os bens recebidos exclusivamente por um dos companheiros por herança não entram na comunhão e não são partilháveis. Porém, os valores correspondentes aos frutos desses bens devem ser incluídos na partilha dos bens havidos no período em que as partes viveram em união estável. Em vista disso, no caso, os dividendos que são frutos das ações que o agravado possui junto às empresas referidas nos autos, devem ser partilhados por representarem

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um acréscimo no patrimônio do casal. As bonificações, por se constituírem em produto, não ingressam na comunhão. RECURSO DESPROVIDO.

(Agravo de Instrumento Nº 70014665061, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 17/05/2006)

Naquela ocasião, o Des. Relator Ricardo Raupp, citando Arnoldo Wald, esclareceu que:

“ (...). Não há dúvida que, enquanto os dividendos das ações constituem incontestavelmente frutos, as ações dadas em bonificação são produtos, pois não decorrem necessária ou normalmente da vida societária e importam em desvalorização das ações bonificadas, que sofrem uma redução no seu preço ou valor em virtude da emissão das novas ações distribuídas gratuitamente aos acionistas...”

“Assim, tanto a doutrina como a jurisprudência sempre entenderam que a inclusão dos frutos na comunhão de adquiridos importava em exclusão dos demais acessórios e em particular dos produtos, pois a hipótese é de direito excepcional, aplicando-se a norma inclusione unius fit exclusio alterius. A inclusão na comunhão de um acessório específico (frutos) implica a exclusão de todos os demais”.

Conclui, finalmente, o eminente Professor:

“Concluímos que: no regime da comunhão parcial, comunicam-se os dividendos mas não se comunica a propriedade das ações recebidas em bonificação e durante a vigência da sociedade conjugal”.

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A distinção final entre dividendos e bonificações merece ser destacada, pois estas últimas são adquiridas de forma gratuita, pela distribuição de quotas societárias aos sócios, na proporção de sua participação, amoldando-se no disposto no art. 1.659, I, CC.

No rol de jurisprudência, ainda é possível destacar o seguinte julgado:

Arrolamento - Sentença homologatória de partilha - Insurgência da convivente supérstite - Pedido de inclusão na partilha dos rendimentos da aplicação financeira em nome do de cujus - Possibilidade- Exegese do inciso V do art. 1.660 do Código Civil- Pleito de exclusão da partilha de doação recebida - Cabimento -Comunhão parcial de bens - Inexistência de vedação legal de doação entre cônjuges - Ato de mera liberalidade do doador, que dispôs de pequena parte de seus bens particulares -Recurso provido.V1.660Código Civil. (destaquei)

(1407519020078260002 SP 0140751-90.2007.8.26.0002, Relator: Luiz Antonio Costa, Data de Julgamento: 26/10/2011, 7ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 03/11/2011)

CONCLUSÃO

Diante do todo já explanado, é possível concluir que os rendimentos decorrentes da participação societária do cônjuge, ainda que se trate de bem particular, é incluído na comunhão, desde que tenham sido revertidos ao patrimônio do sócio (dividendos).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 1: direito de empresa – 14. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010.

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DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias – 7. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 1: teoria geral do direito civil – 28 ed. – São Paulo: Saraiva, 2011.

________. Curso de direito civil brasileiro, volume 5: direito de família – 26. ed. – São Paulo: Saraiva, 2011.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6: direito de família – 7. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2010.

NOTAS:

[1] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 1: direito de empresa – 14. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, p. 64.

[2] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 1: teoria geral do direito civil – 28 ed. – São Paulo: Saraiva, 2011, p. 382.

[3] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias – 7. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 230.

[4] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6: direito de família – 7. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2010, p. 461.

[5] apud DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 5: direito de família – 26. ed. – São Paulo: Saraiva, 2011, p. 189-190.

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A EFICIÊNCIA DA REPERCUSSÃO GERAL COMO FILTRO RECURSAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO

THYAGO DE PIERI BERTOLDI: Formado em Direito pelo Centro Universitário Curitiba (UniCuritiba), é especialista em Direito Público pela Escola da Magistratura do Paraná. Atualmente exerce o cargo de Assessor Jurídico no Tribunal de Justiça do Paraná.

RESUMO: O presente trabalho objetiva demonstrar a eficiência da repercussão geral, que atua como um filtro recursal no recurso extraordinário, e foi concebido como solução do fenômeno cunhado pela doutrina de “Crise do Supremo”, caracterizado pelo excesso de demandas em trâmite na Corte Suprema Brasileira, que tem como principais consequências a morosidade na resposta jurisdicional e o embaraço do Tribunal no exercício da função precípua, lhe atribuída pela Constituição. Como forma de auxiliar tal análise, deseja-se, também, desenvolver um estudo no sentido de identificar as principais concausas que deram origem a “Crise do Supremo”. Pretende-se, ainda, demonstrar os principais aspectos conceituais da repercussão geral, analisando, inclusive, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a respeito dessa matéria, bem como apontar o impacto que o novo instituto gerou sobre o Recurso Extraordinário, alterando sua modelagem.

Palavras-chave: Repercussão Geral, Filtro Recursal, “Crise do Supremo”, Recurso Extraordinário.

1 INTRODUÇÃO

Os recursos dirigidos aos Tribunais de Cúpula apresentam grande importância para a ordem jurídica de um país. No Brasil, por exemplo, o Recurso Extraordinário, regulado pela própria Constituição, revela-se um imprescindível instrumento, permitindo

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que o Supremo Tribunal Federal, incumbido da guarda da Lei Maior, realize o controle de constitucionalidade com base em casos concretos.

A Corte Suprema brasileira, entretanto, encontra-se cada vez mais sobrecarregada por um grande contingente de processos, o que gera morosidade e compromete o exercício da função precípua que a Constituição lhe atribuiu. O quadro tornou-se tão crônico que começou a ser tratado pela doutrina como “Crise do Supremo”. Identificando o problema e buscando solucioná-lo, ao longo da história, o legislador brasileiro editou várias respostas normativas que não se mostraram eficazes.

Em 2004, objetivando remediar o problema de forma definitiva, o legislador constituinte promoveu uma série de reformas na Constituição Federal, tornando expressa na Constituição o direito fundamental à tutela jurisdicional tempestiva. No bojo dessa reforma, criou-se o instituto da repercussão geral, um filtro recursal, cujo objetivo é reduzir o número de demandas em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal, pois, em face da situação que a Corte atualmente se encontra, é inviável que ela entregue a prestação jurisdicional com a qualidade e na velocidade que a sociedade dela espera.

Nasce daí a necessidade de se verificar se a repercussão geral não entrará para o rol das respostas normativas que não lograram êxito em solucionar a “Crise do Supremo”. Para tanto, pretende-se, primeiramente, identificar, com base na doutrina acerca do tema, quais são as concausas que conduziram ao problema.

Além disso, constata-se que a aplicação da repercussão geral como um novo requisito de admissibilidade do Recurso Extraordinário é relativamente recente. Impende-se, portanto, realizar uma elucidação acerca das principais características do instituto, com base na produção literária e, principalmente, em virtude de haver o legislador optado pela adoção de um conceito jurídico indeterminado para definição da repercussão geral, da

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jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Tal análise irá permitir a verificação do impacto que o novo instituto tem sobre o recurso extraordinário que, repise-se, é instrumento de grande importância para realização do controle de constitucionalidade brasileiro. Desde já, destaca-se que os aspectos procedimentais do instituto fogem ao escopo do presente trabalho, pelo que não serão analisados.

Por fim, objetivando-se aferir, estatisticamente, a eficiência da repercussão geral como filtro recursal no recurso extraordinário, deve-se efetuar uma comparação entre o número de recursos dessa classe que foram distribuídos e julgados na Corte nos últimos anos. Desse modo será possível constatar a contribuição dada pelo instituto para que o Supremo Tribunal Federal possa tornar o julgamento dessa classe processual, que abarrota a Corte, mais célere e eficaz, dando cumprimento ao novo mandamento constitucional estampado no artigo quinto.

2 A “CRISE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL”: PRINCIPAIS CAUSAS

Até a Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal deveria responder não só pelos recursos que dissessem respeito às questões constitucionais, como também pelos referentes às questões federais.

A principal função atribuída pelo legislador constituinte de 1988 ao Supremo Tribunal Federal foi a de “guarda da Constituição”. Além dessa relevante atribuição, delegou-se ao STF as competências enumeradas no art. 102 da Constituição, que, segundo José Afonso da Silva[1], comportam divisão em três grupos:

(1) as que lhe cabe processar e julgar originalmente, ou seja, como Juízo único e definitivo, e são as questões relacionadas no inc. I; (2) as que lhe incumbe julgar, em recurso ordinário, e são as indicadas no inc. II; (3) e, finalmente, as que lhe toca julgar, em recurso

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extraordinário, e são as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida envolve uma das questões constitucionais referidas nas alíneas do inc. III.

Tal divisão é de extrema importância, pois foi com base nela que grande parte da doutrina identificou no Recurso Extraordinário a principal causa do abarrotamento do Supremo Tribunal Federal, conforme anota Rodolfo de Camargo Mancuso[2]:

Se considerarmos as competências do STF, não será difícil constatar que o acúmulo de serviço judiciário não deriva das causas de que ele conhece originalmente (CF, art. 102, I e alíneas): muitas delas não são apresentadas amiúde; outras resolvem-se no chamado juízo de deliberação, ou seja, de revisão sob o aspecto forma; em outras, cuida-se de julgamento de altas autoridades, por crimes comuns ou de responsabilidade. Também descartamos que a origem desse acúmulo esteja nas causas que envolvem crimes políticos (CF, art. 102, II, b), já que seu número não é particularmente expressivo. Quanto ao habeas corpus, mandado de segurança, habeas data e mandado de injunção denegados em única instância pelos Tribunais Superiores (CF, art. 102, II, a), e bem assim quanto às ações diversas no âmbito do controle direto de inconstitucionalidade de leis e atos do Poder Público (CF, art. 102, §§ 1º e 2º; art. 103, § 2º; Leis 9.868/99 e 9.882/99), malgrado sua inconteste relevância no contexto jurídico-político nacional, não parecem compor um volume de processos tão significativo a ponto de comprometer a marcha normal do serviço judiciário no STF.

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De concreto, e atual, pois remanesce como causa mais palpável o próprio recurso extraordinário, pelo notável volume de processos que através dele chegam ao STF.

Da mesma forma, o Ministro José Carlos Moreira Alves[3] enfatiza o papel do recurso para o agravamento da “Crise do Supremo”, designando-a de “Crise do Recurso Extraordinário”.

Entretanto, não se pode dizer que o recurso extraordinário, per se, tornou-se a gênese da “Crise do Supremo”. Por óbvio, há uma série de fatores (históricos, estruturais, culturais e econômicos) que, ao longo do tempo, contribuíram para que o RE fosse alçado à principal fonte do problema.

Em primeiro lugar, pode-se citar a opção legislativa em adotar, para o sistema brasileiro, o modelo americano para uniformização do direito federal.

O Decreto 848/1890 que instituiu o recurso extraordinário era cópia quase literal dos dispositivos doJudiciary Act, de 1789, que dispunha acerca do writ of error.

Apesar de a adoção do modelo americano não ter, de início, gerado discordância entre a doutrina pátria[4], ao longo do tempo empreendeu-se fortes críticas à postura do legislador em não adaptar o instituto às peculiaridades da Federação brasileira, formada de maneira atípica, em um processo contrário ao do que se deu nos Estados Unidos[5]:

(...) a Federação brasileira formou-se de modo impróprio ou imperfeito. O simples enfraquecimento dos laços que atavam as províncias ao anterior Império unitário engendrou a novel União. Foram Estados-membros agregados à União, sem opção de liberdade, e aquinhoados com autonomia relativa e ilusória. As Federações perfeitas,

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próprias ou reais, formaram-se, bem ai contrário, através da associação de Estados soberanos preexistentes, os quais abdicavam por iniciativa própria da respectiva autonomia para construir a União (...).

Nos Estados federados, mostra-se essencial repartir as competências legislativas, mas, dentre as soluções admissíveis, a CF/1891 optou pela técnica da Federação própria ou típica. Em síntese, enumerou as competências da União, abandonado “o remanescente aos Estados. Ora, a União reteve amplíssima competência legislativa, quanto à formulação do chamado direito material (civil e penal), e, por isso, o pacto federativo padeceu de desequilíbrio estrutural congênito. Nunca se recuperou desse arranjo errôneo. A pluralidade de fontes legislativas é natural na Federação, mas ela pressupõe certo equilíbrio, distribuindo a respectiva aplicação, respeitando a origem da regra tanto quanto possível, entre órgãos judiciários federais e estaduais. A federação brasileira incumbiu a aplicação do direito federal aos tribunais dos Estados-membros.

E é na peculiaridade da divisão de competências na Federação brasileira que se assentam as principais críticas da doutrina[6].

Tal prática permitiu, até 1988, a interposição de RE em grande parte das causas na quais estivesse presente questão federal, tanto constitucional, como infraconstitucional, o que implicou em um grande número de recursos distribuídos ao Supremo Tribunal Federal.

Ao lado disso, O ex-Ministro José Carlos Moreira Alves salienta que outra causa da “Crise do Supremo” consistiria no “caráter extraordinariamente analítico da Constituição”[7].

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Como é sabido, as Constituições podem ser classificadas em sintéticas ou analíticas. As sintéticas (ou concisas) enunciam tão somente regras básicas de organização do Estado e os preceitos atinentes aos direitos e garantias fundamentais, como, por exemplo, a Constituição dos Estados Unidos. Em contraposição, existem as Constituições analíticas (ou prolixas), como a brasileira, que são compostas por uma grande quantidade de normas, objetivando tornar constitucional a tantos elementos do conjunto que compõe a vida de uma sociedade quanto possíveis[8].

O caráter excessivamente analítico da Constituição, que traz em seu texto uma infinidade de preceitos, desdobrado em seus vários artigos possibilitaria que qualquer questão judiciária seja submetida ao crivo do STF. Cite-se, como exemplos, os incisos LIV e LV do artigo 5º da Constituição Federal[9], que tratam do devido processo legal, do direito à ampla defesa e do princípio do contraditório. Por meio desses três princípios, valendo-se de um pequeno “contorcionismo argumentativo” as partes podem submeter toda e qualquer questão processual à análise do STF[10].

No mesmo sentido, Luciano Benetti Timm e Manoel Gustavo Neubarth Trindade opinam que “a Constituição Federal abriu as portas dos Tribunais Superiores em nome do ‘acesso à Justiça’, sem ponderar no impacto econômico e na eficiência das Cortes” [11].

A terceira causa apontada é o pequeno contingente de Ministros que compõe o Supremo Tribunal Federal.

Theotonio Negrão, já em 1974, sugeria que “ou se aumenta o número de seus juízes, ou se retira do STF função que não lhe é essencial, que vem a ser a que respeita à uniformização do entendimento do direito federal”[12].

Não obstante, entre aqueles que se opõem à opinião do renomado processualista está Rodolfo de Camargo Mancuso, que afirma que “se o número de ministros voltasse a ser de dezessete, como no Império: seis ministros a mais, por certo, não resolveriam

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a sobrecarga”[13]. Para ele, ainda, o acréscimo de Ministros tão somente contribuiria para o engrandecimento da máquina judiciária e para a “macrocefalia” do órgão judicial.

Por fim, pode-se apontar o valor excessivo conferido à função subjetiva (dikelógica, isto é, voltada à tutela dos interesses individuais das partes) do recurso extraordinário.

Muito embora a natureza do recurso extraordinário objetive evitar a ampla incidência da função, buscando a defesa da integridade do sistema constitucional, a abertura semântica verificada nas hipóteses de cabimento do recurso extraordinário permitiu que as partes, valendo-se da habilidade de seus procuradores, forçassem a admissibilidade do recurso extraordinário[14].

Tal quadro não poderia levar a situação diversa que ao agravamento da “Crise do Supremo Tribunal Federal”, como ensina Ulisses Schwarz Viana[15]:

[...] o Supremo Tribunal Federal, no regime anterior ao da repercussão geral do §3º do art. 102 da Constituição, via-se na contingência de receber milhares de recursos extraordinários que envolvem embates constitucionais surgidos incidentalmente nas relações processuais intersubjetivas (inter partes e intra processum). As quais, por sua reprodução em demandas individualizadas, crescem em proporções geométricas, resultando em número injustificável e insuportável de recursos extraordinários e agravos de instrumento sobre a mesma temática constitucional (questão constitucional).

A feição subjetiva do Recurso Extraordinário, então, aliada à dimensão territorial do Brasil, repartido em regiões bem distintas e desiguais entre si, o aumento vertiginoso da população nos últimos

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anos e o desenvolvimento econômico tiveram responsabilidade para o problema da “Crise do Supremo”.

Para Rodolfo de Camargo Mancuso, entretanto, não se pode imputar ao desarrolho do país, muito menos às suas dimensões territoriais, a responsabilidade pelo aumento vertiginoso de demandas protocoladas junto ao Poder Judiciário. O autor culpa o fenômeno sociocultural, denominado de “demandismo judiciário”[16] pelo quadro atual enfrentado no Poder Judiciário.

Especificamente na esfera recursal, tal fenômeno manifesta-se no desvirtuamento da mentalidade dos litigantes, que consideram regra a interposição dos recursos aos Tribunais Superiores, movidos, além de uma ínfima probabilidade de reforma, pela possibilidade de procrastinação do cumprimento das decisões judiciais que lhe são desfavoráveis[17]

Realizando um paralelo com as ciências econômicas, Luciano Benetti Timm e Manoel Gustavo Neubarth Trindade afirmam que isso se deve, em grande parte, à prevalência do vetor “benefício” na equação “custo-benefício” da interposição do recurso: de um lado, tem-se a possibilidade de procrastinação e uma remota possibilidade de modificação da decisão, calcada em razões aleatórias, isto é, pretensões recursais que carecem de um prognóstico de efetiva reversão da decisão anterior (benefício); de outro, tem-se que as sanções estabelecidas a fim de coibir tal prática não apresentam caráter sancionatório suficiente para frear tal costume (custo). E mesmo que tivessem, salientam os autores, a falta de precedentes claros nos Tribunais (tanto superiores, quanto regionais) não facilita que se aponte, concretamente, o aspecto volitivo de procrastinação por parte do recorrente, dificultando, assim, a aplicação das sanções[18].

Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, o sistema de “precedentes obrigatórios”[19] e a possibilidade de condenação em honorários na esfera recursal[20], espera-se uma alteração nessa lógica.

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3 BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS E CONCEITUAIS A RESPEITO DA REPERCUSSÃO GERAL

Os problemas acarretados pela crise não passaram despercebidos pelos operadores do direito, que empreenderam diversas medidas ao longo da história para tentar diminuir o número de processos em trâmite no Supremo Tribunal Federal.

A primeira grande medida que objetivou diminuir o processamento de recursos extraordinários no Supremo Tribunal Federal foi a exigência, pela Lei 3.396/58, de despacho para sua admissão. Aponta o ex-Ministro José Carlos Moreira Alves que, como somente as decisões que não admitiam o RE deviam ser fundamentadas, “muitas vezes, as presidências de Tribunais locais, utilizando-se da lei do menor esforço, mandavam subir o recurso até para não serem obrigadas à fundamentação”[21], mostrando, dessa forma, a ineficiência da medida. Posteriormente, em 1963, a Emenda Regimental criou a súmula, com o objetivo de facilitar a atividade de fundamentação das decisões[22].

Dois anos depois, a Emenda Constitucional 16/65 concedeu ao Supremo Tribunal Federal a competência de julgar representações de inconstitucionalidade de lei e atos normativos estaduais e federais. Com isso, objetivava-se, em um único julgamento, diminuir diretamente na fonte o número de recursos extraordinários para manifestação acerca da constitucionalidade da lei[23].

Entretanto, essas medidas não foram suficientes. A Emenda Consitucional nº 1/69, então, em seu artigo 119, parágrafo único, permitiu a criação, pelo Tribunal, de “óbices regimentais” à interposição do recurso extraordinário. O RITSF, aprovado em 1980, trazia previsão das hipóteses de não cabimento do Recurso Extraordinário, ressalvando, apenas, a admissibilidade do recurso que impugnava decisão que estivesse em “manifesta divergência com a ‘Súmula’ do Supremo Tribunal Federal ou relevância da questão federal”. Os “óbices regimentais”, todavia, não lograram a solução da “Crise do Supremo”[24]. Tanto é assim que a

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possibilidade de o STF exercer atividade legislativa nesse sentido não foi reproduzida na Constituição de 1988.

Em 1988, com a promulgação da Constituição, criou-se o Superior Tribunal de Justiça, com o fim de que passasse a responder pelas questões infraconstitucionais.

Observa-se, assim, que várias foram as tentativas de reforma para superação da “Crise do Supremo”, que, uma por uma, foram mostrando-se insuficientes para frear o problema.

Diante desse cenário, objetivando remediar, de uma vez por todas, o problema há anos diagnosticado e tentar dar sobrevida à atividade judiciária, o legislador constituinte derivado promoveu nova reforma, de caráter mais drástico, frente aos números cada vez mais assustadores de processos em trâmite não só nos Tribunais Superiores, como também no Judiciário em geral, editando a Emenda Constitucional nº 45/2004, responsável, no ver de muitos autores, por uma verdadeira “Reforma no Judiciário”[25].

Dentre essas medidas, foi a previsão, no artigo 102, §3°, da Constituição, da necessidade de demonstração de repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário:

Art. 102, §3º. No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.

Ao que parece, o legislador Constituinte não se responsabilizou por determinar, ao menos minimamente, os contornos do que seria uma questão dotada de repercussão geral. Ante o permissivo constitucional, contudo, o legislador ordinário deu um passo à frente, editando a Lei 11.418/06, que acresceu ao Código de

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Processo Civil de 1973 o art. 543-A, que, em seu parágrafo primeiro, dispõe:

Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.

§1º: Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.

Redação similar é encontrada, atualmente, no artigo 1035, §1°, do CPC/2015[26].

A disposição legal, conforme observa Ulisses Schwarz Viana, gerou verdadeira “frustração da expectativa daqueles que, sob uma inspiração formalista, aguardavam uma definição legal abrangente e casuística da repercussão geral”. Isso porque, conforme se extrai das disposições legais supramencionadas, o legislador optou por dar certa vagueza aos conceitos, de forma a possibilitar a melhor aplicação do instituto.

Arruda Alvim, a propósito, antes da modificação empregada no Código de Processo Civil, já mencionava que “a regulamentação pela lei ordinária deverá disciplinar o instituto, mas não deverá acabar, propriamente por definir inteiramente, ou não, o que é repercussão geral”[27]. A tentativa de delimitação exaustiva das questões ou hipóteses que se enquadrariam ao instituto implicaria, segundo Ulisses Schwarz Viana, a “inviabilização, já no plano normativo, de qualquer possibilidade de sucesso do novel instituto”[28].

Tal vagueza proposital, contudo, a despeito de viabilizar o instituto, gerou dificuldades na doutrina na conceituação do instituto da Repercussão Geral.

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Nestes anos de vigência do instituto da Repercussão Geral, a doutrina ainda não logrou determinar quais questões serão ou não englobadas pelo instituto, relegando o trabalho ao labor jurisprudencial, conforme se observa na lição de Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha[29]:

O texto constitucional prescreve que o conteúdo normativo do que seja “repercussão geral” deve ser delimitado por lei federal. A Lei Federal n. 11.418/2006 tratou de fazê-lo (...) Trata-se, então, de conceito aberto, a ser preenchido por norma infraconstitucional, que se valeu de outros conceitos jurídicos indeterminados, para que se confira maior elasticidade na interpretação dessa exigência, que, afinal, terá a sua exata dimensão delimitada pela interpretação que fizer o Supremo Tribunal Federal.

Da mesma forma, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart lecionam que a delimitação do que consiste a repercussão geral deve ser feita pelo STF com base nas “circunstâncias concretas – sociais e políticas – em que a questão constitucional, discutida no caso concreto, está inserida”[30].

A vagueza, ao que parece proposital[31], dada pelo legislador aos dispositivos que delimitam os contornos da repercussão geral permite que se enquadre o instituto na categoria dos conceitos jurídicos indeterminados e, em hipótese alguma, deve ser encarada como alguma espécie de defeito ou imperfeição no texto do ordenamento jurídico.

Veja-se que a única delimitação feita pelo legislador está presente no terceiro parágrafo do art. 543-A, que aponta para “presunção absoluta de demonstração de repercussão geral”[32], ao dispor que “haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante

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do Tribunal”. Presume-se daí que, para o legislador, a divergência entre a decisão recorrida e o entendimento do STF já é argumento jurídico suficiente para ensejar o reconhecimento da Repercussão Geral[33].

No Código de Processo Civil de 2015, a presunção é estendida às hipóteses em que a decisão combatida “contrarie súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal” e “tenha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal, nos termos do art. 97 da Constituição Federal”.

Afora essas exceções expressas no ordenamento jurídico, se o legislador tentasse enumerar outras questões com repercussão geral, poder-se-ia ter diminuição do rendimento do instituto jurídico por ele exaustivamente regulado[34].

A existência desses conceitos, outrossim, permite que a determinação legal sempre se mantenha atualizada, dispensando maiores e reiteradas intervenções legislativas do conteúdo dos dispositivos à medida que se alterem ideologias e paradigmas[35].

É importante registrar que, para Karl Engisch, conceito jurídico indeterminado é “um conceito cujo conteúdo e extensão são em larga medida incertos”[36]. É formado sempre por um núcleo conceitual e um halo conceitual. O primeiro consiste em uma “noção clara do conteúdo e da extensão dum conceito”[37] (ex.: escuridão); enquanto o segundo seriam “onde as dúvidas começam” (ex.: horas do crepúsculo)[38].

Assim, no caso específico da “repercussão geral, se, por um lado, o conceito de “repercussão” (núcleo conceitual) não demanda maiores considerações, tendo em vista que é de fácil percepção, inclusive empírica, o mesmo não se pode dizer do que se apreende por “geral” (halo conceitual), uma vez que há necessidade de elucidação das diversas partes que compõe seu conceito.

Tal atividade dá-se a partir de duas dimensões, uma subjetiva, outra objetiva.

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Quanto à primeira, Bruno Dantas entende por pertinente que, ao aplicar o instituto da repercussão geral, o operador do direito se valha da identificação de “grupos sociais relevantes”, apontando que tal tarefa facilitaria a percepção de que a questão impactaria ou não as pessoas que fizessem parte do referido grupo[39].

O primeiro passo para identificação do grupo social relevante seria a verificação de uma relação-base, seja ela fática ou jurídica[40]. Feito isso, inevitavelmente o intérprete defrontar-se-á com outro problema: a expressividade numérica do grupo.

Como é sabido, um dos princípios norteadores do Constitucionalismo brasileiro é o princípio da igualdade. Tal princípio, como ressalta José Afonso da Silva, “não pode ser entendido em sentido individualista, que não leve em conta as diferenças entre grupos”[41]. Assim, não deve o intérprete, na limitação dos contornos do que seria o adjetivo “geral”, considerar que a Constituição faz referência a uma integralidade ou totalidade, sob pena de excluir questões importantes a grupos minoritários[42].

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, pela redação do art. 102 da Constituição Federal brasileira[43], é incumbido da guarda da Constituição, a qual objetiva a tutela dos mais diversos grupos, sejam eles minorias ou maiorias. Seria inconcebível, então, que o STF tivesse por função a tutela dos interesses que representassem a sociedade apenas em sua totalidade, não atentando àqueles interesses de grupos marginalizados que fizessem parte de parcela minoritária da sociedade ou, ainda, àqueles que, dentro do grupo majoritário, não fossem unanimidade[44]-[45].

Isso, entretanto, não significa que ao STF é permitido a análise de questões “primariamente local”, sob pena de se desnaturar a função de filtro recursal inerente à repercussão geral. Só então, nas hipóteses em que se trate de grupos minoritários, deve-se considerar a relevância social da questão suscitada.

Na dimensão objetiva, desloca-se o foco para a questão discutida no recurso.

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O art. 1035 do CPC/2015 dispõe que o intérprete deverá levar a cabo, para análise da existência ou não de repercussão geral, a presença de “questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem o interesse subjetivo do processo”.

Como é sabido, o sistema jurídico pode estabelecer comunicações com outros subsistemas sociais (denominadas comunicações extrasistemáticas[46]), dada a grande probabilidade de as atividades internas daquele sistema influir em outros. Com efeito, ao subordinar a admissibilidade do recurso extraordinário à existência de repercussão geral, não só se reconhece claramente tal possibilidade, como se passa a exigir do intérprete que observe o influxo da questão em outros sistemas[47].

Daí, com base no texto legal, Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medida caracterizarem a repercussão geral de acordo com as comunicações estabelecidas entre o sistema jurídico e o sistema que recebe o influxo. Dessa forma, a repercussão geral poderia ser econômica, social, política ou jurídica em sentido estrito[48].

Na tentativa de obter a maior concreção possível a respeito dessas categorias, Rodolfo de Camargo Mancuso transporta os conceitos presentes no PL 3267/2000, direcionada a delimitar os contornos do requisito de transcendência para revista trabalhista, para Repercussão Geral[49]:

[...] (i) jurídica (“o desrespeito patente aos direitos humanos fundamentais ou aos interesses coletivos indisponíveis, com comprometimento da segurança e estabilidade das relações jurídicas”); (ii) política (“o desrespeito notório ao princípio federativo ou à harmonia dos Poderes constituídos”); (iii) social(“a existência de situação extraordinária de discriminação, de

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comprometimento do mercado de trabalho ou de perturbação notável à harmonia entre capital e trabalho”); (iv) econômica (“a ressonância de vulto da causa em relação a entidade de direito público ou economia mista, ou grave repercussão da questão na política econômica nacional, no segmento produtivo ou no desenvolvimento regular da atividade empresarial”).

Embora relevantes a balizar o intérprete na determinação do alcance das dimensões subjetiva e objetiva da “repercussão geral”, efetivamente, os contornos conceituais do instituto são definidos pelo próprio STF por meio de sua jurisprudência.

Até 14/07/2016, o Supremo Tribunal Federal havia decidido 871 casos de Repercussão Geral, sendo 595 questões reconhecidas e 274 negadas, sendo que duas ainda pendem de análise[50].

O primeiro caso analisado versou acerca da base de cálculo do PIS e da Cofins sobre a importação, no Recurso Extraordinário nº. 559.607, que teve como relator o Min. Marco Aurélio, sendo a Repercussão Geral do tema reconhecida por unanimidade de votos dos Ministros[51]. Ainda na seara tributária, é digno de transcrição o trecho do voto do Relator Min. Ricardo Lewandowski acerca da existência de repercussão geral na questão da “competência para alterar alíquotas do Imposto de Exportação”[52]:

Entendo que a presente questão constitucional oferece repercussão geral. A hipótese descrita nos autos possui relevância econômica, porquanto afeta não só os exportadores de couros e peles, como todos os demais exportadores.

Presente, ainda, a relevância jurídica, uma vez que a tese debatida nos autos revelará os

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limites dos dispositivos constitucionais tidos por violados.

Colhe-se do julgado acima, que, para aferir se a questão apresentava Repercussão geral, o Ministro valeu-se da especificação de um determinado grupo social que receberia os influxos da decisão do Recurso Extraordinário (no caso, exportadores). Posteriormente, identificou o motivo de a temática ser dotada de Repercussão Geral jurídica, pois seria responsável por determinar “os limites dos dispositivos constitucionais tidos por violados”, o que em se tratando de matéria tributária, ante o princípio da legalidade, é de extrema importância.

Em relação às temáticas atinentes aos direitos fundamentais, tem-se, por exemplo, a “aplicação retroativa de leis sobre planos de saúde”, que contou como Relatora a Min. Carmen Lucia[53]:

Além da transcendência de interesses, pois o universo de contratos de saúde é enorme, há relevância social e econômica no tema: a primeira, em face dos beneficiários de planos de saúde, que saberão, definitivamente, se lei nova sobre planos de saúde pode ou não ser aplicada aos contratos anteriormente firmados; a segunda, em relação às administradoras de planos de saúde, pois as modificações legais geram alterações no custo da manutenção do sistema. Pelo expostos, manifesto-me pela existência de repercussão geral do tema constitucional suscitado [...].

Assim, verifica-se que a Repercussão Geral do tema configura-se não tão somente por sua relevância, mas também por sua transcendência. Observa-se, outrossim, que, como fez o Min. Ricardo Lewandowski, a Min. Carmen Lúcia também estabeleceu um grupo social relevante, observando as influências que a decisão do Recurso Extraordinário possuiria sobre eles: no caso, há relevância social, pois os contratantes dos planos de saúde teriam

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certeza jurídica acerca da aplicação retroativa de lei reguladora e econômica, pois, por certo, as modificações promovidas alterariam os custos da manutenção dos planos de saúde.

A matéria previdenciária possui inúmeros temas dentre os que tiveram repercussão geral conhecida. Citem-se, como exemplos, a “incidência de contribuição previdenciária sobre a participação nos lucros da empresa”[54] e a “inclusão do salário-maternidade na base de cálculo da Contribuição Previdenciária, incidente sobre a remuneração”[55].

Colhe-se, assim, que um dos fatores que os Ministros levam em conta para configuração de Repercussão Geral é a possibilidade de aquela temática ser objeto de um contingente elevado de demandas.

Outra área do Direito com grande número de casos de repercussão geral reconhecidos é o Direito Administrativo. Dentre eles, podem-se citar: “anulação de ato administrativo pela Administração, com reflexo em interesses individuais, sem a instauração de procedimento administrativo”[56] e “alcance das sanções impostas pelo art. 37, §4º, da Constituição Federal aos condenados por improbidade administrativa”[57].

Se a análise das matérias que tiveram sua repercussão geral reconhecida mostra-se importante, de igual forma é relevante tomar ciência das questões que não foram abarcadas pelo instituto.

Das 274 matérias negadas, 234 delas o foram por versarem acerca de questão infraconstitucional. Pode-se citar, dentre essas: “a necessidade de declaração de hipossuficiência para obtenção de gratuidade de justiça”[58], “incorporação a contrato individual de trabalho de cláusulas normativas pactuadas em acordos coletivos”[59] e “reajuste das tabelas dos serviços prestados ao SUS”[60].

As 40 remanescentes tiveram a repercussão geral não reconhecida por outros motivos.

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O Recurso Extraordinário nº. 565.138-0/BA, que tinha como objeto a indenização por danos morais e matérias decorrentes de manipulação de resultados de partida de futebol, por exemplo, não teve a repercussão geral reconhecida em virtude de o Relator, Min. Menezes de Direito, acompanhado dos demais Ministros, com exceção ao Min. Marco Aurélio, considerar que a questão não transcendia o interesse individual da parte, como se pode ver do excerto da decisão abaixo[61]:

Manifesto-me no sentido de não haver repercussão geral da questão constitucional objeto do presente recurso extraordinário, tendo em vista não cuidar de nenhuma matéria relevante do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que possa ultrapassar os interesses subjetivos da presente causa. Os danos morais indenizáveis, na situação dos autos, decorrem de fatos particulares e específicos do caso concreto, tais como o eventual entusiasmo do autor para acompanhar e torcer pelo seu time predileto e o fato dessa agremiação [...] ter sido rebaixada da segunda para terceira divisão do campeonato brasileiro. Assim, não extrapola os limites da causa ora julgada o fato de as instâncias ordinárias reconhecerem, mediante o quadro fático delineado nos autos, os danos morais infligidos ao autor.

A falta de transcendência, aliás, é uma das principais causas que levam os Ministros do Supremo Tribunal Federal a negarem a existência da repercussão geral no caso concreto, ao que leva a concluir que não basta a questão ser tão só relevante, impondo-se a conjugação dos dois fatores: transcendência e relevância[62].

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Ao lado desses apontamentos teóricos, não se pode descurar que, com o advento do instituto, o recurso extraordinário sofreu grande influência, modificando sua modelagem anterior.

Antes da repercussão geral, preenchidos todos os requisitos legais e constitucionais, não haveria outra alternativa ao Supremo Tribunal Federal que não o conhecimento do recurso e posterior seu julgamento (mandatory jurisdiction).

Entretanto, conforme salientam Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, ao julgar Recursos Extraordinários, “somente as questões constitucionais que tenham repercussão geral é que hoje, em face da letra da CF, poderão ser objeto de exame do STF”[63].

Tem-se, então, a implementação de um verdadeiro filtro, impedindo que o STF analise toda e qualquer questão.

O estabelecimento do filtro recursal ocasionou relevante mudança no escopo do recurso extraordinário, maximizando sua feição objetiva[64]. Isso significa que se superou o antigo paradigma subjetivista do RE, redirecionando-o, agora, à função primordial do Supremo Tribunal Federal: a guarda da Constituição[65].

Em outras palavras, a repercussão geral implica o fortalecimento das funções paradigmática, nomofilática e uniformizadora, afastando o Recurso Extraordinário, cada vez mais, da função dikelógica, dando um novo perfil ao recurso[66].

4 A EFICIÊNCIA DA REPERCUSSÃO GERAL COMO FILTRO RECURSAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Conforme leciona José Afonso da Silva, é um pressuposto das Federações a existência de um Tribunal de Cúpula, pertencente, mas sobreposto a todos os demais órgãos Judiciários, e que permita a interpretação do Direito positivo e, consequentemente, sua aplicação unitária em todo território nacional[67]. No Brasil, como é

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cediço, tal função é atribuída constitucionalmente ao Supremo Tribunal Federal.

Nos últimos anos, pelos vários motivos aqui já expostos, o Tribunal de Cúpula brasileiro vem enfrentando dificuldades no exercício da importante função atribuída a ela pelo caput do art. 102 da Constituição, devido ao acúmulo de processos de sua competência.

Como já salientado, o problema principal que assola o STF é o excessivo número de recursos extraordinários em trâmite perante a Corte. De fato, as estatísticas elaboradas pela Assessoria de Gestão Estratégica do Supremo Tribunal Federal apontam para o estado crítico que o Tribunal enfrentou nas últimas duas décadas em virtude do excesso de recursos dessa classe ingressando nos estoques da Corte:

QUADRO 1 ¾ RELAÇÃO ENTRE O NÚMERO DE RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS DISTRIBUÍDOS E O NÚMERO TOTAL DE PROCESSOS DISTRIBUÍDOS NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (1990-2006)

Ano Recursos Extraordinários Distribuídos

Total de Processos Distribuídos

Percentual do Total

Correspondente aos Recursos

Extraordinários[68]

1990 10.780 16.226 66,43%

1991 10.518 17.567 59,87%

1992 16.874 26.325 64,03%

1993 12.281 23.525 52,20%

1994 14.984 25.868 57,92%

1995 11.195 25.385 44,10%

1996 9.265 23.863 38,82%

1997 14.841 34.289 43,28%

1998 20.595 50.273 40,96%

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1999 22.280 54.437 40,92%

2000 29.196 90.839 32,14%

2001 34.728 89.574 38,77%

2002 34.719 87.313 39,76%

2003 44.478 109.965 40,44%

2004 26.540 69.171 38,26%

2005 29.483 79.577 37,04%

2006 54.575 116.216 46,95%

Fonte: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Assessoria de Gestão Estratégica. Processos Protocolados, Distribuídos e Julgados por classe processual – 1990 a 2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=pesquisaClasse>. Acesso em: 25 jul. 2011.

O crescente número de recursos extraordinários consistiria problema ainda maior se não fosse o notável trabalho dos Ministros do STF em conseguir julgar um número de recursos aproximado aos que são distribuídos anualmente:

QUADRO 2 ¾

NÚMERO DE RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS DISTRIBUÍDOS E JULGADOS EM COMPARAÇÃO AO NÚMERO TOTAL DE PROCESSOS JULGADOS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (1990-2006)

Ano Recursos Extraordinários

Distribuídos

Recursos Extraordinários

Julgados

Total de Processos Julgados

1990 10.780 10.680 16.449

1991 1.518 8.836 14.366

1992 16.874 11.990 18.236

1993 12.281 11.567 21.737

1994 14.984 16.344 28.221

1995 11.195 13.395 34.125

1996 9.265 9.937 30.829

1997 14.841 16.219 39.944

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1998 20.595 18.205 51.307

1999 22.280 19.730 56.307

2000 29.196 28.896 86.361

2001 34.728 48.872 122.993

2002 34.719 34.396 83.097

2003 44.478 43.054 107.867

2004 26.540 35.793 101.690

2005 29.483 39.768 103.700

2006 54.575 45.588 110.284

Fonte: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Assessoria de Gestão Estratégica. Processos Protocolados, Distribuídos e Julgados por classe processual – 1990 a 2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=pesquisaClasse>. Acesso em: 14 jul. 2016.

A análise desses números conduz à conclusão de que a prestação jurisdicional do Supremo Tribunal Federal está cada vez mais direcionada a uma resposta de massa, em números expressivos, chegando, atualmente, ao julgamento de aproximadamente 100.000 (cem mil) processos por ano. Tal modelo, todavia, não condiz com a relevante função atribuída pela Constituição à Corte Suprema brasileira, pois, mais importante que uma resposta jurisdicional de quantidade, seria uma resposta jurisdicional de qualidade.

Na perspectiva de Araken de Assis, o excesso de processos na Corte chegou ao ponto de comprometer “o funcionamento do STF e o desempenho de sua elevada missão constitucional”[69]-[70]. É inconcebível que o excesso de processos comprometa o exercício da função precípua do STF, sobretudo porque o Tribunal é responsável por promover a unidade na aplicação do direito nacional, sendo o direito das partes alcançado por via indireta. Em outras palavras, a função essencial de um recurso a um Tribunal de Cúpula é a tutela do direito (ius constitutionis), sendo o interesse das partes litigantes (ius litigatoris) atingido por mero reflexo.

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A necessidade de um mecanismo seletor de causas surge, então, para permitir que os Tribunais de Cúpula dirijam suas atenções para seu principal papel, qual seja a garantia da supremacia da Constituição, direcionando sua atenção para questões que transcendam os interesses das partes envolvidas no litígio, que gerem impacto na sociedade.

A preocupação com a qualidade das decisões prolatadas pelo Supremo Tribunal Federal nasce em virtude de que as decisões das Cortes de Cúpula não correspondem meramente ao produto da prestação jurisdicional dada à parte, mas também a um ponto de referência para os casos semelhantes. Daí que alguns autores, pautando-se nas premissas da análise econômica do Direito (law and economics), chegam a considerá-las como sendo verdadeiros “bens públicos”.

Registre-se, contudo, que a concepção de bem público aqui adotada é a que deriva das ciências econômicas, ou seja, bens “ofertados pelo Estado em benefício da população, não sendo destinados (ou apropriados), pelo menos em princípio, a apenas um indivíduo ou agente em específico”[71], devendo-se afastar, para esse fim, a concepção jurídica de bem público, conceituada no Direito Administrativo.

Explicam Luciano Benetti Timm e Manoel Gustavo Neubarth Trindade que os bens públicos emanam “externalidades” (ou economias ou deseconomias externas), isto é, o consumo desses bens, além de ser inevitável, produz efeitos que podem ser negativos (gerando prejuízos àqueles que se utilizam deles) ou positivos (refletem, do contrário, positivamente). O caráter de bem público das decisões judiciais dos Tribunais Superiores manifesta-se a partir do momento que sua utilidade não se restringe às partes processuais envolvidas no processo, propagando-se no universo jurídico. Tal fenômeno, bem se ver, tem ligação com a função paradigmática e uniformizadora que detém os recursos que permitem o acesso a essas Cortes[72].

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Mais que justificável, pois, a existência de mecanismo que freie, na medida do possível, o ingresso de uma quantidade enorme de processos no Supremo Tribunal Federal anualmente.

Firmadas tais premissas, é possível verificar que, após a plena vigência do instituto da Repercussão Geral, dados da Assessoria de Gestão Estratégica do Supremo Tribunal Federal já apontam para uma pequena diminuição no número de Recursos Extraordinários distribuídos em relação aos anos anteriores (29.796), bem como uma potencial elevação, em patamar não visto nas décadas anteriores, de recursos julgados: 49.465. Em 2008, houve queda significativa nos processos distribuídos (21.532), bem como de julgados (40.794). De acordo com a tendência de 2008, em 2009 e 2010, houve novas quedas nos Recursos Extraordinários distribuídos e julgados: no primeiro, 8.347 e 25.208; no segundo, 6.735 distribuídos e 24.353, respectivamente. Em 2011, foram 6.388 distribuídos e 20.125 julgados. De 2012 a 2014, o Supremo Tribunal Federal manteve o ritmo dos anos anteriores, proferindo, em média, o dobro de decisões em recursos extraordinários em relação ao número de processos desta espécie que lhe são distribuídos, o que contribui para a diminuição do estoque processual da Corte:

QUADRO 3 ¾ NÚMERO DE RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS DISTRIBUÍDOS E JULGADOS EM COMPARAÇÃO COM O TOTAL DE PROCESSOS DISTRIBUÍDOS E JULGADOS NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (2007-2011)[73]

Ano Número de REs Distribuídos

Número Total de Processos

Distribuídos

Número de REs Julgados

Número Total de

Processos Julgados

2007 29.796 64.262 49.465 93.474

2008 21.532 66.785 40.794 109.804

2009 8.347 42.697 25.208 94.317

2010 6.735 41.008 24.353 102.655

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2011 6.388 38.109 20.125 97.380

2012 6.042 46.392 13.440 87.784

2013 6.224 44.170 11.130 78.441

2014 9.671 57.796 13.006 99.079

Fonte: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Assessoria de Gestão Estratégica. Processos Protocolados, Distribuídos e Julgados por classe processual – 1990 a 2015. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=pesquisaClasse>. Acesso em: 14 jul. 2016.

A análise dos números acima conduz à inegável conclusão que a repercussão geral vem alcançando seu objetivo primordial: a redução do número de recursos extraordinários em trâmite no Supremo Tribunal Federal.

Com efeito, nesse relativamente curto período de vida do instituto, estatísticas da Assessoria de Gestão Estratégica do Supremo Tribunal Federal apontam para uma diminuição de 64% dos processos recursais, bem como 58% no estoque de recursos tramitando perante a Corte[74].

Não fosse só a redução no número de processos, dados apontam concretamente para a importância da Repercussão Geral como um instrumento de potencialização da resposta jurisdicional do Supremo Tribunal Federal: no período foram devolvidos 108.770 processos com base no art. 543-B do Código de Processo Civil de 1973, equivalente ao artigo 1.036 do CPC de 2015.

Taís Schilling Ferraz aponta que esses números não devem ser considerados como mera diminuição da sobrecarga de processos que se encontravam em trâmite no Supremo Tribunal Federal, mas sim em uma nova forma de racionalização da prestação jurisdicional constitucional[75]:

Se é verdade que se reduziram os recursos extraordinários e agravos de instrumento protocolados, autuados e distribuídos no STF – e esta diminuição foi substancial, chegando à

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casa dos 60% - cresceu a efetividade da jurisdição constitucional, seja pela quantidade de conflitos individuais solucionados com uma única decisão, seja pela quantidade de temas relevantes que tiveram espaço na pauta do plenário nos últimos anos e que foram avaliados na plenitude.

Esta redução da distribuição, portanto, não significa mera diminuição da carga de processos do Supremo Tribunal Federal, nem implica prejuízo da sua missão jurisdicional ou do acesso individual à Justiça. Revela, isto sim, uma nova forma de prestar jurisdição em matéria constitucional, assegurando às questões de relevância social, política, econômica e jurídica um processo decisório rápido e plural e, na sequência, maior disseminação dos efeitos desta decisão, de forma a garantir a isonomia da aplicação das normas constitucionais.

Conclui-se, diante do exposto, ser a repercussão geral um importante instituto para impedir a banalização das decisões do Supremo Tribunal Federal. Em primeiro lugar, pois evita que questões que não promovam um impacto tão profundo na sociedade ou que não transcendam ao interesse das partes cheguem ao conhecimento da Corte; em segundo lugar, porque a redução do número de processos permitirá que os Ministros dediquem um maior tempo na análise das questões submetidas a seu crivo, o que implica, em tese, em uma melhora nas decisões proferidas pelo Tribunal. Na lição de Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina[76]:

Essa figura impede que o STF se transforme numa 4ª instância e deve diminuir, consideravelmente, a carga de trabalho daquele Tribunal, resultado este que também acaba, de forma indireta, por beneficiar os jurisdicionados,

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que terão talvez uma jurisdição prestada com mais vagar, e haverá acórdãos, já que em menor número, que serão fruto de reflexões mais demoradas por partes dos julgadores. Enfim, se espera que, com essa possibilidade de seleção de matérias realmente importantes, não só para o âmbito de interesse das partes, se tenha jurisdição de melhor qualidade.

Em síntese, as estatísticas comprovam a eficiência da repercussão geral como um requisito específico de cabimento do recurso extraordinário – atuando na forma de filtro recursal – que objetiva afastar da análise do Tribunal questões que se restrinjam tão somente aos interesses individuais das partes que compõe o litígio, bem como permitir maior efetividade na resposta jurisdicional. A consequente redução do número de processos, como aponta a doutrina, implicaria em uma melhora nas decisões proferidos pelo Tribunal a respeito de questões de extrema relevância para sociedade, propiciando uma Justiça de melhor qualidade e beneficiando, dessa forma, os jurisdicionados.

5 CONCLUSÃO

Constatou-se que o recurso extraordinário, de competência do Supremo Tribunal Federal, é um importante instrumento no controle de constitucionalidade, tendo em vista que permite sua realização com base em casos concretos. Entretanto, nos últimos anos, o aumento sucessivo e exacerbado do número de processos dessa classe culminou com aquilo que a doutrina cunhou de “Crise do Supremo” ou “Crise do Extraordinário”.

Obviamente que o recurso extraordinário, por si só, não ocasionou o problema. A gênese da crise está em uma conjuntura de fatores: a) a importação do modelo de uniformização de Direito Federal Americano, incompatível com a estrutura federalista brasileira, que atribui à União extensa competência legislativa, em contrapartida dos Estados e Municípios; b) o caráter analítico da

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Constituição de 1988, que possui uma série de normas que, embora formalmente constitucionais, não possuem materialmente essa características; c) embora não unânime, o pequeno contingente dos Ministros atuantes no Supremo Tribunal Federal; d) a feição subjetiva do recurso extraordinário até o advento da repercussão geral, isto é, preenchidos os requisitos de admissibilidade, o STF via-se obrigado a julgar o recurso extraordinário, mesmo que pautado em questões intersubjetivas, sem transcendência; e) o aumento da litigiosidade, ocasionado pelo desenvolvimento econômico e pelo aumento vertiginoso da população dos últimos anos; f) a cultura “demandista” do povo brasileiro, que vê no Judiciário a primeira opção na resolução dos conflitos, bem como não pondera a viabilidade da utilização dos recursos.

Durante vários anos, o legislador e o Supremo Tribunal Federal tentaram remediar o problema valendo-se de diversas respostas normativas, que não lograram a solução total do problema. Em 2004, entretanto, o legislador, inspirado pelo princípio da efetividade da prestação da tutela jurisdicional, propôs uma consubstancial reforma na Constituição, criando alguns poucos instrumentos para melhora da condição em que se encontra o Supremo Tribunal Federal. Dentre esses instrumentos, está a repercussão geral.

A principal função desse novo instituto é atuar como filtro recursal do recurso extraordinário, ou seja, permitir que a Corte analise tão somente os casos que apresentem relevância do ponto de vista social, econômico, político ou jurídico e, principalmente, que transcendam o interesse das partes.

A repercussão geral promoveu um significativo impacto na roupagem do recurso extraordinário, promovendo sua objetivação. Supera-se, assim, o antigo paradigma subjetivista do recurso, potencializando suas funções nomofiláticas, uniformizadora e, principalmente, paradigmática. Isso trará inúmeros benefícios à tutela jurisdicional, permitindo que seja mais efetiva e célere.

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Nesse sentido, é grande a contribuição da repercussão geral na eliminação de duas espécies de recursos extraordinários que configuram um problema ao Supremo Tribunal Federal: os que versam sobre questões exclusivamente intersubjetivas e os que possuem idêntica controvérsia.

Os números de processos distribuídos e julgados de 1990-2006 apontam para o fato de que a resposta jurisdicional dada pelo Supremo Tribunal Federal está cada vez mais massificada, vulgarizada, uma resposta quantitativa, o que, por certo, pode diminuir a qualidade das decisões proferidas no âmbito daquele Tribunal. Reitere-se que a função essencial de um recurso dirigido a um Tribunal de Cúpula é a tutela do direito (ius constitutionis), sendo o interesse das partes litigantes (ius litigatoris) atingido por mero reflexo.

Fica clara, assim, a necessidade da instituição de um filtro recursal que selecione as causas que são levadas à análise do STF, pois as decisões emanadas por esse órgão jurisdicional, para alguns autores, devem ser consideradas verdadeiros bens públicos, ou seja, não se restringem às partes, gerando efeitos para toda a sociedade. Por isso, justifica-se que a repercussão geral realize um filtro e permita que somente as causas que transcendam os interesses das partes alcancem a jurisdição do Supremo Tribunal Federal.

Esses fatores apontam para a repercussão geral como um eficiente instrumento para promoção da racionalização e uma melhora na prestação jurisdicional pelo Supremo Tribunal Federal. Corroborando tal afirmação estão as estatísticas da repercussão geral, que indicam uma diminuição de 64% dos processos recursais e de 58% do estoque de recursos em trâmite perante o STF. Resta evidente que, com um número menor de recursos ou com a possibilidade de que o julgamento de um deles afete os demais que possuam o mesmo objeto, o Supremo Tribunal Federal poderá exercer melhor sua função de guarda da Constituição.

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NOTAS:

[1] SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 559.

[2] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso Extraordinário e Recurso Especial. 11. ed. São Paulo: RT, 2010., p. 89.

[3] ALVES, José Carlos Moreira. Poder Judiciário.Caderno de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, v. 18, jan. 1997. p. 271.

[4] MEDINA, José Miguel Garcia.Prequestionamento e Repercussão Geral e outras questões relativas aos Recursos Especiais e Extraordinário. 5. ed. São Paulo: RT, 2009, p. 21.

[5] ASSIS, Araken. Manual dos Recursos. 2. ed. São Paulo: RT, 2008, p. 686.

[6] Mattos de Peixoto foi um dos primeiros a criticar a “importação” do modelo norte americano: “Estas disposições, difusas e mal articuladas do dec. n. 848 (quão diversas das normas correspondentes, concisas e elegantes da Constituição do Governo Provisório, nas quase transparece o esmeril de Ruy Barbosa!) moldaram-se também pelo Judiciary Act, sem se levar em conta que as prescrições dessa lei, promulgada para um país onde os Estados federados legislam sobre direito substantivo, somente poderiam aplicar-se ao Brasil, se eles aqui tivessem igual competência, a menos que se quisesse erigir o Supremo Tribunal em instancia de revista, sempre que, interpretando a legislação federal, a justiça dos

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Estados decidisse contra o direito pleiteado pela parte com o apoio nessa legislação (PEIXOTO, 1935 apudDANTAS, 2009, p. 80).

[7] ALVES, José Carlos Moreira. Poder Judiciário.Caderno de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, v. 18, jan. 1997. p. 273.

[8] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martins; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 36.

[9] CRFB, art. 5º, LIV: ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV: aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

[10] ALVES, 2007, p. 274.

[11] TIMM, Luciano Benetti; TRINDADE, Manoel Gustavo Neubarth. As recentes alterações legislativas sobre os recursos aos Tribunais Superiores: a repercussão geral e os processos repetitivos sob a ótica da law and economics. Revista de Processo, São Paulo, v. 178, dez. 2009. p. 162.

[12] NEGRÃO, 1974 apud MANCUSO, 2010, p. 68

[13] MANCUSO, 2010, p. 89.

[14] DANTAS, Bruno. Repercussão Geral: Perspectivas histórica, dogmática e de direito comparado e Questões processuais. 2. ed. São Paulo: RT, 2009, p. 256.

[15] VIANA, Ulisses Schwarz. Repercussão Geral sob a ótica da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 37.

[16] MANCUSO, 2010, p. 91.

[17] MANCUSO, 2010, p. 155.

[18] TIMM; TRINDADE, 2009, p. 156.

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[19] CPC/2015, art. 927: “Os juízes e os tribunais observarão: III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; (...) V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados”.

[20] CPC/2015, art. 85, §1°: “A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. § 1o São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente”.

[21] ALVES, 1997, p. 33.

[22] Ibid., p. 34.

[23] MANCUSO, 2010, p. 80.

[24] José Miguel Garcia Medina sintetiza bem o insucesso das medidas descritas, quando expõe que “Procurou-se eliminar ou, pelo menos, amenizar o problema, com a criação de impedimentos ou óbices regimentais que determinassem a diminuição da quantidade de recursos extraordinários interpostos perante o Supremo Tribunal Federal. Tais tentativas, contudo, ou não lograram êxito, ou foram objeto de longas controvérsias, tendo sido substituídas por outra, adotada pela Constituição Federal de 1988: a criação de um novo Tribunal, chamado Superior Tribunal de Justiça, que passaria a abranger parte da competência outrora atribuída ao Supremo Tribunal Federal (MEDINA, 2009, p. 47).

[25] Cf. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al(coord.). Reforma do Judiciário: Primeiras Reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. São Paulo: RT, 2005.

[26] CPC/2015, art. 1035, §1°: “O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral, nos termos deste artigo.§ 1o Para efeito de repercussão geral, será considerada a existência ou não de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo”.

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[27] ALVIM, Arruda. Instituto da Repercussão Geral. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al (coord.).Reforma do Judiciário: Primeiras Reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. São Paulo: RT, 2005. p. 73-74.

[28] VIANA, 2011, p. 43.

[29] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José da Cunha. Curso de Direito Processual Civil: Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais. 8. ed. Bahia: JusPodivm, 2010. v. 3. p. 331.

[30] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil: Processo de Conhecimento, 7. ed. São Paulo: RT, 2008. v. 1. p. 576.

[31] Para Arruda Alvim, a vagueza (ou “vaguidade”, como prefere o autor) é proposital: “a utilização da expressão repercussão geral, ainda que venha a ser objeto de disciplina por lei, está, em si mesma, carregada intencionalmente de vaguidade” (ALVIM, 2005, p. 73). Compartilham da mesma opinião Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero (MARINONI; MITIDIERO, 2007, p.37).

[32] NETO, Luiz Orione. Recursos Cíveis. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 472.

[33] DANTAS, 2009, p. 287-288. Vale registrar, ainda, os comentários do doutrinador acerca do dispositivo: “[...] “segundo entendimento do legislador infraconstitucional estampado no dispositivo em análise, a mera divergência entre a decisão recorrida e a jurisprudência predominante é suficiente para causar impacto indireto em toda a sociedade brasileira, pois: i)ou a decisão recorrida está equivocada, e precisa ser ajustada ao entendimento prevalecente no STF; ou ii)houve substancial modificação no quadro fático e jurídico, ou mesmo alteração na compreensão e no convencimento dos ministros sobre o assunto, e é a jurisprudência do STF que merece ser alterada, para se ajustar ao novo cenário [...] Aqui, o que se observa é a preocupação do legislador com a segurança jurídica, a legalidade e a igualdade perante a lei. A opção política trazida pelo dispositivo teve o condão de retirar do STF o poder de eventualmente desconsiderar recursos extraordinário contrários à sua própria jurisprudência quando a questão

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constitucional neles versada for desprovida de impacto indireto sobre um largo segmento social”.

[34] ALVIM, 2005, p. 74.

[35] DANTAS, 2009, p. 237.

[36] ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. 10. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008. p. 208.

[37] Ibid., p. 209.

[38] ENGISCH, loc. cit.

[39] DANTAS, 2009, p. 241.

[40] Ibid., p. 242.

[41] SILVA, 2009, p. 216.

[42] DANTAS, 2009, p. 240.

[43] CRFB, art. 102: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição”.

[44] DANTAS, op. cit., p. 241.

[45] Cabe registrar a opinião de Rodolfo de Camargo Mancuso, pela qual é plenamente possível que questões locais ou regionais tenham repercussão geral: “O fato de a repercussão ter de ser geral não significa, necessariamente, que ela fique jungida aos temas de âmbito nacional, bastando observar, de uma lado, que os interesses metaindividuais (portanto, transcendentes!) compreendem não só danos repercutidos ao longo do território nacional, também, os danos de âmbito regional e local” (MANCUSO, 2009, p. 191).

[46] COLUCCI, Maria da Glória. Fundamentos da Teoria Geral do Processo. Curitiba: JM, 1999. p. 37.

[47] Veja-se a lição de Ulisses Schwarz Viana: “[...] propõe-se a viabilidade de identificação e de ocorrência de acoplamentos estruturais e de interpenetração do subsistema do direito com outros sistemas sociais parciais, por meio das decisões do Supremo

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Tribunal Federal proferidas no campo funcional da repercussão geral da questão constitucional. A atuação do subsistema do direito, no campo da jurisdição constitucional, deve desenvolver-se dentro de um quadrocooperativo-comunicativo (acoplamentos) entre os subsistemas sociais que tenham valores comuns ou complementares (Luhmann, 1987a: 302), sejam eles econômicos, políticos ou sociais, aptos a apresentar repercussão geral em questões jurídico-constitucionais de interesse geral da sociedade brasileira” (VIANA, 2011, p. 150).

[48] WAMBIER; WAMBIER; MEDIDA, 2007, p. 245-247. Registre-se, aqui, alguns exemplos dados pelos doutrinadores das respectivas categorias de repercussão: “Relevância jurídica no sentido estrito existira, por exemplo, quando estivesse em jogo o conceito ou noção de um instituto básico do nosso direito, de molde a que aquela decisão, se subsistisse, pudesse significar perigoso e relevante precedente, como, por exemplo, a de direito adquirido [...] Relevância social haveria numa ação em que se discutissem problemas relativos à escola, à moradia ou mesmo à legitimidade do MP para a propositura de certas ações [...] Relevância econômico haveria em ações que discutissem, por exemplo, o sistema financeiro da habitação ou a privatização de serviços públicos essenciais, como a telefonia, o saneamento básico, a infra-estrutura, etc. [...] Repercussão política haveria quando, por exemplo, de uma causa pudesse emergir decisão capaz de influenciar relações com Estados estrangeiros ou organismos internacionais”.

[49] MANCUSO, 2009, p. 190.

[50] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Assessoria de Gestão Estratégica. Números da Repercussão Geral. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaRepercussaoGeral&pagina=numeroRepercussao>. Acesso em: 14 jul. 2016.

[51] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 559.607/SC. Recorrente: União. Recorrido: Darioplast Indústria de Plásticos LTDA. Relator: Min. Marco Aurélio. Brasília, 26 de setembro de 2007. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/porta l/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+559607%2ENUME%2E%29+OU+%28RE%2EPRCR%2E

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+ADJ2+559607%2EPRCR%2E%29&base=baseRepercussao>. Acesso em: 26 jul. 2011.

[52] BRASIL, Supremo Tribunal Federal.. Recurso Extraordinário nº. 570.680/RS. Recorrente: Indústria de Peles Pampa LTDA. Recorrido: União. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Brasília, 3 de abril de 2008. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP =AC&docID=526187>. Acesso em: 2 ago. 2011.

[53] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº. 578.801/RS. Recorrente: Golden Cross Assistência Internacional de Saúde. Recorrido: Paulo Paes Vieira. Relatora: Min. Carmen Lúcia. Brasília, 16 de outubro de 2008. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/pag inadorpub/paginador.jsp?d ocTP=AC&docID=558947>. Acesso em: 2 ago. 2011.

[54] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº. 569.441/RS. Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. Recorrido: Maiojama Participações LTDA. Relator: Min. Dias Toffoli. Brasília, 9 de dezembro de 2010. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=621106>. Acesso em: 2 ago. 2011.

[55] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=536185>. Acesso em: 2 ago. 2011.

[56] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº. 594.296/MG. Recorrente: Estado de Minas Gerais. Recorrido; Maria Ester Martins Dias. Relator: Menezes Direito. Brasília, 13 de novembro de 2008. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=576053>. Acesso em: 2 ago. 2011.

[57] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº. 791.811/SP. Recorrente: Antonio Sergio Baptista Advogados Associados S/C LTDA. Recorrido: Ministério Público Federal. Relator: Min. Dias Toffoli. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=615439>. Acesso em: 2 ago. 2011.

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[58] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº. 759.421/RJ. Recorrente: Giovanna Herdy Givisiez Battaglia, representada por sua mãe Rosimeire Herdy Givisiêz Battaglia. Recorrido: Nicho de Bichos LTDA. Relator: Min. Cezar Peluso. Brasília, 10 de setembro de 2009. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID= 605825>. Acesso em: 11 ago. 2011.

[59] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Agravo de Instrumento nº. 731.954/BA. Agravante: Walmir Araújo Clarindo. Agravado: Empresa Baiana de Águas e Saneamento S/A – EMBASA. Relator: Min. Cezar Peluso. Brasília, 17 de setembro de 2009. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=607176>. Acesso em: 11 ago. 2011.

[60] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº. 602.324/SC. Recorrente: União. Recorrido: Sociedade Beneficiente Lar da Fraternidade. Relatora: Min. Ellen Gracie. Brasília, 5 de novembro de 2009. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/pagina dorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=607060>. Acesso em: 11 ago. 2011.

[61] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº. 565.138/BA. Recorrente: Confederação Brasileira de Futebol – CBF. Recorrido: Carlos Alberto Santana Machado. Relator: Min. Menezes Direito. Brasília, 29 de novembro de 2007. Disponível em: <http://redir .stf.jus.br/paginadorpub/painador.jsp?docTP=AC&docID=499860>. Acesso em: 11 ago. 2011. Ressalte-se, que, nesse caso, o Min. Marco Aurélio considerou que a repercussão geral do tema residia no fato de “o precedente abrir margem a que determinado número de torcedores venham a entrar em juízo para reclamar indenização por dano moral presente a atuação de árbitro de futebol em certo jogo. É preciso que o Supremo sinalize o real alcance do inciso X do art. 5º da Constituição Federal, consoante o qual são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas [....]”.

[62] Corroborando o exposto: RE 566.198, RE 568.657-4/MS e RE nº. 570.690-7

[63] WAMBIER; WAMBIER; MEDINA, 2007, p. 240.

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[64] MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p. 962.

[65] VIANA, 2011, p. 45-46.

[66] DANTAS, 2009, p. 259

[67] SILVA, 1963, p. 3.

[68] Cálculo nosso.

[69] ASSIS, 2008, p. 707.

[70] Sobre o tema, relevante a lição de José Afonso da Silva: “É certo que o art. 102 diz que a ele compete,precipuamente, a guarda da Constituição. Mas não será fácil conciliar uma função típica de guarda dos valores constitucionais (pois, guardar a forma ou apenas tecnicamente é falsear a realidade constitucional) com sua função de julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância (base no critério de controle difuso), quando ocorrer uma das questões constitucionais enumeradas nas alienas do inc. III do art. 102, que o mantém como Tribunal de julgamento do caso concreto que sempre conduz à preferência pela decisão da lide, e não pelos valores da Constituição, como nossa história comprova. Não será, note-se bem, por culpa do Colendo Tribunal, se não vier a realizar-se plenamente como guardião da Constituição, mas do sistema que esta própria manteve, praticamente sem alteração, salvo a inconstitucionalidade por omissão e ampliação da legitimação para a ação direta de inconstitucionalidade. Reduzir a competência do STF à matéria constitucional não constitui mudança alguma no sistema de controle de constitucionalidade no Brasil” (SILVA, 2009, p. 559).

[71] TIMM; TRINDADE, 2009, p. 165.

[72] TIMM; TRINDADE, 2009, p. 166.

[73] É relevante registrar que os números retratados na tabela acima representam apenas o número de “Recurso Extraordinários” que ingressaram e que foram julgados pelo Supremo Tribunal Federal, já que o setor de estatísticas do Tribunal passou a considerar a categoria “Recurso Extraordinário com Agravo” para fins de estatística tão somente em 2008. Se considerados esses números, confirma-se o ponto do presente trabalho de que a

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atividade do Pretório Excelso, hoje, é praticamente dirigida ao julgamento do apelo excepcional. Em 2014, por exemplo, considerando as duas categorias, dos 57.796 processos distribuídos, 48.113 deles eram recursos extraordinários. Foram julgados 80.183 processos dessa classe, o que corresponde a cerca de 80,9% dos julgamentos proferidos naquele ano pela Corte.

[74] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Assessoria de Gestão Estratégica. Números da Repercussão Geral. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/port al/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaRepercussaoGeral&pagina=numeroRepercussao>. Acesso em: 14 jul. 2016.

[75] FERRAZ, Taís Schilling, Repercussão Geral – Muito Mais Que Um Pressuposto de Admissibilidade. In: PAULSEN, Leandro. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário: Estudos em homenagem à Ministra Ellen Gracie. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 104.

[76] WAMBIER, Luis Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves Comentários à Nova Sistemática Processual Civil. São Paulo: RT, 2007. v. 3. p. 241.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE

O CONCUBINATO ADULTERINO COMO ENTIDADE FAMILIAR

A necessidade do rateio da pensão por morte entre a viúva e a concubina

Manuela Clemente Silva Torres Rabelo

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Fabíola Santos Albuquerque

Monografia Final de Bacharelado em Direito - UFPE

Recife, 2012

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Manuela Clemente Silva Torres Rabelo

O CONCUBINATO ADULTERINO COMO ENTIDADE FAMILIAR

A necessidade do rateio da pensão por morte entre a viúva e a concubina

Recife, 2012

Monografia Final de Curso apresentada como requisito para obtenção do título de Bacharelado em Direito pelo CCJ/UFPE. Direito Civil; Direito de Família.

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Manuela Clemente Silva Torres Rabelo

O Concubinato Adulterino como Entidade Familiar: a necessidade do rateio da

pensão por morte entre a viúva e a concubina

Monografia Final de Curso

Para Obtenção do Título de Bacharel em Direito

Universidade Federal de Pernambuco/CCJ/FDR

Data de Aprovação: __/__/____

______________________________________

Prof.ª Dr.ª Fabíola Santos Albuquerque

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Prof.

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Prof.

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Agradeço à minha amada mãe, Maria Joselma, pela dedicação constante, por ser

minha luz e minha inspiração, por acreditar no meu potencial, e por desejar, acima

de tudo, a minha felicidade;

À minha segunda mãe, Yolanda, que apareceu no meu caminho como um anjo e

cuidou de mim, com o maior carinho, quando eu precisei;

À minha sobrinha-irmã, Ana Beatriz, que, com sua doçura, torna os meus dias mais

alegres e iluminados.

À minha irmã do coração, Giovana, por ter construído junto comigo a amizade mais

linda, que se mantém durante todos esses anos, me trazendo alegria e paz;

À minha família, em especial à minha tia Maria Aparecida, por vibrar com as minhas

conquistas e desejar sempre o meu sucesso;

Aos amigos, principalmente às minhas queridas Gabriely Darc e Gabriela, por cada

momento compartilhado e pela presença constante;

Aos mestres da Faculdade de Direito do Recife, por todos os ensinamentos

oferecidos e pelo esforço em nos tornar profissionais competentes e comprometidos

com a ética.

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“O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens, levantou no mundo as muralhas do ódio e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido”.

(Charles Chaplin – “O último discurso”)

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RESUMO

O presente trabalho acadêmico será pautado em uma visão plural e

eudemonista de família, tendo como escopo demonstrar a natureza familiar do

concubinato adulterino e a necessidade de chancela jurídica aos direitos da

concubina, especialmente no âmbito previdenciário. O primeiro capítulo explicitará a

evolução histórica da concepção de família e das próprias uniões simultâneas, além

de abordar a introdução de novos valores pela Carta de 1988 e a conseqüente

mudança de paradigmas no Direito de Família. No segundo, por sua vez, far-se-á

uma análise minuciosa acerca das características do concubinato adulterino,

distinguindo-o da união estável. Ademais, será defendida a tese da natureza familiar

implícita do instituto, tendo-se em vista o atendimento aos requisitos da afetividade,

ostensibilidade e estabilidade. Finalmente, no terceiro capítulo, será enfatizada a

natureza assistencialista da Previdência Social, visando com isto ter subsídios para

a defesa do rateio da pensão por morte entre a viúva e a concubina, à luz dos

princípios constitucionais da dignidade humana e da solidariedade.

Palavras-chave: concubinato adulterino; entidade familiar implícita; pensão por

morte; rateio.

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ABSTRACT

This academic paper will be focused on a plural and eudaimonistic vision of family,

with the scope to demonstrate the family nature of adulterous concubinage and the

need of legal official seal to the rights of the concubine, especially in social security.

The first chapter will go through the historical evolution of the concept of family and

their own simultaneously unions, and also address an introduction of these new

values of the 1988 Constitution and the subsequent paradigm shift in family law. In

the second chapter, there will be a detailed analysis about the characteristics of

adulterous concubinage in order to distinguishing it from the stable union. Moreover,

it will defend the thesis on the implicit nature of the family institute, taking into

account the meeting of the requirements of affection, ostensibility and stability.

Finally, in the third chapter, we will emphasize the nature of Social Welfare and the

need for apportionment of death benefits between the widow and mistress, taking

into account the constitutional principles of human dignity and solidarity.

Keywords: adulterous concubinage; implicit nature of the family institute; death

benefits; apportionment.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ART – Artigo

CC – Código Civil

CF – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

INSS – Instituto Nacional do Seguro Social

RGPS – Regime Geral de Previdência Social

STJ – Superior Tribunal de Justiça

STF – Supremo Tribunal Federal

TJ – Tribunal de Justiça

TRF – Tribunal Regional Federal

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10

1 A Concepção de Família e o Concubinato Adulterino - Delineamento Histórico . 12

1.1 Conjuntura Nacional ...................................................................................... 16

2 Novos Paradigmas Introduzidos pela Constituição Federal de 1988 ................. 17

3 Concubinato como Gênero - Conceito e Classificação ........................................ 22

3.1 Concubinato Adulterino ................................................................................. 24

4 Concubinato Adulterino como Entidade Familiar Implícita ................................... 30

5 Os Direitos da Concubina no Âmbito Previdenciário ........................................... 33

5.1 A Previdência Social como Instrumento de Proteção à Sobrevivência ......... 33

5.2 Pensão por Morte - Necessidade de Rateio entre a Viúva e a Concubina .... 35

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 42

Referências Bibliográficas ......................................................................................... 44

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INTRODUÇÃO

Em face das mudanças e das complexidades sociais que permeiam o

mundo hodierno, já não há sentido a perpetuação de uma hermenêutica fechada e

estrita no âmbito do Direito de Família. Faz-se imprescindível a observância dos

novos valores introduzidos pela Carta de 1988, a qual, mediante a consagração dos

princípios do pluralismo, da afetividade e da solidariedade, permitiu a superação do

modelo único de família, fundado exclusivamente na união matrimonial.

Destarte, com a globalização, a mudança de costumes e a

emancipação da mulher, foram rompidos os paradigmas que regiam a família de

outrora. Como leciona Maria Berenice Dias, “assumindo as pessoas cada vez mais

os seus desejos, o conceito de família foi reinventado, passando a dispor de um

perfil multifacetário”1.

Sem embargo, em pleno século XXI, persiste o preconceito e a visão

deturpada da sociedade acerca do real significado do concubinato adulterino. O

instituto é, ainda, equivocadamente, utilizado para designar meros relacionamentos

esporádicos de amantes, que visam somente à satisfação do prazer sexual. Tal

estigma acaba por influenciar também a mentalidade dos operadores do direito,

acarretando graves injustiças sociais.

Como situação concreta, presente desde os primórdios da evolução

humana, o concubinato adulterino gera direitos e deveres às partes envolvidas na

união simultânea. Este trabalho almeja, por conseguinte, frisar a gravidade do não

reconhecimento de efeitos jurídicos ao instituto. Trata-se de um estudo centrado na

análise da própria realidade jurídica, examinando-se os diferentes posicionamentos

assumidos pelos magistrados, em pleitos que requerem a proteção dos direitos dos

concubinos na seara do Direito de Família e, especificamente, no âmbito

previdenciário.

Busca-se, aqui, atentar sempre para a dependência econômica que, de

regra, existe entre os concubinos, mormente em relação à mulher, demonstrando-se

1 DIAS, Maria Berenice. Sociedade de Afeto. Disponível em: http://www.mariaberenice.com.br/uploads/1_-_sociedade_de_afeto.pdf. Acesso em: 6 fev., 2012.

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que o direito à vida, elencado no art. 5º da CF2, deve estar acima de qualquer

moralismo conservador. Mesmo em um contexto de omissão da legislação

infraconstitucional e de divergências jurisprudenciais acerca do tema, é mister o

reconhecimento de direitos à concubina, especialmente, o direito à partilha do

benefício previdenciário.

Questiona-se, ademais, a intervenção do Estado em um âmbito tão

privado e íntimo como o das uniões sócio afetivas, sob o pífio argumento de

proteção à monogamia, como se esta pudesse ser elevada à categoria de interesse

público. O que se pretende é demonstrar, exatamente, que a intervenção estatal na

referida esfera somente é justificável sob um enfoque de proteção, e jamais de

exclusão de direitos.

Deste modo, tomando como alicerce, mormente, os princípios da

dignidade humana e da solidariedade familiar, examina-se, no presente trabalho, a

situação de óbito do segurado que mantinha relacionamentos simultâneos com a

esposa e a concubina. Diante da natureza familiar do concubinato adulterino e do

caráter assistencialista da Previdência Social, pretende-se defender a viabilidade do

rateio da pensão por morte entre a viúva e a concubina, em decorrência do

falecimento do componente comum.

Portanto, trata-se de uma pesquisa desvinculada de qualquer visão

pejorativa acerca do instituto do concubinato adulterino, tendo como escopo frisar a

importância do benefício previdenciário como instrumento de sobrevivência humana.

Ademais, será feito um estudo comparativo dos diferentes julgados sobre o tema,

expondo-se a tendência de inúmeros tribunais, além da visão que vem sendo

adotada pela Suprema Corte e pelo Superior Tribunal de Justiça.

2 CF, art. 5º: “Todos são Iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos temos seguintes...”.

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1. A Concepção de Família e o Concubinato Adulterino – Delineamento

Histórico

Friedrich Engels, tendo como alicerce as obras de Morgan, descreveu

a ordem evolutiva humana em três momentos principais: estado selvagem, barbárie

e civilização3. Com o escopo de analisar os núcleos familiares desde os tempos

mais remotos, foram desenvolvidas algumas teorias, dentre as quais é interessante

observar a teoria da monogamia originária, a teoria da promiscuidade primitiva e a

teoria das uniões transitórias4.

De um lado, os defensores da teoria da monogamia originária pregam

que a família teria se constituído, primordialmente, sob a forma monogâmica, tendo

como verdadeira base o amor filial. Ao revés, há os que defendem a idéia da

promiscuidade primitiva, de modo que cada mulher pertenceria a todos os homens e

cada homem a todas as mulheres. Isto é, os primeiros relacionamentos afetivos não

teriam se desenvolvido sob o manto da exclusividade, sendo a poligamia a primeira

manifestação do concubinato adulterino. Por fim, tem-se, ainda, a teoria das uniões

transitórias, segundo a qual, após o nascimento do filho, o homem e a mulher

permaneceriam juntos somente por um curto lapso temporal.

Inobstante o teor das referidas teorias sociológicas, faz-se

imprescindível frisar que, conforme os paradigmas que regem o direito grego e o

direito romano, o afeto natural não constitui princípio da família antiga, nada

representando no âmbito jurídico o sentimento nutrido de forma recíproca entre os

membros familiares. Foi, em verdade, a religião que projetou o alicerce e

estabeleceu as regras que passaram a reger a família no direito antigo,

representando esta mais uma associação religiosa que uma associação natural.

Aqui, tem-se o parentesco regulado pelos direitos de participação no culto, e não

pelo simples fato natural do nascimento5.

O casamento, como primeira instituição estabelecida pela religião

doméstica, detinha uma importância essencial na sociedade antiga. Como leciona

3 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 2ª ed. São Paulo: Global, 1985, p. 55. 4 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito de Família. Campinas: Bookseller, 2001, p. 62-64. 5 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. São Paulo: EDAMERIS, 1961, p. 57-59. Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/cidadeantiga.pdf. Acesso em: 13 set., 2011.

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Fustel de Coulanges, ao ser firmada a união conjugal, a mulher mudava não apenas

de residência, mas de religião, uma vez que, daquele momento em diante, deveria

louvar não mais os deuses de sua família, mas os deuses da família do marido,

passando a proferir ritos e orações distintos. De outra parte, também o marido se

sacrificava em prol da união conjugal, revelando à mulher cerimônias e ritos

secretos, que constituíam o mais valioso patrimônio familiar. Diante das

mencionadas renúncias e sacrifícios, percebe-se a tamanha importância da

instituição do casamento no mundo antigo, representando, de fato, uma cerimônia

sagrada6.

Em face da grandeza da referida passagem cerimonial, com a

conseqüente mudança de ritos, orações e antepassados, não se admitia mais de

uma mulher para o mesmo marido. Frise-se, portanto, que a poligamia era

inadmitida, sendo, ademais, de difícil ocorrência a dissolução do casamento

religioso.

Todavia, é interessante ressaltar que, inicialmente, na antiga civilização

romana, o concubinatus representava a mera união livre e estável entre homem e

mulher, como se casados fossem, inobstante a ausência da affectio maritalis e da

honor matrimonii, não sendo proibido nem atentatório à moral e aos bons costumes.

Até o período do direito clássico, o concubinato existia somente como fato social,

tendo sido regulamentado indiretamente, pela primeira vez, pela legislação

matrimonial do Imperador Augusto, a saber, Lex Iulia Et Papia Poppaea de

maritandis ordinibus e Lex Iulia de Adulteriis, que criaram normas rígidas e

protetoras do casamento. Posteriormente, o Imperador Constantino criou

penalidades desestimuladoras do concubinato, até que este foi considerado imoral e

abolido pelos imperadores cristãos7, conforme será tratado adiante.

No referido contexto de combate às práticas concubinárias no mundo

antigo, a paternidade, por si só, não assegurava direitos ao pai em relação ao

descendente. Assim sendo, o filho nascido de uma relação de concubinato não era

colocado sob a autoridade paterna, uma vez que não existia entre ambos uma

comunidade religiosa, requisito este essencial nas civilizações antigas. O adultério

6 Idem Ibidem, p. 59-68. 7 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da Família de Fato. São Paulo: Atlas, 2011, p. 127-130.

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era, pois, a mais grave falta a ser cometida, uma vez que o filho nascido dessa

relação era considerado um estranho no círculo familiar, tornando o culto impuro8.

As leis antigas eram, portanto, excessivamente rigorosas em relação à

prática do adultério. Em Atenas era facultado ao marido matar o culpado e, em

Roma, cabia a ele julgar a mulher, podendo, inclusive, condená-la à morte. Nesse

sentido, percebe-se o caráter absoluto atribuído ao casamento, de modo que

qualquer violação aos alicerces da união conjugal acarretava conseqüências

bastante severas, em face das regras ditadas pela antiga moral doméstica.

Deste modo, por muito tempo, a família foi a única forma de sociedade

conhecida pelos homens, sendo plenamente disciplinada pelas crenças religiosas.

Todavia, em face do progressivo enfraquecimento da religião antiga, o parentesco

por nascimento se consolidou paulatinamente na sociedade, tornando-se

juridicamente reconhecido.

Com o advento do Cristianismo, a Igreja Católica, pregando o princípio

absoluto da monogamia e a sacralidade da instituição do casamento, combateu

rigidamente as relações concubinárias, mediante a cominação de medidas severas,

sendo notório seu domínio sobre as relações familiares. Nesse contexto, o

concubinato foi combatido mormente por duas importantes figuras, a saber: Santo

Agostinho e Santo Ambrósio.

Os preceitos religiosos eram transmitidos aos jovens dentro das

corporações de ofício e, em decorrência da economia agrícola, as famílias

medievais eram bastante numerosas, com uma estrutura eminentemente patriarcal.

Nessa conjuntura histórica, assim como na sociedade romana, era essencial o

nascimento de um filho para manutenção do culto religioso.

Reside nesse aspecto a origem histórica dos direitos amplos, inclusive em legislações mais modernas, atribuídos ao filho e em especial ao primogênito, a quem incumbiria manter unido o patrimônio em prol da unidade religioso - familiar9.

Deve-se observar que, no século XVI, o Concílio de Trento

regulamentou o casamento religioso entre o homem e a mulher e, ainda naquele

século, o casamento com efeitos civis foi regulamentado pela primeira vez, na

8 COULANGES, Fustel de, op. cit., p. 131-145. 9 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 4.

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Holanda10. A instituição do casamento civil afetou significativamente o concubinato

adulterino, pois, a partir de então, o relacionamento entre pessoas impedidas de

casar passou a ser considerado ilícito para o Direito, produzindo efeitos jurídicos

diante da inobservância da norma proibitiva.

Posteriormente, a Revolução Industrial acarretou uma importante

mudança paradigmática na concepção de família, sendo claramente ressaltada, na

Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, em seu art. 16.3, a

necessidade de o Estado tutelar amplamente as entidades familiares11. Nessa nova

conjuntura, em detrimento das famílias numerosas de outrora, inicia-se um rígido

controle de natalidade, visto que a família perde seu caráter de unidade de

produção, tornando-se instituição propagadora de valores morais e de assistência

recíproca. Surge, então, a família nuclear, restrita ao casal e sua prole, o que

acarreta a aproximação de seus membros e, por conseguinte, uma maior

valorização do vínculo afetivo.

No decorrer do século XX, a influência religiosa torna-se

progressivamente mais débil, prevalecendo a liberdade de crença. Percebe-se que a

laicização do Estado revolucionou os costumes e, mormente, o Direito de Família,

gerando importantes alterações em seu próprio conceito. Diante da nova posição

social dos cônjuges, das pressões econômicas e do enfraquecimento das religiões

tradicionais, o número de divórcios aumenta consideravelmente e as uniões sem

casamento tornam-se progressivamente aceitas pela sociedade e pela legislação.

Assim sendo, a unidade familiar deixa de ter como alicerce exclusivo o matrimônio.

O número de separações judiciais e divórcios vem aumentando gradativamente. De 1993 a 2003, o volume de separações subiu de 87.885 para 103.529 e o de divórcios de 94.896 para 138.676 (ou 17,8% e 44%, respectivamente)12.

Por conseguinte, adquiriu relevância o número de demandas judiciais

que tinham como objeto a ruptura das relações concubinárias, surgindo, inclusive, o

direito à indenização para as concubinas. Todavia, conforme será explicitado no

10 IBDFAM. Concubinato Adulterino: Panorama histórico e disciplina jurídica a partir do Código Civil de 2002. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=321. Acesso em: 6 jan., 2012. 11 Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. 16.3: “A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado”. 12 IBGE. Estatísticas do Registro Civil 2003. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=283. Acesso em: 8 fev., 2012.

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decorrer do presente trabalho, tais julgados usavam como fundamento, como ainda

ocorre nos dias atuais, as teorias da proibição do enriquecimento sem causa, da

sociedade de fato e da obrigação natural, teorias estas já ultrapassadas e típicas da

argumentação utilizada pelos juristas do século XIX13.

1.1. Conjuntura Nacional

Conforme ensinamento de Gilberto Freyre, a poligamia também

permeou os relacionamentos dos primeiros habitantes brasileiros, os indígenas,

configurando, inclusive, um importante fator para o povoamento do território

nacional, porquanto o número de europeus era bastante escasso14. Entretanto,

ressalte-se que as Ordenações do Reino de Portugal proibiam, em absoluto,

qualquer relação amorosa não fundada no casamento, tipificando como crime a

poligamia e prevendo também o delito de adultério. Já no Período Republicano, o

casamento foi instituído como única forma legítima de constituição de família.

Desde a Colônia até boa parte do século XX, o Direito Brasileiro adotou

como modelo a família patriarcal, cuja estrutura legitimava a supremacia do poder

masculino e a posição jurídica subalterna da mulher. Com o advento do Estado

Social, no decorrer do século XX, caracterizado pela intervenção nas relações

privadas a fim de proteger os mais vulneráveis, também a concepção de família

sofreu importantes alterações, mormente em face dos valores introduzidos pela

Constituição de 1988. A proteção à entidade familiar tornou-se centro de

preocupação estatal, buscando-se efetivar normas que assegurassem a liberdade e

a igualdade materiais aos seus membros, e protegendo-se, inclusive, as famílias não

constituídas pelo casamento.

Saliente-se que, ao contrário das Constituições de 1824 e 1891, as

Constituições do Estado Social brasileiro trouxeram normas explícitas de proteção à

família. A Constituição de 1934 é a primeira a fazer referência expressa à proteção

especial do Estado, além de dedicar todo um capítulo à família, estabelecendo as

13 IBDFAM, op. cit. 14 FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala. 20ª ed. Rio de Janeiro/ Brasília: Livraria José Olympio/ INL-MEC, 1980, p. 245-246.

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regras do casamento indissolúvel15. A Carta de 1937, por sua vez, equiparou os

filhos naturais aos legítimos, além de determinar o dever dos pais em face da

educação dos filhos. Deve-se, ainda, ressaltar a assistência à maternidade e o

estímulo à prole numerosa pela Constituição de 1946. Todos esses avanços

culminaram nos valores introduzidos pela Constituição de 1988, a que, de fato, mais

inovou e ampliou a esfera de proteção às entidades familiares.

Modelos de família, ancestrais, feudais, modernas e pós-modernas – para deixar reduzido, em poucas variações, o percurso intenso – se sucederam e a foto sobre a lareira foi se alterando com a mudança dos costumes, com a conversão ou inversão dos valores, com a introdução de novos comportamentos e de novos princípios, com o abandono de matrizes em desuso, e assim por diante16.

A hodierna concepção de família como lugar de realização de afetos

difere, portanto, da que a concebia como mera instituição natural e de direito divino,

visto que as variadas mudanças no contexto econômico, político e social atingiram

também as relações jurídico-familiares. Tornou-se arcaica e hipócrita aquela visão

segundo a qual seria família somente a derivada da união conjugal.

2. Novos Paradigmas Introduzidos pela Constituição Federal de 1988

Em detrimento dos fortes resquícios patriarcais que predominaram na

legislação civil brasileira até a segunda metade do século XX, faz-se mister salientar

a atual função da família conforme os valores introduzidos pela Constituição de

1988: a saber, a denominada função sócio afetiva. Compreendeu-se a premente

necessidade de reconhecer outras entidades familiares, além daquelas constituídas

pelo casamento, operando-se uma importante flexibilização do conceito de família.

Como leciona Rodrigo da Cunha Pereira, “a verdadeira liberdade e ideal de Justiça

15 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família Contemporâneo: doutrina, jurisprudência, direito comparado e interdisciplinaridade. Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p.17. 16 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. A incessante travessia dos tempos e a renovação dos paradigmas: a família, seu status e seu enquadramento na pós-modernidade. In: DEL´ OLMO, Florisbal de Souza; ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim (Coord.). Direito de Família Contemporâneo e os Novos Direitos: estudos em homenagem ao professor José Russo. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 48.

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estão naqueles ordenamentos jurídicos que asseguram um Direito de Família que

compreenda a essência da vida: dar e receber amor”17.

Conquanto a Carta Maior mencione expressamente apenas o

casamento, a união estável e a comunidade monoparental como entidades

familiares, pode-se dizer que a referência a estas duas últimas já representa, por si

só, uma evidente ruptura com o modelo único que existia até então, centrado na

união matrimonializada. Além disso, representa uma mudança paradigmática no

ordenamento jurídico pátrio, passando a família a ser tratada, a partir de então, sob

a ótica do pluralismo, da afetividade e do princípio eudemonista. Assim, a idéia de

taxatividade do rol constitucional de entidades familiares não se coaduna com a

complexidade social das relações hodiernas, devendo-se, ao revés, realizar uma

hermenêutica extensiva, com o escopo de assegurar o melhor interesse de cada

componente dos mais diversos arranjos familiares.

Nesse sentido, observa-se um importante avanço da legislação

nacional ao atribuir efeitos jurídicos próprios do Direito de Família às demais

entidades familiares. Deste modo, o texto constitucional permitiu uma interpretação

ampla quanto à abrangência do conceito de entidade familiar, sendo o seu rol

meramente exemplificativo. Aqui, é importante não olvidar que, recentemente, a Lei

Maria da Penha (Lei 11.340/2006), que reprime a violência doméstica e familiar

contra a mulher, identificou como família qualquer relação de afeto.

Foram desenhados, assim, na conjuntura nacional, novos paradigmas

e novos modelos de família, alicerçados na dignidade humana e na solidariedade,

com o escopo de assegurar a realização integral de seus membros. Houve uma

importante valorização do vínculo afetivo, em detrimento dos laços sanguíneos e

patrimoniais, passando a família a configurar uma entidade plural18.

Embora a nova Constituição tenha efetivado a referida mudança de

paradigma, percebe-se que o Código Civil de 2002 manteve um teor

predominantemente patrimonial, em detrimento da affectio, o que descaracteriza a

concepção atual de família. A mencionada codificação civil ainda apresenta fortes

17 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Família, direitos humanos, psicanálise e inclusão social. In: DEL´ OLMO, Florisbal de Souza; ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim (Coord.). Direito de Família Contemporâneo e os Novos Direitos: estudos em homenagem ao professor José Russo. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 121. 18 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 50-56.

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resquícios do sistema anterior, não abarcando as mudanças de costumes e a

pluralidade de formas de famílias presentes nas diversas relações sociais.

É necessário, assim, assegurar o movimento de Repersonalização do

Direito Civil, mormente no tocante às relações familiares, com o objetivo de manter o

enfoque personalístico da afetividade no Direito de Família, e não mais aquela

abordagem patrimonial de outrora. Destarte, nos dias atuais, não faz mais sentido

tutelar a família como um ente transpessoal, a saber, como um bem em si mesmo,

plenamente vinculado às hipóteses de produção e procriação, mas, ao revés, como

ambiente apto ao desenvolvimento da personalidade e da realização pessoal e

afetiva de seus membros.

Sem embargo, ainda persiste como fundamento de muitos julgados a

idéia de que os três tipos de entidades familiares elencados no art. 226 da CF

constituem numerus clausus, excluindo-se, assim, as diversas outras famílias que

coexistem na realidade fática. Ademais, não se pode olvidar que, ainda hoje, há

inúmeros doutrinadores que pregam a supremacia do casamento em detrimento de

outros possíveis arranjos familiares, como, v.g., Maria Helena Diniz, Álvaro Villaça

Azevedo, Sílvio de Salvo Venosa, Antônio Junqueira, dentre outros. Todavia, o que

se impõe na sociedade hodierna é exatamente a superação da tese do numerus

clausus e o tratamento isonômico de todas as entidades familiares, sem qualquer

teor discriminatório. Como leciona Paulo Lôbo, a exclusão não está no texto

constitucional, mas na própria interpretação19.

Inobstante se entenda que a maior parte da sociedade se desenvolva

em núcleos familiares fundados no matrimônio, não se pode, em absoluto,

desconhecer a existência de indivíduos que elegem outras formas de arranjos

familiares, não menos dignas que aquela, merecendo, assim, uma proteção

isonômica de seus direitos. Ademais, a antiga idéia de estabilidade como um dos

mais fortes argumentos de defesa em favor da união matrimonial tem perdido força,

mundialmente, na atualidade, havendo, inclusive uma clara tendência no sentido de

facilitar o divórcio, em vários ordenamentos. A qualidade de “pessoa” e o inviolável

19 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/2552/entidades-familiares-constitucionalizadas. Acesso em: 27 out., 2011.

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princípio da dignidade humana devem estar acima de qualquer postura arcaica,

impregnada, em pleno século XXI, de um abusivo teor patriarcal.

A Constituição de 1988 já reconhece como forma de família não somente aquelas constituídas pelo casamento, mas também pela união estável e a comunidade formada pelos pais e seus descendentes. Apesar disso, alguns julgadores e juristas têm resistido em conceber a família de forma plural, apoiados em concepções do século passado. Lévi-Strauss e Lacan já mostraram ao mundo, há muitas décadas, que o cerne da família e o laço principal de sua formação estão em uma estruturação psíquica entre os sujeitos envolvidos, onde cada um exerce uma função e tem lugares definidos. O direito já deveria ter entendido isto20.

É fundamental que a legislação respeite as diversidades decorrentes

da realidade fática, abarcando as novas transformações sociais e, por conseguinte,

assegurando efeitos jurídicos aos novos arranjos familiares. A pretensão clássica de

perpetuar um modelo universal de família não se coaduna com a necessária

ideologia renovadora que paira na conjuntura atual, fazendo-se mister assimilar os

valores introduzidos pelas novas gerações, respeitando-se as divergências culturais

e a pluralidade. Somente assim, as entidades familiares podem desenvolver-se de

forma plena e justa, sem qualquer forma de discriminação.

Destarte, o mencionado dispositivo constitucional suprimiu a referência

à família constituída pelo casamento, desaparecendo a cláusula de exclusão que

havia outrora e, portanto, não sendo mais admissível a supressão de qualquer

entidade que preencha os requisitos da afetividade, estabilidade e ostensibilidade.

Como leciona Catarina Almeida de Oliveira, “diante de tantos agrupamentos

diferentes, percebidos cotidianamente, será injusta a interpretação que limite o

entendimento constitucional nas três entidades familiares apontadas no art. 226”21.

Qualquer exclusão nesse sentido viola claramente o macroprincípio da dignidade

humana, que tem como corolário o princípio da solidariedade.

Embora a Constituição Federal não mencione, literalmente, a

afetividade, tal fato não significa sua exclusão do elenco de princípios

constitucionais, uma vez que ela aparece como princípio implícito, atrelado aos

princípios da dignidade, da solidariedade e da convivência familiar. Percebe-se, pois,

que a afetividade ganhou status de princípio implícito no Texto Constitucional. 20 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. O fim do concubinato. Disponível em: http://rodrigodacunha.adv.br/rdc/?p=664. Acesso em: 5 out., 2011. 21 OLIVEIRA, Catarina Almeida de. Refletindo o afeto nas relações de família. Pode o direito impor amor? In: ALBUQUERQUE, Fabíola Santos; EHRHARDT JR., Marcos; OLIVEIRA, Catarina Almeida de (Org.). Famílias no Direito Contemporâneo. Estudos em homenagem a Paulo Luiz Netto Lôbo. Salvador: Jus Podvm, 2010, p. 54.

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O afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência e não do sangue. (...) O desafio que se coloca aos juristas, principalmente aos que lidam com o Direito de Família é a capacidade de ver a pessoa em toda a sua dimensão ontológica, a ela subordinando as considerações de caráter biológico ou patrimonial. Impõe-se a materialização dos sujeitos de direitos, que são mais que apenas titulares de bens. A restauração da primazia da pessoa humana, nas relações civis, é a condição primeira de adequação do direito à realidade social e aos fundamentos constitucionais 22.

Todavia, considerando que não é simples analisar o afeto de uma

maneira objetiva, no plano jurídico, uma vez que se trata de sentimento, é

imprescindível enxergá-lo sob a ótica de condutas concretas. Assim, faz-se mister

detectar aquelas condutas que ostentam típicos laços familiares, como, v.g., a

convivência, o comprometimento recíproco de seus membros, a assistência material

e psicológica, a proteção, dentre outros fatores que presumem o afeto.

Deve-se atentar para o fato de que, hoje, os elementos

caracterizadores da família não se confundem com as formalidades da união

matrimonial, a heterossexualidade dos parceiros ou o envolvimento sexual. Em

verdade, o elemento mais importante capaz de identificar um arranjo como sendo de

natureza familiar e, por conseguinte, assegurando a chancela do ordenamento

pátrio, é o vínculo afetivo entre seus membros, o que acarreta, por sua vez, o

comprometimento mútuo e a assistência recíproca23.

Saliente-se, conforme atesta Maria Berenice Dias, que é essencial

invocar a ética como elemento estruturante do Direito de Família, pois ainda que

sejam alvo do preconceito ou se originem de atitudes consideradas reprováveis, o

juiz não pode afastar-se do princípio ético, que deve nortear todas as decisões24.

Não obstante tenha havido importante alteração no conceito de família, a inclusão

da afetividade como elemento inerente às relações familiares é insuficiente, fazendo-

se necessário, além dela, invocar também a ética, e não a moral conservadora,

como fator estruturante das entidades familiares.

O que deveríamos fazer é deixar de ver o Direito de Família sob a ótica dessa moral estigmatizante e vê-lo muito mais sob o aspecto da ética.

22 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito ao Estado de Filiação e Direito à Origem Genética: uma distinção necessária. Disponível em: http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/cej/article/viewFile/633/813. Acesso em: 30 jan., 2012. 23 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 42. 24 Idem. Família, ética e afeto. Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/9624/concubinato-adulterino/4. Acesso em: 27 out., 2011.

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Dessa forma, estaremos, certamente, muito mais próximos deste tão sonhado ideal de justiça que sempre buscaremos25.

3. Concubinato como Gênero – Conceito e Classificação

Conforme ensinamento de Álvaro Villaça Azevedo, a palavra

“concubinato” deriva do latim (concubinatus, us), significando mancebia,

amasiamento, abarregamento, isto é, traduzindo a idéia de dormir com alguém,

copular ou ter relação carnal. Saliente-se que o referido instituto possui dois sentidos

distintos: um sentido amplo, designando toda e qualquer união sexual livre; e, por

outro lado, um sentido estrito, representando uma união duradoura, em que estão

presentes a affectio societatis e a lealdade recíproca26. Ademais, a jurisprudência

ainda costuma utilizar uma construção desenvolvida inicialmente pela doutrina, que

divide o concubinato em puro e impuro, valendo-se como paradigma da existência

ou não de impedimentos matrimoniais.

É importante não olvidar que o sistema anterior estabelecia uma

absurda hierarquia entre as formas de filiação, a depender de sua origem. Eram

considerados legítimos somente os filhos oriundos da união matrimonial, sendo

ilegítimos todos os demais. Dentre estes, os que eram fruto de uma relação de

concubinato puro eram postos na categoria dos naturais, havendo a possibilidade de

tornarem-se legítimos em decorrência do casamento subseqüente dos pais; já no

concubinato impuro, não existia tal possibilidade, sendo os filhos dessas uniões

classificados como espúrios.

Nesse particular, quanto à filiação, pode-se dizer que, assim como a

Constituição Federal de 1988, o atual Código Civil também superou o tratamento

discriminatório de outrora, predominando a igualdade entre os filhos, independente

da origem. Entretanto, em relação ao instituto do concubinato adulterino em si, e

seus devidos efeitos no mundo jurídico, a legislação civil mostrou-se, ao revés,

extremamente lacunosa e restritiva.

Em que pesem as mencionadas classificações doutrinárias,

atualmente, em face da regulamentação trazida pela Constituição Federal de 1988 e

25 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Casamento, união estável, namoro e uniões homoafetivas. In: BASTOS, Eliene Ferreira; DIAS, Maria Berenice (Coord.). A família além dos mitos. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 282. 26 AZEVEDO, Álvaro Villaça, op. cit., p. 161.

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pelo Código Civil de 2002, é preferível utilizar a nomenclatura “união estável” para

referir-se ao concubinato puro, e simplesmente “concubinato” para referir-se ao

impuro. Este último, ressalte-se, pode aparecer sob três formas: concubinato

adulterino, nas situações em que um dos concubinos, ou ambos, possui,

paralelamente, um vínculo de casamento ou união estável com outrem; incestuoso,

para uniões concubinárias entre parentes; ou sancionador, quando se trata de união

entre o cônjuge sobrevivente e o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio

doloso contra seu consorte27.

Frise-se que, durante a vigência do Código Civil de 1916, havia certa

confusão entre o companheirismo e o concubinato adulterino, não existindo uma

distinção clara entre os institutos. Sem embargo, diante da nova conjuntura nacional

e do crescente número de desquites (atualmente, divórcios), muitas famílias foram

constituídas à margem do direito, isto é, as chamadas famílias de fato, através de

uniões estáveis. Isso porque a Lei do Divórcio (Lei nº 6.515) surgiu somente no final

de 1977. Assim, os desquitados, naquele contexto, não poderiam esperar todo esse

lapso de tempo para constituir novas entidades familiares, com o mero escopo de

atender às formalidades legais exigidas à época.

Nesse sentido, paulatinamente, o instituto da união estável foi

adquirindo notória aceitação social e jurídica, o que não ocorreu com o concubinato

adulterino, conforme será demonstrado no decorrer do presente trabalho. A

Constituição Federal de 1988, em seu art. 226, reconheceu, expressamente, como

entidades familiares, não só aquelas constituídas pelo casamento, mas também as

uniões estáveis e as comunidades monoparentais. Posteriormente, abarcando as

mudanças trazidas pelas Leis nº 8.971/94 e 9.278/96, também o Código Civil de

2002 consagrou o instituto da união estável, em seu Livro IV, Título III, dando-lhe as

mesmas prerrogativas da união matrimonial.

Destarte, houve uma nítida separação entre os institutos da união

estável e do concubinato adulterino, sendo a possibilidade ou não de conversão em

casamento seu principal ponto distintivo, com a ressalva dos separados de fato e

judicialmente, que também podem constituir união estável. Diz-se união estável,

portanto, em consonância com a atual legislação civil, a convivência duradoura,

27 GOMES, Anderson Lopes. Concubinato adulterino: uma entidade familiar a ser reconhecida pelo Estado brasileiro. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/9624/concubinato-adulterino/3. Acesso em: 11 fev., 2012.

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pública e contínua, entre homem e mulher, com objetivo de constituir família, não

havendo um prazo determinado para sua configuração, o que deve ser analisado

pelo magistrado em cada caso concreto.

No que tange à evolução do instituto da união estável, tanto em face do

direito positivo, como em face da própria aceitabilidade social, é interessante

observar o seguinte ensinamento de Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk:

As famílias informais, fundadas em uniões não matrimonializadas se tornaram mais comuns e, juntamente com essa ampliação quantitativa, veio à tona um outro modo de olhar essas formações familiares. Se o preconceito preso a tradições que repetem o eterno discurso da decadência não foi, ainda, afastado, não resta dúvida que, entre o concubinato de outrora e as uniões estáveis de hoje há grande distância no que tange a reputação social dos que optam por essa forma de conjugalidade28.

3.1. Concubinato Adulterino

Conquanto seja inegável o avanço do Código Civil de 2002 no tocante

à regulamentação da união estável, fazendo, inclusive, a devida distinção entre

companheiros e concubinos, pode-se dizer que, em relação à disciplina do

concubinato adulterino, a legislação civil pátria representou um verdadeiro

retrocesso. Conforme o teor do art. 1.727 do referido diploma29, o termo

“concubinato” designa as relações não eventuais, entre homem e mulher, impedidos

de casar. Isto é, o instituto remete a uma simultaneidade de uniões, em que somente

uma é expressamente reconhecida como entidade familiar (a família matrimonial ou

a oriunda de união estável). Entretanto, a legislação é, de todo, omissa quanto aos

seus possíveis efeitos jurídicos.

Em consonância com os ensinamentos de Sílvia Pimentel, Beatriz Di

Giorgi e Flávia Piovesan, deve-se observar o seguinte:

Embora o Direito seja constituído pelas crenças e valores sociais, esta integração é complexa, mesmo porque assim é a configuração da sociedade. É freqüente haver defasagem entre a legislação, que via de regra é mais conservadora, e os avanços da sociedade30.

Faz-se mister frisar algumas características essenciais para configurar

o concubinato adulterino. Assim, deve-se atentar para a diferença de sexos entre os

28 RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Famílias Simultâneas: da Unidade Codificada à Pluralidade Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 131. 29 CC, art. 1.727: “As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato”. 30 PIMENTEL, Sílvia; DI GIORGI, Beatriz; PIOVESAN, Flávia. A figura/personagem mulher em processos de família. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1993, p. 19.

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parceiros, isto é, a heterossexualidade; a não eventualidade, porquanto meros

encontros furtivos e esporádicos descaracterizam o instituto; e a publicidade, no

sentido de haver uma mínima notoriedade pública da união concubinária, embora

não seja imprescindível tal conhecimento no âmbito da família paralela. Ademais, é

fundamental que haja a prática do adultério, estando ao menos um dos parceiros

dentro de um casamento efetivo ou de uma união estável.

Conforme mencionado, com exceção do citado art. 1.727, o atual

Código Civil somente faz referência ao concubinato para impor-lhe inúmeras

restrições, o que pode ser observado, v.g., mediante o exame do disposto no art.

55031; no art. 1.642, inciso V32; e, ainda, no art. 1.801, inciso III33. Destarte,

inobstante o adultério já tenha sido, no campo penal, descriminado pela Lei nº

11.106, de 2005, continua sendo alvo de inúmeras limitações no âmbito cível.

Pelo exposto, sob o argumento moralista da necessária proteção ao

princípio da monogamia, o ordenamento pátrio, de regra, não atribui ao concubinato

adulterino as prerrogativas atinentes às entidades familiares. Mantém-se, pois, a

prevalência do referido princípio, como resquício da mentalidade patriarcal de

outrora, pautada na coisificação da figura feminina e, por conseguinte, na idéia de

posse exclusiva da mulher e de certeza da paternidade. Configura-se, assim, um

verdadeiro paradoxo, em que o tão aludido princípio da monogamia é, na realidade

prática, relativizado em relação ao homem, contribuindo para consolidar um

ambiente de discriminação e hipocrisia.

O que se coloca, com efeito, é que, enquanto as relações extraconjugais masculinas são, em muitos momentos históricos, toleradas, e, mesmo, incentivadas, a situação da mulher é bem diversa, sofrendo violenta repressão social34.

Assim sendo, a raiz do princípio monogâmico é, na sociedade

hodierna, mascarada pelo discurso da imprescindibilidade de sua função jurídica

ordenadora, colocando-se em grave risco a própria dignidade humana. Deste modo,

deixa-se de assegurar ao instituto do concubinato adulterino as devidas

31 CC, art. 550: “A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal”. 32 CC, art. 1.642, inciso V: “Qualquer que seja o regime de bens, tanto o marido quanto a mulher podem livremente: reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados ou transferidos pelo outro cônjuge ao concubino, desde que provado que os bens não foram adquiridos pelo esforço comum destes, se o casal estiver separado de fato por mais de cinco anos”. 33 CC, art. 1.801, inciso III: “Não podem ser nomeados herdeiro nem legatários: o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos”. 34 RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski, op. cit., p. 99.

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conseqüências no mundo jurídico, atribuindo-lhe, inclusive, um forte sentido

pejorativo.

Conforme ensinamento de Ana Carla Harmatiuk, a mulher, na união

não fundada no casamento, sofre, em pleno século XXI, as discriminações

decorrentes do modelo patriarcal de família. Além de sua condição feminina, há

ainda o valor negativo atribuído ao concubinato, fruto do preconceito alicerçado

pelos valores de uma família matrimonializada, acolhidos pelo Código Civil35, sendo

imprescindível, portanto, a interpretação de suas normas em conformidade com os

valores constitucionais, e não com os valores predominantes em uma realidade

histórica precedente. Assim, embora a família se submeta à legislação

infraconstitucional, seu mais importante foco de disciplina é a Constituição, que

representa a fonte suprema.

Em face da omissão legislativa acerca do concubinato adulterino, a

doutrina e a jurisprudência costumam, ainda, distinguir duas situações, ao cogitar da

possível atribuição de efeitos jurídicos ao instituto, a saber: a hipótese em que o

concubino estaria de boa fé, desconhecendo o fato de estar seu parceiro casado ou

em união estável com outrem; e a hipótese em que o concubino estaria de má fé,

tendo plena ciência da simultaneidade das uniões. Assim, usa-se a idéia de

“honestidade” para configurar uma das situações referidas. À primeira, de regra, dá-

se o nome de união estável putativa, que gera os mesmos efeitos da união estável,

sendo este o entendimento partilhado por muitos autores, como, v.g., Álvaro Villaça

Azevedo.

É de ver-se que o primeiro, concubinato puro ou concubinato, simplesmente, deve merecer, por parte do Estado, completa proteção e regulamentação legal; já o segundo, concubinato impuro ou concubinagem, não deve merecer apoio dos órgãos públicos e, mesmo, da sociedade. Entendemos, ainda, que deste não deve surtir efeito, a não ser ao concubino de boa fé, como acontece, analogamente, com o casamento putativo, e para evitar-se locupletamento ilícito36.

Nesse sentido, observe-se o seguinte julgado do Tribunal de Justiça do

Rio Grande do Sul, a saber:

EMENTA: UNIÃO ESTÁVEL. SITUAÇÃO PUTATIVA. AFFECTIO MARITALIS. NOTORIEDADE E PUBLICIDADE DO RELACIONAMENTO. BOA-FÉ DA COMPANHEIRA. PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL. JUNTADA DE DOCUMENTOS COM A APELAÇÃO. DESCABIMENTO. 1.

35 MATOS, Ana Carla Harmatiuk, As famílias não fundadas no casamento e a condição feminina. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 30. 36 AZEVEDO, Álvaro Villaça, op. cit., p. 165.

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Descabe juntar com a apelação documentos que não sejam novos ou relativos a fatos novos supervenientes. Inteligência do Art. 397 do CPC. 2. Tendo o relacionamento perdurado até o falecimento do varão e se assemelhado a um casamento de fato, com coabitação, clara comunhão de vida e de interesses, resta induvidosa a affectio maritalis. 3. Comprovada a notoriedade e a publicidade do relacionamento amoroso havido entre a autora e o de cujus, é cabível o reconhecimento de união estável putativa, quando fica demonstrado que a autora não sabia do relacionamento paralelo do varão com a mãe da ré. Recurso provido37.

Por outro lado, conforme visto alhures, os operadores do direito pátrio

insistem em negar o reconhecimento de efeitos jurídicos às uniões concubinárias,

naquelas hipóteses em que a concubina tem ciência da simultaneidade das

relações, inércia esta que afronta o princípio da dignidade humana e o próprio

fundamento do Estado Democrático de Direito. Deste modo, desde que preenchidos

os já citados requisitos da afetividade, estabilidade e ostensibilidade, não se pode,

sob o pífio argumento da pretensa “má fé”, concluir pela inexistência do objetivo de

constituição de família, mormente naquelas uniões duradouras e das quais tenha

resultado prole.

Alguns autores, como, v.g., Eduardo Pianovski, adotam como

paradigma o princípio da boa fé objetiva, em face da possibilidade de atribuir eficácia

jurídica à simultaneidade familiar. Em consonância com tal entendimento, se há uma

ostensibilidade plena da relação concubinária e, ainda assim, não ocorre o

rompimento dos vínculos de coexistência afetiva, não se pode alegar, nesta

hipótese, a deslealdade e o rompimento dos deveres de confiança, respeito e

proteção à dignidade dos membros de ambas as famílias38. Para os que adotam tal

linha de pensamento, é a quebra da boa fé objetiva, e não simplesmente da boa fé

subjetiva, que acarreta a não atribuição de chancela jurídica ao concubinato

adulterino. Sem embargo, tal tese não é também adequada, afrontando, igualmente,

os valores constitucionais.

O fundamento é, de todo, falacioso. Sabendo a mulher do relacionamento paralelo, estaria agindo de má fé, não se podendo ter por presente o objetivo de constituição de família, requisito de ordem subjetiva exigido pelo art. 1723. De outro lado, afirmando a mulher desconhecer que a pessoa com quem entretém uma convivência duradoura, pública e contínua vive também com outra, então é reconhecida sua boa fé e a existência de uma união estável. Assim, o requisito de ordem subjetiva para o reconhecimento da entidade familiar, qual seja, a intenção de constituir uma família, só se

37 TJRS, Apelação Cível nº 70025094707. 7ª Câmara Cível. Relator Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. Julgado em: 22/10/2008. 38 RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski, op. cit., p. 181-198.

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perquire da mulher. Quanto ao varão – que é quem mantém a dupla convivência – desimporta sua intenção39.

Portanto, a pretensa “má fé” não retira a natureza de entidade familiar

do concubinato adulterino, ao contrário do que entende a maioria dos magistrados e

doutrinadores, fazendo jus os concubinos a inúmeros direitos, além dos

previdenciários, que vêm sendo mais facilmente reconhecidos por alguns tribunais,

conforme será mais adiante demonstrado. Não obstante isso, destacam-se as

decisões que enquadram o concubinato adulterino no campo do direito das

obrigações, valendo-se das obsoletas teses da sociedade de fato e da indenização

pelos serviços prestados, sob a justificativa de evitar o enriquecimento ilícito.

Destarte, os tribunais negam o status de entidade familiar ao

concubinato adulterino, utilizando, equivocadamente, a Súmula 380 do STF40 como

alicerce jurídico de suas decisões e atribuindo ao instituto, por conseguinte, a

natureza de relação meramente obrigacional. Assim, em conformidade com essa

linha de entendimento, o concubino prejudicado com o fim da união faz jus à partilha

dos bens para cuja aquisição tenha concorrido (sociedade de fato), ou, na hipótese

de não provar o esforço comum, faz jus à indenização pelos serviços prestados

(responsabilidade civil)41.

Como é cediço, a referida indenização pelos serviços prestados foi

uma alternativa encontrada pela jurisprudência pátria para proteger a concubina que,

inobstante não tenha realizado acréscimos materiais ao patrimônio comum,

contribuiu com suas atividades domésticas em prol dos membros do respectivo

arranjo afetivo. Todavia, embora o escopo, aqui, seja também evitar o

enriquecimento ilícito, há uma verdadeira agressão à figura feminina, a qual é vista

como uma mera prestadora de serviços do parceiro, isto é, como parte de um

contrato civil, não se reconhecendo a natureza familiar do concubinato adulterino.

Não há sentido falar em indenização no âmbito do Direito de Família, porquanto não

se pode mensurar financeiramente o afeto.

39 DIAS, Maria Berenice. Adultério, Bigamia e União Estável: Realidade e Responsabilidade. Disponível em: http://www.mariaberenice.com.br/uploads/4_-_adult%E9rio%2C_bigamia_e_uni%E3o_est%E1vel_-_realidade_e_responsabilidade.pdf. Acesso em: 3 fev., 2012. 40 Súmula 380 do STF: “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”. 41 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 183.

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Conforme o exposto, a maioria dos julgados do ordenamento pátrio

segue não reconhecendo a natureza familiar das uniões concubinárias, adotando

posicionamentos como o seguinte, do STF:

Deve distinguir-se no concubinato a situação da mulher que contribuiu, com o seu esforço ou trabalho pessoal, para formar o patrimônio comum, de que o companheiro se diz único senhor, e a situação da mulher que, a despeito de não haver contribuído para formar o patrimônio do companheiro, prestou a ele serviço doméstico ou de outra natureza, para o fim de ajudá-lo a manter-se no lugar comum. Na primeira hipótese, a mulher tem o direito de partilhar com o companheiro o patrimônio que ambos formaram (...) Na segunda hipótese, a mulher tem direito de receber do companheiro a retribuição pelo serviço doméstico, a ele prestado, como se fosse parte num contrato de prestação de serviços, contrato esse que, ressabiamente, outro não é senão o bilateral, oneroso e consensual definido nos arts. 1.216 e seguintes do Código Civil, isto é, como se não estivesse ligada, pelo concubinato, ao companheiro42.

Nesse sentido, vem sendo também o posicionamento do STJ acerca

do tema, como se observa do teor do seguinte julgado:

EMENTA: CONCUBINATO. SOCIEDADE DE FATO. PARTILHA DE BENS. O concubinato, só por si, não gera direito a partilha. Necessário que exista patrimônio constituído pelo esforço comum. Daí não se segue, entretanto, que indispensável seja direta essa contribuição para formar o patrimônio. A indireta, ainda que eventualmente restrita ao trabalho doméstico, poderá ser o bastante. Entretanto, havendo o acórdão negado tivesse a autora colaborado, de qualquer forma, para o acréscimo patrimonial, não se pode reconhecer existente sociedade de fato. Decisão por unanimidade e preliminarmente, não conhecer do recurso especial43.

Ao revés do que refletem os julgados acima transcritos, é mister

assegurar aos concubinos os direitos inerentes às demais entidades familiares,

rechaçando-se qualquer forma de tratamento discriminatório. Deste modo, as

demandas atinentes às uniões concubinárias devem ser julgadas por varas

especializadas, e não por varas cíveis, porquanto configuram, inegavelmente,

matérias de Direito de Família.

Ademais, nas situações de inexistência de patrimônio comum, não é

adequada a alternativa encontrada pelos tribunais de conceder indenização pelos

serviços prestados, devendo-se, aqui, em verdade, assegurar a concessão de

alimentos ao concubino que prove sua real necessidade. Finalmente, também o

imóvel em que residem os concubinos merece a tutela do ordenamento pátrio,

porquanto constitui um bem de família, fazendo jus os concubinos, inclusive, à

42 STF, Recurso Extraordinário nº 79.079/ SP. 1ª Turma. Relator Ministro Antônio Neder. Julgado em: 10/11/1977. 43 STJ, REsp nº 1648 RJ 1989/0012539-7. 3ª Turma. Relator Eduardo Ribeiro. Julgado em 27/03/1990.

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partilha dos bens que foram adquiridos onerosamente na constância da união

concubinária.

Sem embargo, do mesmo modo que ocorrera anteriormente com o

instituto da união estável, os magistrados insistem, erroneamente, em tentar adaptar

o concubinato adulterino à figura jurídica da sociedade de fato, oriunda do Direito

das Obrigações, desconsiderando completamente a affectio como elemento

essencial das entidades familiares. Por conseguinte, as questões relativas às uniões

concubinárias são ainda, em pleno século XXI, apreciadas pelas Varas Cíveis, por

julgadores que não são habilitados para o exame de questões familiares. Como bem

leciona Edgard de Moura Bittencourt, “o problema da união livre é, pois, colocado

nesses termos, considerando como realidade imposta às leis e a seus aplicadores, e

não como fato que possa ser ignorado”44.

4. Concubinato Adulterino como Entidade Familiar Implícita

Na contemporaneidade, há determinados caracteres estruturais que,

em conjunto, configuram as entidades familiares. A convivência afetiva, conforme

dito alhures, constitui um dos mais importantes elementos estruturais,

representando, concomitantemente, a origem e a própria finalidade da família, ao

revés do que ocorrera em outros momentos históricos. Outro elemento de essencial

importância é a chamada estabilidade do vínculo afetivo, uma vez que o conceito de

entidade familiar não engloba meros relacionamentos esporádicos e

descomprometidos.

Frise-se, ademais, que a idéia de família não se coaduna com a

clandestinidade, sendo imprescindível a ostensibilidade da relação. Pelo exposto,

pode-se dizer que o não reconhecimento da natureza familiar a qualquer

relacionamento que reúna as referidas características constitui injustificável afronta

aos valores constitucionais.

O grande impasse que gera o distanciamento entre a ordem jurídica e

a complexidade social, no âmbito do Direito de Família, são os resquícios deixados

pela codificação de 1916 e sua respectiva ótica transpessoal. Em conformidade com

44 BITTENCOURT, Edgard de Moura. O concubinato no direito. Rio de Janeiro: Jurídica e Universitária Ltda., 1969, p. 27.

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esta, as entidades familiares são caracterizadas como entes abstratos,

desprezando-se a busca de cada membro pela felicidade coexistencial.

Disso decorre o equívoco, cometido por grande parte dos magistrados

e pela própria sociedade, de atribuir um forte sentido pejorativo ao concubinato

adulterino, negando sua natureza familiar e deixando de proteger juridicamente as

pessoas que se inserem em tais relações, mormente a concubina. Faz-se mister,

assim, assegurar a observância ao já citado princípio eudemonista (contemplado,

v.g., no art. 226, parágrafo 8º, da CF de 1988)45, segundo o qual é imprescindível

proteger juridicamente cada componente da família, não havendo sentido a tutela

desta como mera instituição abstrata.

A simultaneidade adquire relevância jurídica quando o olhar da norma não se dirige ao todo abstrato, mas, sim, a cada um de seus componentes, podendo localizar, na perspectiva de algum deles, coexistências familiares em núcleos diversos entre si, mas que, nem por isso, podem ser reputadas de antemão como mutuamente excludentes46.

Nesse sentido, é importante a utilização de alguns critérios que

rechacem possíveis exegeses estritas quanto à interpretação dos entes familiares.

Primeiramente, deve-se, ao examinar um dispositivo legal, estender sua aplicação a

todas aquelas situações que se insiram no conceito. Ademais, faz-se mister

observar o disposto em determinada norma não somente em relação aos casos

expressamente nela descritos, mas, inclusive, em face de outras hipóteses cujo

assunto seja semelhante, e dela derivem lógica e necessariamente.

É também imprescindível que a interpretação seja ampla no sentido de

evitar prejuízos a cada membro da família, devendo predominar a hermenêutica que

traduza maior efetividade ao dispositivo constitucional. Destarte, o concubinato

adulterino, como união simultânea que abrange todas aquelas características

estruturais inerentes às entidades familiares, deve ser reconhecido como tal e ter

seus efeitos jurídicos chancelados pelos operadores do direito pátrio. Como leciona

Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho, “uma interpretação à vista dos valores e

princípios constitucionais certamente superará os óbices de uma hermenêutica

fechada e estéril”47.

45 CF, art. 226, parágrafo 8º: “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. 46 RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski, op. cit., p. 30. 47 ALBUQUERQUE FILHO, Carlos Cavalcanti de. Famílias Simultâneas e Concubinato Adulterino. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/2839/familias-simultaneas-e-concubinato-adulterino. Acesso em: 2 fev., 2012.

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No âmbito do Direito de Família, deve-se evitar qualquer concepção

sistêmica fechada, segundo a qual uma realidade familiar só seria relevante e

passível de efeitos jurídicos caso estivesse enquadrada expressamente no direito

positivo. É necessário que a família seja vista como realidade social, a partir da

consagração da pluralidade e do eudemonismo, e não como modelo institucional

estrito, assegurando-se, assim, a efetiva abertura do sistema, para que arranjos

familiares não elencados de forma expressa na legislação, mas inquestionavelmente

presentes na realidade concreta, sejam considerados juridicamente relevantes.

Deste modo, a apreensão jurídica do concubinato adulterino não ocorre

pela simples subsunção do fato a uma categoria fechada, mas pela porosidade dos

princípios constitucionais, que proporciona a flexibilização do sistema. Assim, em

respeito à mudança paradigmática operada pela Carta de 1988, faz-se mister,

reitere-se, configurar o concubinato adulterino como entidade familiar implícita.

Por conseguinte, percebe-se que o conjunto de princípios

constitucionais representa o verdadeiro alicerce para a apreensão do concubinato

adulterino pelo direito positivo, suprindo, assim, o enorme descompasso entre a

legislação civil e a realidade concreta do mundo contemporâneo. Assim sendo,

embora seja inegável o avanço do atual Código Civil em muitos aspectos,

contemplando, inclusive, muitas das transformações sociais já reconhecidas pela

Constituição Federal de 1988, a verdade é que o referido diploma representa,

predominantemente, uma legislação retrógrada, voltada para um momento histórico

pretérito e presa a modelos abstratos e institucionais, mormente no âmbito do Direito

de Família.

Saliente-se que não pode haver uma presunção absoluta, atrelada a

preconceitos e valores morais tradicionalistas, que associe o instituto do concubinato

adulterino a condutas desleais e atentatórias a preceitos éticos. Parcela considerável

da sociedade confunde o concubinato adulterino com situações eventuais e

clandestinas de adultério, caracterizadas por meros encontros furtivos, visão esta,

frise-se, completamente equivocada.

Faz-se essencial o exame de cada caso concreto de simultaneidade,

com o escopo de verificar se estão presentes os caracteres estruturais

configuradores da família. Deste modo, à luz do ordenamento jurídico pátrio, voltado

à proteção da dignidade e do melhor interesse coexistencial de cada componente do

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arranjo afetivo, é plenamente contraditório considerar o concubinato adulterino como

fato sociológico irrelevante, negando-lhe a chancela do direito positivo.

Pelo exposto, a interpretação restritiva do rol constitucional de

entidades familiares, como numerus clausus, traduz verdadeira incoerência lógica no

mundo hodierno, no qual é absolutamente injustificável a predominância da função

institucional da família em detrimento da felicidade coexistencial de seus membros.

O concubinato adulterino, como realidade social cada vez mais presente na

sociedade, deve ser apreendido pelo ordenamento jurídico como entidade familiar,

abolindo-se, finalmente, o absurdo direcionamento de tais demandas às varas

cíveis, como se estivessem adstritas ao âmbito do direito obrigacional. Como muito

bem leciona Michelle Perrot acerca do tema, na conjuntura atual, a família perde os

nós que amarram e impõem a manutenção de aparências em situações em que já

não há afeto, porém permanece sendo ninho que abriga seus componentes48.

5. Os Direitos da Concubina no Âmbito Previdenciário

5.1. A Previdência Social como Instrumento de Proteção à Sobrevivência

Como é cediço, umas das mais importantes funções do Estado, na

contemporaneidade, é a proteção social dos indivíduos, em face de contingências

adversas, assegurando-lhes a subsistência e a manutenção de um nível mínimo de

bem estar, tendo-se em vista, mormente, os princípios constitucionais da dignidade

humana e da solidariedade. A concretização de tal função estatal se torna possível

mediante as políticas da Seguridade Social, dentre as quais merece destaque a

chamada Previdência Social. Em conformidade com o ensinamento de Marcelo

Tavares, “cabe à organização estatal criar mecanismos de proteção do homem para

que este não seja tratado como mero instrumento econômico ou político pelos

órgãos do Poder Público ou por seus semelhantes”49.

Destarte, a Seguridade Social constitui importante instrumento de

proteção à sobrevivência humana, de maneira digna e condizente com os anseios

48 PERROT, Michelle. O nó e o ninho. In: Veja 25 anos: reflexões para o futuro. São Paulo: Abril, 1993, p. 74-81. 49 TAVARES, Marcelo Leonardo. Previdência e Assistência Social: legitimação e fundamentação constitucional brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 49-50.

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constitucionais elencados no art. 3º da Carta Maior50. A solidariedade pode ser

observada na economia conjunta feita por toda a sociedade com o escopo de

assegurar a concessão de benefícios a outros indivíduos, que porventura deles

necessitem, em face das adversidades da vida.

Faz-se imprescindível, portanto, para concretizar os ideais do Estado

Democrático de Direito, promover a interpretação da Lei de Benefícios (Lei nº

8.213/91) e da Lei de Custeio da Previdência Social (Lei nº 8.212/91) em plena

conformidade com os princípios da Constituição Federal de 1988. O sistema de

segurança social deve ser interpretado dentro do sistema constitucional.

Ressalte-se que o conceito de Seguridade Social, sendo bastante

amplo, engloba não somente a Previdência Social, mas também a atuação do

Estado nas áreas da Assistência Social e da Saúde. Quanto a estas últimas, o que

se almeja, em verdade, é a proteção dos hipossuficientes, isto é, daqueles que não

têm condições de prover suas necessidades pessoais básicas, não se exigindo, por

conseguinte, qualquer contribuição dos beneficiários.

Por outro lado, a Previdência Social representa o ramo da atuação

estatal que busca a proteção daqueles indivíduos inseridos em atividades laborais

remuneradas, em face dos riscos, sempre presentes nas diversas conjunturas da

vida, de perda ou diminuição, permanente ou temporária, de manter o sustento

próprio e de seus dependentes. Conquanto seja possível a adesão de segurados

facultativos, pode-se dizer que, de regra, a filiação ao regime previdenciário é

compulsória e automática, devendo a contribuição ser realizada desde o início do

exercício da atividade remunerada. Cria-se, deste modo, a todos os indivíduos

economicamente ativos, uma proteção à sua renda51.

Pelo exposto, percebe-se que, no tocante à Previdência Social, ocorre

a união de vários indivíduos, os quais se vinculam entre si em decorrência da

relação de trabalho ou categoria profissional. Isto é, também aqui se faz presente o

referido princípio da solidariedade, postulado fundamental do Direito da Seguridade

Social. O principal regime previdenciário no âmbito nacional é o chamado Regime

Geral de Previdência Social – RGPS, que abrange todos os trabalhadores da

50 CF, art. 3º: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. 51 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. São Paulo: Conceito, 2011, p. 49-57.

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iniciativa privada, sendo regido pela Lei nº 8.213, de 1991, e sua gestão realizada

pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.

Em consonância com o que dispõe a Carta Maior, o Regime Geral de

Previdência Social deve assegurar os seguintes benefícios: a cobertura de situações

de doença, invalidez, morte e idade avançada; a proteção à maternidade; a proteção

ao trabalhador desempregado involuntariamente; o salário-família e o auxílio

reclusão; e, finalmente, a pensão por morte do segurado. Este último benefício,

previsto no artigo 201, inciso V, do Texto Constitucional52, será objeto de exame

especializado no presente trabalho.

5.2. Pensão por Morte – Necessidade de Rateio entre a Viúva e a

Concubina

Um dos riscos cobertos pelo seguro social é a morte do segurado,

estando o respectivo benefício previsto não somente na Constituição Federal,

conforme acima mencionado, mas, especificamente, na Lei dos Benefícios da

Previdência Social, nos artigos 74 a 79. Assim sendo, a pensão por morte constitui o

benefício pago aos dependentes do segurado, homem ou mulher, que vier a falecer,

aposentado ou não, tendo natureza substitutiva da remuneração anteriormente

percebida pelo falecido.

É importante observar que, caso no momento do óbito já tenha ocorrido

a perda da condição de segurado, não se perfaz o direito à obtenção da pensão por

morte, salvo se o falecido atendera anteriormente aos requisitos legais para

implementação da aposentadoria ou no caso de reconhecimento médico acerca de

sua incapacidade permanente antes do falecimento. Demais disso, frise-se, a

pensão por morte pode ser concedida provisoriamente em duas situações: a saber,

quando há morte presumida do segurado, declarada por autoridade judicial

competente; e, também, na hipótese de seu desaparecimento em contextos de

catástrofes, acidentes ou desastres, mediante a apresentação de provas hábeis.

Em consonância com o disposto no art. 16 da Lei nº 8.213/91, a

pensão é concedida aos dependentes do segurado na seguinte ordem de

52 CF, art. 201, inciso V: “A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuaria, e atenderá, nos termos da lei, a: pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º”.

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preferência: 1) ao cônjuge, à companheira e ao filho não emancipado, de qualquer

condição, menor de vinte e um anos, inválido ou incapaz; 2) aos pais; 3) ao irmão

não emancipado, de qualquer condição, menor de vinte e um anos, inválido ou

incapaz53. Percebe-se, pois, que a referida ordem é preferencial por classe, sendo o

benefício rateado igualmente entre os dependentes da mesma classe, excluindo-se

os das seguintes. Ademais, no que concerne aos integrantes da primeira classe, a

dependência econômica em face do segurado é presumida, diferentemente do que

ocorre em relação aos demais beneficiários, para os quais se faz mister,

necessariamente, provar a respectiva dependência54.

Percebe-se que, na primeira classe da ordem preferencial acima

mencionada, a lei se reporta ao casamento e à união estável, ademais de tratar

isonomicamente o homem e a mulher como possíveis beneficiários, estando, pois,

quanto a este último aspecto, em consonância com os valores constitucionais.

Assim, a legislação previdenciária protege tanto a viúva do segurado falecido, como

a companheira em união estável, podendo, inclusive haver concorrência e rateio da

pensão entre ambas, desde que a respectiva união estável reúna os requisitos

elencados no art. 1.723 do Código Civil e que a pessoa casada esteja separada de

fato ou judicialmente.

Deste modo, vêm entendendo os tribunais que também o cônjuge

divorciado, caso demonstre que recebia alimentos do segurado morto, faz jus ao

benefício em igualdade de condições com os demais dependentes da primeira

classe. Tal direito persiste, inclusive, na hipótese de renúncia à pensão alimentícia,

desde que, nesse caso, o ex-cônjuge comprove a existência de dependência

econômica. Mesmo que venha a contrair novas núpcias, o cônjuge divorciado não

perde o referido direito, salvo na hipótese de manifesta melhora em sua condição de

vida. Por outro lado, o grande impasse que se observa, hodiernamente, no âmbito

jurisprudencial, é a situação de coexistência simultânea de esposa e concubina com

o segurado falecido, tema este que será examinado adiante no presente trabalho.

53 Lei n. 8.213/91, art. 16: “São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado: I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente; II – os pais; III – o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente”. 54 CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; CORREIA, Érica Paula Barcha. Curso de Direito da Seguridade Social. São Paulo: Saraiva, 2010, p.322.

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No âmbito previdenciário, já existe uma tendência jurisprudencial em

possibilitar o rateio da pensão por morte entre a viúva e a concubina, entendimento

este, ressalte-se, correto e condizente com os valores constitucionais. Destarte, em

caso de relacionamento simultâneo do segurado falecido com a esposa e a

concubina, e desde que comprovada a dependência econômica de ambas em face

do componente comum, faz-se mister o reconhecimento do direito ao rateio do

benefício, em proporções isonômicas.

O acerto de decisões nesse sentido pode ser claramente visualizado

não somente em decorrência da natureza familiar do concubinato adulterino,

conforme já demonstrado, mas, mormente, como instrumento de manutenção da

assistência econômica oferecida à concubina anteriormente à morte do segurado.

Observe-se, pois, o teor dos seguintes julgados:

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ESPOSA E CONCUBINA. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. CABIMENTO. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. A exclusão da esposa da condição de beneficiária do de cujus não é possível juridicamente, na situação em tela, dado ser um direito irrenunciável. Comprovada a convivência com a companheira, mesmo que adulterina a relação, a ela também se estende a presunção de dependência econômica para efeito de percepção de pensão por morte. Cabendo à concubina e à esposa legítima o direito ao benefício previdenciário, este deverá ser rateado à razão de 50% de seu valor para cada uma55.

PENSÃO POR MORTE. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. CONCUBINATO IMPURO. Conforme orientações trazidas pela Constituição Federal de 1988, que fazem emergir a isonomia entre o casamento e a união estável, é de se reconhecer os efeitos que gera o concubinato, ainda que impuro, no âmbito previdenciário, devendo a pensão ser rateada entre a esposa, a concubina e os demais dependentes56. SERVIDOR PÚBLICO. FALECIMENTO. ESPOSA. CONCUBINA. PENSÃO. DIREITO. Comprovada a existência de concubinato, inclusive com reconhecimento de paternidade por escritura pública, devida é a pensão por morte à concubina, que passa a concorrer com a esposa legítima57.

Sem embargo, de forma equivocada e retrógrada, entende o STF pela

inviabilidade do rateio. Nesse aspecto, é importante mencionar uma decisão

proferida pela 1ª Turma da Suprema Corte, no ano de 2008, a qual deu provimento a

recurso extraordinário interposto pelo Estado da Bahia. Tratava-se de uma situação

55 TRF 3ª Região, Apelação Cível nº 57454. 5ª Turma. Relatora Juíza Suzana Camargo. Julgado em: 12/09/2000. 56 TRF 4ª Região, Apelação Cível nº 2000.72.05.003747-5/SC. Turma Suplementar. Relator Desembargador Ricardo Teixeira do Valle Pereira. Julgado em: 14/03/2007. 57 TRF 1ª Região, Apelação Cível nº 1997.01.00.057552-8/AM. 1ª Turma. Relator Juiz Lindoval Marques de Brito. Publicado em: 31/05/1999.

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de simultaneidade familiar, em que estavam envolvidos: Railda Conceição Santos (a

esposa do segurado falecido, com quem teve onze filhos), Joana da Paixão Luz (a

concubina do segurado durante trinta e sete anos, isto é, até a morte deste, e com

quem teve nove filhos) e, finalmente, Valdemar do Amor Divino Santos, o

componente comum.

Anteriormente, após ter seu pedido de partilha da pensão

previdenciária negado por juiz de Maraú, na Bahia, Joana da Paixão Luz recorreu ao

Tribunal de Justiça daquele estado, conseguindo uma decisão favorável. Entretanto,

o Estado da Bahia interpôs recurso extraordinário em face da concubina, decidindo o

STF pelo provimento do recurso e, por conseguinte, pela negativa da concessão do

benefício a Joana da Paixão Luz.

No referido julgado, fundamentou-se a Suprema Corte na violação ao

art. 226, parágrafo 3º, da CF, sob a alegação de que a união estável somente

ampara as situações em que não há impedimento ao matrimônio. Em consonância

com tal visão estrita, a concessão do rateio significaria beneficiar a concubina, em

detrimento da “família”, como se o concubinato adulterino também não configurasse,

igualmente, uma entidade familiar. O Ministro Carlos Ayres Britto foi o único que se

pronunciou favoravelmente à partilha do benefício. Conquanto seu voto tenha sido

vencido, é imprescindível frisar o acerto de seu posicionamento, transcrevendo-se, a

seguir, uma pequena parte de sua brilhante defesa no Supremo Tribunal Federal, a

saber:

A realidade é que o amor fala mais alto, e famílias são constituídas à margem do casamento, sem necessidade de papel passado. Para a Constituição, que, a meu sentir, é contemporânea do futuro, não há concubinato. O que existe é uma comunidade doméstica, um núcleo doméstico a ser protegido. Daí porque ela mesma, Constituição, quando trata de Previdência Social, não deixa de dizer “pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro”. (...) A definição de concubinato, como mero “dormir juntos”, não se aplica a quem dormiu junto durante trinta anos. É impossível manter uma relação de trinta anos às escondidas, clandestinamente. Certamente, essa união era pública e notória58.

Também o STJ vem, lastimavelmente, entendendo pela

impossibilidade do rateio da pensão por morte entre a viúva e a concubina, seguindo

a mesma linha de entendimento da Suprema Corte. Nesse sentido, importante o

exame de decisões como as seguintes:

58 STF, Recurso Extraordinário nº 397.762-8/ BA. 1ª Turma. Voto do Ministro Carlos Ayres Britto. Julgado em: 03/06/2008.

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DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL. CONCUBINA. CONCOMITÂNCIA. IMPEDIMENTO. RECONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A jurisprudência do STJ prestigia o entendimento de que a existência de impedimento para o matrimônio, por parte de um dos pretensos companheiros, embaraça a constituição da união estável, inclusive para fins previdenciários. 2. Afigura-se inviável, desse modo, reconhecer à recorrida o direito à percepção da pensão por morte em concurso com a viúva, haja vista que o de cujus, à época do óbito, permanecia casado com a recorrente. 3. Recurso especial provido59. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. COMPARTILHAMENTO DA PENSÃO ENTRE A VIÚVA E CONCUBINA. IMPOSSIBILIDADE. CONCOMITÂNCIA ENTRE CASAMENTO E CONCUBINATO ADULTERINO IMPEDE A CONSTITUIÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL, PARA FINS PREVIDENCIÁRIOS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Para fins previdenciários, há união estável na hipótese em que a relação seja constituída entre pessoas solteiras, ou separadas de fato ou judicialmente, ou viúvas, e que convivam como entidade familiar, ainda que não sob o mesmo teto. 2. As situações de concomitância, isto é, em que há simultânea relação matrimonial e de concubinato, por não se amoldarem ao modelo estabelecido pela legislação previdenciária, não são capazes de ensejar união estável, razão pela qual apenas a viúva tem direito à pensão por morte. 3. Recurso especial provido60.

Deste modo, ao negar o direito da concubina à percepção do benefício

previdenciário, aduzindo simplesmente que não foram atendidos os requisitos

configuradores da união estável, tais julgados violam gravemente o sistema

constitucional, mormente a dignidade humana. Trata-se de uma tentativa moralista

de proteger a monogamia, como resquício da estrutura patriarcal da sociedade de

outrora, em total descompasso com a realidade fática do mundo hodierno. Deixa-se,

pois, de reconhecer o concubinato adulterino como entidade familiar implícita,

ferindo-se, assim, além dos princípios do pluralismo e da afetividade, o princípio

eudemonista, o qual busca a proteção e a felicidade de cada componente do arranjo

familiar, e não da família como mera instituição.

Assim, o ordenamento pátrio contribui para consolidar, ainda mais, na

mentalidade social, o sentido pejorativo e imoral da prática concubinária, como se

esta designasse a simples relação esporádica de adultério. Busca-se, através da

supressão de direitos sociais e da realização de decisões discriminatórias, coibir a

existência de relacionamentos simultâneos, colocando-se a monogamia como valor

supremo, em detrimento dos próprios direitos fundamentais.

59 STJ, REsp 1114490/ RS. 5ª Turma. Relator Ministro Jorge Mussi. Julgado em: 19/11/2009. 60 STJ, REsp 1104316/ RS. 6ª Turma. Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura. Julgado em: 28/04/2009.

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Constitui verdadeira incoerência lógica a exclusão dos direitos da

concubina, porquanto esta acaba por ser punida, e a viúva, ao revés, contemplada,

em decorrência da conduta adúltera do componente comum. O Estado,

indiretamente, impõe sanções à concubina em virtude de condutas que violam a

moral dominante.

Ademais, outro equívoco, ainda mais grave, cometido pelo STJ, ao

prolatar decisões como as acima transcritas, é a não observância da natureza

assistencialista da Previdência Social, que visa, primordialmente, assegurar a

sobrevivência humana. Isto é, a concessão da pensão por morte almeja, em

verdade, substituir a remuneração percebida anteriormente pelo segurado falecido,

conferindo aos dependentes deste condições mínimas para prover ao próprio

sustento de maneira digna. O mero impedimento para contrair matrimônio é, de

todo, irrelevante em face da verdadeira essência do seguro social, cuja finalidade

maior é a proteção do direito à vida, previsto no art. 5º da CF.

O STJ, ao usar como fundamento de seus julgados o argumento

retrógrado da não subsunção do fato à norma, devido ao não enquadramento do

concubinato adulterino como união estável, despreza a premente necessidade de

adaptar a legislação previdenciária às vicissitudes da vida concreta e às normas

constitucionais. Cria-se, assim, um modelo universal e rígido também no tocante à

concessão da pensão por morte, deixando-se de examinar, em cada caso concreto,

a existência ou não de dependência econômica da concubina em face do segurado.

Independente de ser uma conduta moralmente aceita, o que importa é

que o segurado, quando vivo, valendo-se de sua autonomia da vontade, concedia os

recursos financeiros necessários para manter a esposa e a concubina. Ressalte-se,

inclusive, que, muitas vezes, a própria esposa tem consciência da simultaneidade

dos relacionamentos e, não obstante isso, decide pela continuidade do vínculo

matrimonial.

Ademais, mesmo nas situações em que a esposa não tem

conhecimento do fato, subsistindo a pretensa “má fé” da concubina, como aduzem

muitos doutrinadores, ainda assim, deve-se observar a equidade, rateando-se a

pensão por morte entre ambas. Não cabe ao Judiciário, em decorrência da morte do

segurado, intervir na vida privada e alterar uma realidade social já consolidada no

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âmbito das famílias simultâneas61. Em consonância com a Carta Maior, somente é

possível a intervenção do Estado, no âmbito familiar, em uma perspectiva de

proteção, e nunca de exclusão.

Destarte, se o próprio segurado, antes do falecimento, administrava

sua renda de modo a assegurar o sustento da esposa e da concubina,

simultaneamente, criando uma situação de efetiva dependência, não cabe ao

Judiciário decidir em sentido contrário, acarretando desestabilidade a uma situação

fática mantida por tantos anos.

Não se pode olvidar que, em geral, assim como a viúva, a concubina

também relega sua vida profissional em prol dos cuidados do lar e da prole,

constituindo verdadeira injustiça social exigir seu ingresso tardio no mercado de

trabalho, muitas vezes já em idade mais avançada e sem preparo para enfrentar a

competitividade cruel do mundo contemporâneo. Deste modo, decisões nesse

sentido constituem práticas arbitrárias e inconstitucionais.

Portanto, ainda que mantivesse a visão inconstitucional de não

reconhecer a natureza familiar do concubinato adulterino, não poderia o

ordenamento pátrio admitir decisões que denegassem o direito da concubina ao

mencionado benefício. Trata-se de inconstitucionalidade ainda maior, e inadmissível

no Estado Democrático de Direito, porquanto retira de um ser humano os meios

necessários para assegurar sua subsistência.

Como brilhantemente lecionou o Ministro Carlos Ayres Britto, em voto

favorável ao rateio da pensão por morte entre a viúva e a concubina:

Á luz do Direito Constitucional Brasileiro, o que importa é a formação em si de um novo e duradouro núcleo doméstico. A concreta disposição do casal para construir um lar com um subjetivo ânimo de permanência, que o tempo objetivamente confirma. Isto é família, pouco importando se um dos parceiros mantém uma concomitante relação sentimental a dois. No que andou bem a nossa Lei Maior, ajuízo, pois ao Direito não é dado sentir ciúmes pela parte supostamente traída, sabido que esse órgão chamado coração “é terra que ninguém nunca pisou”. Ele, coração humano, a se integrar num contexto empírico da mais entranhada privacidade, perante a qual o ordenamento jurídico somente pode atuar como instância protetiva. Não censora ou, por qualquer modo, embaraçante62.

61 MOLOGNI, Celina Kazuko Fujioka. Pensão por Morte do Cônjuge: União Simultânea de Casamento e Concubinato Adulterino. Disponível em: http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/35830/pensao_por_morte_mologni.pdf?sequence=1. Acesso em: 1 fev., 2012. 62 STF, Recurso Extraordinário nº 397.762-8/ BA. 1ª Turma. Voto do Ministro Carlos Ayres Britto. Julgado em: 03/06/2008.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Já não se justifica, na contemporaneidade, o falacioso argumento de

não subsunção do fato à norma, com o escopo de negar à concubina seu direito

constitucional à percepção do benefício previdenciário. Diante das constantes

mudanças da realidade fática, com a introdução de novos valores e o rompimento de

velhos paradigmas, não se pode utilizar a omissão da legislação infraconstitucional

como instrumento propagador de injustiças sociais.

É essencial que os operadores do direito pátrio realizem uma

hermenêutica em total consonância com o sistema constitucional, assegurando,

primordialmente, o respeito à dignidade humana, e evitando que a ausência de leis

venha a confundir-se com a ausência de direitos. Destarte, faz-se imprescindível

prestigiar a incidência dos direitos fundamentais, não se permitindo, em absoluto,

que estes sejam violados em prol de uma mentalidade anacrônica e preconceituosa.

Não restam dúvidas quanto à natureza familiar do concubinato

adulterino, porquanto o instituto reúne todos os requisitos estruturais exigidos para

tanto (isto é, a afetividade, a publicidade e a estabilidade). Sem embargo, conforme

demonstrado no presente trabalho, o ordenamento jurídico insiste em negar a

respectiva natureza familiar, optando por manter acesa a discriminação arraigada na

mentalidade social e a supremacia da monogamia.

Ainda mais grave que o não reconhecimento do concubinato adulterino

como entidade familiar implícita é a negativa do direito da concubina ao benefício da

pensão por morte. O bem jurídico protegido, aqui, é a vida. Como pode, em pleno

século XXI, negar-se a um ser humano o meio necessário para prover a própria

subsistência em nome da proteção aos valores monogâmicos? Se o próprio

segurado optou, em vida, por ratear sua renda, a fim de assegurar o sustento da

esposa e da concubina, como pode, após sua morte, o Judiciário imiscuir-se na vida

privada e simplesmente extinguir aquele direito?

Acima de qualquer discussão, é importante frisar que tanto a esposa

como a concubina possuem natureza humana. Por conseguinte, ambas fazem jus à

proteção assegurada pela Constituição Federal, sendo essencial o respeito a seus

direitos fundamentais, rechaçando-se qualquer espécie de moralismo hipócrita que

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insista em perpetuar na mentalidade dos indivíduos. Como leciona Carlos Cavalcanti

de Albuquerque Filho, “não cabe ao Estado predeterminar qual a entidade familiar

que se pode constituir, mas, apenas, declarar a sua formação, outorgando-lhe a

proteção social, por considerá-la base da sociedade”63.

63 ALBUQUERQUE FILHO, Carlos Cavalcanti de, op. cit. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/2839/familias-simultaneas-e-concubinato-adulterino. Acesso em: 7 fev., 2012.

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