RAIMUNDO FREIRE DO NASCIMENTO - RESPOSTA À ACUSAÇÃO, ART. 171, § 3º CP
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BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 751
(Ano VIII)
(05/12/2016)
ISSN- -
BRASÍLIA ‐ 2016
Boletim
Conteú
doJu
rídico-ISSN
–-
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1 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57154
Boletim Conteúdo Jurídico n. 751 de 05/12/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
ConselhoEditorial
COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.
Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário
Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.
Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.
Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.
País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. SHN. Q. 02. Bl. F, Ed. Executive Office Tower. Sala 1308. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR
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Boletim Conteúdo Jurídico n. 751 de 05/12/2016 (ano VIII) ISSN
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SUMÁRIO
COLUNISTA DO DIA
05/12/2016 Valdinei Cordeiro Coimbra
» O que se entende por criptoimputação? Qual(ais) a(s) sua(s)
consequência(s) para o processo penal? Como deve agir o Promotor de
Justiça a fim de evitá‐la?
ARTIGOS
05/12/2016 Talita Leixas Rangel » Penhora da remuneração do devedor: possibilidade à luz da Constituição
05/12/2016 Gabriel Marcio Passos Carvalho Bahia Sapucaia
» Responsabilidade civil por abandono afetivo dos pais perante os filhos
05/12/2016 Iggor Leonardo Costa Gontijo
» Dois modelos de gerenciamento de projetos de software para a Administração
Pública
05/12/2016 Verônica Fernandes de Lima
» Justiça do Trabalho e do cuidado com a prova testemunhal
05/12/2016 Nathália Christina Caputo Gomes
» A importância do gerenciamento de risco para evitar erro médico
05/12/2016 Tauã Lima Verdan Rangel
» A Construção do Mínimo Existencial Social em sede de Direito Previdenciário: O
reconhecimento da fundamentalidade da Previdência Social à luz da Jurisprudência do
STF
MONOGRAFIA
05/12/2016 Hugo Leonardo Mendes Batalha » O controle jurisdicional da Administração Pública e a defesa da posse de imóveis
públicos
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O QUE SE ENTENDE POR CRIPTOIMPUTAÇÃO? QUAL(AIS) A(S) SUA(S) CONSEQUÊNCIA(S) PARA O PROCESSO PENAL? COMO DEVE AGIR O PROMOTOR DE JUSTIÇA A FIM DE EVITÁ-LA?
VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Advogado exercendo o cargo de Assessor de Procurador‐Geral da CLDF. Mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada ‐ Espanha. Mestrando em Direito e Políticas Públicas no Uniceub. Professor Universitário de Direito Penal e Orientação de Monografia. Delegado de Polícia da PCDF (aposentado). Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo ICAT/UDF. Pós‐graduado em Gestão Policial Judiciária pela ACP/PCDF‐FORTIUM. Já exerceu os cargos de Coordenador da Polícia Legislativa da Câmara Legislativa do Distrito Federal (COPOL/CLDF), Chefe de Gabinete da Administração do Varjão‐DF. Chefe da Assessoria para Assuntos Especiais da PCDF. Chefe da Assessoria Técnica da Cidade do Varjão ‐ DF; Presidente da CPD/CGP/PCDF. Assessor Institucional da PCDF. Secretário Executivo da PCDF. Diretor da DRCCP/CGP/PCDF. Diretor‐adjunto da Divisão de Sequestros. Chefe‐adjunto da 1ª Delegacia de Polícia. Assessor do Departamento de Polícia Especializada ‐ DPE/PCDF. Chefe‐adjunto da DRR/PCDF. Analista Judiciário do TJDF. Agente de Polícia Civil do DF. Agente Penitenciário do DF. Policial Militar do DF.
O título do presente paper foi uma das perguntas do Concurso
do Ministério Público do Estado de Goiás no ano de 2014.
A criptoimputação é a narração do fato eivada de grave
deficiência, mencionando superficialmente elementos do tipo penal
em abstrato e sem os mínimos elementos para a identificação do
fato como típico e antijurídico. Trata-se, destarte, da imputação
maculada por grave situação de deficiência na narração do fato
imputado, imputação incompreensível, que dificulta o exercício de
defesa. (Nestor Távora, Curso de Direito Processual penal, 2016).
A crimptoimputação é muito comum em crimes tributários,
quando o Ministério Público formula a denúncia genérica, muitas
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vezes subsidiada por Representação Fiscal para Fins Penais –
RFFP, promovida pelos agentes do Fisco, sem a devida
individualização da conduta, bem como da respectiva autoria do
verdadeiro sonegador, a exemplo daquelas em que os agentes do
Fisco aponta os sócios ou administradores constante no contrato
social da empresa como sendo os autores dos crimes tributários,
sem, contudo, realizar um mínimo de diligência, para confirmar (ou
não) se a sonegação fiscal foi promovida por aqueles que constam
no contrato social.
Importante aqui pontuar a necessária distinção conceitual entre
denúncia geral e genérica, essencial para aferir a regularidade da
peça acusatória no âmbito das infrações de autoria coletiva, em
especial nos crimes societários (ou de gabinete), que são aqueles
cometidos por presentantes (administradores, diretores ou
quaisquer outros membros integrantes de órgão diretivo, sejam
sócios ou não) da pessoa jurídica, em concurso de pessoas. A
denúncia geral, imputa o mesmo fato delituoso a todos os
integrantes dos representantes das sociedades empresárias
envolvidos na fraude fiscal, empresarial ou mesmo licitatória,
enquanto que a denúncia genérica é caracterizada pela imputação
de vários fatos típicos, genericamente, a integrantes da pessoa
jurídica, sem delimitar, minimamente, qual dos denunciados teria
agido de tal ou qual maneira.
Patente, pois, que a criptoimputação da denúncia genérica
vulnera os princípios constitucionais da ampla defesa e do
contraditório, bem como a norma extraída do art. 8º, 2, "b" e "c", da
Convenção Americana de Direitos Humanos e do art. 41 do CPP,
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haja vista a indevida obstaculização do direito conferido ao acusado
de preparar dignamente sua defesa. (STJ, RHC 72074 / MG)
No tocante às consequências da criptoimputação, conforme
constou da resposta padrão divulgada pela banca do concurso, a
primeira consequência é a rejeição da denúncia, sem necessidade
de manifestação do denunciado. Por outro lado, se for recebida a
denúncia eivada pela criptoimputação, equivocadamente, deverá o
juiz absolver sumariamente o réu com fundamento no art. 397, III,
do CPP, após a defesa preliminar, quando o advogado deverá
alegar essa deficiência (a criptoimputação), sendo que se o juiz não
acolher o pedido, será possível a impetração de habeas corpus
(CPP, art. 647 c/c art. 648, VI) em razão de faltar ao processo
elemento essencial configurador de nulidade (CPP, art. 564, IV).
Por fim, para evitar a criptoimputação, deve o promotor de
Justiça observar o art. 41 do CPP, descrevendo de modo preciso os
elementos estruturais que compõem o tipo penal, sob pena de se
devolver, ilegitimamente, ao réu, o ônus (que sobre ele não incide)
de provar que é inocente.
Assim, deve o promotor explicitar o liame do fato descrito com
a pessoa do denunciado, malgrado a desnecessidade da
pormenorização das condutas, até pelas comuns limitações de
elementos de informações angariados nos crimes societários, por
ocasião do oferecimento da denúncia, sob pena de inviabilizar a
persecução penal nesses crimes. A acusação deve correlacionar
com o mínimo de concretude os fatos delituosos com a atividade do
acusado, não sendo suficiente a condição de sócio da sociedade,
sob pena de responsabilização objetiva (STJ, RHC 64073 / PI).
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PENHORA DA REMUNERAÇÃO DO DEVEDOR: POSSIBILIDADE À LUZ DA CONSTITUIÇÃO
TALITA LEIXAS RANGEL: Advogada, Pós-Graduada em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo identificar os aspectos
sensíveis da atividade executiva brasileira e propor soluções para alcançar
maior efetividade na satisfação do direito de crédito exequendo. Nesse
sentido, buscou‐se analisar a enorme gama de impenhorabilidades
existentes no nosso ordenamento, em especial aquela que recai sobre a
remuneração do executado, e de que forma a mesma influencia na
chamada “crise da execução”.
Palavras‐chave: Penhora. Remuneração. Impenhorabilidades. Direito
fundamental à tutela executiva. Crise da execução.
Sumário: 1. Introdução. 2. Tutela Executiva, Responsabilidade Patrimonial
e Impenhorabilidades. 3. A Tutela Executiva como Direito
Fundamental versus a Necessidade de Manutenção da Dignidade do
Devedor. 3.1. A Proteção do Mínimo Existencial do Devedor face à
Atividade Executiva: A preservação do patrimônio mínimo. 3.2. O Direito
Fundamental à Tutela Executiva. 3.3. A Necessidade de Ponderação dos
Direitos Conflitantes em Sede de Execução. 4. CPC de 2015 e a
Impenhorabilidade da Remuneração do Executado: inova, mas não o
suficiente. 5. Conclusão.
. INTRODUÇÃO
O presente artigo versa sobre a incidência da penhora sobre a
remuneração do devedor. No âmbito deste trabalho, pretende‐se
demonstrar ser possível que a atividade executiva recaia sobre verbas de
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natureza alimentar, independentemente da natureza da obrigação
exequenda, desde que dentro de percentual limitado, que garanta o
mínimo existencial do devedor e, consequentemente, preserve sua
existência digna.
A importância do tema reside no fato de que a efetividade da
execução é um dos grandes problemas com que se deparam o jurista e o
jurisdicionado. Este último, mesmo tendo reconhecido seu pleito em fase
de conhecimento, não logra usufruir do direito que lhe foi reconhecido em
razão da “crise da execução”.
Na primeira parte deste trabalho, serão apresentados conceitos‐
chave para a exata compreensão do tema e das controvérsias que o
permeiam. Em seguida, será abordado o viés constitucional da questão da
impenhorabilidade do salário e suas implicações práticas. Buscar‐se‐á
enfrentar o ponto de tensão entre efetividade da execução e menor
onerosidade da mesma para o devedor, propondo soluções para o
referido conflito.
Em seguida, serão analisados os pormenores do tratamento
conferido ao tema pelo Código de Processo Civil de 2015, tais como o
aspecto da impenhorabilidade da remuneração; a ponderação entre a
efetividade da execução e a preservação da dignidade humana do
devedor, e; a efetividade da Jurisdição frente à crise da execução,
consubstanciada na inaptidão do Poder Judiciário em dar concretude ao
direito de crédito do exequente, o que acaba por conduzir a uma situação
de inadimplemento generalizado.[1]
Por fim, buscar‐se‐á defender que a penhora da remuneração do
devedor se afigura possível ainda que não haja previsão expressa na
legislação infraconstitucional, por imposição do direito fundamental à
tutela executiva previsto no texto constitucional, como inovação
necessária à uma Jurisdição mais efetiva.
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2. TUTELA EXECUTIVA, RESPONSABILIDADE
PATRIMONIAL E IMPENHORABILIDADES
A execução é uma atividade jurisdicional de transformação da
realidade. Isso porque “a execução forçada é atividade jurisdicional
destinada a produzir um resultado prático equivalente ao que se produziria
se o devedor de uma obrigação a tivesse voluntariamente adimplido”[2].
A tutela executiva consiste, assim, em perseguir em juízo o
adimplemento de uma obrigação reconhecida em favor de um credor, que
detém direito subjetivo de exigir de seu devedor uma prestação. A
execução, portanto, decorre da premissa de que não basta reconhecer o
direito do credor à prestação: é necessário concretizar a obrigação devida,
satisfazendo o crédito no mundo físico.
As obrigações previstas em nosso ordenamento são de quatro
espécies, a saber: dar, fazer, não fazer e pagar, cada qual com um
regramento executivo próprio. No que tange às obrigações de pagar
quantia certa, tema sobre o qual se debruçará neste trabalho, a tutela
executiva se baseia no princípio da responsabilidade patrimonial, segundo
o qual a atividade executiva somente pode recair sobre o patrimônio do
devedor ou de terceiro.
Importante salientar, neste particular, que a responsabilidade
patrimonial representa grande evolução no âmbito da tutela executiva: é
que, em tempos remotos, o Direito albergava a possibilidade de recair a
execução sobre a própria pessoa do devedor, que poderia responder por
um crédito com seu próprio corpo, como, por exemplo, se tornando
escravo do credor[3].
A humanização do Direito, portanto, põe termo à violenta execução
pessoal e inicia uma era em que a satisfação do crédito passa a ser
perseguida por meio da execução sobre o patrimônio do devedor. Daí se
dizer que “toda execução é real”[4].
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Sendo assim, a busca pela satisfação de um crédito pecuniário
permite a invasão do patrimônio do devedor pelo credor, que pode
provocar o Estado‐Juiz a efetuar constrições nos bens titularizados pelo
executado, em atos denominados penhora.
Ocorre que não é todo o conjunto de bens do devedor que está
sujeito à penhora. Há bens que não responderão pela execução e essas
restrições constituem as chamadas impenhorabilidades. Sua existência
tem por principal fundamento a proteção da dignidade do executado,
buscando evitar que o mesmo seja reduzido a um estado de
miserabilidade
No Código de Processo Civil de 1973, as impenhorabilidades vinham
previstas nos artigos 649 e 650, o primeiro trazendo rol de bens
absolutamente impenhoráveis e o segundo bens relativamente
impenhoráveis. Dentre os primeiros, vinham previstas, no inciso IV, as
verbas de caráter alimentar, como salário, pensões, subsídios,
vencimentos, dentre outros. Essa norma recebia de parcela majoritária da
doutrina interpretação de que a remuneração só seria passível de penhora
quando destinada ao pagamento de alimentos devidos pelo executado[5].
No entanto, mesmo na vigência do CPC de 1973, já havia vozes
dissonantes na doutrina e jurisprudência que advogavam pela
possibilidade de penhora das verbas alimentares do devedor, ainda que
em face de crédito de natureza não alimentar[6]. Isso porque, para Didier:
A impenhorabilidade de certos bens é uma
restrição ao direito fundamental à tutela executiva. É
técnica processual que limita a atividade executiva e
que se justifica como meio de proteção de alguns
bens jurídicos relevantes, como a dignidade do
executado, o direito ao patrimônio mínimo e a
função social da empresa. São regras que compõem
o devido processo legal, servindo como limitações
políticas à execução forçada.
Exatamente por tratar‐se de uma técnica de
restrição a um direito fundamental, é preciso que sua
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aplicação se submeta ao método da ponderação, a
partir da análise das circunstâncias do caso concreto.
As regras de impenhorabilidade devem ser aplicadas
de acordo com a metodologia de aplicação das
normas de direitos fundamentais.[7]
Desse contexto se extrai que a intenção do legislador ao cunhar
hipóteses de impenhorabilidade foi preservar um mínimo material que
assegurasse ao devedor uma existência digna ‐ a qual não pode ser
comprometida pela atividade executiva ‐, e não possibilitar a manutenção
de seu padrão de vida, por vezes incompatível com a pendência de um
débito a honrar.
Assim, se, por um lado, o regime das impenhorabilidades busca
evitar sacrifícios em demasia por parte do devedor, por outro, não pode
tolerar gravames injustificados a um legítimo direito de crédito, o que se
verifica caso interpretada de maneira hermética a impenhorabilidade do
salário.
Dessarte, a interpretação da norma deve se verificar com o devido
“equilíbrio entre a concepção humanitária da preservação das condições
mínimas de dignidade material do devedor e a necessidade também
relevante de se garantir a efetividade da tutela jurisdicional executiva”[8],
conforme se buscará desenvolver a seguir.
. A TUTELA EXECUTIVA COMO DIREITO FUNDAMENTAL VERSUS A
NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DA DIGNIDADE DO DEVEDOR
A atividade executiva da jurisdição, muito embora deva observância
aos princípios processuais em geral, se submete à axiologia própria.
Dentre os princípios específicos da execução, podem ser destacados dois
em especial, por constituírem extremos que devem ser sopesados com
vistas a se encontrar um ponto ótimo na persecução da satisfação do
crédito: o princípio da efetividade da execução e o princípio da menor
onerosidade da execução.
O primeiro é corolário do princípio constitucional do devido
processo legal e importa dizer que os direitos levados a juízo devem ser,
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além de reconhecidos, efetivados. Na lição de Fredie Didier Jr, “processo
devido é processo efetivado”[9].
Já o segundo busca impedir que a execução se revele
desnecessariamente gravosa para o devedor ao exigir que, havendo vários
meios executivos aptos à tutela adequada e efetiva do direito exequendo,
seja preferido aquele que se afigura menos oneroso para o executado.
Assim é que, combinados, os princípios referidos constituem limites
um ao outro, haja vista que o princípio da menor onerosidade impede uma
busca da efetividade executiva a qualquer custo, ao passo que o princípio
da efetividade obsta que a menor onerosidade seja usada de maneira
abusiva, frustrando a satisfação do crédito.
Os referidos princípios decorrem de direitos fundamentais
positivados na Constituição da República, os quais se passa a analisar.
3.1. A PROTEÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL DO DEVEDOR FACE À
ATIVIDADE EXECUTIVA: A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO MÍNIMO
Com o advento da Constituição de 1988, um novo valor foi erigido
à categoria de fundamento da República: a dignidade da pessoa humana.
Trata‐se de uma cláusula geral de tutela da promoção da pessoa
humana[10], que passa a ocupar o epicentro do ordenamento jurídico,
exigindo que as normas sejam interpretadas e concretizadas de forma a
prestigiar os valores e direitos umbilicalmente ligados à proteção da
integridade física, psíquica e intelectual, além da garantia à autonomia e
livre desenvolvimento do indivíduo.
Assim, na esteira do imperativo categórico kantiano, o homem
deixa de ser um meio da atividade estatal para se tornar a própria
finalidade precípua da mesma[11]. Dessa premissa, Ingo Sarlet extrai que
a dignidade da pessoa humana impõe que sejam asseguradas ao indivíduo
condições materiais mínimas para uma vida digna, em conformidade com
os direitos constitucionalmente conferidos a toda e qualquer pessoa[12].
Nesse particular, a doutrina constitucional formulou o conceito de
mínimo existencial, que
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corresponde ao conjunto de situações materiais
indispensáveis à existência humana digna; existência
aí considerada não apenas como experiência física –
a sobrevivência e a manutenção do corpo – mas
também espiritual e intelectual, aspectos
fundamentais em um Estado que se pretende, de um
lado, democrático, demandando a participação dos
indivíduos nas deliberações públicas, e, de outro,
liberal, deixando a cargo de cada um seu próprio
desenvolvimento.[13]
No âmbito do Direito Civil, a partir da irradiação dos valores
constitucionais de dignidade e tutela da pessoa humana, em especial na
vertente do mínimo existencial, foi elaborada a teoria do patrimônio
mínimo, que pretende proteger os recursos materiais mínimos
necessários para a concretização de uma vida humana com dignidade.
Luiz Edson Fachin defende que todo ser humano tem um conjunto
de bens que formam o núcleo essencial garantidor de sua saúde,
educação, moradia, lazer, enfim, que realizam o princípio da dignidade da
pessoa humana, a impedir sua exclusão da esfera jurídica patrimonial do
titular e assim comprometam sua vida.[14]
Embora se trate de construção fundamental para a tutela do
devedor, protegendo‐o de invasões demasiadamente ofensivas a seu
patrimônio e, portanto, permitindo a preservação de condições materiais
que assegurem sua subsistência e de sua família, não se pode admitir uma
interpretação exagerada dos limites do patrimônio mínimo, sob pena de
inviabilizar a satisfação do crédito exequendo por criar uma
intangibilidade quase que absoluta do patrimônio do devedor.
Isso porque grande parte da população brasileira é constituída por
indivíduos que tem como única fonte de renda o produto de seu trabalho,
como, por exemplo, empregados públicos e privados, servidores públicos,
profissionais liberais e trabalhadores autônomos. Consequentemente,
parcela majoritária do patrimônio dessas pessoas advém da renda obtida
em razão da prestação laboral. Assim, impedir que as verbas de natureza
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alimentar desses sujeitos sejam, em qualquer hipótese, passíveis de
penhora equivale a, na prática, tornar ineficaz qualquer demanda
executiva contra eles.
Com efeito, se não for possível penhorar os rendimentos dessa
categoria de devedores – que, repise‐se, constitui a esmagadora maioria
dos indivíduos ‐ certamente não sobra quase nenhum outro bem de valor
que integre seu patrimônio[15], o que acabar por conduzir a uma situação
que beira a irresponsabilidade patrimonial e que, portanto, não pode ser
tutelada, por violar frontalmente o direito do credor à tutela executiva:
Deve‐se recordar, sempre, a advertência de
Taruffo, que afirma ser impossível admitir‐se que
algum princípio fundamental assegure a faculdade do
devedor de não adimplir. Em outros termos: o titular
do direito subjetivo lesado tem o direito,
constitucionalmente assegurado, à tutela
jurisdicional executiva; mas o devedor não tem o
direito constitucionalmente assegurado de
inadimplir.[16]
3.2 O DIREITO FUNDAMENTAL À TUTELA EXECUTIVA
O artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal consagra o princípio da
inafastabilidade da jurisdição, cuja leitura mais acertada compreende não
apenas a possibilidade de ingressar em juízo mas também ‐ e
fundamentalmente – a prestação de uma tutela jurisdicional adequada e
eficaz. Isso porque de nada adiantaria conceber o acesso à Justiça como
mero “direito à sentença”, pois o processo judicial, se não garante meios
e resultados, acaba por esvaziar o direito material reconhecido na fase de
conhecimento.
A forte influência do neoconstitucionalismo no campo processual
civil trouxe a ideia de garantismo, na qual tem lastro a identificação de um
direito fundamental à tutela executiva:
Para além da proclamação formal, direitos não
garantidos não são, de fato, direitos. Compreende o
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conjunto de garantias de caráter social e institucional
(políticas e jurisdicionais) voltadas à concretização do
Estado Constitucional de Direito. Depende de
instrumentos para que se realize o postulado da
máxima efetividade dos direitos fundamentais,
reduzindo a distância entre normatividade e
efetividade.[17]
Não se pode olvidar o caráter instrumental do processo, que existe
em função do direito material e com vistas a concretizá‐lo, não sendo um
fim em si mesmo. Assim, a partir do momento em que o processo não se
mostra apto a conferir concretude ao direito nele perseguido, afigura‐se
esvaziada a sua função no ordenamento.
Desta feita, não se pode cogitar do acesso à justiça dissociado de
um direito fundamental à tutela executiva: não basta, para atender aos
ditames constitucionais, a existência de um processo formalmente
estruturado, impondo‐se uma garantia mínima de meios e
resultados, “uma vez que deve ser concretizada não apenas a suficiência
quantitativa mínima dos meios processuais, mas também um resultado
modal (ou qualitativo) constante”[18].
Ocorre que, na prática jurídica, a realidade com que se depara o
operador do Direito é outra: infelizmente, à execução pode‐se aplicar
muitas vezes a triste máxima do “ganhou mas não levou”. Uma das
maiores dificuldades do processo foi e continua sendo impor, no mundo
dos fatos, aquilo já reconhecido abstratamente no mundo do direito,
quadro que só se agrava com o dogma das impenhorabilidades cada vez
mais ampliado. A execução não se mostra capaz de produzir o resultado
que dela se espera, o que se denomina crise da execução.
Sob o pretexto de prestigiar o princípio da menor onerosidade, a
execução se configura em “verdadeiro paraíso dos maus pagadores”[19],
quando, em verdade, o referido princípio “somente quer significar que o
executado não pode sofrer sacrifícios maiores do que os necessários para
a obtenção do resultado, jamais que possa ser usado para impedir o
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resultado”[20]. A crise da execução frustra um direito de crédito já
reconhecido e esvazia a atividade jurisdicional.
Por óbvio que diversos fatores contribuem para a ineficiência da
tutela executiva, porém, o mais decisivo é a superproteção do devedor. E
não faltam vozes na doutrina que denunciem essa nefasta tendência.
Alexandre Freitas Câmara aponta que o devedor, por várias vezes, é
“tratado como um ‘coitado’, o que leva a que a execução não se
desenvolva de maneira adequada a cumprir seu objetivo de realização do
direito do credor”[21], que é o desfecho normal e esperado de qualquer
procedimento executivo.
Luiz Rodrigues Wambier vai além e faz duras críticas ao regime das
impenhorabilidades, in verbis:
Por outro lado – e assumimos o risco de fazer
afirmação que possa ser entendida como
politicamente incorreta – a inadequada
compreensão a respeito dos diversos (e necessário)
mecanismos de defesa dos direitos fundamentais,
assim como a estreita limitação do próprio conceito
de direito fundamental, aprofundou a crise da
execução.
Na verdade, a grande profusão de regras de
defesa de alguns dos direitos fundamentais previstos
na CF trouxe “efeitos colaterais”, como, por exemplo,
o da intangibilidade cada vez maior do patrimônio do
devedor, desconsiderando, inclusive, outro direito
fundamental, o de acesso à jurisdição, igualmente
com assento na Constituição Federal.
A defesa da honra sistematicamente tem sido
identificada como presente na situação do devedor
que contrai obrigações e não as cumpre. Mas não só
isso: o que ocorre é verdadeiro óbice à utilização,
pelo credor, dos meios coativos de que dispões o
sistema jurídico para receber seus haveres, pois, se o
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fizer, considera‐se que poderá, com isso, ofender a
honra do devedor,
A defesa do crédito é tida como potencial
violadora de direitos fundamentais. [...]
A nosso sentir, dá‐se extremo conforto ao
devedor e, na razão oposta, aumenta‐se o descrédito
da execução, com ofensa direta à garantia de
amplitude do acesso à jurisdição.”[22]
Por fim, Daniel Amorim Assumpção Neves adverte que, no afã de
humanizar a execução, por vezes se olvida que “o credor também é
humano, e sofre ao não receber seu crédito diante da ineficácia do
processo executivo”[23]; há, em verdade “uma acentuada preocupação
com o grau mínimo de garantias invioláveis reconhecidas a quem sofre as
medidas executivas, não havendo correspondência proporcional aos
valores de quem promove a execução”[24].
Insta salientar que a frustração do direito de crédito exequendo,
representa, em última análise, um apequenamento também do
Estado, “impotente para fazer atuar o direito de maneira integral, na
situação que lhe foi submetida à apreciação, eis que a ninguém basta o
mero reconhecimento de um direito, mas sim a completa satisfação
decorrente de sua violação”[25]. Ou seja, a inefetividade da tutela
executiva expande seus trágicos efeitos para além da esfera individual do
credor, atingindo também a credibilidade do Estado‐juiz e estimulando a
cultura do calote.
Ainda sobre o dever do Estado de conferir maior concretude à
tutela executiva, cabe lembrar que esta, enquanto direito fundamental do
jurisdicionado, merece proteção e promoção estatais: a dimensão
objetiva dos direitos fundamentais os torna valores que irradiam sua
eficácia para todo o ordenamento, condicionando a atuação dos Poderes
constituídos[26].
Portanto, a omissão do Estado na efetivação da tutela executiva,
permitindo a perpetuação da crise da execução, obstaculiza a tutela
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prometida pelo direito material e, por consequência, o efetivo exercício
do direito de acesso à justiça, em sua mais completa acepção. Chancelar a
intangibilidade do patrimônio do devedor, ainda que composto
exclusivamente por ativos de natureza alimentar, é conferir proteção
insuficiente ao direito fundamental à tutela executiva titularizado pelo
credor, desprestigiando‐o sem qualquer lastro constitucional.[27]
3.3. A NECESSIDADE DE PONDERAÇÃO DOS DIREITOS
CONFLITANTES EM SEDE DE EXECUÇÃO
Pois bem. Fixadas as premissas acimas apontadas, é fácil identificar
que a atividade executiva sempre importará em tensão entre o direito
fundamental do devedor à dignidade e o direito fundamental do credor à
tutela executiva.
Como sabido, os direitos fundamentais tem natureza de princípios.
Estes, enquanto comandos de otimização, quando em conflito, não se
aplicam segundo a lógica do “tudo ou nada”, mas sim na maior medida
possível de acordo com a dimensão de peso que terão no caso concreto.
Dessa breve lição, se extrai que qualquer princípio é passível de restrição,
mesmo os mais fundamentais, desde que preservado seu núcleo
essencial. A resolução do conflito de princípios ‐ e a consequente
determinação de qual deles prevalecerá e qual restará restringido ‐ será
resolvida pelo método da ponderação. Marinoni, ao tratar sobre o tema,
ensina que:
Esse juízo, pertinente ao peso dos princípios, é
um juízo de ponderação, que assim permite que os
direitos fundamentais tenham efetividade diante de
qualquer caso concreto, considerados os princípios
que com eles possam colidir.
Frise‐se que os direitos fundamentais têm
natureza de princípio. Assim, se os princípios
constituem mandados de otimização, dependentes
das possibilidades, o direito fundamental à tutela
jurisdicional efetiva (por exemplo) – que então pode
ser chamado de princípio à tutela jurisdicional efetiva
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– também constitui um mandato de otimização que
deve ser realizado diante de todo e qualquer caso
concreto, dependendo somente de suas
possibilidades, e assim da consideração de outros
princípios ou direitos fundamentais que com ele
possam se chocar.
Como se vê, a partir do momento em que se
constata que o direito à tutela jurisdicional efetiva
possui natureza principal, deduz‐se a conseqüência
de que ele não se submete à lógica da aplicação das
regras. Esse direito fundamental não pode ser
negado na perspectiva da validade, pois o que
importa, para sua efetiva incidência, é o caso
concreto, e assim a consideração de outros princípios
que a ele possam se contrapor. Ou seja, ele será
sempre válido, ainda que tenha que vir a ser
harmonizado com outro princípio diante das
circunstâncias de um caso concreto.[28]
A ponderação, por sua vez, deve ser norteada pelo princípio da
proporcionalidade, o qual, no dizer de Virgílio Afonso da Silva, faz “com
que nenhuma restrição a direitos fundamentais tome dimensões
desproporcionais”[29].
Não se pode, portanto, admitir a existência de uma norma
principiológica que prevaleça aprioristicamente em todo e qualquer caso,
haja vista que, como exposto acima, os princípios, por terem conteúdo
mais aberto que as regras, estarão sempre em potencial conflito, cabendo
ao intérprete, após juízo de ponderação, identificar aquele que deve
prevalecer in concreto. Todavia, não é isso que se verifica na atividade
executiva: a regra de impenhorabilidade absoluta da remuneração do
devedor configura desmedida restrição ao direito do credor, enquanto
tutela o patrimônio do devedor muito além do mínimo existencial. A
supremacia do direito fundamental do devedor sobre o do credor
contraria a própria natureza dessas espécies de normas:
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O problema da legislação brasileira, nos casos
específicos da penhora dos salários (e congêneres) e
da residência, opta sempre e somente pelo sacrifício
dos direitos do credor, sem se atentar às lições da
corte constitucional portuguesa, e questionar sobre
a possibilidade de uma ponderação entre os direitos
em jogo.
[...]
O que se defende é que estes dois princípios
(dignidade da pessoa humana e preservação do
mínimo existencial) são como ‘vias de mão dupla’, e
podem ser garantidos ou ofendidos tanto em relação
ao devedor quanto ao credor, exigindo sempre no
caso concreto uma ponderação dos resultados do
processo executivo.
[...]
A dignidade, como é da pessoa, encontra‐se na
figura do devedor e do credor, indistintamente,
merecendo ambas proteção equivalente. Por isso, o
que se quer dizer ao defender que a dignidade é ‘via
de mão dupla’ é que o postulado do mínimo
existencial não socorre apenas o executado, devendo
o processo de execução abrir‐se para a discussão da
violação deste garantia também sob a ótica do
credor.[30]
Por essas razões é que o objetivo do presente trabalho é defender
a possibilidade de penhora da remuneração do devedor
independentemente da natureza do crédito pendente, propondo balizas
e limites para tanto, pois, caso contrário, ou seja, se não admitida a
constrição do salário em nenhuma hipótese, todo devedor gozará de
espécie de “salvo‐conduto” legal, pois, sempre que só possuir em seu
patrimônio imóvel residencial e verbas alimentares, estará praticamente
dispensado do pagamento de seus débitos, eis que tais bens são imunes à
execução[31].
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Inspiradas por essa ideologia, parte da doutrina e jurisprudência
vinha defendendo a possibilidade de penhorar até o limite de 30% (trinta
por cento) da remuneração do executado, sob o acertado argumento de
que o referido percentual, além de se afigurar razoável, não compromete
os recursos necessários ao sustento material de seu destinatário. Tal
constrição não representa afronta à dignidade do devedor, pois a própria
limitação ao quantum de 30% configura a proteção à sua dignidade.[32]
Ademais, essa parcela da remuneração do trabalhador, ainda que
goze de natureza alimentar, é livremente negociável e disponível pelo
mesmo, que pode consignar o referido percentual para operações junto a
instituições financeiras. Esse permissivo vem contido na Lei 10.820/2003,
a qual permite que, mediante autorização, sejam descontados da folha de
pagamento do trabalhador valores referentes a pagamentos de
empréstimos, financiamentos e operações mercantis concedidos por
instituições financeiras, quando previstos nos respectivos contratos, até o
limite de 35% (trinta e cinco por cento) da remuneração (art. 1º, caput e §
1º)[33]. Neste diapasão, se o trabalhador pode, voluntariamente dispor
da verba destinada ao sustento próprio e da família para quitar
financiamento, não seria razoável blindar tais valores da execução de
outras dívidas contraídas, desde que respeitado o limite de 30% (trinta por
cento).
Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro já decidiu que
(grifos nossos):
ACÓRDÃO AGRAVO INOMINADO CONTRA
DECISÃO ASSIM EMENTADA: AGRAVO. PENHORA ON
LINE. SISTEMA BACEN JUD. CONTA‐SALÁRIO. NÃO
CONFIGURAÇÃO. PAGAMENTOS E COMPRAS
DIVERSAS. CONTA‐CORRENTE COMUM.
PENHORABILIDADE. Segundo definição do Banco
Central, "A conta salário é uma conta aberta por
iniciativa e solicitação do empregador para efetuar o
pagamento de salários aos seus empregados. Essa
conta não é uma conta de depósitos à vista, pois
somente pode receber depósitos do empregador,
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não sendo admitidos depósitos de quaisquer outras
fontes. Pode ser utilizada também para o pagamento
de proventos, soldos, vencimentos, aposentadorias,
pensões e similares. (.) A conta salário não é
movimentável por cheques." Como se verifica do
extrato juntado pela própria agravante, a referida
conta não configura a chamada conta salário, na
medida em que é utilizada para realização de
compras e pagamentos diversos. De outro lado, é
certo que, não obstante os termos do art. , IV do
CPC, há que se harmonizarem os princípios da
máxima efetividade com o da menor onerosidade
ao devedor, cabendo então, limitar a penhora em
até %, mas somente das verbas
comprovadamente recebidas a título de
vencimentos e salários. Os documentos
apresentados não são suficientes a comprovar que os
valores bloqueados na mencionada conta da
agravante são de natureza salarial, razão por que,
cabe manter o bloqueio. RECURSO A QUE SE NEGA
SEGUIMENTO NOS TERMOS DO ART. 557 DO CPC. Em
que pese o arrazoado, a ausência de qualquer novo
subsídio trazido pela ora agravante, capaz de alterar
os fundamentos da decisão agravada, faz subsistir
incólume o entendimento nela firmado. RECURSO
CONHECIDO E DESPROVIDO[34]
AGRAVO INOMINADO EM AGRAVO DE
INSTRUMENTO. COBRANÇA. PENHORA ON LINE.
DEFERIMENTO. BLOQUEIO EM CONTA CORRENTE.
CONTA SALÁRIO. POSSIBILIDADE DA CONSTRIÇÃO
ON LINE. DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO POR
PARTE DO RÉU, ORA AGRAVANTE. INEXISTÊNCIA DE
BENS DO DEVEDOR PARA PAGAMENTO DO
DÉBITO. BLOQUEIO DE IMPORTÂNCIA QUE ATINGE
O PERCENTUAL DE % DOS VENCIMENTOS
LÍQUIDOS DO RECORRENTE. POSSIBILIDADE.
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APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO DISPOSTO NO ART.
, IV, DO C.P.C., QUE PROÍBE A PENHORA DE
SALÁRIOS E VENCIMENTOS, BEM COMO DA LEI N.º
. / , QUE FIXA O PERCENTUAL DE % DO
SALÁRIO COMO LIMITE DE
DESCONTOS. DESPROVIMENTO DO RECURSO.[35]
Nessa esteira, cite‐se também o Tribunal de Justiça do Estado de
Goiás que editou a Súmula n° 1, resultante da Uniformização de
Jurisprudência nº 72‐0/233 (200902149703), aprovada por unanimidade
de votos, em sessão da Corte Especial do TJGO de 09 de junho de 2010, in
verbis: “Admite‐se a penhora eletrônica de verba salarial na conta corrente
do devedor, cujo bloqueio não deve ultrapassar o limite percentual de 30%
(trinta por cento)”[36].
As Turmas Recursais do Tribunal de Justiça do Paraná também
filiaram‐se a esse entendimento ao editar o Enunciado nº 13.18, que
dispõe: “Não existindo outros bens a satisfazer o crédito exequendo,
possível a penhora de conta‐salário no limite de 30%”.[37]
Em suma, se ao sujeito é permitido dispor de parcela de seus
ganhos para contrair dívida, não se pode considerar que a mesma seja
impenhorável.
Esse era o cenário que se vislumbrava ainda na vigência do CPC de
1973, o qual, como já dito, vedava em absoluto a penhora dos ganhos
alimentares do executado. O texto do Novo Código de Processo Civil traz
importante alteração legislativa sobre o tema da impenhorabilidade da
remuneração do executado, que se comentará a seguir.
. CPC DE E A IMPENHORABILIDADE DA REMUNERAÇÃO DO
EXECUTADO: INOVA, MAS NÃO O SUFICIENTE
No que tange à impenhorabilidade dos salários e vencimentos, o
novel Estatuto Processual (Lei 13.105 de 2015) dispõe que:
Art. 833. São impenhoráveis:
[...]
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IV ‐ os vencimentos, os subsídios, os soldos, os
salários, as remunerações, os proventos de
aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os
montepios, bem como as quantias recebidas por
liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do
devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador
autônomo e os honorários de profissional liberal,
ressalvado o § 2o;
[...]
§ 2o O disposto nos incisos IV e X do caput não se
aplica à hipótese de penhora para pagamento de
prestação alimentícia, independentemente de sua
origem, bem como às importâncias excedentes a
(cinquenta) salários‐mínimos mensais, devendo a
constrição observar o disposto no art. 528, § 8o, e no
art. 529, § 3o.
Da leitura do dispositivo supracitado, é possível concluir que o novo
CPC passa a permitir que os ganhos alimentares do devedor que superem
o patamar de cinquenta salários mínimos poderão ser livremente
penhorados no bojo de qualquer execução, mesmo que o crédito
exequendo não tenha natureza alimentar.
Sem dúvida, caminhou muito bem o legislador ao mitigar, ainda que
parcialmente, o dogma da impenhorabilidade absoluta da remuneração
do executado. Contudo, parece que a inovação do legislador de 2015 não
se afigura suficiente para enfrentar de maneira contundente a já
mencionada crise da execução. É que o patamar a partir do qual o novo
CPC torna possível a penhora da remuneração é excessivamente elevado.
Cinquenta salários mínimos correspondem, atualmente, a cerca de
R$ 40.000,00 (quarenta mil reais). Ora, na realidade brasileira,
pouquíssimos são aqueles que logram receber remunerações de tão
elevado valor. Isso fará com que a novidade da possibilidade da penhora
de salários tenha aplicação restritíssima, esvaziando em grande medida
essa importante norma processual e deixando fora de seu âmbito sujeitos
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que, embora não aufiram super salários, ostentam ganhos mais do que
suficientes para arcar com suas dívidas e manter padrão de vida
minimamente digno, como, por exemplo, os integrantes da classe média.
Não se pode, entretanto, ignorar a indiscutível importância de uma
norma que prevê a penhorabilidade do salário independentemente da
natureza do crédito perseguido:
Algum leitor poderia afirmar que o valor – 50
salários mínimos mensais – é exorbitante para a
realidade brasileira, sendo que a novidade, portanto,
terá pouco efeito prático e que seria irrelevante. De
fato, é verdade que o valor é elevado, pois são
poucos os devedores que percebem mais de R$ 40
mil mensais. É igualmente verdade que mais
adequado para a realidade brasileira um piso em
valor menor.
Porém, reitere‐se: o mais importante é a quebra
do dogma de absoluta impenhorabilidade de salário.
E isso abre o caminho para que, nas próximas
reformas processuais, o valor seja minorado – e,
também, para que futuramente seja possível a
inserção de penhora de bem de família acima de
determinado valor. O primeiro passo, que é por onde
toda jornada se inicia, foi dado.[38]
Em uma perspectiva histórica, a novidade do CPC de 2015 se mostra
ainda mais significativa se considerarmos que houve tentativa frustrada,
ainda na vigência do CPC de 1973, de limitar a impenhorabilidade absoluta
da remuneração. A Lei 11.382 de 2006, enquanto projeto, previa a
possibilidade de penhora de salários e imóveis residenciais de elevador
valor. Contudo, os dispositivos que contemplavam as referidas previsões
foram objeto de veto presidencial, que, embora tenha reconhecido a
razoabilidade da proposta, filiou‐se inexplicavelmente ao dogma da
impenhorabilidade asseverando que
A tradição jurídica brasileira é no sentido da
impenhorabilidade, absoluta e ilimitada, de
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remuneração. Dentro desse quadro, entendeu‐se
pela conveniência de opor veto ao dispositivo para
que a questão volte a ser debatida pela comunidade
jurídica e pela sociedade em geral.[39]
Por essas razões, boa parte da melhor doutrina lamentou o veto
aposto pelo Presidente da República às inovações pretendidas pela Lei
11.382 de 2006.
De toda forma, a fixação de um percentual rígido de
impenhorabilidade não se afigura, data vênia, a melhor solução para o
problema ora debatido: o legislador deve evitar limitação tão hermética à
penhora e possibilitar uma atuação mais ativa do magistrado no caso
concreto levado a juízo. Em cada situação concreta, o juiz deve sopesar os
direitos em jogo e, só então e de maneira fundamentada, delimitar o
âmbito de incidência da penhora:
Assim, não se deve permitir que a execução
reduza o executado a uma situação indigna; no
entanto, o mesmo princípio não autoriza que o
executado abuse desse direito, manejando‐o para
indevidamente impedir a atuação executiva. (...)
Pensamos assim que, em atenção às peculiaridades
do caso, não tendo sido localizados outros bens
penhoráveis, é possível a penhora de parte da
remuneração recebida pelo executado, em
percentual razoável que não prejudique seu acesso
aos bens necessários à sua subsistência e à sua
família.[40]
Com efeito, nos parece que a autorização legal a partir de um
determinado valor se apresenta como apenas uma dentre as hipóteses
que permitem a penhora da remuneração. Em outras palavras: além do
permissivo legal, no bojo do qual o legislador já efetuou prévia
ponderação entre os interesses em jogo, seria possível penhorar a
remuneração do executado em outros casos, a partir de um esforço
ponderativo do magistrado que conduz a atuação executiva. Havendo
restrição desarrazoada ou desproporcional ao direito à tutela executiva,
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sem que a proteção do direito do devedor em tal medida se justifique,
deve‐se prestigiar o primeiro:
[...] as hipóteses de impenhorabilidade podem
não incidir em determinados casos concretos, em
que se evidencie a
desproporção/desnecessidade/inadequação entre a
restrição a um direito fundamental e a proteção de
outro. Ou seja: é preciso deixar claro que o órgão
jurisidicional deve fazer o controle de
constitucionalidade in concreto da aplicação das
regras de impenhorabilidade, e, se a sua aplicação
revelar‐se inconstitucional, porque não razoável ou
desproporcional, deve afastá‐la, construindo a
solução devida para o caso concreto. Neste
momento, é imprescindível rememorar que o órgão
jurisdicional deve observar as normas garantidoras
de direitos fundamentais (dimensão objetiva dos
direitos fundamentais) e proceder ao controle de
constitucionalidade das leis, que podem ser
constitucionais em tese, mas in concreto, podem
revelar‐se inconstitucionais.[41]
Essa possibilidade decorre não apenas do poder‐dever que tem os
magistrados de efetuar o controle difuso de constitucionalidade, mas
também de seu poder geral de efetivação das decisões que proferem. O
mister de dizer o direito não se resume a reconhecer direitos e obrigações
no plano abstrato, sendo inerente à jurisdição concretizar no mundo dos
fatos o conteúdo das decisões que profere.
Alexandre Freitas Câmara defende, por essa razão, que deve ser
reconhecido ao juiz o poder de se valer de meios executivos atípicos nas
hipóteses em que os meios típicos se revelareminsuficientes ou
inadequados para a materialização do direito subjetivo[42], ao que se
subsumiria com perfeição a hipótese da penhora da remuneração do
devedor que não dispõe de outros bens penhoráveis.
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Por essas razões, considera‐se que, não tendo o executado bens
livres para a penhora, a impenhorabilidade da sua remuneração deve ser
afastada pelo magistrado, por meio de decisão fundamentada e que
preserve a intangibilidade do patrimônio mínimo necessário à sua
existência digna.
. CONCLUSÃO
A execução permanece sendo o ponto sensível da tutela processual.
Os direitos de crédito, embora reconhecidos e chancelados pelo Poder
Judiciário, não logram obter satisfação. Acrise da execução prejudica o
credor, que vê frustrado seu direito, bem como o Estado, que tem sua
credibilidade e sua aptidão para resolução de conflitos postas em xeque.
Nesse cenário de estímulo ao inadimplemento, só o devedor sai
ganhando. A enorme, e inflexível gama de exceções à responsabilidade
patrimonial configura, sem sombra de dúvidas, um privilégio injustificável
conferido ao executado, que goza de posição relativamente confortável
enquanto réu na execução, pois é praticamente liberado de arcar com a
obrigação contraída. Esse é, na análise da mais avalizada doutrina, o maior
problema que encontra a atividade executiva na busca por efetividade.
Em resposta ao contexto supra, o presente trabalho propõe uma
leitura constitucional do processo civil, pugnando pela interpretação dos
direitos de credor e devedor enquanto princípios que devem ser
ponderados em cada caso concreto, de forma a afastar violações
injustificadas a um ou a outro.
Em outras palavras: o que se buscou defender foi a viabilidade de,
em qualquer caso, ser possibilitado ao juiz determinar que a atividade
executiva recaia sobre a remuneração do executado, por imposição do
princípio constitucional da efetividade da tutela executiva. Qualquer regra
que, a priori, vede de maneira absoluta a penhora dos vencimentos do
devedor, sem considerar que, à dignidade deste se contrapõe o direito
fundamental à tutela executiva do credor, seria contrária à axiologia
constitucional, devendo ser afastada no caso concreto.
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Desta forma, caberia ao magistrado, in casu, ‐ como decorrência de
seu poder‐dever de efetivar as decisões que profere ‐ delinear os
contornos da penhora da remuneração do executado, sempre cuidando
para não violar o mínimo existencial do mesmo.
O advento do Novo Código de Processo Civil, nesse particular,
representa inegável porém tímido avanço na flexibilização do dogma da
impenhorabilidade do salário. Sua importância, contudo, não pode ser
negligenciada: o primeiro passo é o começo de toda caminhada.
Assim é que, longe de pretender oferecer uma fórmula mágica para
a solução dos problemas que acometem o Judiciário[43], se propõe, com
o presente trabalho, a revisão dos limites à penhora da remuneração
como meio apto a abrandar, em parte, o enorme problema da falta de
efetividade da execução.
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NOTAS:
[1] Como bem aduzido por Leonardo Greco, “[...] ser devedor neste país não é mais motivo de vergonha e não pagar os débitos não é mais um sinal de desonra” (GRECO, Leonardo. O processo de execução. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1999, 1 vol., p. 05)
[2] CÂMARA, Alexandre Freitas. A eficácia da execução e a eficiência dos meios executivos. In: ALVIM, Arruda et al (Coord.). Execução civil e temas afins: do CPC/1973 ao Novo CPC – Estudos em homenagem ao Professor Araken de Assis. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 14.
[3] DIDIER JR., Fredie et al. Curso de Direito Processual Civil: Execução. 2ª edição. Editora JusPodivm, 2010. 51 p.
[4] Idem op. cit.
[5] REDONDO, Bruno Garcia. A penhora da remuneração do executado. Disponível em: http://www.academia.edu/584277/A_penhora_da_remuneracao_do_executado; acesso em: 02/12/2015.
[6] Por todos, Fredie Didier Jr., Alexandre Freitas Câmara, Guilherme Marinoni, Sérgio Arenhart e Bruno Garcia Redondo.
[7] DIDIER JR., Fredie. Op. cit. p. 543.
[8] REINALDO FILHO, Demócrito. Da possibilidade de penhora de saldos de contas bancárias de origem salarial. Disponível em http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/9956-9955-1-PB.pdf. Acesso em 02/12/2015. p. 4.
[9] DIDIER JR., Fredie. Op. cit. p. 47.
[10] TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 50.
[11] KANT, Immanuel. A Metafísica dos Costumes. 2 edição. Ed. Edipro
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‐ 1984‐0454
[12] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 60
[13] BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.p 230.
[14] FACHIN, Luiz Édson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.35. apud GOLDHAR, Tatiane Gonçalves Miranda. A proteção do direito de crédito através da releitura da impenhorabilidade da verba alimentar do devedor. Revista Atualidades Jurídicas do Conselho Federal da OAB, Brasília, Número 14, p. 37, out./dez.2011
[15] REINALDO FILHO, Demócrito. Op. cit. p. 2.
[16] CÂMARA, Alexandre Freitas. A eficácia da execução e a eficiência dos meios executivos. In: ALVIM, Arruda et al (Coord.). Execução civil e temas afins: do CPC/1973 ao Novo CPC – Estudos em homenagem ao Professor Araken de Assis. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 18.
[17] CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário. 2. ed. rev. e. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 218.
[18] Loc. cit.
[19] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 3. ed. São Paulo: Ed. Malheiros. vol. 4, p. 63-64
[20] AMENDOEIRA JR., Sidnei. A eficácia da execução e a eficiência dos meios executivos. In: ALVIM, Arruda et al (Coord.). Execução civil e temas afins: do CPC/1973 ao Novo CPC – Estudos em homenagem ao Professor Araken de Assis. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 18.
[21] CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit. p. 15.
[22] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Anotações sobre a crise do processo de execução: algumas sugestões voltadas à sua efetividade. In: DIDIER JR., Fredie (Coord.). Execução civil: do
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CPC/1973 ao Novo CPC – Estudos em homenagem ao Professor Paulo Furtado. Rio de Janeiro. Editora Lumen Juris, 2006, p. 249.
[23] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Impenhorabilidade de Bens – Análise com Vistas à Efetivação da tutela Jurisdicional. In: SHIMURA, Sérgio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. “Execução no Processo Civil”, Editora Método, 2005, página 52.
[24] TEIXEIRA, Guilherme Freire de Barros. A Penhora de Salários e a Efetividade do Processo de Execução. In: SHIMURA, Sérgio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Execução no Processo Civil. Editora Método, 2005, página 122.
[25] GIORDANI, Francisco Alberto da Motta Peixoto. O princípio da proporcionalidade e a penhora de salário – algumas outras considerações. Disponível em http://portal.trt15.jus.br/documents/124965/125437/Rev29Art3.pdf/5dd52ffb-cc18-40d8-bad2-34f94ccc02df. p. 59. Acesso em 04.12.2015
[26] “Afirmar a dupla dimensão – objetiva e subjetiva – dos direitos fundamentais não significa dizer que o direito subjetivo decorre do direito objetivo. O que importa esclarecer, aqui, é que as normas que estabelecem direitos fundamentais, se podem ser subjetivadas, não pertinem somente ao sujeito, mas sim a todos aqueles que fazem parte da sociedade. Com efeito, como explica Vieira de Andrade, os direitos fundamentais não podem ser pensados apenas do ponto de vista dos indivíduos, enquanto faculdades ou poderes de que estes são titulares, mas valem juridicamente também do ponto de vista da comunidade, como valores ou fins”. MARINONI, Luiz Guilherme. O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais. Disponível em: http://www.marinoni.adv.br/files_/MARINONI-O-DIREITO-%C3%80-TUTELA-JURISDICIONAL-EFETIVA-NA-PERSPECTIVA-DA-TEORIA-DOS-DIREITOS-FUNDAMENTAIS.pdf. Acesso em: 05.12.2015. p. 3.
[27] Idem. Curso de Processo Civl, volume 3: execução. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 262.
[28] Idem. O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais. Disponível em:
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[29] SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. In: RT, v. 798, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 24. apud. MARANHÃO, Ney. Penhora de salário e os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade: breve análise da jurisprudência brasileira à luz de aportes críticos pós-positivistas. Disponível em: http://as1.trt3.jus.br/bd-trt3/bitstream/handle/11103/12780/ney_maranhao.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 05. 12.2015. p. 132.
[30] REDONDO, Bruno Garcia; MAIDAME, Márcio Manoel. Penhora da remuneração do executado e do imóvel residencial de elevado valor. In: ALVIM, Arruda et al (Coord.). Execução civil e temas afins: do CPC/1973 ao Novo CPC – Estudos em homenagem ao Professor Araken de Assis. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 117‐119.
[31] Ibid. p. 112.
[32] MOREIRA, Aline Hack. A Possibilidade da Penhora de 30% dos Salários em Ações de Execução: uma Flexibilização acerca do Princípio da Impenhorabilidade Salarial. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, v. 106, p. 20, jan.2012.
[33] O referido estatuto legal sofreu recentíssima alteração pela Lei nº 13.172 de 2015, a qual elevou o limite do crédito consignado de 30% para 35%, razão pela qual doutrina e jurisprudência ainda não tiveram tempo hábil de adequar seus posicionamentos à inovação legislativa.
[34] TJRJ. 0028882-79.2014.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. DES. FERDINALDO DO NASCIMENTO - Julgamento: 12/02/2015 - DECIMA NONA CAMARA CIVEL
[35] TJRJ. 0018393-46.2015.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. DES. NORMA SUELY - Julgamento: 25/08/2015 - OITAVA CAMARA CIVEL
[36] Tribunal de Justiça de Estado de Goiás. Súmula nº 01 de 09 de junho de 2010. Disponível online em:
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http://www.tjgo.jus.br/docs/servicos/diariodajustica/2010/jun/suplemento/DJE_597_I_11062010.pdf. Acesso em 04 dez. 2015.
[37] Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Enunciado Sumulado nº 13.18. Disponível online em: http://www.tjpr.jus.br/enunciados-turmas-recursais. Acesso em 03 dez. 2015.
[38] DELLORE, Luiz. A penhora do salário no Novo CPC. Disponível em: http://jota.info/a-penhora-do-salario-no-novo-cpc. Acesso em 05.12.2015.
[39] BRASIL. Mensagem nº 1.047, de 6 de dezembro de 2006.
Veta dispositivos do Projeto de Lei no 51, de 2006, que altera do
Código de Processo Civil de 1973. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 7 dez. 2006. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-
2006/2006/Msg/Vep/VEP-1047-06.htm>. Acesso em: 05 dez. 205.
[40] WAMBIER, Luiz Rodrigues; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil. São Paulo: Ed. RT, 2007. vol. 3. apudREDONDO, Bruno Garcia; MAIDAME, Márcio Manoel. Penhora da remuneração do executado e do imóvel residencial de elevado valor. In: ALVIM, Arruda et al (Coord.). Execução civil e temas afins: do CPC/1973 ao Novo CPC – Estudos em homenagem ao Professor Araken de Assis. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 117-119.
[41] DIDIER JR., Fredie. Op. cit. p. 544.
[42] CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit. p. 17.
[43] Isso porque, como bem apontado por Barbosa Moreira, são
diversas as causas que levam à insatisfação com o desempenho da
máquina judiciária, sendo necessário, portanto, para a solução do referido
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problema, que se conjuguem diversas estratégias e táticas, pois “não
existe fórmula de validade universal para resolver por inteiro a equação”
(MOREIRA, José Carlos Barbosa. O futuro da justiça: alguns
mitos. In: Revista de Processo, nº 99. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000).
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RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO DOS PAIS PERANTE OS FILHOS
GABRIEL MARCIO PASSOS CARVALHO BAHIA SAPUCAIA: Formado em direito pelo Centro Universitário Jorge Amado/BA e Pós-Graduado em Direito Público pela Faculdade Baiana de Direito/BA.
RESUMO: O presente artigo examina a existência da responsabilidade civil decorrente do abandono afetivo dos pais perante os filhos, cuja principal abordagem concentra-se na importância da manutenção do poder-dever familiar, diante da evolução do Direito de Família. Uma síntese acerca do que vem a ser a responsabilidade civil, seus conceitos e pressupostos é feita, sem deixar de analisar a importância do afeto, de modo a verificar a sua grande relevância na contemporaneidade, entendendo a necessidade de reparação em face da sua ausência.
PALAVRAS CHAVE: Responsabilidade Civil- Danos Morais-Abandono Afetivo SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. A Evolução Histórica da Responsabilidade Civil – 3. Breve Estudo Acerca da Responsabilidade Civil – 3.1 Conceito – 3.2 Responsabilidade civil subjetiva e objetiva – 3.3 Pressupostos e Elementos da Responsabilidade Civil – 3.3.1 Culpa – 3.3.2 Dano – 3.3.3 Nexo causal – 3.3.4 Conduta do Agente – 4. A Ideologia do Afeto: O princípio da Afetividade – 4.1 O afeto nas relações entre pais e filhos – 5. Os Deveres dos Pais – 6. Das Decisões Judiciais Inovadoras – 7. Responsabilidade Civil dos Pais por Abandono Afetivo dos Filhos – 8. Conclusão – Referências Bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
Ao suscitar o tema da responsabilidade civil por abandono afetivo dos pais perante os filhos busca-se mostrar que o dever dos pais não se limita apenas ao pagamento de alimentos e ao reconhecimento da paternidade, mas inclui também a participação em todos os âmbitos da vida
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do filho, desde o elemento afetivo, construtor dos referenciais de conduta e caráter do menor às decisões cotidianas, passando por conselhos e lições que devem ser absorvidas pela prole. Em suma, a obrigação dos genitores em decorrência do exercício do poder e obrigações dele decorrentes; levando-se em consideração que o cuidado é fator essencial e não acessório no desenvolvimento da personalidade da criança. Partindo dessa premissa, é possível pensar a possibilidade de um filho, privado do afeto paterno/materno, pleitear indenização em virtude da falta de um eventual dever de convivência estabelecido no ordenamento jurídico.
Decisão emblemática merece atenção inicial, qual seja a do tribunal de Justiça do estado de Minas Gerais que condenou um pai a pagar a um filho indenização no valor de R$ 200.000,00, pelos danos morais decorrentes do abandono afetivo. Tal decisão, inovadora do Poder Judiciário, tem provocado acirradas discussões no Direito de Família.
A vivência da relação paterno-filial exige dos pais um compromisso reiterado de assistência moral e material. É a partir daí que surge a responsabilidade civil. Conforme o art. 229 CC, “os pais têm o dever de assistir, criar e educar filhos menores”. Esse dever está atrelado não somente à questão financeira ou à possibilidade de se dar um preço ao amor ou de obrigar alguém a amar. Trata-se de lembrar a estes pais a responsabilidade de ser pai, a responsabilidade de ter um filho. A questão nunca será como auferir preço ao amor, contar quantos beijos e abraços os pais dão em seus filhos diariamente, tendo em vista que ninguém tem obrigação de amar, mas enquanto pais e provedores tem o dever de assistir, de cuidar, de dar atenção e fazer com que o filho sinta-se de certa forma “protegido” em seu seio familiar.
É importante demonstrar a importância da noção de família no ordenamento jurídico pátrio contemporâneo, ao passo que a ausência ou má formação dessa diretriz familiar, pautada, sobretudo no afeto, é capaz de criar grandes impactos na vida de uma pessoa. Caso esse impacto, decorrente de um ilícito civil praticado, seja capaz de provocar um dano à pessoa, nascerá para o agente causador do mesmo o dever de indenizar, conforme disciplina o Diploma Civil atual: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar danos a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
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Presente o binômio ato ilícito x dano, e o nexo de causalidade entre ambos, deverá o agente causador do referido prejuízo provocado ser responsabilizado civilmente. O Superior Tribunal de Justiça já firmou posição acerca da noção indissociada da abordagem em questão:
DANO MORAL PURO. CARACTERIZAÇÃO. Sobrevindo, em razão de ato ilícito, perturbação nas relações psíquicas, na tranqüilidade, nos sentimentos e nos afetos de uma pessoa, configura-se o dano moral, passível de indenização.
Resta evidente que o dano moral experimentado junto às relações afetivas conflituosas vem ganhando cada vez mais e maior reconhecimento frente ao Judiciário.
Pensando nisso, é que se fará adiante um breve estudo acerca da responsabilidade civil e a sua aplicabilidade no direito de família para, em momento ulterior, ser travado o avanço no estudo da família, sua importância e evolução, sem olvidar-se de analisar a ideologia do afeto paralelo ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Repise-se a noção de família vai muito além da união consanguínea e biológica. Nos dias atuais, as relações familiares estão muito mais atreladas ao afeto, de modo que o amor não encontrou espaço no campo jurídico, situando-se na esfera metajurídica, filosófica, psicológica ou religiosa. Em sede de filiação, tem-se que deve existir um núcleo mínimo de cuidados parentais com o filho, que, muito além de cumprir meramente as diretrizes normativas, deve garantir condições para uma adequada formação psicológica e inserção social.
2 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL
A ideia de se compensar danos injustamente causados é algo novo em nosso ordenamento jurídico, uma vez que não existiam regras ou limitações regulatórias da reparação dos danos. O ofendido reagia ao dano de maneira imediata e brutal, agindo por puro instinto. Tratava-se da época do jusnaturalismo, onde os povos tinham verdadeira aversão à ‘”tirania” do
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Estado. Nesse momento as pessoas viviam sem um ordenamento jurídico apto a tutelar seus interesses. Cada povo, de acordo com a cultura local, criava suas próprias leis e fazia valer a justiça da forma que melhor lhe conviesse. Os atos de justiça eram praticados de maneira desmesurada e quase sempre em proporções muito superiores às ofensas. Conforme afirma Descartes (apud REALE, 1972, p. 55): “Só a razão como dominador comum do humano, parecerá manancial comum de conhecimentos claros e distintos, capazes de orientar melhor a espécie humana, que quer decidir por si de seu destino”.
Com o passar do tempo, surgiu o juspositivismo, de modo que as relações intersubjetivas passaram a ser tuteladas pelo Estado, autossuficiente e soberano, momento em que passou a existir um ordenamento jurídico, atrelado a um contrato social, apto a regular as relações jurídicas existentes e seus efeitos consectários. A partir de então, perpetrou-se a justiça privada, conhecida como a lei do talião, que pregava a ideia de ‘olho por olho e dente por dente’, ‘quem com ferro fere, com ferro será ferido’. Com a Lei do Talião, o estado passou a intervir, no entanto, de maneira mínima, haja vista que, analisando o dano causado, deixava a critério do agente sofredor do prejuízo, escolher a forma de reparação, desde que a mesma não ultrapassasse o limite do dano que lhe foi causado. Nesse ponto, cita-se o entendimento de Sergio Alves Gomes (1994, p. 42), que leciona:
“No entanto, a experiência histórica tem demonstrado que é impossível ao direito alienar-se quanto aos valores vigentes no contexto social, sem que, com isto, se torne algo farisaico, ocultador das reais intenções dos que o produzem. É que o direito só ganha sentido para os membros da sociedade como algo a ser efetivamente respeitado quando tem um conteúdo do humano, e este, é composto de fatores múltiplos, originados ao longo da história: são crenças, aspirações, conflitos, paixões, ciência, técnica, arte, costumes, tradições”.
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Posteriormente, a vingança privada cedeu espaço para uma nova técnica, baseada em um meio de composição econômica pelo dano causado à vítima. O que ocorria nesse novo cenário histórico era uma tentativa de acordo entre a vítima e o ofensor, com o intuito de que esse suprimisse ou atenuasse os prejuízos causados através da prestação pecuniária.
Na sequência, em uma fase mais avançada, meados no século XIII a.C., com a presença de uma autoridade estatal soberana, iniciou-se a época pós-positivista. O Estado começou a intervir totalmente, de modo que o legislador trouxer à baila a ideia de indenização e o Estado fixava um valor pecuniário a ser pago e obrigava a vítima a aceitar.
Sob a influência do Código Romano, surgiu a Lex Aquilia de Damno, estabelecido na Lei das XII Tábuas. A partir desta lei, a culpa do ofensor começou a ser encarada como pressuposto de responsabilidade. Segundo Maria Helena Diniz, nesse interstício a reparação civil veio a se delinear:
A Lex Aquilia de Damno veio a cristalizar a idéia de reparação pecuniária dos danos, impondo que o patrimônio do lesante suportasse o ônus da reparação, em razão do valor da res esboçando-se a noção de culpa como fundamento de responsabilidade, de tal sorte que o agente se isentaria de qualquer responsabilidade se tivesse procedido sem culpa. Passou-se a atribuir o dano a conduta culposa do agente. (DINIZ, 2003, p. 10).
Assim, segundo a teoria Aquiliana, a reparação do dano tinha como pressuposto a culpa do agente, dando início, assim, a responsabilidade subjetiva (extracontratual). Essa concepção não é absoluta, eis que não se pode se basear apenas na referida teoria, atentando para o fato de que a responsabilidade objetiva, conforme se verá adiante, aquela em que se exige a reparação independente de culpa, mesmo que em menor potencial, vem tomando força em nosso ordenamento jurídico.
Segundo os ensinamentos de Giselda Maria Fernandes Novaes (2005-p.31), “o direito romano é mais ‘positivista’, e o direito
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contemporâneo é mais ‘moralista’ no ato de conceber a culpa”, o que ratifica a noção de que a responsabilidade subjetiva é a que vigora.
Com a revolução industrial e o fenômeno da globalização, aumentaram o número de máquinas, proporcionando o êxodo rural, situação em que as pessoas passaram a migrar do campo para a cidade em busca de novos empregos e melhores condições de vida, e, com isso, aumentou-se os riscos dos danos à vida e à saúde da população e fazendo surgir novas contendas.
A noção de responsabilidade Aquiliana, então, passou a ser insuficiente, pelo que a ideia de responsabilidade passou a ser fixada independente de culpa, ampliando espaços para a chamada responsabilidade objetiva.
No entanto, é importante que se tenha em mente que, no atual Código Civil, continua sendo regra a responsabilidade subjetiva, ou seja, o agente para indenizar tem que ter agido de maneira culposa, sendo a responsabilidade objetiva taxativa, atuante apenas nos casos previstos em lei, ou quando a responsabilidade subjetiva mostrar-se insuficiente. Quando por exemplo, por falta de recursos financeiros não seja possível a demonstração da culpa.
3 BREVE ESTUDO ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Sobreleva uma breve análise da responsabilidade civil, sobretudo no que tange a sua definição, para que em momento ulterior o tema principal passe a ser analisado com minúcia.
3.1 Conceito
O problema da Responsabilidade Civil foi introduzido, no Brasil, por José Aguiar Dias, que afirmou que “toda manifestação humana traz em si o problema da responsabilidade” (DIAS, 1944, p. 94-95). A responsabilidade civil surge com a violação de um dever jurídico imposto por meio de uma norma, seja contratual ou não. A lei serve para desconstituir o dever jurídico violado.
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De maneira resumida, responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário. Assim sendo, responsável é a pessoa que deve ressarcir o prejuízo decorrente da violação de um precedente dever jurídico. E isso se justifica pelo fato de que a responsabilidade pressupõe um dever jurídico preexistente, uma obrigação descumprida. De acordo com Sérgio Cavalieri Filho (2000, p. 20):
Em sentido etimológico responsabilidade exprime a ideia de obrigação, encargo, contraprestação. Em sentido jurídico, o vocábulo não foge dessa idéia. Designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de outro dever jurídico. Em apertada síntese responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente de um dever jurídico originário.
Ela pode ser de duas espécies, a depender da natureza jurídica da norma violada: contratual, prevista nos artigos 385 e 389 do Código Civil Brasileiro, ou extracontratual (Aquiliana), oriunda do descumprimento direto da lei, disciplinada nos artigos 186 e 927 do mesmo diploma legal. De maneira sintética, Maria Helena Diniz (2001, p.34) conceitua tal instituto:
(…) poder-se-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva)
Atente-se à responsabilidade aquiliana, naquela em que a vítima deve provar a existência do dano sofrido.
3.2 Responsabilidade civil subjetiva e objetiva
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A teoria clássica da responsabilidade civil aponta a culpa como fundamento de obrigação para reparar o dano. Conforme a teoria, não havendo culpa, não surgirá o dever de indenizar, o que faz nascer o dever de provar o nexo entre o dano e a culpa do agente.
Com o passar do tempo, porém, a chamada teoria subjetiva responsabilidade subjetiva mostrou-se insuficiente, haja vista que existiam situações em que, por questões diversas, como exemplo das questões de ordem financeira, não era possível obter a prova da culpa do agente, e, com isso, muitas vezes, a parte lesada ficava sem a devida reparação.
Nesse diapasão, ampliou-se assim a chamada responsabilidade objetiva, onde em alguns casos específicos, a exemplo do art.21 XXII, d Constituição Federal (responsabilidade por danos nucleares independente da existência de culpa) e muitos outros, o agente responde independentemente de culpa. Com ela, uma vez preexistente uma norma, a mesma deveria ser cumprida, e o seu não cumprimento geraria um dano, que, por óbvio, comportaria reparação.
O parágrafo único do art. 927 do código civil brasileiro dispõe sobre a aplicação da responsabilidade objetiva[1]. Tal espécie de responsabilidade é uma exceção em nosso ordenamento jurídico, de modo que deve ser utilizada apenas nos casos previstos em lei ou quando a responsabilidade subjetiva mostrar-se insuficiente. Não havendo especificação legal ou atividade de risco, deverão ser aplicadas as regras da responsabilidade civil subjetiva.
Com relação à distinção entre a responsabilidade subjetiva e objetiva, José de Aguiar Dias (1944, p. 94-95), com absoluta precisão, escreveu: “no sistema da culpa, sem ela, real ou artificialmente criada, não há responsabilidade; no sistema objetivo, responde-se sem culpa, ou, melhor, esta indagação não tem lugar”.
3.3 Pressupostos e Elementos da Responsabilidade Civil
Os elementos indispensáveis para a caracterização da responsabilidade civil subjetiva são: culpa, dano, o nexo causal entre a
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culpa e o dano e a conduta do agente (seja ela comissiva ou omissiva). Já a responsabilidade objetiva tem como pressupostos, apenas o dano, nexo causal entre a culpa e a conduta do agente, já que o elemento culpa, conforme se viu alhures, é irrelevante para tal instituto.
3.3.1 Culpa
Para a caracterização da responsabilidade civil objetiva não se faz necessário provar a culpa. Não se pode desprezar, contudo, a relevância do estudo da culpa na responsabilidade civil, tanto mais porque, conforme adverte Caio Mario da Silva Pereira (1997, p. 391):
A abolição total do conceito da culpa vai dar num resultado anti-social e amoral, dispensando a distinção entre o lícito e o ilícito, ou desatendendo à qualificação da boa ou má conduta, uma vez que o dever de reparar tanto corre para aquele que procede na conformidade da lei, quanto para aquele outro que age ao seu arrepio
A culpa é, pois, um juízo que se assenta no nexo existente entre o fato e vontade do autor. O artigo 487 do Código Civil exprime um juízo de reprovabilidade da conduta pessoal do agente, de modo que o lesante diante das circunstancias específicas do caso deveriam tem agido de outro jeito.
Sendo a culpa um dos pressupostos para a configuração da responsabilidade civil subjetiva, cabe ao lesado fazer a prova dela, que está ligada à ideia de imperícia, negligência e imprudência, conforme elenca o artigo 186 do código civil - a então chamada mera culpa.
Existem duas noções do conceito de culpa: o dolo e a negligência ou mera culpa. Por dolo, aquela mais utilizada no estudo da responsabilidade civil, entende-se por ser aquela conduta em que o agente agiu intencionalmente, isto é, buscou efetivamente o resultado danoso.
Nas palavras de Maria Helena Diniz (1996, p. 35),
“A culpa em sentido amplo como violação de um dever jurídico imputável a alguém, em decorrência de
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fato intencional ou de omissão de diligência ou cautela, compreende: o dolo que é a violação intencional do dever jurídico, e a culpa em sentido estrito, caracterizada pela imperícia, imprudência e pela negligência sem qualquer deliberação de violar um dever. Portanto, não se reclama que o ato danoso tenha sido, realmente requerido pelo agente, pois ele não deixará de ser responsável pelo fato de não ter-se apercebido do seu ato nem medido as suas consequências.”
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2003, p. 29), manifestaram-se nesse sentido:
“A culpa, portanto, não é um elemento essencial, mas sim acidental, pelo que reiteramos nosso entendimento de que os elementos básicos ou pressupostos gerais da responsabilidade civil são apenas três: a conduta humana (positiva ou negativa), o dano ou prejuízo, e o nexo de causalidade...”
3.3.2 Do Dano
Para que a conduta humana esteja apta a acarretar a obrigação de indenizar, necessário se faz a comprovação da existência de um dano efetivamente sofrido. De modo que, sem a prova do dano, ninguém pode ser responsabilizado.
O dano está presente tanto na responsabilidade objetiva quanto na subjetiva, porquanto sem a sua ocorrência inexiste indenização.
Na visão de Sérgio Cavalieri Filho (in GAGLIANO, PAMPLONA, 2003, p. 40):
“O dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não
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pode responsabilidade sem dano. Na responsabilidade objetiva, qualquer que seja a modalidade do risco que lhe sirva de fundamento – risco profissional, risco proveito, risco criado etc. -, o dano constitui o seu elemento preponderante. Tanto é assim que, sem dano, não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido culposa ou até dolosa”.
Essa ampliação do conceito de dano é de suma relevância, uma vez que, a sociedade merece a mais ampla proteção que o Estado e o Poder Judiciário podem lhes proporcionar, diante das constantes mudanças e evoluções ocorridas no mundo.
Rafael Peteffi Silva (2007, p.71) assim entende sobre o assunto:
“Nesse sentido, o novo paradigma solidarista, fundado na dignidade da pessoa humana, modificou o eixo de responsabilidade civil, que passou a não considerar como seu principal desiderato a condenação de um agente culpado, mas a reparação da vítima prejudicada. Essa nova perspectiva corresponde á aspiração da sociedade atual no sentido de que a reparação proporcionada às pessoas seja a mais abrangente possível”.
Por fim, saliente-se que danos sofridos pela vítima podem ser de cunho moral (lesão de interesses não patrimoniais das pessoas físicas ou jurídicas), patrimonial (proporciona uma lesão concreta no patrimônio da vítima, engloba os danos emergentes e os lucros cessantes) ou estético (atingem o aspecto morfológico de uma pessoa), de modo que a responsabilidade só existirá com a ocorrência do dano.
3.3.3 Do Nexo causal
O nexo causal é talvez um dos mais importantes elementos para se auferir a existência da responsabilidade, uma vez que é ele o liame existente entre a conduta do agente, o dano e o dever de indenizar a vítima.
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Entretanto, o dano só pode gerar a obrigação de indenizar quando for possível estabelecer com certeza absoluta que certa ação ou omissão cometida por alguém provocou o referido dano. Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves (2005, p.536):
“O dano só pode gerar responsabilidade quando seja possível estabelecer um nexo causal entre ele e o seu autor, ou como diz SAVATIER, um dano só produz responsabilidade, quando ele tem por causa uma falta cometida ou um risco legalmente sancionado”.
Tanto é assim que na posição de Sérgio Cavalieri Filho (2007, p. 46):
Não basta, portanto, que o agente tenha praticado uma conduta ilícita; tampouco que a vítima tenha sofrido um dano. É preciso que esse dano tenha sido causado pela conduta ilícita do agente, que exista entre ambos uma necessária relação de causa e efeito. Em síntese, é necessário que o ato ilícito seja a causa do dano, que o prejuízo sofrido pela vítima seja resultado desse ato, sem o que a responsabilidade não correrá a cargo do autor material do fato. Daí a relevância do chamado nexo causal.
Diversas são as teorias aptas a explicar o nexo de causalidade, entretanto, no Brasil, são citadas apenas três correntes para a identificação da causa que efetivamente gerou o dano, são elas: - Teoria da Equivalência das Condições (considera como causa do dano qualquer evento que contribui para determinado dano), - Teoria da Causalidade Adequada (procurou identificar, na presença de uma possível causa aquela parcialmente apta a produzir o dano),- Teoria do Dano Direto e Imediato (o dever de reparar surge quando o evento danoso é feito direto e imediato de certa causa). Cumpre frisar, que nosso ordenamento jurídico adotou a terceira teoria acima, ou seja, a teoria do dano direto e imediato, muito embora ainda exista muita divergência a respeito.
3.3.4 Conduta do Agente
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A conduta humana, como pressuposto da responsabilidade civil,
(…) vem a ser o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado. (DINIZ, 2001, p. 37).
À luz dessa definição, constata-se que, aquele que causa dano a outrem, fica obrigado a reparar a conduta do agente ou de terceiro, cuja decorrência é pautada em uma ação, seja ela dolosa ou culposa, que desrespeitou os ditames constitucionais preexistentes, gerando, assim, o dever de reparação.
Note-se que a conduta poderá ser praticada pelo próprio agente causador do dano, por um terceiro ou por fatos causados por animais ou coisa que estejam sob a guarda do agente.
De acordo com Silvio Rodrigues (2002, p. 17):
A responsabilidade por ato de terceiro ocorre quando uma pessoa fica sujeita a responder por dano causado a outrem não por ato próprio, mas por ato de alguém que está, de um modo ou de outro, sob a sujeição daquele. Assim, o pai responde pelos atos dos filho menores que estiverem em seu poder ou em sua companhia: o patrão responde por atos de seus empregados, e assim por diante.
Feitos os esclarecimentos alhures, verifica-se que a importância e responsabilidade dos pais em detrimento da prole é tamanha que sempre que a falta de conduta dos mesmos no que concerne a criação, educação, ou seja, qualquer falta de suporte de cunho afetivo para com os filhos, for apto a causar um dano paraeste, necessário se faz que de alguma forma haja reparação, como forma de “sanção” para o agente causador e ressarcimentocompensação para o afetado.
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Conforme se verá a seguir, os novos “arranjos” familiares estão cada vez mais pautados no afeto, de modo que existem doutrinadores defendendo a ideia de que no dia em que o direito de família conseguir incluir a regulamentação do afeto dentro do próprio ordenamento jurídico, definitivamente estará contemplando a pessoa humana no lugar do sujeito de direito.
4. A IDEOLOGIA DO AFETO: O PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE
Afeto significa sentimento de afeição ou inclinação para alguém, amizade, paixão ou simpatia. Dúvida inexiste de que a família, na história dos agrupamentos humanos, é o que precede a todos os demais fenômenos biológicos e sociais. Notório também é o fato de que o conceito de família sofreu uma grande evolução histórica, de modo que hoje não mais subsiste aquela ideia de família pautada apenas no casamento de maneira indissolúvel ou na consanguinidade. Hoje, o ordenamento jurídico pátrio tutela várias outras espécies de arranjos familiares, pois firma o conceito de família pautado no afeto, reconhecendo a família informal, homoafetiva, monoparental, anaparental, pluriparental, etc.
Agora, o essencial para a sua constituição é a formação do ser, para torná-lo sujeito capaz de estabelecer laço social, é que alguém ocupe, em seu imaginário, o lugar simbólico de pai e de mãe. O importante é que tenha um adulto que possa ser a referência e que simbolize para a criança este lugar de pai e de mãe, que é dado para as funções de orientação necessárias em sua formação. (PEREIRA, p. 24)
O ponto central para a formação da família moderna é o desenvolvimento da personalidade humana e sua realização para o desenvolvimento da personalidade dos cidadãos, não podendo o ser humano abrir mão dessa convivência no início de sua existência.
É certo e indiscutível que a família caracteriza uma realidade presente, antecedendo, sucedendo e transcendendo o fenômeno exclusivamente biológico, para buscar uma dimensão mais ampla, fundada na busca da realização pessoal de seus membros.
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Com a pós-modernidade, houve uma transição do conceito de família, de modo que a mesma passou a ser vista como unidade econômica para uma compreensão igualitária, tendente a promover o desenvolvimento da personalidade de seus membros, de modo que a sua base agora é firmada no afeto.
Deixando de ser a família um núcleo econômico e reprodutivo apenas, evolui-se para uma compreensão socioafetiva, eis que surgem novos “modelos” familiares, fundados no amor e no afeto como elemento fundamental para a completa formação do indivíduo. É a busca da dignidade humana, se sobrepondo aos valores meramente patrimoniais.
Acerca do tema, brilhante é o entendimento da professara Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (2007):
No momento em que o direito de família conseguir dizer o afeto dentro da sua própria doutrina, aí sim, estará efetivamente contemplando a pessoa humana no lugar do sujeito de direito. E será esta transformação que permitirá aflorar, no direito de família, uma concepção ética do ser humano.
Ao contrário, enquanto o direito de família prosseguir ignorando a urgência da transformação, enquanto escolher continuar silenciando acerca do afeto, tudo o que conseguiremos será o continuísmo de um tempo já descabido, tempo este que inoperou uma idéia inadequada acerca da humanidade, o que, na prática jurídica, foi apenas mais uma maneira de tratar a pessoa humana como se ela fosse uma singela coisa.
O princípio da afetividade mostra-se como princípio norteador do Direito das Famílias: é o salto à frente da pessoa humana nas relações familiares, como ensina Paulo Luiz Neto Lobo (2003, p.43):
(…) na constituição quatro são os fundamentos essenciais do princípio da afetividade: - a igualdade de todos os filhos independentemente da origem (art. 227,
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§6º, CF); - a adoção, como uma escolha afetiva com igualdade de direitos (art. 227, §5º e §6º, CF), - a comunidade forçada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo os adotivos, commesma dignidade da família (art. 226 §4º, CF) e – o direito a convivência familiar como prioridade absoluta da criança e do adolescente (art. 227, CF)
Conforme preceitua Maria Berenice Dias (2006, p. 61):
A família e o casamento adquiriram novo perfil, voltados muito mais a realizar os interesses afetivos e existenciais de seus integrantes. Essa é a concepção eudemonista da família, que progride à medida que regride o seu aspecto instrumental. A comunhão de afeto é incompatível com o modelo único, matrimonializado, da família. Por isso, a afetividade entrou nas cogitações dos juristas, buscando explicar as relações familiares contemporâneas.
Tal concepção veio para ficar, haja vista que a própria Constituição Federal enfatizou os valores pautados na ideia do afeto, como sendo um elemento embrionário da instituição familiar nas relações socioafetivas, deixando de lado aquela ideia apenas material, patrimonial e consanguínea.
Nesse diapasão, mostra-se plausível que o desrespeito ao princípio da afetividade merece ser reparado de alguma forma, uma vez que causa diversos prejuízos na formação do indivíduo, no intuito de minorar as perdas que são inestimáveis.
4.1 O afeto nas relações entre pais e filhos
O art.1º, inciso III da Constituição Federal traz com precisão um dos seus principais princípios, aquele que serve para nortear diversos ramos, inclusive o direito das famílias, o da dignidade da pessoa humana. A sua criação levou o constituinte a consagrar a dignidade da pessoa humana como um valor nuclear da ordem constitucional, priorizando a tutela do ser muito além a tutela do ter.
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Tamanha é sua importância que há quem se arrisque a dizer como sendo ele o princípio de manifestação primeira dos valores constitucionais, carregado de sentimentos e emoções, podendo ser facilmente sentido e experimentado no plano dos afetos.
Tanto é assim que todas as relações existentes no âmbito familiar devem ser revestidas, sobretudo, pelo afeto. Principalmente entre pais e filhos, uma vez que a figura dos pais é imprescindível para a formação dos mesmos. Aos pais é dado o deve de educação criação, alimentação e formação psicológica dos filhos - direitos garantidos pela Carta Constitucional e Estatuto da Criança e do Adolescente.
Note-se que a própria ideia da família patriarcal, em que apenas o genitor centralizava o poder desse instituto, sofreu um grande declínio. O que se busca hoje é a igualdade entre homens e mulheres, pais e mães, em todos os aspectos da vida, principalmente na relação socioafetiva para com os filhos.
A noção de família não está mais ligada no matrimônio indissolúvel ou nas relações consanguíneas, há uma grande inclinação dos doutrinadores e até mesmo de alguns juristas voltada para a questão da afetividade. É por isso que Luiz Roberto de Assumpção (2004, p.53) afirma:
“(...) o afeto está presente nas relações familiares, tanto na relação entre homem e mulher (plano horizontal) , como na relação paterno filial (plano vertical, como por exemplo, a existente entre o padrasto e o enteado), todos unidos pelo sentimento, na felicidade e no prazer de estarem juntos.”
Segundo Rodrigo da Cunha Pereira (2003, p.119), “nós nos arriscaríamos a dizer que em nossa sociedade a paternidade puramente baseada em laços de sangue pode ser uma ficção.”
Ainda segundo os ensinamentos de Rodrigo da Cunha Pereira (2003, p. 62- 63):
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Para que um filho, verdadeiramente se torne filho, ele deve ser adotado pelos pais, tendo ou não vínculos de sangue que os vinculem. A filiação biológica não é nenhuma garantia de que a pessoa se estruturará como sujeito. O cumprimento de funções paternas e maternas, por outro lado é o que pode garantir uma estruturação biopsíquica saudável de alguém. Por isso a família não é apenas um dado natural, genético ou biológico, mas cultural, insista-se.
Nessa ilação, é nítida a evolução sofrida no ramo do Direito das Famílias, de modo que a família não é mais compreendida como uma unidade de produção, realçadas em laços patrimoniais apenas. Muito mais importante do que isso, muito mais valia do que o dever de sustento e educação é o amor, o carinho, o afeto desprendido de um pai para com um filho. A sua ausência pode surtir efeitos psicológicos traumáticos e tão irreversíveis que vai muito além do dever de sustento apenas.
Com primazia, dissecando a relação paterno-filial, explana Giselda Hironaka (2005), que em conjugação com a responsabilidade há o viés naturalmente jurídico, mas essencialmente justo, de buscar-se indenização compensatória em face de danos que os pais possam causar a seus filhos, por força de uma conduta imprópria, especialmente quando a eles são negados a convivência, o amparo afetivo, moral e psíquico, bem como a referência paterna ou materna concretas, o que acarretaria a violação de direitos próprios da personalidade humana, de modo a magoar seus mais sublimes valores e garantias, como a honra, o nome, a dignidade, a moral, a reputação social; isso, por si só, é profundamente grave.
5 OS DEVERES DOS PAIS
A responsabilidade dos pais é dever irrenunciável. Essa prerrogativa leva em conta a vulnerabilidade da criança e do adolescente, seres em desenvolvimento que merecem tratamento especial. Nesse sentido, o ordenamento jurídico brasileiro atribui aos pais certos deveres, em virtude do exercício do poder familiar.
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Entre os principais deveres dos pais em relação à sua prole, está o dever de companhia e convivência, pois, conforme já enunciado, será através das experiências diárias que os filhos formarão sua personalidade, devendo ser o lar um ambiente harmonioso, para não acarretar danos ao desenvolvimento psíquico dos filhos.
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família[2] (art. 205, CF), reclama atenção especial dos pais, pois estes têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores (art. 229, CF).
Tais normas constitucionais encontram outras disposições no Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente, valendo lembrar que aos pais, enquanto titulares do pátrio poder, compete-lhes, quanto à pessoa do filho, dirigir-lhe a criação e educação (art. 384, inciso I do Código Civil), afirmando o Estatuto da Criança e do Adolescente que aos mesmos incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores (art. 22).Todos claro, pautados no princípio da dignidade da pessoa humana, conforme art.1º, inciso III, da lei maior.
Criar é também educar, de sorte que o primeiro seria um dever genérico do qual o segundo seria uma de suas espécies. Educar, por outro lado, em sentido amplo, no propósito de transmitir e possibilitar conhecimentos, despertando valores e habilitando o filho para enfrentar os desafios do cotidiano. A educação, neste sentido, viabilizaria o desenvolvimento mental, moral, espiritual e social da criança e do adolescente, pautado, sobretudo, no afeto.
Ademais, a Lei 8.069/90, Estatuto da Criança e do adolescente (ECA), evidencia a existência de deveres intrínsecos ao poder familiar, conferindo aos pais obrigações não somente do ponto de vista material, mas especialmente afetivas, morais e psíquicas.
Assim é que Taísa Maria Macena Lima (1984, p. 31) lembra que o dever de criação abrange as necessidades biopsíquicas do filho, o que está vinculada à satisfação das demandas básicas, tais como os cuidados na enfermidade, a orientação moral, o apoio psicológico, as manifestações de afeto, o vestir, o abrigar, o alimentar, o acompanhar física e espiritualmente
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ao longo da vida.No que toca a formação do ser, Rodrigo da Cunha Pereira (2003, p. 54) escreveu:
O essencial para a constituição e a formação do ser, para torná-lo sujeito capaz de estabelecer laço social, é que alguém ocupe, em seu imaginário o lugar simbólico de pai e mãe. O importante é que tenha um adulto que possa ser a referência e que simbolize para a criança este lugar de pai e de mãe, que é dado pelas funções exercidas em sua vida.
Importante frisar também, que existem casos em que as lacunas deixadas pelo pai e pela mãe são preenchidas por outros membros da família biológica, substitutos ou ainda por pais sociais.
Destarte, caso os pais, ou mesmo as pessoas a quem se incumbiu de exercer esse papel, não desempenhem as suas “funções”: de cuidar, zelar, educar, enfim, proporcionar um núcleo familiar mínimo para o ser para além do dever de sustento apenas, e venha o mesmo, a serem atingidos por danos de ordem moral e psíquica, os que o negligenciaram podem vir a sofrer reparação de danos morais, desde que os requisitos legais estejam devidamente comprovados.
Portanto, os deveres dos pais para com seus filhos vão muito além da esfera material, de modo que, com as transformações sofridas no âmbito do direito das famílias, as relações de parentesco encontram-se cada vez mais pautadas na afetividade. Assim sendo, a preocupação em atender as necessidades do filho, apenas no que diz respeito ao aspecto material, pode trazer danos irreparáveis, de cunho moral e psicológico para o indivíduo, aptos a gerar a responsabilização civil por parte dos “agressores”, conforme se verá adiante, com as recentes decisões dos Tribunais Superiores a respeito.
6 DAS DECISÕES JUDICIAIS INOVADORAS
O grande avanço sofrido no direito de família, no que tange a maior atenção voltada para o campo da afetividade, cedeu espaço para que os “lesados” (os filhos) despertassem para a possibilidade de punição dos
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“infratores”, como forma de punição essarcimento pelo abandono sofrido. Dessa forma é que o judiciário atende á diversas demandas nesse sentido, o que faz gerar uma divergência muito grande entre os juristas.
Tanto é assim que, enquanto uns acreditam que não se pode dar preço ao afeto, que o amor não se obriga, nem se mede, deve existir de maneira espontânea, existem outros que entendem, que muito embora não possa ser dado preço ao amor, a partir do momento em que a falta de afeto ocasione no indivíduo danos, traumas, sequelas, o mesmo deve sim ser reparado, sendo o valor pecuniário a via mais adequada para minorar tantas perdas impossíveis de serem sanadas, o que não descarta a premissa incontestável de que o amor não pode ser mensurado.
Partindo dessa linha de raciocínio, diversas foram as decisões inovadoras que chegaram até o judiciário, sendo a mais relevante a da 3º turma do Superior Tribunal de Justiça, que condenou um pai a pagar a uma filha o valor de 200 mil reais decorrente de abandono afetivo. Com a frase: “Amar é faculdade, cuidar é dever”, a ministra Nancy Andrighi, aduziu ser possível indenização por danos morais decorrente do abandono afetivo pelos pais.
No caso, a autora entrou com ação contra o pai, após ter obtido reconhecimento judicial da paternidade, por ter sofrido abandono material e afetivo durante a infância e adolescência. Argumentou que não recebeu os mesmos tratamentos que seus irmãos, filhos de outro casamento do pai. Na primeira instância, o pedido foi julgado improcedente, tendo o juiz entendido que o distanciamento se deveu ao comportamento agressivo da mãe em relação ao pai.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), porém, reformou a sentença de improcedência mencionada. Em sede de apelação, a Autora afirmou que o pai era “abastado e próspero” e reconheceu o abandono afetivo. A compensação pelos danos morais foi fixada em R$ 415 mil. No Superior Tribunal de Justiça, o pai alegou violação a diversos dispositivos do Código Civil e divergência com outras decisões do tribunal. Ele afirmava não ter abandonado a filha. Além disso, mesmo que tivesse feito
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isso, não haveria ilícito indenizável. Para ele, a única punição possível pela falta com as obrigações paternas seria a perda do poder familiar.
Ora, sem a reparação moral, o único efeito decorrente do abandono parental é a perda do poder familiar, conforme estabelece a norma. Será mesmo que apenas a perda do pátrio poder familiar é uma punição suficiente para um pai que abandona seu filho? Segundo a Ministra relatora do julgado acima:
(…) a perda do pátrio poder não suprime, nem afasta, a possibilidade de indenizações ou compensações, porque tem como objetivo primário resguardar a integridade do menor, ofertando-lhe, por outros meios, a criação e educação negada pelos genitores, e nunca compensar os prejuízos advindos do malcuidado recebido pelos filhos[3]
A ministra Nancy assim assevera: "Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos”, ponderou a ministra. O amor estaria alheio ao campo legal, situando-se no metajurídico, filosófico, psicológico ou religioso[4].
Diante disso, defende-se nesse trabalho o posicionamento e fundamentos adotados pela ministra Nancy Andrighi.
A Turma considerou apenas o valor fixado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo elevado (R$ 415 mil), mesmo diante do grau das agressões ao dever de cuidado presentes no caso, e reduziu a compensação para R$ 200 mil. No julgamento do Superior Tribunal de Justiça, ficou vencido o ministro Massami Uyeda, que divergiu da maioria.
Apesar de este julgado ter sido o mais conhecido não foi o único, de modo que muitos outros existem em nosso ordenamento jurídico, como a do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na comarca de Capão da Canoa, em decisão proferida pelo juiz Mário Romano Maggioni, que condenou um pai por abandonar moralmente sua filha, ao pagamento de
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uma indenização, a título de danos morais, correspondente a duzentos salários mínimos, em sentença transitada em julgado em agosto de 2003.
O douto magistrado fundamentou sua decisão, no fato de que muito embora tal valor não sirva como forma de reparar, na totalidade, o dano sofrido pela filha, servirá como uma forma de amenizar a dor e lhe dar suporte para procurar auxílio psicológico e outros confortos para compensar a falta do pai. Enquanto para o pai, tal pena servirá como uma forma de pensar sobre a função de ser pai, de modo que assim destacou: “fa-lo-á repensar sua função paterna ou, ao menos, se não quiser assumir o papel de pai que evite ter filho no futuro[5].”
Ainda em consonância com essa corrente, segue a decisão do juiz da 31º vara cível de São Paulo, Luiz Fernando Cirillo, que condenou um pai a indenizar sua filha em virtude de danos morais, em montante aproximado de cento e noventa salários mínimos, reconhecendo que “a paternidade não gera apenas deveres de assistência material, e que além de guarda, portanto, independentemente dela, existe um dever a cargo do pai, de ter o filho em sua companhia[6]”.
A perita responsável concluiu no processo que a filha apresentava conflitos de identidade, devido ao abandono, uma vez que seu pai não demonstrava afeto nem interesse em seu estado emocional, precisando de cuidados médicos e psicológicos por longo tempo para amenizar as sequelas do abandono.
Por tudo isso, percebemos que a questão do dever de responsabilidade civil, como forma de punição para o abandono afetivo ainda hoje, encontra várias divergências e resistência perante os tribunais. No entanto, essa celeuma não parará por aí, muitos outros casos virão, e muitas outras vezes os tribunais serão requisitados para resolver tais conflitos.
7 RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS POR ABANDONO AFETIVO DOS FILHOS
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Não há motivos que impeçam a aplicação da responsabilidade civil nas relações familiares. No pensar de Cristiano Chaves de Farias (2008, p. 115):
“A possibilidade de caracterização de um ato ilícito (conforme regras gerais dos arts.186 e 187 do código civil) em uma relação familiar é certa e incontroversa, impondo por conseguinte, a incidência da responsabilidades civil no direito das famílias, com o conseqüente dever de reparar os danos, além da possibilidade de adoção de medidas para eliminação do dano (tutela específica, conforme balizamento do art. 461 do código de processo civil).”
A partir do momento em que há a ocorrência de um ato ilícito, surge, então, o dever de indenizar, e no Direito das Famílias não poderia ser diferente. Conforme preceitua o art. 229 da Constituição Federal, os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores.
Por ato ilícito entende-se a violação de um dever imposto constitucionalmente, assim sendo, “violar exprime-se em infringir, ofender, qualquer tipo de direito esteja ele previsto tanto na Carta Constitucional como em qualquer outro dispositivo, incluindo o Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente, reguladores do tema em questão” (VENOSA, 2003, p. 27).
No entender de Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2001, p. 147): “A autoridade parental está impregnada de deveres não apenas no campo material, mas principalmente no campo existencial, devendo os pais satisfazer outras necessidades dos filhos, notadamente de índole afetiva”.
Ora, e esse dever de criação, assistência e educação vai muito além da esfera material apenas. É dever dos pais propiciar ao indivíduo condições mínimas, para que ele possa se desenvolver satisfatoriamente enquanto pessoa no decorrer de sua vida. E, para tanto, uma estrutura familiar, um acompanhamento contínuo, uma boa educação, cuidado, convívio, criação são requisitos mais do que fundamentais.
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Destarte, a partir do momento que o genitor se omite a cumprir com o seu dever de pai, e, mais uma vez, frise-se, dever este que vai muito além da esfera material, surge para o filho, um dano, restando claro a existência de um ato ilícito, passível, portanto, do dever de reparação.
Quanto ao caso do dano moral, especificamente, Rodrigo da Cunha Pereira8 expôs que o direito violado nesse caso consistiria no mau exercício do poder familiar, tendo em vista a rejeição e o abandono, que se concretiza a um dano ao direito da personalidade do filho, ressaltando que os menores não têm apenas direito ao nome de filho, mas também ao estado de filho.
O que se coloca em pauta não é o amor. A questão não é querer medir, tampouco valorar financeiramente o afeto - tais sentimentos, justamente pela sua essência, devem se estabelecer de maneira espontânea.
O que se vislumbra é a verificação do cumprimento/descumprimento de uma obrigação legal: cuidar. A intenção é diminuir os traumas sofridos, por aquele que cresceu sem o companheirismo dos pais, sem seu apoio, e que, de fato, sentiu-se prejudicado com isso. É claro que existem pessoas que convivem muito bem com esse abandono afetivo, que sobrevivem sem o convívio e apoio dos pais e não se sentem prejudicados ou afetados com essa constrição, seja porque essa função afetiva e amorosa foi suprida por outra pessoa, os chamados ‘pais sociais’, ou simplesmente porque para esse filho aquele papel não exercido não era essencial e, nesse caso, para estas, descabe o dever de indenização. Mas infelizmente não é essa a regra.
Conforme aduzido, um dos elementos indispensáveis para que uma conduta esteja apta a ser reparada civilmente é a existência do dano, dessa forma uma vez que a prole não se sentiu agredida de nenhuma forma pelo descaso dos seus genitores, claro está à falta de motivo apto a ensejar a reparação. Partindo desse raciocino ressaltou Hironaka (2005.p465):
“que o dano causado pelo abandono afetivo é antes de tudo, um dano culposamente causado, à personalidade do indivíduo. Macula o ser humano enquanto pessoa, dotada de personalidade, que certamente, existe e manifesta-se por meio do grupo familiar, responsável que é por incutir na criança, o
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sentimento de responsabilidade social, por meio do cumprimento das prescrições, de forma a que ela possa, no futuro, assumir a sua plena capacidade de forma juridicamente aceita e socialmente aprovada. Trata-se de um direito da personalidade, portanto”.
No entanto, frise-se, para que seja passível de indenização o dano tem que ser necessariamente comprovado. Sob pena de faltar um dos requisitos indispensáveis para a caracterização da responsabilidade civil.
A questão pecuniária, com a condenação a título de dano moral, é propiciar à parte lesada um mínimo de compensação, já que não se pode obrigar o pai a cuidar, proteger, zelar pelo seu filho. Que seja ele punido de alguma forma, por esse descaso.
Há quem defenda que o meio hábil para “punição” em casos como esse é a perda do poder familiar, o que, sem dúvidas, é um contrassenso, se for levado em consideração que tal “pena” é tudo que esses pais já ausentes mais querem para restar legitimada a desobrigação junto àquele filho.
Levando em consideração a dupla função do dano moral, qual seja o de cunho indenizatório e sancionador, imperioso se faz o seu arbitramento. Como a falta de afeto pode causar imensos prejuízos emocionais aos filhos, podendo comprometer até mesmo a formação intelectual e a personalidade da criança, tal indenização pode ser usada de maneiras diversas: pelo filho para custeio dos tratamentos psicológicos, por exemplo, como uma forma de amenizar o abandono sofrido, eis que insuscetível de outra forma de reparação, enquanto que para o pai fica a lição - para ele o caráter é sancionador por ter se omitido do dever de pai, dever esse expressamente garantido em nosso ordenamento pátrio.
Em “Os contornos jurídicos da responsabilidade afetiva na relação entre pais e filhos. Além da obrigação legal de caráter material”, nas palavras de Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (2005):
O que produzirá o liame necessário, o nexo de causalidade essencial, para a ocorrência da responsabilidade civil por abandono afetivo deverá ser
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a conseqüência nefasta e prejudicial que se produzirá na esfera subjetiva, íntima e moral do filho, pelo fato desse abandono perpetrado culposamente por seu pai, o que resultou um dano para a ordem psíquica dele.
Comunga-se, pois, do mesmo entendimento mencionado acima, e, assim, desde que haja uma conduta culposa por parte dos pais, no que tange ao abandono afetivo para com o seu filho, e essa ação e/ou omissão, deixar seqüelas, a responsabilidade civil mostra-se incontestável, sendo a indenização o meio apto para tanto.
Na medida em que, não existe outra forma de reparação em casos como estes, sendo o ressarcimento na forma de dano moral a única alternativa para tentar compensar os traumas sofridos pelo filho. Já que, conforme dito no decorrer do presente artigo, a perda do poder familiar para essas pessoas ao contrário de ser um “castigo”, mostra-se como um bônus, retirando assim o caráter sancionador do dano moral.
8 CONCLUSÃO
Finalizando, percebe-se, pois que é possível sim a responsabilização civil por abandono afetivo dos pais, desde que tal abandono afete o indivíduo, sendo capaz de causar danos, e a reparação de cunho indenizatório mostra-se irrenunciável.
Bem é assim que se o genitor por omissão voluntária, consistente no abandono do menor, na forma de culpa ou dolo acabar por violar direito, os quais deveriam ser resguardados pelo pátrio poder, como o direito à convivência familiar, causando-lhe dano psíquico-moral, poderá, pois, ser obrigado a repará-lo, conforme o art.927 do Código Civil.
A pretensão indenizatória restará configurada a depender da fase probatória e casuística, e da análise de cada caso concreto. E, acaso se mostre necessária a fixação da indenização pelos danos experimentados, o valor quantificado para tanto não estará apto a monetarizar ou suprir a ausência do afeto, de modo que o valor de tal montante é simbólico e tem apenas uma função punitiva/educativa.
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Cumpre destacar que o valor indenizatório possui caráter dúplice: tanto punitivo do agente, quanto compensatório em relação a vítima.
Dessa forma, cabe ao julgador ponderar, sem nunca negar a afetividade na aplicabilidade da norma constitucional protetiva dos menores, de acordo com cada situação fática que tenha a sua disposição, levando sempre em consideração o binômio: necessidade e possibilidade.
É inescusável o fato de que os magistrados devem à luz de cada caso concreto analisar se estão presentes os requisitos aptos a ensejar a reparação, de modo a ter pleno convencimento de que naquele caso houve violação a direito, caracterizando ato ilícito passível de reparação.
Partindo da premissa de que houve uma expressiva evolução no direito de família, na importância auferida pelo princípio da afetividade, necessariamente presente nas suas relações intersubjetivas, comunga-se nesse estudo com a mesma decisão proferida pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça.
Com efeito, valorizar mais a essência do ser humano, consoante preceituam as normas constitucionais, observando-se, sobretudo, os princípios da dignidade da pessoa humana e da afetividade, cada vez mais presentes no atual direto de família, buscando-se solução justa, provida inevitavelmente de um mínimo de emoção e valores pessoais, mas principalmente de racionalidade, visa-se cada vez mais a sensatez e o senso de justiça, com o fito de dar a cada um o que lhe é de direito e evitar injustiças. A intenção precípua dessa proteção é coibir a paternidade irresponsável e proteger os valores supremos inerentes a cada ser.
Certamente nosso ordenamento jurídico não possui meios para obrigar um pai a amar seu filho, entretanto, se dessa falta de amor surgir danos para o indivíduo, indiscutivelmente surgirá à responsabilidade civil, como forma de minorar as consequências nefastas para sua formação.
REFERÊNCIAS
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NOTAS:
[1] Art. 927, CC (...) Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos específicos em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem.
[2] Art. 227, CF: É dever da família, da sociedade e do estado assegurar, à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito á vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
4 [3] Recurso Especial nº 1.159.242 - SP (2009⁄0193701-9)
[4]Recurso Especial n. 1.159242-SP
6 [5] Ação indenizatória nº 1411030012032-0
[6]Ação indenizatória n. 01036747-0
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DOIS MODELOS DE GERENCIAMENTO DE PROJETOS DE SOFTWARE PARA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
IGGOR LEONARDO COSTA GONTIJO: Servidor do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (2012). Especialista em Gerência de Tecnologia da
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Informação pela Universidade FUMEC (2004). Bacharel em Ciência da Informação pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas (2003). Tem experiência na área de Administração Pública e Privada, com ênfase em Tecnologia da Informação, atuando principalmente com os seguintes temas: governança de tecnologia da informação, aquisições, licitações e contratos, gerenciamento de projetos, gerenciamento de documentos eletrônicos, inovação tecnológica, educação a distância, gestão acadêmica, desenvolvimento de sistemas.
Resumo: O Gerenciamento de Projetos vem se mostrando em um contexto no qual as organizações públicas tem, cada vez mais, buscando melhorias em seus processos de gestão e otimização de recursos. Este trabalho insere‐se nesse contexto, propondo a aplicação da metodologia de Gerenciamento de Projetos Ágil de desenvolvimento de software (SCRUM) às praticas tradicionais de gerenciamento de projetos recomendadas pelo PMBOK na Administração Pública.
Palavras‐chave: Administração Pública, Gerenciamento de Projetos Ágil, PMO Ágil, SCRUM
Abstract: The Project Management has proved in a context in which public organizations have, increasingly, seeking improvements in their management processes and optimize resources. This work fits into this context, proposing the application of the methodology of Project Management Agile software development (SCRUM) to traditional practices project management recommended by the PMBOK in Public Administration.
Keywords: Public Administration, Agile Project Management, Agile PMO, SCRUM.
1. INTRODUÇÃO As áreas de Tecnologia da Informação (TI), notadamente em
organizações da Administração Pública, tem enfrentado uma pressão crescente para reduzir orçamentos, melhorar a qualidade de seus produtos e realizar entregas mais rapidamente. As demandas do negócio
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se deparam rapidamente com as atuais práticas de TI: complicados requisitos de gestão, nebulosos, fracos na gestão de projetos, arquiteturas complexas, lentas e ciclos de testes. Reconhecendo a necessidade de ser "mais ágil" em resposta a estas pressões, as equipes de TI estão cada vez mais olhando para as práticas ágeis. Isto porque elas destilam a essência de TI em uma coleção eficiente de técnicas e oferecem uma forma de trabalhar intuitivamente atraente.
No entanto, fazer a nuança nas organizações públicas não é algo trivial, ao contrário, pode requerer muito tempo, uma vez que tais práticas contradizem muitos comportamentos. Na abordagem tradicional, existem longas e distintas fases de atividade, incluindo análise, programação, testes e implantação. Estas fases são ligadas entre si por artefatos como casos de uso, codificação, ou casos de teste. Concepção, desenvolvimento e teste são realizados de forma continua em ciclos curtos de entregas através de processos altamente colaborativos. As atividades são mantidas ligadas a pessoas, não a artefatos.
O desenvolvimento ágil de software é realmente uma mudança nos métodos de trabalho e uma mudança no estilo de gestão, e este estilo está voltado para as pessoas e a base de experiência existente, mais do que a própria engenharia, devendo constituir-se em uma verdadeira tendência, uma mudança nos métodos de trabalho e mudança paradigmática na maneira como o software é produzido (ANDERSON, 2003).
A TI é gerenciada pelo alinhamento de todas as partes de entrega com sucesso do software funcionando e empenhada para as próximas entregas. Claramente, "ser Ágil" pode ser uma grande mudança para uma posição diferenciada. O caminho da adoção das práticas ágeis está bem encaminhado, mas mal iluminado.
Cada organização e cada projeto são únicos. Os processos de trabalho ágeis devem ser suficientemente específicos para serem compreensíveis, definidos o suficiente para serem repetitivos, maleáveis o suficiente para mudanças com experiência e suficientemente flexíveis para acomodar uma ampla gama de operações reais. As práticas ágeis devem ser suficientemente amplas para suportar diversas situações ou trarão poucos benefícios. As pessoas envolvidas com estas práticas devem dominá‐las
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rapidamente ou a alteração do processo será entendida como resultado de valor limitado.
Quando estão em processo de transição para as práticas ágeis, os gestores devem estar sintonizados com várias dicotomias. Ao efetuar a mudança, as práticas estão sendo suficientemente empreendidas, ou é um caso de tentar fazer demasiadamente mais rápido? Fazer as pessoas abordarem a mudança com ceticismo saudável, ou elas estão passivamente agressivas em direção à mudança? A transparência na execução expõe problemas ou faz as equipes jogarem com os resultados para esconder desempenho? O reconhecimento por estes pequenos detalhes separam o sucesso da adoção de abordagens ágeis de uma falha na iniciativa por mudança. O desafio para os gerentes iniciantes nas práticas ágeis é converter as forças que resistem à mudança naquelas que permitam mudar.
O cenário global tem mostrado o aumento da competitividade, exigindo cada vez mais agilidade e rapidez das organizações, ao mesmo tempo em que cresce a quantidade de projetos a serem executados, tomando mais difícil o controle de indicadores de desempenho de custos, prazos e qualidade que garantam a utilização consistente da metodologia de gerenciamento de projetos tradicional.
A metodologia de Gerenciamento de Projetos Ágil está voltada para a rapidez de adequação às mudanças e às situações voláteis do ambiente, com um grau de informalidade em seu processo que é merecedor de várias criticas.
Desta forma, o objetivo geral desse trabalho é avaliar as fases, valores e princípios do Gerenciamento de Projetos Ágil em projetos de desenvolvimento de software com o SCRUM.
2. O GERENCIAMENTO DE PROJETOS
O objetivo deste capítulo e apresentar de forma consistente o estado da arte do gerenciamento de projetos no desenvolvimento de software em seus moldes tradicionais de forma a fundamentar o desenvolvimento do estudo objeto do capítulo seguinte.
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2.1 O estado da arte
Atualmente, o gerenciamento de projetos tradicional ainda é o método mais utilizado no desenvolvimento de software. Baseado em processos bem definidos e documentados, estes tem passado por várias melhorias em diversas organizações (BOEHM, 2002). A forma planejada, o nível de detalhamento e a disciplina aplicada aos seus processos permitem a medição e o controle de todas as suas etapas, permitindo que os membros da equipe conheçam claramente os seus papéis e que a evo1uco do projeto venha a ser demonstrada pelos artefatos gerados em cada uma destas fases. Seu ciclo de vida vem a ser definido pelos processos de iniciação, planejamento, execução, controle e fechamento, onde o gerente do projeto é o responsável pela rea1izaco dos objetivos do projeto (PMI®, 2004). Tais processos definem as atividades que deverão ser executadas, os recursos utilizados para a sua realização e os produtos a serem entregues ao cliente.
Por estar baseado no processo, o gerenciamento tradicional depende muito do apoio da alta gerência, da comunicação e da estrutura organizacional, tomando‐se estes os requisitos que garantirão o sucesso do empreendimento. (BOEHM, 2002).
Segundo BOEHM (2002), a forca do método tradicional de gerenciamento de projetos está na base histórica criada pela repetição e comparação decorrentes da padronização estabelecida pelo processo:
A partir das informações históricas e da repetição obtém-se a melhoria da capacidade do processo através da padronização, medição e controle do projeto (BOEFIM, 2002).
Alguns dos conceitos mais importantes deste método tradicional de gerenciar projetos estão relacionados com a utilização e aplicação do processo estabelecido e escolhido pela organização. O primeiro define o quanto a contribuição do processo definido e importante para a obtenção dos resultados esperados – capacidade do processo. O segundo está voltado para o grau de preocupação da empresa como um todo na aplicação destes processos – maturidade da organização. O processo deve, ainda, ser monitorado e as melhorias incorporadas, a fim de manter estes processos atualizados em relação às características do ambiente de realização destes projetos – melhoria dos processos.
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Contudo, o método tradicional apresenta problemas para aqueles projetos onde devam existir situações críticas que envolvam prazos restritos e com mudança exagerada de requisitos, não conseguindo responder com facilidade e rapidez as mudanças impostas pelos clientes, o que exige uma atuação mais forte e centralizada por parte do gerente de projetos, vindo este a ser o principal responsável pelo sucesso do projeto. Cada membro da equipe tem a definição clara do seu papel e de suas atividades, limitando a influência e uma maior colaboração durante a execução do projeto.
O cliente tem sua participação concentrada nas fases iniciais do projeto quando ocorre o levantamento de requisitos, vendo sua participação diminuir na medida em que o projeto evolui, passando então a realizar apenas as validações das entregas geradas pelo projeto.
A fase de planejamento é extensa e detalhada. E nela que é definido o cronograma com suas atividades, pontos de controle e procedimentos responsáveis por dar direção para a geração dos produtos. O plano será utilizado para medir o progresso durante a fase de execução do projeto e está sujeito às alterações ocorridas com a evolução do trabalho. A comunicação a que é submetida a equipe do projeto está baseada na documentação gerada ao longo das etapas do processo.
Mudanças são necessárias para a sobrevivência das empresas em mercados extremamente competitivos. Estas mudanças organizacionais profundas e, normalmente, de longo prazo delineiam fortemente o caráter da organização, porém, não se deve permitir que a cultura organizacional torne‐se engessada, burocrática e em não conformidade com os desejos de seus clientes e de valores que valem de fato a pena. É preciso sim que existam ações transformadoras, onde cada colaborador tenha consciência de ser um agente da manutenção ou transformação da cultura.
O sucesso da implantação de toda e qualquer metodologia será alcançado na mesma medida em que o background da organização esteja preparado para receber as mudanças que uma nova abordagem trará para a organização, garantindo que os processos e pessoas estejam alinhados à sua estratégia de negócio. As pessoas e suas culturas são pontos de suma importância neste processo. É necessário mudar os valores comuns e as crenças dos grupos para que os resultados possam surgir através de
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processos de melhoria contínuos. Toda mudança tende a ser dificultada na medida em que existem culturas centradas internamente, processos burocráticos e o medo que o ser humano tem do desconhecido. A cultura deve ser compreendida como um processo contínuo, proativo da construção da realidade e que dá vida ao fenômeno da cultura em sua totalidade. Quando compreendida desta forma, a cultura pode não mais ser vista como uma simples variável que as sociedades ou organizações possuem. Em lugar disto, ela deve ser compreendida como um fenômeno ativo, vivo, através do qual as pessoas criam e recriam os mundos dentro dos quais vivem.
1.1. Escritório de Projetos (PMO)
O conceito do Project Management Office (PMO), o mesmo que Escritório de Gerenciamento de Projetos (EGP), apareceu no final da década de 50 e começo da década de 60 (KERZNER, 2002). Os grandes projetos militares, aeroespaciais e da construção civil caracterizam uma época em que os projetos eram específicos para algumas poucas áreas e eram executados por especialistas e com suas ferramentas especificas, e estes eram focados em controles. Com o surgimento dos primeiros softwares de gestão "amigáveis" no início da década de 70, surgem também projetos de diferentes áreas funcionais, porém isolados um dos outros, sendo a função maior dos escritórios a de dar suporte a estes projetos. Tal visão perduraria ate o inicio da década de 90, quando despontam os softwares de gerenciamento, responsáveis por administrar muitos projetos, complexos e integrados, e com o foco voltado para a estratégia das organizações. Em meados de 2000, o Gerenciamento de Projetos ganha ênfase e o Escritório de Projetos passa a ser o responsável por garantir o uso dos processos de gerenciamento de projetos.
TABELA 1 - EVOLUÇÃO DO ESCRITÓRIO DE PROJETOS. (LEITAO, 2006)
Foco em controle / reativo Foco estratégico / proativo
1960 1970 1980 1990 2000 2010
Escritório de Controle de Projetos
Escritório de Suporte a Projetos
Escritório de Gerenciamento de Projetos
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Especialistas em controle de projetos
Áreas funcionais particionam do gerenciamento de projetos
Processos de Gerenciamento de projetos são estabelecidos
Grandes projetos militares, aeroespaciais, Construção civil
Projetos de diferentes áreas e isolados
Muitos projetos integrados e complexos
Especialistas, Ferramentas específicas
Primeiros softwares de gestão “amigáveis”
Ênfase em Gerenciamento de Projetos
Desde a década de 60 a gestão de projetos apresenta alguma evolução e os escritório de projeto começam a ganhar importância. A partir de 2000 as organizações começam a vivenciar uma época de competição em que a velocidade de disponibilização de novos produtos e serviços tome‐se o elemento de fundamental importância para a sobrevivência destas organizações, que deverão ser mais pressionadas por lançar produtos com menores custos e prazos. O cenário contemporâneo deverá mostrar cada vez mais que as organizações e seus escritórios de projetos se sobressaem as demais por aquilo que fazem de melhor, sendo o fator responsável por esta diferenciação do nível de conhecimento que estas organizações detêm em relação às demais. O conhecimento individual deverá ser convertido em conhecimento organizacional. Os modelos tradicionais não deverão atender mais as necessidades das organizações. As metodologias ágeis deverão firmar‐se como alternativas e tenderem a se concretizar na medida em que estas mesmas empresas decidam compartilhar seus valores e estimulem a interação entre seus membros, um dos princípios destas metodologias. Toma‐se necessário, portanto, a adequação e evolução do escritório de projetos as respectivas metodologias.
Dentre as diversas estruturas de gerenciamento de Projetos existentes nos dias de hoje, provavelmente o PMO (Project Management Office) é a de maior sucesso e das mais estudadas pelas empresas, podendo variar de acordo com o nível de maturidade da organização. A maneira como estes Escritórios de Projetos são estruturados em uma organização vai variar sempre de uma organização para outra. No entanto, dependendo da forma como estes escritórios só implantados nas
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empresas, poderão ainda proporcionar suporte a metodologia e coaching aos próprios gerentes de projeto. Entre as funções dos escritórios de projeto, existem três principais áreas: desenvolvimento, suporte e controle.
As funções de desenvolvimento envolvem o recrutamento, o treinamento e o desenvolvimento dos gerentes de projeto. As funções de suporte são aquelas que ajudam os gerentes de projeto a fazerem seu trabalho de uma maneira melhor através do oferecimento de assistência e clareza com os processos do gerenciamento de projetos. As funções de controle são aquelas da gerência funcional e incluem: a avaliação de gerentes de projeto, a alocação de gerentes de projeto a projetos, a garantia de que as entregas dos projetos são produzidas e se apresentam com uma qualidade adequada e, o estabelecimento de padrões. As organizações, grandes e pequenas, estão percebendo os benefícios que um controle consistente sobre seus projetos pode oferecer. Porém, deve‐‐se tomar cuidado para não transformamos o PMO de uma empresa em um departamento puramente burocrático, conforme defende BURGHARDT:
Um PMO não deve se transformar em um mero e degradante acumulador e distribuidor de papéis. Existem muitos aspectos que deveriam ser analisados depois que a decisão de implementação do PMO foi tomada. BURGHARDT (2000).
Alguns destes aspectos são: o envolvimento da alta gerência, dos gerentes funcionais e dos gerentes de projeto da organização, o compromisso da organização com a metodologia de gerenciamento de projetos e os benefícios que a nova estrutura ira trazer a organização.
O PMO consiste em uma estrutura voltada para a aplicação dos conceitos de gerenciamento de projetos dentro de uma organização, podendo assumir diferentes funções junto à mesma: desde um simples setor para o auxílio no controle de projetos, W um departamento da empresa por onde passam todos os projetos gerenciados pela organização.
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1.2. O papel do PMO nas estruturas organizacionais
Segundo o PMBOK (PMI, 2004), os projetos normalmente fazem parte de uma organização que é major que o projeto. Mesmo quando o projeto é externo (joint ventures, parcerias), ele ainda será influenciado pela organização ou organizações que o iniciaram. A maturidade da organização em relação ao seu sistema de gerenciamento de projetos, sua cultura, seu estilo, sua estrutura organizacional e seu escritório de projetos também pode influenciar o projeto.
Assim como todo e qualquer projeto, a implantação do PMO também é um projeto e certamente um dos passos mais importantes e definir seus objetivos e a razão que levaram a organização a implantá‐lo. E preciso também que os stakeholdersestejam cientes sobre os papéis e responsabilidades atribuídos ao PMO, que tipos de serviços estarão sendo prestados, a quem ele estará subordinado, sua abrangência e, principalmente, quem é ou são seus patrocinadores.
A importância do PMO nas estruturas organizacionais reside no fato de que existem várias razões de insucesso na sua implantação e que uma delas está diretamente associada à escolha incorreta de onde ele estará posicionado na estrutura organizacional. Algumas vezes o EGP é criado por áreas que geralmente estão ligadas a projetos voltados para atender capacidades internas da empresa, usando‐o como instrumento de defesa contra a pressão de outros grupos que os culpam sistematicamente pelos atrasos e a falta de qualidade prometida.
Segundo LESSA (2006), existem cinco tipos de Estruturas Organizacionais, a saber:
I. Organização Funcional Tradicional: E um agrupamento de pessoas por especialização, o gerente de projetos no tem uma autoridade formal.
II. Organização Funcional ProjectExpediter: Serve como um link na comunicação entre o coordenador dos projetos nas áreas funcionais.
III. Organização Funcional ProjectCoordinator: É similar ao Project Expediter, exceto que se reporta a um gerente de alto nível com uma autoridade major.
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IV. Organização Matricial (Fraca, Balanceada, e Forte): Na Organização Matricial Fraca é comum verificar‐se gerentes de vários projetos, o poder é dividido entre os gerentes funcionais e de projetos onde o único a se dedicar exclusivamente ao projeto é o Gerente de Projetos, enquanto os membros da equipe compartilham atividades nos projetos e em suas atividades funcionais. Já na Organização Matricial Balanceada verifica‐se um equilíbrio entre as atividades funcionais e as de projeto, enquanto na Organização Matricial Forte verifica‐se uma visão maior na organização com um alto valor na gestão de projetos.
V. Organização Projetizada: Apresenta como característica uma estrutura separada e vertical estabelecida para cada projeto, todos os membros da equipe se reportam diretamente ao gerente de projeto.
O Gerenciamento de Projetos e a implementação do Escritório de Gerenciamento de Projetos, ou PMO, está diretamente ligado a Estrutura Organizacional da organização fortemente relacionada, sendo dele dependente o seu sucesso.
O PMBOK (PMI, 2004) afirma, ainda, que "a estrutura da organização executora geralmente limita a disponibilidade de recursos em um espectro de uma estrutura funcional a uma estrutura por projeto, com diversas estruturas matriciais intermediárias".
A falta de padronização que possa reportar o desempenho dos projetos da organização faz com que os gerentes de projetos estejam sobrecarregados e sem tempo para análise de dados e tomada de decisão, as lições aprendidas de outros projetos não são registradas / documentadas, reconhece que a gerência de projetos como competência critica para o seu sucesso. Assim, o PMO assume um papel importante nas Estruturas Organizacionais, podendo existir em qualquer uma das estruturas organizacionais, inclusive nas que apresentam uma organização funcional.
Os membros da equipe do projeto se reportarão diretamente ao gerente de projetos ou ao PMO. O gerente de projetos se reporta diretamente ao PMO, neste caso dizemos reportar diretamente a alta
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organização da empresa, além da flexibilidade do gerenciamento centralizado oferecer ao gerente de projetos major oportunidade de promoção dentro da organização.
3. A METODOLOGIA DE DESENVOLVIMENTO ÁGIL
Muitas técnicas tem sido discutidas e elaboradas com a intenção de tomar o processo de desenvolvimento de software mais simples, mais fácil de implementar e mais responsivo as necessidades do cliente.
As metodologias ágeis refletem alguns bons exemplos. O excesso de formalidade pode limitar o progresso do projeto, mas por outro lado, o caos total, sem a utilização de processos pode impedir que os objetivos do projeto sejam alcançados, conforme defende PEREIRA (2007). Por outro lado, HIGHSMITH (2004) enfatiza que a ausência de estrutura ou estabilidade pode levar ao caos, mas que a estrutura em demasia gera rigidez. A criação de um processo específico seria justificável em um manufaturamento repetitivo, onde as atividades não são alteradas com frequência, ou nunca são modificadas. Entretanto, se a atividade e mais incerta, o processo teria que ser mais flexível e de fácil adaptação.
As organizações tem buscado a melhoria de seus processos nos últimos anos, objetivando a redução de custos e prazos, o aumento da previsibilidade e major satisfação dos clientes, com um menor número de defeitos no produto final e melhores resultados em seus negócios. As transformações do ambiente também são acompanhadas pelo gerenciamento de projetos.
O PMBOK (PMI, 2004) é um guia de melhores práticas de gerenciamento de projetos que aplicados adequadamente permitem a realização de um projeto com sucesso. Os processos de gerenciamento de projetos são divididos em nove áreas de conhecimento (escopo, prazo custo, qualidade, riscos, comunicação, recursos humanos, aquisição e integração) que organizam a aplicação das técnicas e ferramentas necessárias à realização de um projeto.
Os gerentes de projetos falam de uma "restrição tripla" ‐ escopo, tempo e custo do projeto ‐ no gerenciamento de necessidades conflitantes do projeto. A qualidade do projeto e afetada pelo balanceamento desses três fatores. Projetos de alta qualidade entregam o produto, serviço ou resultado solicitado dentro do escopo, no prazo e
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dentro do orçamento. A relação entre esses fatores ocorre de tal forma que se algum dos três fatores mudar, pelo menos outro fator provavelmente será afetado. Os gerentes de projetos também gerenciam projetos em resposta a incertezas. Um risco do projeto é um evento ou condição incerta que, se ocorrer, terá um efeito positivo ou negativo em pelo menos um objetivo do projeto (PMI, 2004).
O método tradicional está voltado para o processo sequencial e preocupado com a qualidade do produto a ser entregue. O método ágil volta‐se para uma maior rapidez de adequação a estas mudanças e mantém o cliente integrado a equipe, além de proporcionar ciclos mais curtos de desenvolvimento (BOEHM, 2002), o que faz com que os especialistas em gerenciamento de projetos travem grandes discussões.
Contudo, o gerenciamento de projetos está inserido em um contexto de frequentes falhas ocasionadas pelo no cumprimento dos prazos de entrega dos produtos que vão desde a falta de conhecimento dos métodos e técnicas ate uma má uti1izaco das práticas de Gesto de Projeto. Neste cenário, APM ‐ ou Gerenciamento de Projetos Ágil ‐ vem preencher o espaço deixado entre a Gerência de Projetos e os indicadores de desempenho relacionados ao prazo de entrega e qualidade desses projetos. APM é uma abordagem relativamente nova, o que tomam necessários estudos mais detalhados e a aplicação de casos reais para a confirmação de sua real contribuição no gerenciamento de projetos.
Apesar de poder‐se notar uma melhora significativa ao longo da última década do século 20 nos projetos de desenvolvimento de sistemas, a pesquisa publicada pela Standish Group Internacional(2003) os resultados insatisfatórios continuam relativamente altos. A pesquisa sugere ainda que, os projetos falham pela falta de conhecimento nas práticas de gerenciamento de projetos e não pela falta de verba ou conhecimento tecnológico. As empresas passaram a adotar boas práticas do gerenciamento de projetos, contribuindo para a melhora dos resultados dos projetos.
3.1 O manifesto ágil
O Manifesto for Agile Software Development (2001) publicado em fevereiro de 2001, por um grupo de 17 pensadores independentes, autores e representantes das técnicas e metodologias ágeis sobre desenvolvimento de software (Kent Beck, Mike Beedle, Arie van
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Bennekum, Alistair Cockburn, Ward Cunningham, Martin Fowler, James Grenning, Jim Highsmith, Andrew Hunt, Ron Jeffries, Jon Kern, Brian Marick, Robert C. Martin, Steve Mellor, Ken Schwaber, Jeff Sutherland, Dave Thomas), e às vezes concorrentes entre si, discutiu, coletou e documentou ideias comuns sobre o desenvolvimento de software, identificando uma abordagem ágil aplicada ao desenvolvimento de projetos, estabelecendo um padrão comum para processos ágeis.
O Manifesto fornece algumas ideias concretas, ao mesmo tempo em que discute que é preciso definir um conjunto de valores baseados na confiança e respeito mútuos e de promover modelos organizacionais baseados em pessoas, colaboração e construção de uma comunidade de organizações em que gostariam de trabalhar.
O movimento ágil não é antimetodologia. De fato, muitos de seus integrantes desejam restaurar a credibilidade da palavra metodologia, querem restabelecer um equilíbrio, abraçam a modelagem, mas não no sentido de um "diagrama empoeirado" em um repositório. A documentação é abraçada por eles, mas não em centenas de páginas de rara manutenção e utilização. E preciso planejar, mas reconhecer os limites deste planejamento em ambientes turbulentos. E preciso entregar produtos ágeis, capazes de serem adaptados de forma fácil e de se ter equipes com características semelhantes.
O "Manifesto Ágil", como passo a ser referenciado, não rejeita os processos e ferramentas, a documentação, a negociação de contratos ou o planejamento, mas simplesmente mostra que eles têm importância secundária quando comparado com os indivíduos e interações, com o software estar executável, com a colaboração do cliente e as respostas rápidas a mudanças e alterações. Esses conceitos aproximam‐se melhor com a forma que pequenas e médias organizações trabalham e respondem a mudanças.
Os valores considerados pelo Manifesto for Agile Software Development (BECK et al, 2001) são:
I. A valorização dos indivíduos e as interações sobre a importância dos processos e ferramentas;
II. O software funcionando sobre uma extensa documentação;
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III. A colaboração dos clientes sobre a negociação em contratos;
IV. As respostas às mudanças sobre o cumprimento de um piano.
3.2 Princípios do gerenciamento de projetos ágil
O Gerenciamento de Projetos Ágil foi criado a partir dos valores e princípios do Manifesto for Agile Software Development (BECK et al, 2001). Este guia de princípios pode ajudar equipes a decidir quais seriam as práticas mais adequadas no meio empresarial, a gerar novas práticas quando necessário, ou a avaliar alguma prática que venha a surgir e, implantá‐la em um gerenciamento ágil.
O gerenciamento de projetos é constituído de seis princípios que juntos criam um ambiente que encoraja a surgir os resultados no projeto. Isolados, eles podem contribuir no andamento do projeto. Estes princípios tratam do valor do produto e do estilo de gerenciamento baseado na liderança e colaboração. No primeiro, são focadas as entregas iterativas e baseadas nas funcionalidades que gerem valor para o cliente, sempre com a busca da excelência técnica. No segundo principio, toma‐se claro a necessidade de se encorajar a exploração, construir equipes que possuam elevada capacidade de se adaptar e que simplifiquem o processo. Os princípios do Gerenciamento de Projetos Ágil, segundo o Manifesto for Agile Software Development (BECK et al, 2001) estão descritos a seguir:
I. A satisfação do cliente a partir de entregas rápidas e continuas de um software valioso, que agregam valor;
II. Garantir a vantagem competitiva com a mudança de requisitos, mesmo em desenvolvimento bastante avançado;
III. Entregar frequentemente software funcionando em prazos curtos de algumas semanas;
IV. Pessoas responsáveis pelo negocio e desenvolvedores devem trabalhar juntos diariamente durante todo o projeto;
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V. Construir projetos em torno de indivíduos motivados, dando‐lhes o ambiente e confiança de que necessitam para fazer o trabalho;
VI. O método mais eficiente e eficaz de transmitir informações em uma equipe é a comunicação pessoal através da conversa "cara‐acara";
VII. A medida mais importante sobre o progresso do projeto são as entregas de código que funcionam;
VIII. Processos ágeis promovem o desenvolvimento sustentável. Patrocinadores, desenvolvedores e usuários devem ser capazes de manter o ritmo constante indefinidamente;
IX. Atenção continua para a excelência técnica e bom projeto reforçam a agilidade;
X. Simplicidade ‐ a arte de maximizar o valor de trabalho não feito ‐ é essencial;
XI. XI. As melhores arquiteturas, requisitos, e projetos emergem de equipes auto‐organizadas;
XII. XII. Em intervalos regulares, a equipe reflete sobre como se tomar mais eficaz e, em seguida, ajusta o seu comportamento.
3.3 Desenvolvimento iterativo
Uma iteração e caracterizada por uma sequência distinta de atividades com baseline e critérios de avaliação planejados. Cada iteração incorpora atividades de modelagem de negócio, requisitos, análise e projeto, implementação, testes e implantação à medida que o projeto vai evoluindo em suas fases de maturação. A cada iteração um conjunto de produtos é gerado. Neste sentido, uma medida boa do progresso e ter o software funcionando no final de cada iteração. Os benefícios do desenvolvimento iterativo podem residir no fato do desenvolvimento lidar com mudanças, o sistema ser integrado continua e progressivamente, os riscos serem atacados mais cedo, porque os elementos são integrados
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progressivamente. E possível realizar um aprendizado e melhoria continua do processo, gerando produtos mais robustos com o aumento da reusabilidade.
O desenvolvimento baseado no modelo cascata é um modelo de desenvolvimento de software sequencial através das fases que o compõe. O modelo em cascata demanda uma substancial integração e esforço de teste para alcançar o fim do ciclo de vida, um período que pode se estender por vários meses ou anos. Os requisitos de sistema identificados demoram muito tempo ate serem implementados e testados, podendo atrasar a resolução de problemas, sendo uma das causas das falhas do projeto em cascata.
No método ágil, ao contrário, deve‐se produzir um desenvolvimento completo e teste num período de semanas. Enfatiza‐se a obtenção de pequenos pedaços de funcionalidades executáveis para agregar valor ao negócio cedo, antecipando a resolução de riscos ao projeto e continuamente agregar novas funcionalidades através do ciclo de vida do projeto.
O ciclo de vida do desenvolvimento iterativo é dividido em fases e iterações. Por fase podemos entender como sendo o espaço de tempo entre dois marcos significativos do projeto, durante o qual objetivos são atingidos, artefatos elaborados e decisões sobre passar ou não para a próxima fase são tomadas. As fases indicam a maturidade do sistema. Cada uma das fases é dividida em iterações. Mudanças de requisitos e táticas são acomodadas, sendo mais fácil melhorar e refinar o produto, aumentando sua robustez, inclusive com a realização de testes e integrações acontecendo muito mais cedo, contribuindo para um maior aprendizado das organizações na medida em que o ciclo de vida evolui.
A filosofia ágil está voltada para o desenvolvimento iterativo. Ou seja, obter as exigências iniciais e criar um código que funcione, seguidos por mais exigências e por mais códigos que funcione, identificando uma iteração como um "pacote de tempo" que possui um custo fixo e um conjunto de funcionalidades que pode variar, onde estas funcionalidades serão priorizadas pelo cliente e comporão a iteração.
A flexibilidade é identificada na medida em que funcionalidades priorizadas pelo cliente poderão ser descartadas, se classificadas no final
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da lista. Assim, e possível existir funcionalidades que sejam perdidas, mas nunca as datas.
3.4 .As práticas PMIBOK x Metodologia Ágil 3.4.1 O ciclo PDCA do Gerenciamento de Projetos Tradicional
O ciclo de vida do gerenciamento de projetos tradicional é definido pelos processos de iniciação, planejamento, execução, controle e fechamento, onde o gerente do projeto e o responsável pela realização dos objetivos do projeto (PMI, 2004). Estes processos especificam as atividades ou tarefas que serão executadas, as pessoas que irão realizá‐las e os principais produtos a serem entregues ao cliente durante o desenvolvimento do projeto. A metodologia de desenvolvimento aplicada nesta modalidade de desenvolvimento de software são os modelos em cascata ou espiral, embora se perceba um crescimento do modelo iterativo e incremental.
Os processos citados acima foram mapeados pelo PMBOK de acordo com o ciclo PDCA (Plan‐Do‐Check‐Act) modificado por DEMING em 1999 (PMI, 2004), onde o planejamento corresponde ao Plan, a Execução ao Do e o Controle ao Check e Act. Os processos de iniciação e fechamento correspondem ao início e término do ciclo, respectivamente.
3.4.2 O ciclo PDCA do Gerenciamento de Projetos Ágil
O modelo de estrutura do Gerenciamento de Projetos Ágil é composto das fases: Visão, Especular, Explorar, Adaptar e Fechar. Estas fases refletem tanto as atividades quanto os seus resultados, como são descritas a seguir (HIGHSMITH, 2004):
I. Visão: E a tradicional Inicia1izaco do projeto. Determinar os objetivos do projeto, a equipe do projeto e definir como eles irão trabalhar junto. Esta fase ë a etapa crítica para o sucesso do projeto. Primeiramente, precisa‐se saber o que será produzido, ter uma visão do produto e o escopo do projeto. Segundo, quem estará envolvido no projeto desde clientes a stakeholders. E terceiro, como eles trabalharão juntos.
II. Especular: Indica um futuro incerto, mas mesmo assim tenta‐se planejá‐lo. O Gerenciamento de Projetos
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Ágil consiste mais, nos conceitos de visão e exploração do que especular e fazer. Isto mostra a alta volatilidade dos projetos atuais. Nesta fase é desenvolvido um planejamento, seguido por planejamentos específicos em cada iteração.
III. Explorar: Tem o objetivo de entregar as características testadas, em um curto espaço de tempo, procurando reduzir o risco e as incertezas do projeto. Entregas são feitas sob a forma de incrementos de funcionalidades do produto e, são divididas entre os ciclos do projeto.
IV. Adaptar: Analisa os resultados entregues, o ambiente de negócio atual, o desempenho da equipe e adapta o que for necessário, para a próxima iteração.
V. Fechar: Conclui o projeto e passa o aprendizado adiante. E outra atividade, menos glamorosa, é a de finalizar os itens em aberto, finalizar a documentação e a produção do material de suporte.
As fases Especular, Explorar e Adaptar se alternam a cada iteração para assim poder produzir um produto mais robusto. A Especulação, quando d retomada, assume o papel de planejar o ciclo mais uma vez, levando em consideração os resultados alcançados. Uma vez finalizado o produto, entra‐se na fase fechar (HIGHSMITH, 2004).
3.4.3 Áreas de conhecimento do gerenciamento de projetos aplicáveis
A possibilidade de mudança do gerenciamento de projetos tradicional para o gerenciamento de projetos ágil requer uma atenção especial em cinco áreas de conhecimento definidas pelo PMBOK (PMI, 2004), são elas: Gerenciamento de Recursos Humanos, Gerenciamento da Qualidade, Gerenciamento da Integração, Gerenciamento do Escopo e Gerenciamento do Tempo.
Tanto a abordagem ágil quanto a abordagem tradicional identificam as três restrições de um projeto como sendo: custo, tempo (agenda) e escopo. Para a abordagem tradicional, no entanto, o escopo do projeto
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deve ser fixado para que tempo e custo possam ser estimados. Já as abordagens ágeis se manifestam acreditando que o escopo estará em constante mudança, então tempo e custo devem ser fixados. Em abordagens ágeis a estratégia de Comando‐controle deve ser substituída por facilitação, colaboração e suporte.
Uma abordagem segundo as áreas do conhecimento do PMBOK (PMI, 2004) nos leva a perceber que: a preocupação está na definição do escopo em um alto nível que permita o entendimento do trabalho, inclusive com a participação do cliente para a priorização das funcionalidades; o cronograma é orientado ao produto que será produzido em iterações curtas que contribuem para uma redução dos conflitos pela cumplicidade no processo; as alterações são incorporadas dentro da iteração mais apropriada e de comum acordo com o cliente, podendo elevar o custo final; os padrões a serem seguidos devem ser estabelecidos no inicio do projeto e estarem concentrados na programação em pares; a monitoração e o controle dos riscos ocorrem durante todo o processo de desenvolvimento; a comunicação é colaborativa e direta entre todos os membros da equipe, o que exige certo grau de maturidade por parte da organização, do cliente e da equipe; todos os participantes do projeto executam suas tarefas, planejam e tomam decisões em conjunto, compartilhando suas experiências; o processo de aquisição deve ser evitado em função da volatilidade dos requisitos; a atuação colaborativa da equipe com o cliente favorece um major grau de informalidade e o conhecimento implícito é privilegiado; o papel do gerente de projetos é voltado para o papel de facilitador ou coordenador das atividades.
a) Gerenciamento dos Recursos Humanos
O PMBOK (PMI, 2004) define o planejamento organizacional como o processo onde papéis e responsabilidades são atribuídos e o desenvolvimento de time como o desenvolvimento do conjunto de competências e habilidades apropriadas para cada membro do time.
A forma ágil de se fazer isso é estabelecer times cross‐functional e permitir que eles sejam autogerenciados. Com times autogerenciados muitos imaginam que o papel de gerente de projeto passa a ser ameaçado. Ao contrário, este passa a ser muito mais importante para o projeto e para o time, agindo como um "líder servidor" descrito na década
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de 80 por Robert Greenleaf, e não mais como o gerente "comando‐controle".
b) Gerenciamento da Qualidade
Pelo fato do código ser incrementado durante o desenvolvimento de cada iteração, a abordagem ágil traz o controle de qualidade novamente para dentro da análise e desenvolvimento do produto, estando a qualidade agora presente desde as primeiras fases do projeto ao invés de ficar aguardando "o pior" no final do projeto. Todo o time tem seu papel no controle de qualidade em práticas ágeis, todos estão envolvidos em garantir que a entrega valorizará o retomo do investimento (ROT) do cliente.
c) Gerenciamento da Integração
Em Gerenciamento de Integração um entregável chave é o documento de Piano do Projeto que é elaborado e mantido peio gerente de projeto. Em abordagens ágeis este entregável é substituído por uma série de atividades de visão e planejamento que são executadas em ciclos iterativos. O controle de mudanças também é algo que sofre mudanças bem grandes nas abordagens ágeis, pois aqui este e integrado nas rotinas diárias de um time ágil. As mudanças do produto são gerenciadas através de um repositório de funcionalidades que e gerenciado pelo gerente de produto do cliente. Este e responsável por manter esta lista com funcionalidades priorizadas de acordo com o valor de negócio que elas representam para o ciente. Isto é ø que garante o ROT.
No final de cada iteração, o time realiza as reuniões de revisão e retrospectiva para colher as percepções de cada membro da equipe. O time (cliente, desenvolvedores, arquitetos, gerente de projeto, testadores) é o Change Control Board.
d) Gerenciamento de Escopo e Tempo
A abordagem ágil trabalha com tempo (agenda) e custo fixo, e para implementar as funcionalidades de alto valor para o negócio do cliente. O escopo do projeto pode, e deve ser fixo se: clientes não necessitassem de novas funcionalidades, não houvesse mudanças de mercado nem mudanças de tecnologia e se o cliente realmente conhecesse tudo que precisa no início de um projeto. Planejamento, definição, verificação e
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controle de escopo são matérias que recebem grande atenção no PMBOK (PMT, 2004).
Abordagens ágeis também comecem uma grande atenção para estas matérias, mas com uma filosofia de gerenciamento de escopo bem diferente. A abordagem tradicional trabalha duro para prevenir (e evitar) mudanças de escopo, enquanto abordagens ágeis aguardam e "abraçam" estas mudanças.
4. SCRUM: UMA METODOLOGIA AGIL
O objetivo deste capítulo é descrever de forma sucinta o SCRUM como uma metodologia ágil e sugerir de forma consistente um modelo de escritório de gerenciamento de projetos capaz de planejar, executar e controlar os projetos que necessitem de uma maior agilidade, além dos aspectos organizacionais envolvidos neste ambiente de gerenciamento.
4.1 Entendendo o SCRUM
O SCRUM foi criado no início de 1990 por Ken Schwaber e Jeff Sutherland para ajudar as organizações a lutar com complexos projetos de desenvolvimento. O trabalho de Jeff Sutherland com as primeiras ideias do SCRUM e de Ken Schwaber com metodologias transformados em vários anos de conversa, colaboração e pesquisas culminaram em um documento que ambos escreveram descrevendo SCRUM. Sete anos mais tarde, Ken Schwaber e 16 outros se juntaram, em Fevereiro de 2001, descobriram o que tinham em comum e escreveram o Manifesto Ágil. Eles fundaram a Agile Alliance, uma organização sem fins lucrativos, dedicada a criação de software ágil.
SCRUM é um processo ágil que permite manter o foco na entrega do major valor de negócio, no menor tempo possível. Isto permite a rápida e continua inspeção do software em produção (em intervalos de duas a quatro semanas). As necessidades do negócio é que determinam as prioridades do desenvolvimento de um sistema. As equipes se auto‐organizam para definir a melhor maneira de entregar as funcionalidades de major prioridade. Entre cada duas a quatro semanas todos podem ver o real software em produção, decidindo se o mesmo deve ser liberado ou continuar a ser aprimorado por mais um "Sprint".
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4.2 Conceitos
• Product backlog: E uma lista de produtos priorizada pelo proprietário do produto e que servirá de entrada para uma Sprint.
• Sprint: A Sprint é um "time‐box" de 30 dias no qual o time multifuncional do projeto ira produzir uma parte do produto definido pelo cliente. Este time será o responsável por estimar o trabalho a ser realizado em uma Sprint e dizer o que será desenvolvido naquele time‐box.
• Planning meeting: E a reunião de planejamento do Sprint.Ela ocorre no inicio de cada Sprint e pode ser composta por qualquer pessoa, além da equipe do projeto, que poderá ser convidada a participar da reunião a fim de agregar valor a reunião desde que tenha sido aprovada a sua participação pelo proprietário do produto. Em um primeiro momento o proprietário do produto e o time fazem a revisão do Product Backlog, com a intenção de discutir o propósito e as metas de cada item. O time, então, define os itens que serão desenvolvidos na próxima Sprint e a meta. Em seguida, o proprietário do produto deverá detalhar algum item ou esclarecer dúvidas quanto ao objetivo do mesmo. O time elabora a estratégia de desenvolvimento para que a meta da Sprint seja atingida. Ao final desta reunião eles devem saber responder como construir as funcionalidades do produto durante o Sprint. Essas estratégias são geradas a partir do detalhamento dos itens do Product Backlog. As tarefas geradas através desse detalhamento e chamada de SprintBacklog, onde os membros do time deverão escolher suas tarefas e estimá‐las em horas.
• Daily meeting: Reunião diária iniciada a partir do inicio da Sprint, que é realizada sempre no mesmo local e horário, com ofacilitador e os membros do time, com duração exata de minutos, para que cada um dos membros do time possam relatar os progressos e obstáculos que forem surgindo em seu caminho.
• Review: Momento em que os membros da equipe identificam se existe diferença entre o que deveria ser entregue e o que está sendo entregue.
• Retrospective: Representa a ferramenta mais importante para que o sucesso seja alcançado, pois o time comenta tudo aquilo que funcionou e no funcionou dentro da Sprint. O time visualiza os itens citados, discute sobre cada um deles e planeja ações para a próxima Sprint.
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4.3 Papéis
• Product owner (proprietário do produto)
E o responsável por definir as funcionalidades do produto e decidir as datas de lançamento e conteúdo, assumindo a responsabilidade pela rentabilidade (ROT) e priorizando as funcionalidades de acordo com o valor de mercado. Ajusta funcionalidades e prioridades e aceita ou rejeita o resultado dos trabalhos.
• Scrum Master (Gerente do Projeto)
Representa a gerência para o projeto. E o responsável pela aplicação dos valores e práticas do SCRUM, devendo remover obstáculos e garantir a plena funcionalidade e produtividade da equipe. Garante, ainda, a colaboração entre os diversos papeis e funções, servindo de escudo para interferências externas.
• Developers (Equipe)
Sua composição está voltada para um grupo entre 5 e 9 pessoas, formada por programadores, testadores, desenvolvedores de interfaces, etc., que atuam em tempo integral. O administrador de base de dados, por exemplo, 6 uma função que constitui exceção a este grupo. A equipe SCRUM é auto‐organizável e as trocas entre seus membros só ocorre na mudança de "Sprints".
A produtividade da equipe deriva de fazer as coisas certas primeiro, a partir de uma lista priorizada pelo proprietário do produto das atividades a serem realizadas, e fazer estas coisas de forma muito eficaz. A maximização desta produtividade está diretamente relacionada às medições de linhas de código por dia ou pontos‐de‐função por pessoa/mês, que são definidos pela própria equipe. E a equipe que define o planejamento e execução das atividades que estão sob sua responsabilidade. O Gerente do Projeto ou qualquer outro membro pode orientar, aconselhar e informar a equipe, mas é da responsabilidade da equipe gerir a si própria. O trabalho da equipe é concentrado em um período de 30 dias, onde haverá muita integração e disseminação de informações entre os seus membros. A equipe faz o que for necessário para cumprir o seu compromisso. Cada um de seus membros possui várias qualificações, o que facilita o trabalho de seleção própria por parte de
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cada membro das atividades a serem executadas. A equipe tem que descobrir o seu próprio trabalho.
4.4 O ciclo de vida SCRUM
No SCRUM, os projetos são organizados em ciclos (iterações), tipicamente mensais, denominados Sprint. O Sprint representa um Time Box, dentro do qual é executado um conjunto de atividades.
A lista de todas as funcionalidades a serem implementadas em um projeto é denominada Product Backlog. Essa lista não precisa estar completa no início do projeto, podendo crescer e sofrer mudanças ao longo do amadurecimento dos usuários e do produto a ser entregue.
No início de cada Sprint, é realizada uma reunião deplanejamento denominada Sprint Planning Meeting. E nessa reunião que o Product Owner, ou proprietário do produto a ser entregue, prioriza os itens do Product Backlog.
O Scrum Team seleciona as atividades que terá a capacidade de completar durante o Sprint. Estas atividades são, em seguida, transferidas do Product Backlog a Sprint Backlog, onde serão quebradas em uma ou mais tarefas, facilitando a divisão do trabalho entre os membros da equipe.
A cada dia do Sprint é realizada uma breve reunião diária chamada de Daily Scrum, na qual deve ser disseminado o conhecimento adquirido no dia anterior, identificados os impedimentos verificados e priorizado o trabalho que se inicia, contribuindo para que a equipe permaneça no caminho.
Ao final de cada Sprint é realizada a Sprint Review Meeting, na qual o Scrum Team apresenta, normalmente em forma de "demonstração", as funcionalidades concluídas em um Sprint. O objetivo do Sprint, que foi determinado no Sprint Planning Meeting, é avaliado neste momento. Nessa reunião podem participar o Product Owner, o Scrum Team, o Scrum Master, gerência, clientes e ate membros de outros projetos.
Finalmente, é realizada uma Sprint Retrospective, uma espécie de retrospectiva para identificar o que funcionou bem durante um Sprint, o que poderá ser melhorado e quais as ações deverão ser tomadas para esta
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melhora. A equipe, então, parte para a definição de um novo Sprint, reiniciando o ciclo.
4.5 O PMO Ágil
As organizações visualizam no PMO a solução dos seus problemas. E bem verdade que o PMO pode vir a assumir muitos produtos e serviços potenciais, porém, esta posição estará sempre relacionada às necessidades da organização e da visão e comprometimento de seu patrocinador. O PMO é responsável por adquirir e implementar a metodologia de gerenciamento de projetos que será utilizada por toda a organização durante a execução de cada um de seus projetos. O Escritório de Gerenciamento de Projetos acrescenta um valor significativo à organização e aos seus projetos. O modelo de PMO deve estar alinhado às expectativas da organização para que sua implantação e continuidade sejam asseguradas. O PMO é a casa do time do projeto, devendo ser, ainda, o local onde devam ser conduzidas, planejadas, organizadas, controladas e finalizadas as atividades dos projetos.
Sob esta ótica, d interessante observar que "os projetos reúnem e vendem conhecimento" (KERZNER, 2002), ficando facilitada a centralização dos conhecimentos adquiridos ao longo dos projetos, e que as melhores práticas de um projeto especifico podem ser reutilizadas em projetos futuros. Cabe ressaltar que as organizações em sua grande maioria não se interessam ou mesmo não conseguem fazer com que o conhecimento individual dos seus colaboradores seja convertido em conhecimento organizacional. O "Conhecimento" tem ganhado relevância e trazido vantagem competitiva sustentável em todos os setores de atuação das organizações.
Dentre as diversas estruturas de gerenciamento de Projetos existentes nos dias de hoje, provavelmente o PMO é a de major sucesso e das mais estudadas pelas empresas, podendo variar de acordo com o nível de maturidade da organização. Porém, deve‐se tomar cuidado para não transformarmos o PMO de uma empresa em um departamento puramente burocrático. BURGHARDT (2000) diz que um PMO não deve se transformar em um mero e degradante acumulador e distribuidor e papéis.
Os tradicionais escritórios de gerenciamento de projetos são responsáveis por prover controles e equilíbrio para o desenvolvimento e
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organizações de TI quanto aos orçamentos e calendário dos projetos. A supervisão e gestão que vem do PMO direcionam determinados comportamentos em gestores de projetos e, portanto, no projeto.
Do mesmo modo, um PMO Ágil prevê certos controles e equilíbrio, mas incide principalmente sobre o bem‐estar global do projeto. Esta diferença de "tom", não só direciona diferentes comportamentos, mas também pode contribuir para apoiar a transformação radical no seio da organização. A forca motriz toma‐se encapsulada na diferença de perspectiva entre tradicionais ganhos de valor inquiridos e do valor inquirido pela agilidade alcançada.
A diferença chave e estabelecida em uma visão centrada no projeto para a abordagem tradicional em oposição a uma visão centrada no produto para a abordagem ágil. A visão tradicional refere‐se ao ato de completar o plano do produto e a viso ágil obviamente refere‐se ao produto em si. Para entender melhor esta diferença é preciso garantir que compreendemos as motivações por trás das ações e decisões que cada PMO tem. Por isso, e preciso olhar para algumas das características especificas de cada escritório de projeto, tradicional e ágil.
Nas organizações que utilizam metodologias tradicionais dirigidas ao planejamento para executar seus projetos, ha geralmente um PMO para proporcionar uma fonte de controle e equilíbrio. Nestas organizações, o PMO toma‐se a força mais influente da organização com relação à execução de programas e a abordagem por que sio realizadas. No sentido clássico de "você é o que você mensura", quando o PMO solicita que os gerentes de projeto cheguem à revisão preparados para discutir orçamento, o progresso e os trabalhos realizados ate a data ‐ as variáveis essenciais para cálculos de valor agregado ‐ os gerentes de projeto começarão a centrar suas atividades e suas equipes sobre estas medidas.
Este tipo de medição só traduz indicadores passados à equipe dizendo quão bem que tem feito, ao contrário dos indicadores de condução, sugerindo a equipe aonde eles chegarão. Em última análise, o resultado do cálculo de valor agregado diz o quão bem ou mau negócio foi realizado ate a data, mas no podemos recomendar‐lhes exatamente como as coisas vão sair. O efeito disto e que toda a equipe Se preocupa mais sobre onde eles estão, mas não o suficiente sobre o que eles estão oferecendo de valor para negócio.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O método tradicional de gerenciamento de projetos está consolidado no mercado e os resultados de sua aplicação são evidentes nos diversos ambientes de projeto. Para as organizações públicas mais conservadoras, existe a possibilidade de mesclar as características dos métodos tradicionais e ágeis permitindo uma avaliação gradativa dos pontos positivos e negativos das duas abordagens.
Na abordagem ágil as exigências de desenvolvimento podem mudar em algum ponto. Isto é bom em um ponto de vista de desenvolvimento, mas o gerenciamento de mudanças do escopo e também utilizado para beneficiar o cliente. O patrocinador do cliente concordou em financiar o projeto, baseado em receber uma determinada solução, por um determinado custo em uma determinada data. Se a equipe do projeto continuar a aceitar as mudanças do escopo por conta própria, o projeto poderá requerer mais tempo e um custo muito mais elevado do que o concordado pelo patrocinador.
Um dos desafios das metodologias ágeis deve ser o de implementar estratégias de gestão de riscos sem tomar a metodologia complexa e pesada. Outro desafio é fazer com que as metodologias ágeis possam ser utilizadas em grandes empresas e equipes, eliminando os problemas de comunicação interna as equipes e existentes de forma comum em grandes empresas onde os funcionários estejam dispersos geograficamente.
Apesar de verificar‐se um crescimento no uso das metodologias ágeis, ainda no puderam ser verificados casos de sucesso de seu uso em projetos grandes e crípticos. Torna‐se necessário, então, uma maior adoção das organizações na sua utilização, para que melhores sejam os resultados empíricos em termos de vantagens, desvantagens e riscos.
Por ser um ambiente de desenvolvimento dinâmico, em constantes mudanças e menos orientado a documentação, a Web toma‐se mais adequada para a utilização das metodologias ágeis do que as metodologias tradicionais.
A utilização de SCRUM em projetos ajuda a construir tão somente aquilo que O cliente valoriza, contribuindo para que os produtos sejam criados mais adaptados ao cliente. As equipes tomam‐se mais efetivas na definição das atividades, gerando major comprometimento, motivação e
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confiança. Ha um major estimulo a colaboração entre os membros da equipe, o que permite que o time esteja mais coeso, na medida em que cada membro sabe o que os demais estão fazendo, toma‐se natural o compartilhamento e disseminação do conhecimento, cada pessoa da equipe escolhe o que vai fazer, as responsabilidades estão visíveis, existe transparência e alinhamento para atender o objetivo do projeto. Toda a equipe passa a ter conhecimento daquilo que está sendo construído e com que finalidade.
O uso de SCRUM não é difícil. Contudo, toma‐se mais importante fazer com que o time, o cliente e a organização estejam prontos para as mudanças de paradigmas que a metodologia ágil é capaz de proporcionar. A ausência ou a falta de uma cultura organizacional que esteja comprometida com o planejamento e acompanhamento de projeto pode prejudicar a qualidade no produto final dos projetos.
Este trabalho apenas introduziu brevemente alguns comentários sobre os métodos tradicional e ágil de gerenciamento de projetos com o intuito de permitir que parâmetros que auxiliem na definição da melhor estratégia venham a ser estabelecidos e aplicados no gerenciamento de projeto, permitindo as organizações públicas atender as necessidades e expectativas das áreas demandantes de softwares.
6. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
ANDERSON, D. J; SCHRAGENHEIM, E. Agile Management for Software Engineering: Applying the Theory of Constraints for Business Results. Prentice Hall, 2003.
BECK, K. et al. Manifesto for Agile Software Development, 2001.Disponível em <http://www.agilemanifesto.org>. Acesso em: 09 nov.2016
BOEHM, B. W; TUMER R. Balancing Agility and Discipline. Boston; Addison Wesley, 2002.
BURGHARDT, M. Projektmanagement: Le4faden für die Planung, Uberwachung and Steuerung von Entwicklungsprojekten. Berlin und München: Siemens Aktiengesellschaft, 2000.
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FIGUETREDO, A.M. Gerenciamento de Projetos Ágeis. Golden Cross, 2007.
HIGHSMITH, J. Agile Project Management: Creating Innovative Products. Boston: Addison Wesley, 2004.
KERZNER, H. Project Management: A system approach to planning scheduling and controlling. John Wiley & Sons, 2002.
LEITAO, Rogério S. Escritório de Projetos: Definindo uma estratégia para projetos de TI, 2006.
LESSA, L. O Papel do PMO nas Estruturas Organizacionais. Belo Horizonte: PMI Chapter MG, . Disponível em: <http://www.pmimg.org.br/Geral/visualizador Conteudo.aspx?cod_areaconteudo=423>. Acesso em: 14 fev. 2015.
PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE. A Guide to the Project Management Body Of Knowledge ‐ PMBOK Guide. 3 ed. Pennsylvania: 2004.
VARGAS, Ricardo. Gerenciamento de Projetos: Estabelecendo Diferenciais Competitivos. 6 ed. Rio de Janeiro: BRASPORT, 2005.
PERBIRA, P et al. Entendendo Scrum para Gerenciar Projetos de Forma Ágil. Curitiba: Revista Mundo PM, 2007.
STANDISH GROUP INTEMACIONAL. Latest Standish Group chaos report shows project success rates have improved by 50%, 2003. Disponível em: < http://www.businesswire.com/news/home/20030325005636/en/Latest‐Standish‐Group‐CHAOS‐Report‐Shows‐Project>. Acessado em: 28 nov. 2016.
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JUSTIÇA DO TRABALHO E DO CUIDADO COM A PROVA TESTEMUNHAL
VERÔNICA FERNANDES DE LIMA: Advogada Trabalhista. Formada em Dezembro/2002 (UVA/RJ). Experiência de 14 anos na área Trabalhista. Pós Graduada em Direito e Processo Civil (UCP/RS). Pós Graduada em Direito e Processo do Trabalho (ESA/RJ). Especializada em Consultoria Jurídica Contenciosa e Preventiva na área trabalhista e cível.
Resumo: O presente artigo tem por objetivo a tentativa de retirar a venda
dos olhos de nossa Justiça Especializada e alertar, principalmente, quando
se tratar da produção de provas, em destaque, a testemunhal, meio de
prova mais utilizado pelas partes e é aquele que vem se transformando
em uma máquina poderosa da troca de favores. Assim, este Artigo tem o
intento de abordar os tipos de provas admitidas, com um foco maior no
que tange a prova Testemunhal.
Palavra chave: Provas. Princípios. Testemunha. Competência. Justiça do
Trabalho.
Sumário: . Introdução. . Das provas admitidas na Justiça do
Trabalho. . Da importância e dos procedimentos da prova testemunhal
na prática. . Dos riscos na hora da prolação da
sentença. . Conclusão. . Das Referências Bibliográficas.
. Introdução
Trata se o presente artigo da análise dos meios de prova admitidos e,
para exemplificar na prática, utilizaremos, como pano de fundo, um caso
muito comum na Justiça do Trabalho.
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Em um caso hipotético, José Fulano disse a seu advogado que
trabalhou por 05 (cinco) anos em uma empresa de Construção
Civil, Construtora Ventania Ltda., a qual usufruiu da sua mão de obra além
da jornada legal e que os cartões de ponto não refletem a real jornada
exercida. Diante disso, informou que não recebeu corretamente o
pagamento das horas extras laboradas. Relata que nos primeiros três anos
de trabalho não teve sua CTPS anotada e, por fim, informou que já se
passaram mais de 10 dias do prazo legal para recebimento de sua rescisão
e homologação da mesma junto ao seu Sindicato de Classe.
Bem, em suma, é tudo isso que José Fulano, através de seu advogado,
alegou por ocasião da propositura de sua Reclamação Trabalhista, sendo
naquele momento, de conhecimento, que teve que narrar os fatos
ocorridos e provar que teve mesmo seus direitos trabalhistas suprimidos.
Neste mesmo momento a empresa rebateu as alegações de José Fulano
e, no caso da inversão do ônus da prova, teve que fazer a produção de
outras provas, para provar que os pedidos autorais não mereciam ser
procedentes.
Pois bem, para isso, ambas as partes lançaram mãos de todas as
provas admitidas na Justiça do Trabalho, principalmente, a Testemunhal.
E, será deste meio de prova que enfocaremos nosso Artigo e, ainda, de
sua importância para formar a convicção do Juiz sobre a existência ou não
do direito autoral para prolação de uma sentença imparcial e justa.
. Das provas admitidas na Justiça do Trabalho
Todos temos direito à produção de prova, amparado e garantido pela
Carta Magna, a nossa Constituição Federal, a qual rege este país, definindo
as competências, forma de governo, direitos individuais e coletivos,
assegurando e garantindo estes direitos, é a Lei Suprema que rege a todos
nós cidadãos.
O direito se aplica a fatos que devem ser descritos na peça inicial por
aqueles com interesse em obter um resultado final na lide, como reza no
art. 18 do NCPC. Mas, não basta alegar somente os fatos ocorridos, tem
que provar o alegado para ter seu direito reconhecido na esfera judicial,
se fazendo relevante demonstrar que os fatos narrados correspondem a
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verdade, com o objetivo de proporcionar convencimento ao Juiz e a sua
certeza de que tudo corresponde à realidade.
Com efeito, fica claro que a Prova é ferramenta indispensável no
processo, a qual será a base do caso apresentado em juízo. Neste nosso
caso hipotético acima, José Fulano teve que, além de alegar, apresentar
nos autos as provas necessárias para ter seu suposto direito reconhecido
e garantido.
Para isso, pôde lançar mão de todos os meios de prova admitidos em
direito, sempre respeitando os princípios que norteiam o Direito do
Trabalho, expondo fatos verdadeiros, para pleitear ou defender e,
principalmente, demonstrando a necessidade da prova, pois não basta
somente alegar, tem que provar o direito, porque é a prova a base e a
fonte da sentença.
No Novo Código Civil, em seu art. 369, o Legislador fixou o direito das
partes de empregar todos os meios legais de prova, bem como os
moralmente legítimos, para provar a verdade dos fatos em que se funda
o pedido ou a defesa, respeitando os Princípios Constitucionais do
Contraditório e da Ampla Defesa, estabelecendo momentos processuais
propícios para a produção de cada prova pela parte interessada, para por
fim influir de forma eficaz na convicção do juiz, que exerce jurisdição nas
varas do trabalho e que tem a missão da análise imparcial para julgamento
do mérito do pedido.
Tendo ainda por base o art. 389 do NCPC, as partes, do nosso caso
hipotético, puderam utilizar todos os meios de prova como instrumento
processual, para formar o convencimento e/ou convicção do juiz. Assim,
os meios de provas mais utilizados na Justiça do Trabalho são:
o Documental, no qual as partes adunaram aos autos, com a inicial e
defesa, para dar existência ou validade a alguns atos jurídicos;
o Depoimento Pessoal, que foram colhidas informações das partes do
processo (Autor e Réu), os quais confessaram e admitiram as suas
verdades, as quais foram desfavoráveis interesse do adversário; a Pericial,
neste nosso caso hipotético, não precisou ser produzida. Mas é um meio
de prova desenvolvido por profissional indicado pelo juiz, o qual utilizará
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de todos os meios necessários, para obtenção de informações para assim
poder apresentar seu Laudo Pericial. No entanto, respectivo laudo não
será vinculante para o juiz, que não estará obrigado às suas conclusões,
podendo rejeita lo e formular a sua própria convicção com outros
elementos dos autos, bem como determinar nova perícia destinada a
corrigir eventual omissão ou inexatidão dos resultados apresentados no
primeiro laudo; as inspeções judiciais, o juiz do nosso caso não
determinou tal inspeção, bem como as partes não a requereram. No
entanto, respectiva prova, apesar de pouco usada na justiça do trabalho,
é também um dos meios de prova admitidos e ocorre, quando o juiz, de
ofício ou a requerimento da parte, poderá, em qualquer fase do processo,
inspecionar pessoas ou coisas, a fim de se esclarecer sobre fato que
interesse à decisão da causa; a prova emprestada, a CLT não prevê este
meio de prova, no entanto, é muito usada na Justiça do Trabalho, através
da qual as partes podem aproveitar de material probatório produzido
idoneamente em outro processo; e, por fim, o meio de prova principal
foco do nosso artigo, a Prova Testemunhal, a qual é limitada a três
testemunhas para cada parte, foi bastante usada no nosso caso
hipotético, tendo José Fulano e a Construtora Ventania Ltda.,
apresentando duas testemunhas de cada lado, que foram inquiridas pelo
juiz em audiência de instrução.
É certo que, no nosso caso hipotético, Autor e Réu se utilizaram de
todas as provas admitidas na Justiça do Trabalho, as partes apostaram
todas as suas fichas no meio de prova mais utilizado, a prova testemunhal,
que apesar de ser um meio de prova mais inseguro e muitas vezes
considerado de risco para o deslinde da lide, face a possibilidade de erro
na decisão fundada em testemunhos envoltos de inverdades e má fé, este
meio de prova é indispensável ao processo do trabalho.
. Da importância e dos procedimentos da prova testemunhal na
prática
Tecidas as primeiras considerações, é importante compreender a
importância e relevância da prova testemunhal na Justiça do Trabalho,
devendo as partes terem um cuidado demasiado na apresentação e
orientação dadas as suas testemunhas, para que não venham a faltar com
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a verdade em juízo e, por assim causar danos injustos à parte contrária,
face uma má convicção do juiz levado a erro pelo falso testemunho de
uma pessoa que está ali para depor a verdade dos fatos que viveu e
presenciou.
A inquirição das testemunhas deve obedecer o disposto no art. 828
da CLT, no qual toda testemunha, prestará o compromisso legal de dizer a
verdade, sob pena das leis penais, mas antes do compromisso, a parte
contrária poderá argüir a contradita da testemunha, que significa alegar
lhe a incapacidade, impedimento ou suspeição, o que poderá ou não ser
deferido pelo juiz.
Por ser um dos meios de prova indispensável na Justiça do Trabalho,
no nosso caso hipotético, as testemunhas trazidas por José Fulano e a
Construtora que trabalhou, tiveram a responsabilidade de depor a
verdade dos fatos que tem conhecimento, sendo assim, de certa forma,
consideradas um terceiro na lide a auxiliar o juiz no seu convencimento
dos fatos apresentados nos autos, na inicial e em defesa, pois o direito do
trabalho busca a primazia da realidade, para apuração da verdade,
independentemente da existência de eventual prova documental nos
autos.
Neste momento, o juiz teve que ter uma psicologia e bom senso
apurados para poder identificar a verdade no meio do depoimento
prestado pelas testemunhas, isso face o risco da prova testemunhal, que
na maioria dos casos pode vir cheia de má fé e distorção da verdade para
beneficiar a parte que lhe indicou no processo.
No caso de José Fulano, ele e a empresa (autor e Réu) levaram suas
testemunhas, Autor para provar o vínculo de emprego anterior à anotação
de sua CTPS e diferenças das horas extras prestadas e não pagas; Já o Réu,
contestou, com a alegação da não existência de trabalho em período
anterior à anotação e jornada laboral extraordinária, além daquela
consignada nos controles de ponto apresentados nos autos. Juntou
documentos apenas do período com anotação e cartões de ponto
britânicos.
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Diante das alegações das partes, ambas apresentaram suas
testemunhas e no decorrer da instrução ocorreu contradição nos
depoimentos. As testemunhas do Autor confirmou o vínculo no período
sem anotação e, ainda, confirmou a prestação de serviço além da jornada
anotada nos cartões de ponto. Já as testemunhas da empresa declararam
que José Fulano nunca trabalhou na Construtora em data anterior àquela
anotada em sua CTPS e que não trabalhava além do horário consignado
em seus cartões de ponto.
Facultado ao Juiz, o mesmo realizou acareação, colocando as
testemunhas frente a frente, com o objetivo de esclarecer os pontos
divergentes nos depoimentos prestados e que acabaram controvertidos.
Como normalmente acontece, o Juiz do nosso caso, antes do fim da
instrução, deu oportunidade às testemunhas de se retratarem, falando a
verdade dos fatos que realmente presenciaram e conhecem. No entanto,
apesar do nervosismo, não houve retratação de nenhuma das
testemunhas das partes. Assim, as testemunhas foram alertadas de que
deverão prestar depoimentos à Polícia Federal, que nos termos do art. 8º,
VIII, letra c, da Constituição Federal, é a competente para apurar o
ocorrido no processo trabalhista interposto por José Fulano
Nesta fase policial, as testemunhas serão novamente ouvidas,
podendo ou não alterar seus depoimentos e, sendo constatada a
disparidade entre os depoimentos, ficando claro que falsearam a verdade,
o juízo trabalhista poderá determinar a expedição de comunicação ao
Ministério Público Federal para apuração da existência de crime.
O Ministério Público Federal será comunicado do ocorrido, que
analisará a possibilidade de determinar ou não a instalação de inquérito e
posterior oferecimento de denúncia, a qual poderá ser ou não recebida
pelo juiz de primeiro grau.
. Dos riscos na hora da prolação da sentença
A reclamação trabalhista de José Fulano ainda não teve sentença, o
juiz determinou o aguardo da apuração dos testemunhos para prolação
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de sua decisão, fundamentando não ter nos autos provas cabais para seu
total convencimento.
Na realidade isso não acontece na maioria dos processos, muitos
juízes não chegam a esta fase de inquérito ou, sequer, aguardam o retorno
da apuração do ocorrido para prolatar suas decisões e, caso a parte que
se considerar prejudicada não recorra, àquele que se beneficiou do falso
testemunho, teve um direito que não lhe cabia, reconhecido e garantido.
Ou, o outro que teria mesmo a obrigação trabalhista, acaba por se
desincumbir da obrigação, locupletando se às custas da mão de obra do
trabalhador sem lhe pagar o correto, o devido, pelo real período laborado.
Muitos devem se perguntar, ISSO É JUSTIÇA?!
Para a nossa Moça de vendas, isso é justiça sim, pois os trâmites legais
foram seguidos, os princípios e a lei respeitados, apesar de uma celeridade
processual absurda para prolação de decisões em processos que ocorrem
testemunhos discrepantes e contraditórios entre si, e, ainda, contra as
demais provas produzidas nos autos.
São estes os principais riscos que, os de boa fé, sofrem quando
precisam apelar ou defender seus interesses na Justiça do Trabalho, o
risco de serem vencidos por àqueles que falseiam seus depoimentos com
o objetivo claro de distorcer a realidade, a verdade, beneficiando a parte
que lhe indicou numa engrenagem de uma máquina de troca de favores.
. Conclusão
Por conclusão, destacamos que as provas tem o objetivo de formar a
convicção do juiz, as quais são analisadas uma a uma e em conjunto. A
prova testemunhal, como vimos, é imprescindível ao processo trabalhista,
sendo de suma importância a sua análise, não devendo, como vem sendo,
ser analisada com os olhos vendados, mas com eles bem abertos e com a
percepção aumentada e prontos a alertar qualquer disparidade e ausência
da verdade nos depoimento das testemunhas trazidas pelas partes.
. Referências Bibliográficas
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BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. 2016. 46a edição. ed. LTr.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 29ª Ed.
2015. ed. Atlas;
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito Processual
do Trabalho. 29ª Ed. 2014. ed. Saraiva;
MARTINS, Adalberto. Manual de direito Processual do Trabalho. ed.
São Paulo, Malheiros.
BRASIL. Código Penal. 2016. ed. Saraiva.
SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. ed. São
Paulo, LTr.
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A IMPORTÂNCIA DO GERENCIAMENTO DE RISCO PARA EVITAR ERRO MÉDICO
NATHÁLIA CHRISTINA CAPUTO GOMES: Advogada, bacharela em Direito pelas Faculdades Integradas Vianna Junior - JF, MG, pós-graduanda em Direito Público pela Rede de Ensino LFG.
RESUMO: Cada vez mais se escuta falar em demandas judiciais em virtude de erro médico, seja em decorrência de inconformismo, ausência de informação ou, de fato, uma falha médica. Independente da origem da ação judicial, inconteste o prejuízo aos médicos, clínicas, hospitais e laboratórios, seja em decorrência dos danos ao nome e imagem, ou mesmo, desgaste físico e emocional de estar litigando em juízo. Visando a prevenção, adota-se, atualmente, a medida do gerenciamento de riscos, que tende através de estudos e orientações inibir que pacientes e familiares recorram à justiça.
Palavras-chave: Erro médico. Gerenciamento de risco. Informação. Prevenção.
Sumário: Introdução; 1 – Do erro médico; 2 Do gerenciamento de risco; Conclusão; Bibliografia.
INTRODUÇÃO
Inconteste nos dias atuais o crescente número de demandas judiciais com respaldo em possível erro médico, que, não obstante possuam mais enfoque em determinadas áreas, tem adquirido espaço em praticamente todos os ramos.
O assustador acréscimo de demandas decorre, muitas vezes, da maior facilidade de acesso ao Poder Judiciário, bem como uma
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conscientização maior sobre direitos, acompanhada, algumas vezes, de certa “banalização” do pleito de indenização por danos morais.
Algumas dessas ações judiciais vêm consubstanciadas de argumentos desprovidos de fundamentação cabal apta à responsabilização médica, entretanto, em outros casos, constata-se determinados equívocos/falhas que devem ser revistos quando de uma atuação.
1 – DO ERRO MÉDICO
Primeiramente, cabe salientar que a obrigação do médico mostra-se, na maioria dos casos, como obrigação de meio, na qual se busca sanar o problema da melhor forma possível, agindo com cautela, diligência necessária, mas não se podendo acarretar ao entendimento de que teria a cura em todas as circunstâncias. Ora, a medicina mostra-se como uma ciência inexata e, como tal, razão não há para considerar o médico um garantidor universal.
A conscientização de seus direitos, acompanhada de uma maior acessibilidade ao Poder Judiciário, conjugada com a força de manifestações através de redes sociais e mídias, podem ser vistas tanto com um viés positivo, como negativo.
Destaco como negativo o fato da prematuridade, somada à ausência de provas, que o tema é divulgado, prejudicando, inúmeras vezes, a imagem do médico e, até mesmo, do hospital ao qual esteja vinculado.
Assim, vislumbra-se uma séria ofensa à honra e imagem do médico, que traz transtornos significativos, às vezes nem mesmo previstos por aqueles que os ofendem em situações de emoção e dor.
Diante da preocupação dos médicos, hospitais, clínicas e laboratórios com sua imagem frente a terceiros, busca-se solucionar de forma eficiente a demanda ou a reclamação, a fim de que não ensejem maiores danos.
Nesse sentido, vem sendo adotadas teorias e práticas a fim de que não se busque apenas a correção dos erros médicos, mas também um meio
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apto que reduza e previna tais ocorrências ou até mesmo resguarde o médico de uma possível demanda, trazendo benefícios à imagem dos médicos e institutos relacionados, bem como acarretando o exercício da profissão com menos temor de possível responsabilização.
2- DO GERENCIAMENTO DE RISCO
Uma prática que vem ganhando espaço no cenário atual de significativas demandas judiciais sob alegação de erro médico é o Gerenciamento de Risco, sendo um instrumento capaz de minimizar o descontentamento dos pacientes, que leva à propositura de um processo, através de efetivo controle dos riscos supervenientes.
Assim, busca-se não apenas evitar os erros médicos, mas tem foco tanto nos médicos e hospitais, como também nos pacientes, na melhoria dos serviços, com maior satisfação, deixando que aquele que será submetido ao tratamento médico e seus familiares estejam cientes e informados de todo o procedimento e riscos decorrentes, de forma documentada a fim de preservar direito de ambos os contratantes, médico - consequentemente hospital, clínica, laboratório -, bem como paciente e familiares.
Ora, o paciente e seus familiares quando bem informados, havendo uma pessoa determinada designada para efetuar toda a comunicação, evitando contradições de pessoas diversas conceder dados, dificilmente mostrarão tão insatisfeitos a ponto de ir ao judiciário demonstrar seu inconformismo, pois todos os riscos lhe foram descritos previamente.
Ademais, com todas as informações devidamente documentadas, o médico, caso venha figurar em um processo como réu, denunciado, investigado, terá ao seu favor provas de que tratando a medicina de ciência inexata, tomou a cautela devida, sendo comunicados todo o procedimento e os riscos que submeteriam os pacientes em determinada situação.
A orientação e o acompanhamento de um profissional na área jurídica, juntamente com a atuação médica, faz com que sejam tomadas medidas e adotadas condutas que tendem a buscar o cerne da questão que vem trazendo inconformismo para pacientes e seus familiares e, a partir daí,
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se possa agir prevenindo que novos fatos ocorram e não apenas corrigir ou defender os infortúnios pretéritos.
Pretende-se com tal medida que se chegue à origem da prática do ato médico ou de funcionários de hospitais, clínicas ou laboratórios, que possa estar acarretando ou ter acarretado a responsabilização, seja em uma prescrição errônea de medicamento, maior atenção para evitar quedas, maior informação ao paciente ou seus familiares e a partir daí, estuda-se uma meta e projeto a ser seguido, uma vez que uma simples demanda judicial, mesmo desacompanhada de fundamentação apta a condenar o médico, pode vir a trazer transtornos ao nome e imagem de si próprio e/ou à instituição a que se vincula.
CONCLUSÃO
Em decorrência do significativo aumento de demandas judiciais, o médico, as clínicas, hospitais e laboratórios devem se resguardar, inibindo que meros inconformismos possam vir a prejudicar direitos fundamentais primordiais de suas atuações, tal como nome e imagem.
Além disso, quando não decorrem de meros inconformismos, com muito mais razão ainda deve-se buscar um gerenciamento de riscos que torne possível constatar a falha, a origem, o motivo, a probabilidade de ocorrência para que se previna a nova ocorrência.
Vivenciamos a era da globalização, mídia, conscientização e busca ao poder judiciário de direitos, o que faz com que qualquer medida, qualquer informação a mais, por menor que pareça ser, pode ser a solução para que se resguarde e proteja direitos tão valiosos, como nome e imagem.
BIBLIOGRAFIA:
- CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 4a Edição, São Paulo; Malheiros editora, 2003.
- CROCE, Delton. Erro Médico e o Direito. 4a. Edição, São Paulo; Saraiva; 2002.
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- JUNIOR, Edmilson de Almeida Barros. Direito Médico: abordagem constitucional da responsabilidade médica. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2011.
- MEYER, Philippe. A Irresponsabilidade Médica. São Paulo, Editora Unesp, 2002.
- RAPOSO, Vera Lucia. Do ato médico ao problema jurídico. Portugal – Coimbra: Almedina, 2013.
- RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 6ª. ed. São Paulo: Forense, 2008.
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A CONSTRUÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL SOCIAL EM SEDE DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO: O RECONHECIMENTO DA FUNDAMENTALIDADE DA PREVIDÊNCIA SOCIAL À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO STF
TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL: Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Especializando em Práticas Processuais - Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental.
Resumo: Em ressonância com o preceito de necessidades humanas
básicas, na perspectiva das presentes e futuras gerações, é colocada,
como ponto robusto, para reflexão a exigência de um patamar mínimo de
qualidade e segurança social, sem o qual o preceito de dignidade humana
restaria violentado em seu núcleo essencial. A seara de proteção do
direito à vida, quando confrontado com o quadro de riscos sociais
contemporâneos, para atender o padrão de dignidade alçado
constitucionalmente, reclama ampliação a fim de abarcar a dimensão no
seu quadrante normativo, sobretudo no que toca à superação dos
argumentos e obstáculos erigidos pela Administração Pública no que se
relaciona à reserva do possível para sua implementação. Insta salientar,
ainda, que a vida se apresenta como condição elementar para o pleno e
irrestrito exercício da dignidade humana, conquanto esta não se limite
àquela, porquanto a dignidade não se resume a questões existenciais de
natureza essencialmente biológica ou física, todavia carece a proteção da
existência humana de forma mais ampla. Desta maneira, é imprescindível
que subsista a promoção dos direitos sociais para identificação dos
patamares necessários de tutela da dignidade humana, a fim de promover
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o reconhecimento de um direito‐garantia do mínimo existencial social.
Para tanto, o presente busca estabelecer uma análise sobre tal locução em
sede de Direito Previdenciário, à luz do entendimento do STF.
Palavras‐chaves: Direitos Fundamentais Sociais. Previdência Social.
Mínimo Existencial Social. Dignidade da Pessoa Humana.
Sumário: 1 Comentários Introdutórios: Ponderações ao Característico de
Mutabilidade da Ciência Jurídica; 2 A construção filosófica do vocábulo
“dignidade” e suas implicações no alargamento dos direitos
fundamentais; 3 A Construção do Mínimo Existencial Social: O
reconhecimento dos Direitos Sociais como indissociáveis da Dignidade da
Pessoa Humana; 4 O Direito Fundamental à Previdência Social: Uma
análise à luz do Entendimento Jurisprudencial do Supremo Tribunal
Federal.
Comentários Introdutórios: Ponderações ao Característico de
Mutabilidade da Ciência Jurídica
Em sede de comentários inaugurais, ao se dispensar uma
análise robusta sobre o tema colocado em debate, mister se faz evidenciar
que a Ciência Jurídica, enquanto conjunto plural e multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as pujantes ramificações que
a integra, reclama uma interpretação alicerçada nos múltiplos peculiares
característicos modificadores que passaram a influir em sua estruturação.
Neste diapasão, trazendo a lume os aspectos de mutabilidade que
passaram a orientar o Direito, tornou‐se imperioso salientar, com ênfase,
que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram
a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere‐
se que não mais prospera a ótica de imutabilidade que outrora
sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da
população, suplantados em uma nova sistemática. É verificável, desta
sorte, que os valores adotados pela coletividade, tal como os
proeminentes cenários apresentados com a evolução da sociedade,
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passam a figurar como elementos que influenciam a confecção e aplicação
das normas.
Com escora em tais premissas, cuida hastear como pavilhão de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi
jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e
cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1].
Deste modo, com clareza solar, denota‐se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas
fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de
que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A
segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras
consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo fundamental está
assentado em assegurar que inexista a difusão da prática da vingança
privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas
eras, nas quais o homem valorizava os aspectos estruturantes da Lei de
Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se
robusteça um cenário caótico no seio da coletividade.
Afora isso, volvendo a análise do tema para o cenário pátrio, é
possível evidenciar que com a promulgação da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá‐la como maciço
axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, primacialmente
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos
complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto
proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento
de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é
contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força,
o seu fascínio, a sua beleza”[ ].Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz justamente na constante e imprescindível mutabilidade que
apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e
orienta a aplicação dos Diplomas Legais.
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Ainda nesta senda de exame, pode‐se evidenciar que a
concepção pós‐positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via
de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e
profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de
Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução
acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3].
Destarte, a partir de uma análise profunda de sustentáculos, infere‐se que
o ponto central da corrente pós‐positivista cinge‐se à valoração da robusta
tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço
normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e
interpretação do conteúdo das leis.
A construção filosófica do vocábulo “dignidade” e suas implicações
no alargamento dos direitos fundamentais
É perceptível que a edificação de um Estado Democrático de Direito, na contemporaneidade, guarda umbilical relação, no cenário nacional, com o ideário da dignidade da pessoa humana, sobremaneira devido à proeminência concedida ao tema na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Ao lado disso, não se pode perder de vista que, em decorrência da sorte de horrores perpetrados durante a Segunda Grande Guerra Mundial, os ideários kantianos foram rotundamente rememorados, passando a serem detentores de vultosos contornos, vez que, de maneira realista, foi possível observar as consequências abjetas provenientes da utilização do ser humano como instrumento de realização de interesses. A fim de repelir as ações externadas durante o desenrolar do conflito supramencionado, o baldrame da dignidade da pessoa humana foi maciçamente hasteado, passando a tremular como flâmula orientadora da atuação humana, restando positivado em volumosa parcela das Constituições promulgadas no pós-guerra, mormente as do Ocidente. “O respeito à dignidade humana de cada pessoa proíbe o Estado e dispor de qualquer indivíduo apenas como meio para outro fim, mesmo se for para salvar a vida de muitas outras pessoas”[4]. É perceptível que a moldura que enquadra a construção da dignidade da pessoa
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humana, na condição de produto da indignação dos humilhados e violados por períodos de intensos conflitos bélicos, expressa um conceito fundamental responsável por fortalecer a construção dos direitos humanos, tal como de instrumentos que ambicionem evitar que se repitam atos atentatórios contra a dignidade de outros indivíduos.
Por óbvio, a República Federativa do Brasil, ao estruturar a Constituição Cidadã de 1988 concedeu, expressamente, relevo ao princípio da dignidade da pessoa humana, sendo colocada sob a epígrafe “dos princípios fundamentais”, positivado no inciso III do artigo 1º. Há que se destacar, ainda, que o aludido preceito passou a gozar de status de pilar estruturante do Estado Democrático de Direito, toando como fundamento para todos os demais direitos. Nesta trilha, também, há que se enfatizar que o Estado é responsável pelo desenvolvimento da convivência humana em uma sociedade norteada por caracteres pautados na liberdade e solidariedade, cuja regulamentação fica a encargo de diplomas legais justos, no qual a população reste devidamente representada, de maneira adequada, participando e influenciando de modo ativo na estruturação social e política. Ademais, é permitida, inda, a convivência de pensamentos opostos e conflitantes, sendo possível sua expressão de modo público, sem que subsista qualquer censura ou mesmo resistência por parte do Ente Estatal.
Nesse ponto, verifica-se que a principal incumbência do Estado Democrático de Direito, em harmonia com o ventilado pelo dogma da dignidade da pessoa humana, está jungido na promoção de políticas que visem a eliminação das disparidades sociais e os desequilíbrios econômicos regionais, o que clama a perseguição de um ideário de justiça social, ínsito em um sistema pautado na democratização daqueles que detém o poder. Ademais, não se pode olvidar que “não é permitido admitir, em nenhuma situação, que qualquer direito viole ou restrinja a dignidade da pessoa humana”[5], tal ideário decorre da proeminência que torna o preceito em comento em patamar intocável e, se porventura houver conflito com outro valor constitucional, aquele há sempre que prevalecer. Frise-se que a dignidade da pessoa humana, em razão
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da promulgação da Carta de 1988, passou a se apresentar como fundamento da República, sendo que todos os sustentáculos descansam sobre o compromisso de potencializar a dignidade da pessoa humana, fortalecido, de maneira determinante, como ponto de confluência do ser humano. Com o intuito de garantir a existência do indivíduo, insta realçar que a inviolabilidade de sua vida, tal como de sua dignidade, faz-se proeminente, sob pena de não haver razão para a existência dos demais direitos. Neste diapasão, cuida colocar em saliência que a Constituição de 1988 consagrou a vida humana como valor supremo, dispensando-lhe aspecto de inviolabilidade.
É evidenciável que princípio da dignidade da pessoa humana não é visto como um direito, já que antecede o próprio Ordenamento Jurídico, mas sim um atributo inerente a todo ser humano, destacado de qualquer requisito ou condição, não encontrando qualquer obstáculo ou ponto limítrofe em razão da nacionalidade, gênero, etnia, credo ou posição social. Nesse viés, o aludido bastião se apresenta como o maciço núcleo em torno do gravitam todos os direitos alocados sob a epígrafe “fundamentais”, que se encontram agasalhados no artigo 5º da CF/88. Ao perfilhar-se à umbilical relação nutrida entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais, podem-se tanger dois aspectos primordiais. O primeiro se apresenta como uma ação negativa, ou passiva, por parte do Ente Estatal, a fim de evitar agressões ou lesões; já a positiva, ou ativa, está atrelada ao “sentido de promover ações concretas que, além de evitar agressões, criem condições efetivas de vida digna a todos”[6].
Comparato alça a dignidade da pessoa humana a um valor supremo, eis que “se o direito é uma criação humana, o seu valor deriva, justamente, daquele que o criou. O que significa que esse fundamento não é outro, senão o próprio homem, considerando em sua dignidade substância da pessoa” [7], sendo que as especificações individuais e grupais são sempre secundárias. A própria estruturação do Ordenamento Jurídico e a existência do Estado, conforme as ponderações aventadas, só se justificam se erguerem como axioma maciço a dignidade da pessoa humana, dispensando esforços para concretizarem tal dogma. Mister faz-se
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pontuar que o ser humano sempre foi dotado de dignidade, todavia, nem sempre foi (re)conhecida por ele. O mesmo ocorre com o sucedâneo dos direitos fundamentais do homem que, preexistem à sua valoração, os descobre e passa a dispensar proteção, variando em decorrência do contexto e da evolução histórico-social e moral que condiciona o gênero humano. Não se pode perder de vista o corolário em comento é a síntese substantiva que oferta sentido axiológico à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, determinando, conseguintemente, os parâmetros hermenêuticos de compreensão. A densidade jurídica do princípio da dignidade da pessoa humana, no sistema constitucional adotado, há de ser, deste modo, máxima, afigurando-se, inclusive, como um corolário supremo no trono da hierarquia das normas.
A interpretação conferida pelo corolário em comento não é para ser
procedida à margem da realidade. Ao reverso, alcançar a integralidade da
ambição contida no bojo da dignidade da pessoa humana é elemento da
norma, de modo que interpretações corretas são incompatíveis com
teorização alimentada em idealismo que não as conforme como
fundamento. Atentando‐se para o princípio supramencionado como
estandarte, o intérprete deverá observar para o objeto de compreensão
como realidade em cujo contexto a interpretação se encontra inserta. Ao
lado disso, nenhum outro dogma é mais valioso para assegurar a unidade
material da Constituição senão o corolário em testilha. Assim, ao se
considerar os valores e ideários por ele abarcados, não é possível perder
de vista que as normas, na visão garantística consagrada no ordenamento
jurídico nacional, reclamam uma interpretação em conformidade com o
preceito analisado até o momento.
Diante de tal cenário, os valores de igualdade, fraternidade e
solidariedade recebem especial relevância em tempos contemporâneos e
clamam, assim, por posicionamentos que busquem promover a inclusão
por parte dos poderes constituídos em prol da busca do bem comum.
Pozzoli[8] afirma que uma nova sociedade, fundada em valores fraternos,
teria o amor como princípio dinâmico social. Assim, a sociedade é
composta por pessoas humanas e tem como fim precípuo o bem comum
coletivo, não significando apenas o bem individual, mas sim o empenho
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de cada um na realização da vida social dos demais das outras pessoas. O
bem comum de um ser humano está calcado na realização do bem comum
do outro ser humano. Repousa em tal ideário o verdadeiro sentido do bem
comum de uma humanidade.
Ainda em relação à proeminência da dignidade da pessoa
humana, inclusive no que tange ao alargamento dos direitos
fundamentais, consoante a dicção de Rocha, o perfil do Estado Social
repousa no fato de ser um Estado intervencionista em duplo aspecto: por
um lado, intervém na ordem econômica, seja direcionando e planejando
o desenvolvimento econômico, seja promovendo inversões nos ramos da
economia considerados estratégicos; por outro turno, intervém no âmbito
social, no qual dispensa prestações de bens e serviços e realiza outras
atividades visando à elevação do nível de vidas das populações
consideradas mais carentes. Nesta esteira de dicção, “o desenvolvimento
humano a ser perseguido pelos Estados nacionais liga‐se, intimamente, na
qualidade de vida do seu povo e a fome, de modo particular, mostra‐se
como uma forma de afastar o indivíduo da participação nos destinos da
democracia de um Estado”[9].
A Construção do Mínimo Existencial Social: O reconhecimento dos
Direitos Sociais como indissociáveis da Dignidade da Pessoa Humana
Em ressonância com o preceito de necessidades humanas
básicas, na perspectiva das presentes e futuras gerações, é colocada,
como ponto robusto, para reflexão a exigência de um patamar mínimo de
qualidade e segurança social, sem o qual o preceito de dignidade humana
restaria violentado em seu núcleo essencial. A seara de proteção do
direito à vida, quando confrontado com o quadro de riscos sociais
contemporâneos, para atender o padrão de dignidade alçado
constitucionalmente, reclama ampliação a fim de abarcar a dimensão no
seu quadrante normativo, sobretudo no que toca à superação dos
argumentos e obstáculos erigidos pela Administração Pública no que se
relaciona à reserva do possível para sua implementação. Insta salientar,
ainda, que a vida se apresenta como condição elementar para o pleno e
irrestrito exercício da dignidade humana, conquanto esta não se limite
àquela, porquanto a dignidade não se resume a questões existenciais de
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natureza essencialmente biológica ou física, todavia carece a proteção da
existência humana de forma mais ampla. Desta maneira, é imprescindível
que subsista a promoção dos direitos sociais para identificação dos
patamares necessários de tutela da dignidade humana, a fim de promover
o reconhecimento de um direito‐garantia do mínimo existencial social.
A exemplo do que ocorre com o conteúdo do superprincípio da
dignidade humana, o qual não encontra pontos limítrofes ao direito à vida,
em uma acepção restritiva, o conceito de mínimo existencial não pode ser
limitado ao direito à simples sobrevivência na sua dimensão estritamente
natural ou biológica, ao reverso, exige concepção mais ampla, eis que
almeja justamente a realização da vida em patamares dignos,
considerando, nesse viés, a incorporação da qualidade social como novo
conteúdo alcançado por seu âmbito de proteção. Arrimado em tais
corolários, o conteúdo do mínimo existencial não pode ser confundido
com o denominado “mínimo vital” ou mesmo com o “mínimo de
sobrevivência”, na proporção em que este último tem seu sentido
atrelado à garantia da vida humana, sem necessariamente compreender
as condições para uma sobrevivência física em condições dignas, portanto,
de uma vida dotada de certa qualidade.
Nesta senda de exposição, ainda, o conteúdo normativo
ventilado pelo direito ao mínimo existencial deve receber modulação à luz
das circunstâncias históricas e culturais concretas da comunidade estatal,
inclusive numa perspectiva evolutiva e cumulativa. Destarte, é natural que
novos elementos, decorrentes das relações sociais contemporâneas e das
novas necessidades existenciais apresentadas, sejam, de maneira
paulatina, incorporados ao seu conteúdo, eis que o escopo primordial está
assentado em salvaguardar a dignidade da pessoa humana, sendo
indispensável o equilíbrio e a segurança ambiental. Nesta esteira, com o
escopo de promover a conformação do conteúdo do superprincípio da
dignidade da pessoa humana, é imperioso o alargamento do rol dos
direitos fundamentais, os quais guardam ressonância com a concepção
histórica dos direitos humanos, porquanto a tendência é sempre a
ampliação do universo dos direitos fundamentais, de maneira a garantir
um nível cada vez maior de tutela e promoção da pessoa, tanto em uma
órbita individual como em aspectos coletivos.
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Ademais, cuida anotar que o processo histórico‐constitucional
de afirmação de direitos fundamentais e da proteção da pessoa viabilizou
a inserção dos direitos sociais no rol dos direitos fundamentais. Nessa
premissa, cuida reconhecer que o mínimo existencial social se desdobra
como uma das múltiplas e indissociáveis órbitas vinculadas ao
superprincípio da dignidade da pessoa humana, em especial no que atina
à realização de suas potencialidades, sobremaneira no que se relaciona
aos direitos. Recentemente, o rol do artigo 6º da Constituição da
República Federativa do Brasil sofreu considerável alargamento, passando
a abarcar uma plêiade de direitos sociais como fundamentais ao indivíduo:
“São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a
moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição”[10]. De maneira reiterada, o Supremo Tribunal
Federal reconhece que os direitos sociais materializam um agir positivo do
Estado, devendo, portanto, ser adimplido em favor do cidadão.
Ementa: Agravo regimental em recurso
extraordinário com agravo. 2. Direito Constitucional.
Educação de deficientes auditivos. Professores
especializados em Libras. 3. Inadimplemento estatal
de políticas públicas com previsão constitucional.
Intervenção excepcional do Judiciário. Possibilidade.
Precedentes. 4. Cláusula da reserva do possível.
Inoponibilidade. Núcleo de intangibilidade dos
direitos fundamentais. 5. Constitucionalidade e
convencionalidade das políticas públicas de inserção
dos portadores de necessidades especiais na
sociedade. Precedentes. 6. Ausência de argumentos
suficientes a infirmar a decisão recorrida. 7. Agravo
regimental a que se nega provimento. (Supremo
Tribunal Federal – Segunda Turma/ ARE 860.979
AgR/ Relator: Ministro Gilmar Mendes/ Julgado em
14 abr. 2015/ Publicado no DJe em 06 mai. 2015).
Ementa: Recurso Extraordinário com Agravo (Lei
nº 12.322/2010) – Manutenção de rede de
assistência da criança e do adolescente – Deve estatal
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resultante da norma constitucional – Configuração,
no caso, de típica hipótese de omissão estatal (RTJ
183/818‐819) – Comportamento que transgride a
autoridade da Lei Fundamental da República (RTJ
185/794‐796) – A questão da reserva do possível.
Reconhecimento de sua inaplicabilidade, sempre que
a invocação dessa cláusula puder comprometer o
núcleo básico que qualifica o mínimo existencial (RTJ
200/191‐197) – O papel do Poder Judiciário na
implementação de políticas públicas instituídas pela
Constituição e não efetivadas pelo Poder Público – A
fórmula da reserva do possível na perspectiva da
teoria dos custos dos direitos: impossibilidade de sua
invocação para legitimar o injusto inadimplemento
de deveres estatais de prestação
constitucionalmente impostos ao Poder Público – A
teoria da “restrição das restrições” (ou da “limitação
das limitações”) – Caráter cogente e vinculante das
normas constitucionais, inclusiva daquelas de
conteúdo programático, que veiculam diretrizes de
políticas públicas, especialmente na área da saúde
(CF, arts. 6º, 196 e 197) – A questão das “escolhas
trágicas” – A colmatação de omissões constitucionais
como necessidade institucional fundada em
comportamento afirmativo dos Juízes e Tribunais e
de que resulta uma positiva criação jurisprudencial
do Direito – Controle jurisdicional de legitimidade da
omissão do Poder Público: atividade de fiscalização
judicial que se justifica pela necessidade de
observância de certos parâmetros constitucionais
(proibição do retrocesso social, proteção ao mínimo
existencial, vedação da proteção insuficiente e
proibição de excesso) – Doutrina – Precedentes do
Supremo Tribunal Federal em tema de
implementação de políticas públicas delineadas na
Constituição da República (RTJ 174/687 – RTJ
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175/1212‐1213 – RTJ 199/1219‐1220) – Existência,
no caso em exame, de relevante interesse social –
Recurso de Agravo Improvido. (Supremo Tribunal
Federal – Segunda Turma/ ARE 745.745 AgR/
Relator: Ministro Celso de Mello/ Julgado em 02 dez.
2014/ Publicado no DJe em 19 dez. 2014)
Ementa: Agravo Regimental no Recurso
Extraordinário. Administrativo e Processual Civil.
Repercussão geral presumida. Sistema Público de
saúde local. Poder Judiciário. Determinação de
adoção de medidas para a melhoria do sistema.
Possibilidade. Princípios da separação dos poderes e
da reserva do possível. Violação. Inocorrência.
Agravo Regimental a que se nega provimento. 1. A
repercussão geral é presumida quando o recurso
versar questão cuja repercussão já houver sido
reconhecida pelo Tribunal, ou quando impugnar
decisão contrária a súmula ou a jurisprudência
dominante desta Corte (artigo 323, § 1º, do RISTF ).
2. A controvérsia objeto destes autos – possibilidade,
ou não, de o Poder Judiciário determinar ao Poder
Executivo a adoção de providências administrativas
visando a melhoria da qualidade da prestação do
serviço de saúde por hospital da rede pública – foi
submetida à apreciação do Pleno do Supremo
Tribunal Federal na SL 47‐AgR, Relator o Ministro
Gilmar Mendes, DJ de 30.4.10. 3. Naquele
julgamento, esta Corte, ponderando os princípios do
“mínimo existencial” e da “reserva do possível”,
decidiu que, em se tratando de direito à saúde, a
intervenção judicial é possível em hipóteses como a
dos autos, nas quais o Poder Judiciário não está
inovando na ordem jurídica, mas apenas
determinando que o Poder Executivo cumpra
políticas públicas previamente estabelecidas. 4.
Agravo regimental a que se nega provimento.
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(Supremo Tribunal Federal – Primeira Turma/ RE
642.536 AgR/ Relator: Ministro Luiz Fux/ Julgado em
05 fev. 2013/ Publicado no DJe em 27 fev. 2013).
Ora, denota‐se que a implementação do mínimo existencial
social pressupõe, com claros contornos, a estruturação de políticas
públicas pelo Poder Público, sobretudo no que concerne ao núcleo duro
que sustenta os direitos sociais, dentre o direito à educação e o direito à
saúde recebem especial atenção. É preciso sublinhar que o dever estatal
de atribuir efetividade aos direitos fundamentais, de índole social,
qualifica‐se como expressiva limitação à discricionariedade
administrativa. Assim sendo, a intervenção jurisdicional, por vezes,
encontra justificativa pela ocorrência de arbitrária recusa governamental
em conferir significação real ao direito à educação e à saúde,
precipuamente, tornar‐se‐á plenamente legítima, sempre que se impuser,
nesse processo de ponderação de interesse e de valores em conflito, a
necessidade de prevalência da decisão política fundamental que o
legislador constituinte adotou em tema de respeito e proteção aos
direitos sociais.
Não se ignora que a realização dos direitos econômicos, sociais
e culturais – além de caracterizar‐se pela gradualidade de seu processo de
concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo
financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal
modo que, comprovada, objetivamente, a alegação de incapacidade
econômico‐financeira da pessoa estatal, desta não se poderá
razoavelmente exigir, então, considerada a limitação material referida, a
imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política. Não
se mostrará lícito, contudo, ao Poder Público, em tal hipótese, criar
obstáculo artificial que revele – a partir de indevida manipulação de sua
atividade financeira e/ou político‐administrativa – o ilegítimo, arbitrário e
censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o
estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de
condições materiais mínimas de existência.
Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do
possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível
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– não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar‐se,
dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais,
notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder
resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais
impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. Ao lado do
exposto, tratando‐se de típico direito de prestação positiva, que se
subsume ao conceito de liberdade real ou concreta, a proteção dos
direitos sociais, de maneira geral, tem por fundamento regra
constitucional cuja densidade normativa não permite que, em torno da
efetiva realização de tal comando, o Poder Público disponha de um amplo
espaço de discricionariedade que lhe enseje maior grau de liberdade de
conformação, e de cujo exercício possa resultar, paradoxalmente, com
base em simples alegação de mera conveniência e/ou oportunidade, a
nulificação mesma dessa prerrogativa essencial.
Vê‐se, desse modo, que, mais do que a simples positivação dos
direitos sociais – que traduz estágio necessário ao processo de sua
afirmação constitucional e que atua como pressuposto indispensável à sua
eficácia jurídica –, recai, sobre o Estado, inafastável vínculo institucional
consistente em conferir real efetividade a tais prerrogativas básicas, em
ordem a permitir, às pessoas, nos casos de injustificável inadimplemento
da obrigação estatal, que tenham elas acesso a um sistema organizado de
garantias instrumentalmente vinculadas à realização, por parte das
entidades governamentais, da tarefa que lhes impôs a própria
Constituição. Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o
reconhecimento formal de um direito, em especial a plêiade que compõe
o mínimo existencial social. Torna‐se essencial que, para além da simples
declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado
e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito
se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão
de exigir, do Estado, a implementação de prestações positivas impostas
pelo próprio ordenamento constitucional.
O Direito Fundamental à Previdência Social: Uma análise à luz do
Entendimento Jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal
O direito à previdência social, na sistemática constitucional vigente, é reconhecido como integrante da extensa,
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porém imprescindível, rubrica dos direitos fundamentais, encontrando, com destaque, forte amparo no superprincípio da dignidade da pessoa humana. Ao lado disso, inclusive, cuida transcrever o artigo 201 da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, que, sob a rubrica da ordem social, cuja base é o primado do trabalho e o objetivo se alicerça no bem-estar e na justiça social, preconiza que a previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; II - proteção à maternidade, especialmente à gestante; III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes. Trata-se, no primeiro contato, de direito que condensa em sua essência singular arcabouço de fundamentalidade, aludindo à cláusula impregnada pelos direitos sociais. Acerca de tal aspecto, cuida transcrever o entendimento jurisprudencial firmado pelo Supremo Tribunal Federal:
Ementa: Recurso Extraordinário. Direito Previdenciário. Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Revisão do ato de concessão de benefício. Decadência. 1. O direito à previdência social constitui direito fundamental e, uma vez implementados os pressupostos de sua aquisição, não deve ser afetado pelo decurso do tempo. Como consequência, inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário. 2. É legítima, todavia, a instituição de prazo decadencial de dez anos para a revisão de benefício já concedido, com fundamento no princípio da segurança jurídica, no interesse em evitar a eternização dos litígios e na busca de equilíbrio financeiro e atuarial para
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o sistema previdenciário. 3. O prazo decadencial de dez anos, instituído pela Medida Provisória 1.523, de 28.06.1997, tem como termo inicial o dia 1º de agosto de 1997, por força de disposição nela expressamente prevista. Tal regra incide, inclusive, sobre benefícios concedidos anteriormente, sem que isso importe em retroatividade vedada pela Constituição. 4. Inexiste direito adquirido a regime jurídico não sujeito a decadência. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido. (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ RE 626.489/ Relator: Ministro Roberto Barroso/ Julgado em 16 out. 2013/ Publicado no DJe em 23 set. 2014).
Em decorrência de sua fundamentalidade, bem como
plasmando o reconhecimento da liberdade de constituição de famílias, a
Suprema Corte Brasileira propalou que ninguém pode ser privado de
direitos nem mesmo sofrer restrições de ordem jurídica por motivo de sua
condição sexual. Assim sendo, ao ofertar reconhecimento jurisprudencial
às uniões homoafetivas, o Supremo Tribunal Federal afixou que àqueles
têm direito de receber a igual proteção tanto das leis quanto do sistema
político‐jurídico arvorado pelo Texto Constitucional de 1988, revelando‐se
arbitrário e inaceitável qualquer estatuto que traga, em seu âmago,
disposições excludentes ou discriminatórias, fomentando a intolerância,
estimulando o desrespeito e estabelecendo desigualdade em razão da
condição sexual.
Desta feita, a extensão, às uniões homoafetivas, do mesmo
regime jurídico aplicável à união estável entre pessoas de gênero distinto
justifica‐se e encontra legitimidade pela direta incidência, dentre outros,
dos princípios e dos corolários constitucionais da igualdade, da liberdade,
da dignidade, da segurança jurídica e do postulado constitucional implícito
que consagra o direito à busca pela felicidade, os quais têm o condão de
configurar, numa estrita dimensão que privilegia o sentido de inclusão
decorrente da própria Constituição Federal de 1988, substancializando
fundamentos autônomos e suficientes aptos a conferir sustentação
legitimadora à qualificação das conjugalidade entre pessoas do mesmo
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sexo como espécie do gênero entidade familiar. Assim sendo, salta aos
olhos, que, em decorrência do reconhecimento do direito à previdência
social como direito fundamental indissociável do primado maior e
substancialmente mais denso da dignidade da pessoa humana, cuida
reconhecer a assistência de tal direito como desdobramento lógico e
indiscutível do primado do direito, igualmente, fundamental à condição
sexual, não se admitindo, via de consequência, tratamento desigual.
Apresenta‐se, portanto, imprescindível invocar o postulado da
dignidade da pessoa humana, responsável por substancializar significativo
vetor interpretativo, verdadeiro valor‐fonte que conforma e inspira todo
o ordenamento constitucional vigente no território nacional e que traduz,
de modo expressivo, um dos alicerces em que se assenta a ordem
republica e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional
positivo, tal como tem reconhecido a jurisprudência, em especial da
Suprema Corte Brasileira. Mais do que isso, no que toca à concreção dos
direitos fundamentais, dentre os quais, com efeito, o direito à previdência
social como conformador e realizador do indivíduo, cuida sublinhar que a
força normativa de que se acham impregnados os princípios
constitucionais e a intervenção decisiva substancializada pelo
fortalecimento da jurisdição constitucional exprimem aspectos de alto
relevo que contornam e destacam alguns dos elementos que compõem o
marco teórico que confere suporte doutrinário ao neoconstitucionalismo,
em ordem a permitir, em uma perspectiva de implementação
concretizadora, a plena realização, em sua dimensão global, do próprio
texto normativo da Constituição e a plêiade de direitos salvaguardados.
REFERÊNCIAS:
BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. O princípio da dignidade da pessoa humana e o novo Direito Civil. breves reflexões. Revista da Faculdade de Direito de Campos, a. VII, n. 08, p. 229-267, jun. 2006. Disponível em: <http://fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista08>. Acesso em 15 mai. 2016.
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BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 15 mai. 2016.
___________. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 15 mai. 2016.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007.
COMPARATO, Fábio Konder. Fundamentos dos direitos humanos. In: DINIZ, José Janguiê Bezerra (coord.). Direito Constitucional. Brasília: Editora Consulex, 1998.
HABERMAS, Jürgen. Sobre a Constituição da Europa. São Paulo: UNESP, 2012.
MEDEIROS, Robson A. de; SILVA, Eduardo P.; ARAÚJO, Jailton M. de. A (in) segurança alimentar e nutricional no Brasil e o desenvolvimento humano. Disponível em: <http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/primafacie/article/viewFile/4351/3283>. Acesso em 15 mai. 2016.
POZZOLI, Lafayette. Cultura dos direitos humanos. In: Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal. a. 40. n. 159, jul.-set. 2003.
RENON, Maria Cristina. O princípio da dignidade da pessoa humana e sua relação com a convivência familiar e o direito ao afeto. 232f. Dissertação (Mestre em Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br>. Acesso em 15 mai. 2016.
VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 15 mai. 2016.
NOTAS:
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‐ 1984‐0454
[1] VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 15 mai. 2016.
[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal. Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio. Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 15 mai. 2016.
[3] VERDAN, 2009, s.p.
[4] HABERMAS, Jürgen. Sobre a Constituição da Europa.São Paulo: UNESP, 2012, p. 09.
[5] RENON, Maria Cristina. O princípio da dignidade da pessoa humana e sua relação com a convivência familiar e o direito ao afeto. 232f. Dissertação (Mestre em Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br>. Acesso em 15 mai. 2016, p. 19.
[6] BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. O princípio da dignidade da pessoa humana e o novo Direito Civil. breves reflexões. Revista da Faculdade de Direito de Campos, a. VII, n. 08, p. 229-267, jun. 2006. Disponível em: <http://fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista08>. Acesso em 15 mai. 2016, p. 236.
5
129 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57154
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‐ 1984‐0454
[7] COMPARATO, Fábio Konder. Fundamentos dos direitos humanos. In: DINIZ, José Janguiê Bezerra (coord.). Direito Constitucional. Brasília: Editora Consulex, 1998, p. 76.
[8] POZZOLI, Lafayette. Cultura dos direitos humanos. In:Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal. a. 40. n. 159, jul.-set. 2003, p. 109.
[9] MEDEIROS, Robson A. de; SILVA, Eduardo P.; ARAÚJO, Jailton M. de. A (in) segurança alimentar e nutricional no Brasil e o desenvolvimento humano. Disponível em: <http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/primafacie/article/viewFile/4351/3283>. Acesso em 15 mai. 2015, p. 32.
[10] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 15 mai. 2016.
www.conteudojuridico.com.br
HUGO LEONARDO MENDES BATALHA
O CONTROLE JURISDICIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A DEFESA
DA POSSE DE IMÓVEIS PÚBLICOS
FACULDADE DE DIREITO DE SOROCABA
SOROCABA
2016
HUGO LEONARDO MENDES BATALHA
O CONTROLE JURISDICIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A DEFESA
DA POSSE DE IMÓVEIS PÚBLICOS
Monografia apresentada à Faculdade de Direito de Sorocaba para aprovação no Curso de Pós-Graduação em Direito Processual Civil
Orientador: Prof. Gilberto Carlos Maistro Júnior
FACULDADE DE DIREITO DE SOROCABA
SOROCABA
2016
HUGO LEONARDO MENDES BATALHA
O CONTROLE JURISDICIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A DEFESA
DA POSSE DE IMÓVEIS PÚBLICOS
PROFESSOR ORIENTADOR: GILBERTO CARLOS MAISTRO JÚNIOR
MONOGRAFIA PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM DIREITO
PROCESSUAL CIVIL
Nota e considerações:
SOROCABA ____/____/________
Batalha, Hugo Leonardo Mendes
O controle jurisdicional da Administração Pública e a defesa da posse de
imóveis públicos
Batalha, Hugo Leonardo Mendes, 2016.
57 p
Trabalho de conclusão do curso de especialização em Direito Processual Civil
Orientador: Gilberto Carlos Maistro Júnior
(Direito Processual Civil – Posse e ações possessórias - controle jurisdicional
da Administração Pública - Inafastabilidade da jurisdição – Parecer AJG
193/2016 da PGE/SP
Dedico este trabalho a minha filha Alice Städler Batalha, nascida dia 10 de março de 2015, poucos dias após o início do curso de especialização e à minha esposa Beatriz Städler Casali Batalha, anjos em minha vida.
Agradeço as pessoas que me ajudaram a chegar até aqui e cumprir esse desafio, em especial à minha esposa pelo seu incentivo e ao meu orientador pela generosidade em compartilhar o conhecimento.
A voz do conformismo, não obstante sua força alienante, tem limites na própria realidade que busca conservar. (José Damião de Lima Trindade)
SUMÁRIO
RESUMO _________________________________________________________________ 7
ABSTRACT _______________________________________________________________ 8
INTRODUÇÃO ____________________________________________________________ 9
1. DA POSSE ______________________________________________________ 11
1.1. Conceitos de posse ________________________________________________ 11
1.2. Teoria subjetiva __________________________________________________ 12
1.3. Teoria objetiva ___________________________________________________ 13
1.4. Teoria da função social da posse _____________________________________ 14
1.5. Classificações da posse ____________________________________________ 14
1.6. Da posse de imóveis públicos _______________________________________ 16
1.7. A propriedade e a posse na Constituição Federal de 1988 __________________ 18
1.8. Da defesa da posse ________________________________________________ 20
2. PARECER AJG 193/2016 __________________________________________ 23
2.1. Aspectos jurídicos ________________________________________________ 23
2.2. Contexto histórico e jurídico do parecer AJG 193/2016 ___________________ 24
3. O CONTROLE EXTERNO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ____________ 28
3.1. Origem histórica da separação dos poderes _____________________________ 28
3.2. A separação dos Poderes como fundamento do estado de direito ____________ 29
3.3. O sistema de freios e contrapesos ____________________________________ 30
3.4. Evolução do controle da Administração Pública pelo Poder Judiciário _______ 32
4. O DIREITO ADMINISTRATIVO CONSTITUCIONAL __________________ 35
4.1. Conceito de direito administrativo ____________________________________ 35
4.2. Ato administrativo ________________________________________________ 36
4.3. Autoexecutoriedade/executoriedade do ato administrativo _________________ 37
4.4. Do princípio da legalidade estrita_____________________________________ 38
5. DA INAFASTABILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL ___________ 40
5.1. Origem histórica __________________________________________________ 40
5.2. Breve histórico das tutelas provisórias _________________________________ 41
5.3. Da vedação legal de tutelas provisórias contra o Poder Público _____________ 43
5.4. Liminares em interditos possessórios __________________________________ 45
CONCLUSÃO ____________________________________________________________ 48
REFERÊNCIAS ___________________________________________________________ 50
RESUMO
O presente trabalho destina-se a examinar a tutela da posse de bens públicos imóveis à luz do parecer da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo AJG 193/2016 aprovado pela Secretária de Estado de Justiça de São Paulo que autoriza a reintegração de posse em imóveis públicos por meio de força própria, a manu militari, independentemente do tempo do esbulho ou da turbação da posse, bem como as implicações a preceitos constitucionais de direito processual como o princípio da inafastabilidade da jurisdição e o controle jurisdicional da administração pública. É apresentada uma visão panorâmica do controle externo da Administração Pública pelo judiciário embasado na construção histórica da tripartição das principais funções do estado por meio de poderes organicamente constituídos, estruturada em um sistema de freios e contrapesos e interdependência entre si. Por fim conclui-se pela impossibilidade de um ato administrativo afastar o controle externo da administração pública pelo Poder Judiciário, sob pena de constituir um atentado contra a separação dos poderes, uma ruptura no sistema de freios e contrapesos e uma violação ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, que constitui a gênese do estado de direito. Palavras-chave: tutela da posse, imóveis públicos, controle jurisdicional da administração pública, autoexecutoriedade, inafastabilidade da jurisdição, parecer AJG 193/2016.
ABSTRACT
The present study aims to examine the ownership from public property according the opinion of the Attorney General of the State of São Paulo AJG 193/2016, approved by Secretary of State for Justice from state of São Paulo, which authorizes the reinstatement of possession from public property by own strength, manu military, independently the time from divestment or event of trespass, and also about the implications of the constitutional precepts of procedural law such as the non-obviation of jurisdiction and the jurisdictional control of public administration. It is presented an overview of external control of Public Administration by the judiciary based on the historical construction of three-way split of the main functions of the State by powers organically composed, structured on a system of checks and balances and interdependence among the three powers. Finally, it is concluded that it is impossible to make an administrative act move external control of public administration by the Judiciary, under penalty of constitute an assault against the division of powers, a rupture in the system of checks and balances, and a violation of the principle of non-obviation of jurisdiction, which is the genesis of the rule of law.
Keywords: possession potection, real estate, jurisdictional control of public administration, self enforceability, non-obviation of jurisdiction, assent AJG 193/2016.
9
INTRODUÇÃO
O Brasil vive um momento histórico de grande efervescência política e ao mesmo
tempo descrédito em relação às instituições públicas, com repulsa ao sistema político
representativo, identificado esse sintoma pelas numerosas manifestações a favor da cassação
do mandato da presidente da República e pelo crescimento vertiginoso de abstenções e votos
inválidos (brancos e nulos) nas eleições de 2016. Somente na capital paulista as abstenções
somadas aos votos inválidos (nulos e brancos) atingiu a incrível marca de 3.096.304 (três
milhões noventa e seis mil e trezentos e quatro votos) que representa 38,48% dos eleitores,
mais do que os votos que o candidato eleito recebeu.1
A partir de junho de 2013 movimentos populares da juventude tomaram as ruas de
todo o país e iniciaram um profundo debate sobre os limites da democracia e da liberdade de
manifestação, revelando resquícios de um regime antidemocrático que governou o país por
mais de duas décadas.
O mundo do direito não ficou alheio a toda essa movimentação, de modo que os
limites das manifestações populares foram objeto de intensa discussão no meio jurídico nesse
último período, notadamente no tocante aos protestos realizados por meio de ocupação de
prédios públicos, objeto de ações judiciais de reintegração de posse e interditos proibitórios
julgados pelo Tribunal de Justiça do estado de São Paulo.
Após sucessivas derrotas pela via judicial, o então Secretário de Estado de Justiça de
São Paulo solicitou e aprovou o parecer da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo AJG
193/2016 autorizando a reintegração de posse em imóveis públicos por meio de força própria,
a manu militari, independentemente do tempo do esbulho ou da turbação, prescindido de
ordem judicial.
1 No último domingo (2), 1.155.850 eleitores da capital paulista, 16,6% dos que foram votar, estiveram diante da urna eletrônica, mas não optaram por nenhum dos 11 candidatos à prefeitura. O número representa aumento de 30% em relação a 2012, que teve 12,8% de brancos e nulos e é o mais alto desde a redemocratização. É um contingente maior que a votação do segundo colocado na eleição, o prefeito Fernando Haddad, do PT, que recebeu 967.160 votos -João Doria (PSDB) foi eleito com mais de 3 milhões de votos. O exemplo de São Paulo se repetiu em outras capitais (ver quadro ao lado) e, segundo especialistas, é sintoma do descontentamento do eleitor com a classe política. Para o cientista político Aldo Fornazieri, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, a combinação de duas crises resultou no alto número de votos inválidos. "Nem os políticos nem os partidos deram respostas aos cidadãos sobre a crise da corrupção e nem sobre a crise do estado que não funciona", diz Fornazieri. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/eleicoes-2016/2016/10/1819619-percentual-de-votos-nulos-brancos-e-abstencoes-aumenta-e-desperta-debate.shtml acesso em 13/10/2016
10
O presente trabalho visa desvendar os aspectos jurídicos do conceito de posse,
investigar os diversos conceitos de posse fornecidos pelo direito material, adotando como
marco teórico a teoria objetiva da posse cujo conceito foi originalmente dado por Rudolf von
Ihering.
O trabalho também aborda o tratamento constitucional dado à propriedade e à posse, e
discute a possibilidade ou não de existir posse de bens públicos por particulares ou se apenas
constitui mera detenção.
É feita a análise do parecer AJG 193/2016 da Procuradoria Geral do Estado de São
Paulo abordando os fundamentos jurídicos que embasam a dispensa da tutela jurisdicional
para promoção de reintegração de posse em imóveis públicos, assim como o histórico que
antecedeu a confecção e aprovação do referido parecer e suas consequências ao estado de
direito.
São estudados os atributos dos atos administrativos, notadamente a autoexecutoriedade
e as limitações constitucionais à Administração Pública bem como sua submissão ao controle
jurisdicional no estado democrático de direito. Foi adotado como marco teórico o conceito de
Justen Filho sobre a autoexecutoriedade dos atos administrativos, que exige a conjugação de
dois princípios constitucionais: estrita legalidade e proporcionalidade.
É apresentada uma visão panorâmica do controle externo da Administração Pública
pelo judiciário embasado na construção da tripartição das principais funções do estado por
meio de poderes organicamente estruturados de forma autônoma num sistema de freios e
contrapesos com interdependência entre si.
Por fim, aborda-se a possibilidade de um ato administrativo afastar o controle externo
da administração pública pelo Poder Judiciário e as implicações em relação ao princípio da
separação dos poderes, ao sistema de freios e contrapesos e ao princípio da inafastabilidade da
jurisdição, fundamentos de qualquer estado de direito.
11
1. DA POSSE
1.1. Conceitos de posse
Para o estudo do tema proposto é fundamental o domínio de conceitos do direito
material, sendo a posse o mais elementar dos institutos para o desenvolvimento do presente
trabalho. Quando se fala em posse dois elementos são indispensáveis conhecer: o corpus e o
animus. O corpus pode ser entendido como a relação material do ser humano com a coisa,
realçando a função econômica ou de poder sobre a coisa. O animus é o elemento subjetivo, é a
intenção de se apropriar da coisa como se fosse o proprietário dela.
A posse pode ser fundada no direito de propriedade, sendo chamado de ius possidendi
(direito de possuir). Nesse caso, a posse é o objeto de um direito real, fundada em uma
situação jurídica preexistente. A posse fundada em si mesma é chamada de ius possessionis
(direito a posse), situação em que o possuidor não é necessariamente o titular do domínio, mas
mesmo assim exerce a posse.
A posse é tida como aparência do direito de propriedade, um estado de fato que revela
o poder exercido sobre uma coisa sem que o titular seja necessariamente proprietário do bem,
ou seja, há uma separação do direito de propriedade. Ocorre que, nem todo poder exercido
sobre uma coisa constituirá posse: existem situações em que será considerada mera detenção.
É altamente relevante para o presente trabalho diferenciar a posse da mera detenção,
eis que somente a primeira é protegida pelo direito. É o que explica Marcus Vinicius Rios
Gonçalves:
O possuidor pode se valer dos interditos possessórios, usucapir, fazer seus os frutos colhidos enquanto estiver de boa-fé, e haver indenização por benfeitorias, na forma da lei civil. O detentor não recebe a mesma proteção. Daí a necessidade de que fiquem aclarados os lindes que distinguem os institutos.2
Um desafio antigo é delimitar quais os elementos necessários para verificar a
existência da posse. Existem três grandes teorias para explicar os elementos da posse:
(i) teoria subjetiva de Friedrich Carl Von Savigny;
(ii) teoria objetiva de Rudolf von Ihering;
(iii) teoria social da posse de Raymond Saleilles.
2 Novo curso de direito processual civil, volume 2. Processo de conhecimento (2ª parte) e procedimentos especiais. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p 187.
12
1.2. Teoria subjetiva
A teoria desenvolvida por Friedrich Carl Von Savigny entende ser indispensável a
conjugação dos elementos corpus e animus para configuração da posse, sob pena deste fato
ser classificado como mera detenção, hipótese que não possibilita o uso dos interditos
possessórios. O autor Flávio Tartuce explica o conceito de posse proposto por Savigny:
Para a teoria subjetivista ou subjetiva, cujo principal defensor foi Savigny, a posse poderia ser conceituada como o poder direto ou imediato que tem a pessoa de dispor fisicamente de um bem com a intenção de tê-lo para si e de defendê-lo contra a intervenção ou agressão de quem quer que seja. 3
A teoria subjetiva entende que para a existência da posse são imprescindíveis dois
elementos: (i) elemento material, poder físico ou disponibilidade da coisa; (ii) elemento
subjetivo, que consiste na intenção de ter para si a coisa, comportamento de dono.
Para a teoria subjetiva da posse é indispensável a existência do animus rem sibi
habendi, ou seja, o ânimo de ter a coisa como sua, sob pena de configurar mera detenção.
Nesse sentido explica Fábio Ulhoa Coelho:
A teoria subjetiva, portanto, diferencia a simples detenção da posse, a partir da qualidade da vontade do detentor. Se o detentor quer exercer o direito de propriedade alheio ao deter a coisa, trata-se de simples detenção, que não é fundamento de nenhum direito; se o detentor, ao contrário, quer exercer o seu próprio direito de propriedade ao deter a coisa. Trata-se de posse, fundamento de certos direitos. Nesse último caso, o animus possidendi nada mais é que o animus domini.4
Assim, pela teoria subjetiva da posse, o locatário e comodatário, por exemplo, não são
possuidores, seriam meros detentores de coisa alheia, e, assim sendo, não teriam ao seu
alcance interditos possessórios. O Código Civil de 2002 não adotou essa teoria, haja vista que
considera o locatário e o comodatário como possuidores. No entanto, quando se trata da posse
para fins de usucapião para a caracterização da posse ad usucapionem o Código Civil adota a
teoria subjetiva da posse, pois importa ao possuidor provar o animus rem sibi habendi, ou
seja, o elemento subjetivo consistente na vontade de possuir a coisa para si como se dono
fosse.
3 A função social da posse e da propriedade e o direito civil constitucional, Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 900, 20 dez. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7719. Acesso em: 29/06/2016. 4 Dos elementos da posse no direito comparado. São Paulo: Revista Justitia. jul. 1984. Disponível em: http://www.revistajustitia.com.br/revistas/30dc99.pdf. Acesso em 01 de julho de 2016.
13
1.3. Teoria objetiva
Pela teoria objetiva desenvolvida por Rudolf von Ihering, para que se constitua posse
basta a presença do elemento objetivo corpus, sendo prescindível o elemento subjetivo. Essa
teoria, também chamada de teoria simplificada da posse, Ihering ataca frontalmente a teoria
subjetiva que é derivada do Direito Romano:
Para que haja posse, diz ela, é preciso que na pessoa do possuidor exista a mesma vontade que na do proprietário (animus domini). Essa vontade existe no proprietário real e também no putativo e no pretenso proprietário, isto é, naquele que, depreciando a propriedade, apoderou-se da coisa alheia, tal como o ladrão, o bandido e, com relação a imóveis, o dejiciens. 5
Rudolf von IIhering6 explora a incoerência da teoria subjetiva da posse ao negar a
existência de posse ao colono ou locatário e ao mesmo tempo reconhecer sua existência ao
possuidor injusto. A defesa da posse se reveste como um instrumento de defesa da
propriedade e da exploração econômica do bem, é o que afirma Ihering:
Partindo-se da definição de que "os direitos são os interesses juridicamente protegidos", não pode haver a menor dúvida de que é necessário reconhecer o caráter de direito à posse. Expusemos anteriormente o interesse que implica a posse: ela constitui a condição da utilização econômica da coisa. 7
Joel Dias Figueira Júnior explica que Ihering critica frontalmente a teoria proposta por
Savigny:
Considera que a posse é a condição do exercício da propriedade. Critica veementemente Savigny, para ele a distinção entre corpus e animus é irrelevante, pois a noção de animus já se encontra na de corpus, sendo a maneira como o proprietário age em face da coisa de que é possuidor. A lei protege todo aquele que age sobre a coisa como se fosse o proprietário, explorando-a, dando-lhe o destino para que economicamente foi feita. Em geral, quem assim atua é o proprietário, de modo que, protegendo o possuidor, quase sempre o legislador está protegendo o proprietário. 8
A legislação brasileira adota a teoria objetiva da posse, conforme redação do artigo
485 do Código Civil de 1916 , ora revogado, em que considera possuidor “todo aquele que
tem de fato o exercício, pleno, ou não, de algum dos poderes inerentes ao domínio ou
propriedade”. Da mesma forma o Código Civil de 2002 contempla disposição idêntica no
artigo 1.116, não deixando qualquer dúvida da prescindibilidade do elemento subjetivo para
configuração da posse.
5 Teoria simplificada da posse; tradutor Fernando Bragança. Belo Horizonte: Líder, 2004, p. 20. 6 Teoria simplificada da posse; tradutor Fernando Bragança. Belo Horizonte: Líder, 2004, p. 23. 7 Teoria simplificada da posse; tradutor Fernando Bragança. Belo Horizonte: Líder, 2004, p. 32. 8 Novo Código Civil Comentado. Coordenador Ricardo Fiúza. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 1095.
14
1.4. Teoria da função social da posse
Por fim, mas não menos importante, têm-se a teoria da função social da posse ou
teoria sociológica da posse, cujo maior expoente é o francês Raymond Saleilles. Esta teoria
surgiu de princípios consagrados na teoria objetiva, incorporando o objetivo social e
econômico à posse. Raymond Saleilles, tal como Ihering, afirma que a posse prescinde de
animus domini, ou seja, é dispensável o elemento subjetivo proposto por Savigny, entretanto,
Saleilles vai mais adiante, incorpora ao conceito de posse a destinação econômica ou social do
bem.
A teoria da função social da posse traz um elemento novo ao conceito de posse: o
aspecto socioeconômico. A posse não é uma abstração, deve ser considerada um produto
social, é o que explica Ana Rita Vieira Albuquerque: “a posse não é só o fato presente, ou um
simples ato externo, que possa prescindir dos atos anteriores que a caracterizam, e da
complexidade das relações sociais, já que o direito, em suas origens, é um produto do estado
social e não uma abstração lógica”. 9
Raymond Saleilles rompe com a concepção estritamente individual da posse,
concebendo a posse dentro do contexto das relações sociais e econômicas. A teoria proposta
por Saleilles incorpora à posse o conceito de função social de institutos jurídicos trazidos
pelas Constituições mexicana (1917), russa (1918) e de Weimar (1919).
Para Raymond Saleilles a posse só é legitima se não constituir um obstáculo ao
desenvolvimento econômico e social da coletividade, essa teoria introduz a função social e
econômica no conceito de posse.
O Código Civil de 2002 traz de forma implícita a função social da posse nos artigos
1.238, parágrafo único;1.242, parágrafo único e 1.228, §§ 4º e 5º, mas, ao menos na esfera
normativa, a função social e econômica não constitui elemento para a caracterização da posse.
1.5. Classificações da posse
Há várias classificações para a posse e o estudo dos interditos possessórios importa
saber se posse é justa ou injusta, eis que as ações possessórias somente tutelam a posse justa.
Lafayette Rodrigues Pereira conceitua “posse justa em sentido lato é aquela cuja
aquisição não repugna ao Direito. Do caso contrário a posse se diz injusta. Em sentido restrito
posse justa significa a que é isenta de alguns dos três vícios seguintes: violência,
9 Da função social da posse e sua consequência frente à situação proprietária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p 125.
15
clandestinidade ou precariedade”10. O conceito de posse justa fornecido por Lafayette está
previsto expressamente no Código Civil de 2002: “Art. 1.200. É justa a posse que não for
violenta, clandestina ou precária”. Ocorre que o artigo 1.200 do Código Civil de 2002 não
estanca as possibilidades de posse injusta como aponta Gonçalves:
Esse rol não esgota as hipóteses em que a posse é injusta. Há casos de esbulho em que não se consegue classificar o vício entre os do art. 1.200. Imagine-se que alguém invada terreno alheio sem emprego de força ou grave ameaça, e sem ocultar-se. Não se enquadra essa situação entre aqueles mencionadas no art. 1.200. No entanto, é inegável que essa posse é injusta, porque por meios ilegítimos. Melhor seria que a lei brasileira tivesse se inspirado na alemã, que não enumerou os vícios da posse. Dispõe o § 858 do BGB: “quem, sem a vontade do possuidor, privá-lo da sua posse ou perturbá-lo na sua posse, procederá sempre que a lei não permitir privação ou perturbação, antijuridicamente (força proibida). A posse obtida por força própria proibida e viciosa. 11
A posse é considerada injusta quando exercida mediante violência, de forma
clandestina e com precariedade.
O texto legal não traz nenhuma distinção entre violência física ou moral, mas
Humberto Teodoro Junior entende ser “mais plausível a tese daqueles que equiparam, na
espécie, a violência física à violência mora, pois tanto se deve repelir a posse obtida com
emprego de força material como de força psicológica.”12
A posse clandestina “é a que se adquire a ocultas. O possuidor a obtém usando de
artifícios para iludir o que tem a posse, ou agindo às escondidas.”13 A posse não clandestina é
a posse que não é oculta, de conhecimento público.
Por fim, tem-se que a posse justa não pode ser precária. Entende-se como posse
precária a inversão da causa possessionis, quando uma coisa é recebida com a obrigação de
restituição e há recusa inequívoca em fazê-lo. Verifica-se que a precariedade está relacionada
ao abuso de confiança, no momento da recusa há inversão do animus, passando a possuir
como se dono fosse.
10Direito das coisas. Coleção história do direito brasileiro. Direito civil: História do direito brasileiro. Direito civil 1. Direito das coisas. Brasília: Fac-sim, 2004. p 46. 11 Novo curso de direito processual civil, volume 2. Processo de conhecimento (2ª parte) e procedimentos especiais. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 192. 12 Curso de Direito Processual Civil. Procedimentos Especiais. Vol. II, 50. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 108. 13 GOMES, Orlando apud TEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Procedimentos Especiais. Vol. II, 50. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p 108.
16
1.6. Da posse de imóveis públicos
Adotando como marco teórico o conceito de posse fornecido pela teoria objetiva, cujo
principal referência é Rudolf von Ihering e ao mesmo tempo a teoria da função social da
posse, uma vez que ambas teorias somente exigem o elemento corpus para a caracterização da
posse, têm-se como possível a existência de posse de imóveis públicos por particulares, em
que pese grande parte da jurisprudência pátria ter firmado entendimento em sentido contrário,
que em se tratando de imóvel público os particulares podem apenas exercer a detenção.
Há quase consenso que o Código Civil de 2002 adotou a teoria objetiva da posse, além
disso, não há dúvida que alguns dispositivos do Código Civil trouxeram o princípio implícito
de função social da posse se aproximando da teoria da social da posse, de modo que para a
caracterização da posse exige-se somente a presença do elemento objetivo. Somente quando
se trata da prescrição aquisitiva da propriedade é que a lei exige o animus.
Em que pese o fato dos bens públicos não serem passíveis de aquisição originária pela
usucapião em razão de expressa vedação pelo §3º do artigo 183 da Constituição da República
de 1988, existem instrumentos normativos que protegem a posse de bens públicos tida por
particulares, conforme previsão do artigo 183, § 1º da Constituição que traz a figura da
concessão de uso.
A Lei 10.257/2001 (Estatuto das Cidades) foi aprovada contendo dispositivos para
regular a concessão de imóvel público para fins de moradia, regulamentando o artigo 183, §
1º da Constituição da República, no entanto, todos os artigos (art. 15 ao art. 20) que
dispunham da concessão de uso especial para fins de moradia foram vetados. O veto se deu
basicamente por dois aspetos:
(i) o texto aprovado não fez ressalvas em relação aos imóveis públicos afetados ao uso
comum do povo:
Os arts. 15 a 20 do projeto de lei contrariam o interesse público sobretudo por não ressalvarem do direito à concessão de uso especial os imóveis públicos afetados ao uso comum do povo, como praças e ruas, assim como áreas urbanas de interesse da defesa nacional, da preservação ambiental ou destinadas a obras públicas. Seria mais do que razoável, em caso de ocupação dessas áreas, possibilitar a satisfação do direito à moradia em outro local, como prevê o art. 17 em relação à ocupação de áreas de risco.14
(ii) por não ter estabelecido um limite temporal para a aquisição do direito à concessão
de uso especial:
O projeto não estabelece uma data-limite para a aquisição do direito à concessão de uso especial, o que torna permanente um instrumento só justificável pela
14 Razões do veto a dispositivos da Lei 10.257/2001.
17
necessidade imperiosa de solucionar o imenso passivo de ocupações irregulares gerado em décadas de urbanização desordenada.15
Não obstante todos os dispositivos que regulariam a concessão especial de uso para
fins de moradia terem sido vetados, não foi invocada nenhuma inconstitucionalidade do
instituto, até porque há previsão constitucional expressa no artigo 183, § 3º da Constituição
Federal sobre a concessão de uso especial para fins de moradia, subentendendo-se que se trata
de imóvel público. Tanto é verdade que três meses após o veto da lei 10.257/01 foi editada a
Medida Provisória nº 2.220/2001 regulando a concessão de uso especial para fins de moradia
que permanece em vigor até os dias atuais, haja vista ter sido editada antes da promulgação da
Emenda Constitucional nº 32 que alterou o regime das medidas provisórias e passou a exigir a
conversão em lei para manutenção de sua eficácia.
Com a medida provisória nº 2.220/2011 tem-se então um instrumento normativo que
assegura a posse de imóvel público por particulares, afastando por completo a aplicação da
teoria subjetiva que classifica a posse de imóvel público como mera detenção, eis que é
exercida sem animus rem sibi habendi.
A tese institucional 114 da Defensoria Pública do Estado de São Paulo afirma
exatamente esse entendimento:
TESE 114 Proponentes: Luiza Lins Veloso, Marina Costa Craveiro Peixoto e Rafael de Paula Eduardo Faber Área: Cível/Fazenda Pública Súmula: É possível o exercício da posse de bem imóvel público por particular independentemente de consentimento do ente federado titular do domínio. (...) Verifica-se, portanto, a diversidade normativa que não só possibilita, como prevê o exercício da posse de imóvel público por particular – Constituição da República de 1988 (artigo 183, §1º); Medida Provisória nº 2.220/2001; Lei 11.481/2007; Lei 11.952/2009; Lei 11.977/2009. (...)16
Em que pese não seja possível a aquisição do domínio de imóvel público pelo decurso
da posse através da usucapião, pela posse de imóvel público é possível obter o
reconhecimento da concessão de uso especial para fins de moradia, de modo a não restar
dúvida de que é possível o particular ter posse de imóvel público.
15 Razões do veto a dispositivos da Lei 10.257/2001. 16 Disponível em: http://www.defensoria.sp.def.br/dpesp/Conteudos/Materia/MateriaMostra.aspx?idItem=65886&idModulo=9706. Acesso em 13/10/2016
18
1.7. A propriedade e a posse na Constituição Federal de 1988
A posse é entendida como um conceito dissociado da propriedade, com motivação
própria para sua defesa. O autor Dilvanir José da Costa explica a influência da Constituição
Mexicana de 1917, da Constituição Russa de 1918 e da Constituição de Weimar de 1919 no
conceito e na defesa da posse no ordenamento pátrio a partir de Constituição de 1934:
Em tese de concurso para a livre-docência de Direito Civil na UFMG, sob o título O fundamento da proteção possessória (Imprensa da Universidade, BHte., 1964), o professor Adriano de Azevedo Andrade defendeu a autonomia da posse como bem econômico e jurídico independente da propriedade, sob novo conceito e motivação própria para proteção. Refere-se ele à socialização e à democratização do direito neste século, a partir das ideias de Duguit (Função social dos direitos subjetivos privados), Josserand (Teoria do abuso dos direitos), Gaston Morin e Georges Ripert (Os novos direitos sociais). As Constituições mexicana de 1917, russa de 1918 e sobretudo a alemã de 1919 (Weimar) consagraram a função social da propriedade, seguida por todas as Constituições brasileiras a partir de 193417.
A Constituição Federal de 1988 elegeu como princípios da ordem econômica, a
propriedade privada e a função social da propriedade. A função social é um limitador ao
direito de propriedade, de modo que somente haverá direito de propriedade quando este
atender sua função social. Qualquer estudo sobre a tutela da posse deve ser feito à luz do
ordenamento constitucional, nesse sentido ensina o Fredie Didier Júnior:
Não é possível, atualmente, estudar os procedimentos que servem à tutela da posse e dos direitos reais ignorando a existência desta norma constitucional, que, como será visto, estrutura todo o sistema infraconstitucional de proteção destas situações jurídicas. 18
Desse modo, a posse sempre deve ser estudada à luz dos princípios constitucionais que
buscam a efetividade da função social da propriedade e proteção da dignidade humana explica
Natália Tavares Fernandes:
Em última análise, a função social da posse vem ao encontro do princípio da igualdade, eleva o conceito da dignidade da pessoa humana, fortalece a ideia de Estado Democrático de Direito e ameniza as necessidades vitais da sociedade, como a moradia e o trabalho, além de outros valores sociais, como a vida, a saúde, a igualdade, a cidadania e a justiça. Vale dizer, que a função social do instituto da posse é estabelecida pela necessidade social, pela necessidade da terra para o trabalho, para a moradia, ou seja, para as necessidades básicas que pressupõem a dignidade do ser humano.19
17 O sistema da posse no Direito Civil. Brasília Revista de Informação Legislativa. a. 35 n. 139 jul./set. 1998. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/391/r139-08.pdf?sequence=4. Acesso em 09/09/2016. 18 A função social da propriedade e a tutela processual da posse. Revista de Processo. São Paulo. v. 33. n. 161. jul/2008. p. 2. 19 A Função Social da Posse como Instrumento Democratizador do Direito à Moradia, Rio de Janeiro. 2011. Disponível em: http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/1semestre2011/trabalhos_12011/NataliaTavaresFernandes.pdf. Acesso em 13/10/2016.
19
Em suma, o ordenamento jurídico protege aquele que explora economicamente ou
socialmente um bem, admitindo inclusive a aquisição da propriedade pela posse qualificada
com redução no lapso temporal: usucapião especial urbana prevista no artigo 183 da
Constituição Federal de 1988, usucapião especial rural e aquisição da propriedade pela
chamada “posse-trabalho” prevista no artigo 1.228, § 4º do Código Civil de 2002.20
A consagração da função social como limitador do exercício do direito de propriedade
produziu reflexos na tutela jurídica da posse. O Estado deve buscar meios de garantir que a
propriedade atinja sua finalidade social, inclusive quando se trata de imóvel público, somente
pela posse a propriedade poderá encontrar sua função social.
Segue o Dilvanir José da Costa afirmando que a atividade sobre o bem se sobrepõe
sobre a titularidade da coisa em razão do novo conceito econômico e social do instituto:
O novo conceito de posse leva em conta a atividade, e não a titularidade sobre a coisa. É a posse dinâmica em lugar do valor patrimonial estático que vigora no novo conceito econômico e social do instituto. E conclui que a posse não deve ser apenas justa (não ser vi, clam aut precario), mas deve cumprir sua função econômica de atender às necessidades individuais e sociais21.
A função social da propriedade se apresenta como uma exigência de destinação
econômica ao bem, uma limitação do direito individual em benefício da coletividade, é um
limitador constitucional ao direito de propriedade sem fazer distinção entre bens particulares e
públicos.
Conclui-se, portanto, que apesar de ser vedada a usucapião de bens públicos, é
possível particulares terem a posse de imóveis públicos em razão do tratamento constitucional
que limita a propriedade ao atendimento da função social e em atenção ao direito de
20 Constituição Federal: Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade. Código Civil de 2002:z Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. § 4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. 21 O sistema da posse no Direito Civil. Brasília Revista de Informação Legislativa. a. 35 n. 139 jul./set. 1998. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/391/r139-08.pdf?sequence=4 acesso em 09/09/2016.
20
concessão de uso especial para fins de moradia previsto na Constituição e regulado pela
Medida Provisória 2.220/2001.
1.8. Da defesa da posse
A proteção jurídica da posse é um mecanismo de defesa aos aparentes titulares de
direitos, para conferir estabilidade e segurança jurídica às relações sociais. O Código de
Processo Civil de 1973 já classificava a tutela jurisdicional da posse de acordo com a
intensidade da agressão e essa classificação se manteve no Código de Processo Civil de 2015.
Para a ameaça de lesão há o interdito proibitório; para a turbação, incômodo ao exercício da
posse, tem-se a ação de manutenção de posse; e, para o esbulho possessório, entendido como
perda da posse, há a ação de reintegração de posse. Raquel Heck Mariano Rocha ressalta que
p Código Civil de 1973 prevê “outros procedimentos, como a ação de nunciação de obra nova
(arts. 934 a 940) e os embargos de terceiro (arts. 1.040 a 1.054), podem ser utilizados na
defesa da posse, mas não são exclusivamente voltados para a tutela possessória”.22
Expressiva parte dos autores considera que a defesa da posse pelo Estado busca
assegurar a paz social e manutenção das situações fáticas conferindo certa estabilidade às
relações sociais, sendo um limitador da autotutela por particulares e reforçando o monopólio
da jurisdição estatal. É o que observa Dilvanir José da Costa:
A visão social da posse vê na sua defesa a interdição da violência, das vias de fato e da justiça privada, a consagração das vias de direito e o monopólio estatal da Justiça, visando à ordem, à estabilidade dos direitos subjetivos e à paz social. Assim, também a defesa da posse tem a justificá-la fundamentos individuais ou subjetivos e valores sociais ou objetivos. As correntes individualistas vêem na proteção possessória a garantia da inviolabilidade de um importante direito subjetivo da pessoa e, portanto, desta mesma. Sendo a posse um instrumento necessário da propriedade, a proteção àquela seria o cinturão de defesa desta última, inclusive de forma mais rápida, mediante os interditos, dotados de eficácia initio litis, o que não ocorre com as ações em defesa da propriedade.23
Rudolf von Ihering acredita que a defesa da posse é a defesa do uso econômico da
coisa:
Por que razão a posse protege-se pelo direito? Não é certamente para dar ao possuidor a grande satisfação de ter o poder físico sobre uma coisa, mas para tornar possível o uso econômico dela em relação às suas necessidades. A partir daqui tudo se esclarece. 24
22 Das Ações Possessórias: (Comentários aos arts. 920 a 933 do CPC). Disponível em http://www.tex.pro.br/home/artigos/71-artigos-nov-2007/6091-das-acoes-possessorias-comentarios-aos-arts-920-a-933-do-cpc. Acesso em 04/07/2016. 23 O sistema da posse no Direito Civil. Brasília Revista de Informação Legislativa. a. 35 n. 139 jul./set. 1998. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/391/r139-08.pdf?sequence=4 acesso em 09/09/2016. 24 Teoria simplificada da posse. tradutor Fernando Bragança. Belo Horizonte: ed. Líder, 2004, p. 44.
21
A tutela possessória enquanto instrumento de pacificação social, defendendo o meio
social contra instabilidades é uma visão defendida por grandes nomes do meio acadêmico. É o
que afirma Francesco Carnelutti: “A posse é a situação de fato e uma componente da
estabilidade social, se a posse muda de titular, tal mudança não pode resultar em desiquilíbrio
social, em perturbação da ordem.25
Igualmente conclui Humberto Teodoro Junior: “(...) a posse é protegida pela lei
porque assim o exige a paz social, que não subsiste num ambiente onde as situações fáticas
estabelecidas possam ser alteradas por iniciativa de particulares, por meio da justiça das
próprias mãos”. 26
Rudolf von Ihering rebatia essa ideia, afirmava que a tutela da posse era uma forma de
proteção à propriedade, considerando o possuidor como “proprietário presuntivo”, mostrando
sua dificuldade de dissociar a posse da propriedade. Para ele a posse representa a propriedade
“em seu estado normal - a posse é a exterioridade, a visibilidade da propriedade”27.
Em regra, o ordenamento jurídico impede que os particulares defendam seus direitos
com uso da própria força, esse constitui um fundamento do estado moderno, impedir que seja
feita “justiça com as próprias mãos”, transferindo ao estado do dever de solucionar conflitos,
constituindo inclusive crime o uso da força, ainda que seja para tutelar direito legitimo
conforme artigo 345 do Código Penal.28 Quando há uso da força ou ameaça sem autorização
legal, pode-se configurar crime de constrangimento ilegal, também previsto no Código
Penal.29 A prática de um ato coercitivo por um agente público, sem amparo legal, ainda pode
também configurar abuso de autoridade previsto na lei 4.898/65.30
25 Sistema del diritto processuale civile apud TEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil - Procedimentos Especiais. Vol. II, 50. Ed. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p 99. 26 Curso de Direito Processual Civil - Procedimentos Especiais. Vol. II, 50. Ed. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. P 102. 27Teoria simplificada da posse; tradutor Fernando Bragança. Belo Horizonte: Líder, 2004. p. 24. 28 Exercício arbitrário das próprias razões Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite: Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência. 29 Constrangimento ilegal Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa. 30 Abuso de autoridade Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: a) à liberdade de locomoção; b) à inviolabilidade do domicílio; c) ao sigilo da correspondência; d) à liberdade de consciência e de crença; e) ao livre exercício do culto religioso; f) à liberdade de associação;
22
No tocante a posse, existe um permissivo legal para que o titular exerça a autodefesa
da posse, constituindo uma exceção ao ordenamento jurídico que, em regra, veda o uso de
força própria. De acordo com artigo 1.210, § 1º do Código Civil de 2002 a defesa da posse
pode ser feita com uso da própria força para repelir agressão imediata.31
Percebe-se que esse permissivo legal constitui uma exceção ao ordenamento jurídico
que impede o uso da força para a defesa de um direito. No entanto, a autodefesa da posse
somente pode ser feita imediatamente ao ato de turbação ou esbulho possessório, do contrário
o titular do direito terá que se valer dos interditos possessórios.
g) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto; h) ao direito de reunião; i) à incolumidade física do indivíduo; j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional. Art. 4º Constitui também abuso de autoridade: a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder; b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei; c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa; d) deixar o Juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada; e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei; f) cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie quer quanto ao seu valor; g) recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa; h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal; i) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade. (Incluído pela Lei nº 7.960, de 21/12/89). 31 Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado. § 1º - O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.
23
2. PARECER AJG 193/2016
2.1. Aspectos jurídicos
O Parecer AJG 193/2016 elaborado pela Procuradoria Geral do Estado de São Paulo e
aprovado pela Secretaria de Estado de Justiça 32 sustenta a constitucionalidade e a legalidade
do ato administrativo de reintegração de posse de imóveis públicos via manu militari, ou seja,
prescindindo de prestação jurisdicional a qualquer tempo, ou seja, independentemente do
requisito temporal previsto no artigo 1.210, § 1º do Código Civil de 2002.
O parecer é dividido em duas partes: na primeira são expostos os fundamentos
jurídicos para uso da força própria para desocupação de imóveis públicos; na segunda parte
do parecer é feita uma breve contextualização dos fatos que ensejaram o parecer, assim como
instruções para desocupação de imóveis públicos sem ordem judicial.
O parecer traz a classificação de bens públicos quanto à sua destinação33 e afirma que
em razão dos bens de uso especial se submeterem ao regramento de direito público e por esse
motivo atraem todos os atributos do ato administrativo, notadamente a autoexecutoriedade, e,
por conseguinte, a defesa da posse desses bens prescindiria de tutela jurisdicional, mesmo
quando realizada após o limite temporal previsto no artigo 1.210, § 1º do Código Civil. Em
seguida são colacionados julgados e citações de autores que corroboram esse entendimento.
Na ADPF 412 ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade perante o Supremo
Tribunal Federal se busca a declaração de violação de preceito fundamental pelo Estado de
São Paulo, ao adotar o Parecer AJG 193 da PGE como instrumento normativo para alicerçar a
promoção de reintegração de posse em imóveis públicos sem ordem judicial:
A presente ação não é um mero exercício dialético acerca de um parecer jurídico, mas prende-se a repercussão nefasta de tal parecer e a disseminação de suas orientações, que inovaram no ordenamento jurídico e culminaram em atos de cumprimento, pelos demais órgão do Estado, dos juízos emitidos - notadamente os órgãos estaduais ligados a segurança pública.34
Como aponta Ari Marcelo Solon na ADPF 412, o parecer está baseado em construções
jurídicas do regime militar que não correspondem ao modelo constitucional inaugurado pela
Constituição de 1988, mas que ainda produzem ecos até os dias atuais:
32 Disponível em: http://s.conjur.com.br/dl/estado-retomar-imovel-ocupado.pdf Acesso em 13/10/2016. 33 (i) bens de uso comum; (ii) bens de uso especial; (iii) bens dominicais conforme artigo 99 do Código Civil, texto extraído do Parecer AJG 193/2016 disponível em 34 ADPF 412 ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade perante o STF em face do Parecer AJD 193/2016 da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo aprovado pelo Secretário de Estado de Justiça. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADPF&s1=412&processo=412 acesso em 13/10/2016.
24
colaciona julgados e textos doutrinários favoráveis à autotutela dominial da Administração. Entre esses textos, estão o artigo “Da Autotutela Administrativa”, escrito por José Cretella Júnior em 1972 – auge da Ditadura Militar que governou o país entre 1964 e 1985 – e um trecho do manual de Direito Administrativo de Marcello José das Neves Alves Caetano, proeminente jurista português ligado ao regime salazarista. 35
Na ADPF 412 é destacado um relevante aspecto do Parecer AJG 193, consistente na
interferência indevida da Administração Pública nas atribuições do Ministério Público (art.
129, VII CF) no que concerne ao controle externo da atividade policial e do Conselho Tutetar
ao tornar dispensável a intervenção dos referidos órgãos no cumprimento de reintegrações de
posse em bens públicos a manu militari:
Outro ponto que chama atenção na parte final do Parecer é a prescindibilidade da presença do Ministério Público e dos Conselhos Tutelares no acompanhamento da operação, mesmo se tratando de ocupações feitas por estudantes menores de idade: “O modo de operacionalização do apoio da força policial deve ser encontrado, de forma conjunta, em deliberação das autoridades da Secretaria afetada pelas ocupações e da Secretaria de Segurança Pública, em que avultam as atribuições do Comando da Polícia Militar. Se não houver prejuízo à efetividade das medidas de desocupação, é conveniente que sejam acompanhadas por representantes dos Conselhos Tutelares e do Ministério Público, quando, dentre os ocupantes, existam menores de idade. (p. 28 do Parecer AJG nº 193/2016)
Por fim, o parecer colaciona julgados e textos doutrinários favoráveis que conduzem à
conclusão de que todo ato administrativo está revestido de autoexecutoriedade e, como tal,
pode ser determinada a reintegração de posse pela via administrativa independentemente de
ordem judicial.
2.2. Contexto histórico e jurídico do parecer AJG 193/2016
Em junho de 2013, grandes manifestações populares da juventude tomaram as ruas nas
principais cidades no Brasil para protestar contra a falta de políticas públicas voltadas à
juventude, entre dezenas de outras reivindicações, ficando conhecido como “jornadas de
junho”.36
O aumento da tarifa de transporte público nas principais capitais do país levou às ruas
centenas de jovens. O estopim para que as manifestações reunissem milhares de pessoas foi
35 Em 08/06/2016 Ari Marcelo Solon em nome do Partido Socialismo e Liberdade ajuizou perante o Supremo Tribunal Federal a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº412 para impugnar o Parecer AJD 193/2016 da Procuradoria Geral do estado de São Paulo. O referido parecer está sendo usado como fundamento jurídico para promover a reintegração de posse sem ordem judicial em imóveis públicos que foram ocupados por manifestantes. “Na manhã desta sexta-feira (13), a Etesp (Escola Técnica Estadual de São Paulo) e três órgãos regionais de ensino foram desocupados pela PM (Polícia Militar) sem que ela tivesse autorização da Justiça. Tudo foi feito com base num parecer da PGE (Procuradoria Geral do Estado) que deu embasamento jurídico para a ação. Disponível em http://educacao.uol.com.br/noticias/2016/05/13/sp-qualquer-escola-publica-pode-ser-desocupada-sem-ordem-judicial-diz-pge.htm 36 Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Protestos_no_Brasil_em_2013. Acesso em 07/07/2016.
25
uso excessivo da força pela polícia militar na cidade de São Paulo, que reprimiu com
violência pequenos protestos nos dias 6, 7 e 11 de junho de 2013, conforme aponta o
desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Magalhães Coelho em sua
Declaração de Voto Vencedor: “Não vai longe o dia em que a insensibilidade e o
autoritarismo dos governantes, a incentivar o excesso de repressão policial, levou o país à
perplexidade com os movimentos sociais e junho de 2.013.”37
O excesso de repressão policial provocou uma progressão geométrica a cada nova
manifestação, no ápice do movimento estima-se que quase 1,4 milhão de pessoas tomaram as
ruas para protestar: “no dia 20 de junho, houve um pico de mais de 1,4 milhões de pessoas nas
ruas em mais de 120 cidades pelo Brasil, mesmo depois das reduções dos valores das
passagens anunciadas em várias cidades”. 38
As “jornadas de junho” reuniram mais pessoas que o movimento “fora Collor” no
início da década de 90, até então o maior movimento popular da histórica democrática
nacional. Todo esse movimento provocou o alargamento dos limites da participação popular e
do direito de manifestação, de modo que nos anos seguintes, manifestações massivas tiveram
presença constante no cenário nacional.
Em 23 de setembro de 2015, a Administração Pública estadual deu início ao projeto
que chamou de nova organização escolar ou “reorganização escolar”. Na prática a proposta
acarretaria no fechamento de 94 escolas estaduais, no fechamento de salas de aula em 1.464
escolas, importando na transferência de 311 mil alunos e de 74 mil professores39. A iniciativa,
naturalmente, recebeu muitas críticas da opinião pública e resistência do corpo docente e
discente por todo o Estado de São Paulo, notadamente na grande São Paulo e no município de
Sorocaba, dando início a uma intensa jornada de lutas contra a chamada “reorganização
escolar”.
Além de passeatas e outras formas de protestos, em 9 de novembro de 2015 os
estudantes adotaram como tática a ocupação das escolas que teriam salas de aulas fechadas e
das escolas que seriam fechadas. No apogeu do movimento 213 escolas foram ocupadas por
todo o estado de São Paulo, somente em Sorocaba foram 22 escolas ocupadas. 40
37 Voto nº 31.637 no Agravo de Instrumento nº 2243232-25.2015.8.26.0000 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 38 Revista Época núm.787 de 24 de junho de 2013, páginas 36 e 27. 39Notícia disponível em http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/10/reorganizacao-escolar-em-sp-tem-94-escolas-que-serao-disponibilizadas.html acessado em 06/07/2016. 40 Conforme levantamento da Secretaria estadual de Educação e do Sindicato dos Professores disponível em http://especiais.g1.globo.com/sao-paulo/2015/escolas-ocupadas-em-sao-paulo/ acessado em 06/07/2016
26
A tomada da posse de escolas públicas estaduais por estudantes como forma de
protestar contra o retrocesso de direitos sociais, que é vedado por tratados internacionais de
direitos humanos, levantou um controvertido debate entre o esbulho possessório versus o
direito de manifestação.
No interdito proibitório nº 1045195-07.2015.8.26.0053 ajuizado pela Fazenda Pública
Estadual foi concedida inicialmente liminar de reintegração de posse para desocupação de
dezenas de escolas, no entanto, em seguida a ordem foi revogada pelo próprio julgador com
fundamento que o esbulho possessório era uma decorrência do direito de manifestação contra
uma política pública autoritária que estava sendo implantada e constitui uma forma de
protesto, in verbis:
Tudo isso levou à conclusão de que as ocupações – realizadas majoritariamente pelos estudantes das próprias escolas [fato esse que também motivou a reconsideração das decisões anteriores, como se explicará em sequência] - revestem-se de caráter eminentemente protestante. Visa-se, pois, não à inversão da posse, a merecer proteção nesta via da ação possessória, mas sim à oitiva de uma pauta reivindicatória que busca maior participação da comunidade no processo decisório da gestão escolar. Conforme explanado pelo Ministério Público – e aqui não pretendo julgar tal fato, porque estranho ao processo -, busca-se maior envolvimento da população nas decisões de remanejamento de alunos, turnos escolares etc., o que se constitui num fundamento, em princípio, razoável. Com isso quero dizer que o cerne desta lide possessória não é a proteção da posse, mas uma questão de política pública, funcionando as ordens de reintegração como a proteção jurisdicional de uma decisão estatal que, em tese, haveria de melhor ser discutida com a população. Repito: objetivamente, tem-se esbulho de um bem público; mas a solução da questão foge, e muito, da simples tutela possessória. A questão é mais ampla e profunda, a merecer melhor atenção do Executivo. Há, ainda, um outro problema: caso mantidas as ordens, há a chance de se tornarem inócuos os comandos jurisdicionais futuros. A cada dia, uma nova escola pode ser invadida; expede-se, na sequência, a reintegração de posse, é ela cumprida e o ciclo se repete, com a possibilidade, inclusive, de existir a reocupação de uma escola já liberada. Ora, de que adianta a jurisdição, nesse caso, se não estará a promover a solução do caso concreto, com a pacificação social? Permanecerá tratando um problema com comandos dissonantes aos necessários, até porque não há como se proteger, com policiais, o conjunto todo de escolas, evitando novas invasões. Toda essa argumentação reforça a ideia de que não se está a tratar de posse, mas de uma questão de política pública.41
No mesmo sentido se manifestou a 7ª Câmara de Direito Público ao julgar o Agravo
de Instrumento nº 2243232-25.2015.8.26.0000:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. Alegada invasão de prédios escolares. Pretensão à emissão de ordem liminar de reintegração de posse. Inadmissibilidade, por não se ver claramente presente a intenção de despojar o Estado da posse, mas, antes, atos de desobediência civil praticados no bojo de reestruturação do ensino oficial do Estado
41 Processo eletrônico disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cpopg/show.do?processo.codigo=1H0008J760000&processo.foro=53&uuidCaptcha=sajcaptcha_74aaef37c3fd4a37a1b7b7a087acd503. Acesso em 06/07/2016.
27
objetivando discussão da matéria. Antecipação de tutela recursal denegada, processando- e o recurso.42
A Administração Pública estadual acabou abortando o projeto de “reorganização
escolar” após o Ministério Público Estadual e a Defensoria Pública Estadual terem obtido
antecipação dos efeitos da tutela para suspender a “reorganização escolar” na Ação Civil
Pública nº 1049683-05.2015.8.26.0053, em trâmite perante 5ª Vara da Fazenda Pública da
Comarca de São Paulo.
Em 2016 surgiram novos protestos, dessa vez, motivados pelas denúncias de
corrupção na compra de produtos da merenda escolar envolvendo alto escalão do poder
executivo estadual, o presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo e mais de 22
municípios do Estado, denúncias estas apuradas pela Polícia Civil na chamada “Operação
Alba Branca”. Além disso, a falta de merenda escolar nas escolas técnicas estaduais e na
Fatecs e, os cortes nos repasses para a educação deram musculatura aos protestos.43
Como forma de protesto estudantes ocuparam o Centro Paula Souza e o plenário da
Assembleia Legislativa44. Novamente a discussão sobre a posse de imóveis públicos é levada
ao Poder Judiciário nas ações de reintegração de posse nº 1019463-87.2016.8.26.0053 e na
ação nº 1020119-44.2016.8.26.0053.
Em decorrência de todos esses precedentes judiciais, por determinação do então
Secretário Estadual de Justiça, a Procuradoria Geral do Estado confeccionou o Parecer AJG
193/2016 afirmando a possibilidade da retomada da posse de imóveis públicos sem a
necessidade de ordem judicial.
42 Processo eletrônico disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cpo/sg/show.do?processo.codigo=RI0032WUQ0000. Acesso em 06/07/2016. 43 Fonte: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/05/estudantes-ocupam-o-centro-paula-souza-em-sp-pelo-sexto-dia.html, Acesso em 07/07/2016. 44 Fonte: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/05/estudantes-ocupam-assembleia-legislativa-de-sao-paulo-ha-36-horas.html Acesso em 07/07/2016.
28
3. O CONTROLE EXTERNO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 3.1. Origem histórica da separação dos poderes
É indispensável analisar os fundamentos do estado de direito, estruturados na divisão
dos poderes e no controle externo da Administração Pública. O fim do estado absolutista
abriu espaço para que a separação dos poderes fosse uma condição de existência do estado de
direito. A separação dos poderes tornou-se um princípio, uma construção teórica orientada
para impedir a concentração de poderes políticos e funções em apenas uma estrutura
organizacional, criando um sistema de controle das estruturas por um sistema de freios e
contrapesos para que “o poder controle o próprio poder”.45
Atribui-se a Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e de Montesquieu,
conhecido apenas como Montesquieu, cujos trabalhos data primeira metade do século XVIII,
os primeiros estudos sobre as funções do Estado. Entretanto, autores muito mais remotos
como Aristóteles, cujas obras datam do século III a.C já discorriam sobre as diferentes
funções do Estado, no entanto, Aristóteles não chegou a formular uma teoria de distribuição
das funções do estado para diferentes órgãos estatais, tal como Montesquieu.
Na obra Segundo Tratado Sobre o Governo Civil46 publicada em 1681 John Locke
propõe no capítulo XII a tripartição das funções do estado: poder legislativo, executivo e
federativo da comunidade civil e após a revolução inglesa as ideias de Locke tomaram
projeção, não se concebendo mais a concentração das funções executiva e legislativa na figura
do rei.
Monstequieu em 1748 trouxe de forma sistematizada a divisão das funções do estado
na obra o Espírito das Leis (De L’Espirit des Lois), separando na função executiva, legislativa
e judiciária. Há quem diga que Monstesquieu inaugurou o sistema de freios e contrapesos, no
entanto, a concepção contemporânea do referido sistema em nada se assemelha às
formulações de Montesquieu. Para Monstesquieu, o Poder Judiciário era reduzido a condição
de irrelevância quase completa, chegando a ponto de considerá-lo quase nulo: “Dos três
poderes dos quais falamos, o de julgar é, de alguma forma, nulo”.47
45 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p 115 46 O título original da obra de John Locke em inglês é “Two Treatises of Government”. 47 MONTESQUIEU, Charles de Le Secondat, Baron de. Do espírito das Leis, apresentação Renato Janine Ribeiro, tradução Cristina Murachco, São Paulo: Martins Fontes, 1996. p 172.
29
Igualmente, Montesquieu reduz o papel do poder legislativo, considerando não ser
possível o Poder Legislativo limitar o Poder Executivo:
Se o poder executivo não tiver o direito de limitar as iniciativas do corpo legislativo, este será despótico; pois, como ele poderá outorgar-se todo o poder que puder imaginar, anulará os outros poderes. Mas não é preciso que o poder legislativo tenha reciprocamente a faculdade de limitar o poder executivo. Pois, sendo a execução limitada por natureza, é inútil limitá-la: além do que o poder executivo exerce-se sempre sobre coisas momentâneas. E o poder dos tribunos de Roma era vicioso, enquanto não somente limitava a legislação como também a própria execução, o que causava grandes males. Mas, se, num Estado livre, o poder legislativo não deve ter o direito de frear o poder executivo, tem o, direito e deve ter a faculdade de examinar de que maneira as leis que criou foram executadas (...)”; (original sem destaque)
De fato, a contribuição de Montesquieu para a teoria do estado reside na tripartição
das funções do estado de forma sistematizada e orgânica e não na elaboração do sistema de
controle recíproco e equilibrado entre os três órgãos que exercem as principais funções do
estado.
A Constituição da República dos Estados Unidos do Brazil de 1891 foi a primeira
Carta Magna pátria a adotar o clássico modelo de tripartição das funções do estado, quando
dispôs no “art. 15. São órgãos da soberania nacional o Poder Legislativo, o Executivo e o
Judiciário, harmônicos e independentes entre si”.
As demais constituições que se seguiram reproduziram o mesmo modelo e assim como
a Constituição de 1988: “art. 2º - São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si,
o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
3.2. A separação dos Poderes como fundamento do estado de direito
É possível dizer que a Revolução Francesa de 1789 recebeu forte influência das
formulações teóricas do barão de Montesquieu a respeito da organização e divisão das
funções do estado. A influência de se deu a tal ponto que consta na Declaração de Direitos do
Homem e do Cidadão de 178948, como condição de existência de um estado constitucional, a
separação dos poderes no “art. 16 – A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos
direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”.
A Revolução Francesa foi determinante para a formação da sociedade contemporânea
ocidental, tanto que inaugurou divisão de um novo período histórico que se convencionou em
48 Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-de-direitos-do-homem-e-do-cidadao-1789.html. Acesso em 28/09/2016.
30
denominar de idade contemporânea que perdura até os dias atuais. A tripartição das funções
do estado irradiada pela Revolução Francesa é presente em praticamente todos os estados do
mundo ocidental.
A teoria clássica de tripartição dos poderes compreende (i) existência de estruturas
organizacionais autônomas em relação as outras e interdependentes, que convencionou-se
denominar de Poderes; (ii) a separação das funções do estado de acordo com seu conteúdo; e
(iii) atribuição a cada Poder de um tipo de função precípua. Observa-se que não há separação
absoluta dos Poderes, apenas uma autonomia e tampouco há separação absoluta de funções,
eis que cada poder exerce em maior ou menor grau funções típicas dos outros poderes.
Não obstante a simples separação dos Poderes é insuficiente para um Estado ser
qualificado como democrático de direito, o respeito a princípios gerais do direito como a
ampla defesa, contraditório, legalidade, respeito aos direitos e garantias individuais, o
pluralismo político, acesso à justiça são indissociáveis do conceito de estado de direito.
3.3. O sistema de freios e contrapesos
Cada Poder, conceito entendido como estrutura organizacional autônoma, detém uma
função precípua ou predominante, diz-se precípua porque invariavelmente acaba
desenvolvendo, de forma secundária as funções típicas dos outros poderes.
O Poder Executivo administra o orçamento e executa políticas públicas, competindo-
lhe atos de chefia do estado e de governo (art. 84 CF). No entanto, quando instaura um
processo administrativo disciplinar em face de um servidor público está o Poder Executivo
exercendo função jurisdicional, típica do Poder Judiciário. Por outro lado, quando edita uma
medida provisória (art. 62 CF) ou lei delegada (art. 68 CF) está o Poder Executivo
promovendo inovação jurídica, função típica do Poder Legislativo.
O Poder Legislativo tem duas funções precípuas: (i) inovação legislativa por meio de
emendas constitucionais em decorrência do poder constituinte derivado e por meio de leis em
sentido estrito. Lei em sentido estrito pode ser entendida como “o instrumento de que se
utiliza o legislador, para atribuir efeitos jurídicos aos atos e fatos, segundo valores
socioculturais por ele adotados”49; (ii) função de fiscalização contábil, financeira,
orçamentária e patrimonial da Administração Pública (art. 70 CF).
49 SCHMIEGUEL, Carlos. Conceito de Lei em sentido jurídico. Ágora: Revista Divulg. Cient., ISSN 2237-9010, Mafra, v. 17, n. 1, 2010, disponível em: http://www.periodicos.unc.br/index.php/agora/article/viewFile/55/162. Acesso em 28/09/2016.
31
Entretanto, o Poder Legislativo desempenha função de natureza executiva quando
realiza um concurso público de provas e títulos para preenchimento de cargos internos ou
quando realiza uma licitação. Quando julga o presidente da República por crime de
responsabilidade está o Poder Legislativo desempenhando uma função típica do Poder
Judiciário.
O Poder Judiciário deve exercer a função jurisdicional, julgando as ações que lhe são
submetidas. Alguns autores afirmam que o Poder Judiciário aplica a lei ao caso concreto, mas
esse não é o conceito mais adequado, pois não engloba as ações de controle de abstrato de
constitucionalidade como a Ação Direita de Inconstitucionalidade ou a Arguição de
Descumprimento de Descumprimento de Preceito Fundamental.
Quando o Poder Judiciário realiza um concurso público ou faz uma licitação, tal como
o Poder Legislativo no exemplo acima, está desempenhando função executiva e quando edita
seu próprio Regimento Interno (art. 96, “a” CF) está desempenhando função legislativa.
Observa-se, portanto, que os três poderes exercem a todo momento funções atípicas
que devem ser exercidas no plano secundário. No entanto, na história recente foram
registradas algumas distorções que comprometeram o próprio equilíbrio do modelo
constitucional. Até a edição da Emenda Constitucional 32 (que dentre outras medidas
reformulou o instituto da medida provisória) foram editadas mais medidas provisórias do que
leis aprovadas pelo Congresso Nacional, somando a impressionante marca de 40 medidas
provisórias por mês como aponta Kildare Gonçalves Carvalho “Até setembro de 2001,
quando entrou em vigor a Emenda Constitucional nº 32/2001, foram editadas 6.109 medidas
provisórias, uma média que beira a 40 ao mês”.50
O sistema de freios e contrapesos busca a viabilização de um sistema autônomo e
interdependente entre os três Poderes, estabelecendo-se um equilíbrio.
A atuação do Poder Executivo está limitada pelo ordenamento jurídico aprovado pelo
Poder Legislativo e ambos estão sujeitos ao controle pelo Poder Judiciário. Verifica-se que
para perfeita harmonia um poder não pode invadir a esfera de atribuições dos outros poderes
ou esvaziar suas atribuições de modo a provocar um desequilíbrio no sistema de autocontrole.
50 Direito constitucional: teoria do Estado e da constituição; direito constitucional positivo. 15. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. P. 1543
32
3.4. Evolução do controle da Administração Pública pelo Poder Judiciário
A separação dos poderes do Estado surgiu com o constitucionalismo e tem raízes nas
lutas sociais contra a opressão praticada pelo estado contra os particulares, ou seja, a
separação dos poderes tem raízes na limitação do estado absolutista.
No estado absolutista em que não havia partição dos poderes, era adotada a teoria da
irresponsabilidade, em que não havia mecanismos para controle dos abusos e desvios
cometidos pelo chefe do governo. Somente com a constitucionalização e submissão do
soberano ao império da lei é que iniciou-se a limitação da discricionariedade e arbitrariedade
do Poder Executivo.
No entanto, a limitação do Poder executivo se restringia à observância da legalidade, a
visão de Montesquieu, que influenciou sobremaneira a Revolução Francesa, sobre o papel
quase irrelevante do Poder Judiciário fez com que o controle jurisdicional dos atos
administrativos fosse um fenômeno recente.
O controle jurisdicional da Administração Pública se iniciou com a verificação dos
aspectos formais dos atos administrativos, quais sejam: competência e forma. Somente com o
desenvolvimento da “teoria dos motivos determinantes” e da “teoria do desvio do poder” que
outros elementos do ato administrativo passaram a ser objeto de controle jurisdicional.
A teoria dos motivos determinantes vincula a legalidade do ato administrativo à
confirmação dos motivos que o justificaram, ainda que ambos sejam lícitos será ilícito ao ato
administrativo baseado em um motivo para alcançar outro motivo oculto pelo administrador.
A teoria do desvio do poder determina que um ato administrativo é nulo quando busca
fim diverso do pretendido pela lei na regra de competência. A expressão “desvio de poder”
também é conhecida como excesso de poder, abuso de poder e desvio de finalidade. O desvio
de finalidade ocorre com o distanciamento do ato administrativo da finalidade almejada pela
lei. Essas duas teorias iniciaram o controle jurisdicional dos aspectos materiais dos atos
administrativos, ou seja, a autoridade, que tem competência ou poder para a edição de
determinado ato, manifesta sua vontade, praticando o ato administrativo, mas, se nessa
operação erra afastando-se do fim colimado para perseguir finalidade diversa, incide no
desvio de poder.
O mérito do ato administrativo é entendido como o juízo de oportunidade e
conveniência para a prática de determinado ato. Celso Antônio Bandeira de Mello entende a
discricionariedade como:
a margem de liberdade conferida pela lei ao administrador a fim de que este cumpra o dever de integrar com sua vontade ou juízo a norma jurídica, diante do caso
33
concreto, segundo critérios subjetivos próprios, a fim de dar satisfação aos objetivos consagrados no sistema legal. 51
O excesso de discricionariedade é um mau que vem sendo combatido em todos os
Poderes. No Poder Judiciário o julgamento de questões idênticas que são dadas soluções
jurisdicionais díspares foi objeto de intensa discussão na formulação do Código de Processo
Civil aprovado em 2015. A tentativa de uniformização da jurisprudência e a criação do
sistema de precedentes vinculando o julgador (art. 927 do CPC/15) a fim de evitar decisões
conflitantes e contraditórias sem dúvida retira uma boa margem de discricionariedade do
julgador, criando um sistema uniforme, verticalizado e com mais previsibilidade.
Para Maria Sylvia Di Pietro discricionariedade é a “faculdade que a lei confere à
Administração para apreciar o caso concreto, segundo critérios de oportunidade e
conveniência, e escolher uma dentre duas ou mais soluções, todas válidas perante o direito” 52.
A outorga da discricionariedade costuma ser criada por uma margem indeterminada de
conceitos legais, criada propositalmente para assegurar a discricionariedade do ato
administrativo é o que observar Edmir Netto de Araújo: “a lei, propositadamente, deixou este
aspecto indeterminado, para que o administrador integre a vontade da lei com sua participação
direta, ao decidir qual o melhor meio de satisfazer o interesse público que a norma legal visa
realizar”. 53
Há de se observar que o Poder Executivo participa juridicamente do processo
legislativo, tanto deflagrando o processo por meio da iniciativa de projetos de lei, seja como
pela sanção ou veto de projeto aprovado pelo parlamento, de modo que, possui mecanismos
de influenciar o processo legislativo para manter-se com ampla margem legal de
discricionariedade.
Por outro lado, o Poder Executivo participa do processo legislativo com orientações
políticas para sua base de sustentação no parlamento através do líder de governo, figura
inclusive prevista no Regimento Interno do Senado (art. 66-A do Regimento Interno) e da
Câmara dos Deputados (art. 11 do regimento Interno), assim como compondo sua equipe de
governo e ministérios de acordo com a representação de partidos no congresso nacional para
obtenção a famigerada “governabilidade”. De modo ser uma falácia a afirmação que o Poder
Legislativo conserva autonomia em relação ao Poder Executivo na elaboração de leis a serem
51 Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p 414 52 Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988, 2. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 67. 53 Curso de Direito Administrativo. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p 450.
34
executados pela Administração Pública, sendo conferida pela lei discricionariedade de forma
demasiada a fim de afastar o controle jurisdicional do estado.
O Poder Judiciário detém o monopólio da jurisdição estatal e deve prestar a tutela
jurisdicional na busca pelas soluções de conflitos, notadamente impondo à Administração
Pública os limites e contornos constitucionais na realização de seu mister.
A jurisdição pode ser definida como “a atividade dos órgãos do Estado destinada a
formular e atuar praticamente a regra jurídica concreta que, segundo o direito vigente,
disciplina determinada situação jurídica”54. Por força de dispositivo constitucional, no Brasil
essa atividade é privativa do Poder Judiciário, único órgão apto a formular decisões dotadas
da força da coisa julgada.
54 SOUSA, José Franklin de. Coisa julgada individual e coletiva. São Paulo: 2013. p. 40
35
4. O DIREITO ADMINISTRATIVO CONSTITUCIONAL
4.1. Conceito de direito administrativo
Como se viu, no Brasil foi adotado o sistema tripartite, em que as principais funções
públicas (administração, legislação e a jurisdição) são atribuídas às estruturas organizacionais
distintas: executivo, legislativo e judiciário. Acreditava-se que apenas limitar o poder do
estado e submetê-lo ao direito era suficiente para a construção de um estado de direito, no
entanto, o acúmulo de riqueza e o aprofundamento das desigualdades sociais, econômicas e
culturais passaram a exigir mais do Estado. Desse modo, o direito administrativo passou a
sofrer influência de uma nova concepção de estado de direito, Marçal Justen Filho apresenta
um conceito de direito administrativo que serve como exemplo disto:
Direito administrativo é definido como o conjunto de normas jurídicas de direito público que disciplinam a atividade administrativa pública necessária à realização dos direitos fundamentais e a organização e o funcionamento das estruturas estatais e não estatais encarregadas de seu desempenho.”55 (original sem destaque)
Do conceito de Marçal Justen Filho se extrai um elemento indispensável para o
presente trabalho: dentre as finalidades do direito administrativo está a satisfação dos direitos
fundamentais.
O direito administrativo deve analisado sob duas perspectivas: (i) limitar o poder do
estado, visando evitar concentração de poder político e econômico; (ii) perseguir a satisfação
dos direitos fundamentais, é o que justifica a existência do estado moderno.
Como aponta Celso Antonio Bandeira de Melo “existe uma impressão, quando menos
difusa, fluida, mas nem por isto menos efetiva, de que o Direito Administrativo é um Direito
concebido em favor do Poder, a fim de que ele possa vergar os administrados. Conquanto
profundamente equivocada e antiética à razão de existir do Direito Administrativo, está é a
suposição que de algum modo repousa na mente das pessoas” 56.
Há sem dúvida um sentimento de que o Estado brasileiro encontra em si mesmo a
justificação para sua existência, servindo as prerrogativas administrativas como privilégios em
benefício de alguns. Esse sentimento é fruto do longo período que o cidadão esteve totalmente
apartado do centro das decisões em um regime militar que perseguiu e torturou seus
opositores por meios lícitos ou não durante mais de 20 anos. Apesar da redemocratização do
país com a Constituição Federal de 1988, ainda nos dias atuais há uma grande resistência para
a participação popular, situação que reforça essa impressão apontada por Bandeira de Mello. 55 Curso de Direito Administrativo. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 90. 56 Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p 43.
36
Marçal Justen Filho afirma que “é fundamental eliminar o preconceito de que as
organizações estatais possuem justificativas de existência em si mesmas. O Estado existe não
para satisfazer as suas estruturas burocráticas internas nem para realizar interesses exclusivos
de alguma classe dominante (qualquer que seja ela).57
Apenas a limitação do poder do estado e sua submissão ao direito não são suficientes
para assegurar o pleno desenvolvimento do ser humano. Marçal Justen Filho entende que “é
necessário que o Estado seja um instrumento de promoção do desenvolvimento econômico e
social. Impõe-se a existência de um Estado intervencionista, cuja atuação seja voltada a obter
a concretização dos valores fundamentais”58. Observa-se que o direito administrativo atual
exige como justificação para existência do estado a busca pela efetivação dos direitos
fundamentais.
4.2. Ato administrativo
Para estudar a necessidade ou não da prestação jurisdicional do estado para a tutela da
posse de imóvel público é fundamental ter domínio de institutos do direito administrativo.
É preciso delimitar o conceito de ato administrativo. Antonio Bandeira de Mello
conceitua ato administrativo como “declaração do estado (ou que lhe faça as vezes- como por
exemplo, um concessionário de serviço público) no exercício de prerrogativas públicas,
manifestada mediante providencias jurídicas complementares da lei a título de lhe dar
cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional”59.
Marçal Justen filho por sua vez afirma que ato administrativo é “uma manifestação de
vontade funcional apta a gerar efeitos jurídicos, produzida no exercício de função
administrativa”60. O conceito fornecido por Marçal Justen Filho traz quatro elementos para
caracterização do ato administrativo: (i) manifestação de vontade: é a exteriorização da
vontade de um sujeito dirigida a uma finalidade; (ii) exige qualificação especial da
manifestação da vontade, tem que ser vinculada à satisfação das necessidades coletivas; (iii)
apta a gerar efeitos jurídicos; (iv) produzida no exercício da função administrativa;
57 Curso de Direito Administrativo. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p 93. 58 Curso de Direito Administrativo. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p 103. 59 Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p 378. 60 Curso de Direito Administrativo. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p 383.
37
4.3. Autoexecutoriedade/executoriedade do ato administrativo
Os atos administrativos possuem atributos que exorbitam aqueles encontrados nas
relações privadas. O principal atributo do ato administrativo para o estudo em tela é a
“autoexecutoriedade” ou como alguns autores como Celso Antonio Bandeira de Mello
chamam simplesmente “executoriedade” e, que são invocados no parecer AJG 193/2016 para
autorizar desocupação de imóveis públicos via manu militari.
Apenas em situações especiais, a Administração Pública está autorizada a utilizar os
meios necessários para a implementação de suas determinações, usando da supremacia de
poder e do uso da força para fazer sua vontade. Antonio Bandeira de Mello explica que “a
executoriedade não se confunde com a exigibilidade, pois esta não garante, só por si, a
possibilidade de coação material, de execução do ato. Assim, há atos dotados de exigibilidade,
mas que não possuem executoriedade.”61
Marçal Justen Filho considera a autoexecutoriedade como a “possibilidade de a
Administração Pública obter a satisfação de um direito ou dirimir um litígio de que participa
sem a intervenção do Poder Judiciário, produzindo os atos materiais necessários a obter o bem
da vida buscado.”62
Importa então saber quando o ato administrativo poderá ser dotado de
autoexecutoriedade. Celso Antonio Bandeira de Mello defende que cabe executoriedade em
duas situações: (i) “quando a lei prevê expressamente”; (ii) quando a executoriedade é
condição indispensável à eficaz garantia do interesse público confiado pela lei à
Administração Pública (...) Isto ocorre nos casos em que a medida é urgente e não há via
jurídica de igual eficácia à disposição da Administração Pública para atingir o fim tutelado
pelo direito, sendo impossível, pena de frustração dele, aguardar a tramitação de uma medida
judicial”.63
A segunda hipótese de cabimento da executoriedade trazida por Antonio Bandeira de
Mello dispensa a autorização de lei em sentido estrito e baseia-se em dois conceitos
indeterminados: “medida urgente” e “eficaz garantia do interesse público”. Ao atribuir
autoexecutoriedade, apenas por ser considerada pela Administração Pública uma medida
urgente e que a via judicial não seja tão eficaz quanto a via administrativa, permite-se que
uma infinidade de atos administrativos fujam ao controle jurisdicional e a exceção se torna a
regra na Administração Pública. Condicionar a autoexecutoriedade tão-somente a urgência ou
61 Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p 411. 62 Curso de Direito Administrativo. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p 413. 63 Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p 413.
38
eficácia da medida constitui verdadeira cláusula geral, eis que a prestação jurisdicional nunca
será tão eficiente quando a autoxecutoriedade. Mais adequado à realidade nacional é o que
afirma Marçal Justen Filho:
A autoexecutoriedade do ato administrativo obedece estritamente aos princípios da legalidade e da proporcionalidade. Portanto não há autoexecutoriedade sem lei que assim o preveja. Mas, ainda quando a lei a tenha autorizado, a execução compulsória do ato administrativo por parte da própria Administração será admitida apenas quando não existir alternativa menos lesiva, sendo o uso da força a solução necessária para preservar a ordem jurídica e impor a realização dos direitos fundamentais.64 (original sem grifo)
Adotando como marco teórico o conceito fornecido por Marçal Justen Filho, a
autoexecutoriedade dos atos administrativos somente se verifica com a conjugação de dois
princípios constitucionais: estrita legalidade e proporcionalidade. De modo que, para atribuir
autoexecutoriedade aos atos administrativos que importam em reintegração de posse a manu
militari é indispensável a promulgação de lei em sentido estrito, fato que não aconteceu.
Por outro lado, há também ausência de proporcionalidade em uma lei ou ato normativo
atribuir à um ato administrativo autoexecutoriedade com base na morosidade do Poder
Judiciário, pois o Poder Público se submete às mesmas barreiras de acesso à justiça que os
particulares, não podendo invocar a supremacia do interesse público para afastar garantias
constitucionais. Autorizar a reintegração de posse, sem ordem judicial, em razão da crônica
morosidade do julgamento de ações judiciais é demasiadamente desproporcional ao fim
almejado.
4.4. Do princípio da legalidade estrita
Como se viu, pela teoria objetiva da posse, adotada pelo ordenamento jurídico pátrio, é
possível particulares deterem a posse de imóveis públicos, tanto que pela posse podem obter o
reconhecimento da concessão de uso especial para fins de moradia prevista na MP
2.220/2001.
A autoexecutoriedade dos atos administrativos prescinde de lei em sentido estrito que
lhe confira esse atributo, lei compreendida no conceito de norma fruto do processo legislativo
regular. No caso sob análise sequer há lei que atribua esse efeito ao Parecer AJG 193/2016.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ensina que a autoexecutoriedade não existe em todos
os atos administrativos; ela só é possível “quando expressamente prevista em lei” ou “quando
64 Curso de Direito Administrativo. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014p 413.
39
se trata de medida urgente que, caso não adotada de imediato, possa ocasionar prejuízo maior
para o interesse público”65
A necessidade de previsão legal como requisito da autoexecutoriedade dos atos
administrativos decorre do princípio da legalidade, previsto no art. 37, caput, da Constituição.
Quando se trata de Administração Pública só lhe é permitido fazer o que a lei
expressamente autoriza, na ausência de autorização legislativa tem-se uma conduta vedada Há
de se observar que a inobservância do princípio da legalidade estrito pode conduzir inclusive
a possibilidade crime de responsabilidade pelo agente político, haja vista recente decisão do
Senado Federal que fundamentou a cassação do mandato da presidente da República com
base na edição de três decretos para abertura de crédito suplementar sem autorização
legislativa entre outros fundamentos66. É de rigor destacar, o princípio da legalidade e o
princípio do controle externo da Administração constituem fundamentos do estado de direito.
65 Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 202. 66 Disponível em http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/08/31/dilma-rousseff-perde-o-mandato-e-temer-e-confirmado-presidente acessado em 13/10/2016
40
5. DA INAFASTABILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL 5.1. Origem histórica
A garantia de funcionamento mínimo do sistema de freios e contrapesos reside
justamente em impedir que uma estrutura organizacional tente esvaziar as atribuições de outra
estrutura. A função exercida pelo parlamento de inovação legislativa não pode afastar o
controle jurisdicional, ainda que por alteração constitucional decorrente do poder constituinte
derivado, da mesma forma que a atividade administrativa não pode criar subterfúgios para
fugir ao controle jurisdicional, motivo pelo qual o encontra-se insculpido no artigo 5º, XXXV
da Constituição Federal o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional do estado nos
seguintes termos: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito”. Essa garantia foi prevista pela primeira vez no ordenamento pátrio na Constituição
Federal de 1946.67
O destinatário principal da norma é o legislador, a fim e de impedir que a lei exclua do
judiciário a apreciação de um direito. Trata-se de um comando com duplo efeito, por um lado
constitui um direito do cidadão de obter do estado uma ordem jurisdicional, também
denominado de direito de ação, por outro lado impõe à todos, inclusive às estruturas
organizacionais do Estado, uma limitação a autodefesa, submetendo todos ao monopólio da
jurisdição estatal.
Nelson Nery Junior ensina que o conteúdo do princípio do acesso à justiça “embora o
destinatário principal desta norma seja o legislador o legislador o comando constitucional
atinge a todos indistintamente, vale dizer que não pode o legislador e ninguém mais impedir
que o jurisdicionado vá a juízo deduzir pretensão.”68
Segue o autor sustentando que o poder constituinte derivado não detém poderes sequer
para excluir o controle jurisdicional do estado, citando um acontecimento na história recente
do Brasil que constituiu grave violação ao princípio da inafastabilidade da jurisdição:
Em passado recente tivemos episódio histórico que envergonhou o direito brasileiro, a exemplo do que ocorreu no sistema jurídico dos estados totalitários da primeira metade deste século, que proibiam o acesso à justiça por questões raciais.69 Trata-se da edição do Ato Institucional nº 5/68, de 13/12/1968, outorgado pelo Presidente da República – que para tanto não tinha legitimidade -, que em seu art. 11 dizia: “Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com
67 Art. 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: § 4º - A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual. 68 Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, 7. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p 98. 69 Nelson Nery cita em nota de rodapé “Sobre o tema ver CAPPELLETTI, Mauro, VIGORITI, Vicenzo, I diritti constizionali dele parti nel processo civile italiano, Riv. Dir.Proc.. XXVI (1971), § 8º. p 622.
41
este Ato Institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos. 70
Segue o autor afirmando que:
Este AI 5 violou o art. 150, § 4º da CF de 1967, cuja redação foi repetida pela EC 1/69. Por essa emenda, entretanto, o AI 5 foi “constitucionalizado”, pois os arts. 181 e 182 da CF de 1969 (EC 1/69 à CF de 1967) diziam excluírem-se da apreciação do Poder Judiciário todos os atos praticados pelo comando da revolução de 31.03.1964, reafirmada a vigência do AI 5 (art. 182, CF de 1969). Nada obstante os arts. 181 e 182 da CF de 1969 mencionarem a exclusão de apreciação, pelo Poder Judiciário, de atos praticados com fundamento no AI 5 e demais atos institucionais, complementares e adicionais, praticados pelo comando da revolução, estas duas normas eram inconstitucionais71. Isto porque ilegítimas, já que outorgadas por quem tinha competência para modificar a Constituição, estavam em contradição com normas constitucionais de grau superior (direitos e garantias individuais) e infringiam direito supralegal positivado no texto constitucional (direito de ação)72.
A inafastabilidade do controle jurisdicional, constitui, um sustentáculo para assegurar
harmonia e independência entre as três funções do estado, medida indispensável para a
existência do sistema de pesos e contrapesos e para o controle externo da Administração
Pública.
5.2. Breve histórico das tutelas provisórias
De longa data a tutela provisória têm despertado acalorados debates no mundo
acadêmico, em grande medida a preocupação da doutrina reside na crônica morosidade do
judiciário que por vezes afasta a efetividade da prestação jurisdicional do Estado.
A problemática da efetividade do processo está ligada ao fator tempo, pois não são raras as vezes que a demora do processo acaba por não permitir a tutela efetiva do direito. Entretanto, se o Estado proibiu a autotutela não pode apontar o tempo como
70 Curso de Direito Administrativo. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. it. 71 O autor cita em nota de rodapé “Sobre a existência de normas inconstitucional que se encontram no corpo da Constituição, ver o magnífico estudo de BACHOF, Otto. Verfassungsnormen? Tübingen, 1951, passim, tornado público como aula inaugural na Universidade de Heidelberg, em 20.07.1951. Há tradução portuguesa de José Manuel M. Cardoso da Costa (Normas constitucionais inconstitucionais?, Coimbra, 1977). O autor fala expressamente em normas que a despeito de poderem estar formalmente no corpo da Constituição, são inconstitucionais, exemplificando com a infração de direito supralegal positivado na lei constitucional (pena de morte em contraposição ao direito natural à vida) (BACHOF, Ott. Normas constitucionais inconstitucionais?, cit. p 63). 72 Nery Junior cita em nota de rodapé “BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais?, cit. p. 52 et seq. Modernamente tem-se entendido não ser possível a existência de conflito entre princípios constitucionais. Devem ser harmonizados e compatibilizados entre si (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 5 ed. Coimbra, 1991, p 174. No mesmo sentido: CANOTILHO, José Joaquim Comes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 3 ed. Coimbra, 1999, p 1.107 et seq.) Como os arts. 181 e 182 da CF de 1969 eram incompatíveis com o princípio do direito de ação, este deveria prevalecer sobre aquelas regras de exceção.
42
desculpa para se desonerar do grave compromisso de tutelar de forma pronta e adequada os vários casos conflitivos concretos.”73
José Roberto dos Santos Bedaque conceitua liminar como uma decisão proferida no
início da demanda, nota-se que liminar não está condicionada a concessão sem oitiva da parte
contrária (inaudita altera parte):
Merece a denominação de “liminar” toda a decisão que é prolatada in limine litis, isto é, no início da demanda – independentemente de seu objeto, podendo ela, assim, eventualmente, caso estejam presentes os respectivos requisitos autorizadores, antecipar os efeitos da tutela principal ou da tutela cautelar, conforme as circunstâncias do caso concreto.74
Para Alexandre Freitas Câmara a liminar tem natureza processual de tutela antecipada,
que a partir de da reforma processual de 1994 passou a ser um instrumento aplicável a
qualquer procedimento:
A tutela jurisdicional antecipada é um dos temas que mais têm chamado a atenção dos processualistas brasileiros ultimamente. Instituto conhecido da doutrina há bastante tempo, e presente no ordenamento brasileiro em normas espaçadas, como as que preveem a reintegração liminar na posse, o despejo liminar e o aluguel provisório, passou a merecer mais atenção dos doutos depois que o movimento conhecido como “a reforma do CPC” alterou a redação do art. 273 daquele Código para, assim, criar norma genérica, aplicável em princípio a todos os processos. 75
Com a publicação da lei 8.952/94 passou a ser aplicável a antecipação da tutela à
praticamente todos os procedimentos, desde que preenchidos os requisitos legais:
probabilidade do direito e urgência da medida.
É de se notar que tal tutela jurisdicional, consistente em permitir a produção dos efeitos (ou, ao menos, de alguns deles) da sentença de procedência do pedido do autor desde o início do processo (ou desde o momento em que o juiz tenha se convencido da probabilidade de existência do direito afirmado pelo demandante), exige alguns requisitos para sua concessão. Não basta estar presente a probabilidade de existência do direito alegado, fazendo-se necessário que haja uma situação capaz de gerar fundado receio de dano grave, de difícil ou impossível reparação, ou que tenha ocorrido abuso do direito de defesa por parte do demandado (art. 273, I e II, CPC). 76
Até a reforma do Código de Processo Civil de 1973, trazida pela Lei nº 8.952/94,
somente poderia se falar em medida liminar quando se tratasse de procedimentos que
expressamente previssem esse instrumento processual, tal como as ações possessórias (art.
924 c.c. o art. 928 ambos do CPC), ação de nunciação de obra nova (art. 937 do CPC),
73 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Cautelar tutela antecipatória urgente e tutela antecipatória, Revista Eletrônica da AJURIS, n. 61, Julho/1994. p. 1. 74 Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: tutelas sumárias e de urgência: tentativa de sistematização. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 13. 75 Lições de Direito Processual Civil. 21. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p 92. 76 Lições de Direito Processual Civil. 21. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p 93.
43
embargos de terceiro (art. 1.051 do CPC), ação baseada em venda com reserva de domínio
(art. 1.071 do CPC), ação de despejo (artigo 59, § 1º da lei 8.245/91), mandado de segurança
(art. 7º, inciso II lei 1.533/51 – revogada pela lei 12.016/2009), ação popular (art. 5º, § 4º da
Lei 4.717/65), ações decorrente de relação de consumo (art. 84, § 3º da lei 8.078/90), ação
civil pública (art. 12 da lei 7.343/85), entre outras previsões esparsas na legislação.
O Código de Processo Civil de 2015 trouxe um livro inteiramente dedicado à tutela
provisória, do artigo 294 ao artigo 311 é trabalhado com detalhes o tema. Pela primeira vez, o
texto normativo distingue expressamente a tutela de urgência da tutela de evidência (art. 294
CPC/2015) e classifica a tutela provisória de urgência em cautelar ou antecipada, antecedente
ou incidental. No livro das tutelas provisórias o Código de Processo Civil de 2015 trouxe
ainda uma inovação, a possibilidade de obter tutela provisória de urgência em caráter e
famigerada estabilização da tutela.
5.3. Da vedação legal de tutelas provisórias contra o Poder Público
A primeira lei a vedar a concessão de liminar contra o Poder Público foi a Lei
2.770/56 que diz respeito à liberação de bens, mercadorias e coisas de procedência estrangeira
e o Supremo Tribunal editou a Súmula 262 confirmando esse impedimento geral previsto na
lei: “SÚMULA 262 STF: Não cabe medida possessória liminar para liberação alfandegária de
automóvel”.
A lei 4.348/64 também impedia a concessão de liminar contra a Fazenda Pública e, se
tratando de mandado de segurança, impedindo inclusive a execução provisória da sentença
antes do transito em julgado.77
A Lei 5.021/66 também vedou a concessão de liminar em Mandado de Segurança
contra a Fazenda Pública em ações movidas por servidores públicos para recebimento de
vencimentos e vantagens pecuniárias.78
Em 1990 foi editada a Lei 8.076 que vedou a concessão de liminares em ações
ajuizadas contra as leis que sustentavam o “plano econômico Collor”. Em seguida foi a vez da
77 Art. 5º Não será concedida a medida liminar de mandados de segurança impetrados visando à reclassificação ou equiparação de servidores públicos, ou à concessão de aumento ou extensão de vantagens”. Parágrafo único. Os mandados de segurança a que se refere este artigo serão executados depois de transitada em julgado a respectiva sentença. 78 Art. 1º O pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias asseguradas, em sentença concessiva de mandado de segurança, a servidor público federal, da administração direta ou autárquica, e a servidor público estadual e municipal, sòmente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial. § 4º Não se concederá medida liminar para efeito de pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias.
44
Lei 8.437/92 vedar a concessão de liminar em ações contra o Poder Público. A Lei
9.494/estendeu à antecipação de tutela as mesmas restrições já existentes da tutela de urgência
em mandado de segurança e ação cautelar. De forma concisa essas são as principais leis que
restringem à concessão da tutela de provisória em desfavor da Fazenda Pública.
Dentro desse contexto, a constitucionalidade dessas leis e medidas provisórias que
vedavam a concessão de tutela de urgência em ações contra o Poder Público passou a ser
objeto de intenso trabalho acadêmico e jurisprudencial, tendo sido inclusive objeto de dezenas
de teses no XXIV da 2ª Comissão especial do Congresso Nacional de Procuradores do
Estado79 que obviamente sustenta-se a constitucionalidade da vedação.
O alcance do princípio da inafastabilidade da jurisdição previsto no artigo 5º XXXV
da Constituição Federal dividiu o meio acadêmico em duas posições: a (i) uma afirmando que
o princípio de inafastabilidade da jurisdição se limita a apenas à tutela definitiva; (ii) a
segunda afirmando que alcança também as tutelas provisórias, em razão da efetividade do
provimento, nesse sentido defende Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero:
Tutela Antecipatória contra a Fazenda Pública. Existem restrições, no plano infraconstitucional, à concessão da tutela antecipatória contra a Fazenda Pública [...]. Essas restrições, contudo, não tem o condão de excluir o cabimento de antecipação de tutela contra a Fazenda Pública. São inconstitucionais. Frise-se que o direito de ação, compreendido como o direito à técnica processual adequada, não depende do reconhecimento do direito material. O direito de ação exige técnica antecipatória para a viabilidade do reconhecimento da verossimilhança do direito e do fundado receio de dano, sentença idônea para a hipótese de sentença de procedência e meio executivo adequado a ambas as hipóteses. Se o direito não for reconhecido como suficiente para a concessão da antecipação da tutela ou da tutela final, não há sequer como pensar em tais técnicas processuais. A norma do art. 5º, XXXV, CRFB, ao contrário das normas constitucionais anteriores que garantiam o direito de ação, afirmou que a lei, além de não poder excluir lesão, será proibida de excluir “ameaça de lesão” da apreciação jurisdicional. O objetivo do art. 5º, XXXV, CRFB, neste particular, foi deixar expresso que o direito de ação deve poder propiciar a tutela inibitória e ter a sua disposição técnicas processuais capazes de permitir a antecipação da tutela80.
Os autores seguem afirmando que uma lei que impede o julgador de utilizar os
mecanismos processuais para assegurar a efetividade da tutela do direito material importa em
violação da inafastabilidade da jurisdição, de modo que, a prestação jurisdicional definitiva
pode tornar-se inútil:
Uma lei que proíbe a aferição dos pressupostos necessários à concessão de liminar obviamente nega ao juiz a possibilidade de utilizar instrumentos imprescindíveis ao
79 Teses do Congresso da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo disponível em http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/Congresso/2comis.htm acessado em 27/09/2016 80 Código de Processo Civil Comentado Artigo por Artigo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.p. 35
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adequado exercício do seu poder. E, ao mesmo tempo, viola o direito fundamental à viabilidade da obtenção da efetiva tutela do direito material81.
Nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser excluída da tutela jurisdicional e a
vedação de liminar ou antecipação dos efeitos da tutela importa em ausência de prestação
jurisdicional efetiva, uma vez que a concessão da medida de urgência reside justamente na
urgência da medida e na possibilidade de ocorrência de dano irreparável ou de difícil
reparação. Nesse sentido leciona Luiz Guilherme Marinoni:
Efetivamente é por demais evidente que determinadas pretensões somente se compatibilizam com tutelas de urgência. E as liminares e as ações urgentes, para estes casos, são os instrumentos que concretizam o direito à adequada tutela jurisdicional. A restrição do uso da liminar, portanto, significa lesão ao princípio da inafastabilidade. 82
O princípio da inafastabilidade da jurisdição edificou uma muralha intransponível ao
legislador que tentou vedar a concessão de tutela de urgência em face do Poder Público.
A mesma hermenêutica deve ser usada para tentativa de a Administração Pública
promover reintegração de posse em bens públicos a manu militari sem a presença do
elemento temporal que autorize o desforço imediato em defesa da posse, constituindo uma
flagrante tentativa de afastar o princípio do controle jurisdicional previsto no artigo 5º, XXXV
da Constituição Federal.
5.4. Liminares em interditos possessórios
Tanto o artigo 273 do Código de Processo Civil de 1973 como os demais dispositivos
em que eram previstas a figura da liminar, para sua concessão exigia-se o preenchimento de
basicamente dois requisitos: probabilidade do direito, também chamado em latim de fumus
boni jures e urgência da medida, em latim periculum in mora.
No entanto, quando se trata de interditos possessórios, para a concessão da liminar, a
lei processual exige apenas um dos requisitos: probabilidade do direito. Ao mesmo tempo em
que se dispensa o requisito “urgência da medida” a lei estabelece como requisito para
obtenção da liminar um lapso temporal do esbulho ou turbação da posse, motivo pelo qual, é
fundamental classificar a turbação ou o esbulho possessório de acordo com o transcurso do
tempo.
A agressão à posse cometida há menos de ano e dia chama-se de força nova ou posse
nova, enquanto a agressão ocorrida há mais de ano e dia chama-se de força velha ou
81 Código de Processo Civil Comentado Artigo por Artigo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.38 82 Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p.96.
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simplesmente posse velha. De acordo com o artigo 924 do Código de Processo Civil de 1973
e artigo 558 do Código de Processo Civil de 2015, quando a ação de reintegração ou
manutenção de posse for ajuizada dentro de ano e dia da data que ocorreu o esbulho ou
turbação seguirá o procedimento especial, em que se admite a concessão de liminar inaudita
altera parte.83
Observa-se que o Código de Processo Civil de 2015 trouxe apenas uma alteração de
redação, sem implicar em modificação do conteúdo do comando legal. Desse modo, quando a
ação de reintegração ou manutenção de posse for ajuizada dentro do prazo de ano e dia do
esbulho ou turbação haverá uma presunção iure et de iure (presunção absoluta) da urgência da
medida. Nota-se que o Código de Processo Civil não trouxe alteração nesse aspecto.84
Assim, em se tratando de força nova poderá ser concedida liminar inaudita altera
parte, ou seja, se instaura contraditório diferido, a medida que o réu irá tomar conhecimento
da existência da ação no momento do cumprimento do mandado de reintegração/manutenção
da posse.
O legislador conferiu a tutela da posse em sede de liminar, diferindo daquela aplicável
aos demais procedimentos, eis que para se obter liminar em ação possessória baseada em
força nova será necessário apenas apresentar elementos que comprovem a probabilidade do
direito sendo desnecessário provar a urgência da medida pleiteada. Observa-se, portanto, que
os interditos possessórios receberam tratamento especial pela lei no tocante ao regime das
liminares, presumindo a urgência da medida na hipótese de esbulho ou turbação baseada em
força nova (menos de ano e dia). Portanto, se há um procedimento que pode ser considerado
célere no direito processual são os interditos possessórios baseados em força nova, de modo
que promover desocupação de prédios públicos a manu militari, com fundamento em suposta
83 Código de Processo Civil de 1973 Art. 924. Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da seção seguinte, quando intentado dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho; passado esse prazo, será ordinário, não perdendo, contudo, o caráter possessório. Código de Processo Civil de 2015 Art. 558. Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da Seção II deste Capítulo quando a ação for proposta dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho afirmado na petição inicial. 84 Código de Processo Civil de 1973 Art. 928. Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração; no caso contrário, determinará que o autor justifique previamente o alegado, citando-se o réu para comparecer à audiência que for designada. Código de Processo Civil de 2015 Art. 562. Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração, caso contrário, determinará que o autor justifique previamente o alegado, citando-se o réu para comparecer à audiência que for designada.
47
demora da prestação jurisdicional é uma falácia que visa ocultar a verdadeira finalidade dessa
medida.
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CONCLUSÃO
Pela teoria objetiva da posse adotada pelo Código Civil de 2002, associada ao conceito
de função social da propriedade, que alcança bens públicos e os dispositivos previstos no
Estatuto das Cidades e na Medida Provisória 2.220/2001, é possível afirmar que bens públicos
são suscetíveis de esbulho possessório e tomada da posse por terceiros, não constituindo mera
detenção.
A defesa da posse pode ser feita mediante uso de força própria, também chamado de
desforço imediato em defesa da posse, no entanto, exige-se um aspecto temporal, que a defesa
seja, para repelir imediata agressão à posse, sob pena de caracterizar crime de “exercício
arbitrário das próprias razões”, “constrangimento ilegal” ou “abuso de autoridade”.
Não sendo cabível o desforço imediato a defesa da posse somente poderá obtida a
tutela da posse mediante prestação jurisdicional do Estado.
O parecer AJG 193/2016 da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo autoriza o uso
da força própria a manu militari para reintegração da posse de bens públicos mesmo quando
ausente o aspecto temporal previsto no artigo 1.210, § 1º do Código Civil baseando-se em
suposta morosidade da prestação jurisdicional e autoexecutoriedade dos atos administrativos e
autotutela que viola o princípio da inafastabilidade da jurisdição. Após grandes derrotas
judiciais da Administração Pública estadual na tentativa de obter a reintegração de posse de
bens públicos tomados por manifestantes foi editado e aprovado pela Administração Pública
Estadual o parecer AJG 193/2016 de modo a subtrair do Judiciário o controle e a limitação de
seus atos, tornando inclusive prescindível a intervenção do Ministério Público e do Conselho
Tutelar ainda que envolva interesses de adolescentes.
No sistema constitucional de tripartição dos poderes alicerçado no sistema de freios e
contrapesos é vedado a qualquer poder afastar o controle externo exercido por outros poderes.
A Administração Pública não encontra fundamento de existência em si mesma, sua razão de
existência é a busca pela efetivação dos direitos e garantias fundamentais e não pode criar
subterfúgios para elidir o controle jurisdicional de seus atos.
Um parecer emitido pela advocacia pública que defende o interesse público primário e
ao mesmo tempo o interesse público secundário não tem o condão de afastar o controle
jurisdicional dos atos administrativos.
O princípio da inafastabilidade da jurisdição não pode ser elidido sequer por emenda
Constitucional com se viu na discussão da vedação genérica de liminares em ações judiciais
contra o Poder Público.
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As barreiras do acesso à justiça e a eventual morosidade da prestação jurisdicional não
servem de fundamento para violação do princípio da inafastabilidade da jurisdição,
notadamente porque está ao alcance da Administração Pública os mesmos mecanismos de
tutela de urgência que os particulares dispõem, que permitem inclusive a obtenção de medida
antecipatória inaudita altera parte e o interdito proibitório.
A defesa da posse bem público ocupado por manifestantes em atos de protestos deve
obedecer aos estritos limites legais, notadamente no que concerne ao limite temporal para a
prática de atos de defesa da posse por imediata da posse uso de força própria.
A autoexecutoriedade ou executoriedade não é atributo de todo ato e qualquer
administrativo, a executoriedade pressupõe a conjugação de dois elementos: previsão por lei
em sentido estrito e observância do princípio da proporcionalidade.
Por todos esses aspectos é que se aponta a inconstitucionalidade e ilegalidade das
conclusões do parecer AJG 193/2016 da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo aprovado
pela Secretaria de Estado de Justiça que autoriza a manu militari (sem ordem judicial), o
cumprimento de reintegração da posse de bens públicos quando ausente o aspecto temporal
previsto no artigo 1.210, § 1º do Código Civil.
50
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