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Boas Práticas para Ocupação do Solo, no respeito pelos Recursos Hídricos
Corredores Ribeirinhos e Controlo de Cheias e de Áreas Inundadas em Pequenas Bacias Hidrográficas
Maio 2007
Maio de 2007 ii
“Then I say the earth belongs to each …
generation during its course, fully and in its own right,
no generation can contract debts greater than may be
paid during the course of its own existence.”
Thomas Jefferson, September 6, 1789
A aplicação das medidas promove visibilidade,
eficácia da uma nova cultura, e novas atitudes em relação ao ambiente
no território que ocupamos, necessárias para assimilação
dos problemas de qualidade das águas e do meio hídrico.
iii Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
Enquadramento e objectivo
A realização deste trabalho surgiu da necessidade, sentida pela CCDR-LVT, de compilar, e
tornar acessível, a informação sobre várias medidas, estruturais e não estruturais, a aplicar
ao uso e ocupação do solo, de forma a promover a sustentabilidade da rede hídrica
superficial.
No dia-a-dia da actividade de licenciamento, são cada vez mais notórias as dificuldades
sentidas pelo cidadão — manifestadas quer junto da CCDR-LVT quer junto das autarquias
— para compreender os motivos da salvaguarda do domínio hídrico e da sua utilização
regrada, apesar da legislação publicada.
A protecção do domínio hídrico é fundamental, face ao desenvolvimento generalizado de
formas de construção e de ocupação. E hoje em dia, mais que no passado; as raízes
seculares da necessidade da salvaguarda dos recursos hídricos perdem-se no tempo, mas
a sua actualidade é por demais evidente.
O texto teve como trampolim o trabalho final de curso da autora, em Engenharia dos
Recursos Hídricos. Espera-se que, no futuro, este trabalho constitua o embrião para a
elaboração de outras publicações, nomeadamente manuais de projecto.
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Autoria
Cecília Maria Rodrigues Correia Licenciada em Engenharia dos Recursos Hídricos (Universidade de Évora)
Edição e Coordenação Eduardo Sousa Costa
Assessor Principal na CCDR-LVT
Engenheiro Civil (Instituto Superior Técnico)
Mestre em Hidráulica e Recursos Hídricos (Instituto Superior Técnico)
Miguel de Azevedo Coutinho
Professor Associado do Instituto Superior Técnico
Engenheiro Civil (Instituto Superior Técnico)
Ph.D. em Engenharia Civil – Hidráulica (Colorado State University)
v Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
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Boas Práticas para Ocupação do Solo, no respeito pelos Recursos Hídricos
Corredores Ribeirinhos e Controlo de Cheias e de Áreas Inundadas em Pequenas Bacias Hidrográficas
Maio 2007
1 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
1. Considerações gerais
A sociedade em geral, e em particular cada um de nós, deve promover e utilizar os
recursos hídricos — nomeadamente as águas superficiais — de forma a contribuir
para o desagravamento das consequências das inundações provenientes das cheias,
evitando contribuir para piorar as condições de escoamento nas linhas de água.
A filosofia de ocupação do território tem de ser alterada de “os de jusante pagam os
desvarios de montante” para “sendo parte do problema, tem de ser parte da solução”.
Face às questões relacionadas com a actividade de licenciamento de utilização do
domínio hídrico, pretende-se, com esta publicação, promover a aplicação de medidas
As inundações resultam de
processos naturais. A ocupação
dos solos altera no entanto estes
processos.
A construção e o uso progressivo
do solo, quer pela sua impermea-
bilização, quer pela sua esterili-
zação, agravam as condições
naturais de escoamento, dimi-
nuindo a segurança de pessoas e
de bens.
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que perspectivem a visibilidade e a eficácia de uma nova cultura e novas atitudes em
relação ao ambiente no território que ocupamos, necessárias para minimização de
problemas de qualidade da água e de degradação dos meios hídricos.
Lembremos que o sector dos seguros ainda não está adequado para cobrir os danos
de inundação provocados por causas naturais (por exemplo, subida do nível da água
dos cursos de água), pelo que compete a todos e a cada um de nós assegurar que
da nossa actividade não resultem tais efeitos nem o seu agravamento, e que as
nossas habitações e construções estejam a salvo das cheias.
1.1. As razões desta publicação
A utilidade de uma publicação reside na sua capacidade de servir de veículo de
transmissão de informação básica relativa a certa e determinada matéria. Neste
caso, a utilidade assentou nas seguintes razões:
• A água é um elemento indispensável à vida, devendo ser factor de
enriquecimento da qualidade de vida;
• Existe uma grande pressão para ocupação do território, nomeadamente das
zonas ribeirinhas, associada à construção desordenada, e à ocupação de
linhas de água e zonas de inundação, inibindo os mecanismos naturais de
mitigação dos efeitos;
• Assiste-se a um aumento da percentagem do território com ocupação por
construções e infra-estruturas com elevada percentagem de solos
A alteração da morfologia de leitos e zonas de inundação e a
remoção de vegetação ripícola têm
gerado redes hidrográficas
desequilibradas e desordenadas
no contexto do uso e ocupação do
território.
Tal tem sido responsável por
grandes inundações mesmo em
zonas já relativamente afastadas
dos leitos normais das linhas de
água.
3 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
impermeabilizados, responsáveis por acréscimos de caudal em relação às
condições naturais de escoamento;
• É necessário promover a coesão entre a legislação, e a justificação e os
princípios de decisão que estão na base dos pressupostos de decisão das
entidades responsáveis da gestão do território, de forma a permitir a definição
das melhores soluções em termos ambientais, e a garantir o bom
funcionamento dos ecossistemas;
• É necessário esclarecer e ajudar todos os cidadãos, incluindo promotores,
empreiteiros, engenheiros e arquitectos, para a melhor compreensão da
necessidade de garantir o funcionamento e equilíbrio dos ecossistemas,
através do uso de medidas e práticas que garantam a gestão integrada e
planeada dos recursos hídricos;
• É necessário sensibilizar a sociedade para a compreensão e para a
participação activa no desenvolvimento sustentável do país;
• É necessário utilizar os recursos naturais sem comprometer a sua
disponibilidade, usufruir a natureza sem a degradar, buscando a melhoria da
qualidade de vida;
• Ao longo do tempo, e por via da ocupação do território, tem havido um
aumento do volume de escoamento e maior frequência de inundações;
• O desrespeito pela faixa de protecção às linhas de água e outras medidas
reguladoras pode assumir proporções aflitivas e consequentemente colocar
Fazer uso do recurso natural “Água” sem comprometer a sua
utilização futura, e usufruto da
natureza sem a devastar, é um
desafio que se coloca em busca
da melhoria da qualidade de
vida.
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em causa as condições anteriormente existentes e o desenvolvimento
sustentável dos nossos recursos;
• O crescimento da população tem provocado o agravamento da degradação da
qualidade da água, por se relacionar directamente com descargas ilegais de
efluentes;
• Quer a alteração da morfologia de leitos e zonas de inundação, quer a
remoção de vegetação ripícola, têm gerado novas e desordenadas redes
hidrográficas, constituindo agravamento das inundações, mesmo em zonas
mais distantes das linhas de água.
1.2. Oportunidade face à nova Lei da Água
A Lei n.º 58/2005 de 29 de Dezembro (Lei da Água) e a Lei n.º 54/2005 de 15 de
Novembro (Lei da Titularidade dos Recursos Hídricos), introduziram novos conceitos
de gestão de recursos hídricos e sintetizam, englobam e eliminam conteúdos de
vários diplomas até então dispersos.
A Lei n.º 58/2005 aprova a Lei da Água, transpondo para a Ordem Jurídica Nacional
a Directiva n.º 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro,
estabelecendo as bases e o quadro institucional para a gestão sustentável das
águas.
Com a publicação destas leis, voltou a colocar-se o ênfase na temática da água, face
à escassez cada vez mais notória deste bem, no seu estado natural.
A nova legislação relativa aos recursos hídricos, de 15 de
Novembro e 29 de Dezembro de
2005, vem responder, por um lado,
à necessidade de transposição da
Directiva-Quadro da Água e, por
outro lado, à necessidade de
harmonizar e juntar, num só corpo
legislativo, vários diplomas
dispersos.
5 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
A Lei n.º 58/2005 apresenta como restrições de utilidade pública e outras
condicionantes relativas às zonas adjacentes, ou a proibição da ocupação edificada,
ou a edificação condicionada, definindo regras de ocupação. Nestas zonas, é
interdita a destruição do coberto vegetal ou a alteração do relevo natural (com
excepção da prática de culturas tradicionalmente integradas em explorações
agrícolas), a instalação de depósitos de materiais, a realização de construções de
edifícios ou quaisquer outras obras que possam constituir obstrução à livre passagem
da água.
A Lei n.º 58/2005 estabelece ainda o enquadramento para a gestão das águas
superficiais (águas interiores, de transição e costeiras) e das águas subterrâneas,
assegurando a transposição da Directiva n.º 2000/60/CE, de forma a evitar a
continuação da degradação dos ecossistemas aquáticos, terrestres e zonas húmidas.
Procura-se promover uma utilização sustentável da água, através da protecção
reforçada e melhoramento do ambiente aquático e de mitigação dos efeitos das
inundações e das secas.
Pretende-se que o ordenamento do território, em articulação com os recursos
hídricos, possa compatibilizar a utilização sustentável desses recursos, com a sua
protecção e valorização, bem como com a protecção de pessoas e bens contra
fenómenos extremos associados às águas, através de planos e medidas de
protecção e valorização dos recursos hídricos.
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“Todos os rios entram no mar,
e o mar não transborda. Vão
desaguar no lugar donde
saíram, para tornarem a
correr.”
Eclesiastes, Prólogo, 7
1.3. Sistematização e Regulamentação
As utilizações dos solos podem alterar o ciclo natural da água. Essas alterações
resultam de mudanças nos diversos sistemas que compõem o ciclo. A redução da
infiltração superficial leva ao incremento do escoamento superficial da água
proveniente das chuvas e à diminuição da recarga subterrânea e,
consequentemente, à diminuição do escoamento de base dos cursos de água.
É necessário pois o estabelecimento de medidas de planeamento e gestão da
drenagem das águas superficiais, protegendo-as dos impactes adversos e do
escoamento descontrolado. E isso resulta tanto da promoção do ordenamento
adequado como da sistematização das águas superficiais.
Antes de passarmos ao tema da regulamentação de medidas, urge compreender
alguns conceitos, especificamente o do escoamento superficial torrencial
(stormwater), que resulta do desenvolvimento extensivo das zonas urbanizadas, e
também a questão dos impactes resultantes na hidrologia das bacias, e na qualidade
da água e dos sistemas ecológicos.
As cheias são um acontecimento natural ou provocado pela alteração humana nas
bacias hidrográficas, modificando as condições de escoamento, e podendo provocar
inundações. Ocorrem como resultado de chuvadas intensas e concentradas que
contribuem para caudais superiores aos caudais que as linhas de água e/ou
estruturas têm capacidade de escoar. As águas transbordam dos seus leitos
convergindo e concentrando-se nas zonas baixas e/ou mais planas e pondo em risco
7 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
pessoas e bens. As cheias estão associadas à ocorrência de escoamento superficial
directo, intenso, que pode, em certas circunstâncias e por ocorrência repentina,
provocar a inundação de terrenos contíguos aos leitos de linhas de água.
Para diminuir ou para obstar aos efeitos das cheias, podem aplicar-se medidas que
conduzem, particularmente, à retenção e detenção dos escoamentos, limitando os
volumes de cheia, e reduzindo os caudais e a velocidade de escoamento, e por essa
via aumentar, consequentemente, os tempos de concentração das cheias.
1.4. Conceitos Básicos de Hidrologia
Em termos muito genéricos, o ciclo hidrológico pode ser descrito, começando pela
precipitação que se forma nas nuvens e atinge a superfície terrestre. Da chuva que
ocorre sobre os terrenos, uma parte infiltra-se e é armazenada superficialmente no
solo sendo aí utilizada pelas plantas, que mais tarde a devolvem ao ciclo sob a forma
gasosa, processo este designado por evapotranspiração. A água infiltrada, e que não
é utilizada pelas plantas, caminha sub sub-superficialmente e em profundidade,
dando origem respectivamente, aos escoamentos sub-superficiais e aos
escoamentos, em grandes mantos e aquíferos de águas subterrâneas. Uma parte
desse escoamento subterrâneo fica detido nos aquíferos por mais ou menos tempo,
consoante as suas características geológicas, ressurgindo mais tarde nos leitos
fluviais, sob a forma de escoamento base.
A parte da precipitação que não dá origem à infiltração escoa-se superficialmente no
espaço interfluvial e deste passa para a rede de drenagem, podendo desaguar em
“A b
de
dr
qu
se
um
O Ciclo Hidrológico
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lagos, lagoas, ou no mar. Alguma desta água evapora-se, juntando-se à
evapotranspiração e contribuindo para a formação das nuvens que mais tarde darão
de novo origem à precipitação e à renovação do ciclo.
A descrição sumária atrás efectuada contempla unicamente a parte natural do ciclo
em zonas não artificializadas, como se pode observar na figura seguinte.
Ciclo da água que ocorre sobre
uma zona natural
9 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
Ora o que acontece na realidade, e em face da ocupação humana, é que, consoante
o maior ou menor grau de urbanização da zona, o ciclo hidrológico sofre algumas
alterações, em várias escalas.
A precipitação, quando ocorre em zonas de cabeceira e terrenos cujas condições
naturais foram adulteradas com acréscimo de percentagem de área
impermeabilizada, vai originar maior quantidade de escoamentos superficiais e
menores infiltrações.
Com a diminuição do escoamento subterrâneo, em detrimento do escoamento
superficial, as redes hidrográficas vão drenar para os meios receptores,
essencialmente sob a forma de escoamento superficial. Com esses caudais
elevados, os níveis da superfície livre tendem a exceder os das margens dos rios,
invadindo as zonas adjacentes de menor cota. Frequentemente, as zonas baixas
adjacentes aos rios são muito férteis e populosas, pelo o aumento do volume e da
velocidade do escoamento, face à vulnerabilidade das populações locais, podem
causar danos elevados.
O aumento da quantidade do escoamento superficial, e a diminuição do tempo de
concentração, diminui o tempo de resposta da bacia. As velocidades elevadas do
escoamento provocam erosão e ravinamentos a montante, e provocam o
arrastamento rápido de materiais até às zonas ribeirinhas a jusante
A Impermeabilização promove
maiores escoamentos superficiais
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Se se continuar a alterar o normal funcionamento do ciclo da água, pela crescente
ocupação urbana e impermeabilização dos terrenos nas zonas ribeirinhas e de
cabeceira, a situação será crescentemente agravada.
A artificialização do uso do solo reside na construção de casas e edifícios de modo
geral, incluindo também os centros comerciais, os loteamentos, os empreendimentos
turísticos, os arruamentos e parques de estacionamento, entre outros, com a
utilização de materiais impermeáveis como os betões, argamassas e asfalto.
Ciclo da água que ocorre sobre
uma zona alterada pela urbanização
11 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
O resultado da relação entre a impermeabilização, a evapotranspiração, a infiltração
e o escoamento, em percentagem da precipitação, está patente na figura seguinte
(resultante de estudos realizados pela Unesco nos EUA e na Austrália).
A evolução do desenvolvimento da paisagem, tem sido uma constante do
desenvolvimento humano, com a alteração da superfície terrestre, com o
estabelecimento de superfícies impermeáveis em edifícios, estradas, parques de
Esquema representativo das
condições de escoamento e
infiltração face à percentagem de
área impermeabilizada
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estacionamento e construção de sistemas de drenagem pluvial. Essa
transformação/substituição incrementa o volume de escoamento superficial dos
locais, alterando as condições de drenagem.
Adicionalmente, perdem-se os mecanismos naturais para a eliminação de poluentes
provenientes da vegetação e solos.
Durante as operações de construção, os terrenos ficam expostos à chuva, o que faz
aumentar o potencial para a erosão e transporte de sedimentos.
O desenvolvimento pode também introduzir novas fontes de poluição pelas
actividades associadas à ocupação residencial, comercial e industrial do território.
Este processo de desenvolvimento pode ser designado de “Urbanização”.
O conceito de “Urbanização” surge pois como atributo que permite quantificar o
estado de alteração de uma bacia hidrográfica, tendo já numerosos estudos
apresentado e documentado os efeitos cumulativos da “Urbanização” nas bacias
hidrográficas e na sua ecologia.
A alteração do relevo existente, assim como a alteração da vegetação na envolvente
das zonas urbanizadas tem impactes importantes no ciclo hidrológico.
Particularmente, as superfícies ocupadas por pavimentos, e os arruamentos, fazendo
comportam-se como verdadeiros leitos de escoamentos. Esse efeito é ainda
13 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
agravado, quando essa ocupação se faz muito próximo das linhas de água, e nos
respectivos leitos de inundação.
1.5. Objectivos desta publicação e das Boas Práticas em Recursos Hídricos
Como objectivos e princípios básicos das boas práticas a adoptar, enumeram-se:
• Minimizar os efeitos que contribuem para o acréscimo de escoamento gerado
pela ocupação do solo e impermeabilização associada;
• Proporcionar aos utilizadores e decisores as ferramentas que possam
contribuir para o planeamento e desenvolvimento de novas soluções,
primando pela manutenção e integridade de meios hídricos, incluindo os
cursos de água, as zonas húmidas e os aquíferos, assegurando as trocas da
água no ciclo hidrológico;
• Reduzir a poluição dos escoamentos superficiais;
• Promover boas práticas, não só como apoio para planos municipais de
ordenamento do território e novas obras/construções, como também para
adopção em zonas já edificadas que careçam de reabilitação;
• Melhorar a qualidade de vida de zonas urbanizadas e dos sistemas de
drenagem do escoamento superficial da água das chuvas;
Objectivos desta publicação
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• Permitir a articulação entre as questões relativas à utilização do domínio
hídrico e o correcto ordenamento do território;
• Preservar a topografia existente e as condições naturais dos cursos de água e
das zonas ribeirinhas;
• Proteger os recursos hídricos superficiais e subterrâneos;
• Integrar as linhas de água em corredores verdes, promovendo secções
dimensionadas para escoamentos torrenciais, mas optimizando o uso de tais
corredores como espaços verdes públicos, mediante a criação de parques
urbanos passíveis de ser usados em actividades recreativas e de lazer;
• Estabelecer bases para a concepção de projectos de intervenção no sentido
da garantia de melhoria da qualidade da água;
• Definir conceitos de controlo estrutural e não estrutural;
• Indicar aspectos da avaliação preliminar para o estabelecimento de métodos a
promover pelas entidades licenciadoras, com vista ao dimensionamento de
obras e intervenções em domínio hídrico;
• Minimizar as áreas impermeabilizadas;
• Optimizar o uso tradicional dos sistemas de drenagem;
15 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
• Promover a infiltração (onde apropriado);
• Proteger a vegetação existente, particularmente a ripícola;
• Manter as linhas de água a céu aberto, sempre que possível, no seu estado
natural.
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2. Medidas a implementar/Aspectos a Considerar As medidas a implementar podem ser de dois tipos: estruturais e não estruturais. As
medidas estruturais visam a redução de um ou mais factores associados às cheias
(caudal de ponta, altura da superfície livre, área inundável). As medidas não
estruturais envolvem intervenções de carácter preventivo tendo em vista a redução
do impacte de algumas actividades desenvolvidas quer em zonas fora do domínio
hídrico, quer em zonas sujeitas a condicionantes de utilização do domínio hídrico.
As medidas não estruturais têm um carácter essencialmente legislativo ou normativo
— zonamentos e regulamentos de uso do solo, em função da incidência de
17 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
inundação, códigos de construção, de entre outros — e a sua aplicação, de carácter
preventivo, revela-se eficaz e económica.
No que respeita à aplicação de medidas estruturais, e apesar do valor apreciável das
verbas dispendidas, tem-se verificado que os prejuízos causados por cheias, têm
aumentado, quer devido ao crescimento urbano em áreas afectadas, quer por
deficiente percepção do nível de protecção.
Efectivamente, “O controlo de cheias pela execução de medidas estruturais, conduz
frequentemente à intensificação dos usos nas zonas protegidas devido à redução da
frequência das inundações que, por sua vez, induz a redução ou eliminação da
percepção do risco pela população. Porém, não só persiste o risco para períodos de
retorno mais elevados, como pode aumentar a vulnerabilidade aos danos resultantes
da intensificação do uso do solo causado pelo falso sentido de aumento de
segurança.” (Saraiva M.G., Correia F. Nunes, Carmo V.)
Como medidas estruturais, são abordados aqui dois tipos principais de correcção
torrencial e protecção contra cheias: o amortecimento de caudais de ponta, através
da aplicação de bacias de retenção, e o aumento da capacidade de vazão das
secções do escoamento.
O controlo de cheias através da
aplicação de medidas estruturais
pode criar um falso sentido de
aumento de segurança
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2.1. Medidas Não Estruturais de Defesa contra Cheias
2.1.1. Instrumentos Regulamentares
O aumento (local) da prevenção e protecção contra inundações não deve resultar no
agravamento da situação hidráulica na vizinhança desse local (por exemplo,
aceleração do escoamento da água, aumento dos níveis de água ou aceleração das
inundações nos troços finais).
E por isso torna-se necessário recorrer a medidas preventivas para algumas zonas—
como o estabelecimento de mapas de risco de inundação (por exemplo, zonas
adjacentes) — relacionadas com as características das inundações, por forma a
podermos evitar o estabelecimento de construções e obstruções que possam agravar
as condições de drenagem dessas zonas.
Uma vez que as medidas estruturais não são suficientes para prevenir as inundações
ou defender totalmente as zonas inundáveis, a protecção destas zonas só faz sentido
como parte de uma abordagem mais ampla que tenha em conta o ordenamento do
território, com a manutenção dos canais de drenagem e a protecção dos
ecossistemas que contribuem para a regulação do escoamento natural das águas.
Neste sentido, apresentam-se brevemente os instrumentos não estruturais de cariz
regulamentar já existentes:
19 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
Domínio Hídrico e Zonas Adjacentes
O Domínio Hídrico, corresponde a um conceito que está na base da gestão
tradicional dos recursos hídricos, estabelecendo as noções de leito, de margem e
respectiva largura, e zona adjacente.
A zona adjacente às águas públicas é definida pela Lei n.º 54/2005 como sendo “toda
a área contígua à margem que como tal seja classificada por se encontrar ameaçada
pelo mar ou pelas cheias”, estendendo-se “ desde o limite da margem até uma linha
convencional definida para cada caso no diploma de classificação, que corresponde
à linha alcançada pela maior cheia, com período de retorno de 100 anos, ou à maior
cheia conhecida”.
Perfil característico de uma
linha de água
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Os diplomas publicados respeitantes às zonas adjacentes e as cartas de REN, com
delimitação das áreas de máxima infiltração e áreas inundáveis, obedecem ao
princípio básico de “non aedificandi”, com o objectivo de proibição da construção e
ocupação, nas zonas adjacentes, e com o objectivo da concretização do continuum
naturale, no caso da REN, nos termos do consagrado na Lei de Bases do ambiente
(Lei n.º 11/87 de 7 de Abril).
A regulamentação das zonas adjacentes surgiu no seguimento das cheias de 1983.
O Grupo de Trabalho das Cheias então constituído concluiu que os maiores prejuízos
que ocorreram na altura se deveram, em grande parte, aos processos de
impermeabilização do solo devidos à ocupação urbana.
A delimitação das zonas adjacentes baseou-se no estabelecimento de zonamentos
adequados à magnitude dos riscos e à preparação de planos de intervenção
envolvendo medidas estruturais adequadas. Um dos elementos fundamentais para
este processo consistiu na cartografia de riscos de cheia, resultante da aplicação de
modelos hidrológicos e hidráulicos (LNEC, 1987) e com base em reconhecimentos de
campo e inquéritos relativos à extensão e níveis atingidos na cheia de 1983, no
sentido de restringir a ocupação urbana nas zonas inundadas.
Os acontecimentos mais recentes (Outono de 2006), põem em evidência o grau de
impreparação para fazer face a situações de risco de inundação na generalidade do
território. Verifica-se que, mesmo em zonas onde foram efectuados estudos
21 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
aprofundados e legalmente estabelecidas medidas de protecção, não foi cumprida na
totalidade a aplicação dessas medidas.
Reserva Ecológica Nacional
A Reserva Ecológica Nacional – REN, estabelecida pelo Decreto-Lei n.º 93/90 e
alterada pelo Decreto-lei n.º 180/2006, contempla as zonas costeiras e ribeirinhas e
as águas interiores, bem como as áreas de infiltração máxima e as zonas declivosas,
constituindo uma estrutura biofísica básica e diversificada que procura assegurar a
protecção de ecossistemas sensíveis e a permanência e intensificação dos
processos biológicos indispensáveis ao enquadramento equilibrado das actividades
humanas. No que se refere à defesa contra cheias, é de relevante importância, por
contemplar a delimitação das zonas ameaçadas por cheias, e por considerar ainda a
protecção das cabeceiras dos cursos de água e as zonas de riscos de erosão
elevados.
As diferentes tipologias de zonas que a REN compreende demonstram a grande
interligação entre os processos biofísicos relacionados com o ramo terrestre do ciclo
hidrológico — nomeadamente os escoamentos e os processos de erosão, transporte
e sedimentação.
A REN constitui um instrumento fundamental do ordenamento do território, limitando
os problemas ambientais nas escalas regional e local, sendo que a sua delimitação é
obrigatória no âmbito dos Planos Regionais, Municipais e Especiais de Ordenamento
A REN é um instrumento relevante
no sentido do impedimento da
ocupação de zonas ameaçadas por
cheias
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do Território. Nos PDM, a sua demarcação tem incidido, na maioria dos casos, em
áreas exteriores aos perímetros urbanos.
O facto de o regime da REN ter sido exclusivamente non aedificandi, promoveu uma
percepção estanque de “áreas REN versus áreas urbanas e urbanizáveis”, e teve
como consequência directa a legitimação de sucessivas desafectações de áreas. Ao
invés de inverter, produz o padrão espacial tradicionalmente resultante da
transformação do uso do solo e da fragmentação da paisagem. A conectividade da
paisagem constitui, isso sim, um factor essencial para os processos ecológicos,
hidrológicos e geomorfológicos que têm lugar nas áreas de REN.
Reserva Agrícola Nacional
Os objectivos que presidem à RAN visam proteger os solos de maior aptidão
agrícola, garantindo a sua afectação à agricultura e o pleno aproveitamento das suas
potencialidades.
A RAN constitui um importante instrumento de ordenamento, no que respeita ao tema
em causa, dado que muitos dos solos nela integrados se situam em leitos de cheia
ou terraços fluviais. O estatuto de protecção conferido pela RAN pode permitir um
alargamento ou sobreposição do contido no do domínio hídrico, contribuindo para o
estabelecimento de medidas não estruturais de defesa contra cheias.
23 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
Planos Municipais de Ordenamento do Território (PMOT)
Os PMOT são instrumentos de planeamento de elevada eficácia, prioritários no
quadro do ordenamento, por estabelecerem uma estrutura espacial para o território
concelhio, e a classificação dos solos e dos índices urbanísticos, tendo em conta os
objectivos de desenvolvimento; e também por procurarem a distribuição racional das
actividades económicas, contabilizando ainda a protecção e a valorização das áreas
agrícolas e florestais e do património natural e edificado.
Os seus elementos fundamentais são constituídos pelos zonamentos de
ordenamento que delimita as classes de ocupação de espaços em função do uso
dominante e pela carta de condicionantes, que integra as restrições de utilidade
públicas decorrentes da REN, RAN e domínio hídrico, entre outros.
Fora de perímetros urbanos, o regime da REN produz, em geral, um zonamento
eficaz para a protecção de zonas inundáveis, sobrepondo-se às zonas de leito de
cheia abrangidos pelo estatuto de zona adjacente, e abrangendo outras áreas cuja
protecção tem um papel preventivo na redução dos riscos de cheia.
Dentro das zonas urbanas, a REN não é habitualmente delimitada não ajudando pois
nos casos em que não foi assinalado no PMOT o zonamento legalmente consignado
para as zonas inundáveis. Esta omissão na carta de ordenamento tem
consequências visíveis na proliferação de edifícios e fixação de populações em
zonas de alto risco de cheia.
Os elementos dos PMOT integram
as restrições relativas ao domínio
hídrico
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As redes hidrográficas e de drenagem constituem, geralmente, uma estrutura de
organização do espaço com expressão relevante a nível do território municipal, pelo
que, no contexto do ordenamento do uso do solo, a nível municipal, deveria ser
objecto de caracterização específica e de representação evidenciada nos elementos
componentes destes planos, enquadrando, tanto quanto possível, os conceitos de
bacia hidrográfica e a delimitação de áreas sujeitas a riscos associados aos
escoamentos intensos, nomeadamente cheias.
As recomendações e propostas desenvolvidas no âmbito do Plano de Ordenamento
elaborado pelo Grupo de Trabalho das Cheias, em 1985, foram implementadas e
seguidas pelos PMOT desenvolvidos sob a iniciativa municipal. Cabe à administração
central uma responsabilidade particular na salvaguarda das zonas inundáveis, visto
acompanhar a elaboração dos PMOT e ser responsável pela respectiva aprovação.
Um número elevado de cidadãos vive, em muitos casos, na ignorância dos riscos
associados à habitação em leito de cheia, dado que não foram os promotores da
ocupação dessas zonas, e não tomaram conhecimento das condições a que estão
sujeitos pelo facto de adquirirem a sua habitação nessas zonas.
Planos de Bacia Hidrográfica (PBH)
Os PBH foram instituídos pelo Decreto-lei n.º 45/94 de 22 de Fevereiro. Constituem,
por excelência, os instrumentos agregadores do planeamento dos diversos aspectos
que se prendem com a gestão dos recursos hídricos, ao nível das bacias
hidrográficas.
25 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
Os PBH pretendem caracterizar a bacia onde se insere cada linha de água, para
melhor compreender as suas características, bem como evidenciar aspectos para a
utilização de cada curso de água.
2.1.2. Corredores Verdes
Nas áreas urbanizadas, a promoção da instalação de corredores verdes é muitas um
impedimento à expansão da construção, existindo grandes pressões no sentido da
sua cobertura, desvio e até da sua eliminação.
A urbanização progressiva de determinadas áreas, em muitos casos, põe em causa
os sistemas naturais de drenagem, procedendo-se à impermeabilização de grandes
superfícies de terreno e tapando-se as linhas de água existentes, quer por uma
questão de ocupação optimizada do espaço, quer por motivos culturais relacionados
com a existência de linhas de água poluídas.
Embora não necessariamente por responsabilidade directa dos autarcas, mas porque
efectivamente, e em muitos casos, as autarquias beneficiam economicamente com a
construção, existe, por vezes, a tendência para um certo descuido em relação à
protecção das linhas de água, o que leva à sua adulteração.
Pretende-se, neste ponto, demonstrar como o processo de loteamento pode ser
efectuado sem degradação das linhas de água e através da manutenção de
corredores verdes, permitindo desta forma que o escoamento se dê com a
minimização das causas que provocam obstrução ao livre escoamento das águas.
Maio de 2007 26
Com a aplicação de boas práticas, são muitas as vantagens e benefícios que se
obtêm, aos mais diversos níveis, quer sob o ponto de vista ambiental, quer sob o
ponto de vista da estética e do correcto ordenamento. Pretende-se essencialmente
que:
• Haja preservação e utilização de sistemas de drenagem natural, e redução
dos caudais adicionais gerados no loteamento;
• O escoamento local, com origem no loteamento, seja adequadamente
tratado e controlado, antes da sua descarga nas zonas húmidas ou em
sistemas de drenagem;
• Seja providenciado, para cada curso de água, a adopção de várias
abordagens integradas, a saber:
1. Controlo e alteração dos problemas originados de montante (trechos
superiores/zonas de cabeceira);
2. Medidas de protecção, retardamento e alguma dissipação de
energia e da velocidade dos escoamentos;
3. Preservação e conservação do corredor ripícola.
As medidas identificadas contribuem não só para melhoria da qualidade da água
proveniente dos escoamentos — pois a vegetação ripícola promove a sua
depuração, promovendo o desenvolvimento de habitat biológico — como também
27 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
Os corredores verdes enriquecem a paisagem, e
fomentam o envolvimento
empático da sociedade,
condição primeira para o
sucesso da aplicação de
medidas.
providenciam áreas de recreio, visualmente atractivas. Estas medidas, quando
integradas e qualificadas pela excelência, responsabilizam os residentes, em parte,
pela sua manutenção, e promovem o afastamento de actividades ilegais e de
vandalismo (despejo de detritos e de descargas residuais).
Os corredores verdes enriquecem a paisagem, que comporta mais valias afectivas, e
cargas culturais e simbólicas indispensáveis para que os resultados da aprendizagem
sejam frutíferos, pois o envolvimento empático da sociedade é condição primeira
para o sucesso da aplicação de medidas.
A implementação de corredores, constitui também uma das estratégias de
ordenamento do território possíveis para assegurar um adequado grau de
conectividade entre manchas naturais e ao longo de sistemas naturais.
Aos corredores verdes são atribuídas funções ecológicas várias e selectivas:
condução, filtro, barreira, habitat, fonte e depósito. Neste sentido, a adopção e o
desenvolvimento dos princípios da estratégia dos corredores verdes contribui para
colmatar a lacuna da operacionalização da filosofia da REN, contemplando uma
gestão compatível com a sua finalidade.
Com efeito, potencia-se pelo menos uma das funções ecológicas que lhes estão
associadas, de forma a minimizar alguns dos efeitos da fragmentação da paisagem.
A separação dos conceitos urbano e ecológico conduziu, e conduz ainda, ao
problema de fragmentação. As áreas naturais protegidas constituem parte deste
Maio de 2007 28
problema, e correspondem a manchas cada vez mais isoladas num contexto
progressivamente degradado e desarticulado
Além das razões supra mencionadas, a vegetação que compõe os corredores verdes
é benéfica, na medida em que:
- Estabiliza as margens das linhas de água, protegendo-as contra a erosão e
derrocada;
- Protege muros e estruturas inseridas em linhas de água, contra o efeito de
descalçamento relacionado com erosões localizadas;
- Reduz a velocidade da corrente, promovendo a difusão em pontos críticos e
estrangulamentos e diminuindo o seu potencial erosivo;
- Contribui para a depuração e remoção de poluição das águas, dependendo do
tipo de vegetação;
- Proporciona abrigo para a fauna que vive e/ou nidifica junto às linhas de água;
- Promove o ensombramento da massa de água, mantendo-a mais oxigenada,
e mais apta a garantir a sobrevivência de peixes e em melhores condições
para utilização na rega e outros fins;
- Contribui para a riqueza cénica das linhas de água, estando profundamente
associada ao conceito de sistema fluvial como sistema vivo e dinâmico e não
como simples canal estéril a céu aberto, por onde a água se escoa.
29 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
Faixa relativa ao Domínio Hídrico
Ao abrigo do disposto na Lei nº 54/2005 de 15 de Novembro, é estabelecida uma
faixa de servidão administrativa às linhas de água, com a largura de 10m, para as
linhas de água não navegáveis nem flutuáveis. Essa faixa deve-se ao facto de ser
necessário garantir a integridade das linhas de água, através da manutenção dos
ecossistemas ripícolas e do acesso à linha de água, para efeitos de limpeza e
manutenção.
A adopção de uma filosofia em que se promove, como livre de construções, uma
faixa de pelo menos 5m de largura, junto às linhas de água, embora sem expressão
na lei, constitui uma medida regulamentar de valor ambiental inegável. Devem, no
entanto, permitir-se vedações em madeira, em rede metálica amovível ou em sebe
viva, a pelo menos 1,5m da margem, a fim de permitir que os proprietários possam
vedar as propriedades.
Acerca das galerias ripícolas e da sua vegetação característica
As margens dos cursos de água constituem a transição entre o meio terrestre e o
meio aquático, e é nelas que, mediante fenómenos de inundação, erosão e
sedimentação, se desenvolvem ecossistemas característicos.
Estes ecossistemas são vulgarmente designados por zona ripícola (ou zona
ribeirinha), e o seu desenvolvimento depende da magnitude do regime fluvial do
curso de água e da dinâmica geomorfológica.
A zona ripícola é o espaço
tridimensional que contém
vegetação, solo e linhas de água.
Maio de 2007 30
A largura da zona ripícola é muito variável, podendo ser de razoável dimensão em
rios de grande caudal, e ser mais estreita em cursos de água de pequenas bacias
hidrográficas e nas zonas de cabeceira.
São incluídos, na zona ripícola, tanto o leito activo como os leitos abandonados,
assim como as margens e o leito de cheia máxima, o que, em alguma situações,
particularmente em planícies aluviais, origina o espraiamento e a diluição das
características de transição.
A alternância entre os regimes húmido e seco, bem como a possibilidade de variação
muito grande de caudais e velocidades de escoamento, faz com que a vegetação se
especialize perante as condições, criando adaptações próprias ao meio. Em geral, a
vegetação ripícola possui uma grande capacidade de adaptação a variações físicas
do meio ambiente, podendo algumas espécies suportar ficar parcialmente imersas,
quer por períodos longos quer por períodos curtos.
A vegetação ripícola reveste-se de extrema importância na definição e na
manutenção dos corredores verdes.
As galerias são frequentemente constituídas, em grande parte, por árvores e
arbustos de grande porte, sendo a origem de habitats próprios para animais que
dependem da zona de transição.
A vegetação ripícola reveste-se
de extrema importância na
definição e na manutenção dos
corredores verdes
31 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
A vegetação destas zonas constitui um potente filtro biológico, absorvendo os
nutrientes provenientes da adubação e da aplicação de pesticidas resultantes de
praticas agrícolas na bacia hidrográfica.
As alterações provocadas pelas actividades humanas, quer decorrentes da ocupação
urbana, quer decorrentes de práticas agrícolas desmesuradas, provocam efeitos de
tal ordem negativos junto das galerias ribeirinhas que estas acabam por sofrer
degradações sucessivas e mesmo desaparecer.
E é por isso que é premente a restauração das zonas mais degradadas, e a
preservação e protecção das zonas menos afectadas.
Flora e vegetação na bacia hidrográfica do Tejo
De acordo com o Plano de Bacia Hidrográfica do Rio Tejo (PBH do Tejo), a bacia do
Tejo, em Portugal, possui um coberto vegetal espontâneo bastante diverso, podendo
no entanto ser caracterizada por divisão do rio em três porções: troço inicial, curso
médio e final, e troço final.
A vegetação do troço inicial em Portugal assenta sobre substratos paleozóicos
(xistos, granitos, quartzitos) e é dominada por azinhais (Quercus rotundifolia), com
carapeteiros (Pyrus ourgaeana) actualmente sob a forma de montados esparsos. As
etapas de degradação do azinhal são estevais (Cistus ladanifer) com Genista hirsuta
que se enriquecem em piornos (Retama sphaerocarpa) nos solos mais fundos.
A vegetação da bacia do Tejo,
em Portugal, pode ser
caracterizada dividindo o rio em
três porções
Maio de 2007 32
No curso médio e final, os substratos siliciosos duros são substituídos por
cascalheiras e outros substratos mais recentes (Miocénico, Pliocénico) onde
abundam os sobreirais (Quercus suber) e as suas etapas de degradação:
medronhais (Arbutus unedo) com urzes (Erica arborea, Eriça australis) e estevais
menos xéricos que os anteriores.
Na porção final, a bacia do Tejo é dominada por vegetação que ocupa areias
recentes (Plistocénicas e Holocénicas) e aluviões, e onde dominam os sobreirais
intercalados com matos dominados por sargaços (Halimium spp.), Stauracanthus
spp. e tojo (Ulex australis ssp. welwitschianus).
Relativamente aos diferentes aspectos geomorfológicos e edáficos, o Tejo e seus
afluentes apresentam uma vegetação que potencialmente é apenas de três tipos:
1. Sucessão de: caniços e tabuas, que se observam nas margens; salgueirais
(frequentemente com tamargueiras), próprios do leito torrencial do Tejo;
freixos com choupos-negros e ulmeiros.
Esta sucessão, dependente dos diferentes graus de humidade oferecidos
pela maior ou menor proximidade da água (cuja designação científica é
geossérie), é própria dos grandes rios, exigente em grande quantidade de
água e encontra-se instalada em grandes áreas de solo aluvionar formando
lezírias.
33 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
2. Sucessão de: herbáceas altas com Carex lusitanica, salgueirais (com
borrazeira-branca), amiais nas margens de rios e ribeiros com água quase
permanente durante o ano e freixiais na banda mais exterior dos amiais,
própria dos afluentes da margem direita (norte), onde os rios e ribeiras
mantêm humidade ou mesmo água corrente durante o ano inteiro.
3. Sucessão de: caniços e tabuas, tamujal (no leito de cheias do Alto Tejo e
afluentes onde a estiagem é elevada, salgueirais (com borrazeiras-negra e
branca) próprios do leito de cheia torrencial, freixiais com ou sem choupo-
negro que sofrem alguma estiagem no Verão e matagais com borrazeira-
negra e trepadoras. É a geossérie própria de rios e ribeiros que ocorrem
em solos siliciosos e estão sujeitos a alguma estiagem no Verão.
A vegetação ripícola mencionada tem como primeira etapa de degradação o silvado,
que por sua vez pode originar juncais que ao serem pastoreados originam arrelvados
altamente produtivos. Onde há uma forte acção humana ocorrem os canaviais, etapa
regressiva igualmente comum.
O PBH do Tejo identifica também as principais infestantes aquáticas
As macroalgas (limos) são as infestantes principais. Seguem-se, por ordem
decrescente, o caniço e a cana, o jacinto aquático, os juncos, bunhos e tabuas, a
pinheirinha de água, e as junças. E muito pontualmente a lentilha de água e a azola.
Rios e valas de terra são apontados como os principais locais de infestações.
Maio de 2007 34
Os prejuízos resultantes da infestação são vários e apontam-se, por ordem
decrescente de importância: perturbações do regime hidráulico; interferência com
actividades recreativas; competição com culturas de regadio; diminuição da
biodiversidade.
As causas apontadas para as infestações são os seguintes, por ordem decrescente
de importância: poluição difusa por nutrientes agrícolas (32%); poluição pontual por
efluentes domésticos (24%); falta de manutenção e limpeza continuada dos meios
aquáticos (24%); artificialização do regime de caudais (13%); introduções acidentais
de espécies exóticas (7%).
2.1.3. Restauração, Recuperação e Reabilitação de linhas de água
Estas acções têm como objectivo o de conseguir, tanto quanto possível, recuperar a
vegetação, estrutura, hidrologia e a qualidade da água em condições próximas do
regime natural, proporcionando-se elementos físicos que permitam o
restabelecimento de espécies que ocupavam os cursos de água.
É importante que as acções sejam auto-sustentadas, significando que os cursos de
água não devem precisar de futuras e repetidas intervenções para manter as
condições melhoradas.
É também importante dar especial ênfase ao facto de que as eventuais intervenções
não são estáveis ao longo do tempo. Ao contrário de outros sistemas comuns, os
sistemas fluviais dependem de um certo nível de variabilidade promovidos pela
As intervenções do homem, no
sentido de aproximar os cursos
de água do seu regime natural,
devem ter como objectivo a auto-
sustentação.
35 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
inundação, erosão e variação da qualidade, para manter a sua diversidade. O que é
necessário é garantir um equilíbrio espacial e temporal.
Os objectivos gerais das intervenções nas linhas de água prendem-se com a
reposição, tanto quanto possível, de:
1. qualidade natural da água;
2. regime de escoamento e a sedimentação natural (incluindo flutuações
sazonais), bem como os padrões de periodicidade das inundações;
3. morfologia, estabilidade e condições de equilíbrio do canal natural (se não
tal for conseguido naturalmente, após a implementação da medida 2);
4. comunidade de vegetação ripícola natural (se não for atingido com as
medidas 2 e 3);
5. espécies aquáticas e fauna nativas (se eles não se colonizarem por si só).
Diferenças entre uma linha de
água integrada paisagisticamente
no meio e uma linha de água
artificializada
Maio de 2007 36
Para identificar o estado de qualidade de um curso de água é necessário caracterizar
os elementos indicadores do seu estado. São estes: a zona ripícola, a estrutura
física, os organismos, a quantidade e regime de escoamentos e a qualidade da água.
A saúde e a sustentabilidade das comunidades biológicas que vivem nos rios são
bons indicadores da saúde dos sistemas hídricos.
É necessário planear: enquadrar o trecho de linha de água a tratar na linha de água
na sua totalidade e na sua sub-bacia e bacia hidrográficas.
Um curso de água pode necessitar de intervenções variadas, dependendo do seu
estado, tanto em termos físicos como de qualidade da massa de água. As
intervenções podem ser de restauração, de recuperação ou de reabilitação.
Restauração
Restaurar um curso de água implica intervir de forma a repor as condições naturais
desse curso de água.
Por exemplo, devem cortar-se eventuais focos de poluição, proceder-se à limpeza no
respeito pela vegetação ripícola, e de forma geral, permitir o auto-equilíbrio dos
sistemas fluviais. Neste tipo de acções não se realizam intervenções de grande
monta.
Apesar da restauração trazer benefícios não é possível em muitos casos,
fundamentalmente em zonas urbanas e peri-urbanas. Mais frequentemente, a gestão
37 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
O guia de requalificação e
limpeza de linhas de água, do
INAG, inclui a descrição de
algumas técnicas biofísicas,
tais como fachinas,
enrocamentos e sementeiras
dos sistemas fluviais precisa de intervenções ao nível da recuperação ou da
reabilitação.
Recuperação
Mesmo que a restauração não seja possível, os sistemas fluviais degradados não
têm que ficar irremediavelmente condenados.
O objectivo principal da recuperação será o de providenciar melhores condições
ecológicas nas linhas de água, e não necessariamente atingir o estado original
natural da linha de água. Espera-se que o estado natural da linha de água seja
atingido na sequência das intervenções realizadas e dos efeitos das sinergias
ambientais.
Maio de 2007 38
Melhorar os aspectos mais importantes do ambiente dos sistemas fluviais, pode
trazer-lhes benefícios, e contribuir para que os sistemas recuperem por si só o seu
aspecto e qualidade inicial. Por exemplo, controlar a erosão protege os atributos da
linha de água, e permite a revegetação (reflorestação), promovendo benefícios
estéticos. Outro exemplo prende-se com acções com vista a assegurar a estabilidade
do leito e das margens.
Reabilitação
Nos casos em que quer a restauração quer a recuperação não são possíveis, por
causa das alterações sofridas e “sem retorno” — irremediáveis — que os cursos de
água e sistemas fluviais sofreram, podemos dizer que atingir o seu estado inicial já
não será um objectivo, porque as acções necessárias ou grau de intervenção seriam
incomportáveis. Nestas situações, o tratamento adequado passará pela reabilitação,
o que poderá incluir eventuais obras de regularização fluvial.
Tem de existir um compromisso na distinção entre os objectivos ambientais e os
objectivos económicos de uma reabilitação. É necessário que uns não entrem em
conflito com os outros, sendo portanto necessário trabalhar em equipas multi-
disciplinares incluindo designadamente engenheiros, biólogos, geomorfologistas,
arquitectos paisagistas, botânicos, etc.
A regularização de linhas de água deve ser efectuada de acordo com princípios de
conservação da natureza e reabilitação ambiental não sendo pois adequada a
utilização de materiais artificiais, como o betão e outras argamassas. Devem, sim,
39 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
utilizar-se, sempre que possível, materiais naturais tais como solo e pedras,
colocados adequadamente de forma a permitir as trocas entre a água, o solo e a
vegetação ripícola e assegurar o equilíbrio dos ecossistemas.
Razões que justificam a regularização de uma linha de água
Para melhor se compreenderem as razões que justificam a regularização de uma
linha de água, torna-se necessário, antes de mais, compreender o conceito de
regularização.
Ao conceito de regularização estão associados diversos princípios ligados à própria
acção de beneficiação de uma linha de água. Entende-se e aceita-se como
regularização de linhas de água o conjunto das intervenções destinadas a melhorar
as condições de escoamento que abrangem obras de melhoramento do traçado e
das secções de vazão, incluindo o tratamento de pontos singulares, bem como as
acções de protecção das margens.
Regularização do Traçado de Linhas de Água
O traçado de cada linha de água resulta de um processo que decorre da génese da
própria linha de água, face às condições físicas que compõem o terreno e à evolução
ao longo do tempo. O traçado poderá portanto sofrer alterações, de origem natural,
que têm a ver com a dinâmica natural da água e a sua relação com as alterações
físicas e geomorfológicas do meio biofísico envolvente.
Maio de 2007 40
Por outro lado, devido a eventuais alterações provocadas pelo homem no meio
envolvente, os traçados das linhas de água e as suas condições de escoamento
podem ter que se ajustar. Qualquer alteração do traçado de uma linha de água deve
ser efectuada no cumprimento das boas práticas de intervenção.
É possível que a alteração do traçado de uma linha de água, quer melhorando as
suas condições de escoamento, quer promovendo melhores condições de
estabilidade das margens, seja autorizada pelas entidades responsáveis pela gestão
dos recursos hídricos.
No entanto, as regularizações de linhas de água têm de ser efectuadas de acordo
com princípios ambientalmente aceitáveis e com o recurso a “boas práticas”, sem as
quais se corre o risco de romper o equilíbrio. As acções podem contribuir para a
erosão das margens e do leito, e alterar significativamente as condições de
escoamento, provocando, no limite, prejuízos materiais e humanos, para além da
modificação da rede de drenagem natural.
A aplicação de boas práticas em regularizações, passa por:
1. Evitar a regularização com traçados geométricos, e transições angulosas;
2. Evitar a alteração da rede de drenagem natural;
41 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
3. Utilizar materiais naturais permeáveis, evitando o aumento das velocidades de
escoamento e a erosão das margens; e desta forma evitar a degradação dos
cursos de água;
4. Contribuir para a aproximação entre o homem e o elemento água, com a
valorização da paisagem.
5. Evitar a regularização com traçados geométricos, e transições angulosas;
6. Evitar a alteração da rede de drenagem natural;
7. Utilizar materiais naturais permeáveis, evitando o aumento das velocidades de
escoamento e a erosão das margens; e desta forma evitar a degradação dos
cursos de água;
8. Contribuir para a aproximação entre o homem e o elemento água, com a
valorização da paisagem.
O traçado de um curso de água deverá ser precedido de projecto adequado. Com
efeito, o correcto estabelecimento de um curso de reside num processo dinâmico,
resultante de um longo período de anos, tendo cada linha de água uma génese e
traçado distintos. A modificação desse traçado pode levar à rotura dos sistemas, uma
vez que cada traçado contempla um balanço delicado das forças da natureza.
As intervenções não deverão ser intensivas. São aconselhados e permitidos ligeiros
“desvios”, como por exemplo a diminuição de ângulos nos traçados de linhas de
Maio de 2007 42
água, de forma a permitir a agregação de vegetação e consequente consolidação de
corredores verdes, mas nunca para efeitos de edificação e com o intuito de melhorar
o aproveitamento económico dos terrenos.
Cobertura de trechos de linhas de água
Uma utilização frequente do domínio hídrico está relacionada com o acesso a
terrenos e propriedades, com a consequente construção de travessias sobre linhas
de água. O mais frequente é efectuar estes acessos com recurso a elementos de
tubagem, que têm de ser devidamente calculados, que são efectuados geralmente
com recurso a elementos da tubagem que tem de ser devidamente calculados por
forma a permitir a passagem do caudal centenário, ou o galgamento em condições
satisfatórias.
Por extensão do conceito de acesso a terrenos e propriedades, surgem muitas vezes
intenções de manilhamento de linhas de água, justificadas quer pela necessidade de
optimização de espaço, quer por questões de estética. Contudo, o manilhamento de
linhas de água, apenas é aceitável para pequenos troços da linha de água em
acessos viários/pedonais, e nunca para efeitos de construção ou aproveitamento do
espaço. E mesmo nestes casos é necessário que a secção da passagem hidráulica
seja sempre dimensionada para o caudal correspondente a um período de retorno de
100 anos.
O manilhamento de linhas de águas traz diversas desvantagens, nomeadamente:
43 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
-Ocultam-se as linhas de água, o que incentiva eventuais descargas ilegais de
águas residuais domésticas e/ou outros efluentes gerados pelas mais diversas
industrias e/ou particulares nas linhas de água, sem que se consiga detectar
facilmente a sua origem;
-A limpeza das linhas de água torna-se mais difícil, servindo muitas vezes
como desculpa para a efectiva falta de limpeza;
-As estruturas são muitas vezes mal dimensionadas, não abrangendo
acontecimentos extremos, como por exemplo, o de chuvadas para um período
de retorno de 100 anos, o que provoca a sua colmatação e consequente
inundação;
-Por não serem visíveis, as linhas de água acabam por ser esquecidas,
principalmente pelas gerações mais novas. A perda de memória da linha de
água leva à urbanização das áreas, e ao agravamento de fenómenos de
cheias e inundações.
Materiais a utilizar (sob o ponto de vista ambiental)
Os materiais a utilizar, quer em intervenções de regularização quer na integração em
corredores verdes no meio urbano, deverão ter como base a permeabilidade. Este
factor contribui, não só para o melhoramento da paisagem, mas também para as
condições de escoamento, na medida em que promove a infiltração ao invés do
Maio de 2007 44
O dimensionamento hidrológico/hidráulico deve ser
efectuado para T= 100 anos
escoamento directo, protegendo a vegetação e simulando as situações naturais pré-
existentes.
Os materiais a adoptar deverão, sempre que possível, ser naturais: pedra, madeira e
o terreno natural. Tal permite o desenvolvimento de vegetação nativa, e permite a
implantação do corredor verde a adoptar. Quando as condições naturais do terreno o
exigirem, deverão ser adoptados outros materiais estruturalmente mais adequados:
pedra arrumada à mão, e enrocamento ou gabiões; estes são também permeáveis e
permitem as trocas entre os ecossistemas aquáticos e terrestres.
Dimensionamento e Cálculo Hidrológico/Hidráulico
Uma vez que o anteriormente exposto tem de ser suportado e devidamente
dimensionado, os potenciais utilizadores do meio hídricos deverão demonstrar que as
intervenções não irão constituir (ou contribuir para) constrangimento do escoamento,
e não irão amplificar os efeitos das cheias. É pois necessário que seja justificada,
através de estudo hidrológico/hidráulico, a capacidade da secção de vazão da linha
de água em questão, que deve escoar o caudal equivalente a um período de retorno
de 100 anos (T=100). A secção a projectar e/ou implementar, terá de ter capacidade
para maior caudal do que a secção existente e não poderão existir riscos de danos
para terceiros, a jusante.
É portanto necessário, por um lado, estimar os caudais e, por outro lado, calcular o
funcionamento hidráulico dos sistemas, para esses caudais.
45 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
Para o cálculo do funcionamento hidráulico, é frequentemente adoptado o regime
uniforme, e usada, para os cálculos necessários, a fórmula de Manning-Strickler:
2/3 1/ 2sQ K SR J=
Onde:
Q – caudal para dado período de retorno (m3/s);
KS – coeficiente de rugosidade (m1/3/s;
A – área da ecção de escoamento (m2);
R – Raio hidráulico da secção de escoamento (m);
J – declive do troço de cálculo (-)
No entanto, para intervenções em cursos de água não localizadas e que abrangem
grandes desenvolvimentos longitudinais, é mais frequente o uso de programas
informáticos baseados em modelos matemáticos. O programa HEC-RAS, do USACE,
é o mais comum, e encontra-se disponibilizado, gratuitamente, no site do USACE
(http://www.hec.usace.army.mil/).
O cálculo dos caudais de cheia para dado período de retorno é baseado em estudos
hidrológicos apropriados.
Para efectuar tais estudos, podem ser adoptados vários tipos de métodos: os
numéricos, os estatísticos e os matemáticos. Os últimos resultam de modelos
Valores de KS em Canais (*)
Natureza do leito KS (m1/3/s)
Terra muito irregular 60
Terra irregular 45
Terra irregular com vegetação, leitos rochosos 35
Terra em más condições, rios sobre calhaus 30
Terra em abandono, rios com muito transporte sólido 20
(*) Retirado do Livro “Hidráulica”, A. De C.
Quintela, 1985
Maio de 2007 46
O caudal de ponta é
dependente das características
da bacia e da distribuição da
precipitação
informáticos devidamente calibrados para cada situação específica, de iterações e
interpolações, como é o exemplo do HEC-HMS, do USACE.
Métodos Numéricos Cinemáticos
A forma mais eficiente para calcular o caudal máximo de cheia será através de
modelos matemáticos, calibrados para as características das bacias em questão.
Estes modelos são baseados em dados do terreno, perfis transversais reais e nas
características do escoamento (como é o caso da caracterização das zonas de
inundação, com base no cálculo dos níveis de inundação). No entanto, os modelos
matemáticos nem sempre estão acessíveis a todos, pelo que o cálculo é efectuado,
recorrendo muitas vezes, a métodos numéricos teóricos que têm como base fórmulas
cinemáticas.
Independentemente da forma de cálculo utilizada, é conhecido que o caudal de ponta
é dependente da área da bacia hidrográfica, das suas características e do valor e
distribuição da precipitação que ocorre na bacia. Para a determinação do tempo de
concentração, é necessário conhecer o declive da linha de água, bem como o seu
comprimento da linha de água. Como exemplo de alguns procedimentos mais
utilizados em Portugal, para o cálculo do caudal de ponta, enumeram-se os seguintes
métodos:
47 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
• Fórmula Racional
O Método Racional será talvez o método mais utilizado em Portugal, sendo
aconselhado para bacias hidrográficas com área até cerca de 25 km2, podendo ser
utilizado para áreas superiores, com algumas limitações. Esta fórmula relaciona o
caudal de ponta de cheia com a intensidade da chuvada que lhe deu origem,
admitindo que a frequência de ocorrência dos dois fenómenos é a mesma. O cálculo
do caudal de ponta pode ser obtido pela seguinte expressão:
. .3,6
C I AQp =
Onde:
Qp – Caudal (m3.s-1);
C – Coeficiente da fórmula racional, que exprime, entre outros, o grau de
impermeabilização da área em causa., e que, normalmente, toma como valor máximo
1,0;
I – Intensidade de precipitação com duração igual ao tempo de concentração da
bacia hidrográfica e período de retorno pretendido (mm.h-1);
A – Área da bacia hidrográfica que contribui para a secção de montante da
passagem hidráulica (km2).
Relativamente à Intensidade de precipitação para um dado período de retorno,
correspondente ao tempo de concentração da bacia hidrográfica, a mesma é
Maio de 2007 48
Parâmetro λ da Fórmula de Giandotti para o caudal máximo de cheia (*)
A (área da bacia – km2) λ C(**)
Equivalente
Até 300 0,346 1,25 300-500 0,277 1,00
500-1 000 0,197 0,71
1000-8 000 0,100 0,36 8 000-20 000 0,076 0,27
20 000-70 000 0,055 0,20 (*) Retirado do Livro “Lições de Hidrologia”,
Lencastre, 2006.
(**) Para efeitos de comparação com fórmula
racional. C
p thAQ ..λ
=
determinada a partir das curvas Intensidade-Duração-Frequência (IDF), dadas pela
seguinte expressão:
I = a t b
Onde:
I – Intensidade média máxima de precipitação (mm/h);
t – tempo de concentração, tomado igual ao da duração da chuvada (min).
a, b – Constantes definidas em função do período de retorno e das características
pluviométricas da região e das unidades de tempo (tabeladas no DR n.º 23/95);
O tempo de concentração pode ser calculado por diversos métodos, incluindo por
exemplo o de Temez e o de Giandotti.
• Fórmula de Giandotti
Esta fórmula apresenta uma estrutura semelhante à fórmula racional, com a
peculariedade do chamado coeficiente de escoamento ser determinado pela área da
bacia.
Este método deve ser aplicado cuidadosamente uma vez que produz geralmente
resultados mais elevados que outros métodos, quando aplicados a bacias de
pequena ou média dimensão.
O caudal máximo obtém-se da seguinte expressão:
4 1,50,80C
A LtH
+=
49 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
p
Up t
hAkQ
...277,0=
Em que:
λ – coeficiente de escoamento, comparável ao coeficiente da fórmula racional, em
função da área da bacia;
Ct - tempo de concentração da bacia hidrográfica (horas);
A – área da bacia (km2);
L – comprimento do rio principal (km);
H - altura média da bacia, medida a partir da cota da secção em estudo (m);
h – precipitação média sobre a bacia, correspondente a um acontecimento com
duração igual a tempo de concentração e período de retorno de T anos;
• Fórmula do S.C.S. (Soil Conservation Service) do Departamento de Agricultura dos EUA
Este método baseia-se fundamentalmente num parâmetro que procura descrever o
comportamento dos vários tipos de solo, apresentando uma estrutura diferente das
anteriores. Este parâmetro é designado por CN (“curve number”), e em português por
número ou índice de escoamento.
Os métodos utilizados pelo SCS foram estabelecidos em primeiro lugar, para bacias
naturais de pequenas dimensões, e foram posteriormente generalizados a bacias
urbanas; finalmente foram aplicados ao estudo do impacte da urbanização no
comportamento hidrológico de bacias hidrográficas.
Maio de 2007 50
Número de Escoamento CN segundo o Soil Conservation Service dos EUA (*)
Grupo Hidrológico do solo Utilização ou cobertura
do solo A B C C
Áreas industriais 85% impermeabilização) 89 92 94 95
Áreas comerciais 72% impermeabilização) 81 88 91 93
Áreas Residenciais
Tamanhos dos lotes (média) (m2)
Impermeabilização (média) (%)
500 65 77 85 90 92
1000 38 61 75 83 87
1250 30 57 72 81 86
2000 25 54 70 80 85
4000 20 51 68 79 84
Lotes de parque pavimentados, telhados, passeios, etc. 98 98 98 98
Ruas, estradas pavimentadas, com sarjetas e colectores 98 98 98 98
Ruas, estradas empedradas 76 85 89 91
Ruas, estradas terra batida 72 82 87 89
(*) Retirado do Livro “Lições de Hidrologia”, Lencastre, 2006.
Onde: ( )0
20
ahhhhhu +
−= , se h>ho, e 0=uh , se h≤h0,
sendo 8,5050800 −=
CNh
Qp – caudal de ponta de cheia (m3.s-1);
A – área da bacia hidrográfica (km2);
k – factor de ponta, que pode variar entre 1,0, no caso de
bacias muito declivosas, e 0,5 no caso de bacias muito
planas (geralmente pode utilizar-se 0,75);
hu – altura da precipitação útil (mm);
h – altura de precipitação total (mm);
h0 – perdas iniciais da chuvada, antes de se iniciar o
escoamento de superfície (mm);
tp – tempo de crescimento ou o tempo de ponta (horas);
CN – número de escoamento, que depende do tipo
hidrológico do solo, da sua utilização e das condições de
superfície.
51 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
• Formula de Temez
Este método, utiliza como base o método racional, sendo efectivamente
designado por método racional modificado de Temez, pelo facto da sua
utilização ter sido calibrada para os solos predominantes em Espanha.
C
up t
hAQ
.8,1.
=
A – área da bacia hidrográfica;
hu – altura da precipitação útil (mm);
tc – tempo de concentração da bacia;
L – comprimento da linha de água (km);
J – declive médio da linha de água (-)
Modelos Estatísticos
A análise de métodos estatísticos no estudo de caudais de ponta de cheia pode ter
uma das seguintes finalidades: análise dos valores referentes a uma secção;
extensão de uma amostra desses valores, por correlação com a precipitação na
bacia; regionalização dos valores obtidos para algumas secções, por correlação com
características físicas da bacia.
Têm sido aplicados vários modelos estatísticos para estimação dos caudais de ponta
de cheia sendo o mais frequentemente usado o de Gumbel; no entanto, conforme já
foi provado por vários autores, o modelo da distribuição generalizada de extremos é o
0,76
0,250,3cLt
J⎛ ⎞= ⎜ ⎟⎝ ⎠
Maio de 2007 52
que melhor se adapta aos caudais máximos instantâneos de Portugal (a este
propósito podem consultar-se estudos de Henriques, A.G., de Gonçalves, I., e de
Costa, E. S.).
Modelos Matemáticos
Outros modelos, tendo por base algoritmos matemáticos, permitem a introdução de
vários inputs, relacionados por exemplo com a precipitação e as condições de
evaporação e infiltração, a fim de se obter um ou vários outputs, como é o caso por
exemplo do caudal.
Os modelos podem ser descritos como um conjunto de equações, que representam o
comportamento do sistema de componentes hidrológicas, tais como o módulo de
bacia, da precipitação e de controlo. A disponibilidade crescente de dados de
precipitação, com grande resolução espacial e temporal, e a informação digital dos
terrenos, têm mantido a motivação para o desenvolvimento de modelos distribuídos e
escoamento superficial, acoplados a sistemas de informação geográfica.
Existem vários modelos, sendo que a sua utilização mais ou menos frequente, em
Portugal, dependerá de questões relacionadas com as condições da bacia
hidrográfica e de questões de preferência. Por exemplo, um dos modelos
matemáticos mais utilizados em Portugal é o HEC-HMS (Hydrologic Modeling
System), do USACE. O HEC-HMS aplica simultaneamente ou de forma estruturada
as várias componentes hidrológicas. A precipitação actua num conjunto
53 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
A construção e a impermeabilização provocam
a diminuição do tempo de
concentração
espaço/tempo, sendo interceptada pela vegetação, podendo atingir corpos de água,
lagos, rios e oceanos, utilizando desta forma o modelo meteorológico.
O HEC-HMS encontra-se disponibilizado, gratuitamente, no site do USACE
(http://www.hec.usace.army.mil/).
Em Resumo
O cálculo do caudal de ponta de cheia está associado a um período de retorno. Este
período de retorno é definido com o número médio de anos que devem decorrer para
que o valor do caudal ocorra ou seja superado.
Pela breve análise dos factores que intervêm nas fórmulas e metodologias
mencionadas para estimar o caudal de ponta de cheia, facilmente se verifica que o
caudal varia conforme as condições do terreno e do seu grau de infiltração (factor c e
λ ). Varia ainda consoante as condições da intensidade de precipitação, que por sua
vez depende do tempo de concentração; por sua vez o tempo de concentração
diminui face ao aumento da impermeabilização.
O tempo de concentração é o tempo necessário para que toda a bacia hidrográfica
contribua para o escoamento na secção de referência, sendo que quanto mais
pequeno este for, mais indicativo de torrencialidade é, pelo que a construção e a
utilização de materiais impermeáveis vai contribuir para o aumento da velocidade do
escoamento e consequente diminuição do tempo de concentração, existindo assim
uma relação crescente em cascata, entre os vários factores contributivos para o
caudal de cheia.
Maio de 2007 54
Analisadas as variáveis das equações enunciadas anteriormente, facilmente se
verifica que as urbanizações poderão ter alterações significativas nos escoamentos
superficiais, devido aos factores identificados anteriormente, provocando:
- redução das depressões e irregularidades do terreno, diminuindo a
capacidade de retenção e detenção do escoamento, e a infiltração;
- aumento da velocidade da corrente, por diminuição da resistência ao
escoamento sobre a superfície do terreno, e por aumento dos declives e
diminuição de percurso do escoamento canalizado.
Estas alterações implicam, para chuvadas iguais, e tomando como referência
situações anteriores à urbanização, um aumento de volume de precipitação útil, a
redução do tempo de crescimento dos hidrogramas e, como consequência, o
aumento do caudal de ponta.
Hidrogramas de cheia antes e
após urbanização.
55 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
Como forma de actuação perante o cenário da figura anterior, pretende-se
implementar medidas que minimizem significativamente o pico de cheia, tentando
aproximar o valor do caudal de ponta ao verificado antes da urbanização da área,
como se pode verificar na figura seguinte.
Hidrogramas de cheia antes e
após urbanização. A diferença
entre os dois gráficos identifica o
escoamento a amortecer como
resultado das medidas aplicadas.
Maio de 2007 56
2.2. Consideração dos Recursos Hídricos no Desenho Urbano
A abordagem ao desenho urbano sensível aos recursos hídricos pretende integrar,
de forma sustentável, a edificação e o ordenamento do território, de modo a
promover a protecção dos elementos que compõem o ambiente, como é o caso de
linhas de água, vegetação e solos. E desta forma contribuir para a adequação do
desenho urbano, minimizando impactes que decorrem da construção, introduzindo
medidas de boas práticas em recursos hídricos.
Conforme apresenta muito bem Ribeiro Telles, no Boletim n.º 1 da revista Lisboa
Urbanismo (1998), é necessário abandonar o modelo e o processo em curso e
realizar a "cidade-região". Para isso, é claro, urge combater a localização arbitrária e
casuística dos empreendimentos urbanos e suster a destruição da estrutura
ecológica da paisagem a fim de se continuar a garantir a circulação e a infiltração da
água, a manter a porosidade e permeabilidade do solo e a vegetação característica
da paisagem tradicional. Só actuando da forma descrita será possível manter o
equilíbrio biológico e físico do espaço, diminuir a poluição do ar, da água e do solo e
evitar derrocadas e inundações.
A região submergida pela edificação urbana, e devido à sua muito maior extensão,
tem de continuar a ter uma estrutura ecológica que garanta o funcionamento do ciclo
hidrológico. Essa estrutura deverá apoiar-se nas serras e "cabeceiras" das linhas de
água, nos "corredores" húmidos percorridos pela água e nos solos de excepcional
potencialidade agrícola. Terá portanto que garantir-se o funcionamento de cursos de
57 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
água para os quais é necessário garantir a existência de bacias de retenção, e leitos
flexíveis que garantam o escoamento dos diferentes caudais ao longo do ano.
Também Saraiva, G., (1999) defende os mesmos princípios. E aponta para medidas
de transição entre o rural e o urbano, de forma a estabelecer a interface paisagística
adequada.
Semelhantes medidas e princípios estão subjacentes: ao conceito designado por
Water Sensitive Urban Design (WSUD, http://www.wsud.org), desenvolvido na
Austrália; e ao conceito de Low Impact Development (LID, http://www.lid-
stormwater.net), desenvolvido nos E.U.A. Trata-se, no fundo, de uma compilação de
técnicas de planeamento urbano e de boas práticas em recursos hídricos.
Transição urbano/rural e
estabelecimento de corredor
verde
Maio de 2007 58
2.2.1. Construção/Ocupação dos Solos
Na sequência da construção de edificações, infra-estruturas e loteamentos e outras
pretensões de ocupação do solo, os problemas de inundação podem ser agravados,
pelo facto de haver redução da infiltração nos terrenos e com isso incrementam-se os
caudais escoados. Todas as impermeabilizações contribuem de forma directa para o
acréscimo de escoamento superficial.
No caso de construções perto das linhas de água, o problema agrava-se ainda com o
confinamento das zonas de inundação, provocando maiores inundações, quer a
montante, quer a jusante. Para os loteamentos e/ou outras ocupações em áreas
extensas, a questão maior prende-se com as maiores contribuições que,
eventualmente, vão trazer, para os caudais e para o volume de cheia. Nestes casos,
deverão ser implementadas medidas que produzam o amortecimento dos caudais
acrescidos, cumprindo designadamente o conceito de “balanço hídrico zero” e a
implementação de bacias de retenção (contempladas no D.R. n.º 23/95).
É difícil imputar responsabilidades às entidades envolvidas na gestão do território
quando ocorrem situações graves e/ou recorrentes originadas nas causas
anteriormente indicadas. Quando se tentam compreender as causas que originaram
as cheias, ficam por esclarecer questões, relacionadas por exemplo com estruturas
obstruídas, e não se identificam os principais responsáveis pela manutenção e pela
inspecção. Em geral, a manutenção é assegurada ao mínimo, limitando-se
59 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
essencialmente à protecção de ruas, espaços ou propriedades públicas com maior
visibilidade.
Muitos sistemas de drenagem inserem-se em propriedades privadas e também
pouco são inspeccionados, sendo o seu estudo insatisfatório. Ao longo dos anos as
condutas e leitos têm-se enchido de detritos e sedimentos, e foram alvo de erosão,
pelo que a sua capacidade fica reduzida ou com perdas de água elevadas.
Para uma gestão adequada dos escoamentos resultantes de precipitações intensas,
de forma a evitar a ocorrência de cheias, enumeram-se alguns aspectos e
metodologias para a criação de planos que visam controlar os efeitos das cheias:
- Quantificação dos efeitos das inundações, da análise da capacidade e
dimensionamento dos sistemas e de aspectos correntes, resultantes da
erosão/sedimentação dos canais, balanço ecológico, e corredores ripícolas;
- Pesquisa bibliográfica e estudos de inundações conhecidas (de que há
memória), dos seus efeitos no escoamento, condições que estiveram na sua
origem e estabelecimento de cenários de mitigação;
- Identificação de problemas urbanos, onde as soluções e o espaço são
limitados;
- Inventariação dos problemas conhecidos por negligência, planeamento
deficiente, análise e simulação de casos críticos e aplicação de dispositivos e
regulamentos para controlo das situações;
- Identificação de zonas críticas e sensíveis;
Maio de 2007 60
- Elaboração de planos não estruturais, com soluções que eliminem os factores
e as incidências de risco (zonamento de uso), e quando não é possível a
aplicação de medidas estruturais, que se promova a carta de riscos de zonas
afectadas;
- Análise e tipificação de soluções, quanto à incidência no local ou de forma
generalizada, e estabelecimento de lista de procedimentos e recomendações
para solucionar os efeitos complexos que podem ocorrer a jusante;
- Planificação em concreto e de forma especializada, focando os problemas
caso a caso e indicando as soluções e os efeitos, que resulta de forma
integrada. Por exemplo: bacias de retenção, de detenção, pavimentos porosos
e manutenção de corredores verdes.
Estes planos poderão ser incluídos nos instrumentos de gestão do território e podem
ser da responsabilidade de particulares ou de outras entidades envolvidas.
O processo de planeamento passa pela identificação das possíveis soluções e
formulação da abordagem técnica adequada para encontrar as respostas mais
convenientes. Para tal, podem definir-se como procedimentos genéricos alguns dos
seguintes passos:
• Listagem de necessidades, para identificação das metas a atingir. A
programação começa quando um problema em particular se torna aparente,
sendo a solução fixada numa resposta concreta. Contudo, uma solução rápida
para um problema visível raramente constitui uma solução permanente,
61 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
Os planos devem ser realistas
porque poucas vezes é direccionada para as questões subjacentes às causas
de base. Um plano deve procurar entender os problemas a vários níveis,
mesmo que não consiga encontrar soluções em todos esses níveis, deverá
procurar chamar atenção para estes. A concretização das metas é muitas
vezes determinada pelos grupos de trabalho que analisam os processos e se
apercebem dos problemas, quer sejam cidadãos quer sejam agentes
administrativos. Os grupos de trabalho são importantes porque cada membro
tem necessidades e pontos de vista diferentes, e o planeamento de combate a
cheias ou a escoamentos torrenciais tem significado diferente para cada um
deles. As soluções sofrem, no entanto, importantes influências políticas,
financeiras, e de capacidade técnica envolvidas;
• Determinação de “Condicionantes às Soluções”. Os planos devem ser
realistas. Soluções estruturais pesadas para resolver problemas de cheias,
não são muitas vezes implementadas por falta de suporte político e social ou,
mesmo, por questões económicas ou legais que muitas vezes condicionam a
implantação de medidas;
• Formulação da Abordagem Técnica. A meta para este passo consiste em
desenvolver uma abordagem técnica que atinja os objectivos preconizados,
que correspondam às necessidades efectivas que se identificaram, enquanto,
simultaneamente, satisfazem os limites do possível e aceitável face aos
constrangimentos identificados (como políticos, económicos, técnicos, legais e
Maio de 2007 62
sociais). Isto nem sempre é fácil, e muitas vezes são necessárias várias
iterações para que o plano progrida e atinja a optimização pretendida.
O produto final para um plano de estudo será pois um claro entendimento do que
será necessário realizar para a satisfação dos objectivos estabelecidos.
Com a criação de um plano para o controlo de cheias, não se pretende obter
soluções instantâneas miraculosas. A maior parte das soluções leva tempo a
concretizar e deverá ser faseada ao ritmo das necessidades efectivas. Nesta óptica e
em primeiro lugar, as medidas deverão começar pela divulgação e sensibilização de
pessoas e entidades envolvidas.
As diversas etapas passam pela adopção de soluções e dispositivos como os que se
referem seguidamente:
2.2.1.1. Adopção de Materiais Permeáveis
De grande valor paisagístico, os pisos permeáveis têm a característica positiva de
contribuir para a redução do volume de escoamento, devido à infiltração e recarga
subterrânea constituindo um elemento neutro na composição da paisagem urbana.
Permitem desta forma a redução dos custos do estabelecimento de outras infra-
estruturas de controlo de cheias/inundações.
São pois uma solução inteligente para obras viárias, passeios, calçadas, praças,
ciclovias, estacionamentos, áreas exteriores de centros comerciais, etc.
63 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
Pavimentos Porosos na construção de urbanizações ou loteamentos
O pavimento poroso pode, efectivamente, contribuir para a redução do caudal
máximo de cheia. Vários estudos demonstraram reduções em cerca de 83% de
caudal, através do uso de pavimento poroso.
Os pavimentos porosos podem apresentar-se sob diversas formas: pavimentos de
asfalto, com pequenos orifícios ou poros; pavimentos de argamassas de cimento, ou
grelhas, em blocos de cimento ou plástico. São peças modulares com diversas
formas, espessuras, cores e texturas que, dispostas em conjunto, criam grandes
áreas de superfície pavimentada de efeito estético de grande valor.
Alguns desses pavimentos são preenchidos com solo e, normalmente, com
vegetação espontânea.
As argamassas de cimento podem ter permeabilidade elevada, permitindo a rápida
percolação de água da chuva, através da superfície, para as camadas inferiores. A
porosidade de um pavimento em argamassas de cimento porosas é cerca de 15 a
22%, comparado com 3 a 5% dos pavimentos tradicionais. A superfície permeável é
colocada superiormente sobre uma camada de brita contida por uma grelha
Maio de 2007 64
calibrada, sendo que a porosidade da brita vai actuar como reservatório para o
armazenamento dos caudais.
As argamassas porosas foram concebidas, de início, para remover os poluentes
provenientes do escoamento torrencial, tendo demonstrado serem uma medida
eficaz de controlo do volume de escoamento, particularmente em cheias pouco
intensas. Considera-se serem mais eficientes do que o asfalto poroso, uma vez que
mantêm a sua porosidade, mesmo em climas quentes.
Requisitos para a aplicação dos Pavimentos Porosos:
- Declives suaves, para facilitar a infiltração, e com níveis freáticos ou
rocha sã a uma distância apreciável da camada de gravilha ou brita, de
forma a promover a infiltração e armazenamento do escoamento;
- Recomenda-se a colocação de um filtro no topo da sub-base para evitar
que as partículas finas migrem para o “reservatório” de agregados.
Evita-se assim, a contaminação das águas subterrâneas por elementos
transportados pelo escoamento.
Vantagens:
- Permitem a redução do caudal máximo de cheia, através do aumento
do volume de água que se infiltra;
- Os pavimentos porosos, com excepção dos de asfalto tradicional,
apresentam custos menos elevados quando comparados com os
pavimentos tradicionais;
65 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
- Não constituem risco para a circulação de veículos, porque reduzem a
hidroplanagem, retendo a água;
- Possuem uma vida útil longa e de baixa manutenção;
- Não requerem mão-de-obra especializada para aplicação;
- Reduzem a poluição.
Aplicações e casos concretos
Os pavimentos porosos têm sido utilizados nas auto-estradas e nas pistas de
aeroporto desde cerca de 1947 e 1967, respectivamente.
A sua aplicação é limitada a parques de estacionamento, áreas e vias de serviço com
tráfego limitado, acessos de emergência e zonas de serviços.
2.2.1.2. Bacias de Retenção e de Detenção
A expansão de um aglomerado populacional realiza-se através do crescimento, na
sua periferia, de novos centros populacionais e de novas urbanizações. Aquando da
ocorrência de chuvadas extremas estes novos aglomerados podem estar na origem
de inundações causadas nos aglomerados pré-existentes; a razão reside no facto da
rede hidrográfica adjacente ao antigo aglomerado não estar preparada para fazer
face aos caudais de ponta acrescidos pelas novas áreas impermeabilizadas.
Duas soluções se podem encarar para evitar esta situação: intervenção na rede
hidrográfica no seu todo, mediante prévio licenciamento, o que implica trabalhos
difíceis e dispendiosos; ou criar a jusante das novas urbanizações reservatórios ou
Maio de 2007 66
bacias de detenção/retenção de águas pluviais, o que permite restituir a jusante
caudais compatíveis com os limites de capacidade de vazão da rede existente.
Para que este tipo de bacias possa desempenhar convenientemente o seu papel, e
favorecer em muitos casos actividades de recreio, torna-se importante assegurar a
sua manutenção. O grau de tratamento e frequência de manutenção depende do
nível de utilização da bacia, das disponibilidades técnicas e económicas e das
características das águas que a alimentam. As operações de manutenção envolvem
de um modo geral as seguintes actividades:
• Verificação e controlo da afluência de águas não pluviais;
• Recolha de eventuais sólidos suspensos;
• Limpeza de dispositivos tipo desarenador ou grelha, eventualmente existentes
a montante da bacia;
• Protecção, limpeza e manutenção das bermas;
• Controlo da qualidade das águas pluviais.
O projecto das bacias deve incorporar desde logo um plano para as operações de
manutenção de forma a assegurar a sua execução ao longo do tempo.
De uma forma geral, as bacias quer sejam de detenção ou de retenção, são
designadas, em Portugal, por bacias de retenção; o seu objectivo é o de reter e/ou
armazenar água, resultante de um acontecimento de precipitação intensa, durante
algum tempo, de forma a reduzir o caudal de cheia. Seguidamente, far-se-á uma
breve caracterização destas bacias:
67 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
Bacia de retenção com
capacidade para amortecer
caudais de vários períodos de
retorno
Maio de 2007 68
o Bacias de Detenção
As bacias de detenção, ou bacias secas, são bacias concebidas para interceptar os
escoamentos extremos, retendo temporariamente o volume de escoamento e
libertando-o depois, gradualmente, para o meio receptor, que pode ser uma linha de
água ou um sistema de drenagem.
As bacias de detenção superficiais classificam-se como bacias secas, se contiverem
água apenas num período relativamente curto a seguir à chuvada.
As bacias de detenção devem ser usadas para reduzir o valor do caudal máximo de
escoamento, reduzindo as inundações a jusante, protegendo o canal, e promovendo
a conservação de habitats aquáticos. Devem ser dimensionadas para que o caudal
descarregado seja semelhante às condições pré-existentes. Estas bacias não são
por isso concebidas para amortecer grandes volumes de água, nem para efectuarem
a sua total depuração. Proporcionam, contudo, alguma depuração, podendo ainda
serem implementados filtros e/ou outros dispositivos com efeitos filtrantes ou
depuradores.
Para implantação de uma bacia de detenção é condicionante o nível freático máximo
atingido em período de chuva, o qual se deve encontrar abaixo da cota de fundo da
bacia. Se o nível atingir esta cota corre-se o risco de zonas pantanosas com os
inconvenientes resultantes da proliferação de insectos.
69 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
Forma das Bacias de Detenção
Para maximizar o potencial destas bacias, a sua forma deverá ser alongada de modo
a que o comprimento seja aproximadamente 3 vezes a largura (3L), providenciando
tempo de detenção adicional para algum tratamento biológico. A vegetação, e as
irregularidades do eixo e do traçado das margens, permitem aumentar o seu
desempenho. Os canais de descarga, em escoamento lento, têm como objectivo,
prevenir a erosão, descarregando gradualmente o caudal afluente, até a bacia secar
completamente.
As bacias devem ser dimensionadas de maneira a que a torrencialidade seja
reduzida. Nos pontos de entrada devem ser constituídos retardadores do
escoamento, dissipadores de energia, vegetação ou outras estruturas, com esse
objectivo. A redução da torrencialidade reduz a possibilidade dos materiais
depositados voltarem a ser arrastados e transportados para jusante.
O fundo deverá ser construído com inclinações de pelo menos 5% de forma a evitar a
formação de zonas pantanosas. Os taludes das bermas deverão ter inclinações
máximas de 1/6 ou de 1/2, consoante se trate ou não de bacias acessíveis ao
público.
Vantagens:
- Retardam o pico de cheia e amortecem o escoamento a
jusante, protegendo as zonas marginais das inundações,
Maio de 2007 70
protegendo os leitos e as margens, da erosão, e a fauna e
flora dos leitos normais.
- Podem ser utilizadas como áreas recreativas e de valorização
paisagística (campos de jogos e de passeios pedestres), se
não encherem muito frequentemente de água,
particularmente nos períodos secos;
o Bacias de Retenção
Uma bacia de retenção é constituída por uma pequena albufeira ou lagoa
permanente, muitas vezes incorporando o controlo adicional da qualidade do
escoamento e com capacidade para o armazenamento dos volumes permanentes e
adicionais, estimados antes da sua execução.
As bacias de retenção retêm os escoamentos, para os libertar apenas sob a forma de
evapotranspiração e infiltração, apesar de existirem algumas que promovem
simultaneamente a detenção e a retenção. As bacias de retenção superficiais
classificam-se, como lagoas com água permanente, se contiverem água mesmo em
período de estiagem.
Os volumes das bacias são calculados para que haja controlo dos caudais adicionais
dos escoamentos que provocam cheias conhecidas (que ocorreram no passado ou
que estão previstas), sendo necessário que a área de drenagem seja suficiente para
garantir a permanência de água ao longo do ano, e devem ter capacidade de
armazenar a quase totalidade da água afluente.
71 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
Para este tipo de bacias é conveniente que o nível freático atingido em tempo seco
seja superior à cota de fundo da bacia, assegurando assim uma alimentação
permanente.
É essencial um estudo cuidado do balanço entre as afluências e as efluências do
escoamento, de forma a garantir-se de facto a existência de um nível de água
permanente e satisfatório sob o ponto de vista quantitativo e qualitativo. Estas bacias
não deverão ser concebidas sem se prever dispositivos eficazes de protecção e
eventualmente meios artificiais de arejamento ou mesmo alimentação em tempo
seco.
Materiais e Aspectos Construtivos
Nas bacias de retenção é aconselhável existir, em tempo seco, uma lâmina líquida
permanente de altura não inferior a 1,5 m a fim de evitar o desenvolvimento
excessivo de plantas aquáticas e possibilitar a vida piscícola.
Estando a bacia integrada em zona urbana, deve prever-se uma variação do nível de
água de cerca de 0,5 m para a precipitação do período de retorno escolhido e
assegurar-se o tratamento conveniente das bermas, considerando nomeadamente:
- Taludes relvados com declive não superior a 1/6;
- Paramentos verticais de 0,75 m de altura, ao longo dos quais se verificam as
variações de nível da água, executados de preferência com troncos de
madeira ou outro material estética e ambientalmente aceitável;
Maio de 2007 72
- Bermas de 2 m a 4 m de largura, no coroamento dos paramentos verticais, por
razões de segurança.
o Decreto Regulamentar n.º 23/95 de 23 de Agosto
Segundo a definição do D.R. n.º 23/95 de 23 de Agosto, as bacias de retenção são
estruturas que se destinam a regularizar o escoamento pluvial afluente, amortecendo
os caudais de ponta e permitindo compatibilizar o seu valor com limites previamente
fixados. Para além do aspecto fundamental de regularização dos caudais afluentes,
as bacias de retenção podem ainda, segundo a sua tipologia, apresentar as
seguintes vantagens:
- Contribuir para o melhoramento da qualidade das águas pluviais;
- Contribuir para o melhor comportamento do sistema de drenagem global, onde
se encontram integradas, quando da ocorrência de precipitações intensas;
- Possibilitar a constituição, quando se trate de bacias de água permanente, de
pólos de interesse estético e recreativo, especialmente quando integradas no
tecido urbano ou em zonas verdes;
- Constituir reservas contra incêndios ou para fins de rega;
- São uma forma estrutural eficiente, quando considerados os aspectos de
custo, utilidade, actuação e manutenção;
- Apresentam moderada a elevada capacidade de remoção de poluentes
provenientes das urbanizações, dependendo da capacidade de
armazenamento;
73 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
- Durante a ocorrência de escoamentos intensos directos, o escoamento é
detido acima do nível do lago permanente e amortecido ao longo de um tempo
alargado;
- Providenciam oportunidades para mais diversos usos e composição da
paisagem, envolvendo recreio e áreas naturalizadas;
- Não consomem muito espaço, relativamente à bacia drenada (cerca de 2 a 3%
no máximo da área de contribuição), sendo ideais para grandes áreas
intervencionadas.
• Dimensionamento e elementos constituintes das Bacias de Retenção/Detenção
Recomenda-se, no projecto destas bacias, uma simplicidade de desenho, integração
no espaço intervencionado, e a garantia de eficácias significativas na redução dos
caudais máximos ( %30>ΔQ ).
→ Elementos constituintes
As bacias de retenção superficiais são constituídas por:
a) Corpo, que inclui fundo e bermas e resulta do aproveitamento possível das
condições topográficas locais;
b) Dispositivos de funcionamento normal destinados a assegurarem a
regularização do caudal efluente e a manutenção de um nível mínimo a
montante, no caso de bacias de água permanente;
Maio de 2007 74
c) Dispositivos de segurança, descarregadores de superfície e
eventualmente diques fusíveis, destinados a garantirem o esgotamento das
águas em condições extremas;
d) Descarga de fundo, com o objectivo de assegurar o esvaziamento da
bacia de retenção em operações de limpeza e manutenção, podendo também
funcionar como sistema de segurança.
→ Dimensionamento hidráulico
1 - O dimensionamento hidráulico de uma bacia de retenção consiste no cálculo do
volume necessário ao armazenamento do caudal afluente, correspondente à
precipitação com um determinado período de retorno ou a um hidrograma de cheia
conhecido, por forma que o caudal máximo efluente não ultrapasse determinado
valor preestabelecido.
2 - A natureza do problema a resolver, o grau de precisão requerido e a informação
disponível condicionam o método de cálculo a utilizar.
3 - Se não se dispuser de um modelo de escoamento que permita gerar o hidrograma
de entrada ou hidrograma do escoamento afluente, pode recorrer-se a um método
simplificado.
4 - O método simplificado baseia-se no conhecimento das curvas intensidade-
duração-frequência (IDF) aplicáveis à área em estudo e permite o cálculo do volume
necessário para armazenar o caudal afluente resultante da precipitação do período
75 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
de retorno escolhido, de modo que na descarga se obtenha um caudal, suposto
constante, correspondente à capacidade máxima de vazão a jusante.
5 - O pré-dimensionamento do volume de armazenamento pode ser obtido pela
expressão seguinte:
( )
1
60
101 (1 )
b
abqs qsVa C A
b b⎛ ⎞−
= × × × ×⎜ ⎟+ +⎝ ⎠
com: ACqqs.
6=
onde:
Va – volume de armazenamento, (m3);
qs – caudal específico efluente, ou seja, o caudal por unidade de área activa
da bacia de drenagem, (mm/minuto);
C – coeficiente de escoamento;
a, b – parâmetros da curva intensidade-duração (Anexo IX do D.R. 23/95);
q – caudal máximo efluente (m3/s);
A – área da bacia de drenagem (ha).
Maio de 2007 76
“There is a phenomena resiliency in the mechanisms of the earth. A river or lake is almost never dead. If you give it the slightest chance... then nature usually comes back.”
Rene Dubos 1981
77 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
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81 Boas Práticas… no Respeito pelos Recursos Hídricos
Índice 1. Considerações gerais ………………………………………………………………………...1
1.1. As razões da criação deste manual ………………………………………………………...2 1.2. Oportunidade face à nova Lei da Água …………………………………………………….4 1.3. Sistematização e Regulamentação .. ……………………………………………………….6 1.4. Conceitos Básicos de Hidrologia ……………………………………………………………7 1.5. Objectivos do Manual de Boas Práticas em Recursos Hídricos ……………………….13
2. Medidas a implementar/Aspectos a Considerar …………………………………….…...16
2.1. Medidas Não Estruturais de Defesa contra Cheias ……………………………………..18 2.1.1. Instrumentos Regulamentares.………………………………………...………….18 2.1.2. Corredores Verdes ……...………………………………………………………….25 2.1.3. Restauração, Recuperação e Reabilitação de linhas de água ………………..34
2.2. Consideração dos Recursos Hídricos no Desenho Urbano ……………………………56 2.2.1. Construção/Ocupação dos Solos …………………………………………………58 2.2.1.1. Adopção de Materiais Permeáveis ……………………………………………….62 2.2.1.2. Bacias de Retenção e de Detenção ……………………………………………...65
Bibliografia ……………………………………………………………………………………………77