Biografia - Hugo Grotius

15
Biografia: Hugo Grotius 31 de Outubro de 2008 - por Jim Powell Por Jim Powell Os governantes já usaram a difusão da religião, aquisição de territórios e confiscos de bens como justificativas para guerras e outras maneiras de expandir seu poder. Maquiavel, o pensador político florentino, descrevera a guerra como uma política de governo perfeitamente legítima. Então veio Hugo Grotius, holandês do início do século XVII, estudioso do direito, que declarou que a guerra era algo terrível que prejudicava todos os participantes. Se a guerra não pudesse ser evitada, ele rogava que ao menos as mortes e destruições fossem limitadas: “É loucura, e é pior que loucura, ferir alguém por capricho... A guerra é assunto gravíssimo, pois inúmeras calamidades se seguem em seu curso, recaindo mesmo sobre a cabeça dos inocentes. Portanto, onde houver conflito de intenções, devemos nos inclinar para a paz... Com freqüência, nosso dever, para com o país e com nós mesmos, é que nos abstenhamos de recorrer às armas... [O]

Transcript of Biografia - Hugo Grotius

Page 1: Biografia - Hugo Grotius

Biografia: Hugo Grotius31 de Outubro de 2008 - por Jim Powell

Por Jim Powell

Os governantes já usaram a difusão da religião, aquisição de territórios e

confiscos de bens como justificativas para guerras e outras maneiras de

expandir seu poder. Maquiavel, o pensador político florentino, descrevera a

guerra como uma política de governo perfeitamente legítima. Então veio Hugo

Grotius, holandês do início do século XVII, estudioso do direito, que declarou

que a guerra era algo terrível que prejudicava todos os participantes. Se a

guerra não pudesse ser evitada, ele rogava que ao menos as mortes e

destruições fossem limitadas: “É loucura, e é pior que loucura, ferir alguém por

capricho... A guerra é assunto gravíssimo, pois inúmeras calamidades se

seguem em seu curso, recaindo mesmo sobre a cabeça dos inocentes.

Portanto, onde houver conflito de intenções, devemos nos inclinar para a paz...

Com freqüência, nosso dever, para com o país e com nós mesmos, é que nos

abstenhamos de recorrer às armas... [O] conquistado deve ser tratado com

clemência, para que os interesses de cada um se tornem os interesses de

ambos”.

O historiador John Neville Figgis observou que “o perigo de Maquiavel

não era dissecar as motivações e desvelar a hipocrisia dos estadistas, mas

dizer, ou deixar subentendido, que esses fatos eram o único ideal de ação; o

serviço prestado por Grotius, e por seus predecessores e sucessores, foi

conseguir estabelecer barreiras à predominância ilimitada da ‘razão de

Estado’”.

Page 2: Biografia - Hugo Grotius

Grotius deu origem ao direito internacional como o conhecemos,

refinando seus princípios para aprimorar as chances da paz. Ele afirmou:

“Independentemente dos termos que forem acordados, a paz deve ser mantida

absolutamente, por causa da sacralidade da confiança firmada no acordo; e

qualquer coisa que possa incitar e inflamar – não apenas o exercício direto da

traição – deve ser evitada”. O biógrafo Liesje van Someren explicou que “seu

grande objetivo era desenvolver e reforçar a idéia de justiça entre as nações.

Com isso em mente, ele esperava que as enormes diferenças entre as nações

pudessem ser diminuídas, se não pelas próprias partes, ao menos por

mediadores, árbitros, ou conferências internacionais. Se o mundo seguisse as

regras e princípios de Grotius, as guerras se tornariam menos freqüentes e

menos horríveis”.

Grotius defendeu uma filosofia da lei natural derivada da doutrina de

uma lei maior, que vinha de Cícero e de outros filósofos gregos e romanos: que

a legitimidade das leis do governo devia ser julgada por um padrão de justiça,

que era a lei natural. Grotius defendia o direito natural sem recorrer à Bíblia ou

às instituições religiosas; ao invés disso, insistia que ela derivava da natureza

das coisas e era descoberta pela razão humana. Escreveu: “A lei natural é tão

inalterável que não pode ser mudada nem mesmo pelo próprio Deus. Pois,

embora o poder de Deus seja infinito, existem certas coisas às quais ele não se

estende”.

Grotius afirmava que a lei natural está na raiz dos direitos naturais: “Os

cidadãos chamam de ‘direito’ uma faculdade possuída por todos os homens...

Esse direito inclui o poder que temos sobre nós mesmos, que se chama

liberdade... Assim como também inclui a propriedade... É injusto aquilo que é

repugnante à natureza da sociedade estabelecida entre criaturas racionais.

Desse modo, tomar de alguém algo que lhe pertence, por exemplo, em mero

benefício de si mesmo, é repugnante à lei da natureza’. No processo de

desenvolver essas idéias, como observou Murray N. Rothbard, estudioso da

história intelectual, Grotius “trouxe os conceitos de lei natural e direitos naturais

para os países protestantes do norte da Europa”.

Page 3: Biografia - Hugo Grotius

Grotius demonstrou uma paixão extraordinária pelo conhecimento por

toda sua vida. Foi considerado uma criança prodígio e realizou coisas

impressionantes quando ainda era um jovem rapaz. Conseguiu continuar

estudando mesmo na prisão. Escreveu sua obra mais famosa, De Jure Belli ac

Pacis ([A lei da guerra e da paz], sem dinheiro e como fugitivo, citando cerca

120 vinte autores clássicos (Cícero era seu preferido). A erudição de Grotius

lhe ajudou a fazer amigos entre católicos e protestantes, embora católicos e

protestantes estivessem matando uns aos outros.

Ele teve o azar de ser um protestante perseguido por protestantes, por

defender a posição de que os seres humanos têm livre-arbítrio. Não é

surpreendente, relata van Someren, que “seus amigos freqüentemente o

considerassem temperamental e irritadiço, não usando de tanto tato quando

poderia; mas ainda assim, todos gostavam dele. Sua própria família lhe

adorava, apesar do fato de que ele freqüentemente agir com egoísmo e

provocar discussões”.

Parece que Grotius foi um homem de feições extremamente

impressionantes: alto e bonito. “Suas feições tinham traços elegantes”,

escreveu o biógrafo Hamilton Vreeland, “seu nariz era ligeiramente aquilino,

seus olhos eram azuis e vibrantes, e seu cabelo, castanho. Seu corpo era alto

bem formado. Ele estava sempre com o corpo e a mente ativos”.

Grotius influenciou John Locke, o filósofo dos direitos naturais. Adam

Smith, economista e filósofo escocês, observou que “Grotius parece ter sido o

primeiro a tentar dar ao mundo algo como um sistema metódico de

jurisprudência natural, e seu tratado (De Jure Belli et Pacis), com todas suas

imperfeições, talvez seja atualmente a obra mais completa sobre o assunto”.

Thomas Jefferson e James Madison consideravam Grotius uma das principais

autoridades na resolução de disputas internacionais. Lord Acton afirmou que “é

fácil encontrar... frases de Grotius que tenham maior influência do que trinta

resoluções do parlamento inglês”.

O historiador John U. Nef escreveu que “o mais significativo para a

história subseqüente do seu trabalho sobre guerra e paz é sua insistência em

que os princípios legais existem na razão humana, independentemente de

Page 4: Biografia - Hugo Grotius

qualquer autoridade mundana, política ou religiosa, e ainda assim, que eles

vigorem no mundo – e são esses princípios que devem governar todas as

contingências que surgirem das rupturas da paz entre os Estados soberanos.

Antes de recorrer às armas, um país deve produzir uma declaração formal de

suas queixas, e deve declarar guerra apenas se suas exigências não puderem

ser resolvidas por meio de negociações diplomáticas. As guerras devem ser

realizadas de acordo com regras estabelecidas consensualmente que

assegurem tratamento humano para feridos e prisioneiros. Os tratados de

cessar-fogo também devem ser elaborados de acordo com regras consensuais

que, de fato, previnam a conquista de um antagonista por outro e evite que a

população inimiga seja subjugada.

Huig van Goot, latinizado para Hugo Grotius, nasceu em Delft, na

Holanda, no dia 10 de abril de 1583. Era o mais velho entre os quatro filhos de

Jan de Groot e Alida van Oerschie. Jan de Groot era um advogado e membro

da diretoria da University of Leyden.

Era uma época perigosa. Em 1568, protestantes de sete províncias do

nordeste da Holanda começaram sua luta para tornar-se independentes da

Espanha, cujo rei católico, Felipe II, adotara a intolerância religiosa e altos

impostos. Os holandeses, felizmente, possuíam líderes habilidosos,

começando com William de Orange e, depois de sua morte, continuando seu

segundo filho, William de Nassau, em parceria com o advogado Johan van

Oldenbarnevelt. William de Nassau se mostrou um talentoso comandante

militar, enquanto Oldenbarnevelt manteve as províncias unidas politicamente.

Quando Grotius tinha onze anos de idade, matriculou-se na University of

Leyden, onde estudou história grega e romana, filosofia, matemática,

astronomia, direito e religião. Enquanto estudava, morou na casa de Franciscus

Junius, que acreditava apaixonadamente na tolerância religiosa e na paz.

Grotius estudou por um ano na França, recebendo o diploma de bacharel em

direito pela Universdade de Orléans. De volta à Holanda, foi juramentado como

advogado no dia 1 de dezembro de 1599, e começou a atuar como

representante do governo. Ele começou sua carreira de escritor com um livro

Page 5: Biografia - Hugo Grotius

sobre lógica e uma tradução de um livro sobre a utilização do bússola. Em

1601, as Províncias Unidas pediram que Grotius, então com dezoito anos de

idade, escrevesse a história de sua valorosa luta contra a Espanha.

Por volta de 1604, a Companhia Holandesa das Índias Orientais,

formada para administrar comércio holandês no Oceano Índico, pediu a Grotius

que produzisse uma declaração explicando porque eles deveriam poder fazer

negócios dentro de territórios que os portugueses declaravam pertencer-lhes.

Quando ele apresentou o argumento de que deveriam ter o direito de usar os

oceanos, independentemente de quem os tenha explorado, a companhia

desistiu de publicar a declaração De Jure Praedae [“A lei dos espólios”].

Enquanto visitava Veere em Zeeland, acompanhado por seu amigo, o

advogado Nicholaas van Reigersbergen, Grotius se hospedou na casa dos pais

de seu amigo, onde conheceu a bela e confiante Maria, a filha de dezoito anos

do casal. Quando ela se apaixonou por Grotius, seu pai percebeu a

possibilidade de casamento e começou a negociar com o pai de Hugo. O

casamento aconteceu na metade de julho de 1608. Eles teriam seis filhos:

Cornelius, Pieter, Diederic, Frances, Mary e Cornelia.

A Companhia Holandesa encomendou então a Grotius um livro sobre a

liberdade marítima, e ele entregou o décimo-segundo capítulo de De Jure

Praedae, que foi publicado como Mare Liberum [“Os mares livres”]. Grotius fez

uso dele para preparar uma declaração contra o rei inglês James I, que tinha

proibido os estrangeiros de pescar nas águas próximas da Inglaterra e da

Irlanda. Grotius escreveu: “Nenhum príncipe tem domínio sobre os mares além

de onde alcançam seus canhões, com a exceção dos golfos que estão dentro

do seu território, de um ponto ao outro”. Tiros de canhão – cerca de três milhas

– se tornaram o padrão internacional para definir os territórios marítimos.

Grotius se tornou um grande amigo de Jacobus Arminius, um professor

de teologia da University of Leyden, que acreditava que os indivíduos tinham

livre-arbítrio. Ele questionava a então dominante doutrina calvinista da

predestinação – segundo a qual Deus determina o destino que todos terão,

independentemente de quão virtuosos fossem – e acreditava que qualquer um

poderia alcançar a felicidade eterna por meio da fé.

Page 6: Biografia - Hugo Grotius

As controvérsias se intensificaram depois que Arminius morreu, no dia

10 de outubro de 1609, com quarenta e nove anos de idade, e Grotius tentou

resolver a questão pacificamente. Johan van Oldenbarnevelt, antigo estadista,

propôs que as autoridades públicas agrupassem forças armadas para manter a

ordem. No dia 29 de agosto de 1618, Grotius, Oldenbarnevelt e o compatriota

deles, Gillis van Ledenberg, foram presos, apesar de nenhuma acusação

particular ter sido especificada, e um tribunal especial com vinte e quatro juízes

foi montado para ouvir o caso. Desde o início, já estava certo que seriam

julgados culpados. Ledenberg, temendo ser torturado, esfaqueou o próprio

estômago e cortou sua garganta. Oldenbarnevelt, um dos fundadores das

Províncias Unidas, foi condenado por traição e decapitado. Grotius temia o

mesmo destino, mas no dia 19 de novembro de 1618, foi condenado à prisão

perpétua e todos seus bens foram confiscados. Foi escoltado por soldados

para a maciça fortaleza de Loevestein, próxima a Gorcum, que tinha dois

fossos e paredes com quase dois metros de largura. Grotius foi colocado em

uma célula com dois ambientes.

Nove meses depois de sua condenação, a esposa de Grotius, Maria,

recebeu permissão para visitá-lo, e permitiram-lhe receber livros da biblioteca

do seu amigo, Adrian Daatselaer, comerciante de tecidos e fibras. Os livros

foram trazidos da casa de Daatselaer para a prisão em um grande caixote.

Quando Grotius terminava de lê-los, ele mandava o caixote, para que

pudessem lhe trazer mais livros. Grotius traduziu algumas tragédias gregas e

latinas para o holandês, e escreveu A verdade da religião cristã, que depois foi

traduzido para o árabe, chinês, dinarmaquês, inglês, flamengo, francês,

alemão, grego, persa e sueco. Ironicamente, já que seu julgamento violara os

princípios do direito holandês, ele escreveu o livro Introdução à jurisprudência

da Holanda.

Os procedimentos de segurança eram frouxos na prisão, e os soldados

não se davam o trabalho de verificar o caixote quando ele saía e voltava. No

dia 22 de março de 1621, Grotius escapou dentro dele, acompanhado por sua

empregada, Elsje van Houwening, que tinha vinte anos. Por várias vezes, os

soldados suspeitaram do peso incomum do caixote, mas Elsje lhes garantiu

que estava cheio de livros. Depois de chegar na casa de Daatselaer, Grotius se

Page 7: Biografia - Hugo Grotius

vestiu com trajes de escultor e fugiu para a França. Daatselaer, Maria e Elsje

foram interrogados, mas nada pôde ser provado contra eles. Alguns dos poetas

mais famosos da Europa celebraram a fuga para a liberdade de Grotius e a

coragem de sua esposa e seus amigos que o ajudaram. Maria se reencontrou

com ele em setembro.

Em meio à dívidas e pobreza – seus bens tinham sido confiscados e ele

tinha poucas perspectivas de renda imediata – escreveu Justificativa do

governo legítimo da Holada e West Friesland, que atacava os procedimentos

usados contra ele. Escreveu que lhe fora negada a oportunidade de se

defender e que não era verdade, como fora declarado, que ele confessara seus

crimes; disse que nunca tinha sido interrogado e que nem mesmo sabia quais

os crimes de que era acusado. Depois, defendeu sua crença de que a

tolerância era melhor que a repressão religiosa. Quando a obra foi publicada

em Amsterdã em 1622, deixou os parlamentares holandeses tão indignados

que eles denunciaram Grotius por seu “libelo notoriamente escandaloso e

sedicioso” e declararam que quem quer que fosse pego com uma cópia do livro

seria punido.

Quando uma epidemia se espalhou, Grotius se mudou para o campo,

aceitando o convite para morar na casa de um amigo que ficava perto de

Senlis. Lá, em 1623, começou a trabalhar em De Jure Belli ac Paci (o título

vem de uma frase do Oratio pro Balbo de Cícero), que partia das idéias e da

organização que ele utilizara no De jure Praedae, a declaração escrita havia

mais de vinte anos que nunca fora publicada. Grotius pôde trabalhar com

rapidez porque outro amigo lhe cedeu uma grande biblioteca, de modo que ele

completou o livro em cerca de um ano. O livro foi publicado em Paris em junho

de 1625. O editor pagou Grotius com duzentas cópias do livro.

“Estou convencido”, escreveu Grotius, “que existe uma lei comum a

todas as nações, que deve ser aplicada tanto às declarações de guerras, com

ao modo como elas devem ser conduzidas. Haviam muitas, e graves,

considerações me impelindo a escrever um tratado sobre o tema da lei.

Observei tamanha falta de lei nas guerras por todo o mundo cristão que mesmo

as nações bárbaras se envergonhariam disto. E, depois de se ter recorrido às

Page 8: Biografia - Hugo Grotius

armas, põe-se um fim a todo o respeito pelas leis, sejam humanas ou divinas,

como se uma fúria fosse liberada, dando total permissão para todos os tipos de

crime”.

Grotius foi influenciado por Tomás de Aquino, Francisco Suarez e outros

pensadores da escolástica, mas desenvolveu seus princípios de justiça

independentemente da Bíblia ou de instituições religiosas. Ele acreditava que

as nações deveriam ser guiadas pela lei natural, que significava: “o comando

da reta razão, mostrando a perversão moral, ou a necessidade moral, o acordo,

ou a falta de acordo, de qualquer ato com a natureza racional”. Ele não seguia

a lógica da lei natural por completo. Ele aceitava a escravidão, que claramente

violava o princípio natural de que os indivíduos são senhores de si mesmos, e

não percebia todas as implicações radicais dos direitos naturais.

Grotius reconhecia o direito à auto-defesa e o direito de ser

recompensado por prejuízos causados por um adversário, mas recomendava

que estes fossem exercidos com cautela. Acreditava que tudo deveria ser feito

para resolver pacificamente os conflitos, porque todos os lados certamente

iriam sofrer perdas dolorosas por causa da guerra. Aconselhava impor limites

ao que pudesse ser tomado dos adversários. Escreveu que “a lei da natureza,

de fato, autoriza essas aquisições em uma guerra justa, posto que podem ser

consideradas o equivalente a uma dívida que não pode ser compensada de

outro modo, assim como provocar prejuízo ao agressor, desde que este esteja

dentro dos limites de uma punição sensata”. Também insistia que a retaliação

“fosse dirigida diretamente à pessoa do próprio delinqüente”.

De Jure Belli ac Pacis provocou controvérsias. Católicos ficaram

chocados porque Grotius não fazia referências aos papas por meio de seus

títulos católicos. Conseqüentemente, De Jure Belli ac Pacis foi adicionado

ao index papal em março de 1626, e os católicos foram proibidos de lê-lo. O

livro permaneceu no index papal até 1901.

Grotius esperava que a fama que adquirira por causa desse livro levasse as

autoridades públicas holandesas a perdoar sua fuga da prisão. Viajou para

Roterdã, onde visitou a estátua de Erasmo que fora erguida durante sua

Page 9: Biografia - Hugo Grotius

ausência, mas as autoridades emitiram uma ordem para prendê-lo, e ele fugiu

no dia 17 de março de 1623. Então optou por ir para Hamburgo, por ficar ficar

razoavelmente perto da Suécia, cujo rei, Gustavus Adolphus, era um novo líder

protestante importante que poderia precisar de seus serviços.

Grotius passou por um período miserável em Hamburgo. Não tinha

dinheiro, não conheceu ninguém intelectualmente interessante, e não

conseguiu encontrar um biblioteca onde pudesse trabalhar. E então, Gustavus

Adolphus morreu na batalha de Luetzen em novembro de 1632, sendo

sucedido por sua filha de seis anos de idade, Maria Christina. Axel Oxentierna,

o regente sueco, tinha coisas mais importantes para pensar do que Grotius.

Então outro veio golpe: Cornelius, filho de Grotius, foi morto em batalha.

Em 1634, em grande parte por causa do conhecimento e da sabedoria

demonstrados em De Jure Belli ac Pacis, Grotius foi convidado para servir

como embaixador da Suécia na França. Por meio desse cargo, promoveu a

paz entre os dois países.

Quando se aposentou, em 1645, estava doente e prestes a voltar a

Paris. Embarcou em um navio que foi pego em uma tempestade e lançado

para a costa de Pomerânia, ao norte da Alemanha e ao leste da Dinamarca.

Foi carregado em uma carroça por cerca de sessenta milhas até Rostock,

chegando bastante fragilizado a uma pousada no dia 26 de agosto de 1645.

Pediu que lhe trouxessem um pastor, e o único disponível era John

Quistorpius, um luterano. Quistorpius permaneceu ao lado de Grotius e escutou

suas desesperadas palavras finais: “Ao tentar fazer muitas coisas, não realizei

nada”.

Ele morreu por volta da meia-noite do dia 28 de agosto, aos sessenta e

dois anos de idade. De acordo com o biógrafo Charles Edwards, “os órgãos

vitais foram removidos do seu corpo, selados em um recipiente de bronze e

enterrados na catedral de Rostock. Seus restos mortais foram enviados para

Delft onde foram enterrados na Nieuwe Kerk [“Nova igreja”], em uma praça

pública. Ironicamente, Grotius foi enterrado em meio às tumbas dos príncipes

Page 10: Biografia - Hugo Grotius

de Orange, que o tinham condenado a viver tantas anos como um fugitivo da

justiça”.

O biógrafo W. S. M. Knight relatou que “durante o século que se seguiu

ao lançamento da primeira publicação [de De Jure Belli ac Pacis, uma edição

era logo seguida de outra, quase sempre em alemão ou holandês, ao ritmo de

uma nova edição a cada três anos”. Progressivamente, no entanto, as pessoas

passaram a se voltar para obras mais recentes. No século XX, de acordo com

Steven Forde em artigo para o American Political Science Review, a “reputação

[de Grotius] sofreu um declínio acentuado devido à difusão do positivismo no

direito internacional, e à menor consideração dada ao pensamento sobre lei

natural no campo da filosofia moral.”. Pensadores positivistas insistiam que

qualquer coisa feita pelo governo seria aceitável desde que fosse legítima. Mas

a perspectiva positivista caiu em descrédito quando os governos do século

vinte assassinaram milhões de pessoas legalmente. Existe um interesse

renovado por Grotius. Surgiram, por exemplo, vários sites sobre ele na internet.

Grotius teve a coragem de se posicionar contra a guerra, de defender

princípios morais independentes de governantes, e explicou como aumentar a

perspectiva de paz. Os grandes acordos de paz, como aqueles que

encerrariam a Primeira Guerra Mundial e a Guerra Fria, deram mostras de

sabedoria e de generosidade de espírito ao ajudar a transformar inimigos em

amigos.