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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” - UNESP Instituto de Artes – São Paulo MARCIO GUEDES CORREA CONCERTO CARIOCA Nº 1 DE RADAMÉS GNATTALI: A UTILIZAÇÃO DA GUITARRA ELÉTRICA COMO SOLISTA SÃO PAULO – 2007 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” - UNESP

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JLIO DE MESQUITA FILHO - UNESP

    Instituto de Artes So Paulo

    MARCIO GUEDES CORREA

    CONCERTO CARIOCA N 1 DE RADAMS GNATTALI:

    A UTILIZAO DA GUITARRA ELTRICA COMO

    SOLISTA

    SO PAULO 2007

    UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JLIO DE MESQUITA FILHO - UNESP

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    Instituto de Artes So Paulo

    MARCIO GUEDES CORREA

    CONCERTO CARIOCA N 1 DE RADAMS GNATTALI:

    A UTILIZAO DA GUITARRA ELTRICA COMO

    SOLISTA

    Dissertao de mestrado apresentada ao Programa de Ps-graduao em msica do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista UNESP, como exigncia para a obteno do ttulo de mestre. ORIENTADOR: Prof. Dr. Marcos Pupo F. Nogueira

    SO PAULO 2007

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    Ao meu pai Jorge Correa, pela sabedoria ao conduzir a famlia. minha me, Maria da Graa Guedes Correa, ser humano inabalvel que soube vencer grandes dificuldades.

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    AGRADECIMENTOS

    A Deus, criador de todas as coisas, at mesmo daquelas que nossa viso no alcana e que nosso intelecto no pode mensurar.

    Ao meu orientador Prof. Dr. Marcos Pupo Fernandes Nogueira, que com sabedoria

    apontou para caminhos acertados. Aos meus irmos Jorge Correa Junior e Renato Guedes Correa, pela pacincia e pelos

    auxlios no tratamento de imagens. Ao amigo, Prof. Ms. Renato Almeida que atravs de longas conversas e audies musicais

    estimulou o incio desta pesquisa. Ao Prof. Dr. Paulo Castagna pela generosa reviso dos primeiros textos deste projeto. Aos Profs. Drs. Sidney Molina e Alberto Ikeda pelas valiosas contribuies. Bibliotecria Fabiana Colares, pela ateno e gentileza ao preparar a ficha catalogrfica

    deste trabalho. A todos os funcionrios da secretaria da ps-graduao do Instituto de Arte da Unesp. Aos amigos e Professores Ms. Maristela Smith e Raul Brabo, pelos constantes incentivos. A todos os meus grandes mestres, especialmente Arlene Ftima Vicente, Henrique Pinto,

    Abel Rocha, Fernando Corra, Pollaco e todos os que foram meus professores na graduao em msica da FAAM. Vocs estaro sempre presentes em meus agradecimentos dirios, em minhas oraes e em meus atos... Muito obrigado a todos!

    A todos os meus alunos, que so certamente um dos grandes motivos de meus estudos.

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    Resumo

    A presente dissertao tem por objetivo analisar a msica de concerto de Radams Gnattali focando sua orquestrao a partir de alguns pontos de vista: O ritmo orquestral, a escolha de sua instrumentao peculiar e em alguns casos indita, a construo de suas melodias e alguns procedimentos harmnicos localizados em sua obra. Os exemplos so extrados, em sua maioria, do Concerto Carioca n 1. ntido que a formao erudita deste compositor perfaz algumas das colunas principais que estruturam sua obra, mas todas as particularidades encontradas em Radams Gnattali decorrem de um profundo conhecimento tambm da msica popular urbana, produo musical esta que tem alguns de seus elementos fartamente localizados como estruturadores de sua obra erudita. Palavras-chave: Radams Gnattali, Guitarra Eltrica, Anlise Musical, Orquestrao, Instrumentao.

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    Abstract

    The present dissertation has an objective to analyze the music of Radams Gnattali concert focusing on his orchestration according to some points of view: The orchestral rhythm, the choice of his peculiar, and in some cases new instrumentation, the construction of his melodies and some harmonic procedures situated on his peace. The examples are extracted, in its majority, from the Concerto Carioca n 1. It is clear that the erudite graduation of this composer builds some of the main columns that structure his peace, but all the particularities found in Radams Gnattali come also from a deep knowledge of the urban popular music, musical production wich has some of its elements rudgely found as constructors of this erudite piece. Keywords: Radams Gnattali, Electric Guitar, Musical analysis, Orchestration, Instrumentation.

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    NDICE DE FIGURAS

    Figura 01: Capa do LP do Concerto Carioca n 1.........................................................................17 Figura 02: Capa do manuscrito autgrafo do Concerto Carioca n 1............................................50 Figura 03: ltima pgina manuscrito autgrafo do Concerto Carioca n 1..................................51 Figura 04: Detalhe da primeira pgina do 1 movimento do manuscrito autgrafo do Concerto Carioca n 1.....................................................................................................................................54 Figura 05: Fragmento do compasso 04 do primeiro movimento do Concerto Carioca n 1.........56 Figura 06: Compassos 10 a 11, 1 movimento, mesmo concerto..................................................57 Figura 07: Compassos 63 a 65, 1 movimento, mesmo concerto..................................................58 Figura 08: Compassos 118 e 119, 1 movimento, mesmo concerto..............................................59 Figura 09: Compassos 140 e 140, 1 movimento, mesmo concerto..............................................62 Figura 10: Compassos 169 e 170, 1 movimento, mesmo concerto..............................................62 Figura 11: Compassos 181 a 183, 1 movimento, mesmo concerto..............................................63 Figura 12: Compassos 184 e 185, 1 movimento, mesmo concerto..............................................63 Figura 13: Compassos 191 a 192, 1 movimento, mesmo concerto..............................................64 Figura 14: Detalhe da primeira pgina do 2 movimento do Concerto Carioca n 1....................65 Figura 15: Compassos 18 a 20 do 2 movimento do Concerto Carioca n 1.................................68 Figura 16: Compassos 3 e 4 do 4 movimento do Concerto Carioca n 1.....................................70 Figura 17: Compasso 6, 4 movimento, mesmo concerto.............................................................71 Figura 18: Compasso 44, 4 movimento, mesmo concerto...........................................................72 Figura 19: Compasso 62 ao 65, 4 movimento, mesmo concerto.................................................73 Figura 20: Compassos 78 e 79, 4 movimento, mesmo concerto..................................................74 Figura 21: Compassos 109 e 110, 4 movimento, mesmo concerto..............................................75 Figura 22: Compassos 5 ao 8, 1 movimento do Concerto Carioca n 1.......................................84 Figura 23: Compassos 36 ao 39, 1 movimento, mesmo concerto................................................85 Figura 24: Compassos 56 ao 61, 1 movimento, mesmo concerto................................................87 Figura 25: Compassos 73 ao 77, 1 movimento, mesmo concerto................................................88 Figura 26: Compassos 95 ao 104, 1 movimento, mesmo concerto..............................................89 Figura 27: Compassos 126 ao 1281 movimento, mesmo concerto............................................90 Figura 28: Compassos 166 ao 173, 1 movimento, mesmo concerto............................................91 Figura 29: Compassos 21 ao 25, 2 movimento do Concerto Carioca n 1...................................93 Figura 30: Compassos 32 ao 35, 2 movimento, mesmo concerto................................................94 Figura 31: Compassos 52 e 53, 2 movimento, mesmo concerto..................................................95 Figura 32: Compassos 59 ao 62, 2 movimento, mesmo concerto................................................96 Figura 33: Compassos 1 ao 12, 3 movimento do Concerto Carioca n 1.....................................98 Figura 34: Compassos 10 ao 17, 3 movimento, mesmo concerto................................................99 Figura 35: Compassos 49 ao 56, 3 movimento, mesmo concerto..............................................101 Figura 36: Compassos 112 ao 131, 3 movimento, mesmo concerto..........................................102 Figura 37: Compassos 135 ao 139, 3 movimento, mesmo concerto..........................................104 Figura 38: Compassos 158 ao 167, 3 movimento, mesmo concerto..........................................105 Figura 39: Compassos 185 ao 198, 3 movimento, mesmo concerto..........................................106 Figura 40: Compassos 9 ao 20, 4 movimento do Concerto Carioca n 1...................................109 Figura 41: Compassos 45 ao 48, 4 movimento, mesmo concerto..............................................113 Figura 42: Compasso 84 ao 105, 4 movimento, mesmo concerto.............................................116 Figura 43: Compasso 111 ao 114, 4 movimento, mesmo concerto...........................................119

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    Figura 44: Compassos 132 ao 154, 4 movimento, mesmo concerto..........................................120 Figura 45: Compassos 171 ao 174, 4 movimento, mesmo concerto..........................................123 Figura 46: Compassos 208 ao 219, 4 movimento, mesmo concerto..........................................125 Figura 47: Primeira pgina do Concerto para Bandolim e orquestra de cordas. Fonte: Catlogo digital Radams Gnattali..............................................................................................................130 Figura 48: Melodia inicial do concerto para bandolim e orquestra de cordas............................131 Figura 49: Primeiros compassos de Canto em Rodeio Pixinguinha.....................................131 Figura 50: Primeiros compassos de Oscarina Pixinguinha...................................................132 Figura 51: Primeiros compassos de Currura Saltitante Lina Pesce.....................................132 Figura 52: Primeiros compassos de Hora de Sonhar Waldir de Azevedo............................133 Figura 53: Primeiros compassos de V se Gostas Waldir de Azevedo................................133 Figura 54: Primeiros compassos de Um a Zero Pixinguinha...............................................134 Figura 55: Primeira pgina da Sute retratos, I - Pixinguinha. Fonte: Catlogo digital Radams Gnattali.........................................................................................................................................137 Figura 56: Incio da melodia do bandolim na Sute retratos, I Pixinguinha.............................138 Figura 57: Motivo de Carinhoso, Pixinguinha........................................................................139 Figura 58: Fragmento inicial do Preldio da pera Tristo e Isolda.......................................140 Figura 59: Fragmento inicial, 1 Movimento Do Concerto Carioca n 1....................................141 Figura 60: Compassos 08 e 09 do 1 Movimento Do Concerto Carioca n 1.............................142 Figura 61: Compasso 12 e 13, 1 movimento, mesmo concerto.................................................143 Figura 62: Compassos 20 ao 23, 1 movimento, mesmo concerto..............................................144 Figura 63: Primeiros compassos, 2 movimento, mesmo concerto.............................................145 Figura 64: Compasso 18 ao 24, 3 movimento, mesmo concerto...............................................146 Figura 65: Compassos 25 ao 27, 4 movimento, mesmo concerto..............................................146 Figura 66: Dona Lee Charlie Parker. Fonte: The Real Book....................................................149 Figura 67: Compassos 05, 06 e 07, 1 Movimento Do Concerto Carioca n 1...........................151 Figura 68: Compassos 36 ao 40, 1 movimento, mesmo concerto..............................................151 Figura 69: Compassos 52 ao 60, 1 movimento, mesmo concerto..............................................152 Figura 70: Compassos 95 ao 104, 1 movimento, mesmo concerto............................................153 Figura 71: Compassos 165 ao 173, 1 movimento, mesmo concerto..........................................153 Figura 72: Compassos 23 ao 26, 2 movimento, mesmo concerto..............................................154 Figura 73: Compassos 32 ao 36, 2 movimento, mesmo concerto..............................................155 Figura 74: Compassos 59 ao 62, 2 movimento, mesmo concerto..............................................155 Figura 75: Introduo do 3 movimento do Concerto Carioca n 1............................................156 Figura 76: Compassos 135 ao 139, 3 movimento, mesmo concerto..........................................156 Figura 77: Compassos 13 ao 22, 4 movimento, mesmo concerto..............................................157 Figura 78: Compassos 84 ao 104, 4 movimento, mesmo concerto............................................158 Figura 79: Compassos 143 ao 150, 4 movimento, mesmo concerto..........................................159 Figura 80: Compassos 210 ao 217, 4 movimento, mesmo concerto..........................................159

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    SUMRIO

    INTRODUO..............................................................................................................................09 1. PRIMEIRO CAPTULO: A IMPORTNCIA DA MSICA POPULAR URBANA NA MSICA DE CONCERTO DE RADAMS GNATTALI............................................................20 1.1. Orquestra Sinfnica.................................................................................................................34 1.2. Orquestra de Cmara...............................................................................................................39 1.3. Orquestra de Cordas................................................................................................................40 1.4. Msica de Cmara...................................................................................................................42 2. SEGUNDO CAPTULO: OS RITMOS POPULARES NA ORQUESTRAO DO CONCERTO CARIOCA N 1.......................................................................................................46 2.1. Primeiro Movimento: Marcha.................................................................................................53 2.2. Segundo Movimento: Cano.................................................................................................65 2.3. Quarto Movimento: Samba.....................................................................................................69 3. TERCEIRO CAPTULO: A UTILIZAO DA GUITARRA ELTRICA COMO SOLISTA NO CONCERTO CARIOCA N 1................................................................................................76 3.1. Catlogo De Concertos...........................................................................................................80 3.2. Anlise Tcnica Da Instrumentao.......................................................................................82 3.2.1. Primeiro Movimento: Marcha Rancho................................................................................83 3.2.2. Segundo Movimento: Cano..............................................................................................92 3.2.3. Terceiro Movimento: Valsa Seresteira................................................................................96 3.2.4. Quarto Movimento: Samba................................................................................................107 4. QUARTO CAPTULO: MOTIVOS RITMICO-MELDICOS NA MSICA DE CONCERTO DE RADAMS GNATTALI.......................................................................................................128 4.1. Motivos Rtmico-meldicos..................................................................................................140 4.2. O Carter de improvisao....................................................................................................147 4.2.1. Primeiro Movimento..........................................................................................................150 4.2.2. Segundo Movimento..........................................................................................................154 4.2.3. Terceiro Movimento...........................................................................................................155 4.2.4. Quarto Movimento.............................................................................................................156 CONCLUSO.............................................................................................................................161 REFERNCIAS BIBLIOGRAFICAS.........................................................................................164 BIBLIOGRAFIA..........................................................................................................................165 PARTITURAS..............................................................................................................................167 DISCOGRAFIA...........................................................................................................................167 FONTES DIGITAIS.....................................................................................................................168 WEBGRAFIA..............................................................................................................................168 FONTE AUDIOVISUAL.............................................................................................................169 ANEXO........................................................................................................................................170 ANEXO 2 ....................................................................................................................................251

    INTRODUO

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    Vale o risco: Radams Gnattali o msico mais completo da histria da msica brasileira (DIDIER, 1996, p. 11).

    com esta intrigante afirmao que Alusio Didier abre seu livro Radams Gnattali,

    material este que almeja em suas linhas, estabelecer o lugar do compositor na histria de nossa

    msica. Pode ser que a afirmao de Didier esteja carregada de romantismo e euforia, mas no

    mnimo ela denota que tal compositor digno de destaque em nossa histria, na msica erudita

    ou popular. Que caractersticas de um compositor levariam a atribuir-lhe o adjetivo musico mais

    completo da histria da msica brasileira? Sabe-se que a obra de Radams Gnattali de grande

    valor, conquistou e tem conquistado admiradores, seja por sua fluncia composicional, seja pela

    ousadia dos coloridos que imprime em sua obra, seja por sua instrumentao peculiar. No

    entanto, o maestro e compositor gacho tem ficado, em certa medida, afastado da histria da

    msica brasileira quando o foco msica erudita ou msica de concerto como preferia o mesmo.

    Talvez isso ocorra porque Gnattali no se coligava ideologia nacionalista de seus

    contemporneos e pode ser que por isso mesmo tenha ocorrido tal afastamento. provvel que

    em sua poca, devido a sua grande quantidade de trabalhos para a msica popular, tenha sido

    considerado muito mais um maestro arranjador do que um compositor em si. Seus trabalhos

    como arranjador, sejam para cantores de msica popular ou trilhas sonoras para cinema,

    sobrepujam sua obra de concerto; Valdinha Barbosa e Anne Marie Devos, autoras do livro

    Radams Gnattali, o Eterno Experimentador atribuem ao compositor cerca de mil trabalhos

    entre arranjos e trilhas sonoras, enquanto que em seu catlogo digital, publicado no site

    www.radamesgnattali.com.br possvel localizar duzentas e setenta e quatro obras de concerto.

    Provavelmente, seu tempo para se dedicar obra autoral era bastante reduzido devido s suas

    funes como maestro, arranjador e diretor musical. Sua obra de concerto menor em

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    quantidade, se comparada s obras de outros compositores brasileiros, como Villa-Lobos por

    exemplo, mas duzentas e setenta e quatro composies perfazem um bom volume de peas, que

    merece maior ateno tanto dos msicos que realizam concertos quanto dos pesquisadores da

    msica brasileira, para conseqentemente atingir maior conhecimento do pblico.

    Ainda que Gnattali tenha sido compositor erudito e um dos grandes incentivadores da

    msica popular brasileira, tanto que mereceu elogios imbudos de respeito e admirao de nomes

    como Tom Jobim, apenas para citar um, o volume de material acadmico dedicado ao maestro

    ainda muito pequeno se comparado ao volume e abrangncia de sua obra dentro das mais

    diversas vertentes da msica.

    Com relao bibliografia existem apenas dois livros que so dedicados exclusivamente a

    Radams Gnattali. So eles:

    Radams Gnattali: o eterno experimentador: Livro de Valdinha Barbosa e Anne Marie

    Devos, editado pelo Instituto Nacional de msica, diviso de msica popular da FUNARTE em

    1984. A obra apresenta uma biografia de Gnattali, que discorre sobre sua vida desde a chegada de

    seus pais italianos ao Brasil, passando por sua carreira como pianista, arranjador, compositor e

    maestro e ao final apresenta um catlogo de sua obra, abarcando arranjos, composies e

    discografia.

    Radams Gnattali: Livro de Alusio Didier que inicia com uma breve biografia de

    Gnattali e em seguida apresenta uma coletnea de relatos de personalidades que conviveram com

    o compositor, juntamente com alguns relatos do prprio. Associado a este livro, Didier tambm

    produziu um vdeo intitulado Nosso Amigo Radams Gnattali, que ilustra algumas fases da

    vida profissional do compositor, alm de pequenas curiosidades de sua vida pessoal.

    Alm desses dois livros, possvel encontrar alguns verbetes dedicados a Gnattali no

    Dicionrio Grove de msica edio concisa, na Enciclopdia da msica brasileira (autores), no

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    livro Compositores de Amrica: Datos biogrficos y e catlogos de sus obras, Volume 16 e no

    livro Histria da Msica Brasileira de Vasco Mariz.

    No segundo semestre de 2005, a Brasiliana Produes divulgou o Catlogo digital

    Radams Gnattali, obra em CD ROM que traz um detalhado catlogo da obra do compositor.

    Este material no se encontra a venda e distribudo exclusivamente para instituies de ensino.

    No primeiro semestre de 2007 parte do contedo deste mesmo material foi divulgado na Internet,

    no domnio www.radamesgnattali.com.br. O catlogo que consta no CD ROM foi publicado na

    ntegra no site, porm, as imagens de algumas pginas de manuscritos autgrafos do compositor

    que esto no Catlogo Digital no foram includas neste contedo.

    Com relao a teses e dissertaes, s foi possvel localizar dois trabalhos de mestrado,

    ambos realizados na Universidade Federal do Rio de Janeiro. O mais antigo data de 1995 e foi

    escrito por Bartolomeu Wiese Filho, que no cita quem foi o orientador, e intitulado Radams

    Gnattali e sua obra para violo. O mais recente data de 1999 e intitulado Radams Gnattali e o

    violo: relao entre campos de produo na msica brasileira, de autoria de Ledice Fernandes de

    Oliveira e orientao de Samuel Mello Arajo Junior. Esses dois trabalhos se diferenciam do

    presente em sua proposta, pois os mesmos se direcionam produo violonstica do compositor,

    enquanto que este tem por objetivo principal tratar da maneira de orquestrar de Gnattali, alm de

    analisar e justificar algumas de suas escolhas instrumentais, ou seja, a incluso de instrumentos

    de msica popular urbana em sua msica de concerto. O presente trabalho aborda a obra de

    concerto de Radams Gnattali. Por outro lado, aps estudar as dissertaes realizadas no Rio de

    Janeiro, pde-se perceber que os trs trabalhos (incluindo este) tratam das diversas influncias

    assimiladas pela msica de Gnattali e falam de suas fuses de msica popular com msica

    erudita. bastante complexo abordar os termos msica erudita ou msica de concerto e

    msica popular, complexidade esta que se d, entre outros motivos, pela impreciso de tais

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    classificaes. Tendo em vista que no objetivo da presente dissertao discutir e definir tais

    categorizaes, optou-se por puramente utilizar a terminologia corrente no Brasil, por vezes

    apresentando tentativas de definies de outros autores.

    O compositor brasileiro Radams Gnattali nasceu em Porto Alegre, no dia 27 de janeiro

    de 1906 e faleceu no Rio de Janeiro no dia 03 de fevereiro de 1988.

    Filho de pais italianos, foi um dos compositores brasileiros que transitava com notvel

    fluncia entra a msica erudita e os gneros populares. Comeou a estudar piano logo aos seis

    anos de idade e posteriormente dedicou-se tambm ao violino, violo e cavaquinho. Ainda no Rio

    Grande do Sul, estudou com Guilherme Fontainha, e na Escola Nacional de Msica foi aluno de

    Agnelo Frana.

    Em 1924 Radams conclui seu curso de piano e passa a viajar como concertista,

    apresentando-se em So Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, recebendo crticas bastante

    positivas. Nesse mesmo perodo se apresenta tambm como violista do Quarteto Oswald. Mais

    tarde, Gnattali tem dificuldades para solidificar sua carreira como concertista e professor de piano

    e em decorrncia desses obstculos passa a trabalhar como instrumentista em cinemas, casas

    noturnas, participando de pequenas formaes instrumentais. Para esses trabalhos, Radams

    Gnattali comea a escrever alguns arranjos, que so cada vez mais admirados e reconhecidos por

    seus colegas de profisso. Sua notvel habilidade como arranjador rendeu-lhe um emprego na

    Rdio Nacional, onde permaneceu trabalhando com arranjos de msica popular durante trinta

    anos. Nesse perodo, Radams apresentou o programa Um Milho de Melodias e chegava a

    escrever at seis arranjos no mesmo dia, segundo relatos do prprio compositor. Gnattali escreve

    tambm trilhas sonoras para cinema e televiso, compondo msicas para alguns filmes

    produzidos no Estdio Vera Cruz, como por exemplo, o filme Tico-tico no Fub que apresenta

    a biografia do compositor Zequinha de Abreu. Didier atribui a Radams Gnattali mais de

  • 13

    quarenta trilhas sonoras compostas para o cinema brasileiro. H registros tambm de um convite

    feito pelo prprio Walt Disney, para que Gnattali compusesse trilhas para seus filmes

    (BARBOSA e DEVOS, 1984, P. 52). A viagem aos Estados Unidos da Amrica ficou invivel

    devido situao de crise internacional provocada pela Segunda Guerra Mundial.

    Em paralelo a sua produo de arranjador, Radams Gnattali passa tambm a compor

    constantemente, gerando assim um acervo de composies eruditas e populares. Segundo

    Radams, escrever msica passou a ser uma necessidade fsica, uma atividade compulsiva. Este

    costume de escrever msica constantemente fez com que Radams Gnattali se tornasse um dos

    compositores mais prolficos de nosso pas, escrevendo uma boa quantidade de peas eruditas,

    alm de admirvel quantidade de arranjos para msica popular. Didier atribui a Gnattali cerca de

    quatrocentas obras de concerto, mas apenas apresenta este dado, sem perfazer um levantamento

    de obras. O catlogo oferecido pela Brasiliana Produes lista duzentas e setenta e quatro obras

    de concerto. Valdinha e Devos realizaram um catlogo da obra de Gnattali em seu livro Radams

    Gnattali, o eterno experimentador, e dedicam uma parte deste catlogo produo que nomearam

    msica erudita. Nesta parte do catlogo foram listadas cento e oitenta e trs peas. Tendo em

    vista que os trs dados so conflitantes, apresentando relevante diferena quantitativa, o Catlogo

    digital da Brasiliana Produes foi escolhido como o catlogo oficial para esta dissertao, j que

    o mesmo, alm de ser o mais moderno, tem como diretor o maestro e professor Roberto Gnattali

    (que dirige o projeto Brasilianas), sobrinho de Radams e que tem acesso livre ao acervo de

    partituras deixadas pelo compositor, que ainda permanece em sua maioria manuscrito, sob os

    cuidados da famlia Gnattali.

    fato que esta parte de sua obra passa a ser executada com certa freqncia em salas de

    concertos do Brasil. Em muitos desses concertos, o prprio Radams se apresenta, seja como

    solista, seja como maestro.

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    Seus concertos foram reconhecidos internacionalmente, como o caso do Concerto n 2

    para piano e orquestra que foi executado por Arnaldo Estrella em Washington, Chicago e

    Filadlfia.

    Observando a biografia de Radams Gnattali, podemos abordar sua carreira dos seguintes

    pontos de vista:

    Compositor Erudito ou de msica de concerto

    Arranjador de Msica Popular

    Compositor de trilhas sonoras para cinema e televiso

    Compositor Popular

    Instrumentista

    Dentre tais abordagens, optou-se neste trabalho, por focar Radams Gnattali como compositor

    de msica de concerto, destacando sua orquestrao e formaes instrumentais to peculiares

    e diversas, como por exemplo, seus concertos que tem como solistas instrumentos no

    convencionais e suas orquestraes recheadas de instrumentos que so normalmente

    associados msica popular urbana. Buscou-se, atravs de anlises do Concerto Carioca n1,

    demonstrar como a vivncia de arranjador de msica popular transformou a obra de concerto

    de Gnattali. Essa transformao se d em trs mbitos, o primeiro na escolha dos

    instrumentos; Radams Gnattali emprega instrumentos ligados msica popular urbana em

    cerca de 10% de sua obra erudita, o que representa mais de quarenta obras. Esse procedimento

    s acontece partir de suas funes como arranjador, que se deu na dcada de 1930. Foi a que

    o compositor estreitou seu contato com esses instrumentos e isso o levou a inseri-los em sua

    obra de concerto. Tal experimentalismo instrumental o levou a compor o primeiro concerto da

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    histria onde a guitarra eltrica utilizada como solista. Este concerto o Concerto Carioca n

    1, que ser o principal foco desta dissertao. Esta composio nunca foi editada e sua

    partitura est em um manuscrito autgrafo em nanquim. Uma cpia fac-similar desta partitura

    foi cedida por Nelly Gnattali, viva de Radams, para a realizao das anlises que seguiro

    no decorrer dos quatro captulos. Esta obra foi gravada em 1965 e este LP bastante raro e

    difcil de ser localizado. Para esse trabalho o colecionador de discos Luiz Amrico Lisboa

    Junior, residente na Bahia, cedeu uma cpia em CD deste rarssimo LP. O disco foi localizado

    em seu catlogo, que est disponvel no site www.luizamerico.com.br. pouco conhecido o

    fato de este concerto ter sido gravado com guitarra eltrica, pois na partitura, Radams

    Gnattali chama este instrumento de violo eltrico, alcunha que parece ser comum na poca

    para o jovem instrumento. Alm disso, na capa do disco, como possvel observar na figura

    seguinte (scanner da capa original do LP), encontram-se os dizeres Concerto carioca N 1 de

    Radams Gnattali. Orquestra Sinfnica Continental, Regente: Henrique Morelenbaum,

    Solistas: Radams Gnattali (Piano), Jos Menezes (Violo). O material grfico que indica que

    um dos solistas executou sua parte com o violo oculta ainda mais o fato de este concerto ter

    sido o primeiro da histria a empregar a guitarra eltrica como solista, e at o momento s foi

    possvel localizar este, o que o torna nico, a no ser por uma pea composta pelo guitarrista

    sueco Yngwie Malmsteen, gravada em 1998, chamada Concerto sute para guitarra eltrica e

    orquestra em mi bemol menor, opus 1, estruturada em doze partes. Embora o guitarrista tenha

    denominado sua obra como concerto difcil classific-la assim do ponto de vista formal,

    pois a mesma apresenta doze partes em vez de trs ou quatro movimentos e o material

    temtico tambm pouco desenvolvido, soando na maior parte do tempo como uma

    improvisao de um guitarrista de rock sobre uma orquestra. Malmsteen no comps as partes

    orquestrais, apenas indicou suas idias para diferentes orquestradores que realizaram as

  • 16

    partituras. Tratam-se de doze msicas, com caractersticas independentes, que tem a guitarra

    eltrica como solista e no um concerto em si.

    Figura 01: Capa do LP do Concerto Carioca n 1:

  • 17

    Embora a capa do disco indique um violo como instrumento solista, a audio faz perceber-

    se o timbre de uma guitarra eltrica, de corpo slido e sonoridade metalizada, levando a

    concluso de que o interprete no se preocupou em imitar o timbre grave dos guitarristas de

    jazz.

    O segundo mbito se d na nova maneira de tratar o ritmo orquestral. O compositor gacho, a

    partir do momento que adquire o ofcio de arranjador de msica popular, passa a escrever para

    as famlias instrumentais da orquestra ritmos que antes, em msica popular brasileira

    orquestrada, s eram encontrados nos instrumentos de percusso. Tal procedimento que o

    compositor encontra para satisfazer as necessidades da msica popular de rdio facilmente

    encontrado tambm em sua msica de concerto.

  • 18

    O terceiro campo vem de encontro com o material temtico utilizado por Gnattali para a

    construo de sua obra concertante. Foi demonstrado que por vezes, o compositor escolhe

    instrumentos ligados musica popular urbana, brasileira ou norte-americana, para figurar em

    sua msica erudita por esta conter melodias estruturadoras que soam quase literalmente como

    composies de um msico popular, sem passar por transformaes advindas da mente e do

    senso esttico de um compositor erudito. Em outros momentos, suas melodias tm carter de

    improvisao, sendo quase inevitvel a escolha de instrumentos ligados s prticas de

    improvisao da msica popular, sem perder de vista que a improvisao no exclusividade

    desta rea de produo musical. A presente dissertao tratar desses trs campos da obra de

    concerto de Radams Gnattali, focando sempre no Concerto Carioca n 1.

    Para fundamentar as anlises que ocorreram sobre a nova maneira de se tratar o ritmo na

    orquestra, foi necessrio recorrer literatura que no necessariamente analtica, mas sim

    prtica. No h ainda, nenhum material que trate deste assunto de forma analtica. Para

    anlises ritmicas foram utilizados os livros Inside the brazilian rhythm section e The brazilian

    guitar book, ambos de Nelson Faria, e o livro Bateria e contrabaixo na msica popular

    brasileira de Gilberto de Syllos e Ramon Montanhaur.

    Para anlises de orquestrao e instrumentao a fundamentao foi o livro Orquestracion de

    Walter Piston e o livro Arranging for large jazz ensemble de Dick Lowell e Ken Pullig.

    Embora as anlises formais e harmnicas no sejam o principal foco deste trabalho, nos casos

    em que se torne inevitvel abordar estes assuntos, por algum motivo de estruturao dos

    objetivos a serem alcanados, a fundamentao terica foi a obra de Arnold Schoenberg, mais

    precisamente os livros Harmonia e Fundamentos da composio musical.

  • 19

    Os livros A arte da improvisao de Nelson Faria e Improvisao para guitarra e outros

    instrumentos de Fernando Corra serviram de base quando se tratou do carter de

    improvisao de certas passagens da msica de Gnattali.

    Partituras de msica popular e msica erudita serviram de fundamento para as anlises

    motvicas comparativas que acontecero no decorrer do texto.

    1. PRIMEIRO CAPTULO: A IMPORTNCIA DA MSICA POPULAR URBANA NA

    MSICA DE CONCERTO DE RADAMS GNATTALI.

  • 20

    Sabe-se que Radams Gnattali um msico de slida formao musical construda

    atravs dos seus estudos de piano, harmonia e anlise, feitos em sua passagem pelo

    Conservatrio de Msica do Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul. Quando Gnattali era

    um jovem estudante de msica, suas aspiraes voltavam-se para uma carreira pianstica como

    concertista e professor do instrumento, objetivo caracterstico da formao musical oferecida

    pelos conservatrios. Como aluno do conservatrio, sempre conquistou grandes xitos que o

    motivavam a almejar a carreira de concertista. Contudo, possvel que desde esse momento de

    sua formao musical, Radams Gnattali j estivesse se introduzindo, de maneira emprica, no

    mundo da composio musical, sem ao menos supor que mais tarde essa seria sua principal

    funo, a profisso que lhe garantiria subsistncia, bem como sua projeo nos meio da msica.

    E daquelas partituras j aproveitava para ir colhendo os dados e os ensinamentos para seus

    primeiros ensaios na composio (BARBOSA E DEVOS, 1984, p. 14). O estudo e anlise do

    repertrio dos grandes mestres so essenciais para aspirantes carreira de compositor e Gnattali

    j estava mergulhado nesse estudo analtico desde o incio de seu desenvolvimento musical,

    talvez, em princpio, encarando isto apenas como formao complementar do intrprete. Barbosa

    e Devos apontam para um desejo ou um impulso, aparentemente inconsciente, do instrumentista

    se tornar tambm um compositor. Salientam o sonho de chegar a ser concertista1, de viver da

    interpretao das obras dos grandes compositores, de se apresentar para as platias consumidoras

    deste tipo de msica, mas no descartam que j na poca de sua formao musical nutria uma

    admirao pelo domnio de escrita dos compositores que interpretava e, por esse mesmo motivo,

    1 Barbosa e Devos descrevem no livro Radams Gnattali, o Eterno Experimentador de maneira enftica, principalmente da pgina 16 at a pgina 30, o desejo de Radams Gnattali de se tornar concertista e como suas frustraes o levam, aos poucos, a abandonar este sonho e a se dedicar cada vez mais s prticas de msica popular, bem como s atividades de arranjador e de compositor.

  • 21

    buscava entender o pensamento e a lgica do compositor nos momentos da criao das partituras

    que j vinha interpretando e estudando.

    O jovem pianista, que antes do conservatrio fora preparado musicalmente ao piano por

    sua me Adlia e ao violino por sua prima, Olga Fossati, chegou a realizar, por volta dos seus

    dezoito anos de idade, recitais de sucesso no Rio de Janeiro e em outras cidades brasileiras.

    Guilherme Fontainha (professor de piano de Radams Gnattali no Conservatrio de Porto Alegre), usando de seu prestgio no Rio de Janeiro, conseguiu uma audio para Radams no Instituto Nacional de Msica, sendo marcada para o dia 31 de julho de 1924 a apresentao do pianista sociedade carioca. Seria o primeiro recital Pblico. Depois de impressionar magnificamente o auditrio ao executar de forma brilhante a Sonata de Liszt na ltima audio do Conservatrio de Porto Alegre, Radams partiu para o Rio de Janeiro (BARBOSA E DEVOS, 1984, p. 16).

    Este recital realizado no Instituto Nacional de Msica rendeu ao jovem pianista excelentes

    crticas da imprensa da poca, o que fortaleceu ainda mais seu objetivo de se tornar concertista

    internacional e resultou em convites para mais apresentaes em territrio nacional.

    Mesmo com a promissora carreira de concertista em vista, agora j aprovada pelo pblico

    mais exigente e tambm mais cobiado do Brasil desta poca, desde muito jovem, Radams

    Gnattali iniciou seus trabalhos remunerados com msica, o que nem sempre foi possvel no

    campo dos recitais de piano. Precocemente, j trabalhava tocando violo e cavaquinho em

    serestas, blocos carnavalescos, regionais e bailes, e ao piano, trabalhava com a atividade que

    pode ser considerada o embrio da trilha sonora para cinema; a animao de pelculas de cinema

    mudo. Aos 16 anos, ganhando dez mil ris por dia, Radams trabalhou no cine Colombo, no

    Bairro da Floresta, animando fitas de cinema mudo (BARBOSA E DEVOS, 1984, p. 14).

    No decorrer de seu texto, Barbosa e Devos mostram que muito antes de aspirar alar

    carreira de compositor, o jovem msico gacho j tomava contato com diversos tipos de

  • 22

    produo musical, j estudava e praticava a msica que destinada aos recitais e salas de

    concerto e manuseava a msica ligada a tradies populares brasileiras, alm de desenvolver seu

    papel em msica funcional, como o caso da animao do cinema mudo. Talvez sem ter cincia

    disso, Gnattali, passivamente, esteve imerso em um laboratrio de composio, uma escola

    estruturada por vivncias musicais diversas, por experincias profissionais diferenciadas. Em sua

    fase profissional mais primitiva, estava absorvendo materiais musicais os quais lanaria mo em

    suas futuras composies e, igualmente, em seus arranjos para a msica de rdio.

    imediatamente neste desabrochar profissional que o msico vai adquirindo desenvoltura em

    diferentes reas da prtica musical, acumulando conhecimento em diferentes formas de

    expresso musical, armazenando, ainda que inconscientemente, idias que poderiam sustentar o

    compositor que estava por nascer, o compositor que no discriminava a msica por

    nacionalidade ou estilo, que procurava abarcar em sua escrita, informaes vindas de todo tipo

    de produo musical que considerasse de boa qualidade2. As circunstncias pareciam contribuir

    mais para a formao e estruturao do compositor do que do pianista. Radams Gnattali teve

    um pedido de bolsa de estudos de msica no exterior negada pelo governo do Rio Grande do Sul

    e, no mandato de Getlio Vargas, se preparou para um concurso de lente catedrtico para o

    Instituto Nacional de Msica, concurso este que nunca se realizou. Foram nomeadas pessoas

    para as vagas disponveis, sem realizao de concursos. A carreira de professor garantiria

    estabilidade financeira e tempo para que se dedicasse ao mesmo tempo carreira de concertista.

    Tendo essas duas possibilidades excludas de sua vida, Gnattali se viu obrigado a continuar

    2 No objeto deste trabalho discutir e listar os atributos que fazem com que uma produo musical seja,

    supostamente, de boa ou m qualidade, pois os diferentes pontos de vista sobre essa discusso e as diversas formas de enfoque resultariam em material para inaugurar um novo trabalho, desviando da direo aqui proposta. No entanto, pode-se conjeturar que se um compositor busca elementos de outro tipo de criao musical para agregar sua obra de concerto possvel deduzir que estes passaram pelo seu crivo esttico, ou seja, so informaes que julga boas o suficiente para contriburem para a constituio de sua obra.

  • 23

    trabalhando no meio da msica popular e suas composies eruditas que comearam em algum

    ponto indeterminado de sua carreira3, agora ganham mais fora, pois parecem ser um lenitivo

    decepo quanto carreira de pianista. importante salientar que, apesar de mais tarde - como

    ser demonstrado nas pginas seguintes - o compositor Radams Gnattali no excluir de suas

    composies as experincias adquiridas em suas funes de instrumentista e, posteriormente,

    arranjador de msica popular, pode-se entender em seus depoimentos que h uma diviso clara

    entre msica erudita, utilizando aqui o termo cunhado por Mrio de Andrade4, (ou de concerto,

    como dizia preferir o compositor) e msica popular em suas idias sobre a produo musical.

    possvel concluir que o compositor gacho entendia como msica erudita, aquela que vem da

    tradio europia, desde a Grcia antiga, passando pelo cantocho, se desenvolvendo nas

    polifonias do renascimento, na afirmao da tonalidade assistida a partir do perodo barroco e

    que desembocou nas tendncias de composio do sculo XX, entre elas, o nacionalismo. Em

    suas primeiras obras de concerto, Radams Gnattali chegou a ser considerado um nacionalista:

    A atuao de Radams como compositor tomava propores inesperadas. H um ano da execuo de sua primeira obra, a sala Beethoven apresentava a Noite Brasileira de Radams Gnattali e Luiz Cosme. O aproveitamento de temas folclricos e populares nas composies de Radams j demonstrava a sua tendncia nacionalista. Radams, como muitos belos espritos da nova gerao de msicos brasileiros escreveu ngelo Guido no Dirio de Notcias -, aspira a fazer msica nossa, em que sejam aproveitados os ritmos tpicos, originalssimos, de nossa msica folclrica, que aquela que fala alma de nossa gente (BARBOSA E DEVOS, 1984, p.29).

    Uma boa observao da obra de Radams Gnattali pode corroborar a idia de que mais

    tarde suas obras tendem muito mais ao alinhamento com a msica popular urbana que ser

    3 No foram localizados dados ou fontes que pudessem determinar com exatido quando se iniciaram os primeiros ensaios de composio de Radams Gnattali, no entanto, Barbosa e Devos apontam a data de 1930 como de estria do compositor frente ao pblico com a pea Rapsdia Brasileira para Piano (BARBOSA E DEVOS, 1984, p.28). 4 possvel que tal feito seja atribudo a este autor por causa das seguintes afirmaes: Uma arte nacional j est feita na inconscincia do povo. O artista tem s que dar pros elementos j existentes uma transposio erudita que faa da msica popular, msica artstica (...) (ANDRADE, 1962, P. 16). (...) e no possvel mais imaginar um compositor que no seja um erudito da arte dele (...) (ANDRADE, 1962, P.44).

  • 24

    discutida nas prximas pginas do que com a msica nacionalista. O aproveitamento de temas

    folclricos, uma das caractersticas do nacionalismo, mencionados tanto por Barbosa e Devos

    quanto pelo articulista do Dirio de Notcias, Guido, vai se rarefazendo no desenvolvimento do

    seu estilo tanto como compositor quanto como arranjador. Alm disso, no se encontram

    registros de que Gnattali tenha desenvolvido alguma pesquisa etnomusicolgica no intuito de

    recolher temas folclricos para alimentar suas composies. Tal caracterstica etnomusicolgica

    pode ser enquadrada ao nacionalismo mundial, como descrito por Roland de Cand que prefere

    usar o ttulo correntes nacionais:

    As escolas nacionais surgidas no sculo XIX ganham no sculo XX novo alento. Como mostra o musiclogo romeno Constantin Brailou, o mundo sonoro aberto por Debussy mais favorvel ao desabrochar das melodias populares do que harmonia tonal e s formas clssicas. Alm disso, o estudo folclrico se desenvolver sob o impulso de Bla Bartk e Zoltan Kodly (1882 1967), que publicam em 1906 sua primeira coletnea de canes camponesas. Mais tarde, Brtok notar e gravar em rolos fonogrficos cerca de dez mil melodias populares, hngaras, eslovacas, romenas, ucranianas, servo-croatas, blgaras, turcas, rabes (no sul argelino), trabalho de uma amplitude e de uma qualidade cientfica sem precedentes. As correntes nacionais, ligadas outrora aos irredentismos do perodo aps 1848, apiam-se cada vez mais no conhecimento aprofundado de um autntico patrimnio, cujas caractersticas distintivas so assimiladas por muitos compositores (CAND, 1994, p. 258 VOL. II).

    O aproveitamento folclrico na obra autoral de Gnattali cada vez menos perceptvel e

    cede lugar a outras fontes de inspirao nem sempre brasileiras. A inquietao e a constante

    transformao da msica popular brasileira urbana sempre incomodou os ideais nacionais da

    poca do governo de Getlio Vargas, onde Mrio de Andrade encabeava o movimento

    nacionalista tendo Heitor Villa-Lobos como principal compositor. ... O problema que o

    nacionalismo musical modernista toma a autenticidade dessas manifestaes (folclricas rurais)

    como base de sua representao em detrimento das movimentaes da vida popular urbana

    porque no pode suportar a incorporao desta ltima, que desorganizaria a viso centralizada

  • 25

    homognea e paternalista da cultura nacional.(SQUEFF e WISNIK, 1982, p. 133). Parecia ser

    ntido para o nacionalismo desta poca que a verdadeira essncia da msica brasileira residia

    realmente na msica feita pelas sociedades autctones. ... a plataforma ideolgica do

    nacionalismo musical consistia justamente na tentativa de estabelecer um cordo sanitrio-

    defensivo que separasse a boa msica (resultante da aliana da tradio erudita nacionalista com

    o folclore) da msica m (a popular urbana comercial e a erudita europeizante, quando esta

    quisesse passar por msica brasileira, ou quando de vanguarda radical). (SQUEFF e WISNIK,

    1982, p. 134). Squeff e Wisnik deixam claro que o nacionalismo no Brasil no aceitou a msica

    popular urbana como parte de sua metodologia, pois essa, por estar em constante transformao -

    contrariamente msica folclrica rural - no um exemplar da essncia musical do brasileiro e,

    portanto, ameaaria os sentimentos patriticos da populao, depositando risco estabilidade do

    estado5. Radams Gnattali, por sua vez, sempre permitiu que houvesse uma aliana esttica entre

    a msica popular brasileira urbana, o jazz e a msica erudita em sua obra de concerto. Pode ser

    que o primeiro contato com a produo desse compositor leve o ouvinte a imaginar que o nico

    elo existente entre sua msica e a msica erudita a sua refinada tcnica de orquestrao. No

    entanto, uma observao mais meticulosa e aprofundada de sua obra permite localizar grande

    quantidade de associaes com a msica europia, como a escrita romntico-tardia de suas cinco

    Sinfonias Populares, de alguns de seus concertos e a bitonalidade de sua Sonatina para Flauta e

    violo, apenas para citar alguns exemplos. A questo que o elemento nacional da msica de

    Gnattali no repousa, ou pelo menos raramente repousa, na msica folclrica, fato que

    5 Jos Miguel Wisnik, quando se refere ao estado, constantemente remete repblica de Plato como se esta obra fosse parte da fundamentao terica do Estado Novo de Getlio Vargas: Enquanto o nacionalismo musical quer implantar uma espcie de repblica musical platnica assentada sobre o ethos folclrico (no que ser subsidiado por Getlio), as manifestaes populares recalcadas emergem com fora para a vida pblica, povoando o espao do mercado em vias de industrializar-se com os sinais de uma gestualidade outra, investida de todos os meneios irnicos do cidado precrio, o sujeito do samba, que aspira ao reconhecimento da sua cidadania mas a parodia atravs de seu prprio deslocamento. (SQUEFF e WISNICK, 1982, p. 161).

  • 26

    provavelmente o distanciou dos meios musicais criados pelos compositores eruditos

    nacionalistas de sua poca, resultando em uma certa ofuscao de sua obra e conseqentemente

    de seu nome na histria da msica brasileira. O arranjador Radams Gnattali recebe muito mais

    espao na memria nacional6 do que o compositor em si.

    Talvez seja inevitvel abordar a obra de Gnattali sem reincidir sobre as balizas erudito

    e popular, pois no eram raros depoimentos do prprio compositor sobre msica onde se

    percebe a distino entre msica popular e msica erudita. Em 1964, o j consagrado7

    arranjador-compositor volta s salas de concerto como camerista, viajando para o exterior com o

    violoncelista Iber Gomes Grosso. Voltar por um perodo s salas de concerto do exterior para

    Gnattali uma tomada de flego dentre todos os seus trabalhos de arranjador de msica popular.

    Certamente, este no foi o sonho idealizado pelo jovem Radams Gnattali, mas tocar piano, desta

    vez como camerista, parece ter sido um alento para sua carreira. Mas importante salientar que

    essa volta como instrumentista s salas de concerto teve sua carreira de compositor como o

    elemento que possibilitou este fato, j que o duo viajou para apresentar obras escritas por

    Radams. o prprio compositor gacho quem declara: Amo a msica popular, mas se pudesse

    trabalharia exclusivamente sobre a msica erudita (BARBOSA E DEVOS,1984, p. 63).

    Na ocasio desta declarao certamente o compositor j tinha plena conscincia de sua

    posio como msico e sobre msica popular. fato que Gnattali preferia utilizar a designao

    msica de concerto em vez de msica erudita, mas parece que para ele o termo erudito ainda

    pode ser til quando quer deixar bem claro que realizou trabalhos com a msica popular -

    6 Principalmente nos textos sobre o rdio no Brasil, como por exemplo, no livro de Srgio Cabral, A MPB na era do Rdio (CABRAL, 1996). 7 Consagrado mais por estar trabalhando e ganhando seu sustento com o ofcio de escrever msica do que por ter o reconhecimento compatvel com sua obra. Claro que o compositor gacho teve seu reconhecimento em vida, mas seu nome consta bem menos nos estudos sobre nossa msica do que nomes como o de Villa-Lobos, Guerra Peixe e Camargo Guarnieri, apenas para citar alguns exemplos. Certamente isto acontece em conseqncia da quantidade de influncias que sua obra abarca, o que obscurece o olhar que busca seu alinhamento com uma tendncia de composio previamente definida.

  • 27

    produo esta que ama, mas que s tomou contato por razes de subsistncia por no ter

    conseguido viver apenas da msica de concerto, ou erudita, seja como compositor ou como

    instrumentista. Tendo em vista sua atuao profissional pode-se conjeturar que Radams

    concordaria com as definies desse tipo de produo musical propostas por Jos Ramos

    Tinhoro:

    Por oposio msica folclrica (de autor desconhecido, transmitida oralmente de gerao em gerao), a msica popular (composta por autores conhecidos e divulgadas por meios grficos, como partituras, ou atravs da gravao de discos, fitas, filmes ou video-teipes) constitui uma criao contempornea do aparecimento de cidades com um certo grau de diversificao social (TINHORO, SEM DATA, p. 05).

    Pois foi com esta msica popular, de carter urbano, que Radams Gnattali tomou maior

    contato. Nomes como Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, Anacleto de

    Medeiros, etc., foram msicos importantes para sua formao como compositor. Esta msica,

    que no Brasil passa a ser produzida com carter de artigo destinado ao consumo cultural da

    sociedade urbana (TINHORO, 1998, p. 208) que vai transparecer em sua obra de concerto,

    tanto pelos padres rtmicos utilizados na orquestra, como na escolha da instrumentao e

    tambm na escolha dos motivos que construiro seus temas.

    No incio da carreira musical de Gnattali, o artigo tomando emprestado o termo

    empregado por Tinhoro na citao do pargrafo anterior - msica popular j estava estabelecido

    no Brasil, e atividades prticas nesse setor garantiam ao msico alguma remunerao. Mais

    adiante, viria atuar tambm no mercado de gravaes de msica popular, escrevendo arranjos

    orquestrais para os principais cantores da msica popular brasileira, como Orlando Silva por

    exemplo, e em alguns momentos acompanha estes como pianista em gravaes, como fez bem

    mais tarde com Dorival Caymmi.

  • 28

    Voltando um pouco no tempo, no incio de sua carreira como msico e gozando da

    versatilidade que sua formao musical e suas funes como profissional vinham lhe garantindo,

    ainda encontrou espao para trabalhar com a msica erudita, no como concertista, mas sim

    como violista do quarteto Henrique Oswald:

    Com esse quarteto fizemos muitos concertos em Porto Alegre, Caxias, So Leopoldo. Tocvamos Beethoven, Mendelsohn, e Dunah, entre outros. Era muito bom o quarteto. Ensaivamos todo dia, na casa de um e de outro. Eu gostava daquilo... Este foi um perodo importante pra mim; o grupo de cordas a base da sinfnica; quem sabe trabalhar com ele, sabe usar a orquestra (BARBOSA E DEVOS, 1984, p. 23).

    Mais uma vez, possvel constatar atravs das palavras do prprio Radams Gnattali, que

    a composio musical, de alguma maneira, sempre esteve presente em sua mente, como se j

    estivesse supondo que tal funo poderia vir a ser seu principal ofcio. evidente que esta

    explanao do msico sobre o grupo de cordas foi feito mais tarde, pelo compositor j maduro,

    fora do contexto do msico prtico, violista, que atuou em um quarteto de cordas, mas tais

    palavras deixam transparecer que, j naquela poca, Gnattali no estava preocupado apenas com

    nuances de interpretao das obras, como comum ao intrprete, mas tambm mergulhava em

    anlises daquele repertrio, recolhendo elementos que pudessem estruturar trabalhos

    composicionais posteriores.

    Como pianista, chegou tambm a acompanhar uma companhia de pera no Teatro Lrico

    do Rio de Janeiro, por volta de 1929. Comeou como violista da orquestra e depois passou a

    assistente de maestro j que sua leitura a primeira vista ao piano era notvel.

    Nesta mesma poca, ensaiou tambm, de modo bem mais moderado, uma carreira como

    professor de piano, pois nunca teve pacincia para ensinar.

  • 29

    Apesar de ter nascido e atuado no Rio Grande do Sul, de ter trabalhado como msico em

    So Paulo, no Rio de Janeiro que o msico viria a estabelecer residncia, e antes disso, foi

    nesta mesma cidade que tomou contato com msicos populares cujas produes musicais teriam

    papel determinante na sua carreira de compositor e de arranjador. Por ocasio de sua viagem para

    realizar seu primeiro recital de piano no Instituto Nacional de Msica, toma contato com a

    msica de Ernesto Nazareth, compositor este que muito o influenciou e que foi merecedor de

    composies e arranjos em sua homenagem:

    Ouvir Ernesto Nazareth do lado de fora do Cinema Odeon foi para Radams, se no o ideal, o suficiente para perceber todas as nuances de interpretao daquele j consagrado pianista... O pianista Radams dessa poca, ao contrrio de Nazareth, seguia o mesmo rumo dos concertistas, pela interpretao dos clssicos (BARBOSA E DEVOS, 1984, p. 17).

    Na citao acima se pode detectar que para Radams Gnattali, mesmo sendo ainda um

    jovem e promissor msico interessado em carreira de concertista, no se aproxima da msica

    popular vendo-a apenas como um modo de subsistncia. Essa aproximao acontece tambm

    pelo gosto, pela percepo de que algo de bom o atrai nessa msica e esta atrao, mais tarde,

    geraria tambm o desejo de imbuir suas composies de informaes da msica popular

    urbana, utilizando aqui, mais uma vez, uma outra expresso de Tinhoro. Certamente a

    aproximao da msica popular pelo gosto se deu em menor medida, j que foram suas

    necessidades profissionais que o levaram a conhecer profundamente a msica popular. Vale

    esclarecer, uma outra vez, que talvez este seja o ponto que distancie Radams Gnattali de seus

    contemporneos nacionalistas: Sua obra de concerto e isso ser demonstrado mais adiante

    atravs do Concerto Carioca N 1 - parece percorrer pela msica popular urbana, aquela que

    representa a imaginao de um compositor, tal qual o choro, o samba, a msica de seresta e a

  • 30

    composio dos pianeiros e busca em menor medida inspirao na msica folclrica, que

    definida por Tinhoro como uma forma de expresso popular que no tem autor e que

    transmitida de forma oral, de gerao em gerao, msica essa que era fonte visitada por

    compositores nacionalistas. Em seus depoimentos, Radams Gnattali se refere msica popular

    atravs de seus compositores, como por exemplo, quando se referia a Pixinguinha, dizendo que

    havia uma vasta produo de choro a ser conhecida, estudada, mas os bons mesmo so os do

    Pixinguinha.8 Na presente pesquisa no foram localizados depoimentos do prprio compositor

    onde fosse possvel se localizar referencias msica folclrica servindo de inspirao para a sua

    msica de concerto. Na verdade, Radams Gnattali no parecia estar preocupado em se

    enquadrar como um compositor nacionalista, ao contrrio, em sua fase madura de composio

    aparentava estar bem resolvido com relao sua msica, considerada por alguns, difcil de ser

    encaixada em qualquer padro que a conduza a uma definio precisa. 9

    Radams Gnattali, no obstante a sua falta de pacincia para dar aulas, desejou ter

    emprego fixo como professor de Instituto Nacional de Msica no Rio de Janeiro, o que lhe

    garantiria o sustento e o tempo necessrio para se dedicar carreira de concertista, conforme foi

    dito anteriormente. No entanto, diferente do que aspirou, os encaminhamentos de sua vida

    profissional o levaram carreira de arranjador, o que lhe garantiu em 1930 um emprego na

    Rdio Transmissora, como regente e posteriormente como arranjador e esse fato, em certa

    medida, lhe deu estabilidade financeira e espao para desabrochar definitivamente sua carreira de

    compositor, como se a necessidade de escrever arranjos diariamente tivesse fertilizado sua

    imaginao de compositor. A sua carreira como arranjador parece ter sido iniciada

    8 Ver o vdeo Nosso Amigo Radams Gnattali. Brasiliana Produes. 9 Alosio Didier em seu livro Radams Gnattali (1996) por diversas vezes em seu texto deixa transparecer o quanto foi e difcil enquadrar Gnattali em um definio, seja msico erudito, popular ou nacionalista. Para Didier Radams o msico total por ter realizado com maestria todas as funes musicais s quais se submeteu e estas foram, bastante diversas.

  • 31

    acidentalmente, em funo de sua notvel habilidade de escrever na partitura de maneira exata as

    composies dos pianeiros dos anos 1930, que no sabiam ler e escrever msica:

    A casa Vieira Machado, que tambm imprimia msica, era ponto de encontro dos pianeiros que tocavam em bailes. L, alguns destes tinham as suas msicas impressas, mas no se mostravam muito satisfeitos com os arranjos das melodias. O arranjador costumava fazer a adaptao para a partitura maneira dele, resultando na descaracterizao das msicas. At que Radams resolveu a questo: A prxima eu escrevo. Botei o cara pra tocar e fui escrevendo tudo, da mesma maneira como estava sendo executada. Quando acabou eu disse: V se isso mesmo... A comearam a fazer meu cartaz como arranjador (BARBOSA E DEVOS, 1984, p. 31). na Radio Transmissora que Radams Gnattali toma contato com o modo de se escrever

    msica orquestral ao sabor do Jazz, com a incluso da Big Band - que um grupo instrumental

    composto por dois saxofones altos, dois saxofones tenores, um saxofone bartono, quatro

    trompetes, quatro trombones, guitarra eltrica, piano, contrabaixo e bateria (LOWELL E

    PULLIG, 2003, p. 25) - na orquestra sinfnica, devido viso comercial do diretor artstico desta

    instituio, Mr. Evans, que percebia que o disco internacional tomava conta do mercado

    brasileiro. Na viso de Evans os elaborados arranjos orquestrais do disco norte-americano eram o

    motivo de seu sucesso e por isso, desejou ter no Brasil o mesmo nvel de elaborao musical.

    Contratou Radams Gnattali como maestro e lhe pediu para organizar uma orquestra grande e

    completa e Gnattali incluiu nessa orquestra cinco saxofones e estabeleceu a utilizao de quatro

    trompetes e quatro trombones, intrumentao caracterstica das big bands. No incio, contratou-

    se um arranjador paulista chamado Galvo, que havia estudado arranjo nos Estados Unidos, e

    esse escreveu os primeiros arranjos. O Galvo fez os arranjos e eu gostei. Comecei a estudar

    aquelas partes e comecei a aprender (BARBOSA E DEVOS, 1984, p. 35). A partir deste

    momento Radams passa a escrever tambm para essa orquestra, com essa nova linguagem que

    vinha do jazz. Algum tempo depois, Gnattali se estabelece profissionalmente nesta nova funo,

  • 32

    surgida a partir da msica popular urbana: o arranjador. Tal profissional no existia na msica

    erudita, pois o compositor desenvolve toda a partitura musical, com a parte de todos os

    instrumentos e esse todo que perfaz a composio em si. O arranjo tem espao na msica

    erudita apenas no campo das transcries e adaptaes de obras originais para conjuntos

    instrumentais diferentes. A nova profisso classificada por Jos Ramos Tinhoro como uma

    necessidade de mercado:

    Com o aparecimento das gravaes primeiro em cilindros, e logo em discos -, a produo de msica popular iria ter ampliadas tanto sua base artstica quanto industrial: A primeira, atravs da profissionalizao dos cantores (solistas ou dos coros), da participao mais ampla de instrumentistas (de orquestras, bandas e conjuntos em geral) e do surgimento de figuras novas (o maestro arranjador e o diretor artstico); a segunda atravs do aparecimento das fbricas que exigiam capital, tcnica e matria prima (TINHORO, 1998, p. 247).

    Gnattali tinha plena conscincia dessa condio, pois ele mesmo cita a necessidade da

    poca de concorrer com o disco americano, que chegava com grande sucesso ao Brasil. Essa

    aproximao e gosto pelo estilo de msica norte americana talvez tenha contribudo tambm, no

    campo de suas composies de concerto, para o afastamento de um anunciado nacionalismo. A

    adaptao instrumental da orquestra, com a incluso dos saxofones, se deu em Radams Gnattali

    no pela obra de Ravel ou Debussy, mas sim pela aproximao com o jazz, que veio primeiro

    nos arranjos e depois esvaiu para a sua obra de concerto. Eu me criei dentro do impressionismo

    francs de Debussy e Ravel (BARBOSA E DEVOS, 1984, p. 15). Fica claro nesta afirmao,

    que esses dois compositores foram fortes influncias em sua imaginao musical, mas a incluso

    dos saxofones em sua orquestra parece ter-se dado mais pela aproximao com o jazz, vinda da

    necessidade de adaptao de mercado musical, desembocando em inspirao para a sua obra de

  • 33

    concerto, do que pela anlise da orquestrao dos msicos franceses, que escreveram com

    maestria para esse instrumento de origem belga.

    A incluso de um contrabaixo acstico tocado em pizzicato ao modo jazzstico e da

    bateria10 tambm fizeram parte da orquestra destinada aos arranjos de msica popular de Gnattali

    e os mesmos so utilizados em sua obra autoral, principalmente no Sexteto Radams Gnattali,

    que inclui, neste caso, a guitarra eltrica, instrumento tambm ligado s Jazz Bands. A guitarra

    eltrica ainda ganharia destaque como solista em seu Concerto Carioca n 1, assunto este que

    ser abordado detalhadamente no prximo captulo. Quando o maestro Radams Gnattali assume

    definitivamente a funo de arranjador, sente a necessidade de incluir na orquestra, alm de

    instrumentos de jazz, instrumentos ligados msica popular brasileira, principalmente os de

    percusso. Era comum tambm em sua orquestra, seja nos arranjos ou nas composies, a

    utilizao do cavaquinho e do acordeom, instrumentos estes ligados ao grupo regional11,

    formao instrumental muito utilizada para se acompanhar cantores no rdio e nas gravadoras da

    dcada de 1930. Essa atitude influenciaria de maneira decisiva o seu estilo de composio na

    rea da msica de concerto. Segue abaixo a lista completa das obras em que Gnattali utilizou

    instrumentos musicais ligados msica popular, lista dividida em peas para orquestra sinfnica,

    orquestra de cmara e orquestra de cordas:

    1.1. Orquestra Sinfnica

    10 Em sua Histria Social da Msica Popular Brasileira, na pgina 252, Jos Ramos Tinhoro cita a bateria compacta como uma das necessidades de adaptao da msica popular brasileira s jazz bands, j que esse instrumento nascido das necessidades musicais do jazz. 11 O agrupamento instrumental chamado regional, antes designado grupo de pau e corda, devido juno da flauta de bano com os instrumentos de corda, recebe este nome pela associao de sua instrumentao com as msicas regionais (que tambm utilizavam cavaquinho, violes, percusso e instrumento solista). Andr Diniz, em seu livro Almanaque do Choro, parece atribuir a denominao regional para esses grupos a partir de sua utilizao nas rdios: ... eram a principal mo-de-obra dos programas de rdio, inclusive tapando os freqentes furos da programao, pgina 32.

  • 34

    Brasiliana n 10 (1970): Escrita para grande orquestra (duas flautas, flautim, dois obos,

    corno ingls, dois clarinetes, dois fagotes, quatro trompas, trs trompetes, trs trombones, tuba,

    tmpano, pratos, caixa, bombo e cordas completas) com incluso de instrumentos ligados

    msica popular brasileira, tais como, tringulo tocado ao modo popular, sem estar preso ao

    suporte, gongu, reco-reco e caixeta.

    Brasiliana n 3 (1971): Grande orquestra (duas flautas, flautim, dois obos, corno ingls,

    dois clarinetes, clarinete baixo, dois fagotes, quatro trompas, trs trompetes, trs trombones,

    tmpano, pratos, caixa, bombo, piano e cordas completas) com tringulo, pandeiro sem couro,

    tarol 12e zabumba.

    Concerto Carioca n 1 (1951): Foco do presente trabalho, escrito para violo eltrico

    (posteriormente chegou-se concluso de que se trata de uma guitarra eltrica), piano, orquestra

    (duas flautas, flautim, obo, corno ingls, trompa, quatro trompetes, quatro trombones, tuba,

    pratos, bombo, tmpano, primeiros violinos 1 e 2, segundos violinos 1 e 2, violas 1 e 2,

    violoncelos 1 e 2 e contrabaixos), incluso de dois saxofones altos, dois saxofones tenores e

    saxofone bartono nas madeiras, e percusso popular com instrumentos de escola de samba (seis

    tamborins, dois reco-recos, dois chocalhos, pandeiro e surdo. Nesta obra, Gnattali parece buscar

    a fuso da sonoridade do jazz com os saxofones e guitarra eltrica e da msica popular brasileira,

    atravs dos instrumentos de percusso de escola de samba.

    Concerto Carioca n 2 para piano, contrabaixo e bateria com orquestra (1964):

    Nesta obra, Radams Gnattali parece fazer aluso ao trio que nesta poca j era bastante utilizado

    12 Tambor com duas peles e esteira na pele de resposta, tocado com baquetas de madeira e pendurado ao ombro do instrumentista. Espcie de caixa. (FRUNGILLO, 2003, P. 340).

  • 35

    pelos mscos de jazz, que a juno do piano com contrabaixo e bateria, acompanhados por uma

    orquestra formada por fauta, obo, corno ingls, clarinete, fagote, trompa, trs trompetes, trs

    trombones, tmpano, pratos, caixa, bombo e cordas completas. Tal citao ao jazz limita-se

    escolha dos instrumentos, j que a obra bastante brasileira e possui trs movimentos intitulados

    samba, samba-cano e choro.

    Concerto Carioca n 3 para flauta, saxofone alto, violo, contrabaixo e bateria, com

    orquestra (1972 - 73): Aqui o compositor utiliza flauta, saxofone alto, violo, contrabaixo

    (tocado ao modo jazzstico em pizzicato) e bateria como grupo instrumental principal sendo

    acompanhado pela orquestra sinfnica (duas flautas, dois obos, dois clarinetes, dois fagotes,

    quatro trompas, quatro trompetes, quatro trombones, tuba, tmpano, prato, caixa, bombo e cordas

    completas).

    Concerto Carioca n 3 (1970) Verso original para quinteto Radams Gnattali e

    orquestra (mesma formao da verso de 1972-73), com segundo piano opcional (1970): O

    quinteto Radams Gnattali era formado por piano, bateria, contrabaixo, guitarra eltrica e

    acordeom.

    Concerto n 2 para piano e orquestra (1934): Nesta obra o compositor escreve um

    concerto para piano e grande orquestra (duas flautas, flautim, dois obos, corno ingls, dois

    clarinetes, clarinete baixo, dois fagotes, quatro trompas, dois trompetes, trs trombones, tuba,

    tringulo, pratos, bombo, tmpano e cordas completas) e inclui na percusso a bateria.

    Concerto n 3 (seresteiro) para Camerata Carioca, Piano e orquestra (198?):

    Adaptao do Concerto Seresteiro para Piano e orquestra n 3, de 1961-62, com a incluso do

    grupo Camerata Carioca, que em sua formao conta com dois violes, violo de sete cordas,

    bandolim, cavaquinho e pandeiro, uma das possveis formaes de um regional, sendo

    acompanhado pela orquestra (duas flautas, dois obos, corno ingls, dois clarinetes, clarinete

  • 36

    baixo, dois fagotes, quatro trompas, trs trompetes, quatro trombones, tuba, tmpano, pratos,

    caixa, bombo e cordas completas).

    Fantasia Brasileira n 1 para Piano e Orquestra (1936): Alm do piano e grande

    orquestra (duas flautas, flautim, dois obos, dois fagotes, dois clarinetes, clarinete baixo, quatro

    trompas, trs trompetes, dois trombones, tuba, tmpano, pratos, bombo, e cordas completas) h a

    utilizao da bateria, reco-reco e chocalho na percusso.

    Fantasia Brasileira n 1 para Piano e Orquestra, segunda verso (1936): Nesta

    verso, incluem-se dois saxofones altos, dois saxofones tenores, saxofone bartono, bateria e

    contrabaixo eltrico. Embora seja uma Fantasia Brasileira, Gnattali parece buscar a sonoridade

    de uma big band junto orquestra (duas flautas, trs trompetes, quatro trombones, tmpano,

    vibrafone e cordas completas). Para sonoridades de msica popular brasileira o compositor

    utiliza dois violes.

    Fantasia Brasileira n 3 para Piano e Orquestra (1953): Nesta pea, alm do piano e

    grande orquestra (flauta, flautim, obo, clarinete, clarinete baixo, trompa, trs trompetes, trs

    trombones, tuba e cordas completas) h instrumentos ligados a big band que so dois saxofones

    altos, dois saxofones tenores, saxofone bartono e bateria, alm do acordeom que no Brasil era

    um instrumento muito comum aos conjuntos regionais.

    Fantasia Brasileira n 4 para Trombone, Piano, bateria e Orquestra (1953): No ttulo

    desta obra j se anuncia em sua orquestrao a utilizao da bateria. Alm disso, h tambm o

    grupo de saxofones (dois saxofones altos, dois saxofones tenores, saxofone bartono).

    Fantasia Brasileira n 5 para Piano e Orquestra (1961): Incluem-se na orquestra

    (flauta, flautim, trompa e cordas completas) dessa obra, dois saxofones altos, dois saxofones

    tenores e saxofone bartono nos sopros e na percusso h a bateria e instrumentos de percusso

    popular brasileira, tais como, tamborim, pandeiro, gongu, agog, reco-reco e madeira.

  • 37

    Fantasia Brasileira n 6 para Piano e Orquestra (1963): Na orquestra desta obra (trs

    trompetes, trs trombones, tuba, trompa, tmpano, bombo, caixa, prato e cordas completas) h a

    incluso de dois saxofones altos, dois saxofones tenores e saxofone bartono nas madeiras e na

    percusso h um surdo, reco-reco, cabaa, gongu e pandeiro.

    Maria Jesus dos Anjos (cantata umbandista): Para coro misto, narrador, orquestra

    e percusso popular (1964): Nesta cantata para coro (doze vozes masculinas e doze vozes

    femininas) e orquestra (trs trompetes, trs trombones, tuba, trompa, trs tmpanos, pratos, caixa,

    bombo, piano e cordas completas) o prprio compositor anuncia no ttulo a utilizao de

    percusso popular. Os instrumentos de percusso populares dessa obra so: tringulo, caixeta13,

    gongu, cabaa, reco-reco, pandeiro e atabaque.

    O negrinho do pastoreio: (bailado) para orquestra (1960), do original para dois

    pianos de 1958 - 59: Obra para orquestra (duas flautas, flautim, corno ingls, dois clarinetes,

    clarinete baixo, dois fagotes, quatro trompas, trs trompetes, trs trombones, tuba, bells, tmpano,

    caixa, bombo, harpa, celesta e cordas completas) e na sesso de percusso so includos os

    seguintes instrumentos de percusso popular: pandeiro, reco-reco, tamborim, quatro atabaques e

    omel14.

    Rapsdia para dois pianos e orquestra de jazz (1936), do original Fantasia

    Brasileira n 1, para dois pianos: A orquestra que acompanha os dois pianos nesta obra tem a

    seguinte formao instrumental: flauta, obo, clarinete, dois trompetes, dois trombones, violinos

    A, B, C, viola, violoncelo contrabaixo, tuba e tmpano. Dois saxofones altos e dois saxofones

    tenores so includos, alm da bateria na percusso. notvel que Radams Gnattali nomeia este

    grupo instrumental como orquestra de jazz pelo uso da bateria e em grande medida pelo

    13 Caixa de madeira. Nome dado no Brasil ao wood block. (FRUNGILLO, 2003, P. 56). 14 Chocalho de metal contendo sementes e pedrinhas. (FRUNGILLO, 2003, P. 231).

  • 38

    emprego dos saxofones aliados aos metais intrnsecos orquestra sinfnica, mas que tambm

    esto presentes na big band, o que corrobora a hiptese de que a utilizao dos saxofones em

    Radams Gnattali se d pelo jazz e no pela sua educao musical, permeado em seu incio pelo

    impressionismo francs de Debussy e Ravel.

    Sinfonia Popular n 1 (1956): A orquestra desta obra tem a seguinte formao: duas

    flautas, flautim, dois obos, corno ingls, dois clarinetes, clarinete baixo, dois fagotes, quatro

    trompas, trs trompetes, quatro trombones, tuba, caixa, bombo, pratos, tmpano, harpa e cordas

    completas. Instrumentos de percusso popular, tais como, chocalho, reco-reco, tringulo, so

    includos na percusso.

    Sonatina Coreogrfica (quatro movimentos danantes) para orquestra (1952) do

    original para piano solo, de 1950.

    A orquestra composta por duas flautas, flautim, obo, corno ingls, clarinete, clarinete

    baixo, dois fagotes, trompa, trs trompetes, dois trombones, bombo, pratos, tmpano e cordas

    completas. So includos um saxofone alto nas madeiras e a bateria na percusso.

    Sute Brasileira (seis danas): para piano, guitarra eltrica, contrabaixo e bateria,

    com orquestra (1954), do original sute popular brasileira para violo e piano de 1952:

    O contato com essa obra traz j em seu ttulo, instrumentos ligados ao jazz, que so, a

    bateria, a guitarra eltrica e o contrabaixo, que acstico porm tocado em pizzicato, ao modo

    jazzstico. No instrumental da orquestra constam os seguintes instrumentos: flautim, flauta, dois

    obos, corno ingls, dois clarinetes, dois clarinetes baixos, trompa, trs trompetes, trs

    trombones, tuba, tmpano e cordas completas. Aliados orquestra h um grupo de cinco

    saxofones (dois altos, dois tenores e um bartono) que contribuem para a inteno de se obter

    texturas jazzsticas.

  • 39

    Trs miniaturas para orquestra (1940): A orquestra desta obra conta com duas flautas,

    flautim, dois obos, dois fagotes, corno ingls, dois clarinetes, clarinete baixo, quatro trompas,

    trs trompetes, quatro trombones, tuba, celesta, harpa, piano, pratos, caixa, bombo, tmpano,

    tringulo, reco-reco, chocalho e cordas completas.

    Impresses da Cidade para piano e orquestra (1948): A orquestra dessa obra

    formada por duas flautas, dois obos, corno ingls, dois clarinetes, clarinete baixo, fagote, duas

    trompas, trs trompetes, dois trombones, caixa, tmpano e cordas completas, com a incluso de

    um surdo na percusso, instrumento este que comum ao samba.

    Msica para Rdio para orquestra, oito movimentos (1941): Orquestra formada por

    flauta, flautim, obo, dois clarinetes, fagote, trs trompetes, dois trombones, bells, harpa e cordas

    completas. Na percusso, o toque jazzstico atravs da bateria. Um violo tocado ao modo dos

    seresteiros includo na orquestrao.

    Sute retratos para piano e orquestra (198?), do original para bandolim e orquestra

    de cordas de 1956-57. A orquestra formada por flauta, flautim, dois obos, dois clarinetes,

    clarinete baixo, dois fagotes, quatro trompas, bells, e cordas completas tem um pandeiro includo

    na percusso.

    1.2. Orquestra de Cmara

    Tambm se localizam instrumentos de msica popular brasileira ou de jazz na msica que

    Gnattali dedicou orquestra de cmara:

    Concertino n 1 para harmnica de boca e orquestra de cmara (1956): A

    instrumentao deste concertino formada por duas flautas, flautim, dois obos, corno ingls,

  • 40

    dois clarinetes, clarinete baixo, dois fagotes, trompa, tmpano e cordas completas. O tringulo e a

    bateria so includos na percusso. O instrumento solista, a gaita de boca, no comum de se

    encontrar na msica de concerto.

    Concertino n 3 para piano (pequenas mos) e orquestra de cmara (1946): A

    orquestra de cmara que acompanha o piano nesta obra formada por flauta, obo, dois

    clarinetes, clarinete baixo, fagote, trompa, trompete, caixa, bombo e cordas completas. So

    includos na famlia da percusso o reco-reco, o tringulo e o gongu.

    Sute para pequena orquestra (1940): A orquestra de cmara desta pea formada por

    duas flautas, dois obos, dois clarinetes, dois fagotes, duas trompas, dois trompetes, dois

    trombones, piano, violinos 1, 2 e 3, viola, violoncelo e contrabaixo. H uma bateria como nico

    instrumento de percusso da sute.

    1.3. Orquestra de Cordas

    A orquestra de cordas tambm foi associada por Gnattali aos instrumentos da msica

    popular brasileira e do jazz:

    Brasiliana n 2 (samba em trs andamentos): para bateria e piano solistas, orquestra

    de cordas e percusso popular (195?): Um dos solistas da obra, a bateria, um instrumento

    intrnseco ao jazz. A orquestra de cordas (violinos 1, 2, 3 e 4, violas 1 e 2, violoncelos 1 e 2 e

    contrabaixos) ganha uma sesso de percusso popular formada por dois tamborins, dois

    chocalhos, surdo, ganz, cabaa e prato de cozinha.

    Cano e dana para harmnica de boca e orquestra de cordas (1959): Trs anos

    aps o concertino para harmnica de boca e orquestra, esse mesmo instrumento recebe uma outra

  • 41

    pea, desta vez acompanhado por orquestra de cordas (violino 1 e 2, viola, violoncelo e

    contrabaixo).

    Concertino n 3 para violo solista, com flauta, bateria, bells e orquestra de cordas

    (1957): A orquestra de cordas (violino 1 e 2, viola, violoncelo e contrabaixo) que acompanha o

    violo solista desta pea possui, como mencionado no ttulo, flauta, bells e a bateria que o

    instrumento popular desta orquestrao.

    Concerto n 2 para harmnica de boca e orquestra (1968): Esta a terceira obra que

    Radams Gnattali escreve para harmnica de boca, a segunda em que acompanhada pela

    orquestra de cordas (violino 1 e 2, viola, violoncelo e contrabaixo).

    Concerto para acordeom e orquestra de cordas (1977): Radams Gnattali escreve esta

    obra certamente inspirado pelo acordeom presente em regionais que acompanhavam cantores no

    rdio das dcadas de 1930-40. Este acompanhado pela orquestra de cordas (violino 1 e 2, viola,

    violoncelo e contrabaixo) e na percusso conta com duas tamboras, instrumentos assim

    designados no manuscrito do compositor e por isso mesmo, constam com esse nome em seu

    catlogo de obras. Provavelmente um tipo de tambor.

    Concerto n 2 para trompete, piano, bateria e orquestra de cordas (1952): Nesta

    obra, uma outra vez, figura a bateria como nico instrumento de percusso da orquestrao.

    Retratos (sute) para bandolim solista, conjunto de choro e orquestra de cordas

    (1956 - 57): O conjunto de choro presente na instrumentao desta sute composto por

    cavaquinho, dois violes e pandeiro.

    Retratos (sute) para camerata Carioca e orquestra de cordas (1981), do original

    para bandolim e orquestra de cordas (1956-57): o grupo de msica popular brasileira includo

    nesta pea a Camerata Carioca, formada por bandolim, cavaquinho, dois violes, violo de sete

    cordas e percusso popular.

  • 42

    Valsa, samba-cano e choro para violino solista, dois violes, pandeiro e orquestra

    de cordas (1959): a orquestra de cordas (formada por violino 1, 2 e 3, viola, violoncelo e

    contrabaixo) que acompanha o violino nesta obra tem o apoio harmnico de dois violes, e o

    pandeiro como nico instrumentos de percusso.

    Radams Gnattali empregou instrumentos musicais populares tambm em sua produo

    camerstica. As dificuldades de se amalgamar timbres em pequenas formaes, tais como duos,

    trios, quartetos etc., no quebrantaram o mpeto experimental do compositor, que igualmente,

    neste terreno, procurou utilizar instrumentos j consagrados pela msica popular brasileira ou

    norte-americana em sua produo de concerto. Do catlogo do compositor podem-se localizar as

    seguintes obras desta natureza:

    1.4. Msica de Cmara

    Brasiliana n 7 para saxofone tenor e Quinteto Radams (195?): Obra escrita para

    saxofone solo acompanhado pelo Quinteto Radams, que contm em sua formao, piano,

    acordeom, guitarra eltrica, contrabaixo e bateria. O quinteto Radams parece ter a intenso de

    fundir a sonoridade do jazz, atravs da guitarra eltrica, contrabaixo, bateria e em certa medida

    at mesmo do piano, com a sonoridade do regional, atravs do acordeom.

    Variaes sem tema para cavaquinho e piano (1983): Nesta obra, Radams alia o

    timbre do piano, instrumento j consagrado na msica de concerto com o cavaquinho, que

    intrnseco ao regional e ao samba.

  • 43

    Fantasia Brasileira n 1, transcrio para sexteto Radams (1985?): O Sexteto

    Radams formado por dois pianos, guitarra eltrica, contrabaixo, bateria e acordeom. Trata-se

    do Quinteto Radams com o acrscimo do segundo piano.

    Moto contnuo n 1 para Quinteto Radams (1985?): Trata-se de uma verso para o

    Quinteto Radams do original para piano solo de 1964.

    Sonatina Coreogrfica para o quinteto Radams (1956?): Trata-se de uma transcrio

    para o Quinteto Radams, do original para piano solo de 1950.

    Uma Rosa para Pixinguinha, para o Quinteto Radams (198?): Esta obra tambm

    uma transcrio do original para piano solo de 1964 para o Quinteto Radams.

    Alma Brasileira (choro) para Camerata Carioca (198?): Transcrio do original para

    piano solo (1930) para a Camerata Carioca, que formada por bandolim, cavaquinho, dois

    violes, violo de sete cordas e pandeiro. Nesta Transcrio h tambm o piano.

    Concerto para acordeom solista e camerata Carioca com piano (1980?): Transcrio

    do original para acordeom e orquestra de cordas, de 1977.

    O operrio em construo, para canto, narrador e Camerata Carioca com piano

    (1966): Verso para a Camerata Carioca do original para canto, narrador, piano e percusso de

    1966.

    Retratos (sute) para bandolim solista e Camerata Carioca (1979): Trata-se de uma

    transcrio para Camerata Carioca do original para bandolim e orquestra de cordas de 1956-57.

    Sexteto para Camerata Carioca (1981): Obra para a camerata carioca, tendo o pandeiro

    substitudo pela bateria. Extrada do Concerto para bandolim e orquestra de cordas de 1956-57.

    Radams Gnattali, mais uma vez, parece ter como objetivo amalgamar a sonoridade de um

    regional com a bateria, instrumento este vindo da msica norte-americana.

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    Sute Brasileira para Camerata Carioca com piano e flauta (198?): Esta pea uma

    transcrio da Sute para pequena orquestra de 1940 para Camerata Carioca com piano e flauta.

    A listagem de peas acima foi baseada no Catlogo Digital da Brasiliana Produes, pois

    o livro Radams Gnattali, o eterno experimentador no traz em seu catlogo detalhamentos

    sobre a orquestrao das obras. Os autores citam que determinada pea foi escrita para orquestra

    sinfnica, mas no minudenciam a instrumentao escolhida pelo compositor. S possvel

    constatar alguma experimentao no catlogo quando ela est descrita no ttulo da

    composio. Esses dois catlogos so as nicas fontes disponveis com relao catalogao

    completa das obras de Radams Gnattali, j que o volume da coleo Compositores de

    Amrica: Datos Biogrficos y Catlogos de Sus Obras, Volume 16 foi publicado em 1970, data

    em que ainda restam dezoito anos de vida ao compositor.

    Percebe-se que h um nmero significativo de peas de concerto de Gnattali nas quais

    foram empregados instrumentos ligados msi