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Lidiana da Silva Betega
TRABALHO FINAL DE GRADUAO
O Pasquim nos anos de chumbo (1969 1971): A CHARGE COMO CRTICA AO REGIME MILITAR
Santa Maria, RS
2012
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Lidiana da Silva Betega
O PASQUIM NOS ANOS DE CHUMBO (1969 1971):
A CHARGE COMO CRTICA AO REGIME MILITAR
Trabalho final de graduao apresentado ao Curso de Comunicao Social Jornalismo rea de Cincias Sociais, do Centro Universitrio Franciscano, como requisito parcial
para obteno do grau de Jornalista Bacharel em Jornalismo.
Orientador: Prof. Dr. Antonio Fausto Neto.
Santa Maria, RS
2012
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Lidiana da Silva Betega
O Pasquim nos anos de CHUMBO (1969 1971): A CHARGE COMO CRTICA AO REGIME MILITAR
Trabalho final de graduao apresentado ao Curso de Comunicao Social Jornalismo rea de Cincias Sociais, do Centro Universitrio Franciscano, como requisito parcial
para obteno do grau de Jornalista Bacharel em Jornalismo.
Orientador: Prof. Dr. Antonio Fausto Neto.
_________________________________________________
Prof. Dr. Antnio Fausto Neto Orientador (Unisinos)
________________________________________________
Prof. Carlos Alberto Badke (Unifra)
________________________________________________
Prof. Paula Bolzan Jardim (Unifra)
Aprovado em ____ de ________________de 2012
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AGRADECIMENTOS
Acredito que tudo na vida tenha um sentido, e que as coisas no acontecem por
acaso. Durante a minha infncia e adolescncia, pude acompanhar a rotina de meu av,
Hlio. Ele era um grande pesquisador da lngua portuguesa e passava o dia dentro do
seu escritrio, em casa, rodeado de livros, coleo de canetas, mquina de escrever e
papel, muito papel. Quando eu entrava nesse mundo dele, sentia uma grande vontade de
ficar, ler as suas anotaes, livros, revistas, enfim, folhear tudo. Meu av viveu a
Ditadura Militar e pesquisou muito sobre esse perodo, acumulando diversas anotaes
sobre o assunto. Sem possuir computador e internet, ele tinha o livro como seu melhor
companheiro. Eu aprendi a apreciar essa adorao dele, tanto pelos livros, como pelos
assuntos e costumes. J falecido, deixou saudades e dele, eu herdei coleo de canetas,
os livros, as anotaes, a paixo pela escrita e o gosto pelo passado. Por isso, agradeo a
ele, que mesmo sem saber, me despertou um grande dom e me fez cursar Jornalismo e
me ajudou na escolha do tema desta monografia.
Agradeo a minha famlia, principalmente ao meu pai, Dagoberto, minha me
Vera e minha av Noemi, pela fora e pelo apoio. Obrigada por entenderem minhas
angstias, reclamaes e falta de tempo.
Tambm dedico este trabalho s minhas amigas e colegas Thays, Fernanda,
Dandara e Luana, que compartilharam desse mesmo sentimento de nervosismo e
dedicao que o TFG exigiu, mas mesmo assim, dedicaram a mim, alguns momentos
dos seus dias com palavras de amizade e companheirismo.
Por ltimo, o meus sinceros agradecimentos ao orientador Antnio Fausto Neto
que teve pacincia e que se dedicou a esta monografia, compartilhando comigo a sua
inteligncia e experincia. Agradeo pelas palavras de compreenso, pelas crticas e
puxes de orelha, e pelo tempo que dedicou ao nosso trabalho. Com toda a certeza,
lembrarei sempre de seus conselhos e ensinamentos. Muito obrigada!
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Apesar de voc
Amanh h de ser outro dia
Eu pergunto a voc onde vai se esconder
Da enorme euforia?
Como vai proibir
Quando o galo insistir em cantar?
gua nova brotando
E a gente se amando sem parar
Apesar de voc (Chico Buarque)
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RESUMO
O objeto desta pesquisa o jornal O Pasquim e seu objetivo refletir sobre como
tabloide conseguiu atravs da linguagem das charges, desenvolver crticas ao Regime
Militar. Um estudo sobre o funcionamento da imprensa e particularmente da imprensa
alternativa durante esse perodo nos parece importante para a compreenso de pelo
menos dois aspectos. De um lado, os mecanismos institudos pelo ciclo ditatorial, cujo
os principais instrumentos foram os atos institucionais. De outro lado as estratgias
realizadas pelo jornalismo como quelas feitas em O Pasquim, que procuravam produzir
um discurso crtico sobre o Regime pela via do humor segundo o trabalho dos
chargistas. Vrios autores nos auxiliam para o desenvolvimento desta pesquisa e para o
trabalho de anlise da linguagem sobre as charges e do humor nos demos da anlise
interpretativa dos textos jornalsticos visando descrever e compreender os sentidos
enunciados pelas charges.
O trabalho de anlise se far a partir de seis edies do jornal O Pasquim,
compreendidas entre os anos 1969 a 1971, perodo em que o Pasquim constri suas
estratgias de driblagem da censura.
Palavras-chave: jornalismo, censura, Pasquim
ABSTRACT
The object of this research is the newspaper The Pasquim and its purpose is to reflect on
how tabloid got through the language of cartoons, develop criticisms of the military
regime. A study on the functioning of the press and particularly the alternative press
during this period seems to be important for the understanding of at least two respects.
On one hand, the mechanisms imposed by dictatorial cycle, whose main instruments
were the institutional acts. On the other hand the strategies undertaken by journalism as
those made in The Pasquim, which sought to produce a critical discourse about the
scheme via the mood according to the work of cartoonists. Several authors help us to
develop this research and analysis work on the language of cartoons and humor gave us
the interpretative analysis of journalistic texts in order to describe and understand the
directions set by the cartoons. The analysis work will be done from six editions of the
newspaper The Pasquim, between the years 1969 to 1971, during which The Pasquim
builds its strategies to dribble censorship.
Keywords: journalism, censorship, Pasquim
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LISTA DE SIGLAS
ABI Associao Brasileira de Imprensa
AI-5 Ato Institucional n5
ARENA Aliana Renovadora Nacional
CIMI Conselho Indigenista Missionrio
DFSP Departamento Federal de Segurana Pblica
DIP Departamento de Imprensa e Propaganda
DOI-CODI Destacamento de Operaes e Informaes e Centro de Operaes de
Defesa Interna
DOPS Delegacia de Ordem Poltica e Social
MDB Movimento Democrtico Brasileiro
SCDP Servio de Censura e Diverses Pblicas
TFG Trabalho Final de Graduao
TCDPs Turmas de Censura de Diverses Pblicas
TV Televiso
UDN Unio Democrtica Nacional
UNIFRA Centro Universitrio Franciscano
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Quadro de datas importantes da histria institucional e legal da censura......33
Figura 2 - Quadro dos segmentos culturais inspecionados e censurados.......................34
Figura 3 - Grfico dos jornais alternativos por tempo de durao................................. 46
Figura 4 - Primeiro exemplar de O Pasquim, veiculado em 26/06/1969......................60
Figura 5 - Mascote do Pasquim Ratinho Sig...............................................................88
Figura 6 - Ratinho Sig por Henfil..................................................................................110
Figura 7 Ratinho Sig por Jaguar................................................................................110
Figura A - A autocensura de Millr................................................................................97
Figura B - Parodiando Drummond................................................................................100
Figura C - Plgio Independncia................................................................................104
Figura D - Um jornal sem jornalistas............................................................................107
Figura E - A sada !! Onde fica a sada?........................................................................109
Figura F E agora?.......................................................................................................112
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SUMRIO
1. INTRODUO.........................................................................................9
2. VESTGIOS DE UM PASSADO NEM TO DISTANTE.................13
2.1. O Golpe Militar e as liberdades de expresso.........................................19
2.2. Os fundamentos da censura......................................................................27
3. EMERGNCIA DA IMPRENSA ALTERNATIVA............................36
3.1 Causas do surgimento dos jornais alternativos.......................................40
3.2 Perfil dos jornais alternativos nos anos de chumbo................................43
4. CHEGADA DO PASQUIM......................................................................49
4.1 Como nasceu o Pasquim..........................................................................55
4.2 Histria do Pasquim face poltica.........................................................62
5. A PATOTA ENFRENTA A CENSURA.................................................66
5.1 Humor como linguagem de comunicao...............................................73
5.2 A resistncia atravs do humor................................................................81
5.3 Humor no Pasquim: resistindo a censura................................................84
5.3.1 Uma breve descrio contextual das charges..............................90
5.3.2 A grande sacada............................................................................95
6. CONCLUSO..........................................................................................115
BIBLIOGRAFIA..........................................................................................118
ANEXOS.......................................................................................................126
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1. INTRODUO
Este trabalho pretende analisar a utilizao das charges humorsticas no jornal O
Pasquim, visando compreender as estratgias envolvidas pelo jornal para resistir as
formas de censura impostas aos jornais durante o perodo de vigncia do ato
institucional no contexto da Ditadura Militar. Visa tambm construir modos de
aproximao com o leitor, usadas pelos cartunistas e jornalistas que faziam parte da
equipe do semanrio no perodo do Regime Militar do Brasil (1964 1985).
O tema foi escolhido a partir da paixo pelo jornalismo, em primeiro lugar, e
logo, a paixo pelo jornalismo alternativo, que nasceu dos frutos de uma gerao
insatisfeita com o governo, um jornalismo que por si s, se tornou subversivo, baseado
em lutas, movimentos e protestos, almejando sempre a democracia no pas e uma
revoluo no modo de informar.
Esta pesquisa importante para que possamos entender, identificar e
compreender como o jornalismo alternativo do Brasil e como uso das charges no jornal
O Pasquim transformou o jornalismo.
Um estudo sobre o perodo em que a Ditadura Militar se instaurou no pas
fundamental para entendermos como foi a atuao ditatorial do governo que marcou
uma poca, e como o jornal, um dos mais importantes meios de comunicao e de maior
expresso da imprensa atuou nesse perodo. Portanto, considera-se que este estudo
poder contribuir com o resgate histrico do jornalismo e colaborar para o entendimento
de fatos do passado, complementando os registros j existentes sobre o assunto.
O objetivo geral da presente pesquisa analisar as charges enquanto linguagem
em O Pasquim. Como elas driblaram a barreira da censura no pas, produzindo leituras,
conquistando uma legio de leitores e marcando a gerao do jornalismo dos anos de
chumbo.
Entre os objetivos especficos, pretendemos realizar um estudo que pretende
contemplar o jornalismo alternativo no perodo da Ditadura Militar do Brasil (1964
1985), bem como, estudar o histrico do jornal O Pasquim, um dos principais e mais
influente jornal alternativo do pas e usar leitura interpretativa dos textos jornalsticos
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(charges) enquanto linguagem no perodo de 1969 at 1971, anos de intensa represso
poltica e censura.
Para desenvolver esta monografia, estruturamos a sua realizao atravs de um
sumrio, cujos captulos esto assim organizados: Na introduo apresentamos os
objetivos, justificativa e a estrutura do trabalho. No segundo captulo descrevemos a
situao poltica do pas, contempornea ditadura, bem como, analisamos os fatores
que contriburam para que esse perodo prosseguisse durante tantos anos. No captulo 3,
abordamos o surgimento dos jornais alternativos no pas, que nasceram na efervescncia
de um perodo conturbado do Regime Militar, assim como, quais foram as causas dessa
emergncia e o perfil desses tablides. Ou seja, quais foram os fatores que contriburam
para a sua ascenso, seus propsitos e quais foram s contribuies que essa imprensa
trouxe para a histria do jornalismo e do pas. No captulo 4, o aparecimento do
Pasquim, jornal alternativo que nasceu nessa poca, adquiriu uma identidade que se
tornou to marcante e como o semanrio enfrentou a situao poltica atual do pas.
Enfatizamos dentre outros aspectos, a identidade do semanrio, bem como a histria do
Pasquim face poltica.
No captulo 5, elege-se a questo da censura, apresentando uma relao entre ela
e o semanrio O Pasquim que, atravs do humor, denunciou um perodo de severa
represso produzida pela Ditadura Militar. Para isso, precisamos contextualizar o humor
enquanto linguagem de comunicao e esse captulo nos dar um melhor embasamento
sobre a proposta, uma vez que o humor a estratgia usada pelo semanrio para
enfrentar os anos de chumbo. Ainda nesse captulo, faremos a anlise de seis imagens
que foram publicadas entre os anos de 1970 e 1971. Alm disso, de que forma suas
capas e charges ganharam impacto diante dos tantos olhos sedentos por liberdade de
expresso.
Chamamos ateno particularmente para o papel que a charge tem para discorrer
sobre a crise poltica atravs de recursos e expedientes cujo sentido nem sempre se
manifesta de forma latente.
O corte temporal da pesquisa concentra-se a nos anos de 1969 at 1971 quando
os meios de comunicao sofriam intensa represso e O Pasquim diretamente
atingido. A escolha do semanrio d-se por seu contexto histrico e a importncia no
jornalismo do pas, atuando diretamente com uma linguagem mpar a favor da mudana,
marcando uma gerao e consagrando-se em na histria do jornalismo alternativo
durante o perodo da ditadura militar.
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O momento poltico que retrata o corte temporal da pesquisa aborda a essncia
dos anos 60 e 70, perodo referente a uma intensa represso para as representaes
culturais e jornalsticas. Retrataremos na pesquisa os fatos que o jornal O Pasquim
viveu e que o levou a tomar outros rumos como as leis, a censura, a poltica, a
economia, entre outros.
Atravs de suas charges, o jornal O Pasquim dizia, nas entrelinhas, o que queria
manifestar, o que muitos queriam dizer e calavam. Enfim, o Pasquim enfrentou a
censura com humor e leveza, conquistando uma legio de fs na poca e muitos que o
admiram at os dias de hoje, entre eles artistas, jornalistas e intelectuais.
No captulo de anlise, escolhemos charges que ilustraram o momento em que o
jornal vivia. As imagens esclarecem a situao em que o tabloide se encontrava. A
imagem A, de 12 a 18 de fevereiro de 1970, de Millr Fernandes uma charge feita
antes da priso da equipe do Pasquim, que acontecem em 1 de novembro de 1970. A
imagem B, de 2 a 8 de julho de 1970 mostra uma charge de Jaguar, que contrasta a
campanha de Mdici com a conquista do tricampeonato brasileiro ao ilustrar uma
famlia de favelados e os versos de Carlos Drummond de Andrade. J na imagem C,
Jaguar cria uma fotomontagem que gerou a priso de praticamente toda a equipe do
Pasquim. A imagem mostra a cavalaria de Dom Pedro I no Grito da Independncia do
Brasil. Jaguar para caoar, colocou um balo na imagem de Dom Pedro com a frase Eu
quero mocot, trecho de uma msica de Jorge Ben Jor, bastante conhecida nos anos
70.
A imagem D, de 11 a 17 de novembro ilustra a ausncia da equipe do jornal, em
um momento mpar na trajetria do tablide, no qual os jornalistas e cartunistas que
sobraram, entre eles Miguel Paiva, Henfil e Millr Fernandes, tiveram que produzir o
Pasquim, continuar com seus editoriais, charges, entrevistas e o pior, sem poder noticiar
ao grande pblico que sua equipe havia sido presa. Na frase do editorial desta edio, a
explicao sobre a situao da redao: O Pasquim o jornal com algo menos. O
Pasquim se refere priso como uma gripe que assolou a equipe do jornal.
Na imagem E, de 18 a 24 de novembro, na semana seguinte capa anterior, a
equipe j conta com colaboradores. Jornalistas, artistas, intelectuais e demais pessoas do
meio pblico se solidarizaram com a equipe do Pasquim e resolveram colaborar na
produo de contedo do semanrio. Por ltimo, na imagem F, apresentamos a capa de
O Pasquim, da semana de 21 a 27 de janeiro de 1971 que simboliza a sada da equipe
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priso e o incio de uma nova fase no semanrio, agora sem o seu diretor, Tarso de
Castro.
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2. VESTGIOS DE UM PASSADO NEM TO DISTANTE
O paradoxal que tudo j foi escrito. As palavras se gastaram at a ltima
resistncia. No entanto, tudo pode ser refeito, revisto, se sonhamos. As
palavras ento, so meninas no quintal do vento. O texto, de to antigo, se
tornou criana. Entre figueiras e metforas. O leitor que o acorda. E o
texto sabe reconhec-lo. Como um terneiro sem dono.
Carlos Nejar
Estudar o passado uma enorme responsabilidade, afinal, estamos pesquisando
sobre a histria de um pas, seus problemas, acontecimentos e marcos. O Brasil teve
grandes mudanas em sua poltica na dcada de 60 e isso afetou diretamente o
jornalismo, como veremos mais adiante.
Neste captulo vamos englobar os aspectos polticos que anteciparam e estiveram
presentes na Ditadura Militar do Brasil (1964 1985), os presidentes da repblica que
passaram pelos anos de chumbo e os que sucederam esse perodo, j na democracia,
para assim, contextualizarmos por que a ditadura foi to massacrante e chegou a atingir
os meios de comunicao.
Para entendermos ento, esse momento histrico difcil, vivido pelo Brasil,
necessrio resgatarmos alguns acontecimentos da poltica brasileira, que teve incio a
partir da renncia de Jnio Quadros em 1961. Jnio da Silva Quadros foi o primeiro
presidente a tomar posse em Braslia, em janeiro de 1961. Sua renncia em agosto do
mesmo ano foi considerada uma traio pelos eleitores.
De acordo com Koifman (2002), no livro Os presidentes do Brasil, o governo
Quadros percorreu um perodo marcado pela ameaa de grave crise econmica, pela
diversificao dos movimentos sociais, Ligas Camponesas, mudana do sindicalismo
populista urbano, greves, entre outros marcos, alm da crescente interferncia na cena
poltica, tanto de militares quanto da Igreja.
Durante seu governo, Jnio enfrentou no somente os problemas decorrentes da
crise econmica herdada de Juscelino Kubitschek. Durante os sete meses de mandato,
Jnio continuou a poltica internacional que teve incio no mandato de Getlio Vargas e
se aprofundou no governo JK, alm disso, criou as primeiras reservas indgenas, dentre
elas o Parque Nacional do Xingu e os primeiros parques ecolgicos nacionais, entre
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outros feitos. Para renunciar, Jnio alegou que foras terrveis o levaram a tomar esta
deciso. A ao, que abriu caminho para o Golpe Militar de 1964, fez com que Jnio se
tornasse uma das figuras mais complexas da poltica brasileira.
O fim do governo de Jnio deixou marcas no cenrio poltico e sua renncia
provocou intensa transformao na poltica, como a citao abaixo, retirada do livro
sobre o governo de Jnio, explica.
Alm dos assuntos j referidos, e da prpria evidncia da renncia, em toda a
discusso em torno do governo Quadros, transparece uma questo tpica do
autoritarismo personalista do governo Quadros: o desprezo do presidente
pelas instituies, sobretudo pelo Congresso, em favor de um significativo
respeito pelo papel dos militares. Estes se tornariam "sacerdotes de uma santa inquisio, cada vez mais convencidos de que uma corja de trfegos
assaltantes civis enlameava a puridade nacional. (BENEVIDES, O governo Jnio Quadros, Ed. Brasiliense, 1982, p. 5).
O estilo de Jnio e sua renncia colaboraram, tambm, para a desmoralizao do
processo eleitoral, reduzindo nas pessoas a f que tinham em relao situao poltica
do Brasil. Com isso, se adquiriu uma percepo negativa dos direitos polticos, ou seja,
se meu voto no vale nada, por que vou votar?
Logo aps esse perodo tumultuoso da poltica, o vice-presidente assume. Joo
Belchior Marques Goulart, nascido em So Borja. Jango, como era conhecido, governou
o pas de 1961 a 1964. Em seu mandato, ocorreu um grande aumento quanto s lutas
populares no pas. Seu governo ficou conhecido por ser reformista. Atravs da chamada
reforma de base (medidas econmicas e sociais que previam uma maior interveno
do Estado na economia), defendia-se o direito do voto para os analfabetos e para os
militares de patentes menores, alm de reformas bancrias, urbanas, fiscais, eleitorais,
agrrias e educacionais.
Em maro de 1964, o governo marcado por incidentes e aes radicalizadas.
Pelo lado da Esquerda, o Comcio da Central do Brasil foi um momento importante e
determinante ara a situao poltica do momento.
J no lado da Direita, o governo de Jango estava muito longe de ser uma
unanimidade e a prova disso foi a Marcha da Famlia com Deus pela Liberdade, que
consistiu em uma srie de manifestaes pblicas organizadas por setores conservadores
da sociedade brasileira em resposta ao Comcio da Central do Brasil. Devido a esse
longo ms de maro com intensas manifestaes, de Esquerda e de Direita. Joo
Goulart, sem demonstrar resistncia, se auto exilou no Uruguai. Como resultado dessa
instabilidade poltica e social que se instaurou no Brasil, em 1 de abril de 1964, Joo
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Goulart destitudo. Foras politico-militares reagiram diante dessa instabilidade e
aproveitaram o momento de fraqueza de Jango para dar o famoso Golpe Militar.
Segundo Skidmore (1988), os civis a favor do Golpe estavam convencidos, na
dcada de 1960, de que Goulart pretendia tornar o pas um estado socialista, o que iria
eliminar os valores e tradies institucionais do Brasil. Nesse perodo, o Brasil passa
por severas mudanas com o Golpe Militar em 1964 que deu origem a Ditadura Civil.
Com ela, as medidas autoritrias foram legitimadas por meio de atos institucionais
que enumeravam decretos.
O Golpe estabeleceu um Regime alinhado ao dos Estados Unidos e desencadeou
grandes transformaes na poltica. Todos os prximos cinco presidentes que vieram
depois de Jango foram a favor da Ditadura Militar e continuaram a governar o pas com
atos severos de represso, como Castelo Branco, Costa e Silva, Emilio Garrastazu
Mdici, Ernesto Geisel e Joo Figueiredo. Aps Figueiredo em 1985, a Ditadura Militar
acaba e a Nova Repblica se instaura no Brasil. Porm, no restam dvidas que o
governo de Jango foi o mais conturbado de toda a experincia democrtica iniciada aps
a Era Vargas. Para Clvis Rossi (1991), o objetivo do Golpe Militar foi atingir a
democracia, deixando a sociedade cada vez mais longe do governo. Instalou- se no
Poder uma mquina oficial de matar, prender, torturar, fazer desaparecer dissidentes de
qualquer origem poltica (ou at sem filiao poltica) (ROSSI, 1991, p. 24).
O primeiro militar a governar o Brasil ps Jango, foi o Marechal Humberto de
Alencar Castelo Branco. Ele governou o pas at 1967, sendo substitudo pelo General
Costa e Silva que foi eleito pelo Congresso Nacional em 1966. No seu governo, Costa e
Silva aboliu os treze partidos polticos existentes no Brasil atravs do Ato Institucional
n 2. Aps, foram criados os partidos Aliana Renovadora Nacional (ARENA) e o
Movimento Democrtico Brasileiro (MDB) que se mantiveram nicos at 1979. Entre
os objetivos desse mandato, pretendia-se corrigir os males sociais e polticos,
combater a subverso e a corrupo e impedir que se instaurasse um Regime
comunista no Brasil.
Koifman (2002), trata do assunto, no qual afirma que em seu governo, Costa e
Silva instaurou diversas leis e quatro dos cinco atos institucionais que reprimiam as
manifestaes contrrias s atitudes do governo. Entre as represses que fizeram parte
do governo Costa e Silva, a Lei de Imprensa foi um marco na histria do jornalismo do
Brasil, no qual o ento presidente restringiu ainda mais a liberdade de expresso dos
meios de comunicao. A Lei da Segurana Nacional, tambm foi criada em seu
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governo, que tinha como principal objetivo, proteger o pas da subverso buscando
manter a sua ordem.
J o governo de Emlio Garrastazu Mdici que se instaurou no Brasil de 1969 at
1974, caracterizou-se como perodo de intensa represso da ditadura militar,
fundamentada principalmente no Ato Institucional n. 5 (AI - 5), decreto atribudo em
13 de dezembro de 1968, fazendo com que esse perodo seja chamado por parte da
historiografia como os anos de chumbo. Os famosos pores da ditadura ganhavam
o aval do Estado para promover a tortura e o assassinato no interior de delegacias e
presdios.
A instaurao do AI - 5 marcou o auge das proibies e atingiu o jornalismo,
que deixou de cumprir seus verdadeiros princpios em funo da censura. Esse Regime
Militar durou at 1985, quando o presidente Tancredo Neves foi eleito, indiretamente, o
primeiro presidente civil aps a ditadura.
A Ditadura Militar (1964 1985) com seus instrumentos de exceo, tais como
a Lei de Segurana Nacional, Lei de Imprensa, censura prvia e outros, acabou
excitando um dos fenmenos que marcou a histria do jornalismo brasileiro e a histria
do pas, a chamada Imprensa Alternativa, Popular ou imprensa nanica.
Atravs da Lei de Imprensa de 1967, o Regime Militar, podia atravs do
Ministro da Justia, determinar a apreenso de qualquer jornal ou revista que contivesse
propaganda de guerra, promovesse estmulo subverso da ordem social e poltica e
afrontasse a moral pblica e os bons costumes, sendo que o poder de advertncia foi
reforado com a Lei de Segurana Nacional, no qual o artigo 16 previa a deteno de
at um ano para o jornalista que divulgar, por qualquer meio de comunicao social,
notcia falsa, tendenciosa, ou fato verdadeiro truncado ou deturpado, de modo a indispor
o povo com as autoridades constitudas (BERGER, 2003, p. 58).
Os rgos responsveis pela censura preocuparam-se, primeiramente, com os
chamados grupos subversivos, que seriam todos que tivessem participao ou
simpatia pelo comunismo. Os meios de comunicao viviam um momento
aparentemente esperanoso antes do decreto do AI-5. Lentamente, o cenrio das
redaes dos jornais foi sendo alterado medida que a censura foi se tornando mais
rgida e centralizada. A represso modificou as modos de produo jornalstica e tudo
que fora produzido precisava de um aval do Regime, para ser publicado. Assim,
foram institudos novos elementos ao cotidiano das publicaes.
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Como tudo no pas estava amordaado pela ditadura, a nica forma da
sociedade tomar conhecimento do que estava acontecendo era pela imprensa alternativa,
que noticiava em seus peridicos o que acontecia nas ruas, os crimes que estavam sendo
praticados no Brasil, as mortes de presos polticos, torturas, infrao dos direitos
humanos, entre outros temas de interesse geral da populao.
Durante os anos 70, circularam no Brasil inmeros jornais de tamanho tabloide,
que se caracterizaram pela oposio ao Regime militar, ao modelo econmico,
violao dos direitos humanos e censura.
Em um importante levantamento referente imprensa alternativa, nos anos da
Ditadura Militar no Brasil, especialmente no perodo de 1964 a 1980, Kucinski cita que
nessa poca nasceram mais de 150 peridicos. Abrigando temticas diversas (polticos,
de humor, feministas, homossexuais, culturais), podemos reconhec-los pela postura de
oposio intransigente ao Regime militar (KUCINSKI, 1991, p. 10).
Ao conceituar, na apresentao de seu livro Jornalistas e revolucionrios Nos
tempos da imprensa alternativa, Kucinski (1991) argumenta sobre a palavra nanica. O
autor diz que ela foi inspirada no formato tabloide adotado pela maioria dos jornais
alternativos desse perodo, sendo difundida principalmente por publicitrios (...) que
tambm vivenciavam uma situao difcil e tinham o mesmo desejo das geraes dos
anos 60 e 70, ou seja, de protagonizar as transformaes sociais que pregavam. (1991,
p. 13).
Peruzzo relembra em sua tese, Revisitando os Conceitos de Comunicao
Popular, Alternativa e Comunitria, alguns dos jornais importantes no contexto poltico
e social da poca.
Entre os segmentos vigilantes imprensa poltico-partidria podemos citar os
jornais Voz da Unidade, Tribuna da Luta Operria, Companheiros e Em
Tempo. A imprensa sindical, por seu lado, editou jornais importantes como a
Tribuna Metalrgica e Folha Bancria. (PERUZZO, 2006, p. 8).
De acordo com Peruzzo, o que caracterizava esse tipo de jornalismo era a
opo enquanto fonte de informao, por seu contedo, tipo de abordagem e posio
social e/ou poltica. (PERUZZO, 2006, p. 374).
J Kucinski (1991) analisa a origem dessa imprensa alternativa e o poder
adquirido por ela no decorrer de sua trajetria da seguinte forma:
A imprensa alternativa surgiu da articulao de duas foras igualmente
compulsrias: o desejo dos oposicionistas de protagonizar as transformaes
institucionais que propunham e a busca por jornalistas e intelectuais, de
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espaos alternativos grande imprensa. nessa dupla oposio ao sistema representado pelo regime militar e aos limites produo intelectual
jornalstica devido a represso, que se encontra a lgica dessa unio que
movimentou tantas pessoas com os mesmos ideais. (KUCINSKI, 1991: p.
16).
Kucinski foi integrante do movimento jornalstico alternativo dos anos 60 e 70, e
nos dias de hoje pesquisador do assunto. Em sua obra, Jornalistas e Revolucionrios:
Nos tempos da Imprensa Alternativa, ele ressalta que esses peridicos foram chamados
de imprensa nanica devido ao formado pequeno (1991, p. 5). A expresso imprensa
alternativa teria sido intitulada por Dines, conforme citado em Kucinski (1991). Leia
abaixo.
O termo alternativa contm quatro dos significados que podem explicar esse tipo de imprensa. o de algo que no est ligado a polticas dominantes; o de uma opo entre duas coisas reciprocamente excludentes; o de nica
sada, para uma situao difcil e, finalmente, o do desejo das geraes dos
anos 60 e 70 de protagonizar as transformaes sociais que pregavam. (KUCINSKI, 1991, p. 13).
Jornalista e escritor, Dines lanou diversos jornais e revistas no Brasil e tambm
em Portugal. Entre os cargos que ocupou, o jornalista foi editor-chefe do Jornal do
Brasil durante doze anos, inclusive no perodo em que a Ditadura Militar se instaurou
no pas.
Voltando aos impressos alternativos, Braga (1991, p. 22), ressalta que apesar de
ter carter militante, os jornais alternativos tambm so informativos e necessitam
manter-se como empresa para sobreviver, j que no sustentados por um partido.
Esse entendimento importante para enfatizar o papel social do jornalismo
alternativo, que engloba o desejo de reunir-se para fazer alguma coisa quanto s
injustias da ditadura militar e da desigualdade social.
Claro, que no meio dessas vertentes, esto muitos outros fatores envolvidos
como a rebeldia de uma gerao, um desejo de liberdade e da vontade de promover a
reduo das desigualdades existentes no pas e nesse contexto que os jornalistas da
imprensa alternativa se inspiraram e, consequentemente, os jornais, com o seu papel e
trabalho formam as caractersticas de uma imprensa nanica, porm atraente.
No item que segue, iremos continuar contextualizando a poltica no Brasil,
porm, de um novo e severo ponto de vista: o da represso. Com o Golpe Militar em
1964, inicia-se um longo e difcil perodo para a populao brasileira.
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2.1 O GOLPE MILITAR E AS LIBERDADES DE EXPRESSO
A censura tem um histrico maior do que muitos imaginam. Ela j existia antes
do Golpe de 1964, porm era camuflada, oculta. Comeou nos primeiros governos da
repblica eleita chegando a prejudicar, agredir e assassinar jornalistas. At ento
ningum tinha usado a censura prvia como Getlio Vargas na ditadura do Estado
Novo, criando o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que tinha como
principal funo, controlar a imprensa.
No ano de 1964, o general Castelo Branco foi eleito pelo Congresso Nacional
em 11 de abril e deveria governar o pas at 31 de janeiro de 1966. Porm,
posteriormente, seu mandato foi prorrogado e foram suspensas as eleies presidenciais
diretas previstas para 3 de outubro de 1965. Desse modo, Castelo Branco governou o
Brasil at 15 de maro de 1967, sendo substitudo pelo general Costa e Silva, eleito
pelo Congresso Nacional, em 3 de outubro de 1966.
O Congresso Nacional, a partir de 1964, se formaria apenas de pessoas a favor
do novo Regime que se instaurava, isto , parlamentares de direita, apoiadores do
governo e uma pequena oposio chamada "oposio consentida". Os congressistas que
ousassem fazer oposio mais forte poderiam ser cassados pelo Ato Institucional n 1,
que vigorou at 15 de maro de 1967, e que limitava os poderes do Poder Legislativo e
do Poder Judicirio e tambm atingiu fortemente os movimentos estudantil, operrio e
campons.
Durante seu governo, Castelo Branco promoveu diversas reformas polticas,
tributrias e econmicas. As medidas aplicadas no atingiram somente o poder
legislativo, mas tambm todas as organizaes consideradas pelo governo militar como
prejudiciais ptria, segurana nacional, que pretendia ajustar os males sociais e
polticos, combater a corrupo e a subverso, alm de impedir que se instaurasse um
Regime comunista no Brasil.
J Costa e Silva foi quem estabeleceu de fato a Ditadura Militar no Brasil, em 13
de dezembro de 1968, com o AI-5. Durante os primeiros anos de Regime, permaneceu
um falso clima de liberdade. A imprensa ainda era relativamente independente e os
tribunais prosseguiam em funcionamento. No entanto, logo aps o AI-5, a linha dura
ganhava mais espao no governo.
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O jornalista Alberto Dines, em uma entrevista concedida ao Jornal da ABI, conta
como recebeu a notcia que a censura seria instaurada no pas e como ela destruiu com a
esperana de uma gerao:
A esperana era de que a democracia fosse restaurada logo, mas o AI-5 em
1968 acabou com essa iluso do modo mais trgico. Quando eu ouvi pelo
rdio, no programa A voz do Brasil, a leitura daquele catatau, disse: Estamos ferrados. Vem a a censura. (Jornal da ABI - n375 - 21/02/2012)
Dines trabalhava no Jornal do Brasil nessa poca e sofreu intensa represso por
suas publicaes, e como ele mesmo disse na mesma entrevista: A gente tinha que
tomar decises de extrema gravidade, de risco de vida no fazer jornalstico. (DINES,
2012, p. 17).
Marconi (1980) ao se referir expanso da chamada linha dura, defende que o
motivo para tanta violncia era um s: o Regime militar no queria que a imprensa
falasse sobre a poltica interna. (MARCONI, 1980, p. 38). O autor ainda acusa a
censura de uma manobra escusa, cmoda e ilegtima perante a sociedade.
O Golpe Militar no Brasil reprimiu os diversos meios de comunicao e
expresso. O ato gerou um grande descontentamento para a populao, que teve que
ficar calada diante de uma srie de barbaridades, como violncias e at torturas que a
ditadura militar realizou. O ato de informar foi diretamente atingido e os jornais no
podiam informar o que estava acontecendo no pas. Skidmore (1998) explica que,
A priso e tortura de jornalistas, as presses (ou incentivos) sobre os
proprietrios dos jornais, juntamente com a censura direta, haviam reduzido
quase toda a mdia, exceto uns poucos semanrios de pequena circulao,
condio de lderes de torcida do governo ou, no mnimo, de simples caixas
de ressonncia das informaes geradas no palcio presidencial
(SKIDMORE, 1988, p. 266).
O ato veio em represlia deciso da Cmara dos Deputados, que se se negou a
prestar autorizao para que o deputado Mrcio Moreira Alves fosse processado por um
discurso onde interrogava at quando o Exrcito abrigaria torturadores.
Entre tantos decretos, a censura prvia que foi instaurada nesse perodo foi um
dos momentos mais marcantes na histria do Brasil e do jornalismo.
Com esse processo, a populao sofreu com mudana econmica, a falta de
liberdade e a represso policial. Foi criado at decreto-lei contra as greves dos
trabalhadores. O AI-5 estabeleceu os abusos do poder, concedendo ao Presidente da
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Repblica inmeros domnios, como pontua Evaldo Viera em seu livro A repblica
brasileira 1964-1984:
a) fechar o Congresso Nacional, assembleias estaduais e cmaras municipais;
b) cassar mandatos de parlamentares; c) suspender por dez anos os direitos
polticos de qualquer pessoa;d) demitir, remover, aposentar ou pr em disponibilidade funcionrios federais, estaduais e municipais; e) demitir ou
remover juzes; f) suspenso das garantias do Poder Judicirio; g) decretar
estado de stio sem qualquer impedimento; h) confiscar bens como punio
p corrupo; i) suspenso do habeas-corpus em crimes contra a segurana
nacional; j) julgamento de crimes polticos por tribunais militares; k) legislar
por decreto e expedir outros atos institucionais ou complementares; l)
proibio de exame, pelo Poder Judicirio, de recursos impetrados por
pessoas acusadas por meio do Ato Institucional nmero 5. (VIERA, 1985, p. 27)
O AI-5 durou at o governo de Ernesto Geisel, que permaneceu no poder at
1979 e o ento presidente Costa e Silva, comeou a sentir os primeiros sintomas de
isquemia, logo falece em 17 de dezembro de 1969. Em 30 de outubro do mesmo ano,
Emlio Garrastazu Mdici toma posse e continuam vigentes os decretos do poderoso AI-
5.
Neste perodo de censura, foram criados jornais como Opinio, Movimento, Em
Tempo, Coojornal, Informao, Amanh, e O Pasquim.
Sanchotene (2008), em sua monografia sobre o humor das charges na poltica,
reconhece a importncia que o Pasquim teve no perodo da ditadura militar. Em plena
vigncia do AI-5, em 1969, a imprensa brasileira falava baixo. nesse contexto que
surge no Brasil o jornal mais influente de oposio ditadura militar: O Pasquim. O
jornalista enfatiza sobre a importncia que o semanrio teve no contexto poltico e
social do pais, levando-se em conta que o tabloide iniciou sua trajetria em plena
ditadura militar. A marca de mais de 200 mil, em meados dos anos 70 tornou O
Pasquim um dos maiores fenmenos do mercado editorial brasileiro. Criado a partir de
um grupo criativo de jornalistas, o tabloide era composto de ideias, humor, entrevistas e
discusses. (SANCHOTENE, 2008, p. 33).
Em Humor e poltica: a charge como estratgia de editorializao do telejornal,
Sanchotene, analisou dez charges apresentadas no telejornal O Globo, feitas pelo
cartunista Chico Caruso no perodo de maio a julho de 2008. Na pesquisa, Sanchotene
aborda a charge midiatizada no mbito da informao, no qual a mesma busca
editorializar o telejornal pelo vis da comicidade. O autor questiona como o humor se
apresenta e age por meio das charges e de que forma o discurso do humor est
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representado nessas charges. A investigao da pesquisa de Sanchotene (2008) abrange
a anlise do funcionamento da charge na televiso, no telejornal e as estratgias
humorsticas nelas apresentadas.
Ele analisa imagens mais recentes na nossa memria, imagens que foram
publicadas no ano de 2008. Na nossa pesquisa, o enfoque outro, pois analisamos o
funcionamento discursivo das charges no meio impresso, atravs de imagens que j
foram publicadas h 50 anos, porm, os dois enfoques buscam analisar as charges
enquanto linguagem de comunicao atravs do humor e a contribuio das mesmas
para o jornalismo nesse sentido. Na pesquisa de Sanchotene (2008), os resultados
envolvem o fato de o som, que as charges reproduzem na televiso, ajuda na
compreenso do seu discurso, auxiliando o expectador a compreender o que est sendo
dito. o autor tambm concluiu que a opinio do autor da charge est implcita, assim
como a opinio da ideologia do programa, pois, caso contrrio, a mesma no seria
veiculada. A charge tratada, na pesquisa de Sanchotene, como um meio mais suave de
abordar a opinio poltica na televiso, usando o humor como estratgia.
Retomando o contexto da pesquisa, todas essas transformaes que ocorreram
no jornalismo dos anos de chumbo, marcaram diversas mudanas no modo de informar,
assim como na rotina jornalstica dos meios de comunicao. Com essa intensa censura
prvia, matrias foram vetadas e edies chegaram a ser recolhidas, resultando em um
grande no prejuzo financeiro de produo dos jornais. Se estendendo at imprensa,
msica, teatro e cinema, a censura atuou rigidamente a partir de 1970, na apreenso de
mais de 500 filmes, 400 peas teatrais, 200 livros e centenas de msicas. A liberdade de
expresso, assim como a criatividade dos jovens do pas, se viam castradas.
Todas as investigaes aos oposicionistas ao Regime que ocorreram nesse
perodo eram feitas pela Delegacia de Ordem Poltica e Social (DOPS), a qual tinha
como finalidade investigar os atos tidos como suspeitos e dentro destes poderia estar
intelectuais, jornalistas, artistas, polticos, professores, ou seja, todos que estivessem
relacionados a movimentos sociais. Os DOPS foram orgos criados junto estrutura das
secretarias estaduais de segurana pblica de alguns estados brasileiros. A atribuio
principal dos DOPS era o papel de polcia poltica, uma modalidade especial de polcia, que
desempenha uma funo preventiva e repressiva, criada para entrever e coibir atividades
que colocassem em risco a ordem e a segurana pblica (XAVIER, 1996, p. 32). Esta
atribuio extraoficial estava ligada necessidade dos governos quando decidissem vigiar e
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punir determinados indivduos, e condenar grupos inteiros, considerados como ameaas
ordem pblica e a to almejada segurana nacional.
Nesse perodo de intensa represso, Dines conta para o jornalista Francisco
Ucha, em entrevista ao Jornal da ABI, em fevereiro de 2012, que foi alvo dos censores e
sua profisso e posio poltica atrapalharam a sua participao em eventos. Tudo isso
gerou a sua priso em 1968, como ele conta:
Na sexta-feira seguinte ao AI-5, eu j tinha sido escolhido paraninfo de uma
turma da PUC, no Rio. Com o AI-5 eu fiquei mortificado. (...) A fiz um
discurso bem contundente e li esse discurso na cerimnia de formatura da PUC. Marotamente, passei o texto para a Redao e eles escreveram a notcia
de que eu era paraninfo da PUC e reproduziram alguns trechos do meu
discurso. Os milicos viram a noticia, avisaram o secretrio da Marinha e dois
dias depois fui preso. (Jornal da ABI - n 375 21/02/12).
Todo esse clima de suspeita sobre os indivduos e a supresso da liberdade
atingiu no s o meio jornalstico, mas vrios segmentos da sociedade como um todo.
Essa censura se transformou em perseguio real e atingiu artistas da msica popular
brasileira que alm de terem suas msicas censuradas, a sua liberdade de expresso
tambm foi cerceada. Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Geraldo Vandr e
outros artistas que decolam em sua carreira nesse momento, passaram a ser vigiados e
logo tiveram que deixar o pas, buscando um autoexlio.
Para protestar, as pessoas contrrias ao Regime escolheram uma das atividades
cujo controle era mais exercido pelos militares: o jornalismo. O jornalismo se tornou
mais do que nunca, o transmissor das vozes de uma multido que clamava por justia.
Justia aos seus filhos, amigos, e demais pessoas que foram prejudicadas, ameaadas e
mortas na Ditadura Militar.
As barreiras que a censura invocou para o jornalismo, buscava repreender os
chamados subversivos. Ridenti analisa e discute os tipos de censuras predominantes na
ditadura militar.
No houve uma nica censura durante o regime militar, mas duas. A censura
moderna de diverses pblicas existia no Brasil, de maneira oficial, desde
1946. Integrava, por exemplo, a rotina profissional do pessoal do teatro, nada
havendo de novo (aps 1964) na presena de um censor, durante o ensaio
geral, nem os atritos entre a classe e a censura moral das peas, com o tempo
tambm praticada contra o rdio, o cinema, a TV e at mesmo os circos e as
churrascarias com msica ao vivo. De fato, todo um ethos prprio animava a
Diviso de Censura de Diverses Pblicas (DCDP), desde muito antes do
golpe de 1964. A Diviso assumia orgulhosamente seu papel na sociedade
brasileira e supunha realmente expressar a vontade da maioria da populao
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ao cuidar para que os atentados moral e aos bons costumes fossem evitados. (RIDENTI, 2004, p. 269)
So diversos os estudos sobre censura no Brasil. Em Minorias Silenciadas, por
exemplo, livro organizado por Carneiro, possvel ver a transformao das limites
imprensa ao longo da histria: do Brasil colonial ao esboo da primeira esfera pblica
brasileira, no comeo do sculo XIX, chegando mais recente experincia de censura
institucionalizada no ps-golpe de 1964. Nesse contexto, a censura j foi bastante
estudada por Ridenti e por outros autores em teses e publicaes.
Trabalhos mais especficos com autores que fazem parte da bibliografia desta
pesquisa, como Aquino em Censura, Imprensa e Estado Autoritrio (1968-1978) e Be
Kucinski, em Jornalistas e Revolucionrios: Nos Tempos da Imprensa Alternativa,
exploram a censura militar sob vises distintas, porm com uma abordagem bastante
ampla.
Diversos estudos sobre a censura contemplam e ampliam o embasamento sobre
um dos piores momentos vividos pelo Brasil, no qual o Golpe militar deu origem a
outro golpe, liberdade de expresso. Uma gerao se calou aos mandos de um
governo, cerceando suas aes, ideais e voz. Porm, um grupo que se uniu para tentar
reverter essa situao e dar ao pas um novo sentido para lutar e conquistar seus direitos.
Esse grupo foi composto por estudantes, jornalistas, intelectuais, artistas, entre outros
brasileiros sedentos por justia.
Com toda a represso instalada no pas, o Regime enxugava as matrias que
seriam publicadas nos jornais, liberando apenas as que lhe convinham. Com o tempo, a
censura aos meios de comunicao se tornou cada vez mais severa.
De acordo com Gentilli (2004, p. 94), o grupo Frias Caldeira, que produzia os
jornais como a Folha de So Paulo, Folha da Tarde, ltima hora, acatava muito bem
as ordens dos militares. Porm, no auge do governo Mdici, um grande jornal como O
Estado de So Paulo, com a intensa represso aos meios de comunicao decide
enfrentar os militares. Em maro de 2004, no texto que fez parte do especial Maro de
64, o jornal O Estado de So Paulo, conta que a partir de 13 de dezembro houve fortes
intervenes da censura no jornal O Estado de S. Paulo sendo que entre 1972 e 1975
censores foram instalados diretamente na redao.
Com o AI-5, a censura se fez de duas formas: a censura prvia e a autocensura.
Poucos peridicos tiveram coragem de criticar as barbaridades que aconteciam no
Regime e passaram pela censura de uma maneira severa. A censura prvia segundo
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Aquino, era aplicada com censores, bilhetes e reviso da Polcia Federal, geralmente
vivenciada distncia. J a autocensura consistia em uma linha editorial omissa aos
acontecimentos polticos, que foi um meio utilizado por muitos jornais para no sofrer a
censura prvia. (AQUINO, 1999: 122-123).
A autocensura se tornou um meio alternativo encontrado pelos jornalistas nesse
perodo. Assunto trabalhado por Kucinski, a autocensura, por exemplo, participa da tom
da produo das notcias sob censura militar. No livro Sndrome da Antena Parablica,
ele faz uma referncia ao filsofo alemo Friedrich Engels, dizendo que:
Os melhores textos jornalsticos so aqueles que possuem sinais de censura
prvia, uma vez que as informaes que sofrem tipo de represlia carregam o
fato verdico, por isso, o lugar da autocensura na histria da represso ao
pensamento e informao durante o regime militar acabou saturado pelos
episdios menos frequentes, porm mais espetaculares de censura exgena,
fechamento de jornais e prises de jornalistas. (KUCINSKI, 1998, p. 52).
O autor se refere ao poder da autocensura pelo seu carter transformador, que
atravs de um discurso inteligente, os jornalistas, por julgarem que determinado
contedo no poderia ser divulgado, j o aboliam.
Os processos alternativos de comunicao, por exemplo, englobam-se como
salienta Benevenuto Jr, num momento difcil na poltica brasileira, no qual os militares
dirigiam o programa de desenvolvimento do pas, desrespeitando as instituies
polticas e usando a fora atravs de torturas para eliminar aqueles que criticavam a
represso organizada pela Escola Superior de Guerra. Assim, nasce uma imprensa que
se constitui a partir das organizaes sociais e polticas da oposio (...) e tinha um forte
vis cultural, alm dos especialistas das reas social, econmica e poltica
(BENEVENUTO JUNIOR, 2007, p. 1).
O grande objetivo da imprensa alternativa era justamente ser de maneira
alternativa, ou seja, transformar a situao em que o pas se encontrava, denunciar os
crimes que ocorriam, assim como as mortes de presos polticos, torturas que aconteciam
no Destacamento de Operaes e Informaes e Centro de Operaes de Defesa Interna
(DOI-CODI), lutar contra a censura e o Regime autoritrio, enfim, entre outros
interesses gerais da populao.
Autores como Dionsio (2011, p. 6), discorrem sobre assunto e esclarecem que o
DOI-CODI foi um rgo subordinado do Exrcito, de inteligncia e represso do
governo brasileiro durante o Regime Militar teve sua sede em So Paulo e foi
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implantado em outros estados do Brasil. Desse modo, cada estado tinha o seu DOI,
subordinado ao CODI, que era o rgo central. Nos pores da ditadura, como eram
chamados as salas que existiam no interior do DOI-CODI, aconteciam as detenes,
depoimentos e torturas. Nessas salas foram realizadas torturas com os mais cruis
instrumentos de represso, atravs da violncia fsica e psicolgica.
Voltando censura aos meios de comunicao, que foi uma das vtimas do
Regime, passa a sofrer os cortes mais severos. Dessa forma, restringiu-se o acesso da
populao aos acontecimentos do momento, ou seja, noticiar as torturas, por exemplo,
Alm disso, o Regime autoritrio ocasionou tambm a perseguio intensa a polticos
de esquerda, estudantes, artistas e intelectuais, cassao de mandatos, medidas
governamentais que afetavam o futuro poltico, econmico e social do Brasil. O
governo tinha plenos poderes sobre os meios de comunicao e apenas concordava em
publicar determinadas notcias quando era conveniente aos mesmos, caso contrrio, os
fatos eram omitidos, distorcidos ou recriados.
Com o acirramento da represso durante o Regime Militar, a informao tornou-
se cada vez mais comprometida e dependente dos rgos do governo e artifcios da
imprensa para transmitir a notcia.
Os anos em que o Brasil esteve submetido Ditadura Militar significaram um
atraso ao desenvolvimento da estrutura social brasileira e tambm dos modos de
informar no jornalismo que foi um dos setores mais afetados pelos anos de chumbo.
Durante todos esses anos, o pas viveu diversas consequncias, sofrendo com sua
vida profissional e pessoal devido censura instaurada no pas aps o AI-5, como j
vimos neste captulo, porm, no captulo que segue, vamos entender melhor quais foram
os acontecimentos que geraram a censura, e de que forma ela atingiu a vida dos
brasileiros.
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2.2 OS FUNDAMENTOS DA CENSURA
Neste item, vamos situar e refletir os aspectos que deram origem censura e
qual era sua verdadeira funo no contexto histrico do pas, mais especificamente no
perodo da Ditadura Militar do Brasil (1964 1985). Para contextualizar a censura,
preciso lembrar o seu nascimento, papel e atuao. Para isso, nos valemos de fontes
autorais como Miliandre Garcia, Glucio Soares, Carlos Fico, Alexandre Stephanou,
Zuenir Ventura, entre outros.
Vamos analisar, de que forma a censura afetou o jornalismo, mas tambm outros
modos de fazer cultural, literatura e tambm na msica. Buscamos compreender seus
fundamentos e no que ela resultou.
A censura do perodo, basicamente, instalou-se a partir do Ato institucional n 5
em 13 de dezembro de 1968. Caracterizado por uma srie de atos e leis que
amordaavam a liberdade de expresso, a sociedade passou a sofrer as consequncias
de um Regime arbitrrio, autoritrio e repressivo. Essa liberdade de expresso passou a
ser intensamente combatida pelo governo e os direitos individuais foram abolidos sob o
respaldo da Lei de Segurana Nacional, ao passo que o cidado brasileiro ficou
vulnervel aos desmandos dos militares.
A abertura do texto do AI-5 mostra os motivos que levaram ao decreto. Diz, em
sua abertura:
O presidente da Repblica Federativa do Brasil, ouvido o Conselho de Segurana Nacional, e:
Considerando que a Revoluo Brasileira de 31 de maro de 1964 teve,
conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e
propsitos que visavam a dar ao pas um regime que, atendendo as exigncias
de um sistema jurdico e poltico, assegurasse autntica ordem democrtica,
baseada na liberdade, no respeito dignidade da pessoa humana, no combate
subverso e s ideologias contrrias s tradies de nosso povo, na luta
contra a corrupo, buscando, deste modo, os meios indispensveis obra de reconstruo econmica, financeira, poltica e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direto e imediato, os graves e urgentes problemas
de que depende a restaurao da ordem interna e do prestgio internacional da
nossa Ptria (Prembulo do Ato Institucional n 1 de 9 de abril de 1964);
Considerando que o governo da Repblica, responsvel pela execuo
daqueles objetivos e pela ordem e segurana internas, s no pode permitir
que pessoas ou grupos anti-revolucionrios contra ela trabalhem, tramem ou
ajam, sob pena de estar faltando a compromissos que assumiu com o povo
brasileiro, bem como porque o Poder Revolucionrio, ao editar o Ato Institucional n 2, afirmou categoricamente, que no se disse que a Revoluo foi, mas que e continuar e, portanto, o processo revolucionrio em desenvolvimento no pode ser detido;
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Considerando que esse mesmo Poder Revolucionrio, exercido pelo
presidente da Repblica, ao convocar o Congresso Nacional para discutir,
votar e promulgar a nova Constituio, estabeleceu que esta, alm de
representar a institucionalizao dos ideais e princpios da Revoluo, deveria assegurar a continuidade da obra revolucionria (Ato Institucional n 4, de 7 de dezembro de 1966);
Considerando que, assim, se torna imperiosa a adoo de medidas que
impeam sejam frustrados os ideais superiores da Revoluo, preservando a ordem, a segurana, a tranquilidade, o desenvolvimento econmico e cultural
e a harmonia poltica e social do Pas comprometidos por processos
subversivos e de guerra revolucionria;
Considerando que todos esses fatos perturbadores da ordem so contrrios
aos ideais e consolidao do Movimento de maro de 1964, obrigando os
que por ele se responsabilizaram e juraram defend-lo a adotarem as
providncias necessrias, que evitem sua destruio. (...) (Trecho do AI-5.
Publicado em Braslia, no dia 13 de dezembro de 1968).
Percebemos que a preocupao era, novamente, em relao aos chamados
subversivos. Desse modo, o AI-5 viria para fazer, segundo o Regime, a manuteno da
ordem, da segurana, da tranquilidade, do desenvolvimento e da harmonia da nao.
Porm, parte desse pblico de subversivos, estava preocupado em ocupar uma lacuna
deixada pela imprensa dominante, acrescentando aos jornais considerados pequenos,
nomes importantes ligados ao campo de produo cultural do pas no momento, como
jornalistas e artistas.
Nesse contexto, notamos que os anos em que o Brasil sofreu com a Ditadura
Militar representou um atraso em diversos segmentos, algo que contribui para retardar o
crescimento e desenvolvimento do pas, ao contrrio do que os militares alegavam
almejar, o desenvolvimento e a to sonhada ordem, no vingaram.
Com as ameaas e intervenes sobre as liberdades de expresso, a informao
tornou-se cada vez mais comprometida e os meios de comunicao afetados. O modo de
informar foi duramente afetado por causa do AI-5 deixando muitos reflexos para fases
posteriores sobre as praticas jornalsticas.
Aquino (1999) em seu livro Censura, Imprensa, Estado autoritrio (1968
1978), aborda o AI-5 e suas origens, considera o episdio envolvendo o Deputado
Mrcio Moreira Alves.
O AI-5 foi editado pelo presidente Costa e Silva, em meio ao rumoroso caso
do deputado Mrcio Moreira Alves. O deputado, por poca do 7 de setembro
de 1968, fez um discurso, na Cmara, em que instava a populao a boicotar
a parada militar comemorativa da Independncia e sugeria s mulheres
brasileiras que no namorassem militares envolvidos na represso. O discurso
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no teve grande repercusso na imprensa. Entretanto, serviu aos setores
interessados no recrudescimento da represso para exercer presses sobre o
presidente, no sentido de que tom asse medidas mais drsticas, pois
consideraram o discurso um grave ultraje s Foras Armadas. Foi requerido
por ministros militares, junto ao Supremo Tribunal Federal, o julgam en to do
deputado por ofensa s Foras Armadas brasileiras. O requerimento, com o
rezava a legislao, foi en caminhado ao Congresso Nacional, que poderia
aceitar a sugesto e levantar a imunidade parlamentar de Mrcio Moreira
Alves, para qu e este pu desse ser processado. Ou ento, o Congresso, por votao, rejeitaria o pedido, impossibilitando qualquer forma de punio ao
parlamentar. Em uma sesso conturbada e, por maioria esmagadora, o
Congresso optou pela negao da solicitao de punio. A vitria e a
recuperao da dignidade do Poder Legislativo, rapidamente transformaram-
se em derrota quando, menos de 24 horas aps a votao, o Executivo
publicou o AI-5, concentrando e conferindo excepcionalidade maior ao
presidente; limitando ou extinguindo liberdades democrticas e suspendendo
garantias constitucionais. (AQUINO, 1999, p. 206).
A partir de Aquino (1999) e de tantos outros autores que estudaram esse perodo,
o AI-5 se tornou visvel por todos os brasileiros, que passaram a ficar nas rdeas duras e
repressivas de um Regime Ditatorial.
Com a intensa represso, a censura tomou conta do pas, assolando uma gerao
que se calou aos militares. Hollanda e Gonalves (1991, p. 20) defendem que o Golpe
de 64 trouxe consigo a reordenao dos laos de dependncia, e a regulao
autoritria entre classes e grupos, colocando em vantagem os setores associados ao
capital monopolista ou a eles vinculados. Aps o AI-5, o governo se apoiou nas
doutrinas da segurana nacional, no qual os militares deveriam defender o pas da
baguna dos subversivos.
Para entendermos melhor os fundamentos da censura, precisamos fazer uma
breve explicao de seu histrico no Brasil. Ainda no governo de Getlio Vargas, em
1944, foi criado um departamento para alterar a denominao da Polcia Civil do
Distrito Federal (atual Polcia Civil do Estado do Rio de Janeiro) para Departamento
Federal de Segurana Pblica (DFSP), por meio de um decreto-lei. No governo do
presidente Castelo Branco, foi aprovado o regulamento do DFSP que definia o
organograma da censura. De acordo com Garcia:
na estrutura do Departamento Federal de Segurana Pblica (DFSP) cabia ao
setor da Polcia Federal de Segurana acompanhar o trabalho do Servio de
Censura de Diverses Pblicas (SCDP), principal rgo da censura federal, e
s delegacias regionais as Turmas de Censura de Diverses Pblicas
(TCDPs), braos auxiliares do rgo central. O SCDP era constitudo por
quatro setores (secretaria, sees de censura, seo de fiscalizao e arquivo)
e respondia pela coordenao das atividades da censura, pela unificao dos
trmites burocrticos, pelo cumprimento de determinaes superiores, pela
orientao dos setores regionais e pela sistematizao das normas da censura.
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As TCDPs, por sua vez, eram compostas por duas sees (secretaria e
arquivo), restringiam-se a cumprir instrues superiores, fiscalizar casas de
espetculos, estabelecimentos pblicos, estaes de rdio e emissoras de
televiso, aplicar penas pecunirias, alm de elaborar relatrios de atividades.
(GARCIA, 2009, p. 23).
Durante o governo do presidente Jnio Quadros, em maio de 1961, foi
concedido aos Estados o direito de exercer a censura. Isso ao mesmo tempo em que a
legislao que, desde 1946, dava Polcia Federal a responsabilidade de realizar a
censura prvia a, peas teatrais, discos, filmes, apresentaes de grupo s musicais,
cartazes e espetculos pblicos em geral. J em abril de 1965 foi inaugurado um prdio
para ser sede do Departamento Federal de Segurana Pblica, onde atuaria o Servio de
Censura e Diverses Pblicas - SCDP, em Braslia. Essa concretizao indica o anseio
do governo federal de centralizar as atividades censrias, como explica Stephanou
Legalmente, a censura era jurisdio do Departamento de Polcia Federal; na prtica,
todos os rgos militares de segurana se achavam no direito de proibir. O autor
salienta que a hierarquia de poderes no era bem organizada nesse departamento, pois
diferentes autoridades, dos mais altos postos ao simples funcionrio pblico, buscavam
vetar produes culturais ou artsticas (STEPHANOU, 2001, p. 293).
Em 1967, ano que antecedia o AI-5, a Constituio oficializou a centralizao da
censura como atividade do Governo Federal, em Braslia. Quando o AI-5 foi decretado,
as aes de censura j se encontravam centralizadas no Governo Federal.
De acordo com Ventura (1988, p. 155), antes do AI-5, duas grandes
manifestaes pblicas contra as arbitrariedades do Regime Militar ocorreram no Rio de
Janeiro: a manifestao Cultura contra Censura, em fevereiro de 1968 que reuniu
membros da classe teatral para manifestarem sua repulsa contra a interdio de oito
peas teatrais e, alguns meses mais tarde, aquela que ficou conhecida como A Passeata
dos Cem Mil, que ocorreu em 26 de junho de 1968.
Dia 13 de dezembro de 1968, o presidente Costa e Silva, alegando que em nome
da autntica ordem democrtica, baseada na liberdade, no respeito dignidade da
pessoa humana, no combate subverso e s ideologias contrrias s tradies de nosso
povo, concretiza o AI-5. Tal ato d plenos poderes aos militares, que a partir desse
momento podem cassar mandatos, suspender direitos polticos e garantias individuais,
alm de criar condies para a censura divulgao da informao, manifestao de
opinies e produes culturais e artsticas. A partir desse momento, se d incio aos
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chamados anos de chumbo ou, para usar a nomenclatura utilizada por Gaspari (2003, p.
301): a ditadura escancarada.
O Marechal Costa e Silva explicou atravs de diversas transmisses radiofnicas
e televisivas, o quanto o AI-5 era necessrio para a ordem e a segurana do pas. Porm,
os seus depoimentos para a mdia no esclarecem suas aes de quinze dias depois, no
qual o governo cassou 38 mandatos legislativos e interrompeu por dez anos os direitos
polticos de 28 deputados federais, dois senadores e um vereador. Alm disso,
determinou a aposentadoria de trs ministros do Supremo Tribunal Federal e de um do
Supremo Tribunal Militar e suspendeu os direitos polticos da diretora do matutino
Correio da Manh, do Rio de Janeiro. Dois meses se passaram e Costa e Silva assinava
a cassao de mais 95 parlamentares.
De acordo com o texto Assim se passaram dez anos, publicado na Revista Viso
em 11 de maro de 1974, pgina 46: O ano de 1969 foi um ano de cassaes em
massa, rgido controle dos movimentos operrios e estudantis, recrudescimento da
censura, instituio da pena de morte e priso perptua para crimes polticos e
inaugurao, no pas, da prtica de sequestros por parte de guerrilheiros urbanos. (...) As
atividades culturais passaram a ser rigorosamente vigiadas e artistas de projeo
nacional (...) tiveram de deixar o pas. Tudo que tivesse a inteno de ser publicado,
cantado, divulgado, enfim, deveria passar pelas mos de censores e assim, sujeitado
veto.
Estima-se que centenas de pessoas foram efetivamente presas aps o AI-5:
algumas centenas de intelectuais, estudantes, artistas, jornalistas (...) recolhidos s
celas do DOPS, da PM e aos vrios quartis do Exrcito, da Marinha e da Aeronutica
em todo o pas (VENTURA, 1988, p. 46).
Soares (1989) explica que com o passar do tempo, a censura teve seus altos e
baixos. Em alguns momentos, foi de intensa severidade, outros nem tanto. Essa
inconstncia se deu de acordo com o governo vigente do pas e a maneira de governar
de cada presidente, seguindo ou no a linha dura.
A expanso mais acelerada da ao da censura teve lugar durante o perodo
mais negro por que o Pas passou: desde o AI-5, em dezembro de 1968, no
governo Costa e Silva, at o fim do governo Garrastazu Mdici. (...) A partir
de 1976, data em que se afirma, o governo Geisel controlou a linha dura,
houve uma clara diminuio de suas atividades. (...) Foi somente no final do
governo Geisel e incio do governo Figueiredo que a liberdade de imprensa
foi restaurada no Brasil. (SOARES, 1989, p. 22).
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Segundo Garcia entre os anos de 1964 e 1965, vrias medidas foram tomadas
para sistematizar o trabalho da mesma, entre as quais ele cita:
1) a convocao de servidores para avaliar as normas da censura; 2) a
adequao da estrutura ao regulamento policial; 3) a constituio de
grupos para analisar roteiros de filmes, programas de televiso e scripts
de peas; 4) a criao de uma comisso que visava discutir questes
polmicas e examinar a legislao; e 5) a instituio de um grupo de
trabalho responsvel por uniformizar os critrios da censura e assessorar
as delegacias regionais no exerccio da censura dos filmes que no
ultrapassassem os limites dos estados (GARCIA, 2009, p. 23).
possvel perceber que a censura no afetou apenas o jornalismo, mas todo
sistema informativo, sendo severa e no se importando com as consequncias, ela cala a
voz de um pas, causando medo, mas tambm revolta.
Na opinio de Fico (2002), a censura no se remete apenas ao perodo ditatorial,
e sim, percorre por diversos perodos da histria do Brasil.
A lembrana da censura sempre permanece associada ao ltimo perodo no
qual ela existiu, sendo compreensvel, portanto, que, na imprensa e entre os
mais jovens, a meno ao assunto remeta imediatamente ao regime militar.
Porm, como sabido, a censura sempre esteve ativa no Brasil, e formas
diferenciadas dela persistem mesmo hoje, quando est formalmente abolida. (FICO, 2002, p. 253).
A censura na imprensa foi o principal alvo aps o AI-5. Fico ainda comenta que
a censura da imprensa sistematizou-se, tornou-se rotineira e passou a obedecer a
instrues especificamente emanadas dos altos escales do poder (2002, p. 253). O
autor explica a chamada Operao Limpeza, que tinha por funo, censurar tudo aquilo
que atrapalhava a ordem do pas.
A histria do perodo tambm pode ser lida como a da trajetria do grupo
mais radical entre os militares que tomaram o poder, conhecido como linha dura. De fato, ainda em 1964, com a implantao da Operao Limpeza (prises, cassaes de mandatos e suspenses de direitos polticos dos
inimigos), um grupo de oficiais-superiores foi designado para presidir os
inquritos policiais militares (IPM) que conduziam s punies mencionadas.
A idia (que talvez possa ser chamada de utopia autoritria) era eliminar todo aquele que dissentisse das bandeiras da Revoluo: combate ao comunismo, corrupo e outras diretrizes da retrica poltica radical de
direita que, naquele momento, tinha a inspir-la polticos como Carlos
Lacerda. (FICO, 2002, p. 254).
Carlos Lacerda foi poltico e jornalista, membro da Unio Democrtica Nacional
(UDN), vereador, deputado estadual e governador do estado da Guanabara. Como
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jornalista, Lacerda foi proprietrio do jornal Tribuna da Imprensa e em 1965, criador da
editora Nova Fronteira.
Em seu artigo, Fico (2002) enfatiza que a censura da imprensa engloba tambm
outras controvrsias, sendo uma delas o carter poltico ou moral destas censuras.
Para Soares (1989, p. 34), a DCDP, departamento j citado anteriormente, no exercia
atividades de censura poltica diretamente, e sim, restringia-se a restringir o que
considerava imprprio, do ponto de vista moral, no teatro, no cinema, na TV, etc. Ainda
sobre os fundamentos da censura, segundo Kushnir (2001, p. 127), toda a censura um
ato poltico, independentemente de visar a questes morais ou a temas explicitamente
polticos. Desse modo, interessante analisar, ainda em Soares (1989, p. 23), a
cronologia da censura no Brasil, partindo de 1967, um ano antes do decreto do AI-5, at
1978, fim da censura prvia em diversos jornais do pas, incluindo O Pasquim,
Movimento, Tribuna da Imprensa, entre outros. Confira abaixo:
Figura 1
Analisando o texto acima, possvel perceber que a censura se instaurou no pas
durante muitos anos e privou diversos jornais a cumprirem seu verdadeiro papel. Soares
(1989) examina a durao das proibies e restries aos meios de comunicao, alm
dos governos que a censura percorreu.
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Estas proibies foram muito numerosas durante a ditadura de Garrastazu
Mdici, mantiveram-se altas durante o primeiro ano de Geisel, declinando
rapidamente a partir de 1975. Se, por um lado, no h dvida de que a
censura durante a ditadura de Geisel foi amena, se comparada com a
existente durante a ditadura de Garrastazu Mdici, evidente que ela
continuou existindo durante todo o seu governo. A censura sobre os meios
eletrnicos continuou, inclusive, durante o governo Figueiredo. (SOARES, (1989, p. 26).
Soares (1989, p. 30) analisa a censura e os diversos modos de sua atuao. O
autor mostra em um quadro, que a censura afetou o cenrio jornalstico, assim como
afetou o cenrio cultural e literrio. Ele conta que no rdio e na televiso, a censura
atingiu sistematicamente vrios artistas cuja oposio ditadura era conhecida, entre
eles Chico Buarque e Geraldo Vandr. Veja a figura 2 e analise os segmentos que
foram alvo da censura.
Figura 2
possvel perceber que a censura atacou a cultura do pas por diversos lados, e
os livros, campees de vetos, ganham 74 nos dos censores. Segundo Soares (1989, p.
32), Este total refere-se aos livros levados ateno da Diviso de Censura como
"suspeitos" e, consequentemente, com maior probabilidade de serem censurados do que
uma amostra aleatria dos livros publicados.
Quanto s matrias jornalsticas, foram vetadas mais de 1.136, no perodo de 29
de maro a 3 de janeiro de 1975, de acordo com Aquino (1999, p. 59). Segundo a
autora, os temas mais vetados pelos militares eram: questes polticas, questes
econmicas, crticas de oposio, relao Igreja Estado, movimento estudantil, entre
outros.
Em 1988, atravs de Constituio votada pela Assembleia Constituinte, no dia
03 de agosto, a censura se extinguiu no pas, aps os longos anos de vigncia,
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representando o fim da tortura e aprovao da liberdade intelectual, de expresso e de
imprensa no pas. Kushnir aponta trecho da Carta que revelava que:
Art. 220: A manifestao do pensamento, a criao, a expresso e a
informao, sob qualquer forma, processo ou veculo, no sofrero qualquer restrio, observado o disposto nesta Constituio.
1 Nenhuma lei conter dispositivo que possa constituir embarao plena
liberdade de informao jornalstica em qualquer veculo de comunicao
social (...).
2 vedada toda e qualquer censura de natureza poltica, ideolgica e
artstica.
3 Compete lei federal: I - regular as diverses e espetculos pblicos,
cabendo ao poder pblico informar sobre a natureza deles, as faixas etrias a
que no se recomendem, locais e horrios em que sua apresentao se mostre
inadequada;
II - estabelecer os meios legais que garantam pessoa e famlia a possibilidade de se defenderem de programas ou programaes de rdio e
televiso que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de
produtos, prticas e servios que possam ser nocivos
sade e ao meio ambiente. (...)
6 A publicao de veculo impresso de comunicao independe de licena
de autoridade. (KUSHNIR, 2004, p. 121).
Os decretos da censura foram muito mais alm, porm acima podemos perceber
a quantidade de proibies feitas pelo Regime Militar que afetaram a cultura e a
liberdade de expresso do pas.
Para Soares (1989, p. 39), a censura deixou muitos rastros, tanto no jornalismo
quanto em outros meios de informar, como citamos anteriormente. Porm, o autor
sublinha que ela (ao contrrio do que os militares pensavam), prejudicou mais o Regime
do que beneficiou. O autor destaca que os objetivos centrais da censura era reduzir a
oposio ao Regime militar. O alvo era a populao letrada, no caso da imprensa
escrita, e a populao total, no caso do rdio e da televiso. Para ele, o fato de cumprir
ou no este objetivo passava pelos meios de comunicao de massa. A interferncia
com estes meios levou a reaes negativas e, neste sentido, pode ter trazido mais
malefcios do que benefcios para o Regime Militar. Ou seja, a censura contribuiu
consideravelmente os opositores ao Regime e no conseguiu atrair aliados, como era o
verdadeiro intuito dos militares.
Nesse contexto de liberdade de expresso cerceada, entra em cena um novo
modo de informar, com razes e motivos fortes para trazer a mudana para o jornalismo
e para os modos de dizer e informar, o jornalismo alternativo, que vamos contextualizar
no prximo captulo.
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3. A EMERGNCIA DA IMPRENSA ALTERNATIVA
Neste terceiro captulo, vamos identificar os principais motivos que levaram a
imprensa a inovar a fim de transformar o momento em que o pas vivia, a Ditadura
Militar. Com o AI-5 e a censura, os modos de informar ficaram comprometidos,
trazendo a necessidade de uma mudana, de um modo de informar que atinja o pblico
alvo, os chamados de esquerda. Neste grupo, se encaixam todos aqueles que eram
contra o Regime, contra os mandos dos militares e a favor da liberdade de expresso.
Durante esse perodo, as formas de resistncia encontradas foram inmeras.
Aparece um novo grupo de movimentos sociais, forjados, especialmente a partir de uma
esquerda crist. Quanto aos sindicatos, que criam suas centrais nacionais e grupos de
intelectuais, militantes polticos e jornalistas, do vida e cor a essa imprensa alternativa,
tambm chamada independente e tambm nanica, que at ento, d seus primeiros
passos rumo ao estrelato.
Em um perodo de represso, os jornais alternativos visavam justamente achar
brechas neste modo de controle (que envolvia censura e direitos abolidos). Esses meios
de comunicao transformam a lgica de controle pelo poder cultural: se o Regime
Militar queria esconder certas informaes, os jornais alternativos tinham como papel,
contar, informar a populao. Se o Regime buscava amordaar o jornalismo, os meios
alternativos buscavam meios para fazer um exerccio profissional de jornalismo cada
vez mais livre.
O surgimento dessa imprensa alternativa ocorreu justamente como resultado de
uma comunicao de resistncia, que existiu mesmo nos momentos mais severos da
Ditadura Militar, baseada na msica, filmes, leituras e reflexes acadmicas. A
comunicao de resistncia, conforme Berger o indcio da acumulao de foras pelos
grupos de oposio.
Braga (1991) observa o papel desse tipo de imprensa e o momento em que a
mesma se inseriu no pas. Ele enfatiza que um dos objetivos principais da imprensa
alternativa preenche um espao deixado vago pelas grandes empresas nas condies
polticas dos anos 70, onde as maneiras de ocupar esse espao vo caracteriz-la, e
sorna, por sua prtica, uma crtica imprensa indstria. Desse modo, o autor explica
que:
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os jornais alternativos feitos em pequenas empresas, onde no h a um
enfrentamento entre patro e empregado, se estabelece uma relao pluralista
de troca de ideias entre jornalistas que buscavam procurar as perspectivas
mais globais sobre o social e o poltico que faz com que se produza uma
viso mais terica das coisas. Essa viso vai direcionar a construo do
pblico alvo, geralmente estudantes, jornalistas, professores e profissionais
liberais. (BRAGA, 1991, p. 293).
Berger (1998) analisa a ideia de lanar uma imprensa alternativa e quais foram
as suas verdadeiras intenes assim como os seus resultados. Contribuiu para que
alguns assimilassem as novas possibilidades tecnolgicas tambm (...) para que os
intelectuais olhassem a imprensa como lugar de exposio de suas ideias. Mas,
principalmente, serviu como estmulo para o investimento poltico e cultural em
peridicos (1998, p. 96).
Na viso de Caparelli (1989, p. 96), esses jornais alternativos so como
micromeios de oposio: so jornais de pequena tiragem, produzidos por profissionais
que utilizam suas horas de lazer na luta por uma ideologia e por isso, sem objetivos de
lucros pessoais.
J Kucinski (2007), discorre sobre a funo econmica desse tipo de jornalismo
e de que forma ele consegue exercer seu papel de forma independente. No alternativo,
jornalistas e intelectuais no so pagos para defender ideias dos outros, so mal pagos
para dizer exatamente o que pensam. Ele enfatiza que no alternativo, a notcia no
merecedora: valor de uso e no de troca. No h nada mais anticapitalista do que isso,
ainda que o alternativo tenha que pagar alguns salrios e aluguis, usar alguma
publicidade (2007, p. 1). Desse modo, possvel compreender que esse tipo de
jornalismo se arriscou em prol de sua nao, a fim de promover transformaes
baseados no talento, inteligncia e fora de vontade, sem depender de terceiros, ou seja,
empresas e principalmente dos governantes.
A imprensa alternativa conquistou um importante papel no perodo do Regime.
Com suas caractersticas marcantes e com um forte grupo seu favor, foi uma grande
aliada dos movimentos sociais, principalmente porque nasceu das ideias de lideranas
populares, estudantis, sindicais, jornalistas, intelectuais e ativistas polticos que agiam
pela necessidade de se engajar em uma causa importante para o pas no momento, a
favor de uma populao que clamava por algum tipo de justia, que tivesse efeito e
conseguisse transformar e dar voz aos que tiveram que se calar.
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Kucinski (1991) refere-se a esse jornalismo de oposio como aquele feito no
perodo de 1970 a 1975, quando os jornais alternativos no eram smbolo, mas a prpria
resistncia tomada face censura (1991, p. 15).
Klein (2006, apud Kucinski, 1991), aponta que este fazer jornalstico
empreendido pelos jornais alternativos que alcanaram grande repercusso (e tiragem)
influenciou no surgimento de prticas diferenciadas, que se expandiram para inmeros
jornais. Esse jornalismo est inserido em um panorama mais amplo de resistncia
cultural: os alternativos tentavam driblar a censura, fugindo das mais variadas formas de
domnio e contando as histrias sob as formas mais variadas.
Na viso de Caparelli, os alternativos geralmente refletem as ideologias dos
grupos que esto por trs desses projetos (1989, p. 96). Nesse grupo de oposio ao
Regime, faziam parte os chamados subversivos, que faziam parte da imprensa em geral
e eram mais dispersos, logo, mais difceis de serem identificados e recriminados. Nota-
se que a censura sobre os jornais e jornalistas dessa imprensa tenha sido mais rgida.
Com isso, a imprensa alternativa no nasce apenas como resultado da represso poltica.
A direta presso econmica dos empresrios de comunicao tambm contribuiu na
formao de um grupo de jornalistas (entre redatores, ilustradores, escritores e
fotgrafos) com grande capacidade de produo que, aos poucos foi sendo afastado da
grande imprensa criando outra forma de trabalho jornalstico no campo alternativo.
A grande sacada desse novo jornalismo, segundo Klein (2006), se deve as
propostas jornalsticas diferenciadas que ele buscava realizar, as quais devem aludir
novas angulaes para a abordagem do cotidiano (portanto, constituindo uma alternativa
frente ao discurso dominante). Assim, a autora enfatiza que ao mesmo tempo em que,
por traduzir um sentimento de mudana e de tentativa de engajamento, estas mesmas
propostas consistem, em si, numa ao especfica para chegar mudana pretendida.
(2006, p. 69). A autora enfatiza que os jornais alternativos se arriscaram a encontrar
formas novas de produo de materiais. Alguns se dedicaram a trabalhar com a charge,
desenhos, contos, crnicas, histrias de vida de pessoas variadas. Desafiaram-se a
buscar um espao que estava fechado e, em boa medida, impulsionaram grandes
aberturas. (2006, p. 76).
A emergncia desse tipo de imprensa foi fundamental para uma grande
transformao no pas. Com essa imprensa, nasceram inmeros jornais que
revolucionaram os modos de dizer no jornalismo e alcanaram seus objetivos para com
a sociedade e a prpria profisso.
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No item seguinte, iremos contextualizar com nfase, quais foram as causas do
surgimento desse tipo de jornalismo, que foi to peculiar e interessante, visto que
nasceu por uma necessidade de mudana e conseguiu, atravs de seu engajamento,
transformar o modo de informar.
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3.1 AS CAUSAS DO SURGIMENTO DOS JORNAIS
ALTERNATIVOS
No captulo anterior, percebemos que o jornalismo alternativo foi criado como
forma de resistncia, que se encaixa em uma forma de controlar informaes que
afetavam a construo da realidade que est sendo vivida.
Desse modo, pudemos compreender que a Ditadura Militar no representou,
apenas, um perodo de intenso conservadorismo poltico, mas, um momento de moral e
costumes conservadores. Com ela, o silncio foi imposto aos opositores do Regime
poltico e comportamental, e tambm queles que buscavam novos modos de expresso
cultural, artstica e de vida. Para Berger (1991) na imprensa alternativa que os
intelectuais e os militares polticos dos partidos vo buscar material para suas anlises
de conjuntura. Desse modo, o autor ressalta imprensa se torna a leitura predileta dos
estudantes de cincias sociais e o nico espao de trabalho para muitos opositores ao
Regime. (1991, p. 15).
Nessas vertentes, iremos contextualizar o captulo atual nos baseando em
especialistas no assunto, ou seja, que estudam a imprensa alternativa e suas razes e
vertentes.
Benvenuto Junior (2007) trata desse assunto em sua pesquisa, e sobre essas
fortes caractersticas, traou o termo como uma imprensa que se constituiu a partir das
organizaes sociais e polticas da oposio, o autor enfatiza que nesse perodo se tinha
um forte vis cultural, ao contar com a colaborao dos intelectuais do teatro, cinema e
da prpria televiso, alm de especialistas da rea social, econmica e poltica (2007,
p. 1).
De acordo com Festa (1986), a causa dessa imprensa s