Bastidores do stf

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Data Venia, o Supremo Picuinhas se imiscuem em decisões importantes, assessores fazem o serviço de magistrados, ministros são condenados em instâncias inferiores, um juiz furta o sapato do outro como funciona e o que acontece no STF por Luiz Maklouf Carvalho O primeiro bocejo foi do ministro José Antonio Dias Toffoli. Com as mãos em concha, sobre a boca. Depois foi Gilmar Mendes, com a proteção de uma das mãos, e por três vezes em menos de dez minutos. Marco Aurélio Mello o seguiu, com dois bocejos. Eles escutavam Ellen Gracie ler um relatório. A voz da ministra tem um timbre agradável, mas sem modulação. Em plenário, à exceção de poucas frases curtas sobre questões pontuais, a ministra nunca fala, só lê. E sempre de maneira monocórdica. O caso em pauta era uma ação contra os deputados federais Alceni Guerra e Fernando Giacobo, denunciados por fraude em licitação. Tramitava no Supremo Tribunal Federal desde 2007 e prescreveria exatamente no dia seguinte. Ellen Gracie, relatora, votou pela condenação dos dois políticos*. Com o ministro Eros Grau em viagem, dez ministros estavam presentes. Quatro votaram com a relatora, condenando os políticos: Cezar Peluso, Ayres Britto, Joaquim Barbosa e Cármen Lúcia. Quatro os absolveram: Dias Toffoli, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes e Celso de Mello. E um, Ricardo Lewandowski, desafiou o senso comum: inocentou Alceni Guerra, ministro da Saúde do governo Collor, mas condenou o outro acusado. Ficaram, então, 5 a 5 para Alceni Guerra, o que o absolveria, porque o empate favorece o réu. E 6 a 4 contra Fernando Giacobo, o que o condenaria. A subprocuradora-geral da República, Deborah Duprat, resumiu bem a confusão: “Neste caso, teremos o réu principal absolvido; e o secundário, condenado.” A cizânia se estabeleceu. “Condenar um e absolver o outro fica muito difícil”, disse o ministro Marco Aurélio, olhando fixo para Lewandowski. Cezar Peluso também o encarou: “Reconsidere seu voto e absolva os dois.” Lewandowski encabulou-se e disse,

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Intrigas no STF

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Data Venia, o Supremo

Picuinhas se imiscuem em decisões importantes, assessores fazem o serviço de

magistrados, ministros são condenados em instâncias inferiores, um juiz furta o sapato

do outro – como funciona e o que acontece no STF

por Luiz Maklouf Carvalho

O primeiro bocejo foi do ministro José Antonio Dias Toffoli. Com as mãos em concha,

sobre a boca. Depois foi Gilmar Mendes, com a proteção de uma das mãos, e por três

vezes em menos de dez minutos. Marco Aurélio Mello o seguiu, com dois bocejos. Eles

escutavam Ellen Gracie ler um relatório. A voz da ministra tem um timbre agradável,

mas sem modulação. Em plenário, à exceção de poucas frases curtas sobre questões

pontuais, a ministra nunca fala, só lê. E sempre de maneira monocórdica.

O caso em pauta era uma ação contra os deputados federais Alceni Guerra e Fernando

Giacobo, denunciados por fraude em licitação. Tramitava no Supremo Tribunal Federal

desde 2007 e prescreveria exatamente no dia seguinte. Ellen Gracie, relatora, votou pela

condenação dos dois políticos*.

Com o ministro Eros Grau em viagem, dez ministros estavam presentes. Quatro

votaram com a relatora, condenando os políticos: Cezar Peluso, Ayres Britto, Joaquim

Barbosa e Cármen Lúcia. Quatro os absolveram: Dias Toffoli, Marco Aurélio Mello,

Gilmar Mendes e Celso de Mello. E um, Ricardo Lewandowski, desafiou o senso

comum: inocentou Alceni Guerra, ministro da Saúde do governo Collor, mas condenou

o outro acusado.

Ficaram, então, 5 a 5 para Alceni Guerra, o que o absolveria, porque o empate favorece

o réu. E 6 a 4 contra Fernando Giacobo, o que o condenaria.

A subprocuradora-geral da República, Deborah Duprat, resumiu bem a confusão:

“Neste caso, teremos o réu principal absolvido; e o secundário, condenado.”

A cizânia se estabeleceu. “Condenar um e absolver o outro fica muito difícil”, disse o

ministro Marco Aurélio, olhando fixo para Lewandowski. Cezar Peluso também o

encarou: “Reconsidere seu voto e absolva os dois.” Lewandowski encabulou-se e disse,

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titubeante: “Tenho dificuldade de absolver o outro.” Marco Aurélio riu com sarcasmo.

Peluso insistiu para o colega mudar o voto. Ellen lembrou que a prescrição ocorreria no

dia seguinte.

Quando o presidente Gilmar Mendes ia proclamar o resultado, o advogado do

condenado apelou pelo bom-senso: que os dois acusados fossem absolvidos. O ministro

Ayres Britto, num mau momento, sugeriu a suspensão do prazo de prescrição, como se

fosse possível. “Mas aí vamos legislar”, protestou Marco Aurélio.

Diante do bafafá e da pressão, um constrangido Lewandowski disse: “Eu reajusto o meu

voto e absolvo ambos os réus.” Marco Aurélio riu de novo. Ayres Britto podia ter

deixado por menos, mas não deixou: “Vossa Excelência mudou o voto, não é?”,

indagou, como se não tivesse notado. Lewandowski respondeu: “A situação é

absolutamente atípica.”

A veia poética de Ayres Britto, sempre presente, lembrou-lhe versos de José Régio, que

recitou sem pejo: “Não sei por onde vou. Só sei que não vou por aí.”

Resolveram suspender a decisão, apesar da prescrição no dia seguinte, para esperar o

voto do ministro Eros Grau. Ele o proferiu uma semana depois, e votou pela absolvição

dos réus – que na prática estavam beneficiados pela prescrição.

Órgão máximo do Judiciário e sustentáculo da República, o Supremo Tribunal Federal é

uma instituição que toma decisões de afogadilho, sem muita lógica – como a mudança

de voto de Lewandowski. Mas sempre as recobre de pompa, de um linguajar precioso

que faz sobressaírem as observações maldosas. Picuinhas se imiscuem em discussões

importantes. Assessores fazem o serviço de magistrados. Há ministros que foram

condenados em instâncias inferiores. Um, cujo pedido de impeachment só não foi

encaminhado ao Senado porque o corporativismo prevaleceu. Outro, que chamou o

colega de chefe de capangas. Até a eleição do seu presidente se dá em terreno incerto.

Na última delas, em março, os onze ministros escolheram o presidente para o biênio

2010–12. Com grande seriedade, e o silêncio respeitoso de uma plateia repleta, cada um

depositou um papel dobrado, com o nome do escolhido, na urna em forma de cálice

carregada por um funcionário. O escrutinador, como manda o regimento, foi o ministro

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mais novo, Dias Toffoli, de 42 anos. Com destoante jovialidade, Toffoli contou os votos

e anunciou o resultado: dez votos para Cezar Peluso e um para Ayres Britto. Gilmar

Mendes saudou o seu sucessor. Na resposta, o ministro Peluso registrou ter sido eleito

“por uma regra costumeira e singular”.

A “regra costumeira e singular”, que não consta do regimento, é a eleição do mais

velho. À exceção de uma vez – em 1943, quando Getúlio Vargas outorgou-se a

indicação do presidente por decreto, sem que a corte chiasse – o critério da antiguidade

prevaleceu. Com isso, sempre se soube, com óbvia antecedência, os próximos

presidentes. Eles serão, depois de Peluso, conforme a linha sucessória, Ayres Britto,

Joaquim Barbosa, Lewandowski, Cármen Lúcia e Toffoli. Se não fosse sair do Supremo

por força da aposentadoria compulsória dos 70 anos, que completa neste agosto, Eros

Grau substituiria Joaquim Barbosa. (Grau já resmungou que a raia miúda o serviria

melhor se ele estivesse na linha de sucessão.)

Por que simular uma eleição cujo resultado é conhecido? “É uma coisa simbólica, que

nos evita desgastes desnecessários”, disse o presidente Cezar Peluso, sentado numa

cadeira dos tempos do Império. Ela faz parte do acervo do antigo Supremo que ainda

estava no Rio. Trazê-lo a Brasília antes mesmo da sua eleição foi a primeira marca do

estilo Peluso. Autorizado pelo presidente que saía e que não teve interesse pela mobília

antiga – “Achei que havia coisas mais importantes a fazer”, espetou Gilmar Mendes –,

Peluso mobilizou primeiro a seção de documentação e acervo. Depois, acionou o

departamento de Arquitetura (há um, sim), para que redesenhasse a planta com os

velhos móveis.

“Vou propor que o gabinete seja tombado”, disse o ministro, satisfeito com a nova

decoração. As duas outras cadeiras do conjunto, as para as visitas, ficam a alguma

distância da mesa imperial. Atrás dela, Peluso defendeu com ardor o critério por

antiguidade. “A eleição formal é importante, porque, como o voto é secreto, há sempre a

possibilidade da divergência”, disse. Agora, se a votação secreta levar à eleição de um

ministro mais moço, sabe-se lá o que acontecerá.

“Estou feliz, sim, e gostando muito”, admitiu Peluso na sua segunda semana como

presidente. “É uma honra pessoal.” Pensou um pouco, e acrescentou: “O que me

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incomoda é a incompreensão das pessoas.”

Era uma reclamação contra pequenos aborrecimentos, como o ocorrido durante a sua

posse, numa cerimônia solene para 1 500 políticos, juízes, advogados e governantes,

entre eles o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mesmo ciente de que o regimento

limita em três os discursos na posse – o do decano, Celso de Mello, o do líder da Ordem

dos Advogados do Brasil e o do novo presidente – Peluso queria que um advogado em

particular o saudasse, o seu amigo Pedro Gordilho. O jeito era tentar convencer o

presidente da oab, Ophir Cavalcante Junior, a abrir mão da fala.

Roberto Rosas, outro advogado amigo de Peluso, convidou Ophir Cavalcante para um

jantar em sua casa e, pela conversa, achou que o tinha convencido a deixar que Pedro

Gordilho fizesse o discurso de saudação dos advogados. Na posse, o apresentador

chamou Gordilho a falar “em nome da comunidade jurídica”, mas em seguida o

presidente da oab o desautorizou, dizendo que só a Ordem podia representar os

advogados.

“Eu me contive quando ouvi aquilo”, disse Peluso. “Fiz um esforço de contenção

terrível: ele rompeu um acordo.” Esforço titânico, mas não totalmente eficaz, pois

quando Ophir Cavalcante terminou o discurso, Peluso fez a plateia rir ao dizer que seu

amigo Gordilho falara “em nome dos espíritos livres”, e não da oab.

Peluso ainda não era da casa quando a escolha do presidente provocou a redução dos

seus poderes. O motivo foi a próstata dos membros do Supremo. Ocorreu em 2001,

quando Marco Aurélio Mello estava fadado a substituir Carlos Velloso, e avisou que

demitiria todos os aposentados lotados nos gabinetes dos ministros. “Sempre defendi

que a aposentaria é para o ócio, e não para acumular renda”, explicou.

O aposentado mais conspícuo, quase um patrimônio tombado, era o médico Célio

Menicucci. “Um homem que examinava a próstata dos ministros”, observou a advogada

Guiomar Feitosa de Albuquerque Lima, então assessora de Marco Aurélio e hoje casada

com o ministro Gilmar Mendes. Ela avisou o novo presidente que Menicucci era

imexível, seja pelas próstatas, seja pela amizade que o ligava ao ministro Moreira Alves,

um dos baluartes da corte. Carlos Velloso foi outro a alertá-lo: “O Moreira não vai

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aceitar isso de jeito nenhum.”

Como a indicação do segundo escalão era atribuição exclusiva do presidente, Marco

Aurélio fechou questão. Avisados, todos os aposentados demitiram-se. Menos o

médico. Só redigiu sua carta de demissão quando o próprio Marco Aurélio o intimou, ao

cumprimentá-lo numa cerimônia: “Doutor Célio, o Supremo espera uma atitude sua.” A

carta de demissão veio, mas a revolta capitaneada por Moreira Alves já estava em curso.

À exceção do ministro Celso de Mello – e, obviamente, de Marco Aurélio – os demais

aprovaram uma emenda regimental que tirava do presidente o direito de indicar o

segundo escalão. Este, pe-la emenda aprovada, teria que passar pela votação do

plenário. “Foi um verdadeiro ai-5 contra mim”, disse Marco Aurélio ao lembrar-se da

história, ainda exalando emoção. “Ou eu aceitava, ou eles não me levariam à

presidência. Aceitei, mas aquilo foi uma violência.”

A grande figura do Supremo Tribunal Federal em seus primeiros anos não foi nenhum

ministro, e sim o advogado Rui Barbosa. Batendo-se por habeas corpus para

prisioneiros da ditadura de Floriano Peixoto, ele lotou as galerias com discursos

abrasadores. Foi o único advogado, na história do Tribunal, a quem se concedeu o

privilégio de não ter limite de tempo para falar. Está certo que foi quase à força.

Advertido pelo presidente de que o regimento concedia apenas quinze minutos aos

advogados – como hoje – Rui, que mal começara a peroração, ameaçou: “Observo a

Vossa Excelência que desse modo prefiro não defender a causa.” E falou, em seguida,

pelo tempo que quis. Rui Barbosa perdeu a causa, os habeas corpus não foram

concedidos, não houve revolta alguma: o que acontece no Supremo raramente provoca

comoção fora dele.

O sSTF foi, primeiro, Supremo Tribunal de Justiça – sucessor de uma Casa da

Suplicação do Brasil, instalada por dom João vi, em 1808, quando a corte portuguesa

fugiu das tropas napoleônicas para o Rio. Criado pela Constituição de 1824, foi

efetivado cinco anos depois, em 1829, composto por dezessete juízes. Passou a ter o

nome que tem – Supremo Tribunal Federal – no começo da República, primeiro por

decreto, e, depois, pela Constituição de 1891. Sua primeira sede foi o prédio do Senado

da Câmara do Rio, na atual Praça da República. Depois funcionou na rua 1º de março.

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Eram quinze juízes, a maioria oriunda do Império.

Floriano Peixoto foi o primeiro presidente a violentar o Supremo – sem maior reação.

Impôs ministros e deixou de indicá-los a seu bel-prazer. Lá meteu dois generais e um

médico. Este, Barata Ribeiro, dá nome a uma das ruas mais conhecidas de Copacabana.

Foi ministro por quase um ano sem que o Senado aprovasse a sua indicação, e saiu

quando o Senado o rejeitou. Essa e quatro outras, no mesmo governo Floriano, foram as

únicas rejeições de ministros pelo Senado em toda a história do STF.

Getúlio Vargas também pisou no Supremo Tribunal Federal – inclusive com a

aposentadoria compulsória de meia dúzia de ministros, e com a proibição de apreciação

dos atos do Governo Provisório instalado em 1930. Com o golpe de 1937 e a ditadura

do Estado Novo, um decreto outorgou a Getúlio o poder de nomear o presidente e o

vice-presidente da corte.

Enquanto funcionou no Rio, os juízes do Supremo não tinham maiores regalias. Carro,

era só para o presidente. Quando ele era Orozimbo Nonato, ficava na garagem se viesse

a quebrar. No começo dos anos 60, Márcio Thomaz Bastos, um advogado em começo

de carreira, o viu tomar um bonde, carregado de processos. Certa vez, Orozimbo Nonato

ficou escandalizado num verão lancinante, quando o ministro Luiz Gallotti pediu-lhe

que providenciasse dois aparelhos de ar-condicionado. “Até esse momento, Gallotti,

você seria o meu candidato ideal a presidente da República”, disse-lhe Nonato. “Jamais

pensei que pudesse revelar-se tamanho perdulário com o emprego do dinheiro público.”

Os gabinetes dos ministros tinham 20 metros quadrados.

O Supremo também baixou a cabeça no golpe militar de 1964. Seu presidente, Álvaro

Moutinho da Costa, filho de general e irmão de coronéis, foi à posse de Ranieri Mazzilli

na noite de 1º de abril, quando João Goulart ainda estava no Brasil. É verdade que,

segundo a história oral do Tribunal, depois Moutinho da Costa reagiu a ameaças do

ministro do Exército, Costa e Silva, ameaçando fechar a casa e mandar a chave da

instituição ao Planalto. Mas nada aconteceu quando o Ato Institucional nº 2 aumentou o

número de ministros de onze para dezesseis. Em 1968, a aposentadoria compulsória

ceifou os ministros Victor Nunes Leal, Evandro Lins e Silva e Hermes Lima. O único a

rebelar-se publicamente contra os militares foi Adauto Lúcio Cardoso: em 1971,

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vencido numa votação contra a censura, ele retirou-se intempestivamente do plenário

durante a sessão de julgamento. Celso de Mello, o que mais sabe sobre a história da

corte, não confirma que Adauto Lúcio Cardoso tenha jogado a toga sobre a bancada ao

se retirar.

Sem a tv Justiça, criada nos anos 90, muita coisa ficava entre quatro paredes. Por

coincidência, a lei que a criou foi sancionada pelo presidente da República Marco

Aurélio Mello, que substituía Fernando Henrique Cardoso por uns dias na chefia do

Executivo. Mello é um entusiasta da transmissão direta. Fernando Henrique, nem tanto.

“Eu tenho dúvida em relação à transmissão pela televisão”, disse-me ele no seu

escritório em São Paulo. “Porque a imensa maioria da população não entende aquela

linguagem. Nos Estados Unidos, duas coisas são muito diferentes daqui: não sai nada,

não pode nem fotografar, e tudo aparece como se fosse consensual. Nós não podemos

transformar a Corte Suprema em outro congresso. Congresso é diferente: tem quer ser

aberto, transparente, refletir até mesmo a certa desordem que há no Brasil. Mas o

Supremo? Deveria ser mais litúrgico.” E o que se faz a respeito? Acabar com a

transmissão direta? “Agora é difícil”, respondeu Fernando Henrique. “Se acabar, vão

dizer que é antidemocrático.”

O professor Conrado Hübner Mendes, da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, que

termina o seu doutorado na Universidade de Edimburgo, na Escócia, não tem dúvidas.

“A superexposição na televisão não ajuda o Supremo a ser mais transparente”, afirmou.

“Tampouco ajuda a sociedade a entender melhor o papel do Tribunal e da Constituição.

Em geral, só tem atrapalhado: cria um palanque para que ministros se tornem

celebridades, em prejuízo do debate franco entre eles.” Para Hübner Mendes, “é claro

que transparência é indispensável em muitos aspectos. Mas a inexistência de qualquer

reunião privada entre os juízes tem efeitos perniciosos também, tal como o

enrijecimento do debate (ninguém gosta de admitir que esteja errado em público) e a

teatralidade. Há bastante pesquisa sobre isso na ciência política, e a recomendação, em

geral, é que se busque uma forma híbrida, que combine momentos públicos e abertos

com deliberações a portas fechadas.”

Cabe ao Supremo zelar pela Constituição. Todas as ações e recursos que a questionem

de alguma maneira vão parar lá. A Constituição de 1988 aumentou o número dessas

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ações e de seus potenciais proponentes. Antes, por exemplo, só a Procuradoria Geral da

República podia propor ações diretas de inconstitucionalidade. Hoje, muitas entidades

podem fazê-lo. A Constituição também criou o mandado de injunção, pelo qual se pode

apelar ao Supremo em casos de normas* constitucionais que ainda não foram

regulamentadas. Todos os casos que dão entrada têm que chegar a uma decisão – ou

monocrática (de um ministro), ou colegiada (de turma ou de plenário). É diferente, por

exemplo, da Suprema Corte dos Estados Unidos, onde são os nove ministros que

escolhem o que vão julgar. Os casos, lá, não passam de algumas dezenas por ano.

O Supremo, em contrapartida, recebe uma torrente de processos, que invade e se

amontoa nos gabinetes. O recorde foi em 2006, quando tramitaram 127 mil. No ano

passado houve mais de 120 mil julgamentos. Arredondando as contas, foram 11 mil

julgamentos por ministro no ano. Ou 900 por mês, trinta por dia. Mais de três por hora,

considerando oito horas diárias de trabalho.

“São números obscenos”, disse Oscar Vilhena Vieira, também ele professor de direito

da Fundação Getulio Vargas de São Paulo e autor de Supremo Tribunal Federal:

Jurisprudência Política, um dos poucos livros com uma visão crítica da Corte Maior.

“Se considerarmos que 90% das decisões do STF são tomadas monocraticamente, de

forma individual, o quadro fica ainda pior. O Supremo é um colegiado justamente para

reduzir os erros e impedir a ruptura da regra da imparcialidade. Ao invés disso,

transformou-se de fato num órgão onde os juízes proferem, individualmente, uma

quantidade enorme de decisões todos os dias. Ou seja: a corte não é corte. O que nós

temos hoje é uma somatória de onze votos – que quase sempre já estão redigidos antes

da discussão em plenário –, e não uma decisão da corte, decorrente de um debate

robusto entre os ministros.”

Este ano, no primeiro semestre, quase 36 mil processos foram protocolados no

Supremo. A diminuição ocorreu por causa de novos mecanismos criados com a reforma

do Poder Judiciário, de 2004. Um dos mais importantes é a súmula vinculante, que evita

a tramitação de processos com reiteradas decisões iguais. Um exemplo é a que declara

inconstitucional qualquer lei que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios,

inclusive bingos e loterias. Qualquer processo que trate desse tema será resolvido com a

simples aplicação da súmula.

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Nas segundas e sextas-feiras não há julgamentos. Cada ministro, nisso como em tudo,

faz o que lhe aprouver. Alguns trabalham em casa – como quase todos dizem que fazem

–, outros vão aos gabinetes. O ministro também é responsável pela gestão de seu

gabinete – da decoração, que volta e meia muda, ao horário do expediente. Os gabinetes

são todos enormes – alguns chegam a 500 metros quadrados – e neles trabalham, em

média, trinta funcionários. Alguns são abertos e arejados – como o de Marco Aurélio –,

e outros cheios de salas, como o de Celso de Mello. Há processos por todo o lado,

identificados por pastas de cores diferentes. Recursos extraordinários, nas amarelas.

Agravos, azuis. Criminais, laranja.

“Aqui chegam quarenta processos por dia, mas há não muito tempo chegavam 100”,

disse Marcos Paulo Meneses, assessor-chefe do gabinete de Marco Aurélio (que tem

447 metros quadrados e vista panorâmica para o cerrado e o lago Paranoá, e é tocado

por quarenta funcionários). Menezes tem 29 anos e está há dez anos com o ministro.

Dribla com fluidez as pilhas de processos no carpete cinza, e sabe em quais armários,

inclusive os que ficam no 2º subsolo do anexo 2, estão os milhares de outros. Eram 13

mil no começo do ano passado. Diminuíram para 8 500 no meio deste ano.

Os processos passam, para usar a linguagem de Meneses, por três níveis de produção.

Primeiro, são separados por classe (como agravos, recursos extraordinários e ações

originárias) e por matéria (tributária, servidor público, trabalhista, previdenciária,

criminal). Depois, vão para os analistas, a quem cabe dizer se cumprem as formalidades

da lei. Se cumprirem, verifica-se se o ministro já tomou decisão num processo

semelhante. Se sim, como acontece em grande parte dos casos, eles a reproduzem tal e

qual. Se não, vão para um dos cinco assessores jurídicos. Eles analisam o processo e

preparam um resumo de três folhas, sem citações. Na maioria dos casos, é apenas esse

resumo que o ministro lerá – e é com base nele que tomará sua decisão. Ocorre de o

ministro pedir as peças que quiser, ou até o processo inteiro. Mas é raro.

O bacharel João Bosco é um outro assessor de Marco Aurélio. Na mesa atulhada de

processos ele comenta que um dos graves problemas para administrar aquelas pilhas

todas é a deficiência técnica de muitos advogados. “Cerca de 80% dos habeas corpus

são mal instruídos pelos advogados”, disse Bosco. “Muitos não trazem sequer cópia do

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ato que pretendem derrubar – e tudo isso gera atraso.” O assessor tem uma boa memória

sobre os casos absurdos que chegaram ao Supremo. Um deles – o hc 74103, do Rio de

Janeiro – talvez seja o campeão mundial do gênero. Um cidadão idoso, afirmando ter

lido no jornal que o então presidente Fernando Henrique Cardoso teria mandado um

ofício a todos os aposentados com mais de 65 anos, convidando-os a se apresentarem

para a incineração, pedia garantias ao Supremo. Relatado pelo ministro Neri da Silveira,

o processo tramitou durante três meses. E foi a julgamento em agosto de 1996.

Os julgamentos do Supremo ocorrem na sessão plenária, nas tardes das quartas e

quintas-feiras, e nas sessões das turmas, nas tardes das terças. São duas turmas – a

Primeira e a Segunda, no jargão interno –, com cinco ministros cada uma. A Primeira,

presidida por Ricardo Lewandowski, não aceita julgar processos em lista, sistema que

agrupa dezenas ou até centenas de casos semelhantes e decide todos de uma tacada só.

“Não somos batedores de carimbo”, disse o ministro Marco Aurélio para explicar sua

contrariedade às listas. A Segunda Turma, presidida por Eros Grau, julga sequências de

listas, uma atrás da outra. O presidente apenas lê os números dos processos, aprova por

unanimidade em segundos e proclama o resultado. “É uma forma de aliviar a carga

pesada”, disse o ministro Joaquim Barbosa, que era contra as listas, mas acabou

capitulando.

Os julgamentos das turmas não são transmitidos pela tv Justiça. Mas o serão, em breve,

assim como as sessões do Conselho Nacional de Justiça, se depender do presidente

Cezar Peluso. Os da plenária têm transmissão direta. Os primeiros que aparecem, antes

de começar as sessões de julgamento, são os “capinhas”, assim chamados por causa da

obrigatória capa preta, curta, sobre os ombros.

Os ministros também são obrigados a usar toga. É uma capa de cetim preto, comprida,

sobre a roupa. A simples, que usam no dia a dia, é sobreposta e amarrada nas costas por

duas fitas. A toga de gala, usada em cerimônias solenes, tem que ser vestida pela

cabeça. Ela tem um camisão cheio de babados, na frente, e a cintura é cingida por uma

faixa de seda. O Supremo as compra, cinco por ano, de poucas confecções. A de gala

custa

370 reais; a simples, 197. As togas ficam sob a responsabilidade dos respectivos

gabinetes. Na prática, com os capinhas. Cabe a eles, nos dias de sessões, tirá-las dos

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armários, estendê-las sobre uma mesa de jacarandá, no salão branco, adjacente ao

plenário, e colocá-las nos ministros.

Gilmar Mendes não tem paciência de esperar a amarração. Seu capinha tem que fazê-lo

enquanto ele sai andando. A ministra Ellen Gracie proibiu seu capinha de estender a

toga na mesa de jacarandá. Acha que traz maus fluidos, porque é no móvel que são

velados os ministros defuntos, que recebem as últimas honras da casa no salão branco.

As duas ministras tentam harmonizar as roupas com o negrume das togas. Às vezes, a

combinação é audaz, como no dia em que a ministra Cármen Lúcia adentrou o plenário

com um terninho rosa-choque. A ministra Ellen não se furta a mostrar, além do perfil

olímpico e do perfume sempre generoso, a pele ebúrnea dos braços à mostra.

E ambas sempre indagam dos capinhas se, comme il faut, o bico dos sapatos está

aparecendo sob a toga. As duas ministras não conseguiram quebrar a hegemonia

masculina dos auxiliares de plenário: só há capinhas homens.

É um cargo de confiança. Eles servem para tudo: puxar a poltrona quando as

excelências vão sentar ou levantar, arrumar livros e processos que devem estar à mão,

servir água, café ou chá, levar recados ou bilhetes, resolver encrencas com

computadores, documentos que faltaram e que tais. Há os que já puxaram a cadeira

demais (uma vez o ministro Grau foi ao chão), que já derramaram água ou café (Grau,

idem) e que já entregaram ao ministro o relatório do processo errado (Toffoli, que só

descobriu ao ser advertido pelo advogado do caso). Mas, vendo-se a faina antes das

sessões, pode-se dizer que um bom capinha é meio ministro. Sem contar que eles sabem

tudo o que se passa na casa, e mais alguma coisa.

Mesmo que tudo esteja pronto para os ministros entrarem na hora, e sempre está, as

duas turmas começam as sessões com atraso. E não vão a muito mais de três horas de

duração. A Primeira ainda volta depois do intervalo. A Segunda, nem isso. A Primeira é

mais agradável de ser assistida, pela implicância e picardia do ministro Marco Aurélio.

É comum que ele fique em posição vencida – como faz questão de alardear – e que

questione os que dele divergem de maneira provocativa. Puxa conversa com a ministra

Cármen Lúcia, que senta ao seu lado. Ela responde de modo gentil, mas formal. Do

outro lado ficam Ayres Britto e Dias Toffoli, que é quase tão silencioso quanto a

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ministra. Fala o estritamente necessário. Há momentos ternos na Primeira Turma:

“Nunca me abespinho com Vossa Excelência, sendo Vossa Excelência uma flor”, disse

certa vez Cármen Lúcia a Ayres Britto.

A Segunda Turma é mais sisuda, e raramente sai dos autos. Tirante grunhidos e

resmungos do ministro Eros Grau, resta a formalidade de Celso de Mello e o mutismo

de Ellen Gracie, Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes (que anda caladíssimo depois que

saiu da presidência).

As plenárias de quartas e quintas são o horário nobre do Supremo. Realizadas no

auditório do prédio principal, no salão de mármore com o relevo construtivista de Athos

Bulcão, também começam com grande atraso. Os advogados se queixam muito – a

maioria vem de outros estados – mas nenhum ainda teve coragem de reclamar com os

juízes.

À entrada dos ministros, e também do procurador-geral da República, Roberto Gurgel,

numa fila puxada pelo presidente, todos se levantam. Se alguém esquecer, ou não

estiver prestando atenção, os seguranças lembram. Eles são pelo menos uma dúzia e

acordam ostensivamente quem cochila – menos os ministros, é claro. Às vésperas de

deixar a presidência, esgotado pela ciranda das despedidas, Gilmar Mendes cochilou em

vários momentos durante uma sessão plenária, acordando assustado. “Você viu como eu

não estava aguentando?”, perguntou, depois.

Os seguranças também admoestam os donos de celulares que tocam e os fotógrafos que

se aproximam dos juízes ou fazem barulho. Mas às vezes, como ocorreu numa sessão de

março, deixam que um maluco suba na tribuna dos advogados para ameaçar os

ministros. A sessão foi suspensa, cinco policiais expulsaram o cidadão que, já fora do

STF, gritava: “Aí só tem ladrão, aí só tem ladrão.”

O problema é que a tribuna fica entre os juízes e o público. Mas como as instalações são

tombadas, o Patrimônio Histórico não permite modificações. “Vamos ter que resolver

isso, antes que aconteça alguma coisa pior”, disse o presidente Cezar Peluso. Ele trocou

o chefe da segurança e mandou restringir a circulação em algumas áreas do prédio,

como o andar da presidência.

Page 13: Bastidores do stf

Quem escolhe o que vai a julgamento nas plenárias é, exclusivamente, o presidente. A

sessão começa com a leitura da ata da sessão anterior, para a qual, cumprindo a praxe,

nenhum deles dá a mínima. O presidente, então, anuncia o processo a ser julgado e

passa a palavra para o relator. Este expõe o caso, lendo um relatório que já trouxe

pronto. Poucos ministros sabem combinar a leitura com comentários e acréscimos

improvisados. Se houver sustentação oral, os advogados sobem na tribuna depois que o

relator acabou. Eles têm no máximo quinze minutos para falar. Se o Ministério Público

quiser se manifestar, a hora é essa. Roberto Gurgel é talvez o mais silencioso procurador

que ali já pisou: manifesta-se quando é estritamente necessário e evita apartes. Depois

que as partes se manifestaram, a palavra volta para o relator, que então, em nova leitura,

expõe o seu voto.

Um acompanhamento regular das sessões durante um trimestre, mostrou, data maxima

venia, que o Supremo tem quatro ministros capazes de discutir uma questão com

profundidade e desenvoltura, sem se aterem à leitura de papéis ou de tela de

computador: Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes e Cezar Peluso. Os

demais, em maior ou menor grau, dependem do papel.

É o caso das duas ministras. Ellen Gracie porque lhe é do estilo. Cármen Lúcia, não se

sabe. Quem já a viu fazendo palestras sabe que é capaz de fazer uma plateia rir por

comentários como “essa reforma administrativa fala em membro inativo, e eu odeio

membro inativo”. Gilmar Mendes, que gosta dela e a chama de Carminha, acha que a

ministra ainda não se recuperou da troca de e-mails com Lewandowski. Numa sessão,

eles trocavam mensagens sobre questões internas da corte – deixando mal o ministro

Eros Grau – quando o fotógrafo Roberto Stuckert Filho, de

O Globo, clicou a tela e o jornal publicou no dia seguinte. “O Lewandowski deu a volta

por cima, mas ela ainda não conseguiu”, disse Mendes.

Embora seja dos mais formais – chama os colegas de “eminentes pares”– Lewandowski

raramente sai do script. Questionado, atrapalha-se. Joaquim Barbosa soma com os

mudos. Não se mete em questões polêmicas de jeito nenhum. Já suou quando o ministro

Marco Aurélio, sempre ele, em golpes sequenciais, o colocou nas cordas com uma

pergunta que não soube responder a respeito do processo que relatava naquele

Page 14: Bastidores do stf

momento. É menos absurdo do que possa parecer. O acúmulo de processos leva a que,

muitas vezes, ministros só tomem conhecimento do que se trata na hora da sessão,

quando leem o que escreveram os assessores.

Joaquim Barbosa explicou que está sempre num senta-levanta devido a dores na coluna.

Retira-se várias vezes durante a sessão e vai para a sua cama ortopédica na sala de

lanches do salão branco. Ayres Britto fala fora do papel, mas na maioria das vezes para

contribuições poéticas que desanuviam o ambiente. O silêncio de Toffoli rescende à

prudência de quem ainda não conhece direito a celebração da missa. E o de Eros, às

vezes, sinaliza que seus pensamentos estão em outro continente.

No intervalo – do qual sempre voltam muito atrasados – os ministros saboreiam um

lanche não tão farto quanto já o foi, objeto até de denúncia. Ele é servido por garçons

num canto, protegido por biombo, do salão branco.

“A sessão de julgamento do Supremo é geralmente uma farsa, um teatro

contraproducente”, opinou o professor Hübner Mendes. “Todos chegam com seus votos

prontos e gastam horas apenas para lê-los em público. Eventualmente, até há alguma

interação entre eles, uma pergunta, uma rápida discussão, mas quase sempre superficial,

que nunca muda o voto de ninguém.”

Para o professor Hübner Mendes, há um “ambiente de academia de letras” no Supremo,

marcado pelo pedantismo e a prolixidade: “Existe um apego à beleza literária e,

sobretudo, à erudição dos votos, e pouca atenção à especificidade dos fatos de cada

caso. Não são raros os votos que fazem longos resumos de certos temas na história do

pensamento, como liberdade de expressão, separação de poderes etc. O problema não é

somente a péssima qualidade do resumo, versões baratas de almanaque, mas sim que

isso apenas desvia a atenção para a boa resolução do caso sobre a mesa. Os juízes têm

que ser solucionadores de problemas e fornecedores de boas justificativas. Suas

pretensões como escritores e intelectuais não deveriam ser relevantes.”

Em cortes superiores europeias, e também nos Estados Unidos, advogados não podem

falar com ministros. A lei proíbe. No Brasil, o direito é constitucional. A Ordem dos

Advogados bate-se por ele, mas sabe que é uma questão polêmica desde que o ministro

Page 15: Bastidores do stf

Joaquim Barbosa a questionou. Barbosa não é completamente contra receber os

causídicos. Tanto que os recebe: foram 35 no ano passado e dez este ano, até sair de

licença – quantidade que outros ministros recebem em um mês, ou até em uma semana.

É contra, sim, recebê-los sem a notificação da parte contrária, para que ela possa,

querendo, comparecer. Outros ministros são simpáticos a restrições.

No ano passado, quando o assunto veio à baila, sete deles assinaram uma proposta de

mudança de regimento nesse sentido. Como o barulho foi grande, e como há ministros

fortemente contrários às restrições – Marco Aurélio, por exemplo – a questão está em

banho-maria. Deve retornar à pauta durante a presidência de Peluso, que é contra

receber advogados. “Não há nada que um advogado não possa dizer nos autos, e é assim

que deve ser”, disse ele. Explicou que ainda os recebe, “porque a questão não foi

resolvida e haveria uma grita se eu não o fizesse”, mas acha que deve ser enfrentada.

“Em nenhum lugar do mundo existe isso, só no Brasil. Nos Estados Unidos é como se

eles não tivessem nem telefone, ninguém sequer liga.”

Lewandowski é o único a receber os advogados, regularmente, nos intervalos das

sessões da Primeira Turma. Eles informam ao capinha do ministro que desejam falar

com ele. O capinha leva o ministro até eles, um por vez, e se afasta um pouco. O

ministro troca palavras formais, olha nos olhos, recebe os memoriais que são entregues

e diz que vai olhar tudo com atenção. Às vezes, coincide de um desses advogados ser o

deputado federal José Eduardo Cardozo, da direção do PT e da campanha de Dilma

Rousseff. Lewandowski também é o presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

Naqueles dias, esse tribunal havia multado o presidente Lula por propaganda indevida.

Cardozo foi recebido cordialmente, e levado para um das poltronas da plateia, onde se

sentaram.

Outro advogado que frequenta o Supremo é José Roberto Batochio. Alguns de seus

casos são famosos, como o processo em que defendeu o ex-ministro da Fazenda

Antonio Palocci, denunciado pela quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos

Santos Costa. O advogado ganhou e o ex-ministro lhe pagou de honorários, em cinco

vezes, 500 mil reais (praticamente uma gorjeta para os padrões do mercado).

“Se existe uma instância digna de confiança e isenta de vícios que acometem a ordem

Page 16: Bastidores do stf

pública no Brasil, esta é o Supremo Tribunal Federal”, disse Batochio. Quando Carlos

Velloso ainda era do STF, coube-lhe relatar um habeas corpus em que Batochio pedia a

liberdade de Flávio Maluf, que estava preso com o pai, Paulo Maluf. Velloso concedeu

o habeas corpus a ambos. No final da sessão, Batochio foi cumprimentar o ministro e

um fotógrafo captou a efusividade do encontro, estampado, no dia seguinte, na maioria

dos jornais. “Fizeram muita maldade com aquilo e não houve absolutamente nada”,

disse o advogado. “Foi apenas um abraço caloroso”, explicou Carlos Velloso.

Outro advogado que atua no Supremo é José Luis de Oliveira Lima, Juca para os

amigos. Ele é o patrono do maior e mais famoso processo que tramita na casa – o do

mensalão, relatado pelo ministro Joaquim Barbosa, no qual defende o ex-ministro José

Dirceu. No final do ano, na véspera do Natal, em parceria com Márcio Thomaz Bastos,

Oliveira Lima conseguiu do ministro Gilmar Mendes uma liminar que tirou da cadeia

um dos seus clientes mais conhecidos, o médico Roger Abdelmassih, denunciado por

crimes sexuais contra pacientes.

Quatro meses depois, numa segunda-feira de maio, Oliveira Lima homenageou o

ministro Gilmar Mendes com um jantar em seu apartamento. “É o mínimo que ele

merece, pela gestão revolucionária que fez no Supremo”, explicou Oliveira Lima.

Convidou trinta criminalistas, entre os mais prestigiados de São Paulo. Gilmar Mendes

foi com a esposa, Guiomar, que discursou. Márcio Thomaz Bastos foi um dos primeiros

a se retirar. “Não vejo nenhum conflito ético em comparecer a esse jantar”, me disse

Gilmar Mendes. “Nem eu”, afirmou o anfitrião.

Poucos comem peixe assado como o ministro Marco Aurélio. Vai na mão mesmo, não

importa o tamanho ou a quantidade de espinhas. O carapeba veio do Maranhão, terra

natal da cozinheira. “Uma delícia”, disse o ministro, literalmente lambendo os beiços,

na mesa na copa. Ele mora, com a esposa desembargadora e um de seus quatro filhos,

fora os empregados, numa casa à beira do Lago Sul. A garagem guarda seus veículos de

estimação: um Fusca 69, um Alfa Romeu 98 e, menina dos olhos, uma moto Kawasaki

97, com a qual já foi ao Supremo.

É uma segunda-feira, dia em que trabalha em casa. É preciso contornar, no chão, as

pilhas de processos que atulham o escritório desarrumado. Eles também estão nas

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poltronas, na estante e espalhados pela mesa. “Aqui tem uns 100 processos”, ele estima.

No gabinete do Supremo há outros, uns 8 mil.

O ministro trabalha falando. Dita suas decisões, solitário, para um gravador pequeno.

As fitas são enroladas num papel e presas com clipes. Se há urgência, um motorista as

leva para o Supremo. “É lá que fica a mulher que mais me ouve”, brinca o ministro. É a

servidora Cláudia Borges, que degrava as fitas para o papel, por meio de um ditafone.

Ele tem um pedal que controla a velocidade da voz, facilitando a transcrição. O ministro

mandou comprá-lo no exterior. Cláudia comanda quatro funcionários. A equipe é

robusta porque o juiz dita a valer, e tem um modo de falar peculiar: parece que sempre

lhe falta fôlego, e ele acentua o final das palavras que terminam com “al”.

Marco Aurélio estava chateado com uma pesquisa divulgada na imprensa sobre a

lentidão do STF, na qual ele não figurava entre os mais rápidos. “A batalha para

combinar conteúdo e celeridade é inglória”, disse. “Eu não entro na competição de

quantidade, e não aceito que juízes auxiliares julguem os meus casos. Acho que o ofício

de julgar é indelegável, porque não basta a formação técnica. A formação humanística é

mais importante.”

Juízes auxiliares foram introduzidos no Supremo Tribunal Federal, por maioria de

votos, numa reunião administrativa, durante a presidência de Nelson Jobim. Achou-se

que eles ajudariam a dar conta das montanhas de processos – quase 10 mil por ministro,

vale lembrar. O regimento passou a estipular que um ministro tem direito a um juiz

auxiliar, em cargo de confiança, que requisita de outros tribunais, a seu exclusivo

critério. Nove ministros têm juiz auxiliar. Marco Aurélio e Celso de Mello, que são

contrários, nunca indicaram os seus. Essa sobra, por assim dizer, foi reivindicada por

Ellen Gracie, que queria ficar com três só para ela. Numa sessão administrativa, seu

pedido foi posto em votação e recusado.

Marco Aurélio tem 31 anos de magistratura. “O dia que eu perder o entusiasmo,

requeiro a aposentadoria”, disse. “Não me imagino saindo do Supremo, aos 70, para

advogar. Talvez a área acadêmica, na fmu. Uma reitoria, quem sabe. De tédio eu não

morrerei.” Ele tem relações profissionais e de amizade com o dono das Faculdades

Metropolitanas Unidas, de São Paulo, Edevaldo Alves da Silva. Chama-o de “meu

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irmão”.

Depois de degustar a carapeba, o ministro relembrou um dos muitos embates que teve

na corte: “Era uma discussão em que o governo tinha interesse. O Nelson Jobim me

imprensou, com aquele jeito de gaúcho trepidante. Aparteou três vezes. Na terceira,

virei-me para o Celso de Mello e disse: „Confesso que eu não tenho medo de polícia

governamental.‟ O Jobim reagiu: „Repilo, repilo!‟”

Não há ministro que não tenha tido arrufos com Marco Aurélio. Já se pegou algumas

vezes com Joaquim Barbosa – numa delas o chamou para um duelo. Já fez o ministro

Eros Grau ter um preocupante aumento de pressão. Não dá trégua à ministra Ellen

Gracie quando acha que ela está errada, e sempre parece achar isso. Marco Aurélio

gosta e repete até nas sessões de julgamento, o apelido que lhe foi dado por Nelson

Jobim: ferrinho de dentista. Não provoca só juízes. Certa vez ele encontrou, no elevador

privativo dos ministros, um jornalista que não deveria estar lá. “E então, ministro, quais

são as novidades?”, perguntou o repórter. “A novidade é essa nossa intimidade”,

respondeu-lhe Marco Aurélio, na bucha.

No seu gabinete, um cróton enorme, de folhagem exuberante, que já vai para uns trinta

anos de vida, chama a atenção. É o começo de uma noite de quinta-feira. Não houve a

costumeira sessão plenária da tarde, por falta de quorum. “Esse cróton é o meu

amuleto”, comenta o ministro Marco Aurélio. “Aonde eu vou, ele vai atrás.” Só de

Supremo a planta tem vinte anos, contados de junho de 1990, quando ele chegou lá,

indicado pelo primo presidente da República, Fernando Collor de Mello. “Eu não sou

primo dele”, disse uma vez no programa Roda Viva, deixando em dúvida, por alguns

segundos, o jornalista que lembrara o parentesco. “Ele é que é meu primo, porque

nasceu depois”, emendou. Ri do gracejo até hoje, achando que foi uma grande tirada.

O viço do cróton contrasta com a tensão do ministro. Ele já foi três vezes ao banheiro

do gabinete para, conforme disse, “aumentar a autonomia”. “Uma vez o Peluso me disse

que essa era a melhor expressão que ele ouvira para fazer xixi”, disse. Em boa parte das

histórias contadas por Marco Aurélio aparece alguém lhe fazendo um elogio. Se não

aparecer, ele próprio não se furta, com verve e prazer. O assunto que o deixa apreensivo

é um segredo do Supremo Tribunal Federal: em 2001, quando era o presidente da corte,

Page 19: Bastidores do stf

três ministros pelejaram para levá-lo ao impeachment, no Senado, única instância que

pode afastar um ministro do Supremo Tribunal Federal.

A ameaça de destituição ocorreu porque Marco Aurélio alterou o conteúdo de uma

decisão colegiada. Era um pedido de habeas corpus para um oficial da Aeronáutica

flagrado, com outros colegas, com 33 quilos de cocaína no momento da decolagem de

um avião da Força Aérea Brasileira, no Recife. Como relator do caso, Marco Aurélio

levou o habeas corpus a julgamento da Segunda Turma. Votou pela concessão, obtendo

a unanimidade dos dois ministros presentes, o presidente da Turma, Néri da Silveira, e

Nelson Jobim. Celso de Mello e Maurício Corrêa, que completavam a Segunda Turma,

estavam ausentes.

Cabia a Marco Aurélio a redação do acórdão, nos termos votados. Quais sejam:

considerar ilegal a prisão preventiva, por excesso de prazo, assegurando ao acusado o

direito de aguardar o julgamento em liberdade. Uma decisão a mais, como milhares de

outras.

Só que Marco Aurélio acrescentou no acórdão uma expressão não formulada no

julgamento: “Torno definitiva a liminar, para que o paciente aguarde em liberdade o

julgamento dos citados processos e, na hipótese de condenação, a imutabilidade do ato

processual formalizado.” Em outros termos: ele dizia que o réu deveria ficar em

liberdade mesmo em caso de condenação.

Veio a condenação, a 17 anos de reclusão, e o juiz federal mandou prender o réu. O

advogado do condenado recorreu novamente ao Supremo, pedindo outro habeas corpus.

Arguiu, justamente, que a frase final do acórdão deveria garantir a liberdade de seu

cliente. Ao reassumir o caso, Marco Aurélio deu a liminar, reafirmando o acórdão da

Segunda Turma, inclusive em sua parte final.

O habeas corpus foi para o tribunal pleno em 12 de setembro de 2001, agora com

Marco Aurélio na presidência do Supremo. A transcrição dos debates mostra que

Nelson Jobim questiona o teor de decisão da Segunda Turma – e acusa Marco Aurélio

de ter acrescentado, no acórdão, uma tese em que fora vencido. “Não gosto é que se

traspassem, por dentro de uma decisão, situações vencidas na turma”, disse Jobim ao

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plenário.

Marco Aurélio respondeu que não havia contrabando algum, e que a Segunda Turma,

inclusive Jobim, decidira tal e qual ele relatara no acórdão. Diante da dúvida, e do

impasse, a ministra Ellen Gracie pediu vista dos autos. Duas semanas depois, após

examinar o que acontecera na reunião da Segunda Turma, a ministra afirmou que

“houve uma particularidade no julgamento”, a de, “por lapso no voto condutor” (o de

Marco Aurélio), ter-se acrescentado que, na hipótese de condenação, o habeas corpus

permanecesse em vigor. Escreveu Ellen Gracie: “Não está inserido em qualquer dos

dispositivos constitucionais que o Supremo Tribunal Federal tenha poderes para ditar as

decisões futuras do magistrado de primeiro grau, impondo-lhe que deixe de aplicar a

letra expressa da lei.”

Marco Aurélio não admitiu o “lapso”. Explicou o trecho final do acórdão como coerente

com a sua posição liberal naquela matéria. A ministra, que havia sido elegante, deixou

de ser: “Gostaria de esclarecer, e por isso mencionei que possivelmente fosse uma falha,

que retornei ao julgamento da Turma, inclusive revisando notas taquigráficas do

julgamento, e a questão não foi levada por Vossa Excelência. A Turma não deliberou a

respeito dessa intenção.”

Marco Aurélio insistiu: “Perdão. A minha fidelidade é absoluta.” Mas Jobim reforçou a

ministra e, novamente, pediu vista. Só um mês depois, em 25 de outubro, Marco

Aurélio admitiu a “discrepância” apontada pela ministra Ellen Gracie, reconsiderou o

voto e reconheceu que o seu acréscimo ao acórdão não fora deliberado na votação da

Turma.

“Foi um erro perfeitamente cabível diante do nosso acúmulo de processos, mas nunca

um motivo para quererem o meu impeachment e me levar ao Senado”, disse Marco

Aurélio em seu gabinete, olhando para o cróton. Os três ministros a quem acusa de

querer destruí-lo – o verbo é dele – são Nelson Jobim, hoje ministro da Defesa, Carlos

Velloso, que voltou a advogar, e Ellen Gracie, ainda ministra da casa.

“O caso era gravíssimo”, disse Jobim em seu gabinete ministerial. “Fui eu que salvei o

Marco Aurélio, para preservar a instituição.” No escritório do filho advogado, onde dá

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expediente, Carlos Velloso usou o mesmo superlativo e o mesmo argumento:

“Recuamos do caso gravíssimo pela honra da corte.” A ministra Ellen Gracie não quis

dar entrevista.

Nas sessões plenárias das quartas e quintas-feiras, ela se senta na bancada oposta à de

Marco Aurélio, de frente para ele. Comentei com o ministro ter sentido, em meia dúzia

de sessões em que estiveram face a face, um ódio quase palpável entre ambos. “Você

tem percepção”, ele disse. “Como é que posso gostar de uma pessoa que queria o meu

fim?”, perguntou, apontando a papelada sobre o caso, trazida, a seu pedido, pelo chefe

de sua assessoria.

Jobim, Ellen Gracie e Carlos Velloso – o presidente que Marco Aurélio substituíra,

desfazendo muito do que ele fizera – quiseram levar o reconhecido erro de Marco

Aurélio para discussão em uma sessão administrativa, na qual o voto da maioria por um

pedido de impeachment poderia mandá-lo ao Senado. “Eu vi a conspiração crescendo”,

disse Marco Aurélio. “Eles queriam me intimidar ou retaliar, mas decidi agir.”

Num gesto incomum, ele procurou o ministro Sepúlveda Pertence em sua própria casa,

e depois, nos respectivos gabinetes, os ministros Moreira Alves, Néri da Silveira e

Sydney Sanches. “Eu reconheci que era chato, insuportável, ferrinho de dentista, o que

eles quisessem, mas jamais, como estava se insinuando, desonesto ou desleal”, disse

Marco Aurélio acentuando a tal ponto a última sílaba de desleal a ponto de a palavra

soar como desleár. “Defendi-me, como pude, situando o erro em seus aspectos formais.

Era um acréscimo, realmente, mas refletia uma posição minha, de ser liberal nesses

casos para garantir o mais amplo direito de defesa. Se foi parar no acórdão, foi por

acidente.”

Percebendo que esses ministros que procurara não adeririam à proposta de

impeachment, Marco Aurélio aguardou a próxima reunião administrativa. Mal ela

começou, dirigiu-se ao ministro Velloso, para ele o cérebro da “conspiração”. Marco

Aurélio lhe disse: “Então, Carlos, porque você está fazendo isso, querendo me levar ao

Senado? Por que você quer me destruir? O que foi que eu lhe fiz?” Velloso não o

enfrentou. Jobim e Ellen deixaram por menos. Ficou tudo como antes. Pouquíssima

gente soube da história fora do Supremo. “Eu entrei no Supremo depois, mas fui

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informado”, disse Gilmar Mendes. “Achei grave o que Marco Aurélio fez, e achei mais

grave ainda terem botado panos quentes.”

O s ministros dispõem de infraestrutura, remuneração e mordomias excelentes. O

orçamento do Supremo para este ano é de 510 milhões de reais. Trabalham lá, no prédio

principal e nos dois anexos, 1 135 servidores concursados, 1 250 terceirizados e 176

estagiários. A frota tem 70 veículos, que gastam 35 mil de combustível e rodam cerca

de 13 mil quilômetros por mês. Dezenove deles – os Ômegas de luxo – são para os onze

ministros. O presidente tem sempre dois carros à disposição, fora os da segurança.

Todos os juízes dispõem de segurança, inclusive nas residências, por 24 horas. Têm

direito a apartamento funcional – dos grandes – ou a auxílio-moradia, no limite de 2 750

reais. Se viajarem pelo Brasil, a diária é de 614 reais. Para o exterior, são 485 dólares.

O salário de um ministro é de 26 mil reais. O presidente recebe uma gratificação

adicional de 1 700 reais. E os que atuam cumulativamente no Tribunal Superior

Eleitoral recebem jeton de 3 mil. Continuam recebendo depois que se aposentam, e

também depois que morrem, por seus dependentes. É a vitaliciedade, à qual a

Constituição agrega a inamovibilidade e a irredutibilidade de vencimentos. Podem

nomear nove cargos de confiança no gabinete, com salários que variam entre 8 mil e 12

mil reais, fora o juiz auxiliar.

O almoxarifado do Supremo fica num prédio emprestado, na Asa Norte. Do papel

higiênico ao café, 3 mil itens estão catalogados lá. Em maio, havia 1,4 milhão de

produtos em estoque, no valor de 2,5 milhões de reais. O consumo de papel sulfite é de

1 800 resmas por mês. De papel higiênico vão, mensalmente, para 145 banheiros, 700

rolos de 250 metros cada um. Ao informar esse último dado, o coordenador de material

e patrimônio, Edmilson Lima, pediu que não se fizesse nenhum comentário. De café,

são 680 quilos por mês. E aí não está incluído o melindre do ministro Peluso – que traz

o seu próprio pó de casa, assim como o bule e as xícaras.

Estão previstos, para este ano, investimentos de 61 milhões de reais. A maior parte é

para compra de equipamentos de informática e de televisão, e 14 milhões para

modernização e reparo. Esbelto por fora, o prédio de Oscar Niemeyer, com seus 64 mil

metros quadrados de área construída, é um poço sem-fim de problemas. Mesmo muito

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já tendo sido feito e gasto para consertar deficiências estruturais, várias ainda persistem:

lajes infiltradas, estruturas comprometidas, condutos elétricos e hidráulicos pedindo

socorro, acústica cava no plenário, elevadores à beira do colapso. Só de vidros, há quase

14 mil metros quadrados, e parte da estrutura que os sustenta precisa ser trocada.

Os desalinhamentos têm provocado episódios prontos para um Edgar Allan Poe. É o

caso da mítica ninhada de gatos que habitaria túneis entre as paredes, e cujos miados

assustam funcionários. Como se não bastassem os gatos – se é que são, ou eram, gatos –

a área da Rádio Justiça sofreu há pouco uma inundação. No ano passado, as obras de

engenharia custaram 4 milhões de reais.

O responsável pela administração do Supremo é o diretor-geral Alcides Diniz. Entrou

na presidência de Gilmar Mendes e, caso raro, foi mantido na gestão Peluso, com a

obrigatória aprovação do plenário. Mineiro (de Vazante) no que isso tem de bom (o

laconismo) e de ruim (o laconismo), foi criado na roça, onde pegou no cabo da enxada,

e mudou-se para Brasília aos 16 anos. Foi contínuo e passou num concurso para a

Justiça Federal como datilógrafo. Com dois cursos superiores – economia e

administração de empresas – subiu de posto e de responsabilidade no Conselho da

Justiça Federal, onde trabalhou 26 anos. Em 1997, a política o atraiu. Foi eleito prefeito

de Vazante, pelo pfl. Perdida a reeleição, voltou à carreira, até chegar a diretor-geral do

Superior Tribunal de Justiça. Foi ali que Gilmar Mendes, mal o conhecendo, o levou

para o Supremo. “Procuro fazer uma gestão impessoal e estritamente técnica”, disse

Diniz.

“O Supremo é um ninho de vaidades e de pouca lealdade”, disse o ministro Eros Grau

em seu gabinete. “Alguns são terrivelmente inseguros e precisam se afirmar”,

complementou, passando a mão nos suspensórios azuis. Era o começo da noite de uma

terça-feira. Horas antes, ele havia sido eleito presidente da Segunda Turma, em

substituição ao ministro Cezar Peluso, que assumira a presidência do Tribunal.

“Entendo, com grande alegria e extrema honra, que a presidência cabe ao ministro Eros

Grau”, disse Celso de Mello na abertura da sessão de eleição, expondo o combinado. O

novo presidente disse que a generosidade do proponente confirmava “a ideia do direito

como um registro do cérebro e do coração”, e assumiu os trabalhos. Em quase duas

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horas de sessão, com a presença de apenas três ministros e um público de menos de dez

pessoas (incluindo seguranças, bombeiros e jornalistas) foram julgados sete habeas

corpus. Um deles tratava de um furto de duas canaletas plásticas cujo valor não chegava

a 30 reais.

Pouco antes das cinco, antes que se completassem duas horas, a sessão foi encerrada.

Houve gente que pensou que seria um intervalo – como acontece na Primeira Turma –

mas era realmente o fim do expediente. Eros Grau e sua inseparável bengala subiram

para o gabinete. “Eu ia realmente processar o Lewandowski”, foi a primeira frase que

disse depois do comentário sobre vaidades e deslealdades.

Referia-se ao caso da troca de e-mails, em agosto de 2007, durante uma sessão do pleno,

entre os ministros Cármen Lúcia e Lewandowski. Era a primeira sessão de julgamento

do mensalão. A foto da tela do computador publicada na imprensa mostrava que os dois

ministros chamavam Eros Grau de “Cupido”. Isto por que Grau estaria patrocinando a

indicação do advogado Menezes Direito para o Supremo – e se o governo nomeasse seu

amigo, Grau votaria pelo arquivamento da denúncia do mensalão. “Procurei o José

Gerardo Grossi e pedi que ele abrisse um processo, mas ele achou melhor pedir que o

Lewandowski me mandasse uma carta de desculpas”, contou Grau. “Ele mandou a

carta, mas era muito chocha, não falava nada. Só que eu dei uma entrevista dizendo que

ele se desculpara cabalmente, de forma nobre e gentil. Como ele ficou calado, dei o caso

por encerrado.” Grau detesta Lewandowski até hoje. Com a ministra Cármen Lúcia, que

se senta ao lado dele no plenário, o mal-estar parece encerrado.

Eros Roberto Grau foi o quarto ministro indicado por Lula. Um advogado amigo do

presidente, Sigmaringa Seixas, acha que ele foi o único que saiu da cota pessoal do

próprio Lula, sem precisar de outros cacifes. “O presidente gosta muito dele”, disse

Seixas.

Professor de direito – inclusive de universidades francesas, como visitante – e autor

renomado de pareceres caríssimos, Grau teve uma passagem pelo Partido Comunista

Brasileiro durante a ditadura. Foi preso e torturado, mas não gosta de falar sobre o

assunto. Adora a França, onde tem dois apartamentos – um em Paris e outro em

Honfleur, na costa normanda. “São pequenos”, esclareceu, “e não estou comprando um

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terceiro.” Vai com tanta frequência que alguns amigos o chamam de “Eurograu”. É

figura querida pelos garçons do Café de Flore, no boulevard Saint-Germain. Está

escrevendo um livro sobre sua fascinação por Paris, com destaque para a área

gastronômica, que aprecia e pratica.

Ele também recebe em Tiradentes, a cidade histórica mineira, onde tem um casarão.

Alguns dos jantares que oferece têm o cardápio enviado previamente aos amigos. O

ministro tem um filho advogado, Werner Grau, que trabalha em um dos maiores

escritórios de São Paulo, o Pinheiro Neto. Declara-se impedido, como manda a lei,

quando ele assina a petição. Sua data-limite no Supremo é agora, em 19 de agosto,

quando completa 70 anos.

Quando Gilmar Mendes era presidente, Grau certa vez furtou-lhe um dos sapatos

durante uma sessão plenária. “Puxei com a bengala e levei para debaixo da minha

mesa”, contou, divertido. Mendes costuma tirar os sapatos onde quer que possa, para

aliviar os pés. “Não percebi quando ele levou”, disse Mendes. “Depois foi um sufoco,

porque os capinhas não achavam o sapato, e eu tinha que encerrar a sessão. Até que o

Eros riu, e se entregou. Eros é muito brincalhão”, disse Mendes.

O Supremo é das poucas cortes superiores do mundo a ter ministros condenados pela

Justiça. O caso mais recente é o do ministro Dias Toffoli, condenado no Amapá a

devolver 420 mil reais aos cofres públicos por contrato ilegal entre seu escritório e o

governo do Estado. O ministro recorreu da sentença e, em junho, foi absolvido na

segunda instância.*

O outro caso, em que os valores são muito maiores, é o do ministro Eros Grau. Ele

exerceu grande parte do mandato sob a vigência uma sentença que o condenou a

devolver 2,7 milhões de reais ao erário paulista por contratos ilegais com o Metrô.

A sentença foi proferida em 19 de setembro de 2005, quando Grau já estava no

Supremo, pela juíza Alexandra Fuchs de Araújo, de São Paulo. A juíza considerou

parcialmente procedente uma ação popular do advogado e ex-deputado Samir Achôa

contra contratos administrativos firmados entre o Metrô e escritórios de advocacia, entre

eles o de Eros Grau. Ele foi contratado, entre 1992 e 1998, pelo critério da notória

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especialização, que dispensaria o processo licitatório. Os valores pagos pelo Metrô ao

escritório de Grau somaram 4,8 milhões de reais. A sentença considerou parte dos

contratos ilegais. Entre esses, os que previam consultoria verbal. “Como pode o

Ministério Público, ou mesmo o Tribunal de Contas, exercer o controle sobre o serviço

prestado, se este foi verbal?”, perguntou a juíza Fuchs de Araújo na sentença.

“A sentença foi reformada na segunda instância”, disse Grau, manipulando o cachimbo.

“E é isso que conta nas democracias que consideram o trânsito em julgado como a

última palavra.” A mudança da sentença, no entanto, foi feita quase quatro anos depois,

em julho de 2009. O que significa que Grau esteve cinco anos sub judice como ministro

do Supremo. Nessa situação, não se declarou suspeito quando foi relator de uma ação

penal pública muito semelhante, que questionava a legalidade da contratação

emergencial de advogados por uma prefeitura catarinense. O ministro considerou a ação

penal improcedente.

“Depois que sair daqui vou advogar”, disse. “Mas não darei mais parecer recebendo

remuneração do poder público, porque a gente faz o que é melhor, e dá nisso”, afirmou.

O ministro já decidiu que voltará à banca quando deixar a toga. “Estou alugando um

escritório pequeno”, contou.

Grau viveu um momento singular durante uma sessão da Segunda Turma. Deixando os

colegas espantados, quis trazer de volta à pauta uma questão votada, inclusive por ele,

decidida e proclamada em sessão anterior. Disse aos pares que tinha obtido novas

informações a respeito daquele caso, e que talvez fosse interessante voltar a discuti-lo.

Peluso, pasmo, não deixou a sugestão prosperar. “Onde já se viu isso?”, comentou.

Cármen Lúcia tentou algo parecido em maio: propôs uma segunda votação sobre

questão há pouco vencida. Sua explicação: “Temos que voltar ao caso, porque o

ministro Toffoli, que não podia votar, porque estava impedido, acabou votando.” Marco

Aurélio, escarninho, explicou que aquilo era absolutamente impossível. A ministra não

insistiu.

Eros Grau candidatou-se a imortal na mais recente eleição da Academia Brasileira de

Letras, em junho, e foi derrotado. A sua obra é jurídica, exceto pelo romance Triângulo

Page 27: Bastidores do stf

no Ponto, do qual gosta, mas já gostou mais. É uma ficção erótico-política. Ele reclama

que a imprensa deu mais atenção ao primeiro aspecto, quando o segundo é, em sua

opinião, o mais importante. É que o segundo não tem nenhuma frase como “Costa

explora o território, inspeciona os pelos pubianos, o pote de mel, acaricia as nádegas

estreitas, separa-as, experimenta um dedo amanteigado.” Poucos romances do mesmo

tamanho – 142 páginas – registram tantas referências culturais. Só da pintura, Grau cita

sete: Degas, Dali, Bosch, Goya, Seurat, Monet, Manet. Do cinema, dezenas. Da

literatura, centenas.

Triângulo no Ponto gerou constrangimentos internos. Grau queria lançar a obra lá, mas

esbarrou no pudor calado, mas ativo, da ministra Ellen Gracie, então presidente da casa.

Gracie saiu do mutismo quando o ministro Marco Aurélio disse a ela, para chocar, que

estava lendo a obra erótica de Eros. “Eu não acredito, ministro”, ela respondeu,

olhando-o de cima. Quando terminou a leitura, Marco Aurélio, com a intenção de

chocá-la, deu seu veredito sobre o romance: “É fino na forma e grosso no conteúdo.”

Maior rubor a corte jamais viu.

“Aprendi muito aqui no Supremo – e mais da vida do que do direito”, disse Eros Grau,

fazendo um balanço antecipado. “Fiquei mais tolerante e prudente. Entendi que é grave

e sublime tomar decisões que vão ser determinantes na vida de outras pessoas.” Autor

de votos polêmicos e retoricamente trabalhados – que às vezes ele mesmo considera

maçantes – Grau levou alguma irreverência para o Tribunal. É comum dizer a

assessoras “não me telefonem e não me encham o saco na próxima meia hora” – e a

atender carinhosamente ligações de Tânia, sua mulher. “Amo você, princesa da minha

vida”, diz ele ao telefone para todos ouvirem.

************************************

O desembargador Antonio Cezar Peluso queria virar ministro do Supremo Tribunal

Federal quando Fernando Henrique Cardoso estava na Presidência. Amigos fiéis

pelejaram pelo seu nome e o presidente gostava dele, mas a vaga não foi sua. “O Peluso

é bom e eu queria nomeá-lo, mas a vez era de uma mulher”, disse Fernando Henrique.

A decisão foi mais de Ruth Cardoso do que dele. E a também desembargadora Ellen

Gracie, indicada e escorada por Nelson Jobim, ganhou o posto. Quando o reinado

Page 28: Bastidores do stf

tucano findou, Peluso disse a amigos: “Acabou. Vou me aposentar como

desembargador e aproveitar a vida.”

Jamais imaginou que o petismo fosse buscar um conservador como ele. Mas hoje lá está

ele, na cadeira de presidente, com a alegria de um menino esforçado que conseguiu

chegar a primeiro da classe. Peluso não se importa com a definição de “paciência zero”,

que percorre o tribunal. Se for acrescentada a expressão “com a burrice”, é capaz de

aplaudir. Também não se altera com observações sobre decisões atrapalhadas ou

incoerentes do Supremo, que recendem a insegurança jurídica.

“No Brasil, o mundo jurídico não reage à altura aos erros do Supremo”, disse. “A

maioria das críticas não tem pertinência, não avança no conteúdo, o que seria

fundamental para melhorar a qualidade. Nos Estados Unidos, eles não perdoam. Há uma

produção acadêmica com massa crítica sobre as decisões da Suprema Corte.”

Aparentemente, ficou satisfeito com a observação de que é um dos poucos ministros

capazes de se meter em discussões complexas de improviso, sem ler. Retrucou com uma

citação de Fulton Sheen: “Quem se dirige aos outros deve dar preferência em falar sem

ler, porque não corre o risco de perder a espontaneidade.” O Google informa que Fulton

Sheen (1895–1979) foi um arcebispo católico americano. Quem mais saberia isso, e

ainda mais de memória, senão o ministro Peluso?

Ele teve um tio arcebispo, com quem morou por muitos anos. Foi seminarista por conta

disso, e acalentou o desejo de ser papa. Mas desistiu e em 1962 foi cursar direito numa

faculdade católica de Santos. “Eu achava que comunista comia criancinha e apoiei os

militares”, disse. “Foi um erro do qual me arrependi.” Peluso não tem nem mestrado

nem doutorado. Começou os dois, mas não os concluiu. No doutorado inconcluso, seu

orientador foi Alfredo Buzaid, ministro da Justiça da ditadura e juiz do Supremo. “Uma

ótima pessoa”, é a sua opinião.

Peluso situa seu arrependimento do apoio à ditadura antes do Ato Institucional nº 5.

Gosta de contar sobre sua atuação pró-direitos humanos em presídios abarrotados,

quando era corregedor auxiliar do Tribunal de Justiça de São Paulo. Disse que uma vez

fez um relatório “violentíssimo” contra o delegado Sérgio Fleury, o torturador, a quem

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chamou de “famigerado”, sendo posteriormente obrigado a cortar o termo por ordem

superior.

Foi para o Supremo, como agradeceu no discurso de posse, por obra e graça de Márcio

Thomaz Bastos, e, claro, a concordância do presidente Lula. Tem na casa fama de

metódico, irritadiço e autoritário. Numa entrevista, é reservado, irônico e, quando quer,

bem-humorado. Gosta do chamado samba de raiz – só de ouvir, esclareceu.

Não é de comentar os votos, mas se explicou no caso do processo contra Antonio

Palocci por quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa. Não

aceitou a denúncia porque a tipificação do crime estava errada. “Não havia prova de que

Palocci tinha mandado quebrar o sigilo do caseiro, mas havia prova de que sabia que

isso havia sido feito, e não tomou providência, o que configura o crime de

prevaricação”, disse. “Como a denúncia não o criminalizava por isso, só pude votar

como votei.”

Peluso assumiu a presidência com 700 processos prontos para levar a julgamento nas

plenárias de quarta e quinta-feira. “É muita coisa”, disse, embora seja menos de 10%

dos processos em tramitação. “Precisamos ser mais breves”, continuou, criticando as

intervenções demoradas, inclusive as suas (a leitura do seu voto pela extradição de

Cesare Battisti demorou cinco horas).

Admirador do sistema americano, no qual a deliberação não é pública, gostaria que o

Supremo adotasse uma forma colegiada de tomar decisões, com os ministros

conversando entre si antes dos julgamentos. A Corte americana tem sessões públicas

para os “hearings”, uma espécie de sustentação oral dos advogados, mas muito mais

interativo que no Supremo brasileiro. Os juízes americanos, contudo, deliberam em

sessões fechadas e também por escrito, trocando entre eles memorandos que vão e

voltam, por meses. As sessões também são fechadas na Alemanha, na Espanha, na

Itália, na África do Sul e no Canadá.

“O processo de formação de opinião pode ser reservado de modo formal, porque é

assim informalmente, já que alguns ministros conversam a respeito dos casos”, disse o

presidente do Supremo. “O problema do Brasil é a gente nunca saber o que a corte

Page 30: Bastidores do stf

pensa. Saber isso traria maior transparência e segurança jurídica.” Peluso sabe que há

forte resistência à colegialidade, especialmente da parte de Marco Aurélio Mello. Mas

acha que com paciência e habilidade poderá avançar.

Peluso precisará disso e de algo mais para concretizar duas bandeiras que anunciou. A

primeira é a redução das férias do Judiciário de sessenta para trinta dias, uma heresia

para quem se beneficia de dois meses de folga. A outra é o aumento de salários do

Supremo, uma heresia para quem não trabalha lá.

“Você já sabe do que nós vamos falar”, disse Lula ao advogado-geral da União, José

Antonio Dias Toffoli. O assunto era a próxima vaga do Supremo. Toffoli respondeu:

“Eu sei do que nós vamos falar, presidente, mas eu não vou aceitar porque o seu

preferido, o do coração, não sou eu.” Lula encerrou o assunto: “É, mas o Sig não quis, e

vai ser você mesmo.” Um abraço selou o convite e a concordância de Toffoli. Sig é o

apelido do advogado Sigmaringa Seixas, um dos amigos mais queridos do presidente.

Poderia ter ido para o Supremo desde a primeira levada lulista – três de uma vez – mas

nunca aceitou os convites. “Eu prefiro advogar”, disse, em seu escritório, explicando o

desapego.

De uns mais, de outros menos, Márcio Thomaz Bastos foi o avalista de todos os oito

ministros que Lula indicou e o Senado referendou. Para quem reclama da qualidade da

atual corte, ele diz: “O presidente Lula quis fazer um Supremo arejado, mais aberto e

voltado para a nação, ao invés de um em fim de carreira, voltado para si próprio. Um

Supremo capaz de experimentar, com todos os riscos inerentes a isso, até o risco de

Brasília estranhar.” Deu um breque, pensou e continuou: “O mecanismo de indicação é

muito bom, desde que o Senado cumpra o seu dever de escrutinar e investigar os

indicados. É isso que faz funcionar o sistema de pesos e contrapesos. Mas isso não tem

existido, infelizmente.”

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Mozart Valadares Pires, acha

que a forma atual de indicação “não atende aos princípios republicanos”. A Associação

elaborou uma proposta de emenda constitucional para mudá-la que está tramitando no

Congresso. Ela estabelece a idade mínima de 45 anos de idade e vinte de atividade

jurídica. Os indicados comporão uma lista sêxtupla, elaborada pelos ministros do

Page 31: Bastidores do stf

tribunal, que será submetida à escolha do presidente da República. O nome indicado

terá que ser aprovado por três quintos dos votos do Senado.

No gabinete ao qual ainda está se habituando, Toffoli recebe sem gravata. Era o final de

expediente, depois de uma sessão cansativa. Ele tem uma cafeteira nova, que ele mesmo

trouxe, mas isso não dispensa a presença do garçom Manuel Nunes Barbosa. Na média,

ele serve 120 cafezinhos por dia no gabinete do ministro mais jovem da corte, onde

cerca de quarenta funcionários dão expediente, fora os advogados que o ministro

costuma receber (com agenda anunciada na internet).

“É claro que o cargo me fez mudar”, disse o ministro mais jovem. “Antes, numa

advocacia com forte viés político, eu é quem tinha que provar, correr atrás. Agora, são

os outros que têm que provar a mim. É algo mais recluso, mais retirado da sociedade e

da vida. Aqui você tem que se despir de preconceito, paixão e opções pessoais. Fácil

não é, mas me sinto maduro para a função.” Como nasceu e viveu num colegiado – é o

oitavo filho, de nove – o ministro acha que não está tendo maiores dificuldades para se

adaptar ao coletivo. “Quem chega aqui não precisa provar nada para ninguém”, disse.

“Aqui não tem bandido nem mau-caráter. Há as vaidades, mas é só.”

Fernando Henrique Cardoso indicou três ministros. Um deles, Gilmar Mendes – tal

como Toffoli para Lula –, era seu advogado-geral da União. “Esse Toffoli, que só vi

uma vez na vida, o Senado tinha que tê-lo investigado muito mais”, disse o ex-

presidente. “Tinha que ter feito isso porque ele foi advogado do PT, foi advogado

pessoal do Lula, e é muito moço, não tem títulos. Não estou dizendo que não pudesse

ter aprovado a indicação. Mas devia demonstrar para a opinião pública que, pelo menos,

ele tinha potencial para ser um bom ministro. Tenho uma boa impressão dele, acho até

que vai virar um bom juiz. Mas acho arriscado nomear alguém que pode virar um bom

juiz. É melhor botar alguém que já seja.” Ao ser indicado, Toffoli tinha uma

condenação em primeira instância, da qual foi posteriormente absolvido.

Ainda que tenha indicado oito juízes, Lula nunca teve a maioria da corte. Tanto que o

Supremo lhe criou embaraços ao aceitar a denúncia dos implicados no mensalão. E

contrariou expressamente uma decisão do ministro da Justiça quando deliberou que

Cesare Battisti pode ser extraditado. Tampouco se pode dizer que nele exista uma ala de

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esquerda e outra de direita. Nem que haja uma clivagem entre conservadores, liberais e

progressistas, seja em matéria social, econômica ou de costumes.

Nos Estados Unidos, a existência secular de dois campos bem definidos, o republicano e

o democrata, encontra expressão ideológica na Corte Suprema. Lá, todo mundo sabe

quem são os juízes conservadores e liberais. No Brasil, a polarização entre PT e PSDB é

recentíssima, não teve projeção institucional – e ambos dependem da geleia geral

peemedebista. E mesmo que se admita que os dois partidos tenham uma ideologia

identificável, ainda assim é difícil discernir um do outro no terreno dos princípios

jurídicos.

A ausência de balizas é agravada pela irrelevância da jurisprudência no Judiciário

brasileiro. Uma decisão do Supremo não cria uma norma que venha a servir de

orientação no futuro. Com o desrespeito frequente ao que foi previamente decidido, o

tratamento de uma mesma questão, em poucos anos, pode ser bastante diferente. Com

isso, os juízes estão à vontade para atuar individualmente.

“O Supremo é menos um colegiado e mais uma soma de individualidades, e isso é ruim

para a democracia”, disse Luís Roberto Barroso em sua casa, no Lago Sul. Advogado

com banca renomada, mestre pela Universidade Yale, Barroso é um dos nomes

cogitados pelo presidente Lula para substituir Eros Grau, que se aposentou no mês

passado. Pelo menos dois ministros, Celso de Mello e Marco Aurélio, gostariam de tê-lo

como colega.

“As instituições devem ser preservadas, mesmo quando o seu desempenho não

corresponde ao ideal”, disse Barroso como preâmbulo para as suas ideias de mudança.

“O ideal seria julgar uns mil casos emblemáticos por ano, com visibilidade,

transparência e qualidade.” Pensa que ex-ministros não deveriam voltar à ativa. “Ao

final do mandato, o melhor é escrever as memórias, ou ser professor”, disse. Advoga

uma “revolução da brevidade”, ou seja, que os votos sejam mais curtos. Também acha

que o voto do relator deveria circular entre os ministros antes do julgamento em

plenário, “para que todos possam preparar-se melhor, inclusive os discordantes, o que

evitaria a frequência de pedidos de vistas.”

Page 33: Bastidores do stf

O pedido de vistas, no entender do ex-presidente Maurício Corrêa, “é o drama pior,

mais terrível, mais lamentável, do Supremo. Tem ministro lá que está com processo

desde que tomou posse”. Ele mostrou duas regras do regimento, criadas na sua gestão,

estabelecendo prazos para os pedidos de vista e para a devolução das notas taquigráficas

revisadas. “Na minha época, os prazos eram respeitados”, disse. “O problema é que eles

relaxaram, ninguém cumpre.” Um outro ex, Ilmar Galvão, brincou: “O pedido de vista

está mais para vista grossa.”

Celso de Mello, o decano da casa, também acha exagerada a quantidade de pedidos de

vista e se queixa da demora dos colegas em trazer de volta os processos. Mas não lhe

venham com essa história de brevidade, de falar menos. Entre as deferências

regimentais ao decano figura a de ser o último a falar. “Quando a sessão está no

finalzinho e o Celso pede a palavra, eu só falto chorar”, disse, brincando, Gilmar

Mendes.

Mas é isso mesmo: os relatórios e votos de Mello costumam ser enormes, e ele não tem

a mais remota preocupação de que aquilo possa ou esteja incomodando quem quer que

seja. “Isso aqui é história, e a minha obrigação é fazer o melhor possível”, disse, já perto

da meia-noite, em seu gabinete enorme no 6º andar do anexo ii.

Notívago a la José Serra, Mello conseguiu que um ascensorista fique à disposição de

seu gabinete madrugada afora. É que ele vira as noites lá, com diversos funcionários.

Costumava sair com o dia amanhecendo. Mas agora, por ordens médicas, não passa das

duas da manhã. O ministro abusa da saúde. Além de ser louco pelos sanduíches do

McDonald‟s, toma um café que parece uma borra, de tão grosso. Está tentando controlar

as duas manias.

“Nunca falei com Daniel Dantas, nem pessoalmente nem pelo telefone, conheço-o de

ver na tevê, como todo mundo”, disse o ministro Gilmar Mendes na cabeceira da mesa

de seis lugares no seu gabinete. Não fazia nem um mês que deixara a presidência do

Supremo. Andava distante dos microfones da imprensa e mais calado nas sessões, mas

disse se sentir “muito bem, com a sensação do dever cumprido”. Tirante o ministro

Joaquim Barbosa, acha que a sua gestão contou com a aprovação dos colegas, do

mundo jurídico e da grande imprensa. Citou como exemplos os editoriais elogiosos do

Page 34: Bastidores do stf

Estado e da Folha de S.Paulo.

Duas semanas antes de deixar o cargo, Mendes fez um périplo por três capitais do

Nordeste num dia só. Visitou projetos sociais do Conselho Nacional de Justiça, também

presidido por ele. Um dos projetos que incrementou foi o dos mutirões carcerários, que,

segundo números do cnj, libertaram 20 mil presos em condições irregulares em todo o

país.

“Sentimos que mandamos bem”, disse o ministro, tranquilo e sem sapatos, no jatinho

oficial. “Avançamos muito no processo eletrônico, que tem diminuído bastante o

acúmulo de processos. O STF hoje é o tribunal mais respeitado do país. E evitamos um

namoro explícito com o estado policial. Havia um quadro explosivo que nos levava a

um modelo em que a polícia mandava no Ministério Público e em juízes da primeira

instância. Era preciso arrostar esses abusos. E eu tive medo de ter medo.”

É aqui que entra o banqueiro Daniel Dantas, alvo da Operação Satiagraha. Mendes

mandou soltá-lo duas vezes, concedendo-lhe habeas corpus quando o juiz Fausto de

Sanctis quis manter o dono do Opportunity na prisão. Mendes considerou que o juiz,

erradamente, se subordinara ao Ministério Público e ao delegado encarregado da

investigação, Protógenes Queiroz. De Sanctis não quis dar entrevista a respeito: “Por

impedimento legal não posso falar de fato concreto, as decisões falam por si”, disse-me

ele.

“Juiz é elemento de controle do inquérito, não é sócio da investigação”, afirmou Gilmar

Mendes, sobrevoando Salvador. Ele contou os antecedentes de sua primeira decisão: “A

Guio me ligou, dizendo que podiam prender até a Andréa Michael, da Folha de S.Paulo.

O governo estava de cócoras em relação aos abusos da polícia. Eu tinha que dar um

basta naquilo, fosse Daniel Dantas ou fosse qualquer um.” “Guio” é Guiomar Mendes,

esposa do ministro.

Outro risco de estabelecimento de um “estado policial” surgiu, segundo Mendes,

quando a revista Veja publicou uma reportagem sustentando que um telefonema de

Mendes com o senador Demóstenes Torres havia sido gravado ilegalmente, e

apresentou como evidência a transcrição da conversa. Com a certeza de que fora

Page 35: Bastidores do stf

grampeado por um órgão do Executivo, Mendes ligou para Fernando Henrique Cardoso.

Eles são amigos. Nos tempos de Gilmar na presidência, Fernando Henrique entrava pela

garagem do Supremo. “Foi só uma vez, na posse”, disse o ex-presidente.

“Eu estava numa fazenda”, contou Fernando Henrique em São Paulo. “O Gilmar estava

indignado. Disse que ia reagir à altura, chamando às falas o presidente Lula. Eu o

incentivei a ir em frente.” Mendes foi. “Não há mais como descer na escala da

degradação institucional”, declarou ele à imprensa. “Gravar clandestinamente os

telefonemas do presidente do STF é coisa de regime totalitário. É deplorável, ofensivo,

indigno.” No dia seguinte, uma delegação do STF integrada por Mendes, Ayres Britto e

Cezar Peluso foi ao Planalto sem ter sido convidada. O presidente Luiz Inácio Lula da

Silva os recebeu.

Perguntei ao ex-presidente se, numa situação semelhante, receberia a comitiva.

Fernando Henrique ajeitou-se na poltrona e respondeu: “Não sei se teria aceitado

aqueles termos. Talvez tivesse exigido uma reparação pública antes, uma desculpa. Mas

o Lula é de passar a mão na cabeça dos aloprados e de todo mundo. Ele não é de

confrontar. Ele só confronta na retórica, o comportamento dele é o de um conciliador.”

Lula acha que esse foi um dos momentos de seu governo em que ele foi mais adulto e

mais ciente do seu papel institucional – e menos ele próprio.

No encontro, os três juízes deram como certo que gente do Executivo bisbilhotava a

mais alta corte e o Congresso, e cobraram providências. Enfático, o ministro Franklin

Martins, da Comunicação Social, argumentou que a denúncia do grampo não tinha

comprovação porque o áudio não aparecera. E disse que o governo não podia ser

responsabilizado sem provas. Os ministros mal reconheceram sua interlocução. Lula

mais ouviu do que falou. Dias depois, à guisa de reparação, mas sem explicitá-la,

determinou que o delegado Paulo Lacerda saísse da chefia da Agência Brasileira de

Inteligência.

“Não retiro uma vírgula do que disse”, falou Mendes no avião. “Eu e o presidente Lula

temos uma ótima relação.” A aproximação foi iniciada pouco depois de Mendes assumir

o comando da corte, quando se articulou um jantar no Alvorada, junto com Nelson

Jobim e Eros Grau. Depois de uns uísques, o gelo foi quebrado e a conversa com o

Page 36: Bastidores do stf

presidente fluiu. A aproximação se consumou quando o Supremo, com o voto de

Mendes, decidiu que o ex-ministro Antonio Palocci não deveria sequer ser investigado

pela acusação de quebrar o sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa. Numa

conversa com assessores, o presidente disse então que Mendes era “um juiz sem

mesquinharia, que pensa no país e na governabilidade”.

A atitude de Mendes de ir ao Planalto cobrar providências se inscreve numa tendência

em alta nos últimos anos, a do ativismo jurídico. Ela é produto das dimensões

paquidérmicas assumidas pelos Estados contemporâneos, em contrapartida à velocidade

das comunicações e reclamos da cidadania. Na prática, leva os tribunais a pressionarem

diretamente, e mesmo a exercerem funções de administradores públicos e de

legisladores. Com isso, tornam-se inevitáveis os atritos, de maior ou menor monta, com

o Executivo e o Congresso. Tornam-se correntes, igualmente, aquilo que alguns juristas

chamam de protagonismo (o Judiciário se tornar sujeito da vida político-institucional) e

personalismo (juízes se tornarem quase celebridades, pois deixam de falar apenas nos

autos, como reza o formalismo).

O ativismo jurídico ocorreu quando o Supremo decidiu que, ao trocarem de partido

durante a legislatura, parlamentares perderão o mandato. Com isso, buscou atenuar a

troca de legendas no Congresso, que costumava ocorrer logo após as eleições. Noutra

imersão em águas do Legislativo, a corte decidiu que, em caso de greves, o

funcionalismo deve seguir a legislação imposta aos trabalhadores do setor privado.

Gilmar Mendes foi protagonista e personalista na sua presidência. “O presidente de um

poder, como é o caso do Supremo, tem mais é que falar, não nos autos, mas bem alto”,

disse. Maria Tereza Sadek, professora de ciência política da Universidade de São Paulo,

concorda com a premissa: “O conceito de que juiz só fala nos autos está ultrapassado no

mundo inteiro.” Mas não considera a questão tranquila: “O problema é saber qual é o

limite para a liturgia do cargo. O Gilmar não foi o primeiro ativista do Supremo. Houve

o Sepúlveda, e depois o Jobim. O Gilmar extrapolou um pouco, eu critico isso, mas

acho que ele é uma figura pluridimensional, que fez uma revolução, principalmente no

Conselho Nacional de Justiça, e tem que ser respeitado por isso.”

O advogado Reginaldo de Castro, ex-presidente nacional da Ordem dos Advogados do

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Brasil, insurgiu-se contra a indicação de Gilmar Mendes para o Supremo. E pediu que a

Comissão de Constituição e Justiça do Senado vetasse a indicação. Suas acusações não

prosperaram. “Não quero voltar a isso”, disse Castro em seu escritório, depois de

acender uma bagana de cigarro que esconde de si próprio, para ver se larga o vício.

“Mas tenho que reconhecer que ele fez uma grande gestão na presidência do Supremo e

do Conselho Nacional de Justiça.” Mendes deu de ombros, olimpicamente, quando falei

dos que quiseram vetá-lo, como Castro e o jurista Dalmo de Abreu Dallari.

Tirante que o ouvido esquerdo não está nas melhores condições, Dalmo Dallari vai bem,

obrigado, nos seus 78 anos. Tem um gato, dos grandes, que arranha vigorosamente a

perna da poltrona quando quer colo, que ele dá. Na sala de sua casa, há um retrato no

qual um jovem Lula posa ao lado de um dos dez netos de Dallari. Em outra foto, o Lula

de hoje aparece com a sua filha Mônica. O jurista começou a entrevista com quatro

propostas para o Supremo.

Três delas têm seguidores: que o STF vire uma corte constitucional, que os indicados

sejam escolhidos preliminarmente por votação direta da comunidade jurídica, e só

depois pelo presidente e pelo Congresso, e que os ministros tenham mandato de dez ou

quinze anos. A quarta, que considera tão ou mais importante que as outras, é singular:

tirar o Supremo de Brasília e levá-lo de volta ao Rio. “A proximidade com o centro

político é muito prejudicial”, disse o professor aposentado da Universidade de São

Paulo, fazendo cafuné no pescoço do bichano. “Na Alemanha, a Corte Constitucional

fica a muitos quilômetros de Berlim”, exemplificou.

Dallari conheceu Gilmar Mendes quando este era advogado-geral da União e auxiliava

o ministro Nelson Jobim, da Justiça, em questões indígenas. “Tive uma péssima

impressão dele nas reuniões em que nos encontramos; eu defendendo os índios, e ele

desenvolvendo uma argumentação típica de grileiro de luxo, de quem vê o índio como

empecilho ao desenvolvimento nacional”, disse. “Depois houve uma denúncia, da

revista Época, mostrando que ele, na Advocacia-Geral da União, contratava o seu

próprio estabelecimento de ensino para dar cursos a servidores de lá. Para mim, isso é

corrupção.”

Em maio de 2002, Dallari publicou na Folha de S.Paulo um artigo, “Degradação do

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Judiciário”, com essas e outras acusações. “Se essa indicação vier a ser aprovada pelo

Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos

direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional”, diz

um dos trechos. O argumento técnico era que Mendes não tinha reputação ilibada,

exigência constitucional para o posto.

Ainda à frente da Advocacia-Geral, Mendes pediu que o procurador-geral da República

o defendesse. O procurador entrou com uma ação penal contra Dallari pelos crimes de

injúria e difamação. Enquanto o processo tramitava, o Senado aprovou a indicação de

Mendes, com quinze votos contrários, de um total de 72, um número bastante alto. O

juiz federal Sílvio Luís Ferreira da Rocha sentenciou que o artigo de Dallari se

enquadrava no adequado direito de crítica, sem configurar ofensa à honra, e determinou

o arquivamento do caso. Mendes não recorreu.

“Não retiro uma vírgula do que escrevi”, disse Dallari exibindo a sentença. Ao contrário

de Reginaldo de Castro, continua a criticar Mendes: “A gestão dele como presidente foi

muito negativa, com excesso de personalismo. Em busca de autopromoção, agiu como

um verdadeiro inquisidor.”

Mesmo depois da viagem de três capitais nordestinas em um só dia, que terminou de

madrugada, Gilmar Mendes estava a postos na manhã seguinte, um sábado, dando uma

aula no Instituto Brasiliense de Direito Público. O IDP é uma faculdade particular que

fica numa área de 6 mil metros quadrados da Asa Sul. Ela pertence a três professores:

Inocêncio Coelho, Paulo Branco e Gilmar Mendes. “É tudo perfeitamente

constitucional”, ele disse, acrescentando que constituiu os advogados Sepúlveda

Pertence e Sergio Bermudes a abrir processo contra publicações e jornalistas que

afirmaram ou insinuaram o contrário.

“Eu tenho que vir, porque muitos se matriculam por causa do meu nome”, disse o

ministro durante o intervalo. “Querem ter uma aula com o presidente do Supremo.” A

aula daquela manhã durou três horas e teve quinze alunos como espectadores. De

maneira profunda e didática, ele falou sobre o controle de constitucionalidade, tema das

suas dissertações de mestrado e doutorado na Universidade de Münster, na Alemanha.

Deu vários exemplos citando casos do próprio Supremo.

Page 39: Bastidores do stf

Durante a presidência de Gilmar Mendes, Joaquim Falcão, professor de direito

constitucional da Fundação Getulio Vargas, foi juiz-conselheiro do Conselho Nacional

de Justiça. Um dos casos que lhe caiu nas mãos foi uma representação contra o juiz Ari

Ferreira de Queiroz, de Goiânia. O juiz era sócio-proprietário do Instituto de Ensino e

Pesquisa Científica, uma escola semelhante à de Gilmar Mendes, embora mais modesta.

A representação visava impedir que Queiroz fosse, simultaneamente, juiz e dono de

uma faculdade.

No seu despacho, Joaquim Falcão afirmou que “nos Estados Unidos, o juiz não pode

emprestar o prestígio de seu cargo para promover interesse privado”. E se perguntou:

“Pode um juiz contribuir com o prestígio de seu cargo, que é público, para beneficiar os

interesses privados seus e/ou de outros?”

Para responder, foi ao artigo 36, inciso I, da Lei Orgânica da Magistratura: “É vedado

ao magistrado exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, inclusive de

economia mista, exceto como acionista ou cotista.” O juiz Queiroz – ou o ministro

Gilmar Mendes – se enquadrariam nessa exceção. Mas não para Joaquim Falcão. Ele

sustentou que o juiz pode participar numa sociedade comercial “exclusivamente como

acionista ou cotista, ou seja, de forma não individualizável. De modo que a pessoa física

não se utilize do prestígio gozado pelo magistrado como titular de um cargo público”.

Portanto, um juiz pode ser acionista e cotista numa sociedade comercial em que sua

propriedade esteja diluída e seja anônima. Quando o juiz é reconhecido como

proprietário individual de uma sociedade comercial, segundo Falcão, ele “está

claramente exercendo ato de empresa, já que o prestígio de seu cargo está sendo

utilizado para buscar lucros, contrariando, portanto, as proibições legais”.

Na decisão, Falcão determinou “o imediato desligamento do magistrado de sua

qualidade de sócio-cotista e a desvinculação total da imagem do magistrado e do

Instituto”. O juiz Queiroz, de Goiânia, acatou a decisão. Por que Falcão não levou a

questão ao plenário do Conselho Nacional de Justiça, presidido por um dos sócios

proprietários do Instituto Brasiliense de Direito Público? Porque Falcão achou que

Gilmar Mendes teria maioria dos votos a seu favor.

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“Ministro, não me queira, não: é fria para o senhor”, disse, com forte sotaque cearense,

Guiomar Feitosa de Albuquerque Lima para o ministro Marco Aurélio Mello. Bacharel

em direito, formada na mesma turma de Gilmar Mendes, a doutora Guiomar era,

naqueles meados de 1995, chefe de gabinete de um ministro do Tribunal Superior do

Trabalho. Na época em que esteve no mesmo tribunal, Marco Aurélio ficou bem

impressionado com a competência da doutora Guiomar e a convidou para trabalhar com

ele quando foi para o STF.

“Eu trabalho com seis coisas: amor, humor, garra, organização, método e celeridade”,

explicou Guiomar ao contar a história. Como era isso que Marco Aurélio queria, ele não

entendeu. E ela explicou: “É fria porque eu tenho dois defeitos graves e um

gravíssimo.” O ministro ouviu os graves: “Eu fumo em recinto fechado” e “Sou

insolente, questiono ordem e vou bater de frente com o senhor.” Marco Aurélio relevou

o primeiro e elogiou o segundo. Guiomar expôs o defeito gravíssimo: “Eu gero

dependência.” Deve ser verdade, pois ela trabalhou com Marco Aurélio por muitos

anos.

Guiomar conheceu Gilmar Mendes no segundo semestre de 1975, quando se transferiu

da faculdade de direito de São João da Boa Vista, no interior paulista, para a

Universidade de Brasília. Tinha 23 anos e estava grávida do terceiro filho de seu

primeiro marido, um capitão aviador da Força Aérea Brasileira. Mendes, quatro anos

mais novo, também estudava direito na UnB. Ficaram amigos, sem nenhuma sombra de

interesse sentimental. Formados, cada qual tocou sua vida. Mendes teve uma breve

passagem pelo Itamaraty, estudou na Alemanha, casou, teve dois filhos, separou-se,

serviu aos governos Collor e Fernando Henrique, e virou ministro do Supremo.

Guiomar teve mais quatro casamentos, e outros dois filhos, passou em um concurso

para a Advocacia-Geral da União e foi assessora de dois ministros da ditadura, Petrônio

Portella e Ibrahim Abi-Ackel.

Um dia, ambos separados, Mendes propôs que a velha amizade virasse namoro. “Não

dá, tu é o Chico, meu irmão”, ela disse, referindo-se ao ex-deputado federal Francisco

Feitosa, seu irmão. O juiz continuou insistindo, mas ela só aceitava convites para

almoçar. Até que um dia, em 2001, foram jantar na Academia de Tênis. Ele era

advogado-geral da União, no governo de Fernando Henrique, e ela estava no Supremo

Page 41: Bastidores do stf

com Marco Aurélio. “Quero não, Gil”, continuava a dizer. Mas o ministro já se fizera

gostar pelos filhos e pela mãe dela.

Ficaram noivos em 13 de agosto de 2002, dia do aniversário de Guiomar, numa festa

para poucos na casa dela. Um dos convidados foi Marco Aurélio, que não queria perder

a funcionária exemplar. Mas o noivo, que há poucos meses se tornara ministro do

Supremo, queria justamente tirá-la da função para afastá-la de Marco Aurélio,

enciumado que estava do colega. Na festa, provocador emérito que é, Marco Aurélio fez

um discurso em que botou Guiomar nas nuvens, tantos foram os elogios. E o encerrou

com um seco: “Agora é com você, Gilmar.” Mendes fez o discurso, mas, segundo a

própria Guiomar, retirou-se da festa pouco depois, irritado.

Trabalhar com Marco Aurélio tornou-se um problema na vida de Guiomar. Mendes não

aceitava. Muitas vezes, telefonava do carro oficial, na frente do Supremo, no fim do

expediente, e dizia: “Guio, estou aqui embaixo te esperando, desce.” Ela explicava que

ainda estava trabalhando com Marco Aurélio. “Diz para ele te liberar porque eu estou

esperando.” “Era um inferno”, ela contou. “Quando eles discutiam nas sessões, o que

era frequente, sobrava para mim.”

Mendes deu então um ultimato: ou ela deixava de trabalhar com Marco Aurélio, ou o

noivado terminava ali. O noivado terminou. Tempos depois, o ministro casou-se com

uma advogada que fora sua aluna. Guiomar não se casou.

Quatro anos depois, abatido por uma separação litigiosa que lhe custou, conforme

afirmou Guiomar, “alguns bois”, Mendes voltou à carga. Enfrentou uma geleira de

mágoa e indiferença. Como insistisse, com recados, ela lhe mandou dizer, a sério, que

consentiria em vê-lo – mas só dali a vinte anos. O ministro ganhou uma aliada

importante, Carminha, que vem a ser a ministra Cármen Lúcia. Depois de muito esforço

para amansar Guiomar, a ministra conseguiu colocá-los frente a frente, numa sala de sua

casa, e pediu que se entendessem. Não foram longe naquele dia, mas deram o primeiro

passo. O segundo foi um presente romântico, e caro, do ministro: um chalé à beira do

Lago Norte, que lhe mostrou numa noite enluarada.

A trilha sonora da reaproximação foi providenciada por um amigo de ambos, o

Page 42: Bastidores do stf

jornalista Márcio Chaer. Num dia em que Mendes tentava desesperadamente

reconquistar Guiomar, Chaer lembrou-se de uma música e a indicou à amiga, que

arrefeceu.

Acendendo seu décimo cigarro daquele dia, Guiomar interrompeu a entrevista e foi

colocar a música para tocar, alto. Ouviu-a inteira, enlevada, e comentou que era linda.

Antes que retomasse a história, atendeu uma ligação do ministro José Antonio Dias

Toffoli: “Oi, meu amigo, estou com saudade de você. Vou. Vou mesmo. Obrigado.” Era

um convite para uma reunião que Toffoli daria em sua casa. Também ligou, pela

terceira vez, o advogado Sergio Bermudes. “Oi, meu irmão, meu amigo querido”,

atendeu Guiomar.

Eles se casaram em outubro de 2007. Moram em casas separadas, ambas no Lago Sul.

Guiomar dorme na dele, e volta todas as manhãs para a sua, onde mora com dois filhos.

A segurança do Supremo vigia as duas em tempo integral. O marido é desligadíssimo,

ela disse. Quando atende ao telefone no quarto do casal, o ministro belisca castanhas

salgadas que ela deixa à disposição. “Uma vez eu substituí por ração de cachorro, e ele

comeu do mesmo jeito, tive que correr para não deixar ele engolir a próxima”, Guiomar

contou.

Não foi a única história de amor envolvendo juízes do Supremo. Houve o caso de um

sofá retirado do gabinete da sala privativa de um ministro por ter sido palco de cenas

abrasivas. E houve o romance entre o ministro Francisco Rezek e uma filha do ministro

Carlos Velloso, quando ambos estavam na ativa. Velloso soube do caso, em casa,

quando a filha lhe contou: “Pai, eu e o Francisco estamos apaixonados e espero que o

senhor fique do meu lado.” O ministro pensou muito, e decidiu apoiar a filha. Quando

Rezek foi ao seu gabinete formalizar o pedido de casamento, Velloso estava mais

controlado. “Mas foi duro”, contou.

Guiomar Mendes era, até o ano passado, a secretária-geral do Tribunal Superior

Eleitoral, presidido pelo ministro Ayres Britto. Um e-mail anônimo o informou que um

funcionário de cargo de confiança era primo de Gilmar Mendes, configurando

nepotismo cruzado. Ayres Britto devolveu o funcionário ao cargo de origem. Guiomar

não gostou. Foi a Britto, disse que o parentesco era de sexto grau e avisou: “O senhor é

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conhecido por ser uma pessoa boa, mas isso não se faz, e estou indo embora.” Um mês

depois, foi-se.

“Minha ideia era viver o ócio com dignidade, só que o Sergio me aperreou”, contou

Guiomar, a essa altura no 15º cigarro do dia. Já era noite e um novo telefonema

interrompeu a entrevista. Era, por coincidência, do Sergio que a aperreara, o Bermudes,

no seu quarto telefonema do dia. “Ô meu amigo, ô meu irmão”, repetiu Guiomar.

Encerrada a ligação, ela explicou: “Conheço o Sergio há muitos anos, desde que entrei

no STF. É o irmão mais velho que eu não tive e eu sou louca por ele. Às vezes, ele

brincava: „Dou 1 milhão pra você ir trabalhar comigo.‟ Quando me viu aposentada, me

aperreou. Queria que eu cuidasse da gestão do escritório dele de Brasília. Eu relutei,

mas acabei experimentando, por dois dias. Não vi muito o que fazer por lá e coloquei o

cargo à disposição. Ele insistiu, continuei mais uma semana, organizei as coisas do meu

jeito e resolvi ficar. Ele me paga, líquidos, 14 mil reais por mês. Eu cuido da gestão do

escritório. Não advogo, mas talvez venha a advogar.”

Gilmar Mendes e Sergio Bermudes começaram pelo ódio. O primeiro, quando

advogado-geral da União, chamou o segundo – renomado professor de direito e dono de

respeitada banca cível no Rio – de “chicanista” em um programa de televisão.

Bermudes é dos que mandam cartas. A que enviou a Mendes tinha os seguintes trechos:

Gilmar, você agrediu-me brutalmente; agrediu, virulentamente, os processualistas;

agrediu os advogados brasileiros e conspurcou a dignidade do cargo que

imerecidamente ocupa.

Insistindo em mostrar as patas, você, muito obviamente, questionou a minha seriedade

profissional.

Minha esperança é que você deixe o cargo que ocupa e que não merece por causa do

seu desequilíbrio, do seu destempero, da sua leviandade, e que abdique da sua

propalada pretensão de alcançar o Supremo Tribunal Federal, onde se requer, mais

que um curso no exterior, reflexão e serenidade, em vez do açodamento e da empáfia

que você exibe.

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Perguntei a Sergio Bermudes como se haviam reconciliado. “Nunca falamos sobre isso

até hoje”, respondeu. Contou que no primeiro encontro que tiveram, ambos palestrantes

de um simpósio universitário, cumprimentaram-se como se nada tivesse acontecido.

Depois, ele mandou um livro de presente; e Mendes mandou-lhe outro. A raiva virou

amizade.

“O Gilmar e eu somos irmãos, nos falamos duas vezes por dia”, disse o advogado. “A

gente brinca, ri, sou advogado dele em algumas questões. Somos dois homens de boa-fé

e de caráter que podem suplantar uma eventual divergência.” A sua opinião profissional

sobre o outro também melhorou: “Gilmar é o maior ministro que o STF já teve em

todos os tempos. Trouxe a corte para junto do povo. Nenhum ministro falou tanto nem

tão bem. Suas palavras fizeram o homem comum acreditar na Justiça. Ele é o maior

constitucionalista do Brasil.”

Mendes e Guiomar já se hospedaram nos apartamentos de Sergio Bermudes no Rio, no

Morro da Viúva, e em Nova York, na Quinta Avenida. Também usam a sua Mercedes-

Benz, com o motorista. Logo depois da solenidade de transferência da presidência do

Supremo para Cezar Peluso, Mendes e Guiomar embarcaram em uma viagem de cinco

dias a Buenos Aires – presente de Sergio Bermudes, que os acompanhou.

Perguntei a Gilmar Mendes se não cogitara abdicar de julgar os processos do escritório

de Sergio Bermudes que tramitam pelo Supremo – são dezenas, e ele é o relator de

alguns. “De jeito nenhum”, ele respondeu. “Nesse caso também teria que me declarar

suspeito nos processos do Ives Gandra, que escreveu livros comigo, e de outros

advogados que são meus amigos.” Mas nem pelo fato de sua mulher trabalhar no

escritório de Bermudes? “Isso não é motivo”, respondeu. Citei uma frase que ouvi do

advogado Reginaldo de Castro: “O Gilmar dorme todo dia com embargos auriculares.”

Mendes riu, desdenhoso.

Guiomar consultou o marido sobre a proposta de trabalho de Bermudes. “Ele não viu

qualquer problema, e não há qualquer problema”, ela disse. “O ministro Marco Aurélio,

por exemplo, não se declara suspeito quando a causa é do escritório Ulhôa Canto, onde

trabalha sua filha.” Depois de uma tragada, complementou: “É verdade que o ministro

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Britto se declara suspeito no caso do genro, desde quando ele era namorado da filha, e

que o Toffoli proibiu a namorada de atuar lá. Mas aí já é um exagero.”

Em sua sala na Fundação Getulio Vargas, de onde se tem uma vista deslumbrante do

Pão de Açúcar, Joaquim Falcão lembrou um episódio ocorrido quando o presidente

Barack Obama indicou Sonia Sotomayor para a Suprema Corte. Encarregado de avaliar

a candidata, o Senado pediu que ela respondesse por escrito se haveria alguma situação

em que teria dificuldades em julgar. Sotomayor respondeu que se declararia impedida

em casos que envolvessem uma universidade, uma indústria e um escritório de

advocacia com os quais tivesse mantido relações profissionais.

O professor da fgv citou também o caso do advogado Laurence Tribe, um dos que mais

ganhou causas na Suprema Corte. Quando perguntaram a Tribe por que ganhava tantas

causas, ele explicou que tinha o maior banco de dados sobre a vida de cada ministro,

pessoal, profissional e política. Essas informações lhe permitam prever com segurança

os votos de cinco juízes. Então, ele calibrava a arguição para os outros quatro. Com os

olhos no cartão-postal carioca, Falcão disse: “O Sergio Bermudes tem, com certeza, o

principal banco de dados sobre o Supremo.”

Falcão defendeu que o Judiciário enfrente sem pejo a questão, polêmica e complexa, da

imparcialidade. Ele acha que deve acabar o “nepotismo processual”, o baseado nas

relações entre os magistrados e os advogados. “No nepotismo processual, o prejudicado

é a outra parte, aquela que não tem acesso às informações que uma relação de amizade e

parceria profissional possibilita.”

Demitido pela Universidade de Brasília, aposentado compulsoriamente, e cassado pelo

Ato Institucional nº 5, o professor e advogado Sepúlveda Pertence passou por um

período ruim durante a ditadura. Sergio Bermudes o ajudou bastante, chegando a levar

os filhos do amigo, Evandro e Eduardo, para morar consigo.

Com o fim do regime militar, Pertence foi nomeado ministro do Supremo, onde ficou

dezoito anos. Evandro e Eduardo foram trabalhar com Sergio Bermudes. Quando casos

do escritório chegavam ao tribunal, apesar de nenhuma lei ou regra obrigá-lo, ele se

declarava suspeito e não os julgava. “Eu, o Nelson Jobim, o Ilmar Galvão e o Velloso

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tínhamos essa prática, que era exercida com discrição”, disse Pertence em Brasília, no

escritório de Sergio Bermudes, onde ganhava como consultor 50 mil reais por mês, mais

um percentual sobre os casos em que atuava. Num deles, uma sustentação oral no

Superior Tribunal de Justiça, ganhou 4 milhões de reais. No começo de agosto, Pertence

abriu em sociedade com os filhos seu próprio escritório.

Foi com Sepúlveda Pertence que o Supremo começou a sair do casulo, adquiriu

presença pública e deu passos modernizantes, como a informatização. Entraram para os

anais suas contendas com outro baluarte da casa, o conservador Moreira Alves. “Diante

desse funk que vejo hoje, as minhas brigas com o Moreira parecem minuetos”, disse ele.

Sepúlveda aposentou-se do Supremo três meses antes da data limite, novembro de 2007,

quando completaria 70 anos. Como ele defendeu Lula quando era sindicalista, e é amigo

do presidente, correu nos meios jurídicos que se aposentou antes para não se posicionar

sobre o caso do “mensalão”, que envolvia o PT.

Mas isso não é verdade. Pertence saiu antes da data por cansaço e a pedido de Sergio

Bermudes, um dos articuladores da indicação de Carlos Alberto Menezes Direito para o

Supremo. Se fosse esperar o ministro sair na data devida, Direito teria feito aniversário

(em 8 de setembro) e atingido a idade proibitiva para a indicação, 65 anos.

Numa conversa com o presidente, no começo de 2006, Lula perguntou a Pertence: “E

aí, Zé Paulo, quem vai para a tua vaga?” O juiz citou o nome do constitucionalista Luís

Roberto Barroso e o da prima distante, Cármen Lúcia. Mas Bermudes pediu por

Menezes Direito. Nelson Jobim também o apoiou e Márcio Thomaz Bastos concordou

com o pleito.

“O motivo da minha saída foi fazer uma homenagem ao Menezes Direito e a todos que

patrocinaram a sua candidatura”, disse Pertence. “Ele não era o meu perfil, não seria o

meu candidato, mas tinha excelentes relações pessoais. Eu vou sacrificar o sonho de um

sujeito por causa de mais dia ou menos dia? Não achei que era justo, e saí.”

Filhos advogados é um tema delicado no Supremo e nos outros tribunais superiores.

Dos ministros que já saíram, são mais conhecidos os casos dos filhos de Nelson Jobim,

Sepúlveda Pertence, Ilmar Galvão, Carlos Velloso e Eros Grau. A praxe era pedir

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suspeição. Da composição atual, além de Marco Aurélio, há a filha da ministra Ellen

Gracie.

Joaquim Barbosa entende que a suspeição não é suficiente. “Deveria ser simplesmente

proibido até o parentesco de terceiro grau”, disse-me ele durante um café numa padaria

chique de Higienópolis, em São Paulo. No caso de esposa, como Guiomar, que a lei não

proíbe, Barbosa acha que Mendes deveria declarar-se suspeito.

Barbosa não esconde que detesta Sergio Bermudes e o casal Mendes. A recíproca é

verdadeira. O advogado o considera “o pior ministro da história do Supremo”.

Bermudes contou, às gargalhadas, que ouviu de um colega a “explicação verdadeira”

para as dores de coluna de Joaquim Barbosa: “Ele quis virar bípede.” Para Guiomar

Mendes, “o problema desse cabra é que ele é preguiçoso, preguiçoso de dar dó”.

Mendes endossou o “preguiçoso” e acrescentou um “despreparado”.

Joaquim Barbosa não deixou por menos. Disse que Gilmar Mendes é “violento,

atrabiliário e aparelhou o Supremo para seus interesses monetários e partidários”. Os

dois sequer se cumprimentam. “O mais interessante é que nós fomos amigos por trinta

anos, desde os tempos da faculdade”, contou Barbosa. Ele visitou Mendes na

Alemanha, e até comprou um carro dele.

Joaquim Barbosa sabe que Mendes é um dos que divulgam uma história que o irrita

muito – a de que não foi ele quem escreveu o seu voto como relator do mensalão, e sim

Salise Sanchotene, à época sua juíza auxiliar. O ministro nega a história.

Barbosa chegou à padaria de Higienópolis com uma sacola verde de pano. Tirou de

dentro uma almofada estampada sem muito enchimento, colocou-a na base da cadeira e

sentou-se. Não reclamou de dor durante os 150 minutos do primeiro encontro, nem

durante os 180 do segundo. “Estou achando que o tratamento está dando certo”, disse.

Fazia quatro semanas que estava hospedado num hotel ali perto, durante os dois meses

de licença médica que tirou para cuidar da coluna. “Eu entrei no Supremo sem problema

nenhum, era um atleta, jogava futebol, vôlei de praia”, contou. Vestido esportivamente

– tênis, jeans, camisa de malha e casaco – o ministro estava com ótima aparência.

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Em agosto de 2007, aproximando-se o julgamento do mensalão, caso do qual era

relator, as dores aumentaram. “Não tinha nenhuma condição de proferir aquele voto

sentado, pedi um púlpito, e o proferi em pé”, lembrou. “Foram 35 horas de julgamento,

durante uma semana.”

O ministro não gosta de perguntas sobre a doença. Desconfia que Gilmar Mendes

espalha que ele exagera. A doença tem nome? “Lombalgia crônica, com dor

extremamente forte na L5-S1”, respondeu, falando de vértebras próximas ao cóccix.

“Ela se espalha por toda a região glútea entre dez e quinze minutos depois que eu

sento.”

Não foi a primeira vez que o ministro licenciou-se para tratamento, mas foi a primeira

que tirou o benefício por um período tão grande, e, segundo ele próprio, inédito na casa.

“Eu fico até chateado, porque sobrecarrega os demais”, disse. “Mas fazer um tratamento

concentrado é o único jeito de curar”, afirmou. Lembrado que o ministro Celso de Mello

também tem problemas sérios de coluna – está usando até cinta, e também fica no senta-

levanta –, e nem por isso licenciou-se por tanto tempo, Barbosa comentou: “O ministro

Celso está cometendo o mesmo erro que eu já cometi.”

Ele recebera naqueles dias um telefonema de Eros Grau, convidando-o para uma visita à

sua casa. “Irei”, disse-me Barbosa. “Gosto do ministro Eros.” Os dois protagonizaram,

no entanto, uma briga tremenda. Foi em agosto de 2008, quando ambos estavam em

temporada no Tribunal Superior Eleitoral. Durante uma sessão, Grau enviou um e-mail

ao colega dizendo que havia concedido um habeas corpus para o advogado Humberto

Braz, ligado ao banqueiro Daniel Dantas. Barbosa perguntou, na resposta, se Grau

estava “louco” para soltar um acusado de tentativa de suborno de um delegado da

Polícia Federal. No intervalo da sessão, olharam-se feio. Grau disse, “com fingida

exaltação”, segundo o relato de Barbosa, algo como “Olhe, não me chame de louco”. E

ficou nisso.

No dia seguinte, no salão privativo de lanches do Supremo, Grau disse que o

comentário do dia dos jornais era a liminar de Barbosa dando o direito de Daniel Dantas

ficar calado na Comissão Parlamentar de Inquérito. Ou seja, Barbosa estava mais

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malfalado do que ele, Grau, que soltara Humberto Braz. “Mas que bobagem é essa,

ministro Eros?”, reagiu Barbosa. Grau começou a se alterar, e o colega o cortou: “Você

é mesmo um babaca, um velho patético, é tão ridículo que quer ir para a Academia

Brasileira de Letras. Aprende primeiro a escrever!”

Barbosa também lembrou o bate-boca, em abril de 2009 – que até hoje é hit no

YouTube – no qual disse em plenário a Gilmar Mendes: “Vossa Excelência não está

falando com os seus capangas no Mato Grosso.” Explicou-me que a frase foi uma

reação a “um ato de racismo. Ele quis me humilhar. Foi como se dissesse que eu não

contava nada ali, tipo „você é negro, fique no seu lugar‟”. Depois da discussão, os

ministros Celso de Mello e Ayres Britto foram ao gabinete de Barbosa pedir que se

retratasse. “Recusei”, contou ele. Grau e Mendes não quiseram rememorar as brigas.

“Os problemas foram superados”, disse Grau. “Se você tivesse as dores que ele tem,

implicaria até com pai e mãe.”

Joaquim Barbosa nasceu em uma família modesta. Concluir a faculdade de direito foi

uma conquista para ele, que era arrimo de família. Graças a um concurso, tornou-se

funcionário do Itamaraty, serviu por seis meses na embaixada brasileira na Finlândia e,

na volta, tentou entrar para o corpo diplomático. Passou em todos os exames, mas foi

reprovado na prova oral, segundo ele “por puro preconceito”. Fez um doutorado na

Universidade de Paris, com tese sobre o Supremo Tribunal Federal (lá publicada, mas

nunca traduzida para o português por desinteresse assumido do autor) e deu aulas, como

professor visitante, em duas universidades americanas.

Pouco depois de ser eleito deputado federal pelo PT, em 2002, o advogado Luiz

Eduardo Greenhalgh foi ao escritório de Márcio Thomaz Bastos, já sacramentado

ministro da Justiça e em vias de tomar posse. Dizendo que falava em nome do

presidente, Bastos lhe perguntou se queria ser ministro do Supremo Tribunal Federal.

“Não quero, prefiro exercer o mandato e, sendo possível, ser o presidente da Comissão

de Constituição e Justiça”, respondeu.

Greenhalgh foi um dos primeiros a ouvir Lula falar de Joaquim Barbosa. Estavam num

avião, com dona Marisa e Antonio Palocci. “Vou indicar um negro para o Supremo”,

disse Lula. “Se for só por ser negro, não é uma boa”, retrucou o advogado. Lula

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perguntou-lhe se conhecia Barbosa, que fora indicado por frei Betto. Não conhecia, mas

foi investigar. Voltou ao presidente dias depois e contou que, numa briga de casal,

Barbosa batera na mulher, ela prestara queixa na polícia e o caso rendera um processo.

“As feministas do PT não vão gostar nada disso”, disse Greenhalgh ao presidente.

Lula lhe respondeu que já sabia da história e o problema fora contornado. Por

intermédio de Thomaz Bastos, soube que a ex-mulher de Barbosa escrevera uma carta

apaziguadora, atribuindo a briga que a levara à polícia a divergências naturais de um

casal. Ao convidar Barbosa a integrar o Supremo, o presidente lhe disse: “A única

restrição ao seu nome veio do Greenhalgh.” O advogado não gostou da história. “Lula

queimou o meu filme com o Joaquim”, disse. “E o Joaquim só complicou o governo,

como se viu no caso do mensalão. Bem feito!”

Na padaria, o ministro contou que já estava separado da mulher, mas viviam brigando

pela guarda do filho. Numa discussão mais séria, ele puxou a criança do colo dela, ela

teria reagido. “Ambos perdemos a cabeça”, disse. O boletim de ocorrência virou um

processo. No Ministério Público Federal, onde Barbosa trabalhava, o parecer foi dado

pelo procurador Cláudio Fonteles, mais tarde procurador-geral da República. Ele propôs

o arquivamento, que foi aceito pela Justiça. “Não havia nada além de uma briga de casal

perfeitamente compreensível”, disse o procurador, hoje aposentado, na sua casa do Lago

Sul.

Na sabatina do Senado, a petista Serys Slhessarenko perguntou a Barbosa sobre a

desavença com a mulher. Ele respondeu que era um fato superado, que envolveu a

disputa pela guarda de um filho. A ex-mulher e o filho estavam presentes à sessão.

O primeiro palanque no qual Peluso subiu, horas depois de eleito presidente, em 10 de

março, foi numa festa do site Consultor Jurídico, o Conjur. O palanque foi montado no

salão principal do Supremo para comemorar o lançamento da edição de 2010 do

Anuário da Justiça, publicado pelo site e pela Fundação Armando Álvares Penteado, a

Faap. Mendes, Celso de Mello, Toffoli, Britto e Lewandowski estavam no tablado de

honra com Peluso. Marco Aurélio circulou pelo salão, em meio a cerca de 300 pessoas,

entre desembargadores, juízes, promotores e advogados de Brasília, do Rio e de São

Paulo.

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O Anuário é uma revista grossa que é produzida a um custo de cerca de 400 mil reais,

bancados pela Fundação Armando Álvares Penteado. A tiragem é de 20 mil exemplares,

dos quais 12 mil são distribuídos pela Faap em gabinetes de ministros, parlamentares,

governadores e prefeitos. Ele funciona como um quem-é-quem do Judiciário,

entremeado de anúncios de escritórios de advocacia. “O Anuário dá uma contribuição

decisiva para conhecer o Poder Judiciário brasileiro”, disse Gilmar Mendes no seu

discurso. “É jornalismo judicial especializado.”

O dono do Conjur e editor do Anuário é o jornalista Márcio Chaer, proprietário também

de uma assessoria de imprensa, a Original 123. As empresas estão instaladas numa casa

de três andares na Vila Madalena, em São Paulo. O site faz uma cobertura intensa e

extensa dos eventos e decisões do Poder Judiciário. Chaer é amigo de Guiomar e Gilmar

Mendes. Troca e-mails e telefonemas amiúde com o juiz.

A Faap responde a condenações e processos por crimes contra a ordem tributária e o

sistema financeiro. Alguns desses processos estão no Supremo. A pessoa jurídica do

Conjur, a Dublê Editorial, também tem processos tramitando no tribunal. “Não vejo

problema nenhum de lançar o Anuário no Supremo”, disse Mendes. O primeiro

lançamento foi feito em 2007, quando a presidente era a ministra Ellen Gracie. Ela se

declara suspeita quando recebe processos que envolvam a Faap. Joaquim Barbosa acha

“um escândalo” que o Anuário seja lançado no Supremo.

Chaer também não vê problemas: “O presidente da República não visita os jornais? É a

mesma coisa. Além do mais, todo tribunal lança livros, e até a Suprema Corte tem uma

livraria”, disse, mostrando um volume que comprou lá.

O professor de direito Conrado Hübner Mendes, doutor em ciência política pela

Universidade de São Paulo e autor do livro Controle de Constitucionalidade e

Democracia, tem outra opinião: “O Anuário pode até produzir informações de interesse

público, mas não é isso que está em questão. Uma empresa privada não deveria ter o

privilégio de ter seu produto promovido dentro do próprio tribunal. A integridade das

instituições depende da separação entre o público e o privado.”

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Em boa parte, os clientes da assessoria Original 123 são escritórios de advocacia.

Teriam contratado a empresa pelo fato de Chaer ser amigo de Mendes e lançar o

Anuário no Supremo? “De forma alguma, esses escritórios nem atuam no Supremo”,

respondeu. E ligou em seguida para um funcionário da Original. “Quantos dos nossos

clientes atuam no Supremo?”, perguntou. “Praticamente todos”, respondeu o

funcionário. “Mas isso não quer dizer absolutamente nada”, esclareceu Chaer.

Quando era ministro da Justiça, Thomaz Bastos perguntou a Manuel Alceu Affonso

Ferreira, um dos advogados mais respeitados de São Paulo, se queria ser ministro do

Superior Tribunal de Justiça. Ferreira declinou. “Se tivesse vindo um convite para o

STF, muito me envaideceria, mas também não aceitaria”, disse ele no seu escritório.

“Não aceitaria porque jamais me submeteria a peregrinações prévias por gabinetes

executivos e legislativos, em busca de apoios políticos. Digo isso sem reprovar aqueles

que o fazem, ou fizeram – afinal, no mundo real, infelizmente, essa é a regra do jogo. A

procura dos tais apoios, além de avessa à minha natureza, não me parece compatível

com a independência entre os poderes e a dignidade do cargo.”

Manuel Alceu considera que num caso recente, de princípio, o Supremo teve uma

atitude decepcionante. No ano passado, ele arguiu a inconstitucionalidade da censura a

que O Estado de S. Paulo vinha sendo submetido há meses. Perdeu por 6 a 3. “Apesar

do bálsamo dos votos dos ministros Ayres Britto, Celso de Mello e Cármen Lúcia,

fiquei profundamente decepcionado com a decisão”, disse. “A petição foi rejeitada

majoritariamente por tecnicalidades processuais equivocadas.” E voltou à mítica cena

do ministro Adauto Lúcio Cardoso que, protestando por uma decisão favorável à

censura da ditadura, teria tirado a toga e a arremessado longe. “A lembrança da heroica

atitude do ministro Adauto, tomada em tempos autoritários, convencia-me de que agora,

em ambiente democrático, se poria fim à arbitrariedade que vitimou e continua a vitimar

o jornal paulista. Mas me enganei.”

Conhecido pela linguagem poética com que tempera seus votos, Ayres Britto é dos

ministros que nunca esquecem que seis câmeras de televisão captam tudo o que

acontece nas sessões plenárias. Talvez perca nisso apenas para o ministro Marco

Aurélio, quase um profissional. Britto também é bom em elaborar frases com grande

chance de repercutir nos jornais no dia seguinte. A última que fez sucesso, no

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julgamento do habeas corpus do governador José Roberto Arruda foi: “Infelizmente, há

quem chegue às maiores alturas para cometer as maiores baixezas.”

“Os ministros são figuras midiáticas e têm que saber administrar essa notoriedade”, ele

disse. “Eu não me sinto estrela, nem pop star, e nem assediado. Encaro com a maior

naturalidade. Se me pedirem para tirar dez fotos, eu tiro as dez. Os ministros não são

apenas julgadores, eles têm satisfações a dar ao público. É um dever se comunicar,

desde que esse contato não resvale para o vedetismo e o culto da personalidade.” A

última frase é um recado é para Gilmar Mendes? “Há um de nós que fala demais”,

respondeu Ayres Britto, e foi em frente: “O Gilmar é agressivo, rude, provocativo. Usa

uma linguagem que ofende as pessoas. E não há necessidade disso. Dá para combinar

leveza e firmeza.”

Tomado por um espírito de crítica republicana, com a melhor das intenções, ele fez uma

análise emocional do Supremo:

O que eu vejo aqui é certa competição surda, enrustida, latente, uma competitividade

não assumida, que não tem sentido e é absurda. O Supremo não está a salvo de

práticas reveladoras de uma certa pequenez de alma. Aqui e ali, um ou outro ministro

precisa do confronto pessoal e da disputa de espaço para demarcar seu campo. Isso é

meio mórbido. Quem chega a ministro do Supremo tem uma oportunidade tão

maravilhosa de servir ao país que não tem o direito ao mau humor, quanto mais de

viver às turras com os colegas, disputando espaços. Isso é absolutamente infantil.