Bark Jamil

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i UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – USP ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES MESTRADO EM MÚSICA RADAMÉS GNATTALI: - “SUÍTE PARA QUINTETO DE SOPROS” - ESTUDO ANALÍTICO E INTERPRETATIVO JAMIL MAMEDIO BARK SÃO PAULO 2007

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Radamés

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    UNIVERSIDADE DE SO PAULO USP

    ESCOLA DE COMUNICAO E ARTES

    MESTRADO EM MSICA

    RADAMS GNATTALI: - SUTE PARA QUINTETO DE SOPROS - ESTUDO ANALTICO E INTERPRETATIVO

    JAMIL MAMEDIO BARK

    SO PAULO

    2007

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    JAMIL MAMEDIO BARK

    RADAMS GNATTALI: - SUTE PARA QUINTETO DE SOPROS - ESTUDO ANALTICO E INTERPRETATIVO

    DISSERTAO APRESENTADA AO DEPARTAMENTO DE MSICA DA ESCOLA DE COMUNICAO E ARTES ECA, REA DE CONCENTRAO: MUSICOLOGIA, LINHA DE PESQUISA: TCNICAS COMPOSICIONAIS E QUESTES INTERPRETATIVAS, DA UNIVERSIDADE DE SO PAULO USP, COMO REQUISITO PARCIAL PARA A OBTENO DO TTULO DE MESTRE EM MUSICOLOGIA, SOB A ORIENTAO DO PROF. DR. ROGRIO LUIZ MORAES COSTA.

    SO PAULO

    2007

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    Dedico este trabalho minha querida esposa Josely, que acredita no meu potencial e tornou-se minha maior incentivadora, e, ao mesmo tempo, um grande exemplo em todos os sentidos.

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    AGRADECIMENTOS

    ________________________________________________

    Agradeo profundamente a todos que direta ou indiretamente ajudaram no desenvolvimento

    do presente trabalho:

    ao Orientador Prof. Dr. Rogrio Luiz Moraes Costa, pela sua preciosa orientao e

    acompanhamento da pesquisa atravs de correes, sugestes e recomendaes, propiciando

    um enorme aprendizado e evoluo na rea musical.

    Thomas Hansen, por ceder a partitura editada, a qual facilitou e contribuiu para o

    enriquecimento do trabalho.

    ao querido professor Noel Devos, pelas valiosas e enriquecedoras aulas e apoio

    incondicional.

    minha querida esposa Profa Dra Josely Machado Bark, maravilhosa e dedicada pianista,

    pelo apoio em todos os momentos, manifestado atravs do auxlio na redao e reviso do

    trabalho, bem como da aplicao do uso correto da Lngua Portuguesa escrita.

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    Saber no basta, temos que aplicar o conhecimento; desejar no basta, temos que fazer.

    Goethe

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    RESUMO

    O presente trabalho tem como principal objetivo realizar um estudo analtico e

    interpretativo da Sute para quinteto de sopros de Radams Gnattali. Para introduzir e

    contextualizar esse estudo, apresenta, na Primeira Parte, um levantamento biogrfico e

    histrico da vida do compositor. A Segunda Parte focaliza a obra. Introduz aspectos da forma

    Sute, bem como das formas caractersticas dos movimentos: Preldio, Valsa, Modinha e

    Choro, alm de enumerar consideraes sobre a formao Quinteto de Sopros. Segue com o

    estudo analtico da obra atravs das tcnicas de anlise musical desenvolvidas por Arnold

    Schoenberg, Wallace Berry e Joaqun Zamacois. Desse estudo so levantadas informaes a

    respeito da linguagem empregada, quais os elementos composicionais caractersticos

    utilizados pelo compositor e como ele os manipula. Tambm de acordo com esse estudo

    analtico, esto indicadas sugestes sobre a execuo da obra, apontando aspectos relevantes

    da interpretao nos cinco instrumentos envolvidos. A concluso rene as informaes de

    maior interesse obtidas da anlise efetuada, e de orientaes a respeito da execuo da obra.

    Em anexo se encontram: relao de obras e fonografia de Radams Gnattali, a partitura e um

    CD com a gravao da Sute executada pelo Quinteto de Sopros de Curitiba, grupo do qual o

    autor dessa pesquisa faz parte.

    Palavras-chave: Sute, quinteto, sopros, Radams Gnattali, interpretao.

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    ABSTRACT

    The main objective of the present research is to present an Analysis and an

    interpretative Study of the Sute for Woodwind Quintet by Radams Gnattali. For the sake of

    contextualization, the First Part presents biographical and historical data of the composer's

    life. The Second Part focuses on the piece. It starts with aspects of the Suit and introduces the

    forms involved in each movement: Preldio, Valsa, Modinha and Choro. It follows with the

    Analysis of the piece according to the techniques of musical analysis developed by Arnold

    Schoenberg Wallace Berry e Joaqun Zamacois. The analytical process leads up to

    information about the used compositional language, the typical compositional elements, and

    how the composer uses them. Furthermore, according to this analytical study, there are

    suggestions concerning the performance of the piece, pointing to relevant aspects of

    woodwind quintet interpretation. The conclusion gathers the most prominent information

    acquired from the overall Analysis of the work, and from the suggestions on the performance

    of this piece as well. As appendixes, there are a list of works by Radams Gnattali and his

    phonography, the music score, and a recording on CD of the piece, performed by Wind

    Quintet Curitiba, group founded by the author of this research.

    Key-words: Suite, woodwind quintet, Radams Gnattali, performance.

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    ABREVIATURAS

    AM - L maior

    Am - L menor

    AM7 - L maior com 7a maior

    aum. - aumentada

    Cm/Eb- D menor com Mib no baixo

    c.- compasso

    cc.- compassos

    Frag. Tem.- fragmento temtico

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    SUMRIO INTRODUO 1

    PARTE I: RADAMS GNATTALI: DADOS BIOGRFICOS 9

    1. FORMAO MUSICAL 11

    2. CARREIRA NO RDIO 14

    3. COMPOSITOR, REGENTE E ARRANJADOR 16

    4. REFERNCIAS 21

    PARTE II: SUTE PARA QUINTETO DE SOPROS 23

    1. CONSIDERAES SOBRE A FORMA SUTE 25

    1.1. Preldio 26

    1.2. Valsa 27

    1.3. Modinha 29

    1.4. Choro 32

    2. A FORMAO QUINTETO DE SOPROS 35

    3. ANLISE 37

    3.1. 1o Movimento Preldio 39

    3.1.1. Anlise 41

    3.1.2. Sugestes para Interpretao 46

    3.2. 2o Movimento Valsa 49

    3.2.1. Anlise 51

    3.2.2. Sugestes para Interpretao 64

    3.3. 3o Movimento Modinha 67

    3.3.1. Anlise 69

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    3.3.2. Sugestes para Interpretao 77

    3.4. 4o Movimento Choro 81

    3.4.1. Anlise 83

    3.4.2. Sugestes para Interpretao 91

    3.5. 5o Movimento Final 93

    3.5.1. Anlise 95

    3.5.2. Sugestes para Interpretao 110

    CONCLUSO 115

    BIBLIOGRAFIA 121

    ANEXOS 127

    1. PARTITURA DA SUTE PARA QUINTETO DE SOPROS DE RADAMS GNATTALI

    2. CD CONTENDO A GRAVAO DA SUTE PARA QUINTETO DE SOPROS DE RADAMS GNATTALI

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    INTRODUO

    A abertura do sculo XX propiciou o desencadeamento progressivo de profundas

    transformaes na msica ocidental decorrentes de certo esgotamento das possibilidades

    expressivas do sistema tonal. As inovaes, que acabaram gerando uma grande pluralidade de

    estilos, incluam uma maior liberdade formal, o desenvolvimento de uma nova complexidade

    rtmica, a busca de novos timbres e texturas e a idia de emancipao da dissonncia.

    Com isso houve o afloramento de movimentos modernistas no ocidente,

    caracterizados pelos novos tipos de combinaes e relaes de agrupamentos sonoros. As

    transformaes tcnico-estticas desencadearam choques entre os artistas de vanguarda e o

    gosto musical aceito como uma verdade histrica pelas elites culturais e governantes da

    poca. A apresentao de novas experimentaes em peas como Pierrot Lunaire, de

    Schoenberg (1912), A Sagrao da Primavera, de Stravinsky (1913), e Parade, de Satie

    (1917)1 foram duramente criticadas.

    Ser moderno, independentemente de uma tendncia esttico-cultural especfica, implicava o desejo de o compositor reformular radicalmente os critrios conhecidos para escrever msica. Em geral, nos principais plos culturais europeus Paris, Milo, Berlim, Viena os compositores de vanguarda almejavam contestar as culturas oficiais preservadas pela burguesia e aristocracia, durante o sculo XIX at a ecloso da Primeira Guerra Mundial (1914-1918).(CONTIER, 1992, p. 259).

    No Brasil, na mesma poca, Rio de Janeiro e So Paulo eram os dois grandes plos de

    desenvolvimento na rea da composio. Essas cidades ofereciam maiores oportunidades de

    1 Pierrot Lunaire op. 21 (1912). Escrita por Arnold Schoenberg. Pea atonal de coloraes expressionistas.

    Compreende 21 melodias para uma Sprechstimme (fala cantada), piano, flauta, clarinete e violoncelo. A Sagrao da Primavera (1913). Escrita para bal por Igor Stravinsky, com base nas lendas do folclore russo, utilizando novas estruturas de ritmo, de timbres e organizaes de alturas. Parade, ballet raliste en un tableau (1917). Escrita por Erik Satie; texto de Jean Cocteau; cenografia de Pablo Picasso; coreografia de Massime e Diaghilev. Satie incorporou msicas populares dos cafs-concertos; rudos diversos, tais como mquinas de escrever e sirenes de ambulncias.

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    trabalho, especialmente junto s emissoras radiofnicas, que necessitavam de orquestradores e

    de regentes. Logo, muitos compositores originrios de diferentes regies do pas dirigiram-se

    para esses dois centros, em busca do aprofundamento dos conhecimentos, de trabalho e de

    maior projeo.

    No Brasil, o gosto musical dominante nos principais plos culturais desse momento

    histrico, incluindo So Paulo e Rio de Janeiro (dcadas de 1910 e 1920), circunscrevia-se

    num repertrio calcado na tradio clssico-romntica. As obras consagradas e apresentadas

    nos programas de concertos restringiam-se a compositores do passado como Bach, Haendel,

    Mozart, Beethoven, Chopin, Schumann, Wagner, Brahms, Verdi e contemporneos como

    Richard Strauss, Puccini, Pietro Mascagni e Gustav Mahler entre outros.

    Nas dcadas de 1920 e 1930, os compositores modernistas2 liderados por Mrio de

    Andrade, preocupados com o ideal de atualizao tcnico-esttica no campo musical em face

    dos modernismos europeus, passaram a defender, com veemncia, a construo de um projeto

    em prol da criao de uma msica brasileira nacionalista em suas especificidades rtmicas,

    meldicas, timbrsticas e formais.

    A msica como expresso dos imaginrios da literatura e do folclore, e a interpretao

    sobre uma determinada concepo da histria do Brasil favoreceram a construo de um

    programa em prol da brasilidade modernista, baseada nas pesquisas temtica e tcnica da

    cultura popular.

    Assim, a criao artstica brasileira das primeiras dcadas deste sculo representa a

    lenta preparao para a grande revoluo da Semana de Arte Moderna de 1922, movimento

    que abalou profundamente a vida cultural de So Paulo e que, pouco a pouco, atingiu todo o

    pas, levantando um protesto contra o academismo dominante, pregando a modernizao das

    linguagens artsticas em todas as suas modalidades.

    2 Citem-se, em especial, Villa-Lobos, o compositor da Semana de Arte Moderna, Luciano Gallet e Lorenzo

    Fernandez, entre outros.

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    A Semana de Arte Moderna, realizada no Teatro Municipal de So Paulo, em fevereiro de 1922 visava renovar a linguagem artstica abrangendo todas as artes. Na msica, os artistas apoiados pelos agentes sociais dominantes ligados burguesia agrrio-exportadora, buscavam romper com a arte tradicional (msica romntica), que envolvia tcnicas e uso de temas musicais com influncias europias. Compunha-se de exposies, conferncias sobre a esttica modernista, leituras de poemas e concertos. (CONTIER, 1985, p. 23).

    Nesse contexto, Rio de Janeiro e So Paulo apresentavam um ambiente cultural

    inovador e atraente para os jovens compositores. Tudo era novidade: o Modernismo de Mrio

    e Oswald de Andrade, a msica de Villa-Lobos, as primeiras transmisses de rdio, os

    grandes concertos. Essa efervescncia cultural atraa os jovens msicos, que sonhavam com

    uma brilhante carreira nos palcos mais famosos do pas.

    Um desses jovens msicos foi Radams Gnattali (27.01.1906 3.02.1988),

    compositor de excelente tcnica, sobretudo no domnio da orquestrao, est inserido na

    Escola Nacionalista da Terceira Gerao, juntamente a compositores como Jos Vieira

    Brando, Jos Siqueira, Waldemar Henrique e Alceo Bocchino, entre outros. (MARIZ, 2000,

    p. 262).

    Como compositor originrio do sul do pas (Porto Alegre RS), teve sua formao

    feita no contato direto com o folclore e com a msica popular, tendo trabalhado especialmente

    como orquestrador especializado em msica radiofnica, o que lhe deu um raro domnio da

    matria sonora, e uma especial fluncia da escrita musical.

    Na dcada de 30, Radams trabalhou na Rdio Clube do Brasil (RJ), na Rdio

    Mayrink Veiga (RJ), na Gazeta (RJ), na Cajuti (RJ) e na Transmissora (RJ), na qual iniciou

    sua carreira como arranjador. Em 1936, foi inaugurada no Rio de Janeiro a PR8, Sociedade

    Rdio Nacional, que comeou discretamente, sem muitas novidades na programao. No

    entanto, foram requisitados os melhores talentos musicais do mercado: Radams Gnattali,

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    Iber Gomes Grosso, o violinista Clio Nogueira e o baterista Luciano Perrone. Durante os

    trinta anos em que trabalhou na Rdio Nacional, Radams foi um inovador; abriu espaos

    para novos maestros e arranjadores, valorizou a msica instrumental e foi o responsvel pela

    incluso da orquestra na msica popular brasileira.

    Mesmo desenvolvendo grande parte de suas atividades no rdio, Radams no

    abandonou seu lado de compositor erudito e concertista. Ele mesmo afirmava: Amo a msica

    popular, mas, se pudesse, trabalharia exclusivamente sobre a msica erudita. (GNATTALI,

    Disponvel em: http://www.fbn.br/. Acesso: 5 mar. 2004).

    Inmeras composies suas eram requisitadas por intrpretes e maestros famosos.

    Alm da diviso de sua obra em erudita ou popular, convm distinguir dois perodos em suas

    composies srias. O primeiro de 1931 a 1940 cujas caractersticas so: folclorismo

    direto, resqucios de estilo de Grieg e do jazz. No segundo perodo, a partir de 1944,

    observam-se progressiva libertao da msica norte-americana, folclorismo transfigurado

    essencial, maior simplicidade e instrumentao sofisticada. (MARIZ, 2000, p. 265).

    Gnattali transitava com desenvoltura entre o popular e o erudito. Sua liberdade o fez

    viajar entre diversos estilos, pois era um msico indiferente s barreiras e aos preconceitos.

    Segundo ele, msica no tem definio; uma arte completa e independente de definies

    literrias. S pode ser definida com a prpria msica. (BRESSON, 1979, p. 25).

    Deixou obras primas entre quatrocentos ttulos. Dentre elas destacam-se as

    Brasilianas, quatorze Concertos para piano e orquestra, Concerto para violoncelo e

    orquestra, quatro Concertos para violo e orquestra, Concerto para violino e orquestra,

    Concerto para saxofone e orquestra, Sute para pequena orquestra, Concerto para

    Harmnica de boca e orquestra, Concerto para Acordeon e orquestra, entre outros.

    A presente pesquisa pretende estudar a Sute para Quinteto de Sopros de Radams

    Gnattali (1971). A idia investigar como o compositor utiliza os elementos folclricos

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    dentro da linguagem erudita, uma vez que essa dicotomia entre o popular e o erudito

    caracterstica idiomtica do compositor. Prope avaliar como so manipulados os elementos

    universais da msica do sculo XX para a formao quinteto de sopros na msica brasileira.

    O presente trabalho tem como objetivos especficos:

    a) Analisar a Sute para Quinteto de Sopros de Radams Gnattali, que compreende os

    seguintes movimentos:

    I. Preldio II. Valsa III. Modinha IV. Choro V. Final

    b) Procurar compreender e identificar os fatores de ordem tcnica utilizados na composio;

    c) Investigar possveis aspectos unificadores nas sees ou movimentos da obra;

    d) Fundamentar o aspecto interpretativo da obra atravs da sua anlise.

    E como objetivos gerais:

    a) Valorizar a msica brasileira atravs da divulgao da obra de um compositor

    representativo;

    b) Complementar, atualizar e enriquecer a literatura atual sobre quinteto de sopros,

    adicionando a ela conhecimentos e informaes sobre essa formao ainda pouco explorada

    pelos compositores brasileiros;

    c) Possibilitar o uso dessa pesquisa para auxiliar na didtica da msica de cmera;

    d) Contribuir para os estudos de interpretao das obras para quinteto de sopros.

    O trabalho se justifica pela crescente importncia em valorizar a produo nacional

    nos meios acadmicos brasileiros. No setor musical, especificamente nos ltimos anos, a

    partir da implantao dos cursos de ps-graduao, tem-se tentado resgatar as informaes

    sobre a vida e a obra de compositores brasileiros que deram inestimvel contribuio nossa

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    msica. E neste contexto que se enquadra Radams Gnattali, exemplo inquestionvel no

    cenrio musical brasileiro.

    Desde o incio do sculo XX, com o Quinteto em Forma de Choros(1928)3 de Heitor

    Villa-Lobos, essa formao vem exercendo crescente interesse sobre os compositores

    brasileiros. No incio, com o emprego de temas folclricos brasileiros em contextos

    harmnico-meldico-rtmicos oriundos da Europa. Depois, com ateno para as rupturas

    produzidas por influncia de Mrio de Andrade e a Semana de Arte Moderna e para as

    mudanas polticas, ideolgicas, culturais e estticas que se seguiram em ritmo acelerado at a

    dcada de 90, alguns compositores brasileiros regularmente dedicaram uma parcela

    considervel de sua fora criadora a essa formao.

    Fato interessante a ser observado que, apesar dos compositores brasileiros dedicarem

    substancial e extensa produo msica de cmera, h poucas obras escritas para quinteto de

    sopros, especificamente. Isso confere ao trabalho carter original e indito, visto que estuda

    obra designada a uma formao pouco utilizada na histria da msica brasileira.

    A anlise da Sute para Quinteto de Sopros de Radams Gnattali ser realizada

    segundo os seguintes autores:

    - SCHOENBERG, Arnold. Fundamentos da composio musical. Traduo: Eduardo

    Seincman. So Paulo: Universidade de So Paulo, 1991.

    3 O Quinteto em Forma de Choros(1928) de Villa-Lobos, pioneiro para essa formao dentro da msica

    brasileira, foi composto na mesma poca da srie de Choros. A palavra choro, que hoje significa uma forma musical especfica, era usada para denominar um conjunto musical de instrumentos tpicos que tocavam msica popular. Os Choros de Villa-Lobos so seqncias de momentos musicais diferentes, inspirados na msica popular. O Quinteto em Forma de Choros possui 4 momentos musicais diferentes, em que a presena da msica popular mais espiritual, materializando-se atravs do carter de cada um desses momentos: o clima melanclico inicial lembra as serestas e modinhas, o 2o momento preserva o carter de jogos e danas infantis,o 3o momento volta ao carter do incio, e o 4o momento apresenta o carter movimentado do choro, tal como conhecido nos dias atuais. (RODRIGUES, Lutero. Libreto de Quinteto de Sopros de Curitiba. 1 CD. Curitiba: Elysium, 1996).

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    Este livro apresenta inicialmente a fundamentao terica da chamada sintaxe

    musical classificando as idias musicais de acordo com sua importncia e funo. Assume

    que a compreenso da forma musical est na percepo de unidades menores motivos e

    suas variaes, bem como a lgica e a coerncia da correlao entre as mesmas. Na segunda e

    terceira partes coloca a aplicao dessa fundamentao na anlise, tanto das pequenas formas,

    quanto das grandes. Apesar do ttulo do livro se referir Composio Musical,

    perfeitamente aplicvel Anlise Musical, pois aborda, didtica e profundamente, o detalhe e

    o todo de um repertrio bsico destinado a todos os estudiosos da msica.

    - BERRY, Wallace. Structural functions in music. Mineola: Dover Publications, 1987

    Este livro estuda a estrutura de elementos fundamentais dentro da msica como a

    tonalidade, textura e ritmo atravs de um sistema conceitual e analtico, elaborando

    didaticamente suas funes e configuraes estruturais.

    O autor desenvolve e analisa a idia de hierarquia entre as vozes, suas regies e inter-

    relaes.

    Quanto textura, apresenta qualificao e quantificao das vozes dentro de uma

    composio; sua densidade, interdependncias ou independncias. Investiga a textura ligada ao

    ritmo e ao estilo.

    O ritmo e mtrica; seus conceitos fundamentais, suas funes dentro da msica e

    critrios sobre acentuaes nas composies.

    Alm da parte terica, todos os captulos mostram exemplos prticos e analisados das

    obras significativas dos grandes mestres da msica do Barroco ao sculo XX.

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    - ZAMACOIS, Joaqun. Curso de Formas Musicales. Barcelona: Editorial Labor S.A., 1979.

    Este livro possibilita a compreenso e anlise de obras segundo o conceito tradicional

    de forma musical. Uma composio no mais que um conjunto organizado de idias

    musicais. E essa organizao constitui sua forma. Atravs de exemplos significativos da

    histria da msica universal, analisa cada tipo formal paralelamente a sua contextualizao

    histrica. Assim, apropriado para desenvolver um curso terico-analtico de formas musicais

    juntamente com o estudo da histria da msica. Em suas colocaes, rene objetividade e

    profundidade de informao.

    As tcnicas de anlise sero utilizadas em conjunto, sem priorizar uma sobre a outra,

    mas sim procurando a complementao entre as mesmas. Atravs de tais abordagens sero

    relacionados os elementos necessrios para a configurao e caracterizao da linguagem

    musical de cada um dos movimentos da obra. Paralelamente investigao terica desses

    elementos, realizar-se- o acompanhamento dos dados obtidos atravs da execuo da obra.

    A anlise da Sute para quinteto de sopros tratar do aspecto formal da composio.

    De posse dos dados levantados, a forma de anlise dos resultados se dar atravs da

    identificao da linguagem da obra; quais os elementos composicionais caractersticos

    utilizados pelo compositor e como ele os manipula. Isso levar a uma interpretao consciente

    e bem fundamentada da obra como um todo.

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    PARTE I

    RADAMS GNATTALI:

    DADOS BIOGRFICOS

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    1. FORMAO MUSICAL

    Radams Gnattali nasceu em Porto Alegre em 27 de Janeiro1906. Filho de Alessandro

    Gnattali e Adlia Fossati, foi criado em um ambiente tipicamente italiano, com seus costumes,

    cultura e o amor pela msica.

    Desde cedo demonstrou grande musicalidade. Aos trs anos imitava os adultos

    tocando um violino de brinquedo. Menino travesso, que s pensava em jogar bola, Radams

    aprendeu as primeiras noes de msica no piano aos seis anos com sua me e em seguida

    violino com a prima Olga Fossati. Com apenas nove anos, o pequeno msico foi condecorado

    pelo cnsul italiano na Sociedade dos Italianos, depois de reger uma orquestra infantil, cujos

    arranjos haviam sido feitos por ele.

    Em 1920, aos 14 anos, Radams passou a freqentar o Conservatrio de Porto Alegre.

    Iniciou os estudos de piano com o professor Guilherme Fontainha, que se tornou seu fiel

    incentivador. Nessa poca, o jovem msico freqentava grupos de seresteiros bomios e

    adorava participar de blocos carnavalescos, trocando o piano pelo violo e cavaquinho.

    Aos 16 anos Radams se empregou no Cine Colombo, animando sesses de cinema

    mudo, acompanhado de uma orquestra formada por seus amigos Sotero, Luiz Cosme e Jlio

    Grau. Eles executavam pot-pourris de canes francesas e italianas, operetas, valsas e polcas.

    Os estudos de piano avanavam e Radams sonhava em se tornar um concertista.

    Porm, para sobreviver, continuava a tocar em cinemas e bailes e dava aulas particulares de

    piano. De seus estudos de Debussy e Ravel colheu os dados e ensinamentos para os primeiros

    ensaios na composio.

    Em dezembro de 1923, Radams concluiu com meno honrosa o oitavo ano do curso

    de piano e resolveu dar incio sua carreira de concertista. No Rio de Janeiro e em So Paulo

    o ambiente cultural fervilhava. Tudo era novidade: o Modernismo de Mrio e Oswald de

    Andrade, a msica de Heitor Villa-Lobos, as primeiras transmisses de rdio, os grandes

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    concertos e shows. Tudo atraa o jovem msico, que sonhava com uma brilhante carreira nos

    palcos mais famosos do pas.

    Realizou com sucesso uma audio dia 31 de julho de 1924 no Instituto Nacional de

    Msica do Rio de Janeiro. Na noite do concerto, o salo do Instituto estava lotado, estando

    presentes importantes crticos musicais de diversos jornais cariocas, dentre eles Oscar

    Guanabarino do Jornal do Commercio; Arthur Imbassahy do Jornal do Brasil; Borgongino do

    Correio da Manh; Rodrigues Barbosa de O Jornal. Neste ltimo, esto os seguintes

    comentrios:

    O recital comeou pelo Concerto para rgo de Wilhelm Friedemann Bach, filho de J. S. Bach, numa transcrio de Stradal para piano. Quer como estilo, quer como sonoridade, quer como cambiantes de colorido, a execuo teve certa grandeza que s os intrpretes privilegiados podem imprimir na sua execuo. [...] A Sonata em si menor, esse poema dantesco, encontrou no Sr. Radams um intrprete fervoroso, apaixonado pela epopia liszteana, vibrando com todas as suas belezas, que so infinitas. No houve uma s jia daquele escrnio sonoro que deixasse de irradiar a luz purssima. O estreante de ontem tem 18 anos [...]. Se ele comea a sua carreira com o esplendor que todos conseguem no perodo mais glorioso, at onde chegar com o seu talento e a sua personalidade de to acentuado relevo? (BARBOSA e DEVOS, 1984, p. 19)

    Um ano depois de seu sucesso no Rio de Janeiro, Radams foi convidado para um

    recital no Conservatrio Dramtico Musical de So Paulo, dirigido, nessa poca, por Mrio de

    Andrade . Nessa poca teve os primeiros contatos com a msica de Ernesto Nazareth.

    Em 1925, com 19 anos, o seu objetivo era ser concertista. Morava ainda em Porto

    Alegre, onde continuava a dar aulas de piano, o que garantiu a sua sobrevivncia por um

    perodo de quatro anos. Nessa poca, criou com os irmos Cosme e mais um amigo

    violoncelista, o Quarteto Henrique Oswald, o qual foi muito importante para o seu contato

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    com os instrumentos de cordas da orquestra. Neste quarteto, Radams trocou o violino pela

    viola.

    Em 1929, Guilherme Fontainha, como professor do Instituto Nacional de Msica do

    Rio de Janeiro, programou, no Teatro Municipal, uma apresentao de seus melhores alunos.

    Foi a oportunidade de Radams voltar ao Rio, tocando pela primeira vez acompanhado de

    orquestra. Nesta poca conheceu o baterista Luciano Perrone, com o qual criou uma amizade

    que perdurou durante toda sua vida.

    A mudana para o Rio de Janeiro em 1930 determinou um novo estgio na carreira

    artstica de Radams; o de compositor. No dia 17 de Setembro de 1930 o concertista fazia sua

    estria como compositor em Porto Alegre, tocando o Preldio no 2 (Paisagem) e o Preldio no

    3 (Cigarra).

    Durante as dcadas de 30/40, o forte apelo nacionalista esteve presente nas diversas

    manifestaes sociais, nas artes, na msica e na educao. As monumentais manifestaes de

    patriotismo marcavam as datas nacionais comemorativas, tais como o Dia do Trabalho e o Dia

    da Ptria, congregando grande parte da populao em torno de Getlio Vargas. desse

    perodo a obra Rapsdia Brasileira, de Gnattali, que reflete bem essa atmosfera nacionalista.

    Para Gnattali, o sonho de ser concertista tornava-se tambm cada vez mais difcil. Em

    1932, no Teatro Municipal, sob a regncia de Francisco Braga, apresentou-se em seu ltimo

    concerto como pianista solista. O tempo para os estudos estava escasso e ele precisava ganhar

    dinheiro, afinal, nesse mesmo ano casou-se com Vera, e a vida no Rio de Janeiro no era fcil.

    Resolveu dedicar-se carreira de compositor e se lanou no mercado de msica popular.

    Novas oportunidades surgiram. Foi contratado para tocar nas orquestras de Romeu Silva e

    Simon Bountman, animando bailes de carnaval, operetas, festas e programas de rdio.

  • 14

    2. CARREIRA NO RDIO

    Na dcada de 30, Radams trabalhou na Rdio Clube do Brasil, na Rdio Mayrink

    Veiga, na Gazeta, na Cajuti e na Transmissora, na qual iniciou sua carreira como

    arranjador.Em 1932 comeou a trabalhar na Rdio Clube do Brasil como pianista, regente e

    depois arranjador, ao lado de Pixinguinha e outros. Em 1935, Orlando Silva requisitou-lhe

    alguns arranjos de cordas para seu disco. O maestro aceitou, sem saber que seria o incio de

    sua batalha contra os crticos:

    Gostam do que bom. O Orlando Silva, que acabou sendo o primeiro a gravar msica brasileira com orquestra sinfnica, vendeu toneladas de discos, apesar das reclamaes contra meus arranjos. O acorde americano, como ficou conhecido o acorde de nona, agradou muito o pblico e, se tambm era utilizado no jazz, era porque os compositores de jazz ouviam Ravel e Debussy. Aqui ningum nunca tinha ouvido o tal acorde em outro lugar a no ser em msica americana, e vieram as crticas. Mas o povo no se deixou levar e assimilou muito bem a novidade. (BRESSON, 1979. p. 26).

    Em 1936 foi inaugurada a PR8, Sociedade Rdio Nacional, que comeou

    discretamente, sem muitas novidades na programao. No entanto, foram requisitados os

    melhores talentos musicais do mercado: Radams Gnattali, Iber Gomes Grosso, o violinista

    Clio Nogueira e o baterista Luciano Perrone. Em 1940, aps a encampao da rdio pelo

    Estado Novo, Gilberto de Andrade, o novo diretor, resolveu modificar a programao. A

    partir de ento, a Rdio Nacional criou um novo estilo, com uma programao baseada na

    valorizao da cultura nacional.

    Em 1943 a Rdio Nacional era um grande veculo de comunicao e Radams fazia

    arranjos diferentes todas as semanas. Estreou, na Rdio Nacional, o programa Um Milho de

    Melodias e foi criada a Orquestra Brasileira de Radams Gnattali. At essa poca no

    existiam orquestras tocando msica brasileira; eram s os regionais e as orquestras de salo.

  • 15

    (BARBOSA e DEVOS, 1984, p. 54). O maestro ficou responsvel por dar uma roupagem

    nacional s msicas estrangeiras. As big bands de Glen Miller e Benny Goodman faziam

    enorme sucesso e se destacavam pela riqueza orquestral. A proposta de Radams era

    enriquecer a msica brasileira com arranjos mais sofisticados: Um Milho de Melodias ficou 13 anos no ar. Uma espcie de parada musical onde eram apresentadas msicas de todas as partes do mundo. Quem escolhia o repertrio era Paulo Tapajs e Haroldo Barbosa - discotecrio da rdio - que estava por dentro de tudo quanto era msica de sucesso. Eu fazia nove arranjos por semana. (BARBOSA e DEVOS, 1984, p. 54).

    Radams inovou levando para o rdio verses e arranjos prprios, alm de

    interpretaes que se tornaram marcas registradas do programa com o Trio Melodia, As trs

    Marias (Marlia Batista, Bid Reis e Salom Cotelli) e o Trio Madrigal. O programa foi o

    primeiro a prestar homenagens a compositores como Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga e

    Zequinha de Abreu.

    Com o companheiro Luciano Perrone, o maestro criou uma nova forma de orquestrar

    os ritmos brasileiros. Foi o prprio Luciano quem deu a dica: Radams, continuar assim no

    possvel! Por que voc no muda a forma de orquestrar? Aqui a gente no tem aqueles

    ritmistas todos... E se voc puser o ritmo na orquestra?. E Luciano Perrone explica:

    At aquele momento (1930) a parte rtmica era feita por percusso, enquanto a meldica e harmnica ficava a cargo das cordas e sopros. O sistema de gravao no suportava a vibrao da percusso. Em 1930, na RCA, a gravao eltrica j podia suportar a orquestra com percusso, mas, na rdio, s tinha eu de baterista e ficava um vazio enorme! E eu me desdobrando na bateria para suprir a falta dos outros instrumentos! (BARBOSA e DEVOS, 1984, p. 45).

  • 16

    Em 1941, o programa Instantneos Sonoros passou a ser transmitido para a

    Argentina em cadeia com a Rdio Nacional de Montevidu. Devido ao sucesso, Radams foi

    homenageado na Associao Sinfnica de Rosrio e no Instituto Argentino de Cultura. Ao

    retornar ao Brasil, foi condecorado com o prmio Roquete Pinto pelos anos de dedicao ao

    rdio brasileiro.

    Em 1954 estreou o programa Quando os maestros se encontram, com o objetivo de

    incentivar jovens talentos musicais. A experincia no rdio o levou para a Rede Globo de

    Televiso em 1968, onde trabalhou como maestro e arranjador durante 11 anos.

    Durante os trinta anos em que trabalhou na Rdio Nacional, Radams foi um inovador;

    comeou a tratar a msica popular como nunca antes, com uma linguagem clara, elegante e

    concisa. Abriu espaos para novos maestros e arranjadores, valorizou a msica instrumental e

    foi o responsvel pela incluso da orquestra na msica popular brasileira. Influenciado por

    Luciano Perrone, Radams insere o ritmo na orquestra em substituio percusso, criando

    assim um novo sistema de orquestrao.

    3. COMPOSITOR, REGENTE E ARRANJADOR

    Mesmo desenvolvendo grande parte de suas atividades no rdio, Radams no

    abandonou seu lado de compositor erudito e concertista. Inmeras composies suas eram

    requisitadas por intrpretes e maestros famosos.

    Quando Bidu Sayo precisou de um pianista para acompanh-la em sua tourne pelo

    Brasil, em 1935, no hesitou em convidar Radams Gnattali. No mesmo ano, o maestro

    Henrique Spedini regeu o Concerto no 1 para piano e orquestra, de Radams, tendo como

    solista o prprio autor.

    Em agosto de 1938, apresentou um concerto com suas composies na Escola

    Nacional de Msica e, no ano seguinte, foi convidado a participar da Feira Mundial de Nova

  • 17

    Iorque. O grupo convidado era formado por compositores populares, como Pixinguinha,

    Donga e Joo da Baiana, e eruditos, como Villa-Lobos, Francisco Mignone, Lorenzo

    Fernandez e Camargo Guarnieri.

    Em 1939 o Teatro Municipal do Rio de Janeiro apresentou um espetculo inusitado

    para a poca: era a Revista Joujoux e balangands, com o acompanhamento das orquestras das

    rdios Mayrink Veiga e Nacional, sob a regncia de Radams Gnattali. No espetculo, a

    novidade foi a msica Aquarela do Brasil, de Ari Barroso. O arranjo e a abertura da pea

    causaram grande impacto, rendendo muitos elogios e crticas ao maestro e arranjador. O

    maestro chegou a ser alvo dos crticos, que o acusavam de americanizar os ritmos nacionais;

    mesmo assim, a msica fez um enorme sucesso e ficou conhecida internacionalmente como

    um dos "hinos brasileiros". Em dezembro do mesmo ano, lanou a obra Quarteto no 1.

    Em 1946, a BBC de Londres adquiriu, por uma vultosa quantia, os direitos para a

    gravao de Brasiliana no 1. Nos Estados Unidos, Arnaldo Estrela executou, a pedido das

    Filarmnicas de Chicago e da Filadlfia, o Concerto para piano e orquestra.

    Trabalhando na Gravadora Continental (1949), criou o Quarteto Continental - que

    posteriormente se transformou em Sexteto - com Luciano Perrone, Joo Meneses, Vidal, sua

    irm Ada e Chiquinho do Acordeo. Em 1960, o grupo viajou para uma tourne na Europa,

    integrando a III Caravana Oficial da Msica Popular Brasileira.

    Em 1953, Radams organizou um concerto no Teatro Municipal, no qual foi executada

    sua composio Concertino para violo e orquestra, sob a regncia de Eleazar de Carvalho e

    tendo como solista o violonista Garoto.

    Radams tinha fascnio pela inovao. Experimentava novas formas de orquestrar e

    compunha para instrumentos que at ento eram negligenciados pelos compositores

    brasileiros. Em 1954, comps a Sute da dana popular brasileira para violo eltrico e piano,

    dedicada ao violonista Laurindo de Almeida e executada por Garoto em So Paulo. No

  • 18

    Festival Radams Gnattali, realizado em 1958, no Teatro Municipal, a novidade ficou a cargo

    da obra Concerto para harmnica de boca e orquestra, tendo como solista Edu da Gaita.

    Gnattali afirmava que compunha para seus amigos; cada msica nova era um presente

    em nome da amizade. Chiquinho do Acordeo tambm mereceu um presente, o Concerto para

    acordeo e orquestra (1958). Alm de Jacob do Bandolim e mais tarde Joel Nascimento com a

    composio da Sute Retratos para Bandolim e Orquestra, na qual homenageia Pixinguinha,

    Ernesto Nazareth, Anacleto de Medeiros e Chiquinha Gonzaga.

    Em 1964, suas atenes se voltaram para a msica erudita. Retornou Europa com

    Iber Gomes Grosso. Formando um duo de violoncelo e piano, percorreram Berlim, Tel Aviv

    e Roma, apresentando composies prprias e de Villa-Lobos.

    Retornando ao Rio de Janeiro, apresentou o Concerto Carioca no 1, em comemorao

    ao aniversrio da cidade em 1965. Essa homenagem prestada pelo compositor tinha uma

    motivao especial. Foi nesta cidade que Radams teve a oportunidade de conhecer os mais

    geniais chores de sua poca, como Ernesto Nazareth e Pixinguinha. Com eles, descobriu a

    msica popular, o choro e o samba. Consagrou-se como um exmio intrprete de Nazareth, e

    da sua amizade com Pixinguinha o maestro afirmou:

    Ele era meu irmo. Trabalhamos muito tempo juntos na RCA e tocvamos tambm em orquestras. Eu ia muito na sua casa no Catumbi, onde ele fazia sesses espritas, e depois em Olaria onde ele fazia suas festas de aniversrio [...] Quando fui para a Rdio Nacional em 36, encontrava com ele nos botequins atrs da rdio. (ARAGO, 1983, Jornal do Brasil).

    Gnattali transitava naturalmente entre o popular e o erudito. Sua liberdade o fez viajar

    entre diversos estilos, pois era um msico indiferente s barreiras e aos preconceitos. Sua

    criatividade lhe possibilitou captar o melhor de cada estilo, experimentando tudo, pois,

    segundo ele, msica no tem definio; uma arte completa e independente de definies

    literrias. S pode ser definida com a prpria msica. (BRESSON, 1979. p. 25).

  • 19

    Entre as dcadas de 60 e 70, com a decadncia da Rdio ao vivo e conseqente

    retirada da mdia diria, passou a se dedicar mais musica erudita.

    Entre 1968 e 1979 foi contratado pela rede Globo como maestro e arranjador. Nessa

    poca, no auge do regime militar no Brasil, fazer msica com letra se tornou uma tarefa

    arriscada. A liberdade de expresso foi reprimida e os organismos de censura vetavam

    qualquer insinuao de crtica ao regime poltico vigente. Como quase todas as letras eram

    censuradas, sobrou pouco espao para a msica popular brasileira. Tal conjuntura incentivou

    o renascimento da msica instrumental e o interesse por compositores populares como

    Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga e Jacob do Bandolim. Foi uma poca em que os jovens

    msicos resgataram as fontes da msica brasileira, sobretudo o samba e o choro. Era comum

    encontrar compositores veteranos como Cartola, Candeia, Donga e Joo da Baiana cercados

    de jovens msicos. Neste contexto, Radams comps, em 1971, a Sute para Quinteto de

    Sopros, a qual foi estreada em 19 de Novembro de 1973 pelo Quinteto Villa-Lobos.

    Mas a virtual ressurreio de Radams para as novas geraes foi com a Camerata

    Carioca, no final da dcada de 70. Depois de anos em casa, compondo e arranjando, Radams

    se empolgou at para retomar o Sexteto Radams4. Passou a excursionar muito por todo o

    Brasil, com ambas as formaes. Retomou o prestgio, incentivado por nomes como Dorival

    Caymmi e Joo Gilberto, entre outros.

    Radams foi um dos mestres mais requisitados nesse perodo, demonstrando uma

    jovialidade que encantou novos chores como Joel Nascimento, Rafael Rabello e Maurcio

    Carrilho. Nasceu assim uma amizade que gerou muitos encontros e parcerias. Em 1979, o

    conjunto de choro Camerata Carioca tinha Radams como padrinho, e segundo comentrio de

    um dos integrantes do grupo: O maestro sabe de tudo! Para falar a verdade acho que ele

    mais jovem que qualquer um de ns.(MXIMO, 1981, p. 4)

    4 O Sexteto Radams era formado pelo pianista Larcio Freitas, Chiquinho do Acordeom, o guitarrista Jos

    Menezes, o contrabaixista Pedro Vidal Ramos, o baterista Luciano Perrone e Radams Gnattali ao piano.

  • 20

    Quando comemorou 70 anos de idade (1976), foi homenageado com a gravao da

    Cantata Maria Jesus dos Anjos (composta em 1965) para coro, orquestra e narrador, com

    texto de Boror, baseado nos pontos de umbanda.

    Em janeiro de 1983, recebeu o Prmio Shell na categoria de msica erudita; na

    ocasio, foi homenageado com um concerto no Teatro Municipal, que contou com a

    participao da Orquestra Sinfnica do Rio de Janeiro, do Duo Assad e da Camerata Carioca.

    Em maio do mesmo ano, numa srie de eventos em homenagem a Pixinguinha, Radams e

    Elizeth Cardoso apresentaram o recital Uma Rosa para Pixinguinha e, em parceria com a

    Camerata Carioca, gravou o disco Vivaldi e Pixinguinha.

    A sade comeou a fraquejar em 1986, quando Radams sofreu um derrame que o

    deixou com o lado direito do corpo paralisado. Em 1988, aos 82 anos, em decorrncia de

    problemas circulatrios, sofreu outro derrame, falecendo no dia 13 de fevereiro.

  • 21

    4. REFERNCIAS

    A seguir encontram-se alguns dos principais extratos de crticas sobre Radams

    Gnattali:

    H um trabalho que Radams vem realizando e que digno de figurar entre as selees mais cuidadosas do repertrio musical moderno de qualquer estante culta, em qualquer parte do mundo. Lidando com esse material precioso que a alma sentimental do brasileiro, ele vem extraindo de dentro dos aglomerados mais ingnuos do nosso povo a musicalidade fresca dos sertes, convertendo-a em atrevidas harmonizaes dignas de Stravinski, Groff e Gershwin. No fcil falar de sua msica ao defini-la. Saltando por cima de estgios estabelecidos ele transitou logo por dentro de orquestraes descritivas, onde a fora assenta nas expresses complexas dos ritmos e das harmonias singulares. Comeou burilando e enriquecendo de efeitos os temas de choro lanados por Nazareth, vestindo-os de uma roupagem mais rica nas transies para conjuntos de salo. Agora, Radams anda recolhendo motivos folclricos dos recessos provincianos, dando-lhes vida engalanada de harmonias, para a consagrao das elites. (RUNCHEL,1940, Folha da Tarde).

    Nunca vi, nem creio que ningum jamais tenha ouvido, um bandolim soar como o do nosso grande msico popular Jacob, para quem Radams Gnattali escreveu especialmente um concerto em quatro movimentos intitulado Retratos (...) Com a circunstncia de que o bandolim de Jacob, nutrido intensamente de seiva popular, se desvulgariza, e afinal se torna tambm instrumento de concerto, como ocorre na partitura de Gnattali. (CAMERATA CARIOCA; sua histria, 1981, Programa do espetculo Sempre Pixinguinha).

  • 22

    Radams Gnattali vai fazendo a sua carreira com sereno desprendimento em relao ao sucesso fcil. A sua obra, j considervel, impressionou a elite, e a crtica cada vez mais se interessa por esse compositor excessivamente modesto, que como o arteso medieval, produz visando honestamente atingir a obra mestra, porque para a perfeio todo o trabalhador deve tender, porque produzir uma alegria, e produzir bem uma necessidade para os verdadeiros artistas. No digo que o moo gacho no sabia quanto vale. Confiana em si mesmo no , porm, vaidade, mas uma condio de aperfeioamento e de eficincia. A Sute para orquestra de cmara, que ento ouvimos, uma obra de real interesse. O meti desse jovem j admirvel. A multplice e desigual experincia de vida musical de Radams Gnattali tem lhe sido integralmente til. Arranja msica popular para o rdio e o disco, ningum faz como ele; e o nvel desses arranjos subiu enormemente. H muita obra popularssima por a que deve a Radams Gnattali o brilho da instrumentao e os toques de arte de composio que as acreditaram. (MURICY, 1942, Jornal do Comrcio).

    Radams Gnattali deu uma organizao ao samba a Orquestra Brasileira. Nunca o samba chegara a sonhar com uma orquestra assim: grande, completa, perfeita. Radams Gnattali comeou a tratar o samba de forma como nunca fora tratado. Fez grandes arranjos para ele, e moldurou-o, descobriu-lhe riquezas que nunca imaginara ter. E tratado pela cultura e bom gosto de Radams, o samba, com a Orquestra Brasileira, comeou a viajar pelo mundo afora, atravs das ondas curtas da Rdio Nacional. O samba com Radams Gnattali e a Orquestra Brasileira conquistou o seu ttulo legtimo de msica verde e amarela, digno e elegante representante do esprito musical de nossa gente, indo visitar, pelas emissoras de ondas curtas da Rdio Nacional, os lares do mundo inteiro. (ANSIO, 1979, Rdio Nacional, boletim informativo dos servios de transmisso).

  • 23

    PARTE II

    SUTE PARA QUINTETO DE SOPROS

  • 24

  • 25

    1. CONSIDERAES SOBRE A FORMA SUTE

    Sute uma palavra de origem francesa que significa srie ou seqncia, uma

    sucesso de movimentos de dana, cujo nmero e carter, bem como as relaes que mantm

    uns com os outros so os trs critrios, que diferentemente fixados no decorrer dos sculos,

    souberam conferir a esse encadeamento o estatuto de uma forma musical.

    A sute a mais antiga de todas as formas instrumentais: a idia de reunir, numa

    seqncia, danas e canes vem sendo registrada desde a Idade Mdia, quando era costume

    agrupar certas danas duas a duas. Todavia foi apenas no sculo XVI que essa organizao

    por pares se precisou, pois a primeira dana era, ento, geralmente moderada e de ritmo

    binrio, e a segunda, rpida e ternria. Paralelamente a esse princpio tambm apareceram

    tipos de sutes concorrentes, que compreendiam at cinco danas, no raro ligadas entre si por

    uma mesma tonalidade.

    Assim, foi apenas na segunda metade do sculo XVII e no movimento da importncia

    tomada pela msica instrumental que a forma da sute pde se estabilizar, sob a influncia

    sobretudo de compositores alemes como Froberger, Kuhnau, Pachelbel e Buxtehude.

    A sute obedece, ento, a um plano em quatro movimentos( alemanda, courante,

    sarabanda e giga), as quais pode-se acrescentar outras danas, ou uma introduo, ou um

    preldio, assim como doubl, variaes ornamentadas de uma dana precedente.Alm disso

    cada movimento da sute tendeu a respeitar uma forma binria, em duas partes, a primeira da

    qual progride do tom inicial para o da dominante, e a segunda retorna, por diversas

    modulaes, ao tom principal.No fim do sculo XVII, as sutes de Franois Couperin,

    intituladas ordens , contam entre as obras mais marcantes desse tipo.

    No sculo XVIII, foi mais uma vez J. S. Bach que levou a forma a seu mais alto nvel,

    principalmente com as 6 suites inglesas, francesas e alems ou Partitas, todas para teclado,

    alm de sutes para violino, violoncelo e Orquestra. A partir da segunda metade do sculo

  • 26

    XVIII, a forma barroca da sute degenerou, sendo mais ou menos substituda pelo

    divertimento ou pela serenata.De fato, ela foi obscurecida pela sonata e pelas sinfonias

    clssicas.

    No entanto, no sculo XIX e no incio do sculo XX, a sute reapareceu sob

    modalidades diversas, em primeiro lugar com aspecto de misturas estilsticas, como puderam

    escrever Ravel (L Tombeau de Couperin) ou Schoenberg (Sute Op. 25). Com mais

    freqncia, a sute tambm consistiu na reunio de peas extradas de uma mesma pera,

    Bal, ou de uma msica de cena; os exemplos vo de Tchaikvski a Stravinski, passando por

    Bizet ou Berg. Essa forma pde ainda assumir o aspecto de um ciclo de miniaturas (Quadros

    de uma Exposio de M. Mussrgski).

    Na msica brasileira, a sute foi muito apreciada e utilizada com pronunciada

    importncia na produo musical de vrios compositores. Como exemplos significativos esto

    a Sute Brasileira (1890) para orquestra de Alexandre Levi; Sute sobre temas negro-

    brasileiros (1929) de Luciano Gallet; as quatro sutes Descobrimento do Brasil (1937) para

    orquestra e as sutes Prole do beb nos 1 (1919) e 2 (1925) para piano de Villa-lobos; a Sute

    Vila Rica (1957) de Camargo Guarnieri, entre outros.

    1.1. PRELDIO

    O Preldio fez sua primeira apario como gnero musical com as peas para rgo de

    Adam Ileborgh no sculo XV.

    A partir do sculo XVI, aparece como abertura de uma mesma pea instrumental, ou

    para introduzi-la numa mesma tonalidade. Pode tambm, eventualmente, servir de introduo

    a outra pea.

  • 27

    Originado da msica dos alaudistas, o preldio sem notao mensural, ou francesa,

    no sculo XVII aparece a partir de uma notao mnima caracterizando-se como

    extremamente livre com carter de improvisao. Possui relaes estilsticas como a fantasia e

    a tocata, que o substituem com bastante freqncia como pea introdutria.

    O gnero preldio e fuga que requer uma construo rigorosa, desenvolve-se e chega a

    uma espcie de perfeio com J. S. Bach, que com os seus preldios do Cravo Bem

    Temperado, construdos sobre trs idias, prefiguram a forma da sonata clssica.

    No sculo XVIII, o Preldio foi quase abandonado pelos compositores, reaparece no

    sculo XIX como uma espcie de homenagem a Bach. Alm disto, no sculo XIX aparece o

    preldio para piano, curta pea que constitui um todo em si mesma. Esta tradio da pea para

    piano independente segue no sculo XX.

    Quanto ao preldio sinfnico, o qual surgiu no sculo XIX, ele se apresenta sob a

    forma de uma composio livre. Identifica-se com o poema sinfnico, e pode substituir a

    abertura de uma pera. Na msica de cmara comum aparecer como abertura ou introduo

    de uma pea com vrios movimentos.

    O preldio na sute brasileira foi muito utilizado como abertura pelos compositores

    nacionalistas, entre eles: Villa-Lobos, Lorenzo Fernandez e Francisco Mignone.

    1.2. VALSA

    A Valsa foi a primeira dana de salo com o par enlaado. Por isso teve aceitao

    imediata nos sales da aristocracia europia no incio do Sculo XIX.

    Em 1815 houve um Congresso em Viena para fixar a nova geografia da Europa

    libertada do domnio de Napoleo e nesse Congresso a valsa foi admitida nos bailes ali

    realizados, tornando-se dai por diante uma dana de sociedade.

  • 28

    A programao musical do Congresso foi confiada a Sigismond Neukomm - o

    compositor austraco que no ano seguinte veio para o Brasil ensinar composio a D. Pedro I,

    e piano a Princesa Leopoldina e outros. No seu Dirio, Neukomm deixou uma relao de

    todas as suas obras, inclusive as compostas no Brasil. Nesse Dirio se encontram, ainda,

    informaes que permitiram ao msico e pesquisador Mozart de Araujo concluir que:

    A valsa j existia no Brasil em 1819.

    As valsas de D. Pedro I foram as primeiras a serem compostas no Brasil.

    A valsa, no Brasil, como a modinha, teve ascendncia nobre, tendo surgido no Pao

    Imperial.

    A valsa chegou ao Brasil diretamente de Viena, capital da ustria, e no atravs da Frana

    ou Portugal como alguns historiadores admitem.

    As primeiras valsas assinadas pr compositores brasileiros seguem os modelos da

    valsa vienense. Foi igualmente grande, no Brasil, a influncia das valsas de operetas, assim

    como as do caf-concerto e mesmo as valsas dos filmes americanos j nas dcadas de 30 e 40

    do sculo XX.

    O abrasileiramento da valsa, surgida no Primeiro Imprio, se processou lentamente,

    ganhando maior realce por volta de 1870, por ocasio da Guerra do Paraguai e a partir dai

    viveu o seu esplendor entre ns.

    impressionante como a valsa se amoldou aos diversos nveis artsticos da msica

    brasileira tanto no terreno da msica folclrica como popular ou erudita. Ela figura no

    catlogo das obras de Alberto Nepomuceno, Villa-Lobos, Camargo Guarnieri, Carlos Gomes,

    Francisco Mignone e Radams Gnatalli da mesma forma como ouvida no fundo do quintal

    dos chores cariocas ou executadas nas sanfonas de oito baixos do interior do pas.

  • 29

    Para avaliar a riqueza do acervo fabuloso de valsas que o Brasil possui basta comparar

    a singeleza meldica de uma Saudades do mato, de Jorge Galati com o refinamento de gosto

    e o requinte da Elegantssima de Ernesto Nazareth

    1.3. MODINHA

    A maioria dos pesquisadores brasileiros costuma classificar a Modinha como a

    primeira manifestao popular musical civilizada tipicamente brasileira. Seu estudo, porm,

    s comeou a ser desenvolvido a partir de 1930 quando Mrio de Andrade publicou suas

    Modinhas Imperiais.

    A data precisa do nascimento da modinha questionada pelos diversos estudiosos mas

    h documentos que lhe fazem referncia desde 1787. o caso, por exemplo, de William

    Beckford, um aristocrata ingls, que em seu Dirio registra na data de 14 de junho de 1787 a

    palavra modinha brasileira cantada. Beckford ouvia essas modinhas nos paos da Rainha D.

    Maria I, em Lisboa .

    Segundo pesquisas de Mozart de Arajo, j em 1775 vrios historiadores

    mencionavam a presena nos Palcios de diversas cidades portuguesas, de um brasileiro que

    ao som de uma viola de arame cantava modinhas e lundus - Domingos Caldas Barbosa - e

    dele eram, provavelmente, as modinhas brasileiras ouvidas por Beckford.

    Foi Domingos Caldas Barbosa o primeiro a empregar a palavra modinha para designar

    o tipo de msica que cantava. Segundo Mozart de Araujo, enquanto autores portugueses da

    poca usavam o termo genrico de moda para designar as cantigas, romances e rias de salo

    que compunham para os saraus da nobreza lisboeta, Domingos Caldas Barbosa,

    modestamente, designava as suas modas com o diminutivo simples de modinhas.

  • 30

    Apesar de considerado o pioneiro da modinha brasileira, Caldas Barbosa no foi o

    nico compositor brasileiro a brilhar pelo seu talento de compositor naquela poca.

    Descobriu-se, mais tarde, que no incio do Sculo XIX vivia no Rio de Janeiro um outro

    msico popular que causaria uma profunda impresso a alguns viajantes que escreveram

    sobre o Brasil daquela poca. Era Joaquim Manoel da Cmara. H um depoimento de

    Freycinet, datado de 1817, no qual reconhece o raro talento na guitarra do mulato Joaquim

    Manoel. Sob seus dedos o instrumento tinha um encanto inexprimvel que no era encontrado

    entre os guitarristas europeus mais notveis. Esse msico tambm autor de vrias

    "modinhas", gnero de romances muito agradveis, das quais Neukomm, um famoso msico

    austraco discpulo predileto de Haydn, que viveu no Rio de Janeiro de 1816 a 1821, publicou

    em Paris uma coletnea. Alm disto, foi mestre de Francisco Manoel da Silva, o autor do

    Hino Nacional Brasileiro. Encantou-se com o talento de Joaquim Manoel e ao regressar

    Europa fez imprimir em Paris, em 1824, um lbum de 20 modinhas de Joaquim Manoel.

    Outro importante msico e compositor de modinhas conhecido dos brasileiros foi

    Toms Antnio Gonzaga (1744-1810) o mais celebrado poeta da colnia, autor do famoso

    livro "Marlia de Dirceu" e partcipe da famosa Inconfidncia Mineira.

    Segundo Mozart de Araujo, h registros de modinhas recolhidas em So Paulo e

    Minas Gerais em 1817-1818 figurando entre elas, algumas em que Dirceu (Toms Antnio

    Gonzaga) celebra os encantos da sua Marlia (Maria Joaquina Dorotia de Seixas).

    J no Imprio, muitos nomes se tornaram clebres como compositores de modinhas e,

    entre eles, Gabriel Fernandes Trindade - considerado o primeiro autor de modinhas a ser

    impressa no pas; o Padre Teles Leal - pertencente a uma famlia de msicos; e uma Dona

    Mariana, que alm de compositora era exmia cantora de modinha no Rio de Janeiro. Seria ela

    a precursora da nossa famosa Maestrina Chiquinha Gonzaga.

  • 31

    A respeito da vida desses modinheiros - diz Mozart de Araujo - nada se sabe. De sua

    obra, entretanto, salvaram-se algumas peas, hoje rarssimas.

    O mais importante msico desta poca Cndido Incio da Silva considerado ora

    como mineiro, ora como carioca. Teria nascido provavelmente em 1805 e falecido em 1838.

    Segundo Mrio de Andrade, a Cndido Incio da Silva se devem as mais belas e mais

    estimadas modinhas do nosso Primeiro Imprio. Cndido, que era alm de compositor, cantor

    e instrumentista de viola e violino, foi discpulo do Padre Jos Mauricio e de Francisco

    Manoel da Silva - um dos autores do nosso Hino Nacional. Dentre suas composies

    conhecidas destacam-se Quando as glorias que gozei, Busco a campina serena, A hora em

    que ti no vejo, Minha Marlia no vive, Um s tormento de amor e outras.

    Outros nomes que no podem ser esquecidos nesta fase so o Padre Jos Maurcio e

    Marcos Portugal. Do primeiro se destaca a modinha Beijo a mo que me condena com letra

    do seu filho. Do segundo a msica colocada numa poesia de Domingos Caldas Barbosa e da

    qual resultou a modinha chamada Voc trata o amor em brinco.

    Marcos Portugal era compositor e considerado o maior msico do reino. Alm de uma

    produo rigorosamente erudita, deixou modinhas, algumas das quais com letra de Caldas

    Barbosa ou Toms Antnio Gonzaga.

    No incio do Segundo Reinado, as modinhas passaram a ser dos poetas ou seja, as

    melhores poesias da poca eram musicadas e apresentadas sob a forma de modinha ao

    pblico. Segundo Mozart de Arajo, com o desejo de conseguirem projeo e de se

    aproveitarem do prestgio que a "modinha" desfrutava, os compositores estrangeiros passaram

    a musicar poemas dos nossos melhores poetas tais como Gonalves Dias, Laurindo Rabelo,

    Alvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Fagundes Varela, Castro Alves e outros. Surgem

    ento novas modinhas de autores brasileiros onde se encontram uma "meldica verncula,

  • 32

    valorizada pela prosdia, pelo jeito de interpretar e pelos maneios meldicos do violo

    popular.

    Mozart de Araujo ainda lembra que, a partir de ento, a modinha brasileira se

    diferencia das canes dos outros povos pelo seu contedo de lirismo, de ternura, de saudade.

    Foi dessa modinha que Mrio de Andrade extraiu a sua definio lapidar: A modinha um

    suspiro de amor.

    Mais recentemente, j no sculo XX, Catullo da Paixo Cearense e Villa-Lobos so os

    compositores de modinhas que mais se destacaram sendo que Catullo se tornou um clssico

    desse gnero.

    1.4. CHORO

    A dcada de 1870 foi de especial significado na histria da msica popular brasileira.

    Foi nessa poca que se deu o abrasileiramento das tcnicas de execuo dos instrumentos

    europeus trazidos para o Brasil como a flauta, o violo, o cavaquinho, o pandeiro e at mesmo

    o piano, atravs do estilo dos pianeiros. Tambm foi por essa poca que se nacionalizaram os

    ritmos danantes importados como a polca, a schottisch, a mazurca, o tango, a habaneira e a

    quadrilha.

    Alm desses fatos de natureza musical, dois acontecimentos de grande significao

    scio-cultural para ns ocorreram no Brasil: o aparecimento do maxixe, primeira dana

    genuinamente brasileira e o choro.

    O choro nasceu, segundo alguns pesquisadores, por volta de 1877 no Rio de Janeiro,

    nas biroscas da Cidade-Nova e no fundo dos quintais dos subrbios. Comeou com flauta,

    cavaquinho e violo.

  • 33

    Seus primeiros cultores eram funcionrios dos Correios e Telgrafos, da Estrada de

    Ferro Central do Brasil e da Alfndega. Reuniam-se por puro lazer domingueiro e pelo prazer

    de fazer msica. Aos poucos foram sendo acrescentados outros instrumentos ao trio original

    tais como o bandolim, o ofclide, o bombardino, o trombone, o pistom, o clarinete e o

    saxofone.

    Os chores, como eram chamados, reuniam-se por mero acaso. No tinham nmero

    pr-fixado de participantes. Em conseqncia, era tambm improvisada, a composio

    instrumental desses conjuntos e esta improvisao logo se refletiu nas execues, surgindo da

    um estilo interpretativo inconfundvel que passaria a ser caracterstico do choro. A

    improvisao passou a ser a condio bsica do bom choro.

    Nessa interpretao havia, entretanto, um elemento constante: o tom plangente,

    "choroso" da execuo. Era a maneira chorada de tocar. Dai o nome de "choro" dado a esses

    conjuntos e o de "choro" dado ao integrante do grupo.

    O choro um gnero musical especificamente instrumental, embora, vez por outra,

    algum compositor coloque letra na msica fazendo dela um sucesso popular mesmo entre os

    no instrumentistas. O exemplo mais famoso o de Carinhoso de Pixinguinha que recebeu

    letra de Joo de Barro e foi gravado por Orlando Silva com estrondoso sucesso.

    A msica s chegou ao disco em dezembro de 1928, interpretado pela Orquestra

    Tpica Pixinguinha-Donga. Sem letra, Carinhoso teria ainda mais duas gravaes: uma pela

    Orquestra Victor Brasileira em 1929 e outra por Luperce Miranda em 1934. Segundo Jairo,

    em ambos o nome da msica aparece como Carinhos e no Carinhoso.

    No comeo as msicas executadas no Brasil eram as importadas. O choro foi o recurso

    de que se utilizou o msico popular carioca para executar, ao seu modo, essa msica de

    procedncia estrangeira que era consumida nos sales, nos saraus e nos bailes da alta

    sociedade, no tempo do Imprio.

  • 34

    Mozart de Araujo afirma que ao carem no mbito do choro essas msicas foram

    digeridas com o tempero brasileiro das "descadas" e das "negaas" e perderam o seu carter

    de dana se transformando em msica para ser ouvida, apenas.

    O nome se generalizou como uma maneira de tocar polcas, schottisch, e tangos da

    prpria criao dos brasileiros. Por isso, a riqueza do choro se expressa no s na diversidade

    de forma e gnero como na diversidade de ritmos; no apenas na variedade dos instrumentos

    musicais que emprega como no virtuosismo de sua execuo onde aparece como

    caracterstica principal a capacidade de improvisao.

    Na dcada de 70, neste sculo, a Secretaria de Educao e Cultura do Estado do Rio de

    Janeiro promoveu a comemorao do Centenrio do Choro com a realizao, nos anos de

    1978, 1979 e comeo de 1980 de uma srie de shows no Planetrio, em Escolas Estaduais e

    Municipais, no Museu do Primeiro Imprio e no Teatro Joo Caetano com Conjuntos de

    Choro. O repertrio de choros, no Brasil muito vasto e vem aumentando constantemente.

  • 35

    2. A FORMAO QUINTETO DE SOPROS

    O Quinteto de Sopros tambm conhecido como quinteto de madeiras, um grupo

    composto por cinco instrumentos; flauta, obo, clarinete, trompa e fagote. O termo quinteto

    tambm aplicado para a composio para esta formao.

    Como o Quarteto de cordas com sua homogeneidade e combinao, os instrumentos

    no quinteto de sopros diferem consideravelmente entre eles na tcnica, sonoridade e timbre.

    O Quinteto de Sopros moderno deriva de um grupo que foi o favorito na Corte de

    Joseph II no final do sculo XVIII em Viena, ou seja, 2 clarinetes, 2 obos, 2 trompas e 2

    fagotes. A influncia de Joseph Haydn e de sua escrita para msica de cmara aumentou as

    possibilidades para os sopros, ao mesmo tempo, os avanos na construo dos instrumentos

    naquele perodo, aumentando sua sonoridade e melhorando a tcnica, fez com que fosse

    possvel a sua utilizao em grupos menores, como o quinteto. Alguns dos principais

    Quartetos de Cordas de Haydn foram arranjados para Quinteto de Sopros.

    Antonio Rosetti (1750-1792), Nikolaus Schmidt e G. M. Cambini (1764-1825), esto

    entre os primeiros a comporem especificamente para esta formao.No entanto, no incio de

    1811, foi Antoine Reicha com seus 24 Quintetos e Franz Danzi com seus 9 Quintetos que

    estabeleceram o gnero Quinteto de Sopros, e suas peas ainda so o referencial do repertrio

    para esta formao.

    Apesar da formao no ter conseguido maior interesse pelos compositores na segunda

    metade do sculo XIX, houve no incio do sculo XX um renovado interesse com relao a

    essa formao e hoje o Quinteto de Sopros um exemplo sedimentado como grupo estvel na

    msica de cmara, por sua versatilidade e variedade de cores sonoras.

  • 36

  • 37

    3. ANLISE

  • 38

  • 39

    3.1. 1o Movimento - PRELDIO

  • 40

  • 41

    3.1.1. Anlise

    O movimento inicia com o Motivo a no modo de C mixoldio nos compassos 1 a 3

    (Fig. 1) executado pela flauta, obo, clarinete e fagote, com dinmica f. O carter rtmico

    deste elemento contrastante com a resposta cantabile da trompa (cc. 3 e 4), a qual lembra

    um chamamento, uma clarinada, um discurso.

    Fig. 1. Primeiro movimento Preldio (cc. 1 a 8)

    Enquanto a trompa executa a nota pedal G (cc. 5 e 6), o conjunto flauta, obo,

    clarinete e fagote transpe o Motivo a para o novo centro modal E Assim ocorre uma

    relao de transposio de 3am acima. Tambm entre os Motivos a e b (Fig. 1, c. 3) se

    estabelece uma interessante relao intervalar: no grupo constitudo pela flauta, obo e

    clarinete predomina o uso de 2a M; no fagote, o perfil meldico de 4a j e 5a j. O Motivo b

    (cc. 3 e 4) realizado pela trompa uma sntese desses intervalos. Nos compassos 7 e 8 ocorre

    a continuao do solo da trompa (Motivo b1) como resposta ao primeiro solo (cc. 3 e 4,

    Motivo b). Nota-se que, dos compassos 1 a 4 ocorre uma espcie de idia responsorial, ou

    seja, o conjunto de quatro instrumentos canta e o solista (trompa), responde. J dos

    compassos 5 a 8 h a repetio do mesmo elemento rtmico, porm transposto, como uma

    espcie de resposta. Podem-se denominar os primeiros quatro compassos do movimento

    antecedente, e os quatros seguintes (5 ao 8), conseqente.

    Motivo a Motivo a transposto

    Motivo b

    4a

    2a

    2a

    4a

    2a

    Motivo b1

  • 42

    Durante a nova nota pedal C na trompa (Fig. 2, cc. 9 a 12) o fagote inicia o Motivo c,

    o qual imitado pelo clarinete, com carter de ostinato, por trs vezes (cc. 10 a 12), e depois

    pelo obo (cc. 13 e 14), que incorpora uma modificao no final. A partir do compasso 10

    sente-se a configurao de uma espcie de objeto sonoro, ou seja, a unio dos instrumentos

    configura um bloco que adquire consistncia a partir de procedimentos repetitivos, realizado

    pela flauta, com appoggiaturas no tempo forte, e a continuao no clarinete (cc. 10 a 12) no

    tempo fraco. Neste breve momento, na flauta e no clarinete, tem-se a sensao de suspenso

    do fluxo temporal do discurso, configurando uma espcie de escultura sonora no espao.

    Fig. 2. Primeiro movimento Preldio (cc. 9 a 14)

    A partir do compasso 15 (Fig. 3) os intervalos de 2a e 4a derivados dos Motivos a e b

    passam a predominar e se expandem em todos os instrumentos. Passa a haver um

    tensionamento gradativo devido ao uso de ritmos repetidos na flauta, e um adensamento entre

    obo, clarinete e fagote, at chegar ao trinado (c. 20) e retomada do Motivo a no compasso

    22.

    Motivo c

  • 43

    Fig. 3. Primeiro movimento Preldio (cc. 15 a 21)

    Considerando-se a textura polifnica5 e os efeitos contrapontsticos envolvidos no

    trecho anterior (Fig. 3), o mesmo pode ser considerado um trecho de transio entre o incio

    do movimento e a retomada do Motivo a no compasso 22.

    Entre os compassos 22 a 27 (Fig. 4) h a repetio literal do incio do movimento.

    5 A textura polifnica (literalmente significa muitas vozes) consiste de vrias linhas com considervel

    independncia interlinear, s vezes imitativas. (BERRY, 1987, p. 192).

  • 44

    Fig. 4. Primeiro movimento Preldio (cc. 19 a 33)

    Da Fig. 4 se verifica ainda que, o Motivo c passa a ser executado pela trompa (c. 28),

    em seguida pelo clarinete (c. 29) e depois pelo fagote (c. 30). Nos ltimos trs compassos, a

    flauta, o obo e o clarinete realizam a mesma clula rtmica em E maior, com o pedal da

    trompa em E e, do fagote, em C, o que gera um acorde de C maior com 7a M e 5a aum. Essa

    superposio de C e E recorda a mesma estrutura intervalar de 3a do incio do movimento, dos

    compassos 1 a 4 (C) e compassos 5 a 8 (Eb).

    Motivo a

    Motivo b

    Motivo c

  • 45

    Percebe-se que o Preldio funciona como a abertura da Sute. A brevidade do

    movimento parece ser uma caracterstica empregada para facilitar a compreenso da obra ao

    ouvinte. Quanto textura, observam-se duas classificaes simultneas: no bloco das

    madeiras isoladamente, a textura em geral homofnica6 coral a quatro partes vertical em

    oposio textura da trompa, mondica com carter meldico horizontal. A partir de ento

    o bloco das madeiras assume o carter de acompanhamento. Esse fato revela um

    procedimento muito utilizado na obra, como poderemos perceber nas anlises dos prximos

    movimentos.

    6 A textura homofnica literalmente denotaria uma condio de vozes interdependentes, porm sua conotao

    tradicional a de uma textura na qual uma voz primria acompanhada por uma malha subordinada por vezes interativa, em meios experimentais. O baixo normalmente est em direo contrria ou em outra relao contrapontstica primeira voz (ou vozes). (BERRY, 1987, p. 192). Homofonia (Gr., mesma sonoridade) literalmente vozes ou instrumentos soando juntos, significa escrita polifnica em que existe uma distino clara entre melodia e harmonia de acompanhamento, ou em que todas as partes seguem, no mesmo ritmo (estilo de acorde), em oposio ao tratamento polifnico, no qual as partes podem seguir independentemente. (SADIE, 1980, p. 438).

  • 46

    3.1.2. Sugestes para Interpretao

    Flauta, obo, clarinete e fagote iniciam o primeiro movimento com um ataque em

    intensidade f . Como apresenta carter ritmado e enrgico imprescindvel que seja

    absolutamente simultneo. Ainda nestes dois compassos iniciais, a articulao deve ser

    staccato. Estes primeiros compassos servem de preparao para a entrada da trompa no

    compasso 3. Para maior clareza na entrada da trompa em ritmo acfalo, muito importante

    que os quatro instrumentos apresentem o desenho rtmico inicial de forma bem marcada -

    marcato. Nesse compasso (c. 3), a trompa solo inicia um tipo de chamamento em intensidade

    forte e staccato, porm sempre buscando um equilbrio na dinmica com relao aos quatro

    instrumentos tocados anteriormente, isto , sem haver hierarquias entre o bloco de quatro

    instrumentos e a trompa. fundamental observar os acentos no solo de trompa, os quais

    geram o efeito de sncope. Aps o ltimo acento do compasso 4, a trompa deve reduzir

    levemente a intensidade do som como se fosse uma preparao para a entrada dos outros

    quatro instrumentos no compasso 5.

    No compasso 5 deve haver o mesmo vigor do incio do movimento e o ataque deste

    compasso deve ser sinalizado pelo flautista.

    fundamental que a resposta da trompa no compasso 7 seja estritamente a tempo, pois

    h uma tendncia em atrasar neste solo por causa dos contratempos. Este solo deve continuar

    forte e staccato at atingir o compasso 9 onde, aps o acento, a trompa se retrai e o fagote

    executa a frase em intensidade forte. Devido ao desenho rtmico em contratempos, prudente

    que haja um direcionamento, ou seja, sem deixar a pulsao esttica, pensando sempre o

    tempo para frente, a fim de evitar atrasos. Esse direcionamento deve ser observado tambm

    pela flauta e clarinete entre os compassos 10 a 12, pois alm da figura sincopada, nesse

    momento ocorre um diminuendo. A passagem da flauta para o clarinete (cc. 10 a 12) deve

  • 47

    acontecer como se fosse um nico instrumento. O acento indicado no clarinete nesses

    compassos deve ser exagerado, pois a trompa e o fagote esto sustentando uma nota longa.

    Apesar da trompa e do fagote seguirem com reduo de dinmica nesses compassos, a regio

    grave que o clarinete se encontra justifica esta indicao, pois essa regio do clarinete de

    difcil projeo. No compasso 12, o crescendo no clarinete muito importante para dar

    equilbrio entrada da flauta e do obo que possuem naturalmente uma projeo maior do

    som.

    Diferentemente do exposto acima, o solo de obo (cc 13 e 14) deve ser executado sem

    acentos e de forma contnua.

    No compasso 15, a flauta inicia as notas duplicadas em forte e staccato, seguida pelo

    clarinete, obo e fagote com articulao igualmente staccato. A dinmica neste trecho (cc. 15

    a 21), deve ser gradativa. O grupo deve atingir o pice da dinmica na retomada do tema

    inicial (Tema a), no compasso 22. importante ressaltar que, no compasso 19, a trompa e o

    fagote devem explicitar a clula do Tema b, inicialmente exposto pela trompa. O desenho

    apresenta um acento no ltimo tempo do compasso, assim, a trompa, aps executar esse

    acento, deve reduzir subitamente sua intensidade. Essa reduo auxiliar a melhor audio do

    cnone no fagote (c 19). Trompa e fagote preparam a entrada dos trinados na flauta, obo e

    clarinete (c. 20) em fp crescendo. Nesse momento, o fagote, com intensidade f e articulao

    staccato, auxilia na concluso do trinado.

    No compasso 21, o acento da trompa no segundo tempo fundamental para auxiliar o

    ataque das quintinas no terceiro tempo executadas pela flauta, obo, clarinete e fagote. A

    retomada do Tema a deve ocorrer com intensidade elevada f e grande vigor, como no

    incio do movimento.

    No compasso 28, a trompa, clarinete e fagote devem realizar este tema com

    intensidade f, sempre buscando o equilbrio sonoro do grupo, isto , sem diferenas de

  • 48

    dinmica entre os trs instrumentos. O efeito gerado deve ser o de continuidade, semelhante a

    um nico instrumento.O f da trompa deve respeitar o f do clarinete na regio grave.

    Igualmente, o fagote deve atentar para que a dinmica no fique desproporcional. Procurar

    realizar as mesmas cores timbrsticas entre os instrumentos, ou seja, os integrantes devem

    procurar seguir uma sonoridade em comum, escura ou brilhante, para obter a homogeneidade

    sonora do grupo.

    No compasso 30, os acentos nos dois ltimos tempos da trompa e do fagote devem ser

    enfatizados sem atrasos at o fp do compasso 31. Esses acentos servem de preparao para a

    entrada final da flauta, obo e clarinete em intensidade f, os quais reduzem a intensidade

    bruscamente para o compasso 32, atravs do diminuendo. No compasso 32, h um crescendo

    vigoroso de todos os instrumentos para a concluso do movimento. Aps a execuo da

    ltima nota do movimento, aconselhvel que o grupo permanea imvel para a interpretao

    das pausas, as quais representam recurso expressivo essencial para a concluso do

    movimento.

    No primeiro movimento importante ressaltar que os instrumentos que executam

    notas longas devem conservar dinmica sempre inferior aos instrumentos que apresentam

    linhas meldicas. O andamento deve ser mantido durante o decorrer do movimento, por isso a

    insistncia da importncia de manter um direcionamento, principalmente em situaes onde

    os msicos tendem a atrasar, como em figuras sincopadas e diminuendos. Se o grupo escolher

    um andamento um pouco mais rpido ou mais lento do que o determinado pelo compositor,

    este andamento deve iniciar e terminar o movimento, sem alteraes. Os acentos devem ser

    exagerados para que apaream claramente dentro do contexto musical.

  • 49

    3.2. 2o Movimento - VALSA

  • 50

  • 51

    3.2.1. Anlise

    Para o incio do movimento h uma Introduo de oito compassos. O clarinete executa

    uma sucesso de trs agrupamentos de arpejos em colcheias nos seis primeiros compassos

    (Fig. 5), e no compasso 3, o fagote realiza uma seqncia cromtica descendente, a partir de

    G, que se estende at o compasso 8.

    Fig. 5. Segundo movimento Valsa - (cc. 1 a 8) Introduo

  • 52

    Nos compassos 7 e 8 se verifica que a nota D e Db esto sendo direcionadas pelo

    fagote levando polarizao para a tnica C. O incio da polarizao da tnica (C) ocorre no

    clarinete (cc. 7 e 8), e em seguida no fagote (cc. 8 e 9). Este incio, com a polarizao em C e

    o fluxo contnuo de colcheias estabelece um territrio rtmico-harmnico.

    A forma como se utiliza a superposio entre o desenho rtmico no clarinete e o baixo

    no fagote, sugere a utilizao de um processo aditivo, onde os elementos se agregam de uma

    forma quase autnoma para a gerao da textura contrapontstica7. Essa superposio entre

    clarinete e fagote representa uma preparao para o incio da Seo A, com a entrada do

    Tema a no obo (c. 9, Fig. 6).

    Nos compasso 9 a 11 os acordes formam um vocabulrio baseado em trades e o

    caminho de fundamentais descreve um ciclo de 4as defectivo: C- F- B. No compasso 12,

    ocorre uma polirritmia entre obo e clarinete (2 contra 3), e h a transformao do acorde de

    Bm com o acrscimo da stima (Bm7). A textura nesse trecho contrapontstica.

    Fig. 6. Segundo movimento Valsa - (cc. 9 a 12) Incio da Seo A

    7 A textura contrapontstica denota uma condio de interao interlinear envolvendo contedo intervalar,

    direo, ritmo e outras qualidades e parmetros de diversificao. (BERRY, 1987, p. 192).

    Tema a

  • 53

    Com o aparecimento do Tema a no obo e o acompanhamento em colcheias no

    clarinete, o fagote caracteriza claramente um baixo, no sentido de dar suporte harmnico ao

    conjunto.

    O Tema a reaparece transposto meio tom acima no obo (cc. 13 e 14, Fig. 7). O

    clarinete conserva o mesmo acompanhamento anterior em colcheias, enquanto o fagote

    mantm a linha do baixo. No compasso 14 acontece uma polirritmia entre flauta e obo

    (reminiscncia do c. 12). Entre os compassos 17 a 20 o Tema a executado pelo clarinete em

    paralelo com uma sucesso cromtica descendente no fagote, e um pedal cromtico C e C# na

    trompa. Trata-se de uma sucesso de impulsos, que ganha fora devido s acentuaes

    sincopadas na trompa, em direo a um ponto de apoio (c. 20). Esse fato denota uma

    polarizao por semitons at o final da frase, quando atinge o acorde de A7m (cc. 19 e 20).

    Fig. 7. Segundo movimento Valsa - (cc. 13 a 20)

    Tema a

    Tema a

  • 54

    No compasso 21 (Fig. 8) o Tema a ocorre no fagote e o deslizamento de semitons

    acontece no clarinete (F F e E). Do incio da obra at o compasso 20 ocorre um

    progressivo tensionamento com a adio de instrumentos e a ascenso do Tema (G, Ab, C,

    notas iniciais). A partir do compasso 21 h uma filtragem na instrumentao e a textura torna-

    se mais rarefeita. No compasso 23 ocorre uma chegada a um ponto de apoio que acontece no

    Db do fagote e E do clarinete, para em seguida no compasso 24 o fagote direcionar um

    acellerando enfatizando o incio da Seo B (c. 24).

    Fig. 8. Segundo movimento Valsa - (cc. 21 a 24)

    A Seo B inicia no compasso 24, com um accelerando em um8, comandado pelo

    fagote. No compasso seguinte (c. 25), a flauta inicia o Tema b, efetuando um movimento

    ascendente (c. 26), que ser reutilizado posteriormente para a elaborao temtica, com um

    8 A expresso em um significa que, deve-se evitar a marcao da mtrica do compasso em trs tempos, e

    procurar uma pulsao nica para cada compasso.

    Tema a

  • 55

    direcionamento ao compasso 29, efetuado nos compassos 27 e 28 (fragmento temtico b1).

    A partir do compasso 29 a flauta executa o fragmento temtico b2 em movimento

    ascendente, concluindo em um acorde de A7m (c. 33, Fig. 9). O fragmento temtico b2

    apresenta uma derivao aumentada de parte do Tema a, conforme ilustra a Fig. 10. Dos

    compassos 25 a 33 o fagote e a trompa apresentam o ritmo caracterstico da valsa, com a

    polarizao para o acorde de A de quatro em quatro compassos (cc. 25 a 28 e cc. 29 a 33),

    sempre com direcionamento atravs de semitons do fagote.

    Fig. 9. Segundo movimento Valsa - (cc. 23 a 33) Incio da Seo B

    Seo B Tema b Frag. Temtico b1

    Frag. Temtico b2

  • 56

    Fig. 10. Segundo movimento Valsa Quadro comparativo: Tema a x Frag. Temtico b2

    A partir do compasso 33 (Fig. 11) o obo segue movimento cromtico ascendente,

    utilizando uma parte do fragmento temtico b1, enquanto a flauta, no compasso seguinte (c.

    34), realiza movimento cromtico descendente, como uma preparao para o pice em

    dinmica (f, c. 35), e uma mudana textural importante, com o fim da idia de

    acompanhamento e conseqente utilizao do Tema b (primeira parte). Nesse momento a

    flauta, o obo, o clarinete e o fagote realizam o mesmo desenho rtmico, derivado do Tema b

    (primeira parte), definindo uma textura homofnica, seguido do mesmo desenho rtmico, mas

    transposto (3a abaixo, c. 37, e 5a abaixo, c. 38, na flauta e no fagote) em dinmica p (cc. 37 e

    38).

    Fragmento Temtico b2

    Tema a

  • 57

    Fig. 11. Segundo movimento Valsa - (cc. 33 a 38)

    Esse trecho (Fig. 11) uma preparao para a entrada do Tema a (c. 39, Fig. 12, p.

    59) executado pela trompa, que a derivao do Tema a, pois tem a curva ascendente das trs

    primeiras notas do Tema a, alm do salto de 7a do Tema a lembrar o salto de 7a (clarinete, c.

    19, Fig. 7, p. 53) e de 6a (obo, c. 10, Fig. 6, p. 52) do Tema a. A textura utilizada a partir

  • 58

    desse ponto (c. 39) passa a ser polifnica imitativa9. O Tema b reaparece no clarinete (c. 41) e

    no fagote (c. 45), retornando depois flauta (c. 48), com o baixo cromtico descendente do

    fagote at o aparecimento do Tema a na trompa (c. 54), proporcionando um acmulo de

    energia at chegar ao compasso 56.

    At aqui fica claro que tanto o Tema b quanto o Tema a derivam do material do

    Tema a (Fig. 12). As trs primeiras notas ascendentes do Tema a so utilizadas nos Temas

    a e b. O Tema a possui seu incio acfalo, assim como o Tema a. Os saltos de 6a e 7a do

    Tema a so lembrados nos Temas a e b.

    Fig. 12. Segundo movimento Valsa Tema a e Tema b como derivao do Tema a

    Tambm da figura 13 a seguir, observa-se que as notas descendentes da segunda parte

    do Tema a (fagote, cc. 22 e 23, Fig. 8) so lembradas, ainda que com pequenas variaes,

    tanto no Tema b (fagote, c. 47, Fig. 13) quanto no Tema a (trompa, cc. 40 e 41, Fig. 13).

    Podemos pois, perceber que as semelhanas entre o Tema a com os Temas a e b dizem

    respeito aos perfis meldicos e s configuraes intervalares.

    9 Com o significado literal de muitas vozes, a textura polifnica pode servir para denotar, como

    convencionalmente, textura de mltiplas vozes de considervel interdependncia interlinear, freqentemente imitativa. (BERRY, 1987, p. 192). Imitao muito freqentemente uma rigorosa duplicao de ritmos, intervalos, e sucesses direcionais. Pode ser considerada como a manifestao da independncia interlinear. (Ibidem, p. 216).

    Tema a

    Tema a

    Tema b

  • 59

    Fig. 13. Segundo movimento Valsa (cc. 39 a 55)

    Tema a

    Tema b

    Tema b

    Tema b

    Tema a

  • 60

    A partir do compasso 56 (Fig. 14) ocorre uma mudana no desenho rtmico, que gera

    uma quebra na quadratura do compasso . O conjunto formado pela flauta, obo, clarinete e

    fagote apresenta textura homofnica, e estabelece tambm um contraste na dinmica (f/p)

    entre os compassos 56 a 59, at chegar ao ponto de repouso, com a sobreposio de quartas

    entre fagote, trompa, clarinete e obo e a formao do acorde de DM com baixo em E (DM/E)

    entre flauta, obo, clarinete, fagote e trompa (cc. 57 e 59, Fig. 14). Esse trecho surge como

    uma conseqncia do crescendo realizado no final da frase da trompa (cc. 54 e 55, Fig. 13),

    gerando um efeito de resoluo.

    Fig. 14. Segundo movimento Valsa (cc. 56 a 59)

    A Seo C inicia no compasso 60 (Fig. 15), relembrando os arpejos em colcheias do

    clarinete do incio do movimento, porm agora apresentado alternadamente entre flauta, obo

    e clarinete. A fuso entre eles ocorre atravs de uma nota piv, provocando com isso um

    direcionamento e intensificao at a entrada do Menos (c. 68). O Tema a no fagote (c. 62),

    que uma derivao do Tema a do incio do movimento, acontece at o aparecimento do

    Tema

    a na trompa (c. 66), continuando at o incio do rallentando (c. 67), com o objetivo de

    retornar ao tempo inicial do movimento (Menos = 130, c. 68).

    Nesse momento, a flauta e o obo executam o Tema a, com o suporte harmnico

    realizado pelo fagote, como no incio do movimento (c. 12, Fig. 6). H um pedal rtmico

    3 4

  • 61

    realizado pela trompa e uma nota sustentada no clarinete. Durante o trecho, o material

    harmnico passa de Cm/Eb (c. 68) at A7m (c. 71) e o clarinete executa um inesperado

    desenho descendente de semicolcheias (c. 71), formando uma conexo para dar continuidade

    retomada do Tema a pelo fagote, no compasso 72 (Fig. 16).

    Fig. 15. Segundo movimento Valsa - (cc. 60 a 71)

    Tema a

    Tema a

    Tema a

    Seo C

  • 62

    Logo em seguida (c. 72, Fig. 16) reaparece o Tema a no fagote, acompanhado por

    uma sucesso cromtica descendente no clarinete como suporte harmnico. H um

    accelerando at o compasso 76. Essa construo a repetio literal dos compassos 21 a 24

    (ver Fig. 8). Ao chegar no novo andamento (Mais Vivo = 63, c. 76), h a fuso do Tema b

    (cc. 76 a 78) com uma variao do Tema a, apresentado pela flauta, realizando um processo

    de elaborao temtica. Em seguida (c. 80), a trompa realiza o Tema a. Do compasso 80 at

    o fim do movimento o obo, utilizando notas longas, executa um suporte harmnico

    primeiramente junto com o fagote, e depois, com a trompa (Fig. 16).

    Fig. 16. Segundo movimento Valsa - (cc. 72 a 83)

    Tema b

    Tema a

    Tema a

    Tema a

    I.

  • 63

    No compasso 84 (Fig. 17), reaparece o desenho em colcheias do incio do movimento

    no clarinete. A trompa e o obo executam a linha do baixo como suporte harmnico, em

    substituio ao fagote. O movimento conclui com uma parte do Tema b realizada pela flauta

    superposta sucesso de arpejos do clarinete, com reduo de dinmica e finalizando com

    uma cadncia perfeita G C.

    Fig. 17. Segundo movimento Valsa (cc. 84 a 92)

    Frag. do Tema b

  • 64

    3.2.2. Sugestes