Barbosa Revisitando a Literatura Sobre o Empresariado Industrial Brasileiro

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CADERNO CRH, Salvador, v. 26, n. 68, p. 391-406, Maio/Ago. 2013 391 Agnaldo Sousa Barbosa REVISITANDO A LITERATURA SOBRE O EMPRESARIADO INDUSTRIAL BRASILEIRO: dilemas e controvérsias Agnaldo Sousa Barbosa * Pensar o empresariado industrial brasileiro não é tarefa fácil. O primeiro desafio a ser enfrenta- do é o reduzido volume de estudos sobre o assun- to. É evidente a preferência das Ciências Sociais do país pelo conhecimento da experiência de clas- se dos “oprimidos” – a classe operária – em com- paração com a compreensão da história dos “do- minantes”. Por outro lado, durante muito tempo, insistiu-se muito mais na discussão sobre o que essa classe social não era, em uma perspectiva ori- entada pela experiência das nações de capitalismo avançado, do que se procurou refletir acerca do real significado de seu comportamento em face de suas possibilidades concretas de atuação – ou seja, le- vando em consideração sua condição periférica. Deste modo, dos anos 1940 até fins dos anos 1970, prevaleceu uma visão essencialmente nega- tiva do empresariado industrial, resultado de aná- RESENHA TEMÁTICA lises que tiveram, na história de suas congêneres europeia e norte-americana, o paradigma de confi- guração da classe. Por um longo período, foi hegemônica, na literatura acadêmica, a ideia de que, entre nós, as principais características dessa classe teriam sido o pouco vigor empreendedor, a menta- lidade pré-capitalista (com destaque para o seu ar- raigado patrimonialismo), a deficiência organizativa, a imaturidade ideológica e a fragilidade/passivida- de política – elementos esses facilmente associados à origem social “aristocrata” de industriais advindos da classe dos latifundiários. Tais fatores são recor- rentemente apontados como responsáveis pelo fato de o empresariado industrial não ter alcançado o status de força hegemônica na sociedade brasileira e conquistado, consequentemente, o poder político. Neste trabalho realizamos um breve balanço das principais correntes interpretativas que busca- ram compreender e explicar a formação social, o pen- samento e a atuação econômico-política do empresariado industrial brasileiro. A intenção, aqui, foi elaborar um painel do que entendemos ser as prin- cipais abordagens que tiveram lugar nas Ciências So- ciais do país da década de 1940 até os nossos dias. * Doutor em Sociologia. Professor e pesquisador do Depto. de Educação, Ciências Sociais e Políticas Públicas da Fa- culdade de Ciências Humanas e Sociais da UNESP – Universidade Estadual Paulista (Campus de Franca). Pro- fessor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e coordena o LabDES – Laboratório de Estudos Sociais do Desenvolvimento e Sustentabilidade. Av. Eufrásia Monteiro Petráglia, 900, CEP 14.409-160, Franca, SP, Brasil. [email protected] Ao longo das últimas cinco décadas, diferentes tradições interpretativas se ocuparam da tarefa de buscar explicar a gênese do empresariado industrial brasileiro e analisar seu padrão de conduta do ponto de vista do empreendimento econômico e, por outro lado, diante das princi- pais questões políticas do país. Não obstante ser esse um tema pulsante, tendo em vista a centralidade do papel a ser desempenhado por esse ator social na urdidura dos fios e tramas do processo de modernização capitalista do país no século XX, seu estudo não é objeto de uma produção profícua, ao contrário do que acontece, por exemplo, com as investigações sobre a classe operária. Este trabalho realiza um breve balanço do que julgamos constituir as mais expressivas dentre as variáveis possíveis na interpretação da experiência de classe do empresariado industrial, reivindicando a complexidade inerente ao tema em contraponto à generalização simplificadora recorrente na maioria dos trabalhos sobre o assunto. PALAVRAS-CHAVE: Empresariado industrial. Classe Social. Comportamento Empresarial. Industri- alização Brasileira.

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    REVISITANDO A LITERATURA SOBRE O EMPRESARIADOINDUSTRIAL BRASILEIRO: dilemas e controvrsias

    Agnaldo Sousa Barbosa*

    Pensar o empresariado industrial brasileirono tarefa fcil. O primeiro desafio a ser enfrenta-do o reduzido volume de estudos sobre o assun-to. evidente a preferncia das Cincias Sociaisdo pas pelo conhecimento da experincia de clas-se dos oprimidos a classe operria em com-parao com a compreenso da histria dos do-minantes. Por outro lado, durante muito tempo,insistiu-se muito mais na discusso sobre o queessa classe social no era, em uma perspectiva ori-entada pela experincia das naes de capitalismoavanado, do que se procurou refletir acerca do realsignificado de seu comportamento em face de suaspossibilidades concretas de atuao ou seja, le-vando em considerao sua condio perifrica.

    Deste modo, dos anos 1940 at fins dos anos1970, prevaleceu uma viso essencialmente nega-tiva do empresariado industrial, resultado de an-

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    lises que tiveram, na histria de suas congnereseuropeia e norte-americana, o paradigma de confi-gurao da classe. Por um longo perodo, foihegemnica, na literatura acadmica, a ideia de que,entre ns, as principais caractersticas dessa classeteriam sido o pouco vigor empreendedor, a menta-lidade pr-capitalista (com destaque para o seu ar-raigado patrimonialismo), a deficincia organizativa,a imaturidade ideolgica e a fragilidade/passivida-de poltica elementos esses facilmente associados origem social aristocrata de industriais advindosda classe dos latifundirios. Tais fatores so recor-rentemente apontados como responsveis pelo fatode o empresariado industrial no ter alcanado ostatus de fora hegemnica na sociedade brasileira econquistado, consequentemente, o poder poltico.

    Neste trabalho realizamos um breve balanodas principais correntes interpretativas que busca-ram compreender e explicar a formao social, o pen-samento e a atuao econmico-poltica doempresariado industrial brasileiro. A inteno, aqui,foi elaborar um painel do que entendemos ser as prin-cipais abordagens que tiveram lugar nas Cincias So-ciais do pas da dcada de 1940 at os nossos dias.

    * Doutor em Sociologia. Professor e pesquisador do Depto.de Educao, Cincias Sociais e Polticas Pblicas da Fa-culdade de Cincias Humanas e Sociais da UNESP Universidade Estadual Paulista (Campus de Franca). Pro-fessor colaborador do Programa de Ps-Graduao emServio Social e coordena o LabDES Laboratrio deEstudos Sociais do Desenvolvimento e Sustentabilidade.Av. Eufrsia Monteiro Petrglia, 900, CEP 14.409-160,Franca, SP, Brasil. [email protected]

    Ao longo das ltimas cinco dcadas, diferentes tradies interpretativas se ocuparam da tarefade buscar explicar a gnese do empresariado industrial brasileiro e analisar seu padro deconduta do ponto de vista do empreendimento econmico e, por outro lado, diante das princi-pais questes polticas do pas. No obstante ser esse um tema pulsante, tendo em vista acentralidade do papel a ser desempenhado por esse ator social na urdidura dos fios e tramas doprocesso de modernizao capitalista do pas no sculo XX, seu estudo no objeto de umaproduo profcua, ao contrrio do que acontece, por exemplo, com as investigaes sobre aclasse operria. Este trabalho realiza um breve balano do que julgamos constituir as maisexpressivas dentre as variveis possveis na interpretao da experincia de classe doempresariado industrial, reivindicando a complexidade inerente ao tema em contraponto generalizao simplificadora recorrente na maioria dos trabalhos sobre o assunto.PALAVRAS-CHAVE: Empresariado industrial. Classe Social. Comportamento Empresarial. Industri-alizao Brasileira.

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    AS HIPTESES SOBRE A ORIGEM DOEMPRESARIADO INDUSTRIAL BRASILEIRO

    , certamente, inevitvel a relao entre osprimrdios da industrializao no Brasil e a acu-mulao de capitais advinda da economia cafeeira.Em virtude da importncia desta discusso, estecaptulo tem na relao entre a cafeicultura e in-dstria a sua problemtica inicial.

    Desde a dcada de 1940, tornou-se pratica-mente consensual na bibliografia sobre o tema daindustrializao o estabelecimento de vnculosinescapveis entre caf e indstria, no raro con-cebendo, por extenso, a burguesia cafeeira comoa matriz da burguesia industrial brasileira. Em obrasdos anos 40 e 50, autores de estudos que se torna-ram clssicos, como Caio Prado Jr. e Celso Furta-do, j tratavam a questo dando significativa nfa-se relao entre cafeicultura e indstria.1 Porm,foi em um texto de Fernando Henrique Cardoso,escrito em 1960, que tal abordagem ganhou con-torno mais abrangente e adquiriu o status de inter-pretao hegemnica no mbito da literatura aca-dmica. Em Condies sociais da industrializa-o: o caso de So Paulo, Cardoso (1969, p. 188)2

    props, de forma pioneira, uma explicao da in-dustrializao brasileira que ultrapassava o terre-no das consideraes meramente econmicas acer-ca desse processo. Conforme argumenta, qualquerque fosse a realidade investigada, um estudo so-bre o tema deveria supor, tambm, como requisitobsico, a existncia de certo grau de desenvolvi-mento capitalista e, mais especificamente, supora pr-existncia de uma economia mercantil, oque, logicamente, implicaria conceber a existnciade um grau relativamente desenvolvido da divi-so social do trabalho na sociedade em questo.

    Seguindo essa linha de raciocnio, Cardosoobserva que a transformao do regime social deproduo, que possibilitou o advento da ativida-

    de industrial no pas, ocorreu no bojo da expan-so cafeeira rumo ao oeste paulista, resultando naintensificao da organizao capitalista da vidaeconmica. No interior desse processo, trsconstataes merecem destaque: 1) a substituiodo trabalho escravo pela mo-de-obra livre contri-buiu para o surgimento de uma estrutura mercan-til generalizada; 2) a racionalizao da empresa eco-nmica cafeeira forou a converso dos antigossenhores em empresrios de mentalidade capita-lista; e 3) o financiamento e circulao da produ-o cafeeira exigiram empreendimentos deinfraestrutura (bancos, ferrovias, portos, estradas,etc.) que foram essenciais para o posterior estabe-lecimento da indstria.

    Em outros estudos de referncia dos anos1960, 1970 e incio dos 1980, autores como OctvioIanni (1963), Warren Dean (1971), Maria da Con-ceio Tavares (1972), Wilson Cano (1998),3 Sr-gio Silva (1976), Jos de Souza Martins (1986)4 eJoo Manuel Cardoso de Mello (1984),5 entre osmais importantes, assumiram e aprofundaram, ain-da que com algumas variaes, a perspectiva docapital cafeeiro como ncleo dinamizador da in-dstria no pas. Na anlise de Wilson Cano, porexemplo, o caf tem um significado amplo, assu-mindo o papel de elemento que orienta a econo-mia interna e externamente e cria as condies paraa intensificao do processo de desenvolvimentocapitalista. Segundo afirma esse autor:

    O caf, como atividade nuclear do complexo ca-feeiro, possibilitou efetivamente o processo deacumulao de capital durante todo o perodoanterior crise de 1930. Isto se deveu, no s aoalto nvel de renda por ele gerado, mas, princi-palmente, por ser o elemento diretor e indutor dadinmica de acumulao do complexo, determi-nando inclusive grande parte da capacidade paraimportar da economia brasileira no perodo.Ao gerar capacidade para importar, o caf resol-via seu problema fundamental que era o da sub-sistncia de sua mo-de-obra, atendia s exign-cias do consumo de seus capitalistas, s necessi-dades de insumos e de bens de capital para a1 As referncias, nestes casos, so Prado Jr. (1993), cuja

    primeira edio datada de 1943, e Furtado (2000), edi-tado pela primeira vez em 1959.

    2 Tal texto foi publicado originalmente na RevistaBrasiliense, n. 28, So Paulo, maro-abril/1960. Utiliza-mos aqui a referncia de sua publicao no livro Mudan-as Sociais na Amrica Latina, de 1969.

    3 A primeira edio datada de 1977. Foi originalmenteapresentado em 1975 como tese de doutoramento.

    4 A primeira edio datada de 1979.5 Originalmente apresentado como tese de doutoramento

    em 1975.

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    expanso da economia, bem como indicava emque o Estado podia ampliar seu endividamentoexterno (Cano, 1998, p. 136).

    Partindo dos mesmos pressupostos, JooManuel Cardoso de Mello argumenta, ainda, quefoi o vazamento de excedentes de capital da ca-feicultura para outros negcios que permitiu amaior parte das inverses na atividade industriala partir das duas dcadas finais do sculo XIX.Conforme ressalta o autor, os lucros gerados pelocomplexo cafeeiro no encontravam espao nessemesmo ncleo produtivo para a sua plenareaplicao;6 desta forma,

    [...] havia um vazamento do capital monetriodo complexo exportador cafeeiro porque a acu-mulao financeira sobrepassava as possibilida-des de acumulao produtiva. Bastava, portanto,que os projetos industriais assegurassem umarentabilidade positiva, garantindo a reproduoglobal dos lucros, para que se transformassemem decises de investir (Mello, 1984, p. 144).

    Em face deste quadro interpretativo, aconstatao de que o empresariado industrial tevesua origem, sobretudo no grande capital cafeeiro,foi uma consequncia natural7. A concepo, se-gundo a qual a diversificao dos investimentos ea complexidade alcanada na gesto dos negciostransformaram muitos homens do caf em in-dustriais proeminentes encontrou eco em exem-plos como os de Antonio da Silva Prado e Elias

    Pacheco Jordo (Vidraria Santa Marina), Antoniode Lacerda Franco (Tecelagem Japy), Antonio l-vares Penteado (Cia. Paulista de Aniagens), Augustode Souza Queiroz (Cia. Mecnica e Importadora),Gabriel Silva Dias (Companhia McHardy), alm demuitos outros. Warren Dean (1971, p. 54) chegoumesmo a afirmar que [...] A quase totalidade dosempresrios brasileiros veio da elite rural. E acres-centa: Por volta de 1930 no havia um nico fa-bricante nascido no Brasil, originrio da classe in-ferior ou da classe mdia, e muito poucos surgi-ram depois. Tal viso corroborada, por exem-plo, por Florestan Fernandes (1987, p. 113), quesalienta que, nesse processo, o fazendeiro de cafquem [...] experimenta transformaes de perso-nalidade, de mentalidade e de comportamento pr-tico to radicais, convertendo-se em homem denegcios.8

    A ideia do surgimento de um empresariadoindustrial associado ao grande capital sobretudoo cafeeiro ganhou ainda mais fora com ahegemonia, a partir de meados da dcada de 1970,de certa tradio interpretativa que defende que ocapitalismo industrial no tenha conhecido, nopas, as fases do artesanato e da manufatura, in-gressando j na etapa da grande indstria. Na an-lise dos que advogam tal interpretao, a caracte-rstica tardia do capitalismo brasileiro imps a gran-de indstria como padro necessrio s exignciasdo momento histrico em que emergiu a indstrianacional; ao surgir j na fase monopolista do capi-talismo mundial, a indstria brasileira teve comoimperativo a sua organizao em grandes empre-endimentos, sob pena de sucumbir, facilmente, concorrncia dos produtos importados aos gigan-tescos trusts internacionais. Ainda de acordo comesta interpretao, embora a pequena indstria

    6 Segundo Mello (1984, p. 143), trs razes em especialcontriburam para o direcionamento dos excedentes docapital cafeeiro para a atividade industrial: 1) o ritmo deincorporao de terras est adstrito a determinadas exi-gncias naturais, como tempo de desmatamento, pocade plantio, etc.; 2) a acumulao produtiva, uma vez plan-tado o caf, em grande medida natural; e 3) as despesascom a remunerao da fora de trabalho reduzem-se, en-tre o plantio e primeira colheita, praticamente ao paga-mento da carpa; no o encontravam, do mesmo modo,nas casas importadoras, porque a capacidade de importarcresceu, seguramente, menos que as margens de lucro,transformando a produo industrial interna na nicaaplicao rentvel para os lucros comerciais excedentes.

    7 Entenda-se como grande capital cafeeiro a frao da bur-guesia cafeeira signatria de inverses financeiras queultrapassavam os limites da lavoura, multiplicando-seem investimentos no comrcio (armazns, casas de ex-portao e importao), ferrovias, explorao de serviospblicos (gua, luz, transporte), bancos e indstrias.Para uma definio do grande capital cafeeiro, ver Silva(1976). Para uma anlise detalhada da dinmica do gran-de capital cafeeiro e sua hegemonia econmica e polticaem face dos interesses da lavoura ver Perissinotto (1991,v. 1, especialmente o Captulo 1).

    8 Certa tradio marxista levou essa interpretao s lti-mas consequncias, associando o empresariado indus-trial nascente a uma elite de carter aristocrtico. Con-forme destaca Nelson Werneck Sodr (1967), ao contr-rio de sua congnere europeia, tributria da classe do-minante, a burguesia brasileira teria razes na prpriaclasse dominante, em uma elite senhorial de estirpe aris-tocrtica. Para Sodr, nossa diferena bsica em relao Europa, no que diz respeito ao processo de gestao daburguesia, estaria no fato de que no Brasil no se verifi-cou um movimento ascensional das camadas maisbaixas da populao a fim de compor esta que seria aclasse dominante universal.

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    artesanal tenha sido uma realidade presente at asltimas dcadas do sculo XIX, ela acabou pordesaparecer, na medida em que a competio emcondies altamente desvantajosas com os novosconglomerados industriais realizou uma espciede seleo natural entre as unidades fabris.

    Em O Capitalismo Tardio, de Joo ManuelCardoso de Mello (1984, p. 143, grifo nosso), talconcepo subjaz na afirmao do autor de que[...] a burguesia cafeeira no teria podido deixarde ser a matriz social da burguesia industrial, por-que [era a] nica classe dotada de capacidade deacumulao suficiente para promover o surgimentoda grande indstria. Outro exemplo emblemticopode ser observado no clssico estudo de WilsonCano (1998, p. 224-225, grifo nosso) sobre a asrazes da concentrao industrial em So Paulo:

    Nosso processo histrico de formao industrialreveste-se de mais uma peculiaridade importan-te: aqui no se deu a clssica e gradativa trans-formao de uma produo manufatureira ouartesanal para uma produo mecanizada.Muito embora nossa histria registre a ocorrn-cia de certas atividades artesanais, como algu-mas produes txteis caseiras realizadas emalgumas fazendas, carpintarias, alfaiatarias, joa-lherias, etc. Muitas destas atividades, efetivamen-te, eram mais prestadoras de servios (artfices eartistas) do que produtoras de bens industriaispara o mercado. Da, portanto, sua precria pos-sibilidade de realizar uma acumulao de capi-tal que possibilitasse sua transformao tcnicae seu desenvolvimento.

    O carter de prevalncia do grande capital edas grandes empresas na estrutura industrial bra-sileira, desde os seus primrdios, nas ltimas d-cadas do sculo XIX, tambm salientado porRenato Monseff Perissinotto (1991, v. 2, p. 218)em importante estudo dos anos 1990:

    As indstrias que surgiram no perodo j empre-gavam um grande nmero de trabalhadores e umcapital de grande valor. Caracterizavam-se tam-bm pela profunda mecanizao e pela consoli-dao da separao entre trabalhador e meios deproduo pressuposto fundamental do sistemacapitalista. A industrializao brasileira no foi,portanto, precedida por nenhuma fasemanufatureira. O seu incio, j com plena meca-nizao do processo de trabalho, foi tambm umaexigncia do prprio momento em que ela surgiu.

    Estas interpretaes derivam da tese consa-grada por Srgio Silva (1976), a qual, partindo doexame crtico dos censos industriais de 1907 e1920, procurou demonstrar, por meio de evidn-cias estatsticas, a carncia de legitimidade dasanlises que enfatizavam a predominncia das pe-quenas empresas industriais voltadas para os pou-co significativos mercados locais e regionais noperodo da hegemonia cafeeira. Conforme SrgioSilva se esforou em comprovar, no Brasil, a ativi-dade fabril j nasceu tendo na grande indstria oseu principal sustentculo econmico. Analisan-do o levantamento realizado pelo Centro Industri-al do Brasil em 1907, Silva fundamenta seu argu-mento baseado na constatao de que, poca, pelomenos 39 mil operrios trabalhavam nas grandesempresas do pas, as quais possuam um capitalque se aproximava de 230 mil contos de ris; dototal de trabalhadores fabris, mais de 24 mil con-centravam-se em empresas com cem ou mais ope-rrios e um capital igual ou superior a mil contos.Em So Paulo, mais de 11 mil operrios trabalha-vam em empresas que empregavam, em mdia,quatrocentos operrios e mais de trs mil contosde capital. Na cidade do Rio de Janeiro, mais de13 mil operrios trabalhavam em empresas queempregavam, em mdia, quinhentos e cinquentaoperrios e cerca de quatro mil contos de capital.Quanto ao Censo Industrial de 1920, Silva (1976,p. 86-87, grifo nosso) diz o seguinte:

    No que se refere importncia relativa das em-presas com 100 ou mais operrios, verificamosque, no antigo Distrito Federal, elas empregam73% do capital e 63% do nmero total de oper-rios. Em So Paulo, nelas encontramos 65% dosoperrios. [...] devemos concluir que a importn-cia relativa das empresas industriais com 100ou mais operrios acentua-se entre 1907 e 1920.Fato esse que se destaca quando verificamos quemais de 20 mil operrios, no antigo Distrito Fe-deral, e mais de 30 mil, no Estado de So Paulo,trabalham em estabelecimentos industriais queempregam 500 ou mais operrios. Afirma-se as-sim a nossa tese de que so essas empresas eno as pequenas empresas dispersas pelo pas que melhor caracterizam a estrutura industrialbrasileira durante o perodo estudado [...].

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    Outras anlises apresentam perspectiva dis-tinta da desenvolvida por essa corrente hegemnica,todavia, raramente so lembradas nos trabalhossobre o tema. Segundo Jos de Souza Martins(1986), por exemplo, o aparecimento da indstriano Brasil se deu margem das atividades engen-dradas pelo complexo agro-exportador e, por con-seguinte, esteve vinculado a uma estrutura de re-laes e produtos que no pode ser reduzida aobinmio caf-indstria. Conforme argumenta esseautor, muito antes da abolio da escravatura e dagrande imigrao, a indstria artesanal j se en-contrava implantada por toda a provncia de SoPaulo e tambm em outras provncias. Neste senti-do, os grandes grupos econmicos que comea-ram a surgir no ltimo quartel do sculo XIX seocuparam em [...] substituir a produo artesanale domstica ou a produo em pequena escala dis-seminadas por um grande nmero de pequenosestabelecimentos tanto na capital quanto no interi-or (Martins, 1986, p. 106), e no em substituirimportaes. Para Edgard Carone (2001), noobstante os limites existentes formao de ummercado interno no pas, desde a primeira metadedo sculo XIX (a qual chama de primeira fase doprocesso industrial brasileiro), mas, especialmenteaps esse momento, pode-se constatar uma pro-duo artesanal que se intensificou gradativamentee supriu com folga as modestas exigncias da grandemaioria do pblico consumidor.

    J Luiz Carlos Bresser-Pereira (2002, p. 146),baseado em significativa pesquisa emprica reali-zada no incio dos anos 1960, enftico ao assina-lar [...] que os empresrios industriais do Estadode So Paulo, onde se concentrou a industrializa-o brasileira, no tiveram origem nas famlias li-gadas ao caf. Originaram-se em famlias imigran-tes principalmente de classe mdia.9 Principalnome da vertente que liga a classe mdia s ori-gens da burguesia industrial brasileira, Bresser-Pereira antecipou em quase uma dcada a ideia deWarren Dean, segundo a qual o imigrante teve pa-

    pel fundamental na formao da burguesia indus-trial brasileira.

    Entretanto, Warren Dean introduziu um di-ferencial importante na interpretao preconizadapor Bresser-Pereira, tornando-a aderente inter-pretao que vinculava o surgimento doempresariado industrial no pas ao grande capital.De acordo com a anlise de Dean (1971, p. 59), osimigrantes que se envolveram na atividade comer-cial e industrial eram de origem burguesa, muitosdos quais chegaram ao Brasil com alguma formade capital: [...] economias de algum negcio reali-zado na Europa, um estoque de mercadorias, ou ainteno de instalar uma filial de sua firma. Nointuito de destacar esses indivduos da massa deimigrantes que vieram para Brasil trabalhar nas la-vouras de caf, Dean os chama de burgueses imi-grantes, cuja experincia e treinamento os predis-punha a se dedicar indstria ou ao comrcio.10

    A noo de uma burguesia imigrante comoelemento de relevo na constituio do empresariadobrasileiro reforada por Srgio Silva, que chamaa ateno para o carter errneo das teses que de-fenderam a ideia de que imigrantes pobres teriamse transformado em industriais, identificando ne-les uma espcie de self-made-man. Para Silva (1976),os imigrantes que se estabeleceram como empres-rios fabris no se confundiam com a massa deimigrantes, constituda, em sua maioria, por traba-lhadores braais. No mesmo sentido, Jos de Sou-za Martins v na figura do industrial de origemimigrante, que ascendeu socialmente, uma esp-cie de mito o burgus mtico que servia repro-duo do capital e legitimava suas formas de ex-plorao. Conforme observa,

    [...] a industrializao brasileira encontrouno mito do burgus enriquecido pelo trabalho epela vida penosa um ingrediente vital. [...] Foi apartir da que a dominao burguesa se apresen-

    9 Nesse artigo, publicado em 2002, Bresser-Pereira retoma,sinteticamente, reflexes desenvolvidas em sua tese dedoutoramento publicada com o ttulo de Empresrios eAdministradores no Brasil (So Paulo: Brasiliense, 1972).

    10 De acordo com Dean, [...] em geral os burgueses imi-grantes chegavam a So Paulo com recursos que os colo-cavam muito frente dos demais e praticamente estabe-leceram uma estrutura de classe pr-fabricada. Essamesma ideia retomada por Zlia Cardoso de Mello(1985) em seu estudo sobre a formao da riqueza emSo Paulo no contexto da economia cafeeira da segundametade do sculo XIX.

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    tou como legtima para o operrio. O enriquecimen-to do burgus foi entendido como resultado do seuprprio trabalho, das suas privaes e sofrimentos,e no como produto da explorao do trabalhador.A dominao e a explorao burguesas passaram aser concebidas como legtimas porque a riqueza noseria fruto do trabalho proletrio, mas sim do traba-lho burgus. (Martins, 1986, p. 149).11

    inegvel a pertinncia das anlises quevinculam a industrializao brasileira dinamizaodos excedentes econmicos da cafeicultura. Toda-via, pensamos que tal relao econmica no devaser assumida, de antemo, como a nica explica-o para os diferentes processos de desenvolvi-mento industrial que tiveram lugar no pas e,tampouco, para a questo do surgimento da bur-guesia industrial brasileira. H mais de trs dca-das, em um texto intitulado O caf e a gnese daindustrializao em So Paulo, Jos de SouzaMartins (1986, p. 98) escreveu que [...] Apesar detodos os esforos, a histria e a anlise histrico-concreta da industrializao brasileira ainda estopor ser feitas. De fato, temos hoje, infelizmente,mais interpretao e generalizao do que a pes-quisa emprica realizada permitiria.12 Por mais quetenham avanado as discusses acerca do tema daindustrializao e das origens do empresariadoindustrial no Brasil, passadas trs dcadas, o con-tedo crtico de tal ponderao no perdeu, total-mente, a razo de ser.

    No caso da dinmica de industrializao deSo Paulo, por exemplo, a ideia de um processode surgimento e expanso da estrutura fabril, ba-seado no binmio caf/indstria, continua sendo,como na essncia da crtica de Martins, o referencialpredominante para a maioria dos estudos realiza-dos. O problema no se situa, certamente, na vali-dade explicativa da interpretao, mas na sua apli-

    cao de forma quase exclusiva na anlise dos maisdiversos processos de industrializao que tive-ram lugar no territrio paulista ao longo do sculoXX. Neste aspecto, o risco de que a evidnciaemprica venha a sucumbir fora de uma teoriaj consagrada uma possibilidade que, muitasvezes, se comprova na prtica, numa patente sub-verso da mxima apregoada por Giovanni Sartori(1982), segundo a qual a lgica no pode substi-tuir a evidncia. As generalizaes j consagra-das, certamente, exercem grande influncia sobreos que se debruam sobre o assunto e acabam porinibir explicaes que se arrisquem a ir alm da-quelas circunscritas no mbito das teoriashegemnicas. Por outro lado, o esforo de pesqui-sa, exigido por uma investigao emprica rigoro-sa, pode desestimular a aventura pelo territriodas vivncias histrico-concretas dos atores soci-ais, gerando a acomodao em face dos referenciaisrecorrentes. Estas nos parecem ser as justificativasmais provveis para a sensao de ausncia de re-alidades distintas daquela de um empresariadoindustrial originrio do grande capital cafeeiro oude uma burguesia imigrante.

    AS INTERPRETAES SOBRE O COMPORTA-MENTO ECONMICO-POLTICO DOEMPRESARIADO INDUSTRIAL BRASILEIRO

    Estudos como os de Oliveira Vianna(1987),13 Fernando Henrique Cardoso (1963),Luciano Martins (1968), Florestan Fernandes(1987)14 e Nelson Werneck Sodr (1967) comparti-lharam, embora com variaes, a viso de que oempresariado industrial brasileiro padecia de ma-les como a deficincia organizativa, a imaturidadeideolgica e a fragilidade/passividade poltica. Comexceo dos escritos de Octvio Ianni (1989),15 aoposio sistemtica, em maior ou menor grau, atais concepes veio surgir, apenas, no crepscu-

    11 Na formulao de sua tese, Martins tem em mente, emespecial, o caso de Francisco Matarazzo, o burgusmtico por excelncia, no obstante entender que ou-tros burgueses imigrantes tambm tivessem contribu-do para a elaborao desse mito.

    12 Tal texto foi publicado originalmente em: Contexto, n.3, So Paulo, Hucitec, julho de 1977. Posteriormente, foirepublicado como um dos captulos do clssico O Cati-veiro da Terra (no obstante utilizarmo-nos da ediopublicada em 1986, a primeira edio datada de 1979).

    13 No obstante ter sido editada apenas nos anos 80, talobra foi escrita na dcada de 1940.

    14 A primeira edio da obra datada de 1975.15 A primeira edio da obra datada de 1965.

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    lo dos anos 70 e incio dos anos 80, em trabalhoscomo os de Eli Diniz (1978), Renato Raul Boschi(1979), Fernando Prestes Motta (1979) e MariaAntonieta Leopoldi (2000).16 A despeito de suas di-ferentes nfases, tais autores se empenharam em tra-zer luz elementos que comprovassem a existnciade uma ideologia burguesa coerente com os interes-ses da classe dos industriais, a agressividade e orga-nizao na luta por seus anseios e, ademais, o im-portante papel exercido pelo empresariado na tarefade dinamizar a industrializao do pas, contestan-do a exclusividade do Estado como promotor nicodas profundas mudanas em curso a partir de 1930.Em pesquisa um pouco mais recente, Mrcia MariaBoschi (2000) props alguns avanos em relao aotema, procurando explicar questes que permaneci-am cambiantes nos trabalhos anteriores.

    Comeamos pela discusso acerca de uma pro-vvel mentalidade arcaica, assim como do que pode-ramos chamar de uma anemia schumpeteriana,por parte do empresariado brasileiro. Essas questesforam abordadas, em especial, por Oliveira Vianna eFernando Henrique Cardoso. Escrevendo na dcadade 1940, Vianna percebeu diversos traos pr-capi-talistas que distinguiam o empresariado industrialdo pas. Conforme observa, em uma poca em que osupercapitalismo norte-americano e europeu senotabilizava por uma radical busca do lucro, entre osindustriais brasileiros ainda persistiam tradies eco-nmicas e sociais que obstaculizavam a otimizaodos investimentos, a reproduo do capital em gran-de escala. Para Vianna (1987, v. 2, p. 49), o pequenonmero de sociedades annimas em nossa estruturaindustrial e o predomnio das empresas de organiza-o familiar, nas quais a figura do patriarca prevale-cia sobre a do empresrio, era o exemplo tpico darefratariedade das nossas burguesias do dinheiroaos mtodos e tcnicas do grande capitalismo indus-trial.17 Segundo afirma, aqui os empreendimen-

    tos no tinham o significado capitalista de um meiopara a busca da riqueza ad infinitum, mas [...] oobjetivo modesto de apenas assegurar aos seusproprietrios e dirigentes, possivelmente a rique-za, mas principalmente os meios de subsistncia etambm uma classificao social superior a dostatus de industrial (Vianna, 1987, p. 194); parao autor, isto seria a demonstrao notria de umamentalidade de pr-capitalismo. De acordo comVianna (1987, p. 195-196), mesmo entre os em-presrios paulistas, no obstante terem j alcana-do um elevado nvel tcnico em meados do sculoXX, quanto aos seus padres de valores ticos erapossvel se constatar que

    [...] ainda esto num proto-capitalismo psicol-gico, guardando muito da velha mentalidade dospaulistas das classes ricas do sculo passado, comsua economia de status, o seu apreo ainda mui-to vivo dos valores espirituais e culturais, as suaspreocupaes genealgicas, a sua distino demaneiras e sentimentos.

    Ainda no que diz respeito questo damentalidade capitalista do empresariado indus-trial brasileiro, Fernando Henrique Cardoso (1963)parece aprofundar as observaes crticas feitas porOliveira Vianna. Neste sentido, a fim de sistemati-zar sua abordagem, Cardoso dividiu os empresri-os em duas categorias: a) capites de indstria eb) homens de empresa. Grosso modo, os primei-ros seriam aqueles cuja forma de dirigir suas em-presas obedeceria a critrios estritamente pessoais esuas prticas administrativas estariam longe de ex-pressar a racionalidade exigida pelo empreendimen-to capitalista, e os segundos representariam os mo-dernos executivos profissionais, cuja atividade eracaracterizada pela impessoalidade e pelaracionalidade administrativa em busca do lucro aexemplo dos managers, top executivies ou heads oforganization do capitalismo norte-americano. Se-gundo Cardoso (1963), predominava no Brasil acategoria dos capites de indstria, senhores ab-solutos dos rumos tomados por seus negcios,pouco afeitos a inverses substanciais, visando melhoria da base tcnica de suas empresas e bas-tante propensos a se guiarem no mercado pela

    16 Tal obra foi originalmente concebida como tese de dou-torado defendida pela autora em 1984, na Universidadede Oxford Inglaterra.

    17 Para Vianna (1987), era bastante representativo dessepredomnio das empresas familiares na estrutura indus-trial brasileira o fato de que a maior organizao do pas as Indstrias Reunidas Francisco Matarazzo perten-cia famlia da personalidade cujo nome traz.

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    experincia antes que pelo planejamento racio-nal. Para esse autor, a prevalncia desse tipo deadministrao rigorosamente pessoal ou, no li-mite, familiar das empresas acabou por gerar vi-cissitudes e impor restries ao ritmo do processode industrializao em curso desde o incio dosanos 30. Conforme observa,

    [...] os efeitos negativos desta situao fazem-sesentir tanto sobre o ritmo da expanso industrialquanto sobre a capacidade de concorrncia dasindstrias controladas desta maneira. Existe lar-ga margem de capacidade empresarialdesperdiada pelos industriais paulistas, que to-lhem seus projetos de expanso pela crena nanecessidade do controle direto dos negcios (Car-doso, 1963, p. 119-120).

    O patrimonialismo e o esprito aventurei-ro seriam, ao invs das virtudes burguesas tpi-cas, os principais traos da personalidade econ-mica desse tipo de empresrio. De acordo comCardoso, entre esses tpicos capites de inds-tria brasileiros, os empreendimentos seriam esti-mulados mais pela obteno de financiamentosgovernamentais de longo prazo que pela iniciativaparticular de desbravar novos caminhos, assimcomo o comportamento anti-empresarial da osten-tao exagerada e do desvio dos lucros para com-pra de imveis e/ou remessas de dinheiro ao exte-rior, constituam procedimentos comuns.

    Mesmo separados por tradies intelectu-ais distintas, as opinies de Oliveira Vianna eFernando Henrique Cardoso convergem quanto constatao de srias deficincias do empresariadoindustrial no que diz respeito sua organizaopoltica e enquanto classe. Vianna (1987), porexemplo, observa que, embora nos anos 40 j sevivenciasse no Brasil o que ele chama desupercapitalismo, o empresariado industrial ain-da no havia se constitudo, aqui, em classe domi-nante, como nos Estados Unidos e na Inglaterra,onde ela se mostrava unida e solidria em sua cons-cincia de grupo e na dominao do Estado. Natica desse autor,

    [...] entre ns, ao contrrio, estas burguesias capi-talistas da indstria e do comrcio nunca tive-

    ram influncia poltica [...]. o que bem indica asua fcil submisso poltica anti-capitalista daRevoluo de 30; poltica planejada por uma eli-te de praticantes de profisses liberais por umaelite de doutores (Vianna, 1987, p. 197).

    De igual modo, Cardoso (1963) enfatiza afalta de esprito de classe entre os industriais, ra-zo ainda de sua dbil ascendncia nos assuntosdo Estado. Para ele, o excessivo apego desseempresariado aos interesses pessoais, em detrimen-to do pensamento no coletivo, da ateno aos cla-mores gerais do pas, acabou por delinear umaideologia burguesa inequivocamente pragmtica,cega para uma viso mais ampla dos interesses docapitalismo brasileiro e, com isso, incapaz de setornar hegemnica e guiar os destinos da Nao.De acordo com Cardoso (1963, p. 209),

    [...] isto quer dizer que qualquer teoria objetivado papel da burguesia no processo de desenvol-vimento e do prprio desenvolvimento acabaapontando um beco sem sada e que, portanto, aao econmica dos industriais termina tendode ser orientada antes pela opinio do dia-a-dia,ao sabor do fluxo e refluxo dos investimentosestrangeiros e da poltica governamental, do quepor um projeto consciente que permita fazer co-incidir, a longo prazo, os interesses dos industri-ais com o rumo do processo histrico.

    As avaliaes de Luciano Martins eFlorestan Fernandes quanto ao papel desempenha-do pelo empresariado industrial brasileiro se asse-melham, em essncia, perspectiva esboada porVianna e Cardoso. Na opinio de Martins (1968),no Brasil, essa classe seria poltica e ideologica-mente desarticulada, subordinada que estava aosdesgnios de um Estado controlado por elites agr-rias, em face das quais no manifestava sinais apa-rentes de contradio. Para este autor, [...] a per-cepo de conflito com o setor agrrio, portanto,pouco ou nada influi no comportamento dos m-dios e grandes industriais quando da escolha dasalianas polticas (Martins, 1968, p. 137); dissoresultou a submisso das suas possveis divergn-cias econmicas aos interesses de classe que lhesso comuns, o que, no raro, significou entravesao desenvolvimento do pas. Por esta razo, Martins

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    compreende que, no apenas o empresariado indus-trial no conseguiu assumir uma posio hegemnicana sociedade brasileira, como tambm no tinha ainteno de obter tal faanha. Essas indicaes defraqueza e dependncia foram, na tica de Martins, oprincipal motivo pelo qual o empresariado no seconstituiu como protagonista de um possvel proje-to de industrializao autnoma para o Brasil; con-forme observa, coube ao Estado, por meio de suaburocracia, cumprir o papel de agente central do pro-cesso de modernizao, ora pairando acima dos inte-resses exclusivos das classes, ora agindo sob o pesodo constrangimento externo, na definio de suapoltica de desenvolvimento.

    Em sua anlise de um virtual processo derevoluo burguesa no Brasil, Florestan Fernandesapontou a tendncia composio entre oempresariado industrial e as oligarquiasterratenentes a fuso entre o velho e o novo como o fator responsvel pelo malogro de umprocesso de mudana com caractersticas verda-deiramente revolucionrias no pas; obviamente,Fernandes pensava na possibilidade de promoode uma revoluo democrtica pela burguesiabrasileira. Comentando a aliana entre as elitesagrrias (arcaico) e o setor industrial (moderno),Florestan Fernandes (1987, p. 205) observa que[...] o conflito emergia, mas atravs de discrdiascircunscritas, [...] ditados pela necessidade de ex-pandir os negcios. Era um conflito que permitiafcil acomodao e que no podia, por si mesmo,modificar a histria. Assim, para Fernandes (1987,p. 204-205), a prpria estratgia empresarial limi-tou o impacto das transformaes decorrentes doestabelecimento do capitalismo industrial comoestrutura econmica prevalecente no pas:

    [...] no era apenas a hegemonia oligrquica quedilua o impacto inovador da dominao bur-guesa. A prpria burguesia como um todo (in-cluindo-se nela as oligarquias), se ajustara situ-ao segundo uma linha de mltiplos interessese de adaptaes ambguas, preferindo a mudan-a gradual e a composio a uma modernizaoimpetuosa, intransigente e avassaladora.

    Conforme ressalta esse autor, no Brasil, o

    empresariado no conseguia enxergar alm do murode suas prprias fbricas, fronteira a qual estariacircunscrito o seu moderado esprito modernizador,por isso nunca se mostrava propenso a empolgaros destinos da Nao como um todo. Na viso deFernandes (1987), a ruptura do empresariado coma dominao conservadora, levada a efeito pela oli-garquia agrria, seria um imperativo incontornvelpara o desenvolvimento pleno do capitalismo nopas, empreitada para a qual deveria se unir politi-camente com a classe trabalhadora. No tendo cum-prido essa, que seria uma de suas tarefas histri-cas, o empresariado industrial demonstrou no terconscincia do seu papel como classe que almeja-va alcanar a hegemonia na sociedade brasileira e,consequentemente, deixou evidente que as trans-formaes que preconizava se limitavam, meramen-te, dimenso econmica.

    Em sua Histria da Burguesia Brasileira, Nel-son Werneck Sodr (1967) tende, igualmente, a classi-ficar o empresariado industrial brasileiro como umaclasse dbil, vacilante, que fugiu ao compromisso his-trico de realizar, no pas, a revoluo democrtica eanti-imperialista. A interpretao de Sodr segue a li-nha preconizada pelo Partido Comunista Brasileiro(PCB), fiel aos ditames da III Internacional, caracteriza-da por atribuir ao empresariado industrial tarefas pr-prias de uma burguesia nacional, que, alm do m-peto industrializante, deveria demonstrar um compor-tamento economicamente moderno e socialmente pro-gressista. Neste sentido, para Sodr, no Brasil, a bur-guesia desperdiou todo o seu potencial revolucion-rio ao deixar de se aliar classe operria, a fim depromover a libertao nacional, e, aliando-se ao lati-fndio, quando deveria antagoniz-lo. O resultadodesse padro de conduta teria sido a derrota da bur-guesia para as foras conservadoras em 1964. Tendoem vista tais demonstraes de fraqueza e inconsis-tncia ideolgica, Sodr (1990, p. 30-31) traa um per-fil da burguesia brasileira extremamente negativo: [...]uma burguesia tmida, que prefere transigir a lutar,dbil e por isso tmida, que no ousa apoiar-se nasforas populares seno episodicamente, que sente apresso do imperialismo, mas receia enfrent-lo, poisreceia a presso proletria.

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    Dentre as interpretaes elaboradas entre osanos 40 e fins dos anos 70, a de Octvio Ianni(1989) a nica que se destaca, por entender quea participao do empresariado industrial nos as-suntos da poltica nacional foi, inegavelmente, ati-va aps 1930. Curiosamente, o trabalho de Ianni pouco mencionado entre os estudiosos do tema.Segundo Ianni (1989, p. 91), [...] depois de umafase em que os seus representantes estiveram qua-se totalmente fora do poder, aps 1930 ela ganhoupaulatinamente ascendncia sobre os governantese fez-se ouvir nas decises da poltica econmica.Para este autor, o Estado se manteve como o maisimportante centro de deciso na poltica de de-senvolvimento nacional, contudo, longe de de-monstrar passividade em sua relao com as esfe-ras de poder e por no almejar a conquista dahegemonia no interior da sociedade brasileira, oempresariado fabril se empenhou na tarefa de im-por a sua dominao de classe ao conjunto social.Conforme observa Ianni (1989, p. 92),

    [...] essa burguesia no est ausente na formula-o das diretrizes governamentais, para incenti-vo direto e indireto da economia. Ainda quemuitas vezes aparentando timidez ou falta dediscernimento, a burguesia industrial assume demodo crescente as suas possibilidades de atua-o sobre a poltica econmica estatal.

    Desta forma, o empresariado industrial de-fine de modo claro suas relaes com o Estado,s vezes infiltrando-se no aparelho estatal, outras,fazendo-o operar em seu benefcio, procurandoconverter as relaes de produo em relaes dedominao de classe. Ianni (1989) observa, tam-bm, que a marcante presena do Estado na eco-nomia brasileira seria, ademais, algo desejado peloempresariado industrial, que via o planejamento ea disciplinarizao econmica exercidos pelos r-gos oficiais como fatores em si positivos para aproduo;18 tal argumento afasta a hiptese, defen-dida por alguns autores, de que a ingerncia esta-

    tal teria se dado pela imposio da orientao bu-rocrtica em face da fragilidade burguesa. Para Ianni(1989, p. 94), a expanso do capitalismo industrialno pas no foi um processo forjado monoliticamentepelo Estado; pelo contrrio, teria sido

    [...] o resultado de um largo e crescente convvioentre a burguesia industrial e o poder pblico.Depois da Revoluo de 1930, paulatinamente,os membros dessa burguesia nascente procura-ram interferir nas decises do governo, no senti-do de estimular-se a industrializao e planifi-car-se o desenvolvimento econmico nacional.Quando as transformaes da estrutura econ-mica abriram possibilidades de ampliao e di-versificao da produo industrial, a burguesiaindustrial nascente, os tcnicos e o governo per-ceberam que o aparelho estatal precisava serconvertido em conformidade com a nova situa-o, favorecendo-a. As possibilidades de desen-volvimento das foras produtivas somente pode-riam ser aproveitadas em maior escala atravsda reorientao da poltica econmica do Esta-do. E foi o que preconizou a prpria lideranaempresarial, juntamente com os governantes.

    A tendncia em ver na atuao do empresariado,dentro e fora da esfera poltica, um fator crucialpara a consolidao do capitalismo industrial nopas foi reforada em estudos do final dos anos 70.Em Empresrio, Estado e Capitalismo no Brasil, porexemplo, Eli Diniz (1978, p. 95) salienta que

    [...] se a burguesia no deteve a hegemonia doprocesso de instaurao da ordem econmica esocial, foi um ator estratgico do esquema de ali-anas que permitiria a consolidao e o amadu-recimento. Sua participao seria particularmen-te significativa no que diz respeito ao processode definio de um projeto econmico voltadopara a industrializao do pas e deconscientizao crescente do esgotamento domodelo primrio-exportador.

    Todavia, no obstante essa autora assumiruma perspectiva crtica em relao s anlises quecaracterizam o empresariado brasileiro como umgrupo fundamentalmente passivo, dotado de re-duzida capacidade de articulao e organizao,suas ressalvas quanto insuficincia poltica e fal-ta de autonomia da classe industrial no podemser desprezadas. Se, por um lado, Diniz apontauma significativa influncia do empresariado nas

    18 De acordo com Ianni (1989, p. 94-95), um dos primeirosapelos coletivos do empresariado, com o fim de preconi-zar a ampliao da participao direta e indireta do Estadona economia, aconteceu em 1943, quando se realizou o ICongresso Brasileiro de Economia, que reuniu lideranasda indstria, do comrcio e tcnicos do governo.

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    decises do governo, sobretudo em instnciaseconmicas importantes como o Conselho Federalde Comrcio Exterior (CFCE) e o Conselho Tcnicode Economia e Finanas (CTEF), o que demonstrao poder de organizao da classe em torno de seusinteresses especficos, por outro, a autora deixa cla-ro que, em termos ideolgicos, o empresariado in-dustrial mostrava-se ainda em processo de amadu-recimento, incapaz que era de ir alm de uma visomeramente unilateral e particularista dos problemasnacionais. Nesse sentido, Diniz (1978, p. 242) afir-ma que a imaturidade poltica do empresariado in-dustrial no se explicitaria nos pleitos protecionis-tas, ou mesmo por reserva de mercado ou controledo comrcio exterior, [...] mas pela resistncia amedidas combinadas para evitar o custo social devantagens desproporcionalmente distribudas.

    No que diz respeito aos vnculos existentesentre a frao industrial e os setores agrrios do-minantes, Eli Diniz (1978, p. 121) pondera que talaliana se efetivaria no em virtude da ausncia deconscincia de classe por parte do empresariado,mas por motivos estratgicos, que serviriam ao fimde garantir o atendimento s demandas imediatasdo setor fabril. De acordo com a autora, a naturezapragmtica dessa solidariedade de classe era evi-dente; conforme observa, [...] a cada sinal de au-tonomia no processo de percepo de seus inte-resses, seguia-se uma justificativa para manter aimagem da identidade do empresariado industrialcom os demais grupos econmicos dominantes.Porm, o exagero quanto autonomia doempresariado industrial seria uma interpretao toequivocada quanto quelas que enfatizam sua de-pendncia em face dos setores agrrios; conformefaz questo de lembrar, [...] os industriais de SoPaulo jamais romperiam suas ligaes com o Parti-do Republicano Paulista (PRP), sabidamente, o par-tido dos interesses cafeeiros (Diniz, 1978, p. 243).

    A abordagem de Renato Raul Boschi apro-xima-se bastante da levada a efeito por Eli Diniz.Propondo uma abordagem integrada para a anli-se do problema em questo, Boschi (1979) buscasuperar o reducionismo caracterstico dos estudosacerca do empresariado brasileiro, consensualmente

    situado pela cincia poltica nacional como umgrupo fraco e passivo. Conforme argumenta, essaviso negativa em relao atuao empresarialderiva de investigaes acerca do desenvolvimen-to capitalista no Brasil, orientadas por tipos ide-ais baseados nas experincias das potncias oci-dentais. Segundo Boschi (1979, p. 18-19), tal pers-pectiva integrada apresentaria a vantagem debuscar explicar de que forma [...] a atuao dosgrupos privados pode favorecer ou de fato produ-zir diferentes tipos de interao com segmentos doaparato do Estado, indo, assim, alm das inter-pretaes parciais do fenmeno do poder. Nessesentido, Boschi (1979, p. 53-54) compreende que

    apesar da dependncia dos grupos industriaisnacionais em relao ao Estado, os empresriospuderam estabelecer um estilo de interao en-tre os setores privado/pblico abrindo um espa-o participao direta em questes-chave rela-cionadas aos seus interesses enquanto classe.

    Para o autor, com efeito, tal atuao junto aopoder se daria muito mais pela via da estruturacorporativa que pelos meios polticos convencio-nais, isto , via partido ou Parlamento.

    De toda forma, Boschi demonstra-se con-vencido de que o empresariado industrial brasilei-ro seria organizado e politicamente ativo, alm decoerente, do ponto de vista ideolgico, a despeitode no assumir uma postura liberal favorvel participao dos trabalhadores no processo polti-co. O equvoco estaria, para Boschi (1979, p. 175),em pensar a essncia ideolgica da elite industrialcomo liberal, quando, na verdade, [...] os valorespolticos do empresariado revelam traos franca-mente autoritrios; ou seja, a burguesia estariamuito mais propensa defesa da supresso doconflito de classes, tendo em vista a manutenoda ordem, que sua institucionalizao. Assimcomo Eli Diniz, Boschi salienta que a principaldeficincia do empresariado industrial seria a in-capacidade de incorporar ao seu discurso e sualuta poltica anseios diversos daqueles estritamen-te vinculados aos seus interesses econmicos, ra-zo pela qual no teria conseguido se estabelecercomo fora hegemnica. De acordo com Boschi

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    (1979, p. 230), em fins da dcada de 1970, uma dascondies bsicas para a hegemonia do empresariadoindustrial no Brasil estava ainda por ser alcanada:[...] a possibilidade de ampliar o mbito do consen-so em torno de uma definio substantiva de umprograma democrtico que transcenda a satisfaoimediata das demandas empresariais.

    Das anlises elaboradas nos anos 70, a deFernando Prestes Motta a que parece ir mais lon-ge quanto ao entendimento do avano dahegemonia burguesa no Brasil. De acordo com Motta(1979, p. 10), at o final da dcada de 1970 oempresariado industrial no havia, ainda, logradoconverter-se de classe dominante em classe diri-gente de pleno direito, todavia, era uma fora soci-al em plena ascenso. Conforme observa, faltava-lhe hegemonia poltica, [...] mas sua hegemoniaideolgica clara. Ela domina os principais apare-lhos ideolgicos da sociedade: escola, imprensa, ordio e a televiso, os partidos polticos, as associ-aes profissionais e culturais, os tribunais. Se-gundo Motta, o impensvel, no Brasil, seria a rea-lizao de uma revoluo burguesa francesa ou americana, entretanto, tal constatao no im-plica admitir que o empresariado industrial noteria capacidade de mobilizao e articulao. Domesmo modo, esse autor caracteriza comoquestionvel o argumento segundo o qual oempresariado brasileiro no teria, em seu horizon-te poltico, a conquista da hegemonia. Neste senti-do, observa:

    [...] imaginar que uma classe ascendente no te-nha um projeto hegemnico ignorar a prprianatureza da luta de classes. O projeto pode noser claro e geralmente no o , pode ser aleatrioe geralmente o , mas isto no implica a suainexistncia, a menos que o pensemos em ter-mos de planejamento estratgico formal (Motta,1979, p. 106).

    Coerente com tal raciocnio, Motta (1979,p. 131) argumenta que [...] na verdade, a burgue-sia chamou o Estado em seu socorro, em benefciode seu projeto. Ademais, este autor mostra-seextremamente crtico em relao s interpretaesque tendem a subestimar a capacidade de organi-

    zao social e poltica do empresariado fabril, as-sim como a exagerar a complementaridade e har-monia de interesses entre o setor industrial e aselites rurais; Motta (1979, p. 104) assinala que [...]o perigo que se pode incorrer neste tipo de anlise a perda de vista do processo real de diferencia-o de interesse, atravs do qual a burguesia pro-gressivamente definiria a sua prpria identidade.

    Para Fernando Prestes Motta (1979, p. 53), oempresariado industrial brasileiro tambm no podeser considerado politicamente imaturo por ter aceitadoa associao com o capital estrangeiro, pois, segundoargumenta, tratava-se de uma questo de escassez depossibilidades. Nesse aspecto, esclarece:

    A aceitao do capital estrangeiro pode ter sido asada conjuntural para a burguesia nacional. Namedida em que um projeto hegemnico mar-cado pela articulao, desarticulao erearticulao de interesses, a associao pode servista como parte desse projeto, o que no implicadizer que ela tenha sido a melhor tomada de po-sio por parte da burguesia ascendente.

    Na viso de Motta, a construo de uma frentepopular desenvolvimentista de modo algum se co-locava como opo exclusiva para a ao burguesano pas. Pelo contrrio, a aliana entre empresariadoindustrial e capital internacional, tendo em vista aconquista do poder de Estado, configurou-se comoum caminho perfeitamente possvel e que encon-trou acolhida em parte significativa do empresariado.E tal associao no se traduziu, necessariamente,em enfraquecimento da classe; de acordo com Motta(1979, p. 108), no contexto dos anos 70, a burgue-sia industrial-financeira continuava [...] desempe-nhando um papel indiscutvel no sistema produti-vo, que se reflete num papel poltico, que no podeser meramente desprezado.19

    O trabalho de Maria Antonieta Leopoldi outro a contestar, enfaticamente, o argumento se-gundo o qual o empresariado industrial foi meroexpectador das mudanas em curso a partir de

    19 Conforme observa Fernando Prestes Motta, ainda que,nesse perodo, a atuao dos grupos estrangeiros fossepredominante em setores cruciais do mercado interno,o capital nacional continuava dominando boa parte dosistema produtivo.

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    1930. Realizando o que entende ser uma anlise quecombina a tese da fragilidade da burguesia com a dacompetio interclasse no contexto do capitalismoindustrial, Leopoldi (2000, p. 31) defende a ideia deque, [...] para os industriais, o corporativismo sig-nificou antes o acesso mesa de negociao doque propriamente a submisso ao controle do Es-tado. A autora observa que, longe de serem instru-mentos arbitrariamente manipulados pelos desg-nios da vontade estatal, as entidades da indstria edo comrcio demonstraram fora suficiente parainviabilizar o sonho corporativo do Estado Novo;neste aspecto, ressalta que no apenas a Federaodas Indstrias do Estado de So Paulo (FIESP) co-mandou a luta contra a corporativizao dos in-dustriais nos moldes desejados pelo governo, so-brevivendo s imposies autoritrias do regime,como conseguiu, no incio dos anos 40, garantir ostatus de rgo tcnico consultivo, antes conce-dido somente s entidades oficiais. Seguindo umalinha francamente inclinada a conceber oempresariado fabril como um grupo autnomo nocontexto do processo de construo do capitalismoindustrial no pas, Leopoldi (2000, p. 86) enfatiza:

    Os industriais do eixo Rio-So Paulo conviveramcom regimes de tipo oligrquico, liberal e ditato-rial. Desde 1930, contudo, conseguiram fazer comque o Estado, a despeito de sua presena cres-cente na economia, respeitasse a sua liberdadede organizao em entidades privadas, paralelasao sindicalismo oficial.

    Em seu aprofundado estudo acerca da atua-o das mais importantes associaes de classe dopas, Leopoldi assinala, ainda, que os industriaise suas organizaes de classe se envolveram ativa-mente no desenrolar da trama poltica nacional,no obstante sua tcita omisso nos momentoshistricos em que houve mudana de regime.20

    Leopoldi apresenta numerosas evidncias desseenvolvimento dos empresrios no mundo da pol-tica, com destaque para a presena de industriais

    de relevo em importantes cargos do governo. Nogoverno Dutra, por exemplo, o Ministrio do Tra-balho, Indstria e Comrcio foi ocupado porMorvan Dias Figueiredo, lder de peso na FIESP;para Leopoldi, no foi por acaso que, nesse pero-do, as entidades dos trabalhadores sofreram umnmero recorde de intervenes por parte do go-verno. Entre 1949 e 1953, o Ministrio da Fazendafoi ocupado por dois industriais, o carioca Gui-lherme da Silveira ligado Federao das Inds-trias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN) e opaulista Horcio Lafer ligado FIESP , o queajuda a explicar a proteo da indstria pela pol-tica cambial do governo no perodo. Entre 1951 e1953, o industrial Ricardo Jafet ocupou a presi-dncia do Banco do Brasil, dando ensejo expan-so do crdito ao setor secundrio. Ainda no Se-gundo Governo Vargas, a Confederao Nacionalda Indstria (CNI) forneceu corpo tcnico e cedeusuas instalaes e servios de secretaria para aComisso de Reviso Tarifria, responsvel porformular uma estrutura tarifria que fosse sufici-entemente flexvel para conviver com a inflaointerna e as incertezas da economia internacional.

    Do ponto de vista ideolgico, MariaAntonieta Leopoldi chama a ateno para o fato deque o protecionismo econmico todavia, sem aconotao pejorativa que carrega nos dias atuais foi o lan a animar as principais lutas doempresariado brasileiro, lutas estas que resultaramem polticas governamentais inequivocamente po-sitivas para a consolidao do processo de desen-volvimento industrial. Leopoldi (2000, p. 87) ob-serva, ademais, que, paralelamente construode uma proposta de poltica industrial amadurecidaem dcadas de luta pelo protecionismo, oempresariado foi definindo, tambm, um projetohegemnico. Conforme salienta,

    [...] em nenhum momento recorrendo a um dis-curso que sugerisse intenes hegemnicas, a li-derana da FIESP e CNI foi pondo em prticauma srie de medidas, estabelecendo alianasestratgicas com o governo e com os militares,criando formas de controlar o movimento oper-rio, aes que indicavam claramente sua buscade uma hegemonia poltica.

    20 Segundo Leopoldi (2000, p. 27-28), tal omisso se deuporque a estratgia da burguesia industrial [...] foi exata-mente a de no se contrapor aos novos governantes, parapoder entrar na coalizo e dali ir se fortalecendo aos pou-cos. A essa estratgia pode-se dar o nome de pragmatismo.

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    Aprofundando a tendncia que procura real-ar a autonomia do empresariado industrial e seuprotagonismo no processo de desenvolvimento ca-pitalista no Brasil, recentemente, Mrcia Maria Boschiempreendeu interessante releitura das abordagens atento realizadas. Ao lanar mo da ideia de que oempresariado brasileiro constitua, de fato, uma bur-guesia interna e no uma burguesia nacional, M. M.Boschi (2000) buscou superar aquele que, para ela,consistia no principal equvoco na interpretao domodo de agir e pensar dessa classe: a viso de imatu-ridade e/ou inconsistncia ideolgica do empresariadoindustrial por no se fazer defensor, tambm, dosinteresses de outras classes e por no aderir ao pro-jeto de desenvolvimento dos nacionalistas. Inspira-da no pensamento de Nicos Poulantzas,21 M. M.Boschi argumenta que, grosso modo, uma burguesiapode ser definida como nacional quando h contra-dio de interesses econmicos entre os setores quea compem e o capital estrangeiro em um grau que atorne susceptvel de envolver-se em uma luta anti-imperialista e de liberao nacional. Nesta situao, aburguesia pode vir a adotar posies de classe que aincluam no povo, assim como compor alianas comas massas populares. No caso brasileiro, a burguesiaera interna e no nacional por ter significativapermeabilidade ao capital estrangeiro, do qual de-pendia at mesmo com o fim de possibilitar seu pro-gresso tecnolgico, e, tambm, por coexistir com seg-mentos do empresariado vinculados importaode manufaturados, setor, alis, do qual advierammuitos dos membros da burguesia industrial; a des-peito disso, segundo M. M. Boschi, essa burguesiano deixava de ter um fundamento econmico e umabase de acumulao prprios no interior de sua for-mao social.

    Para a autora, realizadas tais distines, ficamais fcil entender a dinmica de atuao de talclasse. Assim, [...] no era a burguesia brasileiraque se recusava a assumir seu papel histrico napromoo do desenvolvimento do pas, mas era ateoria que no dava conta do comportamento pol-

    tico e econmico do empresariado industrial(Boschi, M. 2000, p. 37). Conforme salienta,

    uma burguesia interna no se inclina ao con-fronto com a burguesia agrria, nem formaode alianas com a classe trabalhadora. Ela prefe-re, antes, formar alianas com outros setores daclasse dominante. A burguesia interna tambmcoloca vrias restries ao seu apoio poltico aoprojeto de industrializao reivindicado pelosnacionalistas, pois diferentemente desses, no sepreocupa em promover um desenvolvimentoeconmico que leve liberao nacional. (Boschi,M. 2000, p. 42).

    CONSIDERAES FINAIS

    Diante do exposto, podemos concluir que,especialmente no ltimo quartel do sculo XX,houve uma considervel evoluo na forma de sepensar a atuao do empresariado industrial bra-sileiro, tendendo a compreend-lo como um atorsocial ativo no processo de modernizao capita-lista ps-1930. No obstante, pensamos que noh um caminho ideal a ser seguido na anlise des-sa classe. A nosso ver, a reivindicao da comple-xidade que engendra a formao e o comportamentodo empresariado no Brasil um imperativoincontornvel, que leva construo de mediaesque melhor reflitam a realidade a ser estudada (ge-ral, setorial, local ou regional, etc.), podendo-seabranger o terreno de mltiplas interpretaes.

    Neste sentido, importante se valorizar a atu-ao dos empresrios fabris como fora ativa a im-pulsionar o processo de desenvolvimento industri-al, entretanto, sem superestimar sua autonomia di-ante da figura de um Estado que se constituiu pea-chave na construo do capitalismo no pas. fun-damental, enfim, ter em mente que as diversas fra-es burguesas apresentam historicidade singular,ao contrrio da generalizao simplificadora queorienta muitas abordagens do tema; neste caso, co-loca-se em xeque a ideia de uma burguesiamonoltica, que, na verdade, nunca existiu.

    Recebido para publicao em 23 de janeiro de 2012Aceito em 05 de fevereiro de 2013

    21 A referncia utilizada pela autora Poulantzas, N. AsClasses Sociais no Capitalismo de Hoje. Rio de Janeiro:Zahar, 1978.

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    Agnaldo Sousa Barbosa Doutor em Sociologia. Professor e pesquisador do Departamento de Educao,Cincias Sociais e Polticas Pblicas da Faculdade de Cincias Humanas e Sociais da UNESP Universidade Estadual Paulista (Campus de Franca). professor colaborador do Programa de Ps-Graduao em Servio Social e coordena o LabDES Laboratrio de Estudos Sociais do Desenvolvimentoe Sustentabilidade, onde, atualmente, supervisiona 4 projetos de ps-doutorado financiados pela FAPESP Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo. Autor de Empresariado Fabril e DesenvolvimentoEconmico, publicado em 2006 pela Editora Hucitec. Sua publicao mais recente, em co-autoria, Mudana de fronteiras tnicas e participao poltica e descendentes de imigrantes em So Paulo.Revista Brasileira de Cincias Sociais, v. 27, n. 80, p. 135-151, 2012.

    REVISITING THE LITERATURE ONBRAZILIAN INDUSTRIALISTS: dilemmas and

    controversies

    Agnaldo Sousa Barbosa

    Over the past five decades several differentinterpretative traditions have taken on the task oftrying to explain the origin of industrialists in Braziland to analyze their behavior pattern from abusiness perspective, as well as in response to thecountrys biggest political issues. Although this isa stimulating subject, considering the importantrole to be played by these social actors in weavingthe fabric of capitalist modernization in 20th centuryBrazil, not much of substance has been writtenabout it, in contrast with, for instance, researchabout the working class. This paper makes a briefassessment of what we believe to be one of themost significant among the possible variables forinterpreting the experience of the industrialist class,which demands the complexity inherent to thetopic as a counterpoint to the simplifiedgeneralization which is recurrent in most writingsabout this subject.

    KEY WORDS: Industrialists. Social class. Businessbehavior. Brazilian industrialization.

    RELECTURE DES CRITS CONCERNANTLES ENTREPRENEURS INDUSTRIELSBRSILIENS: dilemmes et controverses

    Agnaldo Sousa Barbosa

    Au cours des cinquante dernires annes,diffrentes traditions interprtatives ont cherch expliquer la gense de lentreprenariat brsilien et analyser sa manire dtre du point de vue delentreprise conomique, mais aussi face auxquestions essentielles de la politique nationale.Mme sil sagit dun thme excitant tant donnlimportance du rle que doit assumer cet acteursocial dans llaboration du processus demodernisation capitaliste du pays au XXe sicle,son tude nest pas objet dune productionabondante contrairement ce qui se passe, parexemple, pour les investigations concernant la clas-se ouvrire. Cette analyse fait un bilan succinct dece que nous jugeons tre la plus expressive desvariables possibles de linterprtation delexprience de la classe des entrepreneursindustriels qui revendique la complexit inhrenteau thme, en opposition la gnralisationsimplificatrice habituelle dans la plupart destravaux effectus sur ce thme.

    MOTS-CLS: entreprenariat industriel; classe sociale;comportement entrepreneurial; industrialisationbrsilienne.