Bahia - Terra de Todos Os Charutos
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BAHIA - TERRA DE TODOS OS CHARUTOS
Explicações iniciais
O mundo virtual produz fenômenos inexplicáveis. Entre eles, conquistarmos amigos com os quais jamais
mantivemos contato pessoal. Pois foi Luiz Thomé, um de tais amigos que, via e-mail, agora junho de 2011, me fez
recordar prezado leitor, algo que estava esquecido, morto e sepultado. Perguntou-me: E o livro, saiu? Quero divulgá-
lo para as comunidades de charuteiros!!
Foi quando a ficha caiu.
Não vou cansá-los falando dos quatro meses dia e noite dedicados a pesquisas e entrevistas. Pela parte final, onde
cito as fontes, vocês poderão verificar a trabalheira.
Devo apenas registrar que, por incentivo de um cidadão que se dispunha a publicar o livro, mergulhei de corpo e
alma (sou assim em tudo) para tentar resgatar e retratar um pouco da história das empresas baianas de charutos.
Não há nenhuma obra a respeito.
Depois, bem, depois o mecenas-incentivador desistiu. Acho que não gostou da história. No fundo, desejava um texto
enaltecedor, pintado de rosa, provavelmente porque mantinha, então, pretensões de entrar no ramo. Tanto que
sugerira para título do livro “Os famosos baianos”. Vendo que a realidade não era da cor que esperava, saiu-se. Deu-
se por esquecido. Não brigamos. Continuamos amigos.
Os que lerem o trabalho concluirão que eu tinha razão. O texto retrata o quadro em 2009. De lá para cá, algumas
empresas citadas encerraram suas atividades.
Mantenho um banco de fotos de rótulos e anéis antigos, formado ao longo das pesquisas, que deixo de publicar,
posto não considerar satisfatória a qualidade das fotografias.
E, graças ao amigo Luis Thomé, eis a seguir o “livro”.
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Bahia
Terra de todos os charutos
Carvalho, Hugo Adão de Bittencourt
Charutos baianos: quadro das empresas baianas.
Brasil – Cultura popular.
1. Fábricas de charutos da Bahia: histórico e perfil em 2009.
2. Charutos: odisseia, segredos, atualidade e desafios
Agradecimentos
Um trabalho como este é tarefa que não se executa sozinho.
Além de meu acervo e da consulta em mananciais que, de uma ou outra forma tratam do tema, contei com valiosas
informações dos depoentes entrevistados, dos fabricantes de charutos que acolheram a iniciativa de braços abertos,assim como com a cordialidade e a inestimável cooperação dos arquivos públicos, os quais permitiram a tomada de
fotografias, importantes documentos de embasamento deste trabalho.
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Afora tais pessoas, instituições e empresas - relacionadas ao final - devo também consignar o apoio anônimo de
artesãs e artesãos do labor fumageiro, cujas experiências, a mim alcançadas pelo dia a dia de nosso relacionamento,
foram de fundamental importância.
A todos, sem exceção, meus sinceros agradecimentos.
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Dedicatória
Na Bahia o ofício de fazer charutos é atividade francamente feminina.
Por isso - uma questão de justiça - este livro é dedicado às anônimas mulheres baianas – milhares - que, com seu
trabalho, ao longo de século e meio, têm ajudado a construir esta odisseia.
Às primeiras que já se foram e àquelas que continuam levantando-se às madrugadas para preparar os almoços de
seus maridos, antes de irem para a faina de enrolar as folhas de fumo. Que retornam ao meio-dia para por à mesa, a
refeição da família. Que à noitinha, antes de cuidarem de si, tem que servir o jantar, lavar roupas, arrumar a casa e
conferir os deveres dos seus filhos.
Valorosas mulheres, de cujas mãos nascem os charutos da Boa Terra.
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Homenagens
A Mário Amerino da Silva Portugal, empresário do ramo fumageiro, ardoroso defensor dos tabacos e dos charutos
baianos, de cuja convivência fraterna desfruto, desde quando cheguei à Bahia em 1965.
A Benjamin Menendez, que me amparou, em 1977, nos primeiros passos do aprender a apreciar charutos, iniciando-
me nesta atividade à qual tenho dedicado meia vida.
A Fernando Meyer Suerdieck (1924-1989), de saudosa memória, sobre cujos ombros me debrucei para vislumbrar as
técnicas do plantio e do beneficiamento do tabaco.
A Jean Baptiste Nardi, doutor em História Econômica, escritor, pesquisador da história do fumo no Nordeste, por
seus conselhos e orientações.
A todos os fabricantes, técnicos, proprietários de tabacarias, consumidores e estudiosos, com os quais espero
continuar aprendendo.
_________________________________________
Homenagem especial
A Félix Menendez, competente profissional e valoroso amigo, o qual, desde quando chegou ao Brasil em 1979, tem
se dedicado, de corpo e alma, em prol da qualidade da manufatura dos charutos baianos e que muito colaborou com
seus conhecimentos para a feitura desta obra.
Meninos, eu vi.
Aconteceu em maio de 2003. Meninos, eu vi.
A alegre felicidade de gente aprendendo a produzir prazer.
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As torcidas saindo de mãos inábeis, juntando e enrolando folhas de fumo cujo contato lhes era inédito e estranho.
Meninos, eu vi. Sobre doze tábuas alvas, ainda virgens, as úmidas folhas distendidas, tentando se contrair, opondo-
se ao espalmar de mãos aprendizes.
Eu presenciei como testemunha daquele apostolar encontro, a colorida emoção capturada pelo telão mágico que
ampliava os ritualísticos gestos. Vi 24 mãos, duas a duas, intentando transformar folhas de fumos em rolinhos,
retratos culturais da Boa Terra.
Meninos, eu vi, e ouvi segredos do fazer charutos, saídos da mais baiana das bocas cubanas, a de Félix Menendez.
Foi numa noite paulista quase inverno que eu vi, meninos, gente como crianças, a dar os primeiros passos do fazer e
começar a soletrar a palavra Charuto. Que ali, eu vi não se escrevia com C.
Escrevia-se com A de arte, A de amor, A de aprender.
E vi, meninos, sentados ao fundo da inesquecível cena, novos e experientes amantes dos charutos, formando
silenciosa platéia de olhares encantados – como o meu que lá estava – no desvendar segredos de uma arte secular.
Atores e plateia viveram – eu vi, meninos – um momento único.
Fascinados, como os doze apóstolos da ceia, todos ouviram do Mestre Félix Menendez que charutos não se
escrevem com C. E, ao final do espetáculo da transformação do fumo em charutos, cada ator recebeu, devidamente
autografada, a tábua sobre a qual operara o milagre.
Uma material prova da presença do Mestre entre eles.
Pela primeira vez em suas vidas e na história dos charutos brasileiros.
Meninos, eu vi. Lastimo que vocês não tenham visto.
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Estrutura do trabalho
APRESENTAÇÃO – Jean Baptiste Nardi
PRIMEIRA PÁGINA
COMEÇO DE CONVERSA
1. ODISSEIA
O andar da carruagem
Na esteira do tempo
Primeiro cenário (1840/1880)
Segundo cenário (1881/1910)
Terceiro cenário (1911/1950)
Quarto cenário (1951/2009)
Passado perdido
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A saga de um nome famoso – Dannemann
Definição do alvo
Efeitos das guerras
A volta por cima
Lá se foram de roldão – Pimentel e Ideal
Ascensão e queda de um gigante – Suerdieck
Os dois irmãos
Um homem de sorte
O terceiro comandante
A vida não para
Muda o curso da história
O quarto comando
O derradeiro comando
Golpe final
A primeira Premium – Menendez & Amerino
Erro de perspectiva
Mudança de foco
Qualidade diferenciada
Produção 100% manual
Reviravoltas e Caixa Preta
Diletantismo charuteiro – LeCigar
Correndo na frente – Chaba
Renascendo das cinzas – Leite & Alves
O futuro a Deus pertence – Paraguaçu
O último adeus
O rio vira charutos
Mulher de fibra
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2. PASSANDO A RÉGUA
O novo empresariado
Servindo a terceiros
Prazer em conhecê-lo
Os recentes produtores
3. ENTRE QUATRO PAREDES
Gatos por lebres
Fundos de quintal
Atabaques & Charutos
Bravas guerreiras
4. DESAFIOS
Retrato do presente
Remando contra a maré
Última página
MANANCIAIS
Fontes
O autor
__________________________________________
Apresentação
O trabalho de pesquisa de Hugo Carvalho daria um livro. Não simplesmente mais um dos livros sobre charutos, como
aqueles encontráveis em livrarias convencionais ou tabacarias. É um trabalho sobre O CHARUTO DA BAHIA, produto
da nossa terra. Pela primeira vez, um autor teve a coragem de falar sobre assunto tão difícil de compreender, pela
raridade e dispersão das fontes.
Quem melhor que Hugo Carvalho para falar do charuto baiano? De origem gaúcha, ele se fez cidadão de São Gonçalo
dos Campos, a 15 km de Feira de Santana e 110 da Capital, onde se aposentou após décadas de trabalho nas fábricasdo Recôncavo. Economista de formação, ele prestou seus serviços, entre outras, às duas maiores empresas da Bahia,
a Suerdieck e a Menendez (da qual foi um dos fundadores), tanto na área da produção de fumo, quanto na
fabricação e comercialização dos charutos. Mas, as competências não são profissionais só. Hugo sabe desfrutar esses
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prazerosos momentos em que o charuto espalha seus deliciosos sabores pelo paladar e nos quais o pensamento se
perde nas volutas de fumaça, procurando as nuvens. Aí nasce a inspiração para escrever, quase semanalmente, suas
crônicas Fumaças Mágicas, hoje virtuais, que publica há cerca de 20 anos.
O leitor não verá nestas páginas, como se planta o tabaco. Não aprenderá como as mãos delicadas das charuteiras
enrolam, com experiência herdada de suas mães, avós e bisavós, as folhas escuras e cheirosas plantadas há séculos
no Recôncavo baiano, terra predileta do charuto brasileiro. Não. Hugo preferiu outro caminho, deixando os
interessados visitarem as lavouras que se estendem por nossos plácidos campos de Cachoeira, São Félix ou Cruz dasAlmas e verem nossas lindas charuteiras, cuja cor da pele se confunde com a das folhas que manuseiam.
Com inegável talento de contista, Hugo nos narra a história da indústria dos charutos baianos, desde os primórdios
até os presentes dias. Ele foge da técnica do historiador que analisa ou comenta para alguns especialistas. Prefere
deixar os fatos e os dados falarem por si, para cada leitor seguir tranquilamente os passos. Ele associa a experiência
própria e suas reminiscências, com depoimentos de algumas personalidades que participaram da odisseia da
indústria, entrevistas com os atuais fabricantes e com mulheres que continuam a tradição da fabricação caseira. Seu
livro não é um livro de história, é um livro de estórias.
Com ele percorremos mais de um século e meio de criação de empresas, verdadeiras sagas familiares em algumas
delas, suas evoluções, seus negócios com períodos de sucessos e de dificuldades, de tristeza também quando se vê
uma histórica fábrica fechar, um nome ilustre ou uma antiga e conhecida marca desaparecerem. Não seguimos uma
sucessão de acontecimentos: vivemos a odisseia! Acompanhamos os desdobramentos por dentro, com a visão do
ator que nos desvenda os bastidores de um mundo conhecido por poucos. Descobrimos segredos. Ficamos
encantados a cada página.
Difícil é não gostar do texto. Ele foi feito para satisfazer as exigências tanto do aficionado do charuto, quanto do
universitário, do técnico ou do amador de literatura. Até os inimigos do tabaco deveriam estar contentes: aqui não
se faz apologia do charuto, não se ensina, nem se incita a fumá-lo.
Entretanto, implicitamente, é uma defesa do charuto. Não de qualquer um, mas sim do charuto da Bahia. HugoCarvalho nos mostra que o produto tem uma história e faz parte da tradição e da vida do povo do Recôncavo,
inclusive como elemento dos cultos afro-brasileiros. Ele nos faz lembrar com saudade – mas, com moderação – a
época de ouro, quando saíam das fábricas, milhões de charutos que os brasileiros consumiam diariamente, quando
milhares de famílias viviam da indústria e do comércio do fumo.
Tal tempo passou e Hugo nos ensina que não podemos deixar extinguir-se esse produto de nossa terra. Que é
preciso manter acesa a chama. Ele fala em desafios, porque considera que o charuto baiano ainda tem futuro e
muitas estórias pela frente. Todos os seus apreciadores esperam que, por muito tempo se possa falar em Bahia,
Terra de Todos os Charutos. Por enquanto, falamos deste trabalho que assim se intitula. Aguardávamos por isso, há
muito tempo. Concebê-lo e escrevê-lo foi desafio que somente alguém como Hugo Carvalho poderia realizar. Ele o
fez com brilho.
Jean Baptiste Nardi
Setembro-2009
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Primeira página
Pensa o poeta
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A importância do fumo
Junto a nossa economia
Vem do tempo imperial
Sendo que nossa Bahia
Foi o lugar mais propício
Não foi escolha tardia.
Quando um fala mal do fumo
Já tem outro que aprecia
Zé vive botando o fumo
No cachimbo de Maria
Tem até cabra levando
Fumo em casa, todo dia.
(ANTÔNIO SILVA, 1988)
Registra a imprensa
Se existe alguma coisa a respeito da qual o mundo inteiro está 100% de acordo é que o fumo faz mal à saúde; não
apenas de quem fuma, mas também, embora não se saiba claramente com que grau de intensidade, de quem está
por perto []
É proibido fumar, hoje, em praticamente qualquer local fechado onde haja mais de uma pessoa []
Está banida no planeta inteiro, ou quase, toda e qualquer propaganda [] lei é lei. Tudo bem – outras coisas, nesta
vida, já foram permitidas um dia e hoje não são mais, e nem por isso o sol deixou de nascer todas as manhãs.
O problema é que a proibição do fumo parece não bastar, para quem a defende [] A partir desse ponto de vista,
quem fuma vai passando a ser olhado como portador de alguma deficiência moral, ou mau cidadão, ou nocivo à vida
em sociedade, ou as três coisas ao mesmo tempo []
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse há pouco que todo mundo deve ter o direito de fumar desde que não
incomode aos outros; garantiu, aliás, que só fuma em sua própria sala. Parece algo de muito bom senso, mas o
homem só levou pancada.
Hoje em dia, quando o tema é tabaco, ter bom senso já não serve mais para dar razão a ninguém.
J.R.GUZZO (VEJA Nº 2078).
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Começo de conversa
Labuto no ramo fumageiro desde a década de 70. Trabalhei em todos os elos da cadeia, a partir do plantio dotabaco, passando pela produção de charutos e desembocando nas variadas formas de levá-los ao consumidor final.
Participei da direção das duas mais importantes fábricas deste período, bem como da empresa agrícola que foi nossa
maior exportadora de fumos especializados. Operei na distribuição atacadista, fui proprietário de tabacarias e da
primeira empresa de marketing direto dos charutos baianos, em tempos pré-internet.
São mais de trinta anos voltados ao que, para mim, se converteu num estado d´alma: falar sobre os charutos da Boa
Terra. Tanto me animou encarar o desafio de tentar resgatar um pouco da nossa memória, pois preservar o passado
é garantir o futuro. É nosso direito e nossa obrigação.
Convivi com empresários das mais distintas personalidades. Alguns competentes, outros sonhadores, outros mais,
sem clara visão do que foi e do que é o mercado brasileiro de charutos. Debrucei-me sobre o passado e o presente,
testemunhando projetos bem sucedidos e autênticos fracassos. Convivi com ambos. No negócio posso não ter ainda
aprendido como fazer, mas sei como não fazer. Meio caminho andado.
Neste andar, percebo haver faltado ao conjunto das grandes empresas charuteiras uma ação mercadológica
unificada em favor de si próprias. Melhor dizendo, em prol do charuto baiano.
Deixaram-se permanecer cada qual cuidando de si. O consumidor brasileiro ficou à mercê de publicações
estrangeiras as quais, como não poderia deixar de ser, prestigiam charutos de outros países.
A troca de informações, usual entre membros de um mesmo segmento, era raridade e, quando muito, segredada aoconcorrente mais próximo. No jogo do esconde-esconde, uns ficaram esperando pelos outros. Em dado momento,
mais precisamente em 2001, chegou-se a cogitar a fundação da Câmara de Charutos da Bahia, a qual não saiu do
papel.
No Brasil, a ausência da preocupação com os produtos naturais e suas manufaturas resultou em uma perda de
espaço para outros países. No início da nossa história, tivemos o caso do pau-brasil. A seguir, lá se foram nosso ouro
e pedras preciosas. Depois, testemunhamos o caso da borracha. Do café, nem se fala. Perdemos no marketing
internacional para a Colômbia. Mais recentemente, o cupuaçu e a cachaça foram alvo de tentativas de apropriação
externa. Agora presenciamos o abandono do cacau baiano, cuja cultura vive seu estertor. Assim vem sendo com o
tabaco e os charutos produzidos no Recôncavo Baiano.
Imperativos políticos têm induzido o desaparecimento da atividade e nunca houve ajuda oficial relevante na defesa
do renome dos charutos e dos fumos baianos. As tentativas de se conseguir apoio datam de muitos anos. Sempre
frustradas. Em 1958, há meio século, se pleiteava a constituição de um Fundo de Recuperação da Lavoura Fumageira
e da Indústria Nacional de Charutos.
Quem recorre à bibliografia charuteira, encontra diversificado material, focado em produtos não brasileiros. Mesmo
entre autores nacionais, salvo honrosas exceções, reina um quase silêncio sobre nossas fábricas. Mais precisamente
sobre a Bahia, centro de excelência do fumo para charutos e seus labores.
Esta obra não é um trabalho acadêmico, com gráficos, mapas e tabelas. Portanto, não nutre pretensão em serreferência bibliográfica, nem resgatou muito do que foi esquecido. Intentar fazê-lo demandaria anos de pesquisas.
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Tampouco aborda a maneira artesanal como o tabaco se transforma em charutos, ou mitos que cercam sua
produção e seu consumo. A técnica do fabrico e os tabus emblemáticos do consumir charutos estão descritos em
vários idiomas.
É simplesmente um livro que, tentando harmonizar datas e números, revela o perfil da curva do mercado
consumidor doméstico, contrapartida do segmento produtor de charutos. Que, malgrado as adversidades,
continuará sempre existindo, até o dia em que, prazam os céus não aconteça, resolvam declará-lo ilegal.
Sem faltar com a verdade, realça a importância pouco percebida dos nossos charutos, proporcionando, de forma tão
lúdica quanto possível, o painel da atividade de seus primórdios aos dias correntes e as vidas que se esconderam por
detrás.
Nisto se resume a razão deste livro. Deixar rastros. Valorizar o que é nosso. Tornar públicos aspectos desconhecidos.
Desvendar mistérios. Pontuar fatos pitorescos e curiosidades. Contestar paradigmas. Mostrar o que resta. Expor
desafios. Parar para pensar.
Boa leitura e boas baforadas!
Bahia, outubro, 2009.
HC
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1. ODISSEIA
O andar da carruagem
Dos finais do século 19 até o primeiro quartel do século 20 os charutos, embora tivessem seu consumo disseminado
entre as diversas faixas da pirâmide social, foram complemento da moda das classes economicamente mais
favorecidas. A aura, daí decorrente, converteu-se num verdadeiro status-symbol que perpassou gerações, passando
a habitar no inconsciente coletivo.
Mesmo sendo um prazer de caráter individual, os charutos permitem a satisfação de compartir. Não o produto em
si, como acontece com o chimarrão dos gaúchos, mas a de trocar opiniões, tanto sobre aromas e sabores, quanto às
formas e momentos mais adequados para o consumo. Prova disto são os inúmeros clubes e confrarias de
charutófilos existentes Brasil afora.
Reúnam-se dois ou três fumadores. De forma inevitável, a conversa descambará para o charuto amigo e
companheiro. Assim como as espirais da efêmera fumaça representam a dissipação dos limites, os charutos quando
adequadamente consumidos provocam breves, mas inesquecíveis momentos.
São anos de história, charuto a charuto, num trabalho intenso, meticuloso e especializado. Conhecer isso cria
deliciosas expectativas do aguardar a hora especial do consumo.
Poucos lugares no mundo reúnem condições para o plantio de um bom tabaco. A Bahia, em específico a região do
Recôncavo Baiano, é um deles. Não foi por outra razão que ali surgiram grandes empresas, que fizeram
mundialmente reconhecida a fama dos charutos baianos.
[] a Bahia foi parte do movimento de modernização pelo Segundo Império, que resultou numa política de imigração
voltada para a produção de mercadorias. A renovação e ampliação do fumo foi o reabilitado de uma migração de
alemães na época da Guerra do Paraguai (PEDRÃO, 1996).
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A Bahia foi assim, o berço da indústria brasileira dos charutos.
Muito antes de dar seus primeiros passos e ser empresarialmente organizada, a atividade existia em centenas de
casas humildes, sob a forma de fabrico doméstico, como natural extensão do trabalho nos campos de plantação e
dos armazéns de beneficiamento do tabaco.
É provável que tal atividade deva ter se constituído no embrião, do qual se valeram os empreendedores
estrangeiros, em especial alemães, para montarem seus negócios, associando, enquanto foi possível, a mão-de-obra
escrava.
[] a mão-de-obra explicitamente escrava era complementada com trabalho servil, tão explorado quanto o escravo []
as diferenças entre homens livres e escravos eram, frequentemente, muito tênues [] (PEDRÃO, 1996).
Recordemos que no período colonial, todas as possessões portuguesas estavam proibidas de ter fábricas em seus
territórios. É partir de 1808, com a vinda da Corte Portuguesa, que adveio a possibilidade de desenvolvimento do
setor, com a abertura, em 1817, das primeiras fábricas de rapé. Até meados do século 19, o rapé foi o produto
derivado do tabaco mais consumido no Brasil. A produção estava centrada no Rio de Janeiro, havendo também
fábricas na Bahia e em Pernambuco (NARDI, 2000).
O charuto aparece ocupando aos poucos o lugar do rapé, em finais do século 19. [] Ligado a uma aura de
masculinidade e modernidade, seu surgimento logo dividiu os adeptos do fumo em tabaquistas (consumidores de
rapé) e fumistas (apreciadores de charutos). Nas ruas e saraus da época, um e outro propagavam a preponderância
de sua opção e de suas ideias. Como o rapé significava "o velho", e o charuto, "o novo" (e não podemos esquecer
que o século XX era, então, o novíssimo século), o charuto venceu, e o rapé desapareceu [] (SOUZA CRUZ, 2009).
A princípio as cidades de Maragogipe, Cachoeira e São Félix tinham posição estratégica em função dos meios de
transporte de então. A primeira era o caminho mais curto para a Capital. Saveiros e vapores saindo pelo Rio
Paraguaçu via Bahia de Todos os Santos, ligavam-na a Salvador. Cachoeira, mais acima do rio, era a porta de entrada
para o Sertão e para a Chapada Diamantina.
Cruz das Almas, como centro produtor de charutos, aparece num segundo momento. Isto devido ao
desenvolvimento das rodovias que preterem a via ferroviária e o transporte fluviomarinho, a ponto de extingui-los.
Vamos, agora, viajar no tempo. Nos próximos capítulos abordaremos esta odisseia baiana.
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Na esteira do tempo
Primeiro cenário (1840/1880)
Nos anos 40 a 80 do século 19, nas bandas do Recôncavo Baiano, Maragogipe e Cachoeira compunham um
formidável entreposto comercial. As terras ao sul, onde hoje temos São Félix, Muritiba, Cruz das Almas, pertenciam à
Cachoeira. Da mesma forma que as terras ao norte, todas chamadas Campos da Cachoeira, que vieram a se
transformar em São Gonçalo dos Campos.
Os fumos produzidos na região eram internacionalmente conhecidos como Mata Fina. Aos mesmos se juntavam
outros, produzidos em paragens ao derredor. Chegados a bordo dos comboios ferroviários, outros em montarias,
estradas afora. Assim, além dos fumos Mata Fina tinham-se os chamados Mata Norte, Mata Sul e Sertão, cada qual
de características próprias, exportados e que também eram matéria-prima para os charutos baianos.
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É neste cenário que surgem decorrentes da acumulação de capital da atividade fumageira agroexportadora, e do
aproveitamento da mão-de-obra desocupada nos períodos entre as safras, os primeiros fabricos organizados de
charutos.
Conceituá-los, então, como indústrias propriamente ditas seria exagerado. Eram “fábricas-mãe” (NASCIMENTO,
1997) no geral com menos de dez operários, a cujas produções se adicionavam as encomendadas aos fabricos
domésticos que proliferavam na região fumageira.
Neste primeiro momento, entre outras, emergem em São Félix, as fábricas Juventude de Francisco José Cardozo &
Cia (1842), A Fragrância de José Furtado Simas (1851) e Dannemann de Gerhard Dannemann (1873); em
Maragogipe, a fábrica F. V. de Mello de Francisco Vieira de Mello (1852) e a firma Nogueira & Irmão (1877). Para
Cachoeira se transfere, em 1853, a fábrica Utilidade de Costa Ferreira & Penna que fora fundada em Recife, dois
anos antes.
Além de tais empresas pioneiras, outras havia. Em 1877 comprova-se a existência de firmas pertencentes a Simão
Duarte D’Almeida e Cândido F. Costa Oliveira em São Félix; João Martins Oliveira em Cachoeira; Francolino Hipólito
dos Reis e José Neuma da Silva em Muritiba; Quintino José da Costa em Maragogipe (ARQUIVO PÚBLICO DA BAHIA).
Era gente que não mais acabava, inaugurando um autêntico núcleo de concentração pré-industrial que, além decuidar de seu principal negócio, os armazéns de fumo para exportação, voltava-se para aquilo que passava a ser a
grande novidade em caras e bocas brasileiras.
É lógico que algumas das novéis empresas charuteiras, dado seus laços com o Exterior, fruto da exportação de
fumos, acionaram estes canais para projetarem além-fronteiras, suas marcas de seus charutos. Exposições eram,
naqueles tempos, o mais importante meio de marketing internacional. Em 1865, na cidade do Porto em Portugal, a
fábrica A Fragrância era premiada com sua primeira medalha de ouro. Isto voltaria a ocorrer com a mesma, em 1876,
na exposição de Filadélfia nos Estados Unidos, e com a Dannemann, que igualmente marcou presença no citado
evento.
Em 1880, as firmas existentes despejavam no mercado pouco mais que 30 milhões de charutos para serem fumados
pelos 20 milhões de súditos de Sua Majestade, o Imperador Pedro II. Um consumo bruto aparente per capita de 1,5
unidades por ano. Respeitada a proporção, nossos atuais quase 200 milhões de patrícios estariam transformando em
fumaça 300 milhões de charutos, por ano.
A mão-de-obra era desprotegida. As jornadas extenuantes, seis dias por semana. Domingos não eram remunerados.
Férias, nem pensar. Mães levavam filhos para ajudá-las. Os custos da mão-de-obra, por isso mesmo, não eram
significativos. Na produção manual de charutos, o fumo despontava como sendo o mais importante item no custo
direto da produção.
Os pioneiros viviam mais ou menos em paz, embora o governo provincial da Bahia começasse a voltar sua gula
arrecadadora para a atividade.
Segundo cenário (1881/1910)
No decurso destes trinta anos o mercado produtor efervesce. Além de Gerhard Dannemann que vivia na Bahia desde
1872, aporta na região outro personagem que, da mesma forma, irá gravar seu nome na epopeia charuteira, August
Wilhelm Suerdieck (1888).
Acelera-se o processo de surgimento de novas empresas.
Em São Felix despontam as fábricas Stender & Cia e Michaelense de Theotônio Magalhães & Cia, bem como ali
vamos encontrar funcionando Dias Barreto & Cia e Cruzeiro do Sul de José Maurício Vianna.
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Em Muritiba, então arraial de São Félix, se implanta a fábrica São Felista de F. Ferreira & Cia.
Em Maragogipe, começam a funcionar as fábricas Victoria de Antônio Caetano da Silva e Suerdieck de August
Suerdieck.
Na Vila do Curralinho, que fora distrito de Maragogipe, operava a fábrica Central de Francisco Barros Lordello.
Em Cachoeira, além da instalação de uma filial da firma gaúcha Poock & Cia, cuja fábrica foi batizada por Secção
Bahiana, estavam presentes Zacharias da Nova Milhazzes, Lucas Frey & Cia, F. A. Jezler e a fábrica Amazona de
Araújo & Cia.
Em Salvador, entre outras, encontramos Pacheco & Cia, assim como as fábricas Modelo de Thomé Pereira de Araújo,
Liberdade de Antônio Correa e Havaneza de Manoel Correia Machado.
Com tanta gente intentando lugar ao sol e por força de variados acontecimentos, elencando-se, entre outros,
mortes, escassez de capital, insucessos, associações para fortalecimento recíproco, é natural que um processo
progressivo de fusões, incorporações ou sucessões, começasse a se configurar. Naquele tempo, tudo acontecia com
bastante simplicidade. A burocracia não era a dos dias correntes.
Foi o caso da fábrica A Fragrância a qual, dado a morte de seu fundador, passou a ser administrada pela firma Viúva
Simas. Esta, não podendo sozinha tocar o barco, associa-se ao empresário Bernardo Rodemburg, formando a
empresa Simas & Rodemburg (1899). Cinco anos depois, nova alteração, passando a chamar-se B. Rodemburg & Cia.
Não durou muito. Ano seguinte, 1905, a fábrica desaparece do cenário e suas marcas são adquiridas por Stender &
Cia.
Outra viúva também assume os negócios do extinto marido. A fábrica Havaneza passou a ser gerida pela empresa
Viúva Correia Machado.
Em Maragogipe, a firma individual Francisco Vieira de Mello se transforma em A. Vieira de Mello & Cia, cuja fábrica
passa a ser chamada Vieira de Mello, nome que se perpetuou.
Em 1899, a empresa individual F. A. Jezler associou-se com Roberto Gustavo Hoening, incorporando a antiga fábrica
Lucas Frey & Cia, daí advindo a empresa Jezler & Hoening batizada como Fábrica Flor da Bahia.
Com a marca de sete realizadas, este segundo cenário foi pródigo em exposições.
Em Antuérpia (1885), Berlim (1886) e Chicago (1883), a fábrica Dannemann foi premiada. Na feira de 1904 em St.
Louis, além da Dannemann, compareceu Costa Ferreira & Penna, sendo ambas agraciadas. Na exposição nacional do
Rio de Janeiro (1908), a par das duas citadas empresas, também a Suerdieck se fez presente, sendo todasreconhecidas pela qualidade de seus produtos. Em 1910 a Dannemann, confirmando sua vocação para o mercado
externo e seu maior potencial econômico, comparece a dois outros eventos, Bruxelas e Buenos Aires. Medalhas no
peito.
E, como os exemplos quase sempre vêm de além-mar, em 1891, Rui Barbosa ministro da Fazenda, mirando-se nas
experiências tributárias dos Estados Unidos, Inglaterra, França, Rússia e Itália, propõe um imposto de consumo sobre
o tabaco. O segmento mais afetado foi o dos charutos. Os protestos da classe produtora foram generalizados.
A taxa criada não estabelecia variantes para charutos de preços distintos. Era uma só, por unidade. Assim, um
charuto considerado de primeira linha que custava 100 réis, a partir do novo imposto, tinha seu preço de vendaaumentado em 5%. Em contrapartida, os produtos mais populares e de maior consumo, que custavam 10 e 2 réis,
passaram a custar de 50% a 250% mais caros (NARDI, 1985).
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O desconhecimento e a insensibilidade dos legisladores quanto às inerências do mercado, incluindo-se a falta de
representatividade política dos empresários charuteiros – imagine-se, Rui Barbosa era baiano - passavam a
atormentar o setor.
Em 1910 a população brasileira, tipicamente rural posto que apenas a terça parte vivesse nas cidades, era
representada por 24 milhões de habitantes. Consumiam-se, então, algo ao redor de 70 milhões de charutos (NARDI,
1985). O consumo nacional anual bruto per capita subira de 1,5 para 2,9 unidades. Crescimento, no decurso de trinta
anos, superior a 90%. Extrapolando-se o novo índice para os dias correntes, as empresas charuteiras estariamproduzindo cerca de 580 milhões de charutos para o mercado nacional.
A partir de 1903 os charutos começarão a se defrontar com os cigarros “que já vinham prontos”. Chegam ao
mercado os cigarros Dalila, balizando a entrada, no cenário, da indústria cigarreira nacional de porte, cujo
crescimento irá contribuir para a futura queda de consumo dos charutos.
Terceiro cenário (1911/1950)
No período ora enfocado a sociedade brasileira deixará de ser predominantemente agrária. Nas cidades surgirão a
burguesia industrial, a classe média e o proletariado. A importância econômica do grande entreposto comercial
formado por Cachoeira e São Félix começará a declinar. A construção da estrada Salvador-Feira de Santana, nadécada dos anos 20, facilitando o acesso rodoviário à Capital, representará redução do movimento fluviomarinho
Cachoeira-Salvador.
A produção charuteira baiana vai atingir seu apogeu, o processo de expurgo dos pequenos fabricos se acentua,
fortalecendo-se a concentração empresarial. A importância da manufatura de fumos passou a ser tanta que,
segundo censo de 1917, 4 empresas charuteiras e cigarreiras constavam entre as 100 maiores indústrias nacionais.
Funcionavam na Bahia 164 estabelecimentos industriais de beneficiar fumo (A TARDE, 1920), mas nos idos de 1919,
em realidade, apenas cinco fábricas, Suerdieck, Stender, Costa Penna, Vieira de Mello e Dannemann, dominavam
48% do mercado, produzindo em conjunto 61,2 milhões de charutos (MESQUITA, 2003). Ano seguinte a participaçãodas mesmas chegou a 75% (NARDI, 1985).
Nesta fase as firmas Aug. Suerdieck (exportadora de fumos) e A. Suerdieck (manufatura de charutos) se fundem,
formando a empresa Suerdieck & Cia. (1914).
Por decorrência dos reflexos da Primeira Guerra Mundial, desaparecem inúmeros fabricos sem maior expressão,
satélites das grandes charuteiras.
Jezler & Hoening se transforma em Hoening & Cia em 1911. Cinco anos depois, o controle de sua fábrica Flor da
Bahia, passa para as mãos de firma individual R. Gaschlin.
A fábrica Amazona de Araújo & Cia entra em processo de liquidação. Suas marcas são compradas pela Companhia de
Charutos da Bahia (1920).
As firmas Dannemann e Stender se unem, tendo como sucessora a Cia. de Charutos Dannemann (1922).
A fábrica Leite & Alves, então apenas produtora de cigarros, se transfere de Salvador para Cachoeira (1936).
Nasce em Muritiba a fábrica Pimentel de C. Pimentel & Cia (1937) e a Vieira de Mello sai do cenário de Maragogipe
em finais dos anos 30, sendo seus prédios adquiridos pela Suerdieck (1940).
Em decorrência da II Guerra Mundial os empregados alemães são perseguidos e demitidos sem direito a nada.Conflitos nas fábricas. As instalações da Dannemann são depredadas e a empresa vai começar a amargar franco
declínio, vindo a fechar suas fábricas de Maragogipe, Muritiba e São Felix (1948).
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Nos 40 anos ora narrados, a classe trabalhadora alcança significativas conquistas o que, por outro lado, veio
redundar em gradativas majorações nos custos de produção dos fabricantes.
Não percamos de vista que charutos feitos à mão são compostos por dois insumos fundamentais, um visível, outro
invisível. Tabaco e mão-de-obra. Assim, seu custo de produção está irremediavelmente atrelado à evolução de tais
componentes básicos.
Em 1917 o trabalho feminino e o infantil são regulamentados. Estipulavam-se cargas horárias, proibindo trabalho de
mulheres à noite e de grávidas nos meses anterior e posterior ao parto.
Em 1940 é instituído o salário-mínimo, tendo como maior valor nacional 240 mil réis. Havia treze patamares
regionais de valores inferiores ao teto. O estipulado para o interior da Bahia era, por certo, menor que a metade do
máximo. Para se ter ideia, as diárias pagas na época variavam de dois a cinco mil réis (CASTRO, 1941).
Em 1942 o padrão monetário é alterado. O Mil-réis se transforma no Cruzeiro. Ano seguinte é promulgada a
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – conquistas do operariado, aumento do custo de produção das fábricas – e
o maior salário-mínimo, ao final do ano, correspondia a 300 cruzeiros.
O gradativo aumento do custo da mão-de-obra foi a razão da fábrica Suerdieck iniciar um processo de mecanização,redundando na dispensa de 300 operários (1949).
Neste período a Dannemann participou de três exposições, em todas premiada: Turim (1911), Gand na Bélgica
(1913) e na exposição do Centenário da Independência, no Rio de Janeiro (1922). Ao que parece, os demais
produtores, ausentes, andariam mais centrados e preocupados com os negócios no mercado interno.
A produção nacional de cigarros sobe vertiginosamente. Em 1930 atingira a casa dos seis bilhões. Neste mesmo ano,
os 37 milhões de brasileiros consumiram 130 milhões de charutos. Era como se cada um houvesse fumado 3,5
unidades no decurso de 12 meses. O mercado atingira seu ápice. Mantida tal velocidade de consumo, ora
estaríamos fumando cerca de 700 milhões de charutos por ano.
Vinte anos após, ao final do presente cenário, o consumo nacional relativo voltaria ao patamar de 1910, algo ao
redor de 2,9 unidades per capita por ano. Conta fácil de ser feita. Em 1950 éramos 52 milhões de brasileiros
consumindo 150 milhões de peças. Neste ano a Suerdieck, sozinha respondia por dois terços do abastecimento
geral.
A tal altura, a maior parte das empresas havia desaparecido e duas das restantes, estavam às vésperas do colapso.
Mau sinal, pois um negócio só é bom quando todos nele envolvidos lucram e se dão bem. O segmento irá mergulhar
numa fase muito difícil vivida por uns de imediato e por outros mais adiante.
Quarto cenário (1951/2009)
A partir dos anos 50 o consumo nacional de charutos passa a declinar de forma magnífica. O hábito de fumar
migrava para os cigarros, despejados aos bilhões Brasil afora, amparados por forte merchandising no cinema e
ampla propaganda. Pela análise de anúncios e notícias na imprensa deste período, nota-se claramente que os
charutos perdiam sua relevância no contexto. Deixavam de marcar presença.
A Dannemann em 1951 volta a produzir não resistindo muito tempo. Em 1955, tanto ela, quanto a fábrica Costa
Penna saem do mercado. Paradoxalmente, neste mesmo ano, a Suerdieck comemora seu cinquentenário,
inaugurando um edifício-sede no centro comercial de Salvador. Suas vendas no mercado interno, entretanto,
seguiam em queda livre. À luz da perspectiva do tempo, tenho impressão que tal medida, na contramão dos
acontecimentos, fora uma tentativa de revigorar a imagem da empresa, então bastante combalida pela série de
problemas com os quais se defrontava.
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Cumpre evitar as pavorosas consequências que trariam o fechamento ou extinção da indústria fumageira, bradava o
jornal CORREIO S. FELIX, em 1954. Os protestos se centravam nas restrições às importações de matérias-primas, nos
impostos, nas barreiras alfandegárias e nos pesados ônus das exigências fiscais e trabalhistas. Também não
deixavam de se referir à concorrência desleal do mercado subterrâneo de charutos.
Em um supremo esforço para se manter operando, a Leite & Alves, que produzia cigarros, sem poder de fogo para
enfrentar a concorrência das empresas cigarreiras modernizadas, dá a volta por cima e ingressa, com sucesso, no
mercado de cigarrilhas em 1951. Não resiste à concorrência da Souza Cruz que resolvera fazer o mesmo em 1967.Fecha as portas em 1976.
Estando praticamente sozinhas Suerdieck e Pimentel, novos empresários são atraídos para o ramo.
Assim é que, nos anos compreendidos entre 1971 e 1981, se estruturam na região a pequena fábrica Ideal em
Muritiba; a firma H. Madeiro, que virá a ser o embrião da atual fábrica Leite e Alves; o fabrico da Paraguaçu em
Cachoeira e a Menendez & Amerino. Esta última em São Gonçalo dos Campos, especializando-se no segmento do
extrato superior de consumo, charutos de primeira linha.
Com as dificuldades vigentes para importação de charutos estrangeiros e o charme de um sócio cubano, a
Menendez sacode o mercado e encontra um nicho, até então pouco explorado pelos demais produtores. Pelo queveremos, esta companhia, mesmo sem ter consciência disto, irá balizar o futuro do mercado nacional.
O consumo interno em 1980 era estimado entre 22 e 25 milhões de charutos (GAZETA MERCANTIL, 1980).
Acrescentemos as cigarrilhas e o charuto então produzidos da Souza Cruz, que não costumavam ser computados,
algo como 50 milhões de unidades anuais. Fiquemos, portanto com 75 milhões. Neste ano, a população andava em
119 milhões de habitantes. Feitas as contas, nosso consumo relativo representava uma média bruta per capita anual
de 0,63 unidade. Sendo assim, no espaço de três décadas, o consumo absoluto caíra 50,0% e o relativo 78,2%.
Enquanto isto, o consumo de cigarros seguia subindo, ultrapassando a casa dos 142 bilhões de unidades (RIZZIERI,
2008).
Na década que se iniciava novas aflições e adversidades.
O salário-mínimo no Recôncavo Baiano que houvera obtido avanços correspondendo, então, a 70,8% do maior valor
nacional, dado a unificação do piso, irá representar um aumento real do custo da mão-de-obra regional em 41,3%
(1984). Serão inevitáveis os reflexos nos preços de venda.
Correndo por fora, a penalização tributária associada ao intenso lobby contra o tabaco, que nas bandas europeias
reduzira a proporção de adultos que fumam de 40% para 35% entre os anos 78 e 84, também se articulava no Brasil.
É criado o grupo assessor ao Ministério da Saúde para controle do tabagismo no Brasil. Charutos e cigarros foram
jogados na vala comum (1985).
Virá mais chumbo pela frente.
A alíquota do IPI – o imposto que incide sobre os produtos industrializados – é duplicada para charutos e cigarrilhas,
passando de 15% para 30% (1986). Como consequência, os preços tiveram que ser aumentados em 13%,
afugentando mais os consumidores. Ainda em função do aumento da carga tributária, decorre forte descapitalização
do setor, oriunda da necessidade adicional capital de giro e do maior custo financeiro.
A empresária Gisela Suerdieck, por ocasião da festa dos 50 anos da fábrica Pimentel em 1987, em seu discurso
bradava: [] Os primeiros meses deste ano foram um travo a amargar nossas gargantas. Novo congelamento, só que
desta feita, nos preços internos. O dólar continuou sendo valorizado. Noutras palavras, custos diariamente seelevando [] A onda antitabagista que invade nossos lares está querendo fazer cada fumante sentir-se um criminoso
[] Ainda neste ano é criado o Programa Nacional de Combate ao Fumo.
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Abro agora um parêntese para registrar detalhe que tem passado despercebido.
Em 1987 a Souza Cruz, que seguia produzindo cigarrilhas e dominava 90% deste segmento, fabricava também um
charuto pequeno o qual, em termos de marca, era o que mais vendia no mercado interno. Por ser barato e
consumido nas camadas populares, não costumava aparecer nas estatísticas charuteiras e, muito menos, nas lojas
especializadas. Mas o fato é que eram comercializadas cerca de oito milhões de unidades anuais de tal charuto,
embora a companhia cigarreira tivesse condições de produzir até 12 milhões anuais (DCI 1987). Mesmo assim, cerca
de dez anos após, a Souza Cruz, considerando a atividade economicamente desinteressante, irá paralisar a produçãode sua fábrica Inducondor, sediada em Petrópolis, RJ.
Vamos em frente.
Em 1988 são impostas frases de advertência nas embalagens; são recomendadas medidas restritivas ao fumo nos
locais de trabalho; criam-se os fumódromos; reduz-se o prazo de recolhimento do IPI de 30 para 10 dias. O
patronato começa a pensar duas vezes, antes de admitir empregados. Afinal seria preferível um não fumante, a um
que, de vez em quando, escapasse em direção aos tais fumódromos. Por outro lado, houvesse mais capital de giro!
A inflação anual anda nas alturas, alcançando 1.037% e seguirá estratosférica por sete anos. Desaparece a unidade
produtora da Ideal em Muritiba. Suas marcas passam a ser produzidas pela Suerdieck. Uma fábrica a menos nocenário. É promulgada a nova Constituição Federal determinando regulamentação à publicidade do tabaco.
Em 1989, o ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias - é aumentado de 12% para 25% nas vendas
interestaduais. A medida representou reajustes de preços na ordem de 33%, sem benefício algum para os
fabricantes.
Com a abertura às importações, os charutos estrangeiros começaram a aparecer no mercado doméstico. Ante a
novidade e os preços cada vez mais caros dos produtos baianos, as marcas premium de charutos brasileiros sentiram
o peso da inédita concorrência.
A Pimentel, já sob o controle da Suerdieck, continuava com sua fábrica operando. Por pouco tempo. Em 1990 foi
fechada definitivamente. Neste mesmo ano, o Ministério da Saúde dispõe sobre a publicidade de produtos do fumo.
Nos anos que se seguiram, estimuladas pela legislação do SIMPLES que permitia englobar o pagamento dos impostos
numa só alíquota reduzida, desde que o faturamento ficasse dentro de determinados valores, surgem novas
empresas charuteiras. Por certo, se pudessem prever o que as aguardava, haveriam pensado duas vezes.
De forma que brotaram como cogumelos entre 1997 e 2007, as empresas LeCigar, Matheó, Chaba, Dornelas, MR
Charutos, Josefina, Talvis, Internacional, Tabacos da Bahia, Luiz C. Sandes, Maria G. S. Velame, Leite e Alves, Don
Francisco, Puro Design, A. A. Julien, São Salvador, R. Vieira Oliveira e Tabacos Mata Fina. Algumas, inclusive, surgiram
e desapareceram no citado período.
As novas empresas, sem exceção, foram atraídas por um ou mais dos seguintes fatores: 1) planos de comercialização
no mercado externo; 2) legislação favorável do SIMPLES que permitia praticar preços mais atraentes; 3) vácuo que se
abrira no mercado nacional, decorrente do final melancólico da Suerdieck em 1999.
Para todas o tempo propício foi curtíssimo. Exportar charutos não é fácil. Que o ateste a Menendez & Amerino,
intentando tal segmento desde 1978. Pior ainda, as novas empresas, da noite para o dia, foram excluídas do direito
aos benefícios do SIMPLES (2007). Adeus, vantagens competitivas!
E enquanto os novos empresários iam aparecendo e se acotovelavam, disputando entre si e com os produtores
estrangeiros, o mercado consumidor cada vez mais estreito e elitizado, prosseguiam as medidas restritivas contra a
atividade.
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Em 1995, uma portaria interministerial recomendava às emissoras de televisão evitar a transmissão de imagens nas
quais entrevistados, convidados ou personalidades conhecidas do público, aparecessem fumando.
No ano 2000 o Brasil, de olho no mercado cubano, visando beneficiar suas exportações para lá, firma acordo
econômico com Cuba, dando como contrapartida ao referido país, isenção de pagamento do imposto de importação
sobre seus charutos entrados em nosso país. Os consumidores nacionais vibraram. Os produtores baianos em vão
protestaram.
A concorrência subterrânea que sempre existiu no Brasil no segmento dos charutos populares, procedentes de
fabricos domésticos, se amplia. Passa a acontecer também, na linha de charutos premium. Surge o contrabando de
marcas estrangeiras.
Não bastando as frases de advertência nas embalagens, exigidas desde 1988, as empresas foram obrigadas a colocar
imagens, bem como tiveram que começar a pagar taxas de fiscalização sanitária para registro e renovação de
produtos do tabaco (2001).
Em 2002 a odisseia prossegue. Outro aumento da carga tributária. A Bahia cria o Fundo Estadual de Combate e
Erradicação da Pobreza e para custeá-lo majora de 25% para 27% a alíquota do imposto sobre circulação de
mercadorias nas vendas de charutos dentro do Estado.
Ano seguinte é proibida a comercialização dos produtos derivados do tabaco, via Internet.
Para finalizar este passeio na esteira do tempo, em 2005 entra em vigor a CQCT - Convenção Quadro para o Controle
do Tabaco, primeiro tratado internacional de saúde pública, envolvendo 192 países membros da Organização
Mundial de Saúde, com o objetivo de proteger gerações presentes e futuras das consequências sanitárias,
ambientais e econômicas, geradas pelo consumo e pela exposição à fumaça do tabaco. Penso que, se tal louvável
propósito se referisse à fumaça dos automóveis, em vez da fumaça do tabaco, um serviço muito maior estaria sendo
prestado à humanidade.
Ah! Ia me esquecendo. Lembram-se quando registrei que, nos primórdios da atividade, a incidência do valor da mão-
de-obra no custo dos charutos feitos à mão, era absolutamente inexpressiva?
Pois bem e para não regredirmos muito no passado. Na entrada em vigor do Plano Real (1994) o salário-mínimo,
sem computar os custos sociais e trabalhistas que advieram ao longo da história, se situava num contravalor de 70
dólares e agora, em 2009, anda na casa dos 238 dólares. Antigamente se fumava tabaco, hoje se fuma mão-de-obra.
Pelas repercussões de tudo isto, o consumo nacional seguiu encolhendo. Do retrato atual do mercado brasileiro,
tanto produtor quanto consumidor, bem como dos desafios enfrentados, irei tratar na última parte deste trabalho.
__________________________________________
Passado perdido
As marcas comerciais, parte do passado perdido, são retratos na parede de nossa memória charuteira. Através de
seus registros no período compreendido entre 1888 e 1924, acompanhados dos respectivos rótulos, foi possível
pinçar dados e armar parte do quebra-cabeça das informações deste capítulo. O trabalho permitiu, ao mesmo
tempo, relacionar alguns fabricantes nem sempre lembrados.
Mais ainda. Deixou trazer a lume, empresas charuteiras instaladas em Salvador, em finais do século 19 e inícios do
século 20. Para lembrarmos que, não foi só no Recôncavo Baiano como usualmente se concebe que os pioneiros da
epopeia estiveram presentes. Vale dizer que a maioria das fábricas soteropolitanas, se não todas, eramparalelamente voltadas à produção manual de cigarros. Nada mais justo, portanto, que tenham sido implantadas no
maior mercado consumidor, a capital do Estado.
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Sendo muito amplo o acervo iconográfico limitei-me, como não poderia deixar de ser, a documentar apenas algumas
marcas entre as muitas que foram esquecidas.
São singulares registros para quem sabe, em futuro trabalho, possam ser todas resgatadas e oferecidas ao público
brasileiro. Preservar a memória é ação de cidadania. Documentá-la, através das marcas, é oportunidade de
preservar nossa cultura.
Tal o propósito deste capítulo. Relacionar, com base nos registros de marcas, algumas fábricas de charutos de finais
do século 19 e inícios do século 20. Um autêntico passado perdido. A relação a seguir tenta estabelecer uma ordem
cronológica sequencial das 24 empresas detectadas. As que não tiveram apurados seus respectivos anos de
fundação constam da cronologia tendo-se como referência os anos de seus primeiros registros de marcas.
Assim sendo, voltemos ao passado.
1842
FRANCISCO CARDOZO & CIA - FÁBRICA JUVENTUDE
Ainda funcionava em 1897, ano em que registrou a marca Quinteto. Segundo fonte secundária, esta fábrica teria
sido fundada em 1842, em São Félix, então pertencente a Cachoeira (SILVA, I.M., 2008).
1851
ARTHUR FURTADO SIMAS - FÁBRICA A FRAGRÂNCIA
Fundada no ano em referência, esta firma individual funcionou no Largo dos Artistas, em São Félix. Por vezes se
encontra o nome de José Furtado Simas, possivelmente irmão do fundador.
A fábrica A Fragrância participou das exposições nas cidades de Porto, Portugal e Philadélfia, USA, respectivamenteem 1865 e 1876, sendo premiada em ambas.
Segundo propaganda da empresa, na imprensa em 1892 (A PATRIA, Nº 1, São Felix), seu fundador era falecido no
referido ano, posto que sob o nome de fantasia da empresa, constava Viúva Simas.
Deduz-se também, pela pesquisa dos registros das marcas Chineza e Carlo em 1893, que a sucessão da firma Viúva
Simas, girou sob a razão jurídica Simas & Rodemburg (1899).
Em 1904, nova transformação, desta feita para B. Rodemburg & Cia. Um dos sócios desta última, Bernardo
Rodemburg, antes também se dedicava ao fabrico de charutos sob a denominação B. Rodemburg. Neste ano se
localiza o registro da marca Dalila. Fica a indagação: teria sido pelo fato de, no ano anterior, haverem surgido no
mercado os cigarros Dalila, os primeiros cigarros que já vinham prontos?
Supõe-se ainda, que B. Rodemburg & Cia, se extingue em 1905, quando suas marcas são compradas pela fábrica
Stender & Cia. Esta empresa, por sua vez, irá se fundir com Dannemann & Cia, em 1922, gerando a Cia. de Charutos
Dannemann.
Pela sucessão dos registros das marcas inicialmente pertencentes à Fábrica A Fragrância, observa-se, num dado
momento, o nome da firma Herm. Stoltz & Co. do Rio de Janeiro, como compradora da titularidade das referidas
marcas. Tal acontece ao se extinguir a firma B. Rodemburg & Cia. Registre-se que Herm. Stoltz & Co. mantinha
estreitos laços com Dannemann & Cia, a qual irá em 1922 se unir à Stender & Cia para formarem a Cia. de CharutosDannemann.
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Curiosidade: a marca Carlo que mostrava um jovem, quase menino, fumando, mais adiante, em 1906 na gestão de
Stender & Cia, terá seu visual modificado para um adulto sentado à mesa de um bar.
COSTA FERREIRA & PENNA - FÁBRICA UTILIDADE
Também fundada em 1851, pelo português Manoel da Costa Ferreira, na cidade de Recife, transferiu-se dois anos
após para São Félix. Sabe-se que em 1892 funcionava à Rua 20 de Dezembro, nesta última cidade, não se podendo
precisar se ali fora o endereço inicial no Recôncavo Baiano.
Quando da morte do fundador, seu filho Manoel Costa Ferreira Filho e o então gerente, Manoel da Costa Penna,
ingressaram na sociedade. Desconhece-se, pois, o nome primitivo da empresa a qual, provavelmente, tenha sido
uma firma individual. Todos os registros encontrados incluem o nome Penna na razão social o que, de fato teria
acontecido após a morte do velho Costa Ferreira.
Em 1914 ingressam na sociedade Manoel Costa Ferreira Júnior, neto do fundador e Luis Costa Penna, filho de Luis
Costa Penna, simplificando-se a razão social para Costa Penna & Cia.
Dezessete anos após, morre Manoel da Costa Penna. Em 1935, em natural sucessão familiar, são admitidas na
sociedade Clarisse Barros Penna e Etelvina Almeida Costa Ferreira.
No período da II Guerra Mundial a empresa, além da matriz em São Félix, contava com filiais em Muritiba e
Cachoeira, ocasião em que a denominação social passou para Costa Penna & Cia. Ltda.
Lembre-se que o mercado nacional era então, fortemente dominado pela Suerdieck, ocupando a Costa Penna o
segundo lugar. Com o processo de mecanização das marcas populares implantado pela fábrica líder, nos anos 50, por
certo que a Costa Penna, não pode acompanhar a guerra de preços implantada, dado ao diferencial de custos de
produção. Isto, associado aos problemas enfrentados pela indústria charuteira no pós-guerra (falta de transporte de
cabotagem, abastecimento de madeiras para produção das caixas) deve ter levado a uma gradativa deterioração dos
negócios da Costa Penna, que vem entrar em falência em 1955.
Mesmo assim a empresa gravou se nome de forma indelével na odisseia charuteira baiana. Prova disto as
inumeráveis marcas que foram registradas pela empresa, entre as quais se destacam: El Palhaço e Trifólio em 1892;
Angelina, La Sympathica e El Cariño em 1893; Fábrica de Charutos Utilidade em 1903; Corneteiro em 1905; Ideal em
1907.
Para encerrar, três curiosidades.
A antiga marca El Palhaço, voltou a ser registrada em 1922, com a mesma imagem, mas com o nome simplificado
para Palhaço.
A marca Ideal mais tarde, anos 60/70, irá ressurgir no mercado, produzida em Muritiba pela empresa conhecida por
tal nome e que veio a ser absorvida pela Suerdieck em 1988.
A marca Angelina, com nova apresentação visual, volta a aparecer no mercado brasileiro, no início do corrente
século, produzida para terceiros pela fábrica Tabacos Internacional da Bahia Ltda.
1852
VIEIRA DE MELLO & CIA. - FÁBRICA F.V. DE MELLO
Fundada em Maragogipe por Francisco Vieira de Mello, a empresa funcionou por muitos anos sob o nome do seu
fundador.
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As marcas registradas até 1909 o eram em nome da pessoa física. A partir de 1910 passam a ser em nome de A.
Vieira de Mello & Cia. Foram os casos das marcas Real Jóia e F.V.de Mello – Fábrica de Charutos, registradas em
1903 e 1904, respectivamente.
Em 1920 localiza-se rótulo com o registro da marca A. Vieira de Mello & Cia que foi correta denominação da
sociedade e não Vieira de Mello & Cia, conforme tem sido usualmente divulgado.
Em 1877 encontra-se a citação do nome de Manoel Vieira de Mello, possivelmente um irmão, acerca do qual se lê no
Livro de Matrícula de Comerciantes, período 1854/1896, registro nº 378 de 18 de maio de 1859, Arquivo Público do
Estado da Bahia: [] Manoel Vieira de Mello, cidadão brasileiro, domiciliado na cidade de Maragogipe, apresentou
para registro na data à margem, a sua Carta de Comerciante, matriculado de grosso, tanto nos ramos de molhados,
na compra de gêneros do País, para exportar, passada pelo Tribunal de Comércio desta Província []
A empresa, nos primeiros anos de atividade, teve presença marcante no mercado. Sua importância passou a declinar
nos anos 20 do século passado.
Em documento datilografado, datado de 28 de agosto de 1923, existente no Arquivo Público Municipal de São Félix,
relacionavam-se o Ativo e o Passivo da fábrica, “até a morte do inventariado”, sem citar nominalmente quem. Ao
que tudo indica, teria sido o fundador, Francisco Vieira de Mello.
Na moeda da época, o mil-réis, os bens da empresa totalizavam Rs. 240:281$905, sendo compostos por
Mercadorias: Rs 139:032$400; Propriedades: Rs 51:000$000; Móveis e Utensílios: Rs 14:175$000; Dinheiro em
espécie: Rs 2:747$720; Saldo em conta no Banco Alemão: Rs 29:629$050 e Lucro dos charutos vendidos: Rs:
3:699$735. Já seus passivos totalizavam Rs 159:674$473 sendo compostos por Diversos Credores: Rs 74:456$132;
Funeral: Rs 1:151$300 e Despesas para compra de um mausoléu: Rs 5:000$000. Isto significava que a firma,
contabilmente, valeria Rs 80:607$432. O fundo de comércio, ou seja, o valor de mercado de suas marcas, no referido
documento, não foi citado, nem valorizado. Coisas da época.
Os derradeiros sócios foram Albertino Vieira de Mello Peixoto e José Fábio Peixoto.
Entrou em processo de insolvência ao final dos anos 30, vez que de acordo com a imprensa da época, seus edifícios
foram adquiridos pela Suerdieck em 1940.
1877
NOGUEIRA & IRMÃO
Sabe-se apenas, que esta empresa funcionava em Maragogipe no ano 1877. Não foram localizadas outras
informações.
1890
PACHECO & CIA
Fábrica sediada em Salvador à Praça do Comércio, 03. Já funcionava em 1890, quando registrou a marca Diavolo. Por
certo operou até 1892, ano em que a citada marca passou à propriedade de João Vicente Ribeiro e, a seguir, em
1893, para Dannemann & Cia.
STENDER & CIA
Ano fundação: 1890
Cidade: São Felix, Largo dos Artistas, Nº 2 - 6
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Pelo que se deduz dos processos consultados, em 1905 foi sucessora da Fábrica A Fragrância, fundada por Arthur
Furtado Simas, em 1851.
Algumas marcas registradas em 1905: Vitoriosos, Patrícia, Querida, Pio X, Dr. Murtinho.
Em 1906 localizaram-se registros de Maricotta e A Bella Africana.
Quanto à marca Carlo não se localizou o registro original e apenas um rótulo no Arquivo Público de São Felix. Note-
se que ao tempo da firma antecessora (Arthur Furtado Simas) houve igual marca com iconografia totalmentedistinta. A marca primitiva apresentava um jovem, quase menino, fumando e sugestivamente, sob o nome Carlo
constava a palavra, em espanhol, Primeros. Fato compreensível numa época em que o politicamente correto não
existia.
1892
THEOTÔNIO MAGALHÃES & CIA. - FÁBRICA MICHAELENSE
Data de 1892. Em 1893 se localizam registros das marcas Michaelense, La Cadena e Torero. Sediada em São Felix,
tinha também endereço em Salvador (Calçada do Bonfim, 76), provavelmente simples depósito.
1893
F. FERREIRA & CIA - FÁBRICA SÃO FELISTA
Funcionava em 1893 no arraial de Muritiba, então pertencente a São Félix, ano em que registrou, entre outras, as
marcas Amélia e Alarm! Em 1894 registrou a marca Fábrica São Felista.
THOMÉ PEREIRA DE ARAÚJO - FÁBRICA MODELO
Funcionava em 1893, quando registrou a marca Kalifa. Localizava-se à Rua Conselheiro Dantas, nºs 19 e 31, em
Salvador.
FRANCISCO DE BARROS LORDELLO - FÁBRICA CENTRAL
Funcionava em 1893, na Vila do Curralinho (que fora distrito de Maragogipe) quando registrou a marca Estrella da
Bahia.
MANOEL CORREIA MACHADO - FÁBRICA HAVANEZA
Funcionava em 1893, em Salvador na Rua das Sete Portas, freguesia de Brotas, ano em que registrou a marca Coola.
Em 1905 mantinha depósito à Rua do Taboão, 25, em Salvador, conforme registro da marca de CigarrilhosJaponeses. A fábrica chamava-se Havaneza.
Deduz-se que em 1907 o titular era falecido, pois o nome de fantasia apresenta-se como Maravilha, registrado pela
Viúva Correia Machado.
Em 1916 é registrada a marca Viúva Correia Machado. Desta feita, num segundo rótulo, a fábrica volta a constar com
a denominação anterior, Havaneza.
DIAS BARRETO & CIA.
Funcionava em São Félix, em 1893. Não há outros registros.
1894
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JOSÉ MAURÍCIO VIANNA - FÁBRICA CRUZEIRO DO SUL
Funcionava em São Félix, em 1894. Sem registros.
1897
ZACHARIAS DA NOVA MILHAZES
Funcionava em 1897 em Cachoeira, ano em que se encontraram os registros de suas marcas Cometa e Zacharias N.Milhazes. Não há outros dados a respeito.
1898
ANTÔNIO CORREA - FÁBRICA LIBERDADE
Funcionava em 1898, quando registrou a marca Liberdade. Localizava-se à Rua Conselheiro Saraiva, nº 26, em
Salvador.
1899
LUCAS FREY & CIA.
Apurou-se apenas, que esta empresa funcionou em São Félix, tendo sido sucedida, provavelmente em 1899, pela
firma Joezler & Hoening – Fábrica Flor da Bahia.
JEZLER & HOENING - FÁBRICA FLOR DA BAHIA
Esta empresa surge em Cachoeira no ano de 1899, com o nome fantasia Fábrica Flor da Bahia, constando em alguns
dos rótulos “Antiga fábrica Lucas Frey & Cia, de São Félix”.
Nasce da associação do anterior fabricante F.A.Jezler, que em 1893 registrara as marcas Colibri e Héspero e que veio
a se associar a Roberto Gustavo Hoening. Tanto que, em 1911, a denominação social consta como sendo Hoening &
Cia.
Em 1916, conforme documentado em fotos, Hoening & Cia é sucedida por Rodolpho Gaschlin, de nome empresarial
R. Gaschlin (letra A com trema). Esta, ano seguinte, em novos registros de marcas, grafa seus rótulos como sendo R.
Gaeschlin o que, suponho, deva ter sido para que a pronúncia em português se aproximasse da pronúncia original. A
empresa então, se identificava como Casa Suissa (com dois esses).
1902
ANTONIO CAETANO DA SILVA - FÁBRICA VICTÓRIA
Funcionou em Maragogipe. Fundada provavelmente em 1902, primeiro ano em que se encontram os registros, entre
outros, das suas marcas: Cartolla, Nhô-Nhô, Roquetes e Macedos.
A marca Victória – Fábrica de Charutos foi registrada em 1903.
1903
POOCK & CIA - FÁBRICA SECÇÃO BAHIANA
Instalou-se em Cachoeira, no ano de 1903, sendo filial da empresa Poock & Cia, sediada na cidade de Rio Grande
(RS). A fábrica funcionou com o nome Secção Bahiana. Em 1906, entre muitas outras, localizam-se os registros das
marcas Nºs 1032 e 1047.
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Em 1912, ano em que são registradas inúmeras marcas, entre elas Marrocos e Superiores (Troianos), a empresa já se
transformara em sociedade anônima, sob a denominação Companhia de Charutos Poock.
1919
PEDRO DE JESUS.
Funcionava na cidade de Santo Antônio de Jesus em 1919, ano em que se localizou o registro da marca da empresa.
ARAUJO & CIA - FÁBRICA AMAZONA
Não localizado ano de sua fundação. Sabe-se que em 1919, além de registrar o nome fantasia da empresa, também
registra as marcas Amadores e Bohemios.
Nos requerimentos respectivos a empresa declarava-se “em liquidação”, - fato, no mínimo curioso - sendo sita à
Praça Conde dos Arcos, s/n em Salvador, com fábrica de charutos em Cachoeira.
Ano seguinte, 1920, suas marcas foram averbadas para Companhia de Charutos da Bahia, empresa sobre a qual não
se obtiveram outras informações.
1932
FALCÃO & CIA.
Nas pesquisas procedidas no Arquivo Público Municipal de Cachoeira, encontramos referência à citada firma, via
anúncio no jornal A ORDEM, janeiro 1932: Fumem PARTICULARES, o charuto fabricado com os melhores fumos da
Bahia. Falcão & Cia – Cachoeira.
Data desconhecida
P. RODRIGUES & CIA.
À exceção do selo de garantia, reproduzido neste livro, não foram encontrados quaisquer informações quanto à
referida empresa, que funcionou em São Félix. Vale consignar que o único original existente de tal selo me foi cedido
por Félix Menendez que o recebeu, a título de curiosidade, de uma empresa holandesa.
__________________________________________
A saga de um nome famoso
Definição do alvo
Quando Gerhard Dannemann iniciou sua saga, desembarcando no porto de Salvador e partindo em direção ao
Recôncavo Baiano, não poderia imaginar que iria se converter em legendária figura dos charutos.
Veio como tantos outros alemães, mergulhar sua vida na atividade tabaqueira, negócio de relevante importância no
Império do Brasil.
Não sei onde, nem quando aprendeu nosso idioma. Mas sei que, homem educado, conquistou em pouco tempo,
influentes amizades no mundo político provincial. Amizades que lhe foram muito úteis, como veremos mais adiante.
Não só isso. Dotado de personalidade marcante, se transformou em inconteste liderança empresarial no setorfumageiro.
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Encantou-se pela Bahia. Mais ainda pelo casario colonial dos séculos 16 e 17 e suas igrejas, cenário-presépio e
fervilhante centro de negócios, no ponto onde o Rio Paraguaçu, descendo em cachoeiras, deixava de ser navegável.
Era o porto de Cachoeira, última parada para saveiros e vapores que não podiam subir rio acima, mas que rio abaixo,
invadindo as águas da Bahia de Todos os Santos, escoavam para a capital da Província da Bahia, as riquezas do
Recôncavo e outras tantas que chegavam do Sertão, a bordo das marias-fumaças com seus apitos estridentes.
Gerhard Dannemann preferiu a margem direita do rio. Talvez pela razão da paisagem oposta ser mais rica em
casarios e assim, se comprazer com o encantador cenário barroco, deslizando morros abaixo. Se isto não foi, deve
ter sido pelos comboios da Estrada de Ferro Central da Bahia terem ali, o ponto final de seus trilhos. Ainda não havia
ponte para a travessia do rio.
Não perde tempo. Mal completado um ano de sua chegada, cuida em se estabelecer na manufatura de charutos,
juntando-a com a atividade exportadora de tabaco. Penso trouxera consigo tal intento, que a decisão não fora algo
circunstancial.
Pequenos fabricos de charutos eram constância. Assume um destes negócios.
Em fontes secundárias, tenho encontrado um nome para este ponto de partida, Schnarrennbruch, mas tanto nocontexto global é de somenos importância. O fato é que, como fruto da medida, surge a empresa Dannemann & Cia
(1873). E toca o barco, correndo roças de fumo e cuidando do fabrico. Passa a conhecer a região, palmo a palmo. Na
verdade, São Félix fora escolhida para a matriz do negócio, por contar com menor concorrência de fabricantes de
charutos.
Em 1880, seu amigo Ludwig Kruder é convidado para ingressar na sociedade.
Os negócios prosseguem e prosperam sendo a empresa agraciada por Dom Pedro II, com o título de Imperial Fábrica
de Charutos Dannemann. Isto, acontecido em 1883, por si mesmo, revela o grau de influência política conquistada
por Dannemann, em seus primeiros dez anos de Brasil.
Neste mesmo ano, começa a se realizar o sonho dos ribeirinhos e do empresariado cachoeirense. A construção da
ponte metálica, ligando os 365 metros de água que separavam as duas margens, a qual é inaugurada, dois anos
após. Finalmente o trem chegava Cachoeira e, para se atravessar o rio, os barcos foram-se.
Fico aqui, imaginando o pioneiro Dannemann, nos mornos crepúsculos da região, sentado à beira do caís, por trás de
um mar de velas de saveiros, apreciando os guindastes a vapor, que aos poucos erguiam a superestrutura metálica
da ponte, encomendada à Inglaterra. Cofiando a barba, fazendo planos, fumando um charuto e matutando quanto à
próxima marca a ser produzida. A Dannemann, entre todas as fábricas baianas, foi campeã na quantidade de marcas
de charutos.
E, como quem ama uma terra, nela deita raízes, no ano da proclamação da República, já casado com Aleluia Navarro
Dannemann, Gerhard vira Geraldo. Naturaliza-se brasileiro. Creio deva ter ido a Paris, participar da Exposição
Internacional, onde a empresa foi premiada com sua terceira medalha de ouro. Houvera antes, recebido duas
outras, em Antuérpia e Berlim.
Havendo se transformado numa liderança empresarial, bem sucedido comercial e socialmente, para a política foi um
passo. As terras que escolhera para viver e trabalhar, sitas à margem direita do rio, antiga freguesia e depois vila, são
elevadas à condição de cidade com o nome São Félix do Paraguaçu. Topônimo mais tarde, simplificado para São
Félix.
Por sua reputação e pelas amizades granjeadas, entre elas a do governador da Bahia, o médico Manoel Vitorino
Pereira, Dannemann é nomeado intendente da nova cidade, em 1889. Revelou-se grande administrador. Tanto que
nas eleições havidas em 1893, foi eleito o primeiro prefeito de São Félix. Excelente por sinal. Para completar a lista
de sucessos, a empresa é novamente premiada. Desta vez, na cidade de Chicago.
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Prestígio, recursos e poder formaram assim, o tripé da crescente projeção da Dannemann, nos dez anos que se
seguiram. Em 1904 seus produtos, expostos em St. Louis (USA) recebem outro Grande Prêmio. Neste mesmo ano,
Johann Adolf Jonas ingressa na sociedade.
Dannemann sabia o que fazia. Homem realizado e bem sucedido, via se aproximar o tempo de voltar à terra natal.
Cuidava, portanto, de preparar alguém que pudesse, junto com Eduardo Dannemann Filho, ficar em São Félix
cuidando dos negócios.
Foi o que aconteceu em 1908. Dado à expansão do comércio de fumo, charutos e outros negócios, Geraldo
Dannemann e Ludwig Kruder se desligam da direção da empresa permanecendo sócios comanditários e retornam
para a Europa, onde continuaram a serviço da firma. Naquele momento, ficava claro que o mercado externo era o
principal alvo.
Efeitos das guerras
Sob a gestão de J. Adolf Jonas a empresa seguiu crescendo, sendo premiada nas exposições do Rio de Janeiro (1908)
e Buenos Aires (1910). Em 1911 contava com fábricas em São Félix, Maragogipe, Muritiba e Nagé. Chegava a 2.200 onúmero de empregados (O PROPULSOR, São Félix, 1911). Em 1913 a empresa recebe outro grande prêmio, na
exposição da cidade de Gand, na Bélgica.
Pela continuada participação em eventos internacionais, vê-se que, por detrás de tudo, estava Dannemann
articulando o trabalho de difusão do nome da companhia. E assim foi até 1921, quando vem a falecer, ano em que
Johann Adolf Jonas naturaliza-se brasileiro. Passa a chamar-se João Adolfo e, como seria natural, o mentor maior da
organização.
A Primeira Guerra Mundial resultara em muitas e danosas conseqüências para o setor fumageiro baiano,
enfraquecendo, dado à redução dos negócios, as empresas charuteiras e exportadoras.
Assim, para se fortalecerem, as fábricas Dannemann e Stender, resolvem unir esforços, resultando como sucessora a
Cia de Charutos Dannemann (1922). João Adolfo Jonas que passara a presidi-la, tendo como diretor o suíço Ernesto
Tobler, cuida logo de apresentar a nova empresa na Exposição do Centenário da Independência, no Rio de Janeiro,
quando é premiada.
Dado à junção havida, nos anos a seguir a empresa retomou o patamar de seus negócios, mas Dannemann
continuava fazendo falta como ponta de lança na Europa, na defesa e difusão dos interesses empresariais.
João Adolfo Jonas morre em 1937, é substituído por seu filho de mesmo nome, sem tempo para participar dos
momentos difíceis que a empresa enfrentaria mais na frente.
Gato escaldado tem medo até de água fria. Em 1938, esboçando-se o cenário de outra guerra, a Dannemann que
houvera enfrentado o drama do conflito anterior, com seus charutos desaparecendo do mercado europeu, para se
proteger de novos prejuízos, firma diversos contratos de franquia na Europa, autorizando a produção da marca
naquele continente. Tais contratos, que aqui não foram registrados, estipulavam que os fumos para produção dos
charutos fossem comprados da Dannemann brasileira. O esquema montado legalizava os charutos feitos no
continente europeu, os quais passaram a ser vendidos como oriundos no Brasil.
A medida salvaguardava a presença da marca na Europa, porém não resolvia os problemas oriundos do mercado
doméstico o qual, como vimos, não fora o alvo principal da companhia no seu nascedouro. Mas não esqueçamos
que, mesmo assim, a Dannemann conquistara posição de relevo no cenário nacional.
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As coisas continuam a se complicar para a Cia. de Charutos Dannemann manter em operação fábricas que não mais
trabalhavam para exportação. Na minha interpretação dos fatos, induzo que a capacidade ociosa se tornara enorme,
dado à transferência do direito para produção na Europa. Por isso e para garantir fluxo de caixa, via aumento das
exportações de fumo, além de fechar a fábrica de Nagé, novos contratos de franquia são firmados em 1941. Ou seja,
a empresa, conscientemente ou não, abdicava da manufatura local de charutos, esperando que as vendas de fumos
para o exterior, compensassem o grave desequilíbrio no qual se envolvera.
Como as desgraças nunca andam sozinhas, sempre vêm acompanhadas, o Brasil declara em 1942, estado debeligerância contra as nações do Eixo. A onda antinazista que varreu o país, se abate sobre a Dannemann de forma
implacável e injusta. Ninguém se lembrou do passado e dos bons serviços prestados pelo precursor Dannemann.
Muito menos do relevo da empresa no cenário econômico regional.
Além das perseguições contra os alemães natos, seus confinamentos e demissões sem nada receberem, num
inconseqüente gesto, a turba se abate sobre os prédios e instalações da Dannemann, depredando o escritório em
Salvador, bem como as fábricas de São Felix, Muritiba e Maragogipe. Batia na própria cara. Acabava assim, com o
ganha-pão de muita gente.
A empresa fica sob intervenção das autoridades nacionais, sendo nomeado o extinto IBF – Instituto Baiano do Fumo,
para administrá-la. Houvesse dinheiro das burras oficiais para recuperar os estragos.
E como ficava a condução das rotinas da empresa, exercida pelos técnicos alemães demitidos?
O resultado foi o ingresso numa fase de franco declínio.
Não tendo IBF dado conta do recado, vem a ser substituído por novo interventor, o Banco do Brasil, representado
por Paulino Jaguaribe de Oliveira o qual, se de charutos conhecesse alguma coisa, seria porque, talvez os fumasse.
Mas isto não é o bastante. A espinha dorsal da companhia fora quebrada. O conhecimento e a experiência,
acumulados ao longo de setenta anos, haviam sido jogados fora. Quem duvidar que intente assumir uma empresa
charuteira, sem nunca ter ralado no chão de fábrica e sem haver, centenas de vezes, espalmado fumos e aprendido adistinguir suas nuances.
Em 1945 somam-se convergências negativas. Ao despreparo de comando se junta a queda de exportações de fumos
para a Europa, sustentáculo financeiro da empresa. Para dar uma aparência mais brasileira, tomou-se uma
providência cosmética. Mudou-se a razão social para CBCD - Cia. Brasileira de Charutos Dannemmann. Claro que
para viabilizar financiamentos com vistas a soerguer o negócio.
Nada adiantou. As fábricas são fechadas em 1948. Só em São Félix foram 1.000 os demitidos. Nos três anos
seguintes, a empresa prosseguiu apenas no segmento da exportação de fumos. Seus charutos desapareceram do
mercado nacional. Os do exterior, lá continuavam sendo fabricados pelos franqueados.
Em 1951 são reabertas as fábricas de São Félix e Muritiba. Segundo apurei em relatório existente no Arquivo Público
de São Félix, em agosto do referido ano a produção das duas fábricas alcançou 4 milhões de charutos, sendo o
estoque final de quase 8 milhões de unidades.
Em 1953 a exportação de fumos, fonte de recursos para custeio das fábricas, deixa de ser feita pela CBCD. Os fumos
para produção de charutos Dannemann no exterior, passam a ser abastecidos pela Dannemann Exportadora de
Fumos Ltda, com capital holandês. Empresa criada justamente para tal finalidade.
A fabricação local tendo que conviver apenas com o resultado das vendas no mercado doméstico, não resiste. Em
decorrência, entra em processo de insolvência, vindo a falir em 1954, fechando as duas fábricas e o escritório nacapital baiana.
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A empresa fica acéfala, em bom português, a Deus dará. Em tal momento, o gestor da CBCD era Francisco Aragão.
Daí em frente, foram outros 15 anos de idas e vindas.
Os bens da empresa foram leiloados em 1961, tendo a Suerdieck arrematado prédios, máquinas e equipamentos.
Começam disputas pela propriedade da marca. A Suerdieck se oculta por detrás de uma nova empresa denominada
Dancoin – Dannemann Comércio e Indústria Ltda, em nome da qual Francisco Aragão arremata as 70 marcas de
charutos e 28 de fumos que foram leiloadas. Em função disto, em 1962, as marcas Dannemann, voltam a seremofertadas no Brasil, produzidas na fábrica da Suerdieck de Cachoeira, sob licença da Dancoin.
Em 1963 para assegurar a exclusividade da fabricação brasileira das marcas Dannemann, a Dancoin requer a baixa da
CBCD na Junta Comercial da Bahia, como produtora de charutos. Também, sem levar em conta os antigos contratos
de franquia, intenta exportar para a Alemanha. Deu-se mal. Esta operação foi embargada sob a alegação que os
direitos de venda da Dancoin eram restritos ao mercado nacional. Perdendo a demanda na Europa, a Dancoin parte
para registrar a marca Dannemann em outros mercados externos.
Em 1965, em virtude de ação jurídica interposta por um dos sócios da CBCD, o registro da empresa é revalidado
voltando, portanto a existir. Apenas no papel. Sem sede, sem fábrica, sem empregados.
Passam-se dois anos e a demanda internacional pela distribuição da marca chega a um acordo. O mercado europeu
ficou com o empresário George Koch e o restante com a Dancoin. Esta, além de aceitar a retirada do nome
Dannemann de sua razão social, passando a intitular-se Dancoin – Comércio e Indústria Ltda, reconheceu o direito
da CBCD voltar a produzir charutos para a Europa.
A volta por cima
Em função do acordo, a CBCD – Cia. Brasileira de Charutos Dannemann, amparada pelos franqueados europeus,torna a produzir charutos em São Félix em 1970, abrindo sete anos após, uma pequena unidade na cidade de Cruz
das Almas. A Dannemann era então comandada por um grupo suíço-alemão, tendo de um lado a família suíça Burger
e, do outro, a empresa Melitta alemã.
Passara o período das tormentas. Os brasileiros voltaram a encontrar charutos Dannemann, nas tabacarias
nacionais.
Em 1981 Hans Joseph Maria Leusen, holandês de origem e cônsul honorário de seu país na Bahia, residente no Brasil
desde 1962, por desfrutar da confiança dos controladores da Dannemann, assume a presidência da organização
brasileira.
Em 1988, ao se completarem 115 anos de fundação, o controle da companhia passa às mãos do grupo suíço Burger
Soehne. Era ponto de partida para nova etapa na vida empresarial.
Para comemorar a efeméride, assim como o centenário da emancipação de São Félix, a empresa compra as ruínas do
prédio que fora o berço de sua história. Reconstrói o mesmo, mantendo a belíssima fachada primitiva e ali instala
um ponto voltado para as artes e a cultura. O Centro Cultural Dannemann, inaugurado em 1989.
Em 1995, transfere o fabrico de charutos de Cruz das Almas para São Félix, integrando-o à nova infraestrutura que
montara.
Agora, na margem do rio, onde Dannemann testemunhara a construção da ponte, o nome famoso prossegue sua
saga.
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O atual guardião da marca Dannemann e seu comandante no Brasil, Hans Leusen, profundo conhecedor da empresa
aqui e além-mar, ao ser entrevistado, revelou-se firme em suas colocações quanto à indústria charuteira.
Eis, em síntese, suas opiniões sobre o momento presente. [] o fumo sempre terá chance de sobreviver [] os governos
não têm o mesmo vigor contra as bebidas e as drogas, que adotam contra o fumo [] na Holanda as ações contra o
fumo são de tal ordem que em muitos coffee-shops é permitido fumar maconha, mas cigarros e charutos, não [] os
fumantes irão encontrar espaços onde poderão fumar [] álcool e tabaco sempre existirão [] as bitolas grandes dos
charutos, serão substituídas no futuro, pelos small-cigars [] a Dannemann no Brasil se preocupa acima de tudo comsua imagem [] não sacrifica seu padrão de qualidade para reduzir custos [] não faz nenhum tipo de concessão
comercial [] daí seus charutos serem mais caros []
As marias-fumaças, os saveiros e suas velas, o tempo levou. Mas a Dannemann, o Paraguaçu e sua ponte continuam.
Por certo Hans Leusen, ao evocar o passado, contemplando a paisagem barroca na outra margem do rio, vendo as
mulheres trabalhando na fábrica rodeadas de obras de arte, nutre justificado orgulho em presidir a companhia.
Hoje, a exemplo do pioneiro, enquanto fuma seu charuto, senta-se ao cais em frente à fábrica, se enamora do rio,
mira a ponte, acompanha o presente e sonha com o futuro.
__________________________________________
Lá se foram de roldão
Muritiba que fora arraial e depois distrito de São Félix, é elevada à categoria de vila em 1919 e de cidade em 1922.
Seu lema, criado em 1955, o dístico latino ASCENDIT FUNMUS AROMATUM, - subiu o aroma do fumo - é clara alusão
ao plantio do tabaco como fator preponderante da economia municipal, à época.
Suas lavouras de fumo eram reconhecidas pela excelente qualidade. Tanto que hoje, o município de Cabaceiras do
Paraguaçu, desmembrado de Muritiba em 1989, é o mais importante dos centros produtores remanescentes da
afamada variedade Mata Fina.
Muritibanas de nascimento, vida e morte, Ideal e Pimentel têm aqui suas histórias.
Primeiro ato
Como é natural, em Muritiba se instalaram grandes empresas exportadoras de tabaco com seus armazéns de
compras, beneficiamento e enfardamento, assim como inúmeras fábricas de charutos. Entre todas a mais
importante foi a Pimentel.
Em 1937, Cândido Pimentel Filho (1890-1975), então ligado ao mercado de fumo em folhas, resolve dividir sua
atividade, fundando a empresa C. Pimentel & Cia. Fazia parte da sociedade Wilhelm R. Overbeck que vem a se
desligar em 1941, sendo substituído por Adélia Simões Pimentel (CORREIO DE S. FELIX, 1942). Eram os tempos de
efervescência dos charutos, dedicando-se à produção dos tipos de grande aceitação, consumidos pelos extratos
intermediários da pirâmide social.
Cândido que também era político, havendo sido o vice-presidente da primeira Câmara de Vereadores da cidade,
instalada em 1936, escolhe como cores emblemáticas o verde e o amarelo e, como slogan, Pimentel – um charuto
para cada gosto.
Gisela Suerdieck, no discurso proferido quando do cinquentenário da Pimentel (1987), registrava [] logo lhe
chegaram as primeiras dificuldades. No transcurso da 2ª Guerra, suspenso o comércio com o mercado alemão,
grande cliente do fumo brasileiro, cresciam seus estoques. Faltava-lhe capital para oxigenar seu negócio. Em 1941,
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em São Paulo, conhece e abre as portas da empresa para aquele que lhe seria o fiel sócio [] o comerciante Desidério
Tobias [] (Arquivos do Autor).
Desidério Tobias ingressa, portanto na sociedade para dar-lhe suporte financeiro. Passa a bancar as compras anuais
de tabacos e, como compensação, assume a distribuição dos charutos em São Paulo, através da empresa Irmãos
Tobias Ltda.
Morrendo Cândido, o filho Carlos Augusto Pimentel (1933-1980) assume a direção da empresa, mantendo a forma
mais tradicional e antiga de se produzir charutos à mão.
Não usava moldes. Após os fumos da bucha (miolo) terem sido envoltos com o capote, para alcançar a uniformidade
estrutural dos charutos, valia-se de papel encorpado enrolando-os um a um. Chamava-se a isso de cafornotes, os
quais só eram retirados ao momento dos charutos receberem suas capas.
Com a morte prematura de Carlos Augusto Pimentel, Renato Julião dos Santos que trabalhava na fábrica desde 1942,
ingressa na sociedade, passando a cuidar do dia a dia.
A ex-charuteira Anatália Conceição da Silva depõe: [] comecei a trabalhar aos 14 anos, em 1949, na Pimentel [] tinha
muitas aprendizes na faixa dos 14 a 15 anos que eram escondidas quando chegava o pessoal da fiscalização doMinistério do Trabalho [] minha mestra chamava-se Neuzinha que cuidava só de ensinar [] tinha mais ou menos 50
meninas num total de 250 pessoas [] o enchimento era todo feito à mão [] anos depois usaram máquinas de pedal,
onde só eram homens que trabalhavam [] o resto tudo eram mulheres [] os homens não queriam trabalhar []
homem não entrava no salão da charutaria [] o velho Cândido era muito querido [] pagava até contas das
funcionárias [] seu filho Carlos também [] trabalhei a vida inteira na Pimentel [] foram 40 anos [] quando ela fechou
em 1989, ainda fiquei por lá mais um ano, junto com o resto do pessoal da diretoria do sindicato dos empregados []
Segundo ato
Marinaldo Albergaria de Souza (1929-1971), nos idos dos anos 60, possuindo um alambique, juntou o álcool ao
tabaco, dando início a um fabrico de charutos, aos quais batiza, mais adiante, por Ideal. A escolha deste nome não
era inédita. Tal marca existira no passado, registrada em 1907, pela firma Costa Ferreira & Penna. Marinaldo
desenvolveu o negócio até quando, em 1971, um infausto acidente automobilístico ceifa sua vida, aos 42 anos.
À sua mulher, Dalva Souza, para sobreviver, restava o caminho de tantas outras viúvas que sucederam maridos no
ramo charuteiro. Cito duas, como exemplos. A Viúva Simas que sequenciara os negócios de Arthur Furtado Simas,
Fábrica A Fragrância, São Félix e a Viúva Correia Machado que sucedera seu marido Manoel Correia Machado,
Fábrica Havaneza, Salvador.
Como se vê, além do marcante emprego da mão-de-obra feminina no fabrico de charutos, constatamos também
inúmeras vezes, ao longo da odisseia, a presença da mulher no comando das operações.
Por isso é que em 1971, vamos encontrar Dona Dalva, como era conhecida por todos, à frente da empresa Viúva
Marinaldo A. Souza, instalada à Rua Albérico Fraga, 214, no centro de Muritiba. Charutos simples, de torcida miúda,
feitos à mão por 30 operárias.
Naquela época, ainda sem grandes óbices ao comércio charuteiro, havia espaço – e consumidores – para charutos
de preços mais acessíveis, à sombra do outrora enorme guarda-chuva que abrigava as marcas populares.
Especialmente porque os charutos Ideal eram 100% naturais, não usando papel alcaçuz ou fumo homogeneizado
para as sub-capas, prática que estava sendo consagrada pela Suerdieck, a maior produtora nacional. Tal diferencial
combinado com custos fixos quase nulos permitia à Ideal, um cômodo nicho no mercado.
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Mas, como é compreensível, o relativo sucesso da empresa, acabou por atrair atenções de dois empresários de São
Paulo, Sasa Marcus e Roberto Nardi que vislumbraram a oportunidade de desenvolvimento do negócio. Algo
semelhante ao acontecido com o novo empresariado charuteiro baiano, no começo do corrente século.
É quando surge em 31 de julho de 1986 a empresa Manufactura de Charutos Ideal Ltda, tendo como sócios os
citados empresários, sem experiência anterior no ramo, mas que pelos seus relacionamentos no mercado sulista,
esperavam ampliar as vendas. Dona Dalva, não mais proprietária, lá continuou sua labuta, como gerente.
Terceiro ato
Gisela Suerdieck compra em 1986 a tradicional fábrica Suerdieck nas mãos da Melitta, negociação que tive o ensejo
de acompanhar de perto.
Sabendo da tendência declinante do mercado interno, como forma de assegurar-se nossa maior participação, sugeri
comprarem-se a Ideal e a Pimentel, ideia abraçada por Gisela Suerdieck a qual, em realidade, sonhava e agia para se
converter na única produtora de charutos no Brasil. Tanto que, certa feita, me confidenciara sua intenção de vir, um
dia, sentar na principal cadeira da Menendez & Amerino.
Fui incumbido dos contatos e gestões junto a Desidério Tobias, controlador da Pimentel e aos sócios proprietários da
Ideal. As negociações correram quase em paralelo.
Assim é que em fevereiro de 1987, Gisela Suerdieck compra os ativos da fábrica Pimentel, seu fundo de comércio e
marcas, bem como o direito à distribuição no mercado paulista. Valor da operação: 500 mil dólares. De tal quantia,
30% foram pagos a vista e o restante acordado para 12 prestações mensais. A Pimentel contava com 140
empregados, produzindo 60 distintas variedades e marcas, boa parte exportada para a Alemanha.
A superintendência da fábrica, a exemplo do que ocorria com a da Suerdieck, passou à minha responsabilidade e a
direção técnica foi assumida por Fernando Fraga.
Afastei-me do grupo em maio de 1989 e Fernando Fraga em 1998, quando fundou a Chaba – Charutos da Bahia Ltda,
em Alagoinhas.
A denominação social da empresa foi mudada para Pimentel Indústria de Charutos Ltda, adotaram-se os métodos de
produção da Suerdieck, modernizaram-se as embalagens mantendo-se as cores verde e amarela, reduziu-se para 22
a quantidade de marcas para o mercado interno.
Para dinamizar os negócios, em setembro 1987, realizaram-se em Muritiba, grandes festividades pelo transcurso dos
50 anos da empresa. Lembro-me ainda de duas, das muitas faixas alusivas ao evento.
Um charuto emprega muita gente, dois charutos empregam muito mais.
A alegria do fabricante de charutos é ver seu produto pegar fogo.
Quanto à Ideal foi adquirida em janeiro de 1988, pelo contravalor de 62 mil dólares, pagáveis em quatro parcelas
mensais, a partir de maio do referido ano. O imóvel onde se localizava a fábrica não entrou na negociação. As
operações fabris lá foram mantidas, ao início, sob contrato de locação.
Os estoques de fumos e materiais de embalagem da Ideal orçavam em 851 mil cruzados e seus ativos fixos em 954
mil. Os empregados da Ideal foram indenizados e, aos poucos, admitidos na unidade da Pimentel.
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Último ato
Por questões estratégicas, entre elas a tentativa de se manter uma aparente concorrência, as empresas Suerdieck,
Pimentel e Ideal foram mantidas juridicamente separadas. As vendas da Ideal passaram a serem feitas por
intermédio de representantes comerciais; as da Pimentel foram confiadas à rede de distribuição atacadista da
Suerdieck.
A identidade visual das marcas das duas fábricas foi refeita. As formulações padronizadas e unificadas, com vistas a
se alcançarem ganhos na escala de produção. Os charutos das linhas de combate vinham semiprontos da fábrica da
Suerdieck em Maragogipe, onde eram produzidos à máquina, sendo distribuídos para receberem a capa e os
acabamentos finais nas unidades da Pimentel e da Ideal.
Graças a tais aquisições, em 1988 – quando os negócios de charutos populares estavam declinando, ano após ano –
a Suerdieck conseguiu, em relação a 1985, aumentar suas vendas físicas em 17,8 %.
Passado o tempo, vejo que a padronização da produção das marcas não fora, sob o aspecto comercial, uma boa
ideia. O mercado logo reconheceu ser tudo farinha do mesmo saco, como se diz vulgarmente. Os produtos das
fábricas adquiridas haviam perdido suas identidades.
Os fatos transcorreram rápidos. Com as vendas decrescentes, não mais valia a pena manterem-se duas unidades de
fabrico. Em finais de 1989 foi desativada a produção da unidade de Muritiba. A produção das marcas da Ideal e da
Pimentel foi transferida para Maragogipe. Até 1992, ano em que a unidade produtora desta última cidade também
foi fechada, levando-se tudo para Cruz das Almas.
Do prédio da Pimentel em Muritiba restam ruínas, melhor dizendo, só a parede frontal.
Assim, dez anos antes da bancarrota do Grupo Suerdieck (1999), as fábricas Pimentel e Ideal se foram de roldão.
Em 2009 intentei colher testemunhos de Renato Julião dos Santos e Dalva Souza, que bem conheciam os passados
das suas respectivas fábricas. Tarde demais. Ambos haviam falecido.
Caíra o pano. Acabara a odisseia charuteira muritibana.
__________________________________________
Ascensão e queda de um gigante
A poesia tem a propriedade de muito dizer, com poucas palavras. O poeta feirense ANTÔNIO ALVES DA SILVA
produziu o cordel “Centenário da Chegada ao Brasil de August Suerdieck”, trabalho inserido nas comemorações daefeméride, em 1988.
Com leveza e simplicidade, o cordelista transcorreu inspirado, sobre a vida da empresa. Em homenagem à cultura
popular nordestina, selecionei algumas estrofes, transcritas neste capítulo e noutras partes do livro.
Em paralelo, para não entediar os leitores com a mesma remissão sucessiva, registro que além de pesquisas em
outras fontes, como principal manancial e elo condutor deste capítulo, devidamente autorizado, me vali da obra
inédita Suerdieck, Epopeia do Gigante, de UBALDO MARQUES PORTO FILHO. A este estudioso e autor baiano cabem,
portanto, os méritos maiores de parte das informações capturadas, que a seguir narrarei, embora minha leitura dos
fatos possa haver levado, em alguns casos, a conclusões e considerações distintas.
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Mais uma anotação, agora de cunho ortográfico. Assim como Bahia se escreve com a letra “h”, o nome da cidade-
palco dos principais acontecimentos narrados, contrariando a regra de se grafarem com a letra “j” palavras de
origem tupi, não se escreve Maragojipe e sim, Maragogipe. Respeitemos a tradição.
Vamos à odisseia.
Os dois irmãos
Foi em mil e oitocentos
E oitenta e oito; então
Que AUGUST SUERDIECK
Pisava em nosso torrão,
Com esperança na alma
E fervor no coração.
De uma firma na Alemanha
SUERDIECK era empregado.
Nesse ano, a Cruz das Almas
O mesmo fora enviado
Pra fiscalizar o fumo
Que ali era enfardado.
A firma na Alemanha à qual o cordelista se refere, que contratara August para fiscalizar o enfardamento de fumos,
fora F. R. Ottens. Quatro anos após sua chegada, vencidas as naturais dificuldades, tendo se acomodado com armas
e bagagens, bem como dominado o idioma e os segredos da atividade, o imigrante August Wilhelm Suerdieck,resolve trabalhar por conta própria.
Funda a firma Aug. Suerdieck, vindo em 1894 adquirir imóveis nos quais instala seu armazém. Sentindo-se só em
terra estranha, decide por chamar seu único irmão Heinrich Ferdinand, quinze anos mais moço, para ajudá-lo.
Foi em mil e oitocentos
E noventa e nove; então
Que chegava na Bahia
FERDINAND, um seu irmão
Para ajudá-lo na empresa
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De fumo e exportação.
Ano seguinte ainda solteiro aos 40 anos e tendo o irmão para cuidar da empresa, August parte em viagem de
saudades e negócios a seu país, quando conhece Hermine Meyer, então com 23 anos. Volta casado. Do casamento
não resultaram filhos.
Como a empresa prospera, para facilitar as compras de fumo, abre sucursais em diversos pontos do Recôncavo e sefamiliariza com os fabricos de charutos da região.
Por sugestão do irmão, resolve ingressar neste negócio, fundando em 1905 a firma individual A. Suerdieck. Entrega a
Ferdinand o comando da nova empresa, instalando-a em prédio alugado, situado no cais da cidade de Maragogipe.
August ficou tomando conta dos armazéns e da exportação, bem como se voltava para plantios próprios,
procurando apurar a qualidade dos fumos para capas de charutos. Era o que gostava de fazer.
O ponto de partida foi uma unidade com 3 homens e 2 mulheres, produzindo 500 a 600 charutos por dia. A opção
por Maragogipe foi óbvia. A cidade se transformara num centro charuteiro, havia mão-de-obra treinada e sua
localização na quase foz do rio Paraguaçu, permitia fácil escoamento da produção, rumo à Capital.
Os primeiros charutos fabricados chamavam-se Simples, nºs 1, 2 e 3. Ano seguinte são registradas na Junta
Comercial do Estado da Bahia, as primeiras marcas, Aurora, Nobreza, Cataflor, Caboclos, Vencedores, Fidalgo e Amor
Perfeito.
Em 1907, conseguindo abrir espaço no florescente mercado charuteiro, a empresa se instala, em prédio próprio, na
Praça da Matriz. Regra da época, além do pessoal que atuava diretamente no fabrico, contava com o trabalho feito
em casas particulares, totalizando 40 operários e atingindo os 200 mil charutos anuais.
Em 1908, as atividades dos dois irmãos são reconhecidas na Exposição Nacional do Rio de Janeiro. Os charutos, sob o
comando de Ferdinand, com Medalha de Ouro. Os esforços para melhoria da qualidade da cultura do fumo, sob abatuta de August, com Grande Prêmio.
Um homem de sorte
Penso que, em momento de comemoração familiar, pela euforia do bom sucesso e das perspectivas que se abriam,
Hermine, mulher de August, deva ter dado a ideia para que seu irmão, Karl Ludwig Rudolf Gerhard Meyer, viesse
trabalhar no Brasil. O fato é que o mesmo chega a Maragogipe em 1909, aos 22 anos de idade, vindo logo a ser
nomeado procurador da empresa.
A organização segue crescendo, mudando-se no ano a seguir para prédio bem maior, na Ladeira da Praça, onde
funcionara o cine-teatro da cidade. A fábrica, com cerca de 200 empregados, ultrapassara a casa do primeiro milhão
de charutos anuais.
Em 1914, início da Primeira Guerra Mundial, fundem-se as firmas Aug. Suerdieck (fumos) e A. Suerdieck (charutos),
surgindo Suerdieck & Cia, formada pela sociedade entre os dois irmãos. É nomeado o primeiro distribuidor, na
capital do Brasil, Rio de Janeiro, o maior centro consumidor de charutos da época. Tratava-se da firma John Jurgens
& Cia, alterada em 1926 para Jurgens & Goldschimidt.
Ano seguinte, com 700 empregados, é ultrapassada a barreira dos 4 milhões de charutos anuais, dos quais a quartaparte foi consumida no Rio. Em 1917 chega a vez de São Paulo ter seu distribuidor Suerdieck, sendo nomeada a
empresa J. Straus & Cia.
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Em decorrência da Primeira Guerra, advém significativa redução dos trabalhos, posto que os charutos feitos com
capas claras importadas tiveram que deixar de ser fabricados por falta de matéria-prima. Findo o conflito,
regularizadas as importações, o ritmo da produção volta a subir, chegando logo a 10 milhões de charutos anuais.
Em 1919 acontece a primeira greve reivindicatória dos empregados, em busca de melhorias salariais. Conquistaram
um reajuste de 10%.
Sendo necessário mais espaço para a manufatura, ao lado de onde funcionava a fábrica no antigo cine-teatro,
separado por uma via estreita, a Rua das Flores, é construído outro prédio. Os dois conjuntos foram interligados por
uma passarela que o povo batizou por “ponte da Suerdieck”. No frontispício da mesma, ainda se lê, em alto relevo, o
número 1920, referência ao ano da construção. A inauguração aconteceu em 10 de janeiro de 1921.
Daí até 1931, mercados são conquistados, mas vidas são perdidas.
O primeiro comandante da Suerdieck, Ferdinand em viagem de férias, vem a morrer na Suíça em 1923 na plenitude
dos 47 anos, sem deixar descendentes. Para reconstituir a sociedade, August convida Gerhard Meyer quem, de fato,
administrava a fábrica.
Em 1925 a produção atinge os 18 milhões de charutos anuais, são 1.100 empregados.
Em 1928, realizado, feliz e satisfeito da vida, August Suerdieck, completados 35 anos de Brasil, mantendo-se sócio da
empresa, decide voltar para sua pátria. Não teve muito tempo para usufruir a aposentadoria. Morre em 1930, aos 70
anos. A viúva Hermine, que se tornou sócia da empresa, resolve permanecer na Alemanha. Um ano depois a morte
também a surpreende aos 54 anos.
Ante tais fatídicos acontecimentos, Gerhard Meyer deparou-se com uma situação atípica.
Como único sócio remanescente, à frente de uma produção de 25 milhões de charutos anuais, mortos os fundadores
da sociedade sem deixarem herdeiros, tinha em mãos um patrimônio valioso.
A par disto, Gerhard fincara raízes na Bahia. Pouco depois que chegara em 1909, se envolvera em dois
relacionamentos. Do primeiro resultara um casal; do segundo, um filho. Mais na frente viera a se apaixonar por
outra maragogipana, operária da fábrica, Tibúrcia Pereira Guedes. Deste casamento resultaram cinco filhos entre os
anos 1918 e 1924: Geraldo, Susana (que veio logo a falecer), Nicolau, Wolfgang e Fernando.
Portanto, se a exemplo de outros tantos imigrantes, Gerhard pensasse um dia voltar para seu país, que esquecesse.
Tinha atrás de si uma descendência para cuidar. Era hora de arregaçar as mangas, tocar o barco e assumir o leme da
empresa.
Como primeiro passo, em finais de 1930, para garantir o uso da marca, incorporou o nome Suerdieck em sua
assinatura empresarial, conforme facultava a legislação brasileira. Comercialmente passava a assinar Gerhard Meyer
Suerdieck. Neste mesmo ano a energia elétrica chegava a Maragogipe. Gerhard teve parte importante nisto. Era o
primeiro presidente da Companhia Maragogipana de Eletricidade.
Depois, quando da morte de sua irmã Hermine em 1931, Gerhard toma uma segunda decisão importante. Adota a
cidadania brasileira. Dá sorte, pois sem poder prever, tal medida no futuro, quando da Segunda Guerra Mundial, irá
servir de escudo, para si e para a empresa, contra as perseguições aos alemães. A sociedade foi então recomposta,
tendo como sócios controladores o casal Meyer e, minoritariamente, o antigo empregado Karl Friedrich Horn.
Em 1932, os precursores da epopeia da empresa são homenageados pelo poder público municipal de Maragogipe. A
Ladeira da Praça e a Rua das Flores, têm suas denominações mudadas, respectivamente, para ruas August Suerdiecke Fernando Suerdieck. Interessante notar que, para o primeiro, se manteve a grafia original, August, enquanto que
para o segundo, em vez de Ferdinand, se usou a forma aportuguesada Fernando. O porquê seria pelo fato do mais
jovem dos filhos de Gerhard Meyer chamar-se Fernando?
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Ano seguinte é construído mais um prédio, contíguo ao da Ladeira da Praça, com três andares e vastos salões.
Dois anos depois é aberta outra fábrica, desta feita em Cruz das Almas, gerenciada por Johann Schinke. Havia então,
2.000 empregados e produziam-se 40 milhões de charutos anuais. Corria o ano de 1935, quando se comemorou o
30º aniversário dos charutos Suerdieck. A tal altura a empresa dispunha de serviços de creche e consultório médico.
Pelo transcurso da efeméride foi impresso na Alemanha, um catálogo institucional ilustrado. No dito, encontrável no
Arquivo Público Municipal de São Félix, a par de outras informações, são reproduzidas as 45 marcas fabricadas, quais
sejam, respeitada a grafia de então: Perfeitos, Persianos, Cata-flor, Petiscos, Invencível, Baronezas, Suerdieck nº 1,
Suerdieck nº 2, Caprichosos, Vencedores, Fidalgos, Record Grosso, Record Lançado, Record Fino, Esplanada,
Cesários, Iracema, Valência, Caboclos, Odalisca, Índios, Viajantes, Florinha, Sadda, Princezas, Coreana, Holllandezes,
Hamburguezes, Prima Dona, Três Estrellas, Flor de Cintra, Ouro de Cuba, Beira Mar, Banqueiros, Regalia Fina, Boas
Festas, Brazil, Pequena Flor, Políticos, Médios, Finos, Flor, Extra, Havanezes e Garantidos.
Anota-se ainda, no breve retrospecto histórico constante da acima citada publicação, que em nenhum instante foi
mencionado o nome de Ferdinand Suerdieck. Apenas o de August. Teria sido pelo motivo, segundo o autor PORTO
FILHO, confessado pela mãe de August e Ferdinand ao morrer, de ser Ferdinand irmão de August, apenas pelo lado
materno, ou seja, que não fora um Suerdieck de sangue?
Mas, deixemos as questões de família de lado e prossigamos.
Em 1936 o nome Gerhard Meyer Suerdieck que vinha sendo usado para fins comerciais há 5 anos, é reconhecido
civilmente. Assim, o sobrenome Suerdieck foi estendido à sua mulher Tibúrcia e aos filhos do casamento. Nova filial
é inaugurada, desta feita na cidade de Cachoeira, tendo como primeiro gerente Conrad Grave.
Os negócios prosperando, dois anos após, a sede da empresa é transferida de Maragogipe para Salvador.
Em 1939 o sócio Karl Horn, aproveitando-se da conjuntura política internacional, intenta um plano para se apropriar
da sociedade. Denuncia Gerhard Meyer ao nazismo, como traidor, por haver renunciado à cidadania alemã. Mas,
Gerhard era homem de sorte. Havia dois dias que partira da Alemanha, onde se encontrava em viagem de negócios.
Chegando ao Brasil, seu primeiro ato foi intimar Karl Horn a se retirar da sociedade, comprando suas quotas.
Vingado, resolvia também a incômoda questão política local, devido à participação de um sócio alemão. A Suerdieck
transformava-se numa empresa autenticamente brasileira. Mais uma vez a sorte conspirara a favor de Gerhard.
Fosse nos dias de hoje, por certo ele acertaria na Mega-Sena.
O terceiro comandante
Em 1940 a produção atinge a casa dos 50 milhões de charutos e são comprados os prédios onde funcionara a fábrica
Vieira de Mello. Em 1942, logo após a declaração de estado de guerra contra as nações do Eixo, Geraldo o filho mais
velho de Gerhard, que fora educado e treinado para substituir o pai, é admitido na empresa na qualidade de sócio,
passando gradativamente a assumir o comando da organização. Vai ao Rio de Janeiro e reformula a distribuição
local. De olho nos lucros da comercialização, em sociedade com August Goldschimidt – sócio da anterior
distribuidora – e do amigo Kurt Stumm, funda a Distribuidora de Charutos Suerdieck Ltda, para atender os mercados
do Rio e Belo Horizonte.
Outrossim, por contar com técnicos alemães em cargos de chefia, a Suerdieck teve que administrar inúmeros
conflitos internos. Pressionada por tal conjuntura adversa, resguardou-se na legislação promulgada, requerendo a
demissão dos funcionários de nacionalidade alemã, permissão concedida e cumprida em junho de 1943. Todos
foram substituídos por brasileiros natos. Por certo que a colônia alemã residente na Bahia, não passou a ver o velho
Gerhard com bons olhos. Tratava-se, entretanto de uma questão de sobrevivência.
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Em tal momento a Suerdieck se transformara na empresa charuteira líder no mercado nacional, seguida pela fábrica
Costa Penna. A Dannemann, embora fosse a maior de todas, concentrava seus negócios no mercado externo.
Em 1946 os outros três irmãos de Geraldo Suerdieck, Nicolau, Wolfgang e Fernando são admitidos na sociedade, a
qual no ano seguinte, com vistas a aumentar o aporte de capital imprescindível à expansão dos negócios, se
transforma em sociedade anônima, sob a denominação Suerdieck S/A – Charutos e Cigarrilhos.
Interessante registrar que a última palavra da nova razão social, em diversas fontes aparece escrita no feminino.
Talvez por cochilo dos revisores. Os dois termos - cigarrilhos e cigarrilhas - existem, havendo uma diferenciação
técnica entre ambos, que passa despercebida, gerando confusão.
Cigarrilhas – vocábulo mais conhecido - são produtos com diâmetros em torno de 8,5 a 9,0 mm e pesos por milheiros
não ultrapassando 2,5 kg. Exemplos de marcas Suerdieck que eram cigarrilhas: Arpoador, Nina e Palomitas.
Cigarrilhos, também ditos charutilhos, - termos pouco usados - são produtos de diâmetros na faixa de 10 a 13 mm e
pesos por milheiros na faixa de 3,0 a 4,2 kg aproximadamente. Exemplos de marcas Suerdieck que eram cigarrilhos:
Beira Mar Finos e Copacabana.
Não sei do motivo pelo qual haja sido preferida a palavra menos usual. Talvez se estivesse antevendo o futuro, hoje,
quando pelas limitações de espaço e tempo para se fumarem charutos, a tendência dos consumidores venha
descambando para aquilo que os norte-americanos denominam small-cigars. Em bom português, charutos
pequenos, charutilhos, cigarrilhos.
Pois bem, constituída a sociedade anônima, o patriarca Gerhard assumiu a presidência, ficando na vice, Geraldo o
filho primogênito.
Em 1949, dado à paralisação, um ano antes, da Dannemann de Maragogipe, é comprado o prédio da mesma, local
onde a Suerdieck instalou sua fábrica de caixas.
Em 1950 Maragogipe contava com 20 mil habitantes, dos quais 3 mil trabalhavam na fábrica; Cruz das Almas tinha
menos que 6 mil habitantes, dos quais 500 eram operários da Suerdieck e Cachoeira contava com 27 mil habitantes,
dos quais 400 estavam empregados na fábrica local.
A empresa atinge os 100 milhões de charutos anuais, com 3.900 operários (80% mulheres), 90 marcas distintas, 18
mil metros quadrados de área edificada, escritório em Salvador, serviços de compra e enfardamento de fumos em
Maragogipe, Cruz das Almas, São Félix, São Gonçalo dos Campos e Santo Antônio de Jesus e fábricas de charutos em
Maragogipe, Cruz das Almas e Cachoeira.
Tanto sucesso teve um contraponto pesaroso. A morte do patriarca Gerhard. Seu filho e sucessor natural, Geraldo
Meyer Suerdieck assume de direito, aquilo que vinha desempenhado de fato, o comando da empresa.
A vida não para
Ainda em 1950 são constituídas a Exportadora de Fumos Suerdieck S/A e a Sociedade Agro Comercial Fumageira
Ltda. Esta última, a seu início, visando o cultivo e o aperfeiçoamento genético dos fumos escuros nativos.
Reminiscência do que fizera o fundador August Suerdieck, nos primórdios da organização. Em 1952 a Agro como era
conhecida, passa a se dedicar, com sucesso crescente, ao plantio de fumos claros para capas de charutos. No augeda sua produção agrícola, anos 80, atingiu a expressiva área plantada de 450 hectares.
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Como veremos, a vida da Agro se atrelou à da Suerdieck e seu insucesso virá ser a gota d’água que transbordará o
copo dos problemas empresariais. O comando da Agro ficou sob responsabilidade do mais jovem dos irmãos,
Fernando Meyer Suerdieck, o qual 33 anos mais na frente, será desbancado de sua cadeira. Coisas da vida.
Mas, nem tudo eram flores.
A Suerdieck editava, desde 1949, boletins institucionais trimestrais. No nº 12, ano 1951, toma-se conhecimento que
a empresa enfrentava problemas com transporte e nas áreas comercial e de abastecimento de energia.
Eis a essência de ditas preocupações. [] Não queremos nos referir ao péssimo sistema de transporte por vias férreas
ou estradas de rodagem, que se observa em todos os Estados do norte, principalmente no interior, pois é fato que
ninguém ignora. O que desejamos frisar é a deficiência do transporte marítimo entre os Estados do norte e do sul.
Durante a última conflagração mundial, dezenas de navios brasileiros foram sacrificados e a lacuna deixada pelos
mesmos, além de não ter sido devidamente preenchida, mais se acentua, porque, as unidades restantes, na sua
maioria, encontram-se em péssimo estado [] Nossas fábricas, já por diversas vezes estiveram na iminência de cerrar
as suas portas, por falta de uma ou outra matéria-prima [] se algumas vezes a embalagem e o acabamento dos
nossos charutos não obedecem à apresentação normal, fazemos tais modificações absolutamente forçados []
ultimamente temos embalado alguns dos nossos charutos em caixas de papelão, exclusivamente por falta de
transporte marítimo [] (pela dificuldade que havia em receber as a madeira para as caixas, proveniente de Santa
Catarina) [] A contínua irregularidade no fornecimento de energia elétrica, tem causado prejuízos ao bom
andamento de nossa produção []
No Relatório da Diretoria que acompanhou o Balanço Geral de 1951, lê-se [] no decurso do ano transato a produção
foi parcialmente prejudicada por efeito da continuada alta do preço dos materiais, bem como pela elevação das
despesas com transporte e impostos.
Nesta época, visando reduzir custos, a organização opta por mecanizar as linhas de produção de seus charutos de
maior vendagem. Malgrado as adversidades, chega em 1954 no patamar de 150 milhões de charutos
comercializados no mercado nacional. Tinha então, 3.400 empregados em suas três fábricas, mais 700 quetrabalhavam nos armazéns de fumo. Ainda neste ano é formada outra distribuidora. Desta feita na cidade de Porto
Alegre.
Ano seguinte é comemorado o cinquentenário da Suerdieck dando-se início à construção do edifício-sede, na Cidade
Baixa, centro comercial de Salvador de então, que irá ser inaugurado em 1956. Com o fechamento das fábricas Costa
Penna e Dannemann, beneficiou-se a Suerdieck, elevando sua produção para mais de 170 milhões de charutos.
Aumento que agora, olhado à distância, se computarmos a importância das empresas que haviam fechado, vê-se ter
sido muito pequeno.
O mercado nacional estava, na realidade, encolhendo. Tanto que em 1957 a direção da Suerdieck reconhece pela vezprimeira, queda nas vendas, registrando [] os efeitos da violenta elevação do custo da mão-de-obra no segundo
semestre de 1956, fizeram-se sentir no decorrer do primeiro semestre de 1957, quando a inevitável elevação do
preço do produto manufaturado acarretou a diminuição das vendas []
O aumento de preços funcionava como cortina de fumaça. Ocultava a verdadeira causa, qual seja a mudança nos
hábitos dos consumidores. Não deixava perceber que, tendo os principais concorrentes falido, algo de anormal
acontecia. Quem estava mergulhado no processo até o pescoço, mesmo que se apercebesse do fenômeno, virava-
lhe as costas agarrando-se de unhas e dentes ao negócio, na esperança de melhores dias. Isso costuma acontecer.
Em 1958 as dificuldades no transporte por cabotagem continuam [] mantemos no sul do País, em Itajaí, Estado de
Santa Catarina, as nossas serrarias onde são fabricadas as caixinhas para acondicionamento de charutos, material
indispensável à nossa indústria e que se encontra há meses, se avolumando naquele porto, a espera de transporte
para Salvador, por absoluta falta de navios [] a situação de nossa indústria é [] vexatória [] séria ameaça de
paralisação temporária de nossas atividades []
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Para complicar o cenário, nos anos a seguir, a marcha da inflação irá contribuir para o empobrecimento gradativo
das classes da pirâmide social que consumiam a quase totalidade do dos charutos produzidos pela Suerdieck.
Muda o curso da história
Também em 1958 chega ao Brasil, aos 22 anos de idade, Gisela Hedwig Franziska Huch, que viera assumir o cargo de
secretária da Exportadora de Fumos Suerdieck S/A e que passou a ser o braço direito de Geraldo Suerdieck, em
questões internacionais. Outra personagem que, como veremos, irá gravar seu nome na história da empresa.
Passa-se algum tempo. A Suerdieck volta-se para a produção de charutos cilíndricos (1960), tendência mundial de
fabrico menos complexo, em substituição aos de formato de bojo (figurados) que reinaram por cinquenta anos e
arremata em hasta pública, imóveis, equipamentos e máquinas que foram da Dannemann (1961).
Agora, dispensando questões mais íntimas e para entendimento de futuros acontecimentos, resumo detalhes da
vida privada.
Geraldo Suerdieck desquita-se de sua primeira mulher Aída Ribeiro, vindo a casar com Gisela Huch na Bolívia. Da
união nasceu o casal de gêmeos, Dino e Guisinha (1966), cujos nomes de batismo foram, respectivamente, Geraldo
Andreas Meyer Suerdieck e Gisela Elizabeth Huch Suerdieck. O novo casamento durou menos que cinco anos. Com a
separação, Gisela manteve o direito em continuar usando o sobrenome famoso e de permanecer na Europa, como
procuradora dos interesses locais da Suerdieck.
Ainda em 1966 é fechada a fábrica de Cachoeira. Com o intuito de diversificar o negócio, via produção de cigarros, é
formalizada uma associação com o grupo inglês Carreras Limited, que assume 50% do controle acionário da
Suerdieck. Como é compreensível, o dinheiro resultante da venda das ações ficou em mãos dos acionistas, não
ingressando nos cofres da companhia. Irá fazer falta mais na frente, como veremos. Para Geraldo Suerdieck, então ocontrolador da companhia, deve ter representado valioso reforço nas suas finanças pessoais, por certo combalidas
por seu primeiro desquite.
Dois anos depois, o grupo inglês conclui não haver espaço no mercado cigarreiro nacional, dado ao crescimento
avassalador da Souza Cruz. Desiste da associação e, deduzo que calcado em questões contratuais, requer o
ressarcimento dos investimentos que realizara. A empresa – leia-se Geraldo Suerdieck - se vê em palpos de aranha.
De onde tirar os recursos para tanto? Como recompor o capital social? As vendas haviam diminuído 8% em relação
a 1967. Resultados: endividamento e primeiro ano no qual a companhia apresenta prejuízos.
A partir de 1969 as coisas começam a se agravar. Nova queda das vendas em 14%, escassez de capital de giro,traduzida pela falta de matérias-primas, atrasos no pagamento de salários e fornecedores.
O jornal maragogipano ARQUIVO, abril de 1970, bradava [] Suerdieck desde o ano passado vem enfrentando sérias
dificuldades [] atraso no pagamento salarial [] não satisfaz o recolhimento do Imposto de Circulação à Fazenda []
Desde o princípio do mês a fábrica parou, mandando seus operários para casa a título de gozar férias vencidas [] Não
há lembranças de ocorrência igual nestes setenta anos []
O JORNAL DA BAHIA, em 1971 denunciava [] Maragogipe é [] cidade com a vida econômica transtornada pela crise
da [] Suerdieck [] o financiamento de seis milhões de cruzeiros, liberado [] ano passado, de que a companhia recebeu
[] metade, não resolveu o problema de [] 800 operários [] eles estão agora há oito semanas sem receber o salário
semanal, que é de 26 cruzeiros []
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O quarto comando
Nos quatro anos que se seguiram Geraldo Suerdieck bateu em todas as portas, peregrinando em busca de recursos
para re-equilibrar o negócio e manter o nível de empregos na região, preocupação que sempre o acompanhou vida a
fora. Cacoete herdado dos tempos em que empregar muita gente era símbolo de prestígio empresarial.
A situação se deteriorava. A falência era iminente. Não podendo honrar compromissos bancários, para atender a um
deles, em 1974, a empresa teve que entregar vários pavimentos do edifício-sede. O ativo fixo começava a escoar
pelo ralo.
Empréstimos emergenciais ou financiamentos nunca iriam resolver o grave déficit estrutural. Seria necessário um
parceiro em condições de injetar capital na empresa. Neste momento, emerge a figura de Gisela Suerdieck,
procuradora na Europa, intermediando negociações com o Grupo Mellita-Werke Bentz & Son, ao qual a firma August
Blase Zigarrenfabrik GmbH pertencia.
Geraldo Suerdieck não tinha a menor condição de estabelecer condições posto que, a tal altura se tornara refém da
empresa August Blase, credora de adiantamentos de recursos para a Suerdieck, por conta de futuras vendas.
Resumo do drama. O Grupo Mellita assumiu todos os avais e passivos empresariais, recebendo em contrapartida acessão gratuita das ações da família Suerdieck que, então, saia do cenário sem compensações financeiras ou
patrimoniais. Excetuaram-se a firma exportadora de fumos e a Agro Fumageira. Era fevereiro de 1975.
Agora, sob o quarto comando na linha histórica, Peter Hermann Wimmer representando os novos proprietários,
assume a presidência da empresa. Geraldo Suerdieck permanece como diretor industrial, na condição de
empregado.
As questões financeiras foram equacionadas. Mantiveram-se os problemas mercadológicos aos quais vieram se
associar outros, de cunho organizacional.
Entre as tentativas para viabilizar e soerguer os negócios foram intentados vários caminhos.
Com vistas a minimizar os custos das linhas combate, foi suspensa a linha de fabricação de fumo homogeneizado,
que era usado nas mesmas como capote, substituindo-o por papel alcaçuz.
Incrementou-se a operação conhecida como draw-back, ou seja, recebiam-se charutos semi-acabados, produzidos
mecanicamente na Alemanha, para aqui serem capeados à mão e retornarem ao exterior. Lá eram embalados e
comercializados, com a inscrição Hand-made in Brazil.
Priorizou-se a fabricação de marcas para terceiros, entre eles Zino Davidoff.
Tanto o sistema de distribuição tradicional, quanto a segmentação regional de charutos, foram abolidos,padronizando-se o abastecimento nacional em torno das mesmas marcas e instalando-se uma filial comercial em
São Paulo.
Em 1981 a empresa August Blase é incorporada pela Dannemann Zigarrenfabrick GmbH a qual, por decorrência,
assume o lugar daquela na Suerdieck, transformando-se na nova sócia majoritária.
Ano seguinte Peter Wimmer é substituído na presidência da empresa, pelo tcheco naturalizado brasileiro, Eugênio
Saller que, morando em São Paulo, passou a administrá-la à distância. Na fabricação era representado pelo
plenipotenciário superintendente Rudolf Fraunhofer. Ambos, na verdade, nada entendiam do ramo fumageiro.
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Em 1983, o cargo de diretor industrial é eliminado. Geraldo Suerdieck é afastado em definitivo da empresa, que fora
a razão da sua vida durante 41 anos. Neste mesmo ano é inaugurado, com festividades, um escritório da companhia,
na praia do Farol da Barra, em Salvador. Tentava-se tapar o sol com a peneira, encobrindo os reais problemas.
Entre as muitas medidas inapropriadas, tomadas por R. Fraunhofer, que corriam pelos bastidores da empresa, houve
uma antológica. Pensando fazer bom negócio, determinou a compra em Santa Catarina, de 3.000 fardos de um tipo
de tabaco, de preço bem inferior aos da Bahia e Alagoas. Só que o superintendente desconhecia que tal fumo era
exclusivo para cigarros, não servindo para charutos. O material inservível mofou e apodreceu em um dos muitossalões, já então ociosos, da fábrica de Maragogipe.
Em consequência dos disparates e, como ninguém mantém negócio para não ganhar dinheiro, o Grupo Mellita,
transcorridos onze anos de tentativas frustradas, decide se desfazer da Suerdieck.
Completando o quadro das desilusões, houvera sido suspenso um contrato de exportação, correspondente a um
milhão mensal de cigarrilhas feitas à mão, que garantia a operação da fábrica de Cruz das Almas, levando ao
fechamento desta.
Assim, em 1985, a Mellita saneia financeiramente a empresa, que vinha acumulando sucessivos prejuízos, e reduz a
quantidade de empregados.
Neste ano a produção caíra para os seguintes patamares:
Charutos mercado brasileiro: 6,3 milhões de unidades.
Charutos exportação: 7,4 milhões de unidades.
Cigarrilhas mercado nacional: 5,0 milhões de unidades.
Cigarrilhas exportação: 14,0 milhões de unidades.
Fumos para cachimbos: 11,2 mil quilos.
Fumos desfiados: 7,4 mil quilos.
Os 6,3 milhões de charutos vendidos no mercado nacional estavam distribuídos em 66 marcas, 121 embalagens
distintas. Apenas 6,0% correspondiam a charutos premium.
O derradeiro comando
Gisela Suerdieck retornara ao Brasil em 1978 quando, por indicação de seu ex-marido Geraldo, que lhe
proporcionara meios, assume uma das diretorias da Agro Comercial Fumageira. Graças a seu perfil dinâmico e
arrojado, aumenta as exportações dos fumos plantados pela sociedade e, cinco anos após, com apoio de
financiamento externo, se torna acionista majoritária, assumindo a presidência. Seu ex-cunhado, Fernando
Suerdieck, que até então administrara a Agro, é afastado. Infeliz coincidência. Também em 1983, como vimos,
Geraldo Suerdieck fora desligado da fábrica de charutos.
Dado seu amplo círculo de relacionamentos no Exterior e no Brasil, Gisela se mantinha informada dos sucessivos
acontecimentos com a Suerdieck. Aguardava o momento certo para entrar no ramo dos charutos.
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Simplifiquemos o desenrolar das negociações com o Grupo Melitta, com vistas à transferência de propriedade da
empresa.
Como se sabe a Suerdieck era uma sociedade anônima e como tal, a simples compra das ações da acionista
majoritária traria consigo um leque de acionistas outros, minoritários, que haviam confiado no futuro da empresa,
em seus tempos áureos. Isto não interessava a Gisela Suerdieck, que desejava ser a proprietária exclusiva.
Para contornar a questão legal, assim transcorreram os fatos.
A Mellita constituiu outra empresa, apenas no papel, também com sede em Maragogipe, denominada Empresa
Bahiana Manufatura de Fumos Ltda.
A seguir, alterou a denominação da Suerdieck S/A – Charutos e Cigarrilhos para Petima Industrial e Comercial S/A.
Mellita e Petima, na qualidade de vendedoras, celebram Instrumento Particular de Venda e Compra de Bens e Ativos
com Transferência e Sucessão de Estabelecimento Comercial, com a empresa citada no tópico 1, na qualidade de
compradora.
Gisela Suerdieck, com seu filho Geraldo Andréas compram as quotas da Empresa Bahiana Manufatura de Fumos
Ltda, mudando a denominação de tal firma para Suerdieck Charutos e Cigarrilhas Ltda (1986). A sede social da
empresa fica sendo em Maragogipe.
Em decorrência, noticiava a Revista EXAME [] Gisela Suerdieck assumiu a empresa depois de desembolsar uma
quantia mantida em sigilo por cláusula contratual []
Tendo eu acompanhado a operação e dela participado como executivo representante da compradora, conheço o
valor e as condições de pagamento. Não as revelo em respeito ao sigilo contratual. Posso, todavia registrar que
Gisela Suerdieck fizera um bom negócio. A empresa estava saneada e seus ativos valiam mais que o valor
contratado.
Permaneci na organização até inícios de 1989. Em tal espaço de tempo Gisela Suerdieck também se torna
proprietária das fábricas Pimentel e Ideal, sediadas em Muritiba. Participei diretamente de tais transações.
Em 1988, mais precisamente no mês de julho, o quadro funcional era de 490 empregados, assim distribuídos:
Suerdieck Maragogipe: 252; Suerdieck Cruz das Almas: 126; Pimentel: 92 e Ideal: 20. Além destes havia também, 28
aprendizes nas Escolas de Treinamento de Charuteiras: 16 em Cruz das Almas e 12 em Muritiba. As vendas no Brasil
correspondiam a 7,4 milhões de unidades.
Dona GISELA, é porém
A responsável direta
Com todos seus auxiliares
Trilhando em busca da meta
Que é sempre a perfeição
Com uma linha correta.
Há trinta anos que ela
Também chegou juvenil
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Veio como secretária
Cheia de encantos mil,
Hoje comanda as empresas,
Suave, forte e gentil.
Baldados foram os esforços para soerguer a empresa.
Ao final de 1989, são suspensas as operações no pavilhão industrial de Muritiba.
Em 1992, Maragogipe deixa de ser o principal centro charuteiro. São abandonados os prédios que foram o palco
mais notável de toda a história. A produção passa a ser concentrada em Cruz das Almas.
Dois anos depois, tendo completamente arrefecido o grande mercado da Suerdieck, isto é, os charutos
intermediários e populares, num supremo esforço para marcar presença no mercado premium, é lançada a marca
Don Pepe. Sem resultados. A empresa Menendez & Amerino e os charutos importados, haviam ocupado todos osespaços.
Em 1995 soma-se aos problemas, uma completa frustração do plantio da Agro Fumageira. Segundo PORTO FILHO,
citado ao início deste capítulo, a causa foi atribuída a um violente ataque do fungo cercóspora, dizimando a
plantação. Há controvérsias, nunca esclarecidas, pois as plantações de fumo sempre conviveram com a cercóspora.
Alguns dos meus entrevistados, gente dos bastidores técnicos, entendem que a origem do problema estaria no fato
que, visando reduzir custos do plantio, a empresa cometera o suicídio de mandar baratear as formulações dos
adubos e defensivos.
Independente de qual tenha sido a causa, decorre total descapitalização do grupo comandado por Gisela Suerdieck,
a qual em 1997, ante a conjuntura pré-concordatária e com sinais precoces da doença de Alzheimer, é levada para a
Alemanha, onde permanece até hoje. Seus filhos Gisela Elizabeth e Geraldo Andréas assumem o comando da
empresa.
Em 1998, informação constante do trabalho “Bahia – Exportações de Charutos” do Departamento de Promoção
Comercial do Ministério de Relações Exteriores registrava que a Suerdieck se encontrava em processo de
concordata, acumulando dívidas em torno de U$ 20 milhões.
Na véspera do Natal de 1999, contando com apenas com 100 empregados, acontece o fechamento definitivo da
Suerdieck. A Agro Comercial Fumageira criada para disponibilizar no Brasil outros tipos de capas de charutos e que,
por muito tempo financiara as operações das fábricas de charutos do grupo, terminou por ser a gota d’água daqueda da organização. A praga que devastara a safra de 1995, associada às dificuldades posteriores de obtenção de
financiamentos para plantio, o descompasso entre a receita em dólares e os custos em reais, provocaram
irrecuperável desequilíbrio financeiro que desembocou no fechamento da empresa.
Golpe final
A bem do claro entendimento deve ser anotado que os fabricantes, nas poucas vezes que davam e dão a público,
informações sobre a quantidade de unidades produzidas, costumam englobar num só número, os charutos e as
cigarrilhas, também unificando produtos destinados aos mercados doméstico e externo.
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Os dados relativos aos anos de 1988 e 1985 atinentes às vendas da Suerdieck são raridade. Disponho dos mesmos
em decorrência da minha atividade profissional na companhia. Igual preciosidade é a estatística das vendas do 2º
semestre de 1954.
Analisemos tais números, na medida permitida pelos detalhes fidedignos existentes.
Falemos de 1954.
No 2º semestre deste ano, as vendas da Suerdieck no mercado doméstico alcançaram 74.683.463 unidades
(charutos e cigarrilhas). Isto permite inferir, com reduzida margem de erro, que o mercado doméstico em 1954,
consumiu algo aproximado a 150 milhões de unidades Suerdieck. Rio de Janeiro e São Paulo juntos consumiam dois
terços deste total, ou seja, 100 milhões de unidades. Quanto à cor das capas, 40,7% eram escuras e 59,3% claras.
Falemos de 1985.
Em 1985, último ano da gestão do grupo Mellita, as vendas da Suerdieck, no mercado nacional, totalizaram6.264.614 unidades, distribuídas em 121 opções.
Consideremos agora, os dados referentes a 1988.
O leque das 93 opções que a Suerdieck ofertava ao mercado nacional em 1988 permite as seguintes leituras:
58 eram formuladas com 100% tabaco. As demais, justamente as de maior vendagem, utilizavam papel alcaçuz como
capote.
68 eram formuladas com capas claras e 25 com capas escuras. A participação dos itens de capas escuras caíra para
26,9% das vendas do mercado doméstico.
Sintetizemos, a seguir, as vendas pelos respectivos grupos:
Cigarrilhas: 1.506.370 unidades em 9 opções.
Charutilhos: 640.560 unidades em 10 opções.
Charutos Linha Nobre (Premium): 106.710 unidades em 24 opções.
Charutos Linha Intermediária: 628.170 unidades em 27 em opções.
Charutos Linha Popular: 4.497.585 unidades em 23 opções.
Foram, pois 7.379.395 unidades, consumidas pelo mercado nacional. Excluindo-se as cigarrilhas, o montante de
charutos alcançou 5.870.025 de peças.
Comparemos os anos 1985 e 1988.
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Nota-se que, no decurso deste triênio, as vendas da companhia, reagiram positivamente em 17,8%, graças a seus
esforços de marketing e por haver açambarcado os mercados da Pimentel e da Ideal.
Deve-se, entretanto observar a expressiva queda nas vendas domésticas de charutos da linha nobre. Em 1985 foram
377.621 charutos, 6,0% do total. Em 1988 a cifra equivalente despencou para 106.710 unidades, 1,8% do total, o que
atesta a dificuldade que a Suerdieck enfrentou em suas tentativas de se posicionar neste segmento.
Simples comprovação de que a companhia sempre fora voltada para produção de charutos intermediários e
populares, os quais não alcançavam o mercado do topo da pirâmide, não encontrando espaço nas lojas
especializadas de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Comparemos agora 1954 e 1988.
A conta é fácil. Dos 150 milhões de unidades comercializadas no mercado interno em 1954, as vendas despencaram
para 7,4 milhões em 1988. Em 35 anos uma queda de 95%.
Aliás, e para encerrar, havendo sido a marca Suerdieck registrada por determinado empresário, no início do presente
século, o mesmo tentou relançá-la. Não obteve a menor receptividade mercadológica. Desistiu do intento.
Golpe final na marca que, no Brasil, fora símbolo de sucesso e sinônimo de charuto.
__________________________________________
A primeira Premium
Escrever este capítulo foi mais fácil. Além de eu conhecer a história da Menendez & Amerino, ainda vivem seus
fundadores, sócios e ex-sócios, dirigentes e ex-dirigentes. Isto permitiu resgatar um quadro mais completo epormenorizado, sem ter que muito recorrer a pesquisas externas.
Bom teria sido se, no passado, para preservação da memória charuteira nacional, algo semelhante houvesse sido
feito, a respeito dos demais fabricantes.
Dando tratos à bola, com meus alfarrábios e a ajuda da testemunha ocular Félix Menendez, charuteiro de invejáveis
conhecimentos, tentarei recapitular a odisseia da primeira fábrica premium do Brasil.
Como ponto de partida, esclareço que a palavra premium, que comparece neste capítulo e em outras partes deste
livro, trata-se de termo internacional que conceitua charutos da linha nobre. Produtos consumidos pelo topo da
pirâmide social.
Erro de perspectiva
Conheço o baiano, safra-1930, Mário Amerino da Silva Portugal desde 1965, quando vim morar na Boa Terra.
Emérito contador de casos, memória privilegiada, imbatível usuário do telefone, refinado gourmet, bom de copo e
papo, amante das artes, incansável defensor dos fumos baianos, escrevemos a quatro mãos, agradabilíssimos
momentos. É verdade, que também tivemos nossos arranca-rabos. A tudo isto se somou vivências profissionais
conjuntas, nos ramos das indústrias de tintas, da cerâmica refratária, do açúcar e do tabaco. Em 1976, os charutospassaram a se misturar com nossas vidas.
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Mário Portugal sucedeu seu pai, Amerino Simões Portugal (1898-1948), na atividade da compra, beneficiamento e
enfardamento de fumos da Bahia e de Alagoas. A par de outros negócios, desde a morte de seu genitor, sempre se
manteve à frente da exportadora Amerino Portugal S/A – Comércio e Indústria.
Os Menendez, filhos do patriarca Alonso Menendez (1895-1965) que se consagrara com as famosas marcas
Montecristo e H. Upmann, haviam saído de Cuba em 1960, por força da revolução, exilando-se em Espanha onde
fundaram a Companhia Insular Tabacalera, nas Ilhas Canárias.
Assim como os pioneiros da Suerdieck e da Dannemann, Mário Portugal nutria o sonho de produzir charutos. De tal
ideal, vindo a conhecer Benjamin Francisco Menendez y Toraño, nasce a fusão de interesses, que resultou na
empresa Menendez Amerino & Cia. Ltda. Foram sócios fundadores, além dos citados Benjamin e Mário, Luiz Alberto
Brandão Gomes e eu, bem como a firma Amerino Portugal S/A (1977).
A partir deste momento, para elaborar o projeto econômico-financeiro de implantação da fábrica, passei meses a
fio, ouvindo de Benjamin Menendez, as particularidades e segredos do negócio. Foi quando e com quem, comecei a
conhecer charutos.
Em 1978 se inicia o treinamento da mão-de-obra, sob supervisão do mestre charuteiro cubano Evélio Oviedo e
chegam ao Brasil, para se integrarem ao empreendimento, Alonso Menendez e Arturo Eliseo Toraño,respectivamente, irmão mais velho e tio de Benjamin Menendez.
Em 1979 aporta na Bahia, Félix Ramon Menendez y Toraño, outro dos irmãos, que virá se converter no capitão e elo
condutor da empresa até os dias correntes.
Neste mesmo ano, a revista VEJA vaticinava [] com 85 empregados [] Menendez Amerino [] voltada para a
exportação, com pouquíssimos clientes no mercado nacional [] tem uma ambiciosa meta [] mercado mundial de
charutos [] mais do que uma opção, essa estratégia talvez seja [] única saída para a indústria nacional de charutos []
O JORNAL DO BRASIL registrava [] São Gonçalo dos Campos nunca produziu charutos, aspecto considerado positivo []
ensinada a técnica a pessoas que nunca tinham feito charutos, as baianas aprenderam rápido [] várias delas já
conseguem fazer 1 mil e duzentos charutos por semana [] 26 não são operárias da fábrica, mas aprendizes do Centro
de Treinamento Profissional mantido pelo 35º B.I. []
Agora, uma digressão importante.
Devo elucidar o significado de três termos que podem ser desconhecidos por leitores não afeitos ao mundo dos
charutos: long-fillers, short-fillers e bunches.
Um charuto é composto por uma mistura de fumos na parte interior, o miolo ou bucha, revestida por uma primeira
folha de fumo, o capote e, depois, por outra, a capa. Quando o miolo é feito com folhas de fumo inteiras, os
charutos são chamados long-fillers. Se produzido com fumos picados, chamam-se short-fillers. Quanto à palavra
bunches, significa os charutos semi-acabados, ou seja, aqueles que ainda não receberam a capa.
Continuemos, portanto.
Ao ser implantada, a Menendez importou diversas máquinas. Seguia a tendência das fábricas do exterior, onde a
mão-de-obra, cada vez mais cara, fora substituída por equipamentos projetados para produzir charutos long-fillers,completos ou semi-acabados.
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Sabe-se que para charutos short-fillers isto era prática que, há muito, aqui se utilizava. A própria Suerdieck a adotara
em meados do século passado.
[] muitos anos atrás a maior parte dos charutos era feita à mão; hoje, todo processo tornou-se altamente
automatizado [] pressões externas como a crise do petróleo, explosões salariais, taxas de câmbio desfavoráveis,
aumento das taxas governamentais, [] como resultado a atenção foi voltada para a área interna, investimento
maciço em mecanização, automatização, racionalização e simplificação [] (STONE, 1983).
Além do mais, a Menendez ao ser concebida, embora não descartasse o mercado interno, tinha como objetivo
principal, altos volumes para exportações adequando, assim, sua planta fabril a este propósito.
Como os Menendez nos anos 60/70, haviam logrado êxito nas Ilhas Canárias, aproveitando o espaço do mercado
norteamericano, originado pelo embargo imposto aos charutos cubanos – sua empresa exportava mais de 80% da
produção para os Estados Unidos (marca Montecruz) - imaginou-se que, montando uma unidade no Brasil,
semelhantes resultados seriam alcançados.
Houve, porém, um detalhe, um erro ótico, em termos temporais e mercadológicos. Esqueceu-se que haviam
transcorrido quase 20 anos e que a tal altura, o mercado norteamericano estava suprido por inúmeros fabricantes,
sediados fora de Cuba. Boa parte, pelas próprias empresas americanas que controlam a distribuição e tinhammontado bases para produzir charutos, em outros países. De início em Jamaica e República Dominicana e, a seguir,
em Honduras e Nicarágua.
Isso explica a razão pela qual, apesar dos esforços empreendidos, a Menendez não se deu bem com uma nova e
desconhecida marca, naquele que foi o mercado-alvo da sua instalação. Sem contar que ali a distribuição é
fortemente controlada por empresas do ramo charuteiro, as quais não tinham, como continuam não tendo,
interesse em distribuir produtos de outros fabricantes. A exceção ficou por conta dos anos 1996/98, quando a
Menendez exportou 4 milhões de charutos para os Estados Unidos, mesmo assim, sob marca de propriedade de
terceiros. Cessado o boom, acabaram as exportações.
Mudança do foco
Voltemos à maquinaria inicial. Foram importadas, entre outras, duas máquinas de produção de long-fillers, uma de
short-fillers, mais duas para colocar os anéis dos charutos e revesti-los com celofane.
Aí começa a história do ovo e da galinha. Instalada a empresa, montadas as máquinas, necessitava-se dar partida ao
processo. Como é lógico, antes de se tentarem exportações, havia que treinar mão-de-obra e, tão importante
quanto, comercializar os charutos que eram fabricados. Começava-se, então pelo alvo número dois, o mercado
nacional.
Não sendo possível preparar charuteiras sem a matéria-prima básica, o tabaco, recorreu-se à produção de charutos
short-fillers para o treinamento. Os bunches eram maquinados e o capeamento manual, justamente para treinar
aprendizes. A Menendez tinha uma única exigência para admitir as operárias, qual seja, que nunca houvessem
trabalhado na manufatura de charutos. Motivo: a técnica construtiva do capeamento era distinta das demais
fábricas brasileiras. Operárias com experiência diversa poderiam, a qualquer descuido, executarem o trabalho da
forma aprendida antes. Isso não interessava à nova empresa.
Surgiram, então, os charutos El Pátio (long-fillers) e São Gonçalo (short-fillers). Os primeiros da chamada linha
premium. Os segundos, de preços mais reduzidos, no intento de escoar os produtos acumulados em função dotreinamento. Os El Pátio foram bem recebidos, pois representaram grande novidade para os consumidores
brasileiros.
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Quanto aos charutos São Gonçalo, sendo de cunho e preço mais populares, necessitavam de meios massivos de
vendas, não se movimentando pelo canal que havia sobrado para a Menendez, as tabacarias.
Vale registrar que a empresa tentara nomear distribuidores atacadistas. Sem resultados. As portas estavam fechadas
por compromissos assumidos com Suerdieck e Pimentel, que então dominavam o mercado. É fato que a opção de
vendas diretas às tabacarias, funcionou como um atrativo, vez que, e isto era inédito, as mesmas passavam a
comprar diretamente da fábrica e não através de intermediários.
Aproveitou-se a adversidade, usando-a como argumento comercial. Na fixação dos preços, montou-se uma equação
para que fábrica e tabacarias dividissem o lucro da operação atacadista, figura eliminada da cadeia, por força das
injunções. Ganhando mais, vendendo charutos da Menendez, as lojas deixavam de lado as marcas concorrentes.
Mais na frente, em 2004, tendo desaparecido a Suerdieck e a empresa esperando aumentar sua participação do
mercado, passou a nomear distribuidores atacadistas. Sem poder mexer nos preços finais, teve que sacrificar sua
lucratividade em cerca de 15%.
Retomemos o fio da meada.
O sucesso dos charutos premium El Pátio, se deveu tanto à qualidade, quanto ao discurso adotado estrategicamente
pela nova empresa.
Viviam-se tempos do mercado proibitivo às importações. Charutos estrangeiros eram raridades e, quase sempre,
oriundos de contrabando. A empresa assume, como slogan, o que realmente praticava, Técnica cubana pelas mãos
de brasileiros. Marca, aí uma linha divisória entre o antes e o depois, na história dos charutos baianos.
Atraia as atenções da imprensa, por ser o único novo fato do setor no século passado e martelava nas distintas
características da sua manufatura.
Pormenor não abordado pelos outros fabricantes chamava a atenção, para o fato de serem long-fillers; enaltecia afeitura da cabeça (bico) dos charutos; garantia que não bichavam, por serem previamente congelados, processo
então não usado pelas fábricas nacionais; demonstrava a rigorosa seleção cromática dos charutos de uma mesma
caixa. Em resumo, oferecia ao mercado, estagnado há muitos anos e carente de novidades, um produto honesto
amparado em um discurso sedutor.
Tanto que a GAZETA MERCANTIL, em 1980, registrava [] a Menendez [] trouxe uma técnica nova [] e hoje todos os
fabricantes brasileiros a estão adotando []
Os primeiros anos não deixaram de ser difíceis. Neles a empresa chegou a acumular estoque de meio milhão de
charutos. Como o mercado nacional, não os absorvia, representava custos, que se transformavam em prejuízos.
Mesmo assim, a pioneira premium não desanimou. Preocupada em lançar um produto diferenciado, não só na
técnica da manufatura, como também na questão gustativa, passou a se dedicar ao plantio de uma variedade de
fumo oriundo de sementes cubanas.
Qualidade diferenciada
Neste entretempo, a empresa lançou as novas marcas premium, Amerino e Garcia D’ávila, enquanto aumentava a
coleção de bitolas dos short-fillers São Gonçalo. As duas primeiras para dificultar a entrada no mercado, de similares
nacionais concorrentes.
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Havendo alcançado bons resultados nos plantios experimentais, virou manchete na imprensa. A televisão brasileira
deu sua parcela de contribuição, a custo zero.
Em 1981 eram lançados os charutos Alonso Menendez.
Dizia a revista VEJA [] Não foi fácil essa façanha, orgulha-se Benjamin Menendez, 45 anos [] é fabricado a partir de
sementes cubanas e é com esse trunfo que [] espera arremessar o Alonso Menendez rumo ao sucesso [] no Brasil opreço do charuto será alto: uma caixa com 25 unidades custará 10.000 cruzeiros, duas vezes mais que a mais cara da
Suerdieck, sua principal concorrente []
Ecoava o JORNAL DA BAHIA [] Após 4 anos de insistentes pesquisas Menendez Amerino [] logrou encontrar []
condições [] sob orientação técnica de D. Arturo Toraño [] está sendo colhido um fumo idêntico ao original [] este
sucesso permitiu [] um charuto de alta qualidade [] ao qual denominou Alonso Menendez, em homenagem ao
patriarca da tradição fumageira da Família Menendez, o criador da famosa marca Montecristo.
Prossigamos.
É preciso assinalar que também contribuiu para a expansão do número de marcas e bitolas, o fato que, nos anos 80,
os preços dos charutos estavam submetidos à autorização do CIP – Conselho Interministerial de Preços. Naquele
período, reflexo da importância pretérita, os charutos faziam parte da cesta de produtos que mais influíam no custo
de vida. Em 1981, com o percentual de 0,2315% no grupo dos Serviços Pessoais e de 0,0319% no Global. Oxalá, tanto
fosse verdade! Os fabricantes conseguiram, mais adiante, excluir os charutos da cesta, comprovando que os índices
não mais representavam a realidade.
O Governo tentava controlar a inflação monitorando os aumentos de preço dos produtos que compunham a cesta.
Ante tal quadro, restava às fábricas a alternativa de dar um tratamento cosmético a seus produtos, retirando-os dedeterminada marca, e abrigando-os em outra linha de produção. Nestes casos, por serem tidos como produtos
“novos”, o CIP não podia interferir nos preços de lançamento. Os empresários devem saber lidar com as regras do
jogo, usando-as a seu favor. Por sinal, fora eu o economista que levantara e defendera a questão.
É ainda verdade que a existência de várias marcas premium funcionava, para a Menendez, como outro fator positivo
a seus propósitos, no campo da qualidade diferenciada. Resolvia o problema decorrente de charutos, bem
construídos, mas que não apresentavam padrão cromático compatível com o da linha respectiva. Foi por isso, entre
outros casos, que ao lançar a marca Marília & Dirceu em duas bitolas, pouco tempo após, ditos tamanhos
integravam a marca Garcia D’ávila, de preço inferior. Eram simplesmente as descargas da linha Marília & Dirceu.
Fortalecendo suas marcas premium El Pátio, Amerino e Alonso Menendez, a empresa foi acrescentando novas
bitolas às mesmas, com charutos short-fillers. Em paralelo, dado à melhoria da qualidade da mão-de-obra, foi
extinguindo os itens da linha popular São Gonçalo, transferindo-os para as marcas de maior valor comercial. Por isso
houve um momento no qual, por exemplo, a marca El Pátio abrigou além de 4 bitolas long-fillers, outras 4 de
charutos short-fillers.
Com a saída da marca de combate São Gonçalo e para melhor aproveitar a capacidade ociosa da máquina de
produzir short-fillers, a empresa lançou a marca Nick Cameroun. Cigarrilhos em carteiras de papelão com 5 unidades.
Não recorria, porém ao capeamento maquinado. Por uma razão simples. Não podia dispensar as charuteiras
treinadas, a qualquer oscilação das vendas para menos. Os Nick Cameroun funcionavam como termômetroregulador da ocupação da mão-de-obra.
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Como ficou visto várias foram as imposições que levaram ao quadro da rápida diversificação de marcas e expansão
de bitolas. Isto, todavia, ia de encontro ao objetivo primordial da companhia: produzir em quantidades expressivas
uma só marca, com número reduzido de diâmetros, o que justificaria o uso da maquinaria importada.
Produção 100% manual
A complexa equação na qual se viu envolvida levou a Menendez a abandonar o sistema de produção maquinada debunches, passando a produzir os charutos, inteiramente à mão. As máquinas foram abandonadas em 1985.
Permaneceram encostadas por onze anos, quando foram vendidas a uma empresa holandesa. Além das máquinas
de produzir charutos, seguiram as de colocar anéis e celofane, vez que também não serviam à configuração da
produção, à qual a empresa teve que se submeter, por força das circunstâncias (multiplicidade de marcas e bitolas,
com reduzidos volumes de produção).
Para resolver a questão do envoltório de celofane, não utilizado nos charutos El Patio no primeiro momento, mas
para atender exigência das tabacarias nacionais, passou a usar bolsas de celofane que, por não haver produção no
país, eram importadas. Em 1995, a Menendez incentivou uma indústria mecânica paulista, a fabricar máquina
apropriada para tanto. Da referida máquina, há apenas dois exemplares. O primeiro adquirido pela empresa e ooutro pela Fábrica de Charutos Leite e Alves Ltda. Ambas têm servido, inclusive, para abastecer fábricas
concorrentes.
Voltemos à narrativa.
Em 1981 a empresa passa a contar com Fernando Meyer Suerdieck, conhecedor do plantio de fumos especializados
como ninguém. Apesar de não ser sócio, mas graças à sua larga experiência, é nomeado diretor-presidente.
Permanece no exercício do cargo até 1989, ano da sua morte.
Em 1982 o JORNAL DO BRASIL registrava [] argumenta o Sr. Alonso Menendez, diretor de vendas, que enquanto o
mercado interno se retrai, há uma expansão do mercado externo []
Eu, em relatório de trabalho, informava que [] as vendas no Brasil se encontram estacionárias, mas melhoraram um
pouco em qualidade, pois enquanto em 1981 a proporção entre long-fillers e short-fillers foi de 64/36, neste ano
está na casa de 70/30 [] a marca Alonso Menendez, ora representa 32% do total de todas as marcas []
Em 1983 a empresa voltou a ofertar charutos short-fillers, marca Copacabana. Não porque pretendesse maiores
negócios no Brasil. Tal produto foi mantido no mercado doméstico, enquanto perdurou um contrato de exportação
para os Estados Unidos. Suas vendas aqui, nada representavam em ônus à companhia, colaboravam para fortalecera imagem do negócio, ocupavam espaços nas tabacarias e de quebra, atordoavam a concorrência. Outra marca, essa
de charutos premium exportada para a Bélgica, Dom Pablo, também e por iguais motivos, foi oferecida por poucos
anos ao público brasileiro.
Em 1984, com o nome Maxim’s de Paris em alta, tendo inaugurado sofisticado restaurante no Rio de Janeiro, a
Menendez lançou, sob licença, esta marca de charutos. Permaneceu pelo tempo da moda da referida grife. Neste
mesmo ano, o sócio Benjamin Menendez se afasta do dia a dia da empresa, indo trabalhar na companhia norte-
americana General Cigar Company. A direção técnica foi, a partir daí, assumida por Félix Menendez.
Fernando Suerdieck, em relatório interno, deixou registrado, ainda em 1984, [] quanto às vendas internas, estas
merecem uma avaliação constante com o objetivo de elevá-las, o que poderá ser facilitado pela carência de charutos
bons no mercado, principalmente devido aos problemas enfrentados pelas fábricas concorrentes [] o grande sucesso
da Suerdieck, nos bons tempos, era em parte devido às vendas internas, que representavam aproximadamente 95%
do total []
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Como o mercado não cresce na razão da quantidade de marcas oferecidas e aumentando a preferência pelos
charutos Alonso Menendez, a empresa aos poucos, foi descontinuando a produção das marcas Amerino, El Pátio,
Marília & Dirceu e Garcia D’Ávila.
Aliás, a questão da reduzida elasticidade do mercado charuteiro, por mim sempre entendida, foi causa de muitos
arranca-rabos que mantive com Mário Portugal. A outra eram as promoções comerciais no sul do país, que Alonso
Menendez e eu promovíamos ações que Mário depreciativamente, chamava oba-oba. Isto até setembro de 1985,
quando cansado dos desentendimentos com o idealizador e mentor financeiro da empresa, resolvi me afastar.
Depois fizemos as pazes. Botei minha viola no saco e fui cantar noutros lugares. No Mercado Modelo, em Salvador,
vendendo charutos para turistas e, dois meses após, na Suerdieck, em Maragogipe.
Houve outra experiência, finais dos anos 80, inícios dos anos 90, quando a Menendez intentou, sem resultados
favoráveis, a comercialização de charutos premium, produzidos somente com fumos Mata Fina. A marca era Dona
Flor. A embalagem aparentava charutos populares. Retirou-a do mercado.
Em 1990 foi a vez de Alonso Menendez desligar-se da empresa, transferindo residência para os Estados Unidos.
Cinco anos após, Benjamin Menendez, já residindo no exterior desde 1984, se afasta do quadro social e seu irmão,Félix Menendez, passa à condição de sócio. Mais um ano e a empresa Amerino Portugal S/A também se retira,
entrando em seu lugar Maria Del Carmen Menendez Toraño, irmã de Félix. Em 1992, volto aos quadros da
Menendez.
Em 1997 a companhia passa também a se focar na compra, beneficiamento e exportação de tabacos, instalando filial
na cidade de Conceição da Feira. A rigor, a nova atividade se constituiu numa sucessão operacional da firma Amerino
Portugal S/A. O fato, além de ter contribuído para aumento da receita via exportações, dispensou a compra junto a
terceiros, da maior parte dos fumos necessários ao processo.
Reviravoltas e Caixa Preta
As coisas permanecerem em tal compasso até o ano 2000, quando o capital é duplicado com o ingresso de novo
sócio. O aumento de capital foi subscrito pela empresa Cibahia – Tabacos Especiais Ltda, representada pelos irmãos
José Henrique e Francisco Barreto, os quais assumiram direção comercial e o suporte financeiro da Menendez.
Na revista MARKETING, em 2000, José Henrique Barreto, conceituava as diretrizes da nova sócia [] uma de nossas
características mais importantes é a pró-atividade [] e não [] ficar reagindo aos acontecimentos do mercado.
Velocidade, criatividade, trabalho em equipe, [] a preocupação em atender às exigências do consumo são traços
fortes em nossa administração []
Por iniciativa da nova direção comercial e financeira, a empresa dá uma reviravolta no posicionamento
mercadológico. Os tempos ainda eram favoráveis ao setor fumageiro, no que se refere à permissão da propaganda.
A empresa refaz totalmente o visual da marca Dona Flor, sua formulação e, com intenso trabalho de marketing, a
relança com sucesso. Voltava-se ao que Mário Portugal criticava, chamando oba-oba, 15 anos antes. Os
consumidores de charutos apreciam novidades e, com o passar do tempo, a fidelização a determinada marca,
passou a ser raridade. Fácil entender. Há uma cada vez maior gama de produtos de variadas origens, sendo
oferecida a um mercado muito restrito.
Em pouco tempo os charutos Dona Flor desbancam a liderança dos Alonso Menendez, firmando-se como a marcanacional premium de maior destaque.
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Nomes femininos para charutos, que haviam sido praxe em finais do século 19 e inícios do século 20, voltam à cena.
Por força da marca Dona Flor aparecem no mercado, inúmeras outras com nomes de mulheres. Todas como é
natural, tentando se valer dos dividendos e disputar a hegemonia conquistada pela Menendez.
Em 2004, ante à significativa presença da fábrica LeCigar, com seus charutos 100% Mata Fina, de preços mais baixos
decorrentes do benefício fiscal proporcionado pelo sistema SIMPLES, a Menendez a exemplo do que tentara antes,
volta a produzir uma linha semelhante. Foram os charutos Aquarius que não conseguiram se firmar e, aos poucos,
tiveram sua produção descontinuada.
A outra reviravolta na vida empresarial aconteceu em 1999, quando a Menendez diversifica o negócio, focando-se
no segmento das cigarrilhas.
A Souza Cruz houvera abandonado o mercado, com o fechamento de sua unidade Inducondor, na cidade de
Petrópolis. Ficara um vácuo a ser preenchido, pois a marca St. James, líder nacional de cigarrilhas, deixara de ser
produzida.
Após gestões de Mário Portugal junto à companhia cigarreira, a Menendez adquire a maquinaria, por algo ao redor
de meio milhão de reais, transferindo-a para São Gonçalo dos Campos. Em paralelo, obtém licença para produção da
marca St. James, que volta a ser produzida em 2000, juntamente com o lançamento das cigarrilhas Gabriela. Nestemesmo ano, Joaquin Velasco Menendez, sobrinho de Félix, é contratado para gerenciar o novo setor de fabricação.
Em 2004 foram lançadas as cigarrilhas Dona Flor. Em 2007 a marca St. James é substituída pelas cigarrilhas Vip. Em
2009 a empresa introduz no mercado as cigarrilhas Macbeth, primeira versão nacional usando filtro de carvão
ativado e, segundo fontes oficiais, se prepara para comercializar outros produtos neste segmento.
Falemos agora de quantidades, a caixa preta dos fabricantes em geral.
Nestes seus primeiros 30 anos de existência, a empresa comercializou no mercado doméstico 20 milhões de
charutos. Para o exterior foram exportados 10 milhões, dos quais 4 milhões, por decorrência de exportações quando
do boom norteamericano.
Quanto às cigarrilhas, nos oito anos em que se dedica à produção das mesmas, a Menendez comercializou no
mercado nacional, 33 milhões de unidades.
Esta é, em rápidas, mas precisas pinceladas, a odisseia da Menendez & Amerino, de suas origens aos dias correntes.
Sua história continua sendo escrita. Quem viver verá.
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Diletantismo charuteiro
A Bahia tem de tudo. Até baiano com nome de alemão.
Enquanto Gerhard, Ferdinand, Johann e Adolf da odisseia charuteira, abrasileiram-se para Geraldo, Fernando, João e
Adolfo, o ilustre personagem soteropolitano deste capítulo, foi batizado e sacramentado com o nome Arend Becker.
Bonachão, do tipo de cabelos, olhos e configuração facial que não traem sua ascendência, perfil dos irrigados a
muitos chopes, camisa sempre fora da calça, sandálias, à primeira vista parece ser um daqueles gringos que
costumam visitar nossas fábricas, para verr como fazerr charrutas. Ledo engano. Domina o idioma paterno, mas éum falante bem baiano.
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Becker, nome pelo qual é conhecido no mundo do tabaco, senhor de sonora e inconfundível risada, sempre tem
casos para contar sobre sua atividade, em seus mais de setenta anos de vida. Mas isso, agora não vem ao caso.
O fumo corre nas veias do notável germano-brasileiro. Seu avô trabalhava em Bremen, na Alemanha, em
armazenagem de fumo. Seu pai, no fluxo migratório em direção à Bahia, que tantos alemães nos trouxe e que fazem
parte da epopeia tabaqueira, cá chegou aos anos 20 do século passado. Naturalmente para trabalhar naquilo que, à
época, era o grande negócio baiano, beneficiamento e exportação de fumos.
Becker, quando menino em Salvador, vivia pelas bandas do Rio Vermelho, Homem feito, outro não poderia ser seu
destino, a não ser seguir a saga da família.
Em 1964 se torna um dos fundadores da firma Tabacos Matas da Bahia Ltda, em Cruz das Almas.
Declara Becker *+ com o que havia de melhor de cada safra anual, produzíamos os chamados “charutos de
enfardador” *+ para provas e para obsequiar clientes, amigos, empresários *+ eram disputadíssimos *+
E, como quem mexe com fumo, por quase imposição e decorrência, fuma e acaba mexendo com charutos, lá está
nosso Becker, em meados dos anos 80, dando os primeiros passos na manufatura, produzindo a marca Tobajara, a
pedido de um cliente de fumos sediado na Alemanha. A coisa era um prazer pessoal. Exportava a produção e nonosso mercado, por certo, foram raríssimos os consumidores que se comprazeram com aquela regalia.
Becker sempre fez questão de preservar-se, não se consumindo com os misteres de um negócio que, quando muito
cresce, complica-se.
De charuto em charuto, finais dos anos 90, o mercado norte-americano explode. O famigerado e enganador boom. A
esta altura Becker se aposentara e descontinuara a exportação dos charutos Tobajara.
Foi quando, como outros empresários, Arend vislumbrou a possibilidade de bons negócios. Em sociedade com seu
amigo Horst Schweers, funda em 1997 a Manufatura Tabaqueira LeCigar Ltda, em Cruz das Almas.
Becker ainda se recusava à plena vida de aposentado, vendo o mar de Guarajuba sete dias por semana. Tendo
deixado para trás a casa da infância, morava pelas bandas do bairro da Pituba e, de lá, até aquela sossegada praia do
litoral norte baiano fora um passo.
Monta a nova fábrica de charutos para, dois dias por semana, ter o que fazer, voltar às suas raízes.
Ocorre que o desenrolar dos fatos não foi favorável para os fabricantes brasileiros que visavam os Estados Unidos.
Nem para a Menendez & Amerino a qual chegou a exportar, durante o boom, 4 milhões de charutos. Menos ainda
para a LeCigar.
Por outro lado, quem visa o mercado externo tem que, necessariamente e antes, organizar uma linha de produção eescoar os frutos do seu trabalho. Onde? Mercado nacional. Isso levou a LeCigar, enquanto intentava abrir os
herméticos canais de comercialização norte-americanos, a ingressar no mercado brasileiro.
Naquele momento, deu-se bem.
Em inícios de 1999, mudanças cambiais dobraram o valor do dólar tornando os charutos importados, caríssimos.
Abria-se uma brecha para os charutos premium nacionais, segmento ao qual Becker se dedicara.
Afora isso, a LeCigar aderira ao sistema fiscal do SIMPLES, o que lhe dava condição de competitividade, podendo
praticar preços mais atraentes que a concorrência. Chega a vender 400 mil charutos anuais no mercado doméstico.
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Mais ainda. Teste de degustação feito por uma revista masculina, colocava o charuto LeCigar no topo do ranking dos
melhores charutos brasileiros.
Mas, a vida de quem se propõe ao negócio de charutos é atribulada e cheia de imprevistos.
Pau que dá em Chico dá em Francisco.
Os fabricantes de produtos do tabaco sempre estiveram às voltas com interferências e ações oficiais restritivas à
atividade. Para variar, em 2007 são suspensos os benefícios do SIMPLES.
Como ninguém de bom juízo está aí para trabalhar sem resultados, é evidente que tal medida teve reflexos diretos
nos preços da LeCigar. Consequentemente, em suas vendas.
Becker - recorde-se a inspiração do negócio - não se afligiu.
Deixou o mar das atribulações da fábrica e voltou-se para o sossegado mar de Guarajuba.
Suas idas a Cruz das Almas tornaram-se mais escassas. Entregou a direção da empresa ao sobrinho, o arquiteto
Ricardo Becker, atual presidente do Sinditabaco/BA – Sindicato da Indústria do Tabaco da Bahia, a quem agora
compete tocar o barco da LeCigar.
A revista VEJA em 2002, registrava [] Quem melhor revela o espírito dos novos barões do tabaco é o empresário
Arend Becker, dono da LeCigar e filho de um alemão que veio para o país trabalhar com a produção de fumo. Antes
de ter a empresa atual, ele foi exportador e dono da marca Tobajara de charutos [] trabalha apenas um dia por
semana e passa o resto do tempo numa casa de praia, quando não está na Europa, passeando. "Divirto-me mais do
que trabalho" reconhece.
Diletantismo charuteiro.
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Correndo na frente
Do alto dos seus setenta anos, ele acumula mais de meio século nas lides com os fumos da Bahia, sendo um dos
decanos no presente cenário charuteiro nacional, em plena atividade.
Em 1957 imergiu no mar das folhas verdes que secam e morrem para dar prazer. Nele navega até hoje. Em tal
maratona, marinheiro de muitas viagens, andou todos os caminhos e enfrentou procelas, que o levaram a se
converter no ora, maior fabricante brasileiro de charutos deste começo de século.
Falo de Fernando Alberto Fraga, baiano nascido em São Félix, o qual muito antes de ser charuteiro de profissão, por
mais tempo que o necessário a uma aposentadoria, labutou com lavradores comprando fumos, palmilhou a região
fumageira do Recôncavo Baiano e contribuiu, com seus conhecimentos, para a magia do beneficiar tabacos.
Em seus dez primeiros anos de trabalho (1957/66) especializou-se na compra, seleção e fermentação dos fumos
Mata Norte. Nos vinte anos seguintes (1967/87), exerceu os mesmos misteres, voltados para os fumos Mata Fina e
Arapiraca.
Em 1987 é convidado para trabalhar na empresa Agro Comercial Fumageira. Recordo-me bem disto, fui o
intermediário do convite. Indo trabalhar na Agro, Fernando Fraga acrescenta a seu currículo, a experiência nomanejo dos fumos capeiros Sumatra e assume a direção do setor de beneficiamento e seleção dos mesmos. Em
paralelo, vem exercer a diretoria técnica das fábricas de charutos Suerdieck e Pimentel.
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Passa onze anos em tais ocupações. Em 1998, mirando o sombrio horizonte do Grupo Suerdieck, entende ser
chegada a hora de se afastar e partir para outra etapa profissional.
Como a companhia não dispunha de recursos para sua indenização, acorda desligar-se recebendo, em contrapartida,
além de duas máquinas, a titularidade das marcas de charutos Pimentel, Puro Bahiano, Ouro de Cuba, Índios,
Pimentillos, Don Pepe e das cigarrilhas Palomitas.
Fernando Fraga partia na vanguarda para ocupar os espaços nas linhas de produção de charutos intermediários e
populares, brecha que, fatalmente, se abriria no mercado, face o iminente insucesso da Suerdieck.
Opta por se instalar na cidade de Alagoinhas, onde mantinha raízes outras. Ao contrário das cidades do Recôncavo,
não tendo Alagoinhas nenhuma tradição no fabrico de charutos, leia-se mão-de-obra treinada, Fernando contrata e
desloca para lá, 18 operárias que formaram o núcleo embrionário do operariado local.
Estamos em 1999.
Nasce a Chaba – Charutos da Bahia Ltda. O cabedal de Fernando Fraga, associado à produção de marcas tradicionais
e conhecidas do mercado, facilitam os passos iniciais. Fatos que colocaram a empresa, em volume de produção, no
podium do nosso cenário charuteiro.
Por força de circunstâncias diversas, umas de cunho mercadológico, outras decorrentes dos óbices à atividade,
ajustes foram procedidos na linha de produção, ao longo dos últimos dez anos.
Os charutos Don Pepe, com os quais a extinta Suerdieck intentara em 1994, ampliar sua participação no mercado
premium, estavam contaminados com a aura do insucesso. Foram substituídos pela marca Brasil Autênticos.
A empresa também lançou vários de seus produtos em versões aromatizadas, além das tradicionais, atendendo
demandas específicas do mercado. Fortaleceu a marca Pimentel, abrigando na mesma, as bitolas dos antigos Ourode Cuba, Puro Bahiano e Pimentillos.
A Chaba atualmente oferece ao mercado três marcas de charutos, Brasil Autênticos, Pimentel e Indios, além das
cigarrilhas Palomitas, produtos que, no conjunto de bitolas e embalagens, totalizam 80 versões distintas aos
consumidores.
Fernando Fraga pontua [] cada dia está mais difícil [] as autoridades insistem em colocar cigarros e charutos na
mesma vala comum [] não nos concedem tratamento diferenciado [] as empresas cigarreiras são milionárias, ao
contrário dos fabricantes de charutos []
Apesar dos problemas, a Chaba fazendo história, segue sua caminhada.
Correndo na frente.
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Renascendo das cinzas
Coincidências da vida.
Tendo sido parte da história dos charutos baianos, o prédio em ruínas, que, por tantos anos, abrigara a primeira
fábrica Leite & Alves na cidade de Cachoeira, neste ano de 2009, depois de totalmente recuperado, mantendo a bela
característica arquitetônica externa, vai servir à difusão do conhecimento. Transformou-se em extensão do campus
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da Universidade Federal do Recôncavo. Irá abrigar os cursos de Arquitetura, Urbanismo, História, Hotelaria e
Antropologia.
Guardo a esperança que a primeira dissertação de mestrado do curso de História, em sinal de respeito ao passado
do magnífico edifício, tenha por tema algo referente à industria charuteira baiana.
A firma Leite & Alves aparece no cenário, em selos de cigarros, como continuação da Imperial e Antiga Fábrica de
Cigarros de S. Domingos de Niterói, RJ, em data imprecisa, durante o Segundo Império. Localizava-se no Largo de S.
Domingos, 23. Daí o nome da empresa.
Costumeiramente tem sido registrado que a fábrica teria se transferido para Salvador em 1881, sob o nome Leite &
Alves – Antiga Fábrica São Domingos. A rigor isto ocorrera no ano anterior. Tanto que a licença de funcionamento
da fábrica foi concedida em sessão da Câmara Municipal de Vereadores de Salvador, em sessão de 29/12/1880.
Afora isso, a unidade baiana foi de fato, uma filial da referida empresa. Tanto se comprova vez que nos rótulos dos
seus cigarros marca Minas Geraes, registrada em 1911, declara-se a existência de fábricas em Niterói e na Bahia.
Isto, aliás, consta explicitamente de requerimento feito à Junta Comercial do Estado da Bahia, em 21/09/1885, onde
se lê: [] Leite & Alves, negociantes e proprietários da Imperial e Antiga Fábrica de S. Domingos, estabelecida no Rio
de Janeiro e da qual é filial a que os suplicantes possuem nesta cidade, à Calçada do Bonfim, nº 95 [] (ARQUIVOPÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, Registros e Firmas 1841/1885).
Em 1922, a empresa publicava no jornal A TARDE, de Salvador: [] tendo o Governo Federal criado no corrente ano, o
proibitivo imposto de 30 réis, sobre os cupons que as fábricas de cigarros distribuíam a seus consumidores, com
direito a um brinde, cujo selo deverá ser colado no próprio cupom, além de um imposto de patente de Rs 500$000
anuais [] resolvemos, como os demais fabricantes do país, suspender esse bônus [] forçados por aquele inesperado
imposto []
Em 1936 transfere-se da capital baiana para Cachoeira. As empresas cigarreiras sulistas estavam causando danos aos
incontáveis fabricos locais de cigarros que não se modernizavam.
Como tendência natural de estar no Recôncavo Baiano – santuário das manufaturas da região – além de continuar a
produzir cigarros - focou-se no produto mais próximo dos mesmos, as cigarrilhas.
É quando, aproveitando a maquinaria, lança (1951) as cigarrilhas Talvis, que alcançaram enorme sucesso no mercado
brasileiro.
Tenho uma interpretação para o fato.
Os consumidores, em decorrência da aura conferida aos cigarros pela mídia da época, estavam migrando dos
charutos para a nova forma de consumir o tabaco e, de tal forma, sendo induzidos ao choque de trocar charutos porcigarros. As cigarrilhas compareciam, então, como patamar intermediário da transição. O sucesso foi de tal ordem
que, assim como o nome Suerdieck lembrava charutos, Talvis passou a evocar cigarrilhas. O oportuno slogan
publicitário, Talvez eu fume uma Talvis, ajudou bastante.
O inegável crescimento da participação e da liderança da Talvis, deve ter atraído a atenção da Souza Cruz para o
mercado das cigarrilhas. Tanto que esta compra em 1967, a pequena fábrica de cigarrilhas Inducondor, em
Petrópolis, entra no ramo e, usando seu inegável poder na área da distribuição, aos poucos vai minando a Leite &
Alves. Não se perca de vista que a produção nacional de cigarros e sua consequente logística distributiva, cresciam
ano após ano. Os 6 bilhões de cigarros anuais em 1920, 60 anos depois, tinham se transformado em 142 bilhões.
Como a Leite & Alves, mesmo produzindo charutos, tinha o principal foco da empresa nas cigarrilhas, o resultado
não poderia ter sido outro. Em 1976 entra em processo de insolvência. Seus bens e marcas vão à hasta pública.
Lembro-me de tal momento, quando arrematamos para a Menendez & Amerino, que se encontrava em fase de
montagem, uma possante guilhotina italiana a qual, até hoje, continua prestando serviços à fábrica.
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Enquanto tais coisas aconteciam, Humberto Madeiro da Silva se dedicava em São Paulo, ao comércio atacadista de
fumo em corda produzido em Arapiraca. Início dos anos 70. Crescendo o negócio, começou também a produzir
fumos desfiados em Alagoas e, aproveitando sua estrutura na capital paulista, diversifica a comercialização, vindo a
distribuir produtos das fábricas Suerdieck e Leite & Alves.
Quando do leilão desta última, em 1976, Madeiro arremata a marca Talvis e a marca-nome da empresa. Era chegada
a hora de entrar no ramo, como fabricante, fundando ano seguinte, em Cachoeira, a empresa individual H. Madeiro
da Silva, para não deixar morrer o nome Leite & Alves.
Começa com 83 empregados, número que, com o passar do tempo, vai declinando. A concorrência nas cigarrilhas
permanecia severa e pertinaz. A Souza Cruz avançava.
Quanto aos charutos, as coisas também não foram fáceis. A Menendez & Amerino entrara no mercado (1977) e a
Suerdieck recém passara para o controle da Mellita (1975) e tinha que mostrar resultados. Tudo contribuía para
dificultar a expansão dos negócios de H. Madeiro.
Até que em 2001, numa sucessão natural, seu filho Renato H. Madeiro, por força da inclinação de haver crescidoentre fumos e charutos, monta a empresa Talvis Cigarrilhas e Charutos Ltda, em Cachoeira. A seguir, para dividir a
receita dos negócios e, assim assegurar seu enquadramento na legislação do SIMPLES, funda a empresa ITB –
Indústria de Tabacos da Bahia Ltda (2003), na cidade de Conceição da Feira e a Fábrica de Charutos Leite e Alves
Ltda, em Cruz das Almas (2005).
Chega 2007 e com ele o problema que tantas dores de cabeça causou, a exclusão dos benefícios fiscais do SIMPLES,
das empresas ligadas ao tabaco. Momento no qual Renato Madeiro, opta por paralisar as atividades da unidade de
Cachoeira, concentrando-se nas duas outras.
Renato, 38 anos, é um dos mais jovens empresários charuteiros da atualidade, mantendo suas fábricas com cuidado
e organização, desdobrando-se entre elas e outros negócios extensão do seu ramo.
Sua produção de long-fillers não chega a 5% da global. Está focado em charutos short-fillers, tendo a marca Leite &
Alves ocupado parte do espaço havido pelo fechamento da Suerdieck.
A unidade de Conceição da Feira, a ITB, se dedica à produção de fumos desfiados e, agora, está ingressando na área
de compra e beneficiamento de fumos Brasil/Bahia.
Renato entende que a visão varejista do universo dos charutos melhorou depois de permitidas importações, por
haver se tornado mais diversificado, e que boa parcela do mercado foi ocupada pelos produtos estrangeiros. Estes
são os que mantêm acesa a chama do negócio, oferecendo opções ao consumidor. Quanto mais concorrência,melhor, complementa.
Defende ser necessário melhorarem-se ainda mais a qualidade e o sabor, tentando-se levar o aroma do armazém
para dentro das caixas dos charutos.
Pontua que o mercado de artigos religiosos toma novos rumos, se sofistica, sob a característica de lojas esotéricas,
de cristais, de incensos e que há espaço para os charutos.
Finaliza afirmando que o ser humano está ficando muito igual, tudo está ficando padronizado e se questiona, por
entender que a velha escola charuteira deverá ser abandonada. Temos que voltar a ser, mais naturais, mais Brasil.
Portanto, assim como ressurgiu o edifício que, por tantos anos, abrigou a antiga fábrica Leite & Alves, Renato luta
para manter viva a marca secular a qual, graças a seu pai e a ele, renasceu das cinzas.
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O futuro a Deus pertence
Atrás da odisseia charuteira baiana, escondem-se vidas. Vivências pessoais que se interpenetram com a labuta
profissional. Tanto que, em muitos casos, para melhor se entender esta última, há que saber das primeiras. Ainda
mais quando amor, dificuldades e dedicação são os fios condutores da história.
O último adeus
Johann Heinrich Schinke foi um dos muitos alemães que em finais dos anos 20 do século passado, imigraram para o
Brasil vindo trabalhar no Recôncavo Baiano. Na Suerdieck, em Maragogipe.
Em 1930 vai à terra natal em busca de um amor antigo. Retorna casado. Das núpcias adveio o casal de filhos, Inge e
Rolf. Nomes germânicos, naturalmente. Em decorrência do segundo parto, Schinke perde a mulher, que consigo fora
à Alemanha dar a luz.
Retorna viúvo, deixando as duas crianças aos cuidados de parentes. Tinha que começar tudo de novo.
Cá chegando, pouco depois, acontece-lhe o mesmo que ocorrera com Gerhard Meyer Suerdieck, ao se apaixonar
pela charuteira Tibúrcia com qual veio a casar, gerando o clã dos Meyer Suerdieck. Schinke encanta-se pela jovem
Zelinda, operária da fábrica, mulher de atributos físicos que faziam jus ao nome. Frutos do segundo enlace nascem
Gerda, Helmuth e Rose.
Progride no trabalho. Em 1935 assume a gerência da fábrica que a Suerdieck inaugurara em Cruz das Almas.
Estamos, agora em 1942, Segunda Guerra Mundial. É decretado estado de beligerância contra os países do Eixo,
autorizando a demissão de empregados estrangeiros, sem direito à nenhuma indenização. Como outros patrícios
que trabalhavam nas fábricas de charutos, Schinke perde o emprego. Não bastante, é detido e levado para Salvador
para acareações. Foi duro.
Por isso não pode estar presente no momento do registro civil da última filha, em 1943. Desejava que o nome da
menina fosse Rose Marie, porém o tabelião a registrou Rose Mary. Nada a ver com os nomes germânicos que
escolhera para seus descendentes.
Sua mulher, Zelinda, no esplendor dos 26 anos, dado às perseguições e à detenção do marido, entra em profunda
crise depressiva. Dá fim à vida.
Libertado, não se naturaliza brasileiro temendo perder o pátrio poder sobre os dois filhos que viviam na Alemanha.Sem trabalho, novamente viúvo, discriminado, na companhia das três crianças do segundo casamento, em 1944 vai
para em Maracás, cidade baiana para onde haviam ido vários alemães. Dali parte para trabalhar numa fazenda em
Santa Inês.
As saudades dos filhos que estavam na Europa eram enormes e resolve os trazer para junto de si. Tempos de
privação. As coisas não correm a contento. Afinal, em Santa Inês não havia a atividade que mais gostava e conhecia,
produção de charutos.
Em 1948, cessadas e esquecidas as rusgas bélicas e raciais, volta com os cinco filhos, armas e bagagens, para
recomeçar a vida em São Félix, sendo admitido como gerente da fábrica local da Dannemann. Consegue permissão
para morar com a família, em um sobrado pertencente à empresa.
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Pai extremado, não tendo se casado novamente, desdobra-se entre o trabalho e o lar.
Em 1955 a Dannemann entra em processo de falência. Schinke fica desempregado e, outra vez, nada recebendo a
título de indenização. Conseguiu apenas continuar morando, de favor, no velho sobrado.
A imprensa da época noticiava que a causa da falência da empresa fora malversação de recursos.
A Dannemann fechou, mas eu sou um homem honesto, não se cansava de dizer aos filhos.
Esgotadas as economias, vê-se obrigado a vender a casa que mantinha em Maragogipe, na qual desfrutara
inesquecíveis anos felizes na companhia de Zelinda.
Recomeça a vida, com a ajuda do filho Rolf, comprando fumos em Arapiraca e montando um pequeno armazém, em
São Félix. Adoece. Problemas pulmonares. Em 1958 vai intentar a cura na Alemanha. Não o consegue e na viagem de
volta, já em águas brasileiras, falece a bordo do navio. Amigos alemães solidários cuidam de seu sepultamento no
antigo cemitério dos alemães, em Salvador.
Os filhos, levados às pressas à capital baiana, só puderam dar o último adeus ao pai, naquele triste momento.
O rio vira charutos
Dispersaram-se os irmãos. A caçula Rose, com 14 anos, continua morando no sobrado de São Félix na companhia de
Gerda, irmã mais velha. O irmão Rolf, que ajudara o pai nos seus últimos anos, prossegue no negócio, vindo a ser
agente comprador de fumos da Suerdieck, na cidade de Arapiraca, em Alagoas. Graças a ele foi assegurado o
sustento dos irmãos.
Seu destino também foi trágico. Casou-se com uma alagoana com a qual teve cinco filhos. Em 1972 foi assassinado
com três tiros, crime nunca elucidado.
Retomemos a narrativa.
Em 1959 irrompe grande incêndio que atinge o sobrado. O fogo fora provocado por um comerciante do prédio
vizinho, para livrar-se de dívidas. Mais momentos difíceis. Os órfãos ficam sem teto. Neste ano, Gerda casa com um
dos diretores da primeira estação baiana de televisão e leva a irmã Rose para morar consigo, em Salvador.
Indo Gerda e o marido para os Estados Unidos, Rose aos 17 anos vai morar num pensionato, e estudar no antigo
Instituto Feminino da Bahia (1960-1962) vindo a formar-se em contabilidade.
Enquanto isso, em 1960, outra grande enchente do Rio Paraguaçu. A família perde todo o estoque de fumos do
armazém administrado por Rolf.
Todos os finais de ano Rose voltava ao interior, costume dos jovens da época, para desfrutar as férias escolares. É
quando, no ano da enchente, conhece e enamora-se por Hermano Martfeld. Por certo que as lembranças de tais
tempos juvenis, quando passeava às margens do rio, de mãos dadas com o primeiro amor, ainda habitam no coração
de Rose, sob a forma de saudades.
Ela e o namorado tinham coisas em comum. Afinal, o avô de Hermano fora também um dos muitos armazenistas de
fumos da região.
Com a influência da irmã Gerda, Rose consegue para o namorado, emprego como operador de câmara na estação deTV. Namoram até 1969, quando casam.
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Com a ajuda do irmão Rolf, ano seguinte, Rose e Hermano, vão morar em Cachoeira e, seguindo a tradição dos seus,
decidem ingressar no ramo do tabaco. Montam um armazém, comprando e revendendo fumos do Recôncavo e de
Arapiraca. Isto, por cerca de 10 anos, quando resolvem se dedicar à manufatura de charutos.
Nesta oportunidade montam pequeno fabrico, de início informal e a partir de 1981 organizado, sob a denominação
Comercial de Charutos Paraguaçu Ltda. Em 1989 acontece a última grande enchente. Cachoeira é inundada. Mais
perdas e prejuízos.
Nunca registraram marcas. Nos anéis constava o nome do rio, motivo de alegrias e tristezas. Os charutos Paraguaçu
a princípio, foram vendidos em pacotes. Rio de Janeiro, São Paulo, Ceará e Pernambuco eram os principais
mercados.
Hermano sempre tomara conta de tudo sozinho. Rose - a partir daqui Dona Rose - não tinha acesso a nada que se
referisse aos negócios.
Mulher de fibra
A firma trabalha sem interrupção até 1999, ano em que, outra vez, Dona Rose, seguindo a sina do pai, torna a rimar
amor com dor. Hermano falece de aterosclerose precoce. Dona Rose atribui para o agravamento da doença e odesânimo crônico do marido, o processo que o mesmo teve que responder, junto ao Instituto do Patrimônio
Histórico, por haver construído um andar em sua residência em Cachoeira, a qual fora tombada. Virou réu de um
processo que lhe causou desgosto profundo.
Registra Dona Rose [] Hermano quando estava doente só fazia juntar documentos nas gavetas [] não cuidava de mais
nada [] os impostos deixaram de ser pagos [] dificuldades financeiras com tratamento de saúde []
Ao perder o marido, endividada, vê-se outra vez sozinha na vida. Sem conhecer a intimidade do negócio, começa
tudo de novo. Por simples desconhecimento, chegou a despachar charutos usando notas fiscais com prazos
vencidos.
No ano 2000 conhece a Jean Baptiste Nardi, que a incentiva a persistir na jornada. Para tanto, também contou com o
apoio de Arend Becker da LeCigar, que lhe conseguiu fumos capeiros, pois a Agro Comercial Fumageira, anterior
fornecedora, encerrara as atividades em 1999.
Lutou bravamente. Conseguiu pagar as dívidas e no final de 2003, saneada a Comercial de Charutos Paraguaçu Ltda,
monta a empresa individual Rose Mary Schinke Martfeld.
Afora isso, somente agora em 2009, após dez anos de demanda, começará a receber a pensão pela morte do
marido.
Dona Rose e Hermano tiveram dois filhos, homens feitos e formados com a ajuda do labor charuteiro. O mais jovem,
Herbert, não deseja que ela abandone o negócio.
Dona Rose já cuidou de transladar os restos mortais de seu pai, de Salvador para Maragogipe.
Agora nutre um sonho. Comprar a casa naquela cidade, que pertencera à família.
Quanto aos negócios, com jovialidade ímpar para seus 66 anos, expressa dúvidas [] os negócios caíram [] as
dificuldades são sempre maiores [] há problemas de reposição de charuteiras [] as filhas não querem mais trabalhar
com charutos [] chegou a ponto de certo cliente, se negar a pagar o valor do IPI e descontar o valor do mesmo []
estou num dilema [] tenho matéria-prima para um ano de trabalho [] ainda vou decidir se voltarei a comprar fumosda próxima safra [] o futuro a Deus pertence, finaliza Dona Rose.
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2. PASSANDO A RÉGUA
O novo empresariado
Na leitura da odisseia do empresariado charuteiro baiano, fica claro que, após a inicial pulverização de fábricas, se
verificou um processo de concentração. Era a luta pela hegemonia.
O fenômeno voltaria a se repetir nos anos 80, quando a Suerdieck incorpora a Pimentel e a Ideal. Foi a luta pela
manutenção do faturamento, vez que o mercado vinha fortemente declinante.
Encerrando a Suerdieck suas atividades e seduzidos pela possibilidade de um boom brasileiro para os charutos
premium, como acontecera nos Estados Unidos, muitos empresários ingressaram na atividade, constituindo novos
fabricos, principalmente na cidade de Cruz das Almas.
Como a Suerdieck ocupava fatia significativa do mercado nacional, tais empresários visualizavam o montante do
consumo interno que ficara em aberto com o fechamento da tradicional companhia, sem se aperceberem que a
mesma, na realidade, nunca chegara a ser produtora de destaque de charutos da linha nobre.
Seus produtos foram caracteristicamente médios e populares. Não desfrutavam de lugar de destaque nas tabacarias
sofisticadas que começaram a despontar no Brasil, a partir dos anos 80.
Em tal momento, além do advento de um mercado editorial charuteiro – que dado à proibição de propaganda de
produtos do fumo, teve vida curtíssima - também devem ter contribuído para atrair novos empresários, as ações
mercadológicas da Menendez & Amerino.
Alinham-se entre tais ações na busca de visibilidade, o lançamento dos charutos Dona Flor (2000); o dos charutos
Aquarius (2004); seus magníficos estandes nas feiras especializadas que começaram a surgir, bem como o fato da
empresa haver passado a montar disputadíssimos camarotes no Carnaval de Salvador, até o ano 2008. Em 2009,pela vez primeira após oito anos, não participou do carnaval baiano, nem da feira nacional anual ligada ao setor. Não
deixou, porém de se fazer presente na feira promovida pela IPCPR – International Premium Cigar & Pipe Retailers
Association, Inc, na cidade de New Orleans (USA).
A ausência da Menendez e mais outros fabricantes, não passou despercebida pela imprensa. Lia-se na Internet: [] a
feira de tabaco Epicure, que se encerra hoje em São Paulo, contou com menos expositores do que nas edições
anteriores. Três marcas que tradicionalmente participam da exposição não montaram seus estandes [] (Rodrigo
Betolotto – UOL Notícias, 07/05/09).
Quanto às participações nos festejos carnavalescos baianos, atestava a revista VEJA, em 2002 [] Menendez Amerino
[] no Carnaval, montou um camarote exclusivo da empresa na Barra, em Salvador, e recheou o local de convidados
do Brasil inteiro. Com três andares, salão de beleza, uma boate, DJs para entreter os convivas durante os intervalos
das apresentações dos blocos e até uma cama de motel para quem quisesse dar uma descansada, as instalações
custaram 300.000 reais []
Além dos elementos de sedução e atração citados, no meu entendimento, outros fatores há que viabilizaram o
surgimento de novos fabricantes.
Um deles a facilidade para produzir anéis para charutos. Até os anos oitenta, o empresário que pretendesse lançar
marca nova, com anel próprio, não dispunha das modernas gráficas rápidas, de editoria eletrônica. Tinha que
recorrer aos serviços de uma impressora sulista, que se especializara na produção de anéis.
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A tiragem mínima exigida andava na casa de um milhão de unidades. A Menendez & Amerino enfrentou o problema
quando lançou suas primeiras marcas El Pátio e Amerino. Isto também explica a razão pela qual a Suerdieck, tendo
dezenas de marcas distintas, usava um só anel com o nome da companhia. Era conhecido por anel-medalha. A
distinção das marcas era feita apenas nas caixas. A empresa encomendava somente cinco comprimentos diversos.
Todos Suerdicek o que, aliás, contribuiu para fixação do nome da companhia.
Agora tudo é mais fácil. Do processo de criação de um anel à sua impressão, são poucos dias. E em quantidades
mínimas, coisa de 20 mil unidades. Ainda neste campo, o mesmo raciocínio de ser aplicado às presentes facilidadespara produção de carteiras de papelão.
Outro fator facilitador reside na área da esterilização dos charutos, via congelamento. Sendo pequenas as
produções, o novo empresariado não necessitou investir numa câmara frigorífica. Com congeladores horizontais
domésticos, adquiridos à medida das necessidades, resolve o problema. Com apenas um pode começar o negócio.
A produção das caixas de madeira também complicava, e muito, a vida dos empresários charuteiros do século
passado. Tanto que a Suerdieck, em dado momento de sua história, se viu compelida a investir numa indústria
catarinense, na cidade de Rio do Sul, SC, para ter garantido o abastecimento de cedro laminado. Todas as fábricas
tinham suas marcenarias próprias. Era a regra.
Com o desenvolvimento do mercado e a expansão da oferta de placas de compensado de cedro, o que mudou o
perfil das caixas, começaram a surgir micro-empresários no setor e a conseqüente possibilidade de terceirização da
produção de embalagens. Assim é que, atualmente, há três deles servindo a diversas fábricas. Um, na cidade de
Maragogipe e dois, em Cruz das Almas. Bom para os novos fabricantes. Não necessitam investir em maquinário de
carpintaria e respectivos insumos.
Por último, vale falar sobre a principal matéria-prima, sem a qual não há charutos: os tabacos, especialmente as
capas.
Até os anos 90, a Agro Comercial Fumageira, leia-se Suerdieck, detinha o monopólio da oferta de capas claras e nãoera norma vender seus fumos a quem o necessitasse.
Uma espécie de comportamento de autoproteção. Tanto que, quando se tinha notícia de algum fabrico doméstico
produzindo charutos populares com capas claras, sabia-se que, muito provavelmente, o fumo houvera sido obtido
por vias irregulares. Quando fui diretor da empresa, lembro-me de várias diligências feitas a respeito. É verdade que
a Agro Comercial Fumageira apoiou a Menendez & Amerino quando esta surgiu, graças à amizade de seu então
diretor Fernando Suerdieck com Mário Portugal, o idealizador da Menendez. Foi quase a única exceção.
Hoje, com desaparecimento da Agro, seu espaço foi ocupado por outras companhias dedicadas ao plantio de fumo
para capas, não havendo dificuldade maior para compras das mesmas.
Nos três capítulos a seguir veremos, com a extensão permitida pela curta história, o quadro do novo empresariado
que compõe o mundo charuteiro baiano.
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Servindo a terceiros
Não há muitos anos, quem desejasse vender charutos no Brasil, que montasse seu próprio negócio de cabo a rabo.
Os fabricantes instalados tinham por regra, salvo honrosas exceções, não produzir marcas de terceiros para vendasno mercado nacional. Visavam com tanto, protegerem seus nichos e seus próprios negócios.
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Com a gradativa redução do tamanho do mercado, as coisas começaram a mudar. Hoje, o que era regra, virou
exceção.
Na presente fase da manufatura charuteira baiana, ante os desafios enfrentados, têm aparecido algumas soluções
engenhosas. De modo especial na tentativa de contornar, dentro da lei, a onerosa tributação.
Um de tais meios tem sido a terceirização da produção.
Aqueles que desejam ingressar no ramo charuteiro pela porta comercial, com sua marca própria, responsabilizando-se pela mesma, nas áreas dos registros da propriedade e na vigilância sanitária, contam com algumas facilidades.
Não mais necessitam dispor de conhecimentos específicos relativos à manufatura, nem montar uma unidade
industrial, com todos os problemas inerentes à mesma.
Para atender tal demanda Rosivaldo Vieira de Oliveira, montou um negócio específico.
Tendo ingressado no ramo charuteiro em 1984, quando foi trabalhar na antiga Pimentel em Muritiba, de lá foi
transferido, sucessivamente, para as fábricas da Suerdieck de Maragogipe até 1992 e de Cruz das Almas até 1999,
ano do fechamento da empresa.
Rosivaldo a seguir, passa algum tempo fora do ramo, mas segundo declara, contaminado que fora pela atividade,
resolve aceitar convite para trabalhar na fábrica AA Julien Bahia Comércio, Produção Artesanal e Serviços Ltda,
fundada em 2005. Dita empresa produzia, entre outros, os charutos Caravelas, Quitéria e Dom Lula.
Enquanto isso, vislumbrando outras oportunidades, organiza em 2006, uma firma dedicada à produção de
embalagens de madeira, liberando assim as emergentes e pequenas novas fábricas de charutos, da necessidade de
um setor específico para tanto. Deu-se bem.
Em 2007, ano em que a firma AA Julien é sucedida pela empresa Tabacos Mata Fina, Rosivaldo a par de continuar na
gerência desta última, resolve fundar a R. Vieira Oliveira Charutos, também sediada em Cruz da Almas, com o foco
específico de fabricar charutos para terceiros. Atualmente produz sob encomenda, entre outras, a marca Dell’Áquila.
A R. Vieira Oliveira Charutos funciona a rigor como uma prestadora de serviços. Quem quiser ter sua marca própria
no mercado, não precisa se preocupar com as caixas de madeira, nem com a manufatura dos charutos. Que cuide,
apenas, das questões inerentes à marca e à compra de fumos. Rosivaldo faz o resto.
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Prazer em conhecê-lo
Quando das entrevistas e pesquisas, indo à Fazenda Campo Verde, no altiplano cruzalmense, fumando um Don
Francisco Toscanino, autêntico home-made smoke baiano, no outono de 2009, foi que o conheci.
Incrível. Estávamos navegando no mesmo barco, por tanto tempo, sem nunca havermos nos cruzado no convés.
Sabe-se lá a razão. Ele, às voltas com o plantio do tabaco e eu, com o melhor subproduto do mesmo, os charutos da
Boa Terra.
Naquela oportunidade, pareceu-nos tivéssemos mantido fraterna amizade pela vida toda. Questão de pele. Acredito
nestas coisas.
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Nadinho, engenheiro agrônomo, é uma figura especial, com a qual, quando você gosta de charutos, logo se encanta.
Mas, como ninguém é perfeito, tem seus “defeitos”, bem sei. Descobri um. Há trinta anos deixou de fumar. Reserva
seu paladar para os testes de fumos e charutos.
É tido, por alguns, como profissionalmente romântico e sonhador. Talvez por haver aprendido a valorizar, como
poucos, nossas origem e cultura tabaqueiras.
Seu tratamento familiar, Nadinho, não é justo. Nadinho lembra nada. Deveria ser Tudinho, pois quando se trata de
tabacos, de tudo ele entende e luta – bravamente – por se manter fiel aos procedimentos nascidos da labuta de
milhares de pequenos e anônimos produtores de fumos. Que descobriram, ao longo dos tempos passados, os
melhores métodos de manejo que fizeram a fama mundial dos fumos da Bahia.
Por vezes tem sido contestado, incompreendido, mas não se abala.
Mantém-se fiel aos conhecimentos herdados - a maneira de plantar e colher fumos – sem adotar métodos e
procederes de outros países, os quais, segundo ele, comprometem o sabor tradicional de nossos tabacos.
E quando fala sobre tais coisas, fala com emoção. Mais do que emoção. Com convicção sedutora. Tão sedutora que
faz o interlocutor pensar duas vezes.
Tudinho – perdoem-me, Nadinho – começou a labutar nas plantações de fumo em 1980.
Está, pois às voltas, neste negócio há três décadas.
Mas, mesmo sem fumar, seu caminho não poderia ser outro. A paixão pelo tabaco baiano o levaria a intentar
transformá-lo na sua melhor razão de ser: os charutos. E sendo filho de Francisco, bom filho, buscou no pai a
inspiração para o nome do negócio. Com seu irmão, fundou em 2005, lá mesmo, na Fazenda Campo Verde, junto ao
campus da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Recôncavo, a San Francisco Indústria e Comércio de
Charutos Ltda. Para também agradar sua mãe conhecida por Nena, ciumeira de família batizou suas cigarrilhas de
Doña Nena.
Como, porém não há rosas sem espinhos, as coisas não são fáceis serem alcançadas, apareceram uns uruguaios que
nunca botaram os pés por essas bandas, que nunca plantaram fumos na Boa Terra, que não fazem parte da nossa
história charuteira e que resolveram pretextar o uso da marca San Francisco.
Nadinho, com a inesgotável paciência que caracteriza os plantadores de tabaco, sem dinheiro para gastar em
demandas judiciais inócuas, recuou. Sabedoria adquirida por quem, ano após ano, aprendeu que cada safra é uma
safra.
Habilmente mudou o nome de sua marca para Don Francisco e inovou, retirando a palavra charutos da razão social
da empresa, substituindo-a por produtos vegetais, aquilo que os charutos realmente são. A firma passou a chamar-
se Don Francisco Comércio, indústria, importação e exportação de produtos vegetais ltda. E agora, uruguaios?
Havereis de contestar o quê?
Nadinho, nascido Genádio Borges, dedica sua vida, envolvendo-se de corpo e alma, ao plantio de tabacos e à sua
manufatura. Seus charutos, exclusivos por terem identidade de procedência geográfica, não são comercializados em
tabacarias. São vendidos diretamente a consumidores.
Não nutre pretensão em ser o maior fabricante baiano. Quer simplesmente ser um fabricante diferente. O único que
produz seus próprios fumos, preservando a identidade genética e que, para o plantio, segue as velhas técnicas dos
lavradores baianos. Bosta de vaca e torta de mamona como adubo e plantas cortadas inteiras, para que as folhasnão sofram morte súbita, quando da operação da secagem. São diferenciais que, segundo ele, devolvem aos fumos o
sabor do passado.
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Não está preocupado com recordes. Sua produção de charutos se limita ao volume de tabacos da sua plantação,
sendo envelhecidos por dois anos.
Charutos Don Francisco? Quem quiser ligue para ele. Isto não significa que, a exemplo dos charutos marca Damatta,
produzidos para terceiros, sob encomenda, não se disponha a firmar similares contratos, desde que em distintas
formulações.
Quem sabe, sonha. Quem sonha, faz.
Nadinho, melhor dizendo Genádio Borges, é outra das muitas esperanças quanto à sobrevivência dos bons charutos
baianos.
Prazer em conhecê-lo.
__________________________________________
Os recentes produtores
Além das empresas citadas nos capítulos precedentes, o cenário charuteiro baiano conta com outras mais, sendo
quatro com foco na linha premium, duas na linha de charutos intermediários e uma na linha de charutos populares.
São unidades de pequeno porte, todas localizadas na cidade de Cruz das Almas, surgidas no presente século, cuja
produção somada, destinada ao mercado interno, beira meio milhão de unidades anuais. Algumas visam o mercado
externo, mas os números daí decorrentes não foram computados, por não constituírem escopo deste trabalho.
O clima geral, quanto ao futuro, é de reservas. As opiniões predominantes dão conta que os maiores obstáculos à
expansão dos negócios se prendem às crescentes exigências da ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, àsquestões fiscais, tributárias e burocráticas e à crescente limitação dos espaços para fumantes. A maioria entende
ainda que, embora o mercado não venha a se expandir, se manterá por muitos anos, pois sempre existirão
apreciadores de charutos.
A cronologia do advento deste recente empresariado espelha o quadro de expectativas que reinou no ramo
charuteiro, no início deste século.
1999
· Dornelas Charutos e Cigarrilhas Ltda.
· Vide Capítulo “Atabaques & Charutos”.
2000
· MR Charutos Ltda.
· Marcus Roberto Dias Santos, 48 anos, sócio titular da empresa está ligado ao ramo fumageiro desde 1985.
Havendo se identificado com o setor por ter sido contaminado pela febre dos charutos, montou uma tabacaria
virtual em 2000 que não prosperou por restrições de ordem legal. Intentando, sem sucesso, junto aos fabricantes
estabelecidos, conseguir uma marca própria, resolveu fundar sua empresa. A produção concentra-se em charutos da
linha intermediária short-fillers (96%). Fabrica suas próprias caixas. Rio e São Paulo representam 60% de seus
negócios.
2001
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Josefina Tabacos do Brasil Indústria e Comércio Ltda.
Seu proprietário Weber de Carvalho Meyer reside no Rio de Janeiro. A empresa produz as marcas Josefina e Dona
Erô (long-fillers) e Robujo e New York (short-fillers).
2002
Tabacos Internacional da Bahia Ltda.
Fundada em 2002, iniciou sua produção em 2004.
Trata-se de empresa caracteristicamente voltada à terceirização, tanto que cerca de 90% do que fabrica são charutos
marca Angelina, propriedade de terceiros. A marca própria chama-se Tradição, linha premium. Também opera no
mercado externo.
Nasceu da associação entre Raymond Martinez, norte-americano, filho de cubanos residente em USA e Altermir
Santos Dias, técnico agrícola, 37 anos, ligado ao setor desde 1990, oriundo dos quadros da Suerdieck e da Agro
Comercial Fumageira, que cuida do dia a dia da fábrica.
2003
Luiz C. Sandes Charutos e Cigarrilhas
Empresa individual. Seu proprietário Luiz Carlos Sandes, 43 anos, apesar de não ter experiência anterior, decidiu
montar o negócio por perceber que havia espaço para novos empreendedores. Defende a necessidade de se realizar
trabalho conjunto para a criação de um Certificado de Origem dos charutos baianos. Seus principais mercados são
Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco. Fabrica suas próprias caixas. Parte de sua produção é feita sob o sistema de
tarefas terceirizadas e o maior volume é representado por marcas de terceiros.
2004
Maria Simões Gomes Velame
Atrás desta empresa individual está Denis Pedra Velame, 67 anos, aposentado, que no período compreendido entre
1964 e 2000 esteve ligado ao ramo do tabaco, de modo especial com a Dannemann. Estimulado por amigos,
resolveu produzir charutos populares, sem marca específica e sem anéis, que são vendidos no seu círculo de
relacionamentos e amizade. Havendo enfartado em 2000, confessa que o negócio é mais para completar a renda
familiar e ajudar a pagar o plano de saúde e que, a cada dia, o ramo fica mais difícil.
2005
Don Francisco Com. Ind. Imp. e Exp. de Produtos Vegetais Ltda.
Vide Capítulo “Prazer em conhecê-lo”.
2006
Manufatura de Charutos São Salvador Ltda.
Seu proprietário Pedro Rodrigues de Carvalho Filho, 45 anos, iniciou-se no ramo em 1986 havendo trabalhado nas
empresas Agro Comercial Fumageira, Suerdieck e LeCigar. Em 2006, atraído pelos benefícios tributários do SIMPLES,
decide montar seu próprio negócio, iniciando em 2007 a produção dos charutos premium, marca São Salvador.
Registra a imediata dificuldade com a qual se deparou, pois neste mesmo ano, a par do real supervalorizado, que
tornava caros os charutos nacionais em relação aos importados, vem acontecer a exclusão das empresas charuteiras
da citada legislação. Também advoga a criação de um Certificado de Origem para os charutos baianos. Seu principal
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mercado é o Rio de Janeiro. Pedro Rodrigues pontua [] estamos reféns de uma série de atividades contrárias ao
negócio []
2007
Tabacos Mata Fina Indústria e Comércio Ltda.
Fundada em 2007, quando comprou as instalações da empresa AA Julien Bahia Comércio, Produção Artesanal e
Serviços Ltda que fora inaugurada em 2005. Em 2008 lança sua marca premium exclusiva, Monte Pascoal.
[] a Tabacos Mata Fina empresa que nasce da iniciativa de dois sócios que ainda não tinham negócios ligados à
indústria charuteira [] a nova companhia [] vai produzir 20 mil charutos por mês [] afirma Lorenzo Orsi, sócio-diretor
[] o foco principal é o mercado externo [] (VALOR, 2008).
R. Vieira Oliveira Charutos
Vide Capítulo “Servindo a terceiros”.
__________________________________________
3. ENTRE QUATRO PAREDES
Gatos por lebres
Esta é uma história real. Seu principal ator, num dado momento, transformou-se no inimigo público nº 1 do ramo
charuteiro baiano. Foi um suíço bom de prosa que, por certo período, apareceu como cometa na zona fumageira da
Bahia.
O mais interessante é que seu surgimento não foi obra do acaso. Fora presidente da Cia. Brasileira de Charutos
Dannemann quando, em 1981 entrara em rota de colisão a controladora da empresa, vindo a ser substituído por
Hans Leusen.
Vamos à narrativa.
Esperto como ninguém, malgrado a pirataria e a malandragem que caracterizaram seus negócios, também teve seus
méritos. Arrojado em termos de comercialização, usando o nome de grife famoso, sacudiu o mercado, enganou
meio mundo, aos árabes inclusive, produzindo charutos sob marcas internacionais, oficialmente falsificados. O
homem pintou e bordou.
Suas empresas, propositadamente, não constaram da cronologia da Parte 2. Achei por bem reservar este espaço
para deixar alguns registros sobre o episódio.
Imaginar um nome, criar uma marca que tenha de per si, forte apelo junto aos consumidores, sem necessidade de
grandes dispêndios para fixá-la em mentes e corações, é um dos exercícios que mais encanta a quem se dedica a
produzir algo. Eu mesmo dispensei horas de minha vida matutando a respeito.
Agora um esclarecimento preliminar.
No Brasil a questão do direito de propriedade de marcas só passa a ter amparo específico em 1875 com a Lei 2.682
daquele ano. E, detalhe interessante, foi justamente uma demanda quanto a plágio de marca de produto derivado
do fumo – o rapé - que a provocou. Tal lei foi consequência de reação à decisão de segundo grau que, em 1874,
reverteu sentença de primeira instância favorável ao autor, absolvendo o negociante de rapé Arêa Parda, acusadode imitar a marca Arêa Preta, ao argumento de que a lei não previa sanção criminal a atos de imitação. Mais adiante
o Brasil, em 1891, ratificou e promulgou o Acordo de Madri relativo ao registro internacional de marcas de fábrica
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ou de comércio, mas denunciou aquele tratado em 31/12/1934. (CORREA, in MARCAS DE VALOR NO MERCADO
BRASILEIRO, 2000).
Assim, marcas estrangeiras estiveram, por muito tempo, totalmente desprotegidas. O Brasil nunca fora, como
continua não sendo, significativo importador de charutos. Além disso, o protecionismo vigente por muitos anos
onerava sobremaneira os produtos estrangeiros. Foi ele, inclusive, uma das causas que, em minha opinião,
contribuiu para que a indústria charuteira nacional do século passado, se tornasse obsoleta à nível de tecnologia
para produção massiva. A justa concorrência é salutar. Sem ela perdem-se os parâmetros mercadológicos e osconsumidores – alvo final de tudo quanto se produz – ficam prejudicados.
Prosseguindo.
Não estando tais marcas protegidas, a má fé e a malandragem de aproveitadores davam margem a requerer registro
das mesmas. O empresariado charuteiro sério, como é natural, nunca o fez.
Mas, Peter Koening – eis o nome do nosso personagem – não tinha outros compromissos, se não ganhar dinheiro
fácil. Aproveitou-se da brecha nos registros de marcas estrangeiras no Brasil, cuidando em fazê-los, em seu nome eno das firmas que criou.
Fundou sucessivamente, no começo dos anos 80, três empresas para sustentação de seus negócios. A Davidoff
Comércio e Indústria Ltda, a Cohiba Indústria e Exportação Ltda, ambas com sede em Cruz das Almas, e a Davidoff
Internacional Ltda, na cidade de Sapeaçu.
Registrou inúmeras marcas famosas, passando a produzi-las, evidentemente sem permissão e sob formulações
distintas das originais. Relaciono algumas: Davidoff, Zino, Quai D’Orsay, Romeu e Julieta, Cohiba, Montecristo,
Chateaux Margaux, Chateaubriand.
Em 1982, o JORNAL DO BRASIL noticiava [] os charutos Davidoff vendidos no Brasil não são produzidos em Cuba,como os famosos charutos da empresa suíça, mas em Cruz das Almas [] vendidos [] no tax-free-shopping do
Aeroporto Internacional do Rio desde dezembro [] são produzidos na Bahia pela recém-criada Davidoff Comércio
Indústria, da Sra. Helena Vigna da Silva, mulher do ex-presidente da Companhia de Charutos Dannemann, Hans
Peter Koening [] mês passado vendeu 10 mil charutos [] por enquanto apenas com 20 empregados [] será feita a
primeira remessa de charutos para o Marrocos [] faz parte de um contrato de um ano firmado [] com a Royal Air
Maroc [] os proprietários [] cuidaram bem para descaracterizar a produção brasileira de charutos [] inscrições em
inglês e espanhol [] nada em português []
Entrando no mercado nacional, num momento em que os raros charutos estrangeiros chegavam apenas por vias
ilegais e caríssimos, o resultado seria rápido sucesso.
Produzindo, com extrema habilidade e qualidade, suas próprias caixas, copiando os padrões iconográficos originais,
espalhou seus produtos Brasil afora. Reforçou seu marketing abrindo lojas, em nomes de laranjas, sob a grife
Davidoff, em inúmeros aeroportos brasileiros. Aos consumidores de charutos incautos ou desavisados, tais lojas
eram verdadeiro paraíso. Fechou negócios com o mercado árabe. Avançou mais ainda, conseguindo colocar seus
produtos na loja free-shop do Aeroporto Galeão. Seus charutos começaram, pois, a ir para o exterior, exportados ou
através de viajantes, o que, evidentemente, passou a incomodar, mais ainda, os legítimos proprietários das marcas,
que estavam de olho nas suas peripécias no mercado doméstico.
O presidente da Cia. Brasileira de Charutos Dannemann, Hans Leusen foi o escolhido para defender os interesses das
marcas estrangeiras, cujos nomes vinham sendo usados no Brasil. Tanto se atesta na revista ARTE & TABAC0, 2000:
[] um dos maiores desafios na carreira de Hans Leusen [] foi vencer uma briga pelas marcas Dannemann e Davidoff:
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em 1982, uma pessoa mal intencionada, por meio de uma jogada de registro de patentes, roubou as marcas das
empresas no Brasil [] o trabalho [] coroou-se de êxito [] luta longa e cansativa cujo último round ainda está
tramitando na Justiça []
Começaram os processos contra suas empresas. Ocorreram alguns casos de apreensão de seus produtos em
tabacarias nacionais. Prosseguiu no negócio tendo, segundo se vangloriava, mais advogados que clientes.
Com 12 charuteiras, chegou a vender cerca de 50 mil unidades mensais, a preços altamente compensadores.
Quantas e quantas vezes ouvi consumidores brasileiros, faceiros da vida, dizerem-me que tinham deixado de fumar
charutos nacionais, pois agora havia Davidoff no mercado.
Na verdade fumavam apenas o anel. Dentro das caixas havia charutos brasileiríssimos, em nada melhores que os
melhores produzidos pelos fabricantes idôneos. Consumiam gatos por lebres e, ainda por cima, pagavam muito
mais. Retrato de um mercado consumidor que, então, pela falta de parâmetros comparativos, nada conhecia das
múltiplas variedades gustativas dos charutos.
A coisa foi de tal extensão que, quando nosso personagem lançou no final de 1982, as cigarrilhas Davidoff, com
preço nas nuvens, em “autênticas” caixas de madeira com 20 unidades, houve um rebuliço geral. A análise doproduto revelava que tais cigarrilhas eram produzidas à máquina. A pergunta, entre o pessoal do ramo, era como ele
conseguia produzi-las se não tinha equipamento para tanto.
Descobriu-se a falcatrua. À época, a Souza Cruz ainda fabricava cigarrilhas Moreninha: produto, de preço muito
acessível, em carteiras de papelão, tendo como capa fumo Burley (usado em cigarros). O suíço esperto comprava tais
cigarrilhas, retirava o celofane e o anel, reduzia o comprimento das mesmas e, simplesmente, as colocava na
embalagem com a marca Davidoff. E o mercado, feliz da vida, as consumia.
Teve uma brasileira, por mulher e sócia, nas suas empreitadas. Ele vivia viajando pelo Brasil e pelo exterior, fazendo
negócios. Ela cuidava, com mão de ferro, das atividades fabris. Desfrutavam vida luxuosa.
Depoimentos de antigos empregados dão conta que os donos do negócio costumavam pagar salários bem acima da
média vigente no mercado, mas que eram intransigentes no cumprimento das rotinas do trabalho. Revólveres
estavam sempre à mostra para quem quisesse ver. O clima interno era de temor. E, quando despedidos, não se
atreviam a reclamar direitos na justiça trabalhista.
Entrevistei uma ex-funcionária que não recebeu seus direitos e nunca foi reclamá-los. Disse-me mais. Que seu nome
foi usado como “laranja” em uma das muitas lojas Davidoff, com a promessa de, depois, ser substituído. Nunca foi
feita a troca. Até hoje, para garantir seu CPF, ela se vê obrigada a fazer declaração de imposto de renda, por
continuar sendo sócia de uma firma que nunca viu na vida.
Mas como disse, o homem teve seus méritos. Cito um.
Até ele aparecer no mercado, os tubos de alumínio para charutos no mercado nacional, não tinham tampas de
rosca. Eram tampas plásticas de embutir, cujo aspecto deixava a desejar. Pois ele, adiantando-se aos demais
fabricantes, conseguiu uma fonte nacional para produzir tubos com tampas rosqueadas, iguais aos produzidos no
exterior. E, além de lançar o Davidoff Tubos Habana Club, passou a personalizá-los para inúmeras empresas
brasileiras do ramo da hotelaria e outros.
Belo dia, ele e a mulher se desentendem. Somaram-se aos problemas externos decorrentes dos processos de marca,
questões conjugais. História que foge ao escopo deste livro.
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Cada qual cuidando de si, raspando o cofre, o negócio começou a declinar. Advindo a falta de fumos, passaram, por
algum tempo, a encomendar charutos junto a outros fabricantes. Tudo por baixo do pano. Em 1992, os negócios
sofreram solução de continuidade.
Nosso personagem, deixando mulher e filha, retorna à sua terra de origem, na qual vem a morrer no ano 2000.
O cometa sumiu. Mulher e filha continuam residindo no Brasil. A história acabou.
__________________________________________
Fundos de quintal
Esta é uma história antiga. Voltemos em finais do século 19. O rapé e seus espirros, o fumar de então, vão sendo
desbancados pelos charutos e suas fumaças. O modismo, brotado nas elites reinantes, é rapidamente assimilado por
todas as categorias sociais. Populariza-se.
Por outro lado, ao contrário do rapé, os rolinhos de fumo não exigiam nenhum aparato técnico para serem feitos.
Qualquer pessoa poderia produzi-los.
Assim, fazer charutos passou a ser um meio fácil de arranjar alguns trocados extras. Em especial para as mulheres,que ainda viviam num mundo profissionalmente inacessível para elas. Em torno da mulher se reuniam filhos e outros
membros da família para ajudá-la.
Surgem os charutos produzidos em centenas de domicílios. A oferta ampliada formou a base para um comércio
informal da nova forma de desfrutar o tabaco.
Os fabricos domésticos brotavam como borbulhas de água fervente. Negócio que representava renda às mulheres e,
num certo sentido, afirmação no meio social.
Registra-se que em inícios do século 20, haveria algo como trezentos de tais fabricos. Penso possam ter sido bem
mais. Tudo informal.
O crescimento do consumo dos charutos, por certo atraiu a atenção de empresários, para o negócio que florescia.
Os fabricos domésticos passam a ser os embriões da atividade charuteira. Que na maioria dos casos, mesmo quando
organizada, continuou se valendo das produções domésticas. Os compromissos com a qualidade, no início, não
deveriam ser muito relevantes.
Quem chegou até este capítulo, deve haver constatado a permanente presença da produção domiciliar, ao longo da
nossa odisseia charuteira. Fato que não é exclusividade da Bahia. Em Cuba, por exemplo, tais pequenos fabricantes
eram chamados chinchaleros. Palavra derivada de chinchal, ou seja, quintal.
Antônio Leal Sales, 72 anos, são-gonçalense, testemunha [] nos anos 40 os passeios eram tomados pelas charuteiras
[] colocavam o fumo picado para secar sobre panos de aniagem, [] em frente das casas [] o chamado bagacinho []
refugo dos armazéns [] sem valor para exportação [] vendido a preço de bananas [] com os quais faziam os charutos
para vender nas suas janelas e na feira [] eram tantas, tomando o passeio que o prefeito [] passou a proibir [] quem
tivesse bagacinho para secar que o fizesse nos seus quintais e não nos passeios públicos []
Elizabeth Silva, 2001, ratifica [] os fabricos representavam uma rede clandestina de produção de charutos que
mantinha o comércio ilegal [] a prática era ampla e comum na região [] era ilegal mas forçada pelas necessidades
econômicas e falta de alternativas de empregos na região []
Não há condição de bem se avaliar o volume pretérito e o presente da produção subterrânea.
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Sabe-se que a mesma, conhecida entre nós como fundos de quintal e seus charutos como regalias de balaio, sempre
se supriu de tabaco, em diversas fontes. A matéria-prima procedia de fumos desviados das plantações, dos
secadores de fumo, dos armazéns de beneficiamento e parte era comprada nas feiras livres, em mãos de pequenos
lavradores.
Outra forma que se lançava mão para conseguir fumo a custo zero, era sagaz.
Os armazéns exportadores recorriam à mão-de-obra externa, para os serviços de retirada da veia central das folhas
(destalo). Para tanto formavam pequenas trouxas de fumo, com peso que permitisse uma pessoa transportá-las. As
mulheres levavam-nas para suas casas, onde em família, faziam o trabalho.
Por outro lado, era de todos conhecida a porcentagem da quebra decorrente da operação. O peso das folhas
desviadas era compensado pelo acréscimo de pedras, areia, etc. Sendo centenas as trouxas devolvidas aos
armazéns, não havia tempo de abrir, uma a uma, para conferência. Nem necessidade. Os exportadores não eram
bobos. Conheciam a prática. Pagavam pelo serviço, um preço que, de antemão, lhes compensava o prejuízo.
[] nesse período industrial das primeiras décadas do século XX vale um registro especial para a indústria caseira decharutos, que se constituía num “ganha-pão” extra para muita gente *+ adquirindo o formato dos charutos
produzidos nas grandes fábricas Dannemann, Costa Penna e Suerdieck [] eram vendidos nas quitandas ou na própria
feira livre, expostos em balaios. Por essa razão eram chamados vulgarmente “regalia de balaio” *+ o fumo *+ era
adquirido nos enfardadores ou na feira livre onde era vendido pelos pequenos agricultores de fumo [] (MELLO,
2001).
Em Muritiba [] raras são as casas que não sejam pequenos fabricos de charutos [] em todas as mesas é o fumo e sua
indústria que, direta ou indiretamente, põe o pão de cada dia [] (CASTRO, 1941).
Houve momento, inclusive, que a prática clandestina se aperfeiçoou e ganhou corpo, passando a ofertar charutos,
em versões similares às da produção organizada.
Registrava o jornal CORREIO DE S. FELIX, 1944 [] quando é lançada [] uma marca que obtém sucesso comercial,
semanas depois aparece um similar, em que às vezes, até o nome e a embalagem são imitados [] o preço inferior do
produto similar desmoraliza o primeiro que vinha fazendo sucesso, e como similar não é igual, pouco tempo depois
também desaparece, pois o fumante experimentado, abandona o original e a imitação [] um dos maiores inimigos do
fabricante legalizado é a concorrência subterrânea por fabricantes que vivem e proliferam às margens de todas as
exigências legais [] eles imitam marcas, não pagam impostos, desrespeitam o salário-mínimo, ocultam-se das
exigências trabalhistas []
Dez anos depois, lia-se no mesmo periódico [] a concorrência clandestina dos charutos vendidos [] por fabricantesfraudadores [] charutos sem selo inundando os mercados [] a preços que as fábricas [] não podem competir []
Ainda nos anos 80, tive oportunidade de conhecer inúmeros destes negócios individuais, expondo às janelas de suas
casas, o produto de seu labor. A maior parte era adquirida por intermediários e comercializada na Feira de São
Joaquim, em Salvador. Muitos turistas compravam tais charutos artesanais, por vezes embrulhados em folhas de
jornal. O fato é que eram consumidos e nunca participaram das estatísticas.
A cada charuteira desempregada com os insucessos empresariais, quase sempre correspondeu nova fonte de
produção marginal. Questão de sobrevivência para, como se diz no Recôncavo Baiano, garantir a feira.
É o caso da charuteira Anatália Conceição da Silva, 74 anos, ao declarar [] o valor da aposentadoria é pequeno []
resolvi voltar a fazer o que sabia [] tenho minha freguesia própria [] boa parte é o pessoal da roça [] os velhos estão
cansados, os novos não querem aprender [] enquanto tiver disposição e saúde, vou continuar fazendo meus
charutos []
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Ainda hoje, os fundos de quintal convivem com a atividade organizada, mas é evidente que num patamar que
acompanha o novo volume de negócios, implantado pela drástica redução de consumo dos charutos populares.
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Atabaques & Charutos
Em artigo publicado no jornal TRIBUNA DA BAHIA em 1985, registrei que nunca menos da quarta parte da produção
nacional de charutos, se escoava em cultos afro-religiosos. A expressividade deste segmento consumidor era tal que,
a marca Índios, os charutos preferidos pelos pais-de-santo, representava metade do volume das marcas Suerdieck
no Rio de Janeiro.
Outra indicação? Ao assumir a direção da fábrica Pimentel quando a mesma passara ao controle da Suerdieck,
deparei-me com várias marcas voltadas ao sincretismo: Tranca Rua, Oxossi, Ogum, Cabocla Jurema, Pomba Gira e
Exu.
Em 1998, a GAZETA MERCANTIL, edição 21 de abril, registrava que 80% da produção de charutos baianos eram
consumidos por pais-de-santo. O exagero deve ter partido de quem desconhecia a realidade. Mas, afora isso,
também lia-se [] os distribuidores das principais marcas nacionais e proprietários de tradicionais tabacarias de São
Paulo têm a mesma opinião a respeito do mercado consumidor: os rituais de candomblé e umbanda ganham
disparado no consumo do produto, mas apenas os da linha popular []
Cá no Recôncavo Baiano – por extensão, deduzo que noutras paragens – não mais ecoam os atabaques nas silentes
madrugadas. Os terreiros dos variados matizes das religiões não cristãs, dos caboclos e orixás, que nos chegaram a
bordo dos execráveis navios negreiros, estão desaparecendo.
Tenho me indagado quanto às causas do fenômeno.
Testemunhos colhidos junto a produtores de charutos populares, empresariais e domésticos, são unânimes em
afirmar que o indiscutível avanço dos cultos evangélicos, alguns francamente hostis às raízes religiosas africanas, tem
contribuído para tanto. E, assim, para a queda do consumo de charutos populares.
Quando, nos anos 80, eu descia para as cidades de São Félix, Cachoeira e Maragogipe, margeando o Rio Paraguaçu,
era enorme a quantidade de terreiros existentes. Não havia necessidade de se procurar muito. Bastava localizar as
bandeiras brancas, sempre desfraldadas, por sobre os telhados das casas. Aos poucos eles foram sumindo.
É fato notório o crescimento das religiões evangélicas. Entre elas pontua a Igreja Universal do Reino de Deus que
acusa o candomblé e seus orixás de serem coisas demoníacas. Sua penetração seja no Recôncavo Baiano, quanto no
Rio e São Paulo, vem dizimando os terreiros, causando estragos na cultura afro-indígena-religiosa.
A religião católica há dois mil anos, apropriou-se de datas pagãs, fazendo-as suas. Assim, atraia os pagãos. Os cultos
afros apropriaram-se dos santos católicos, mesclando-os com seus orixás. Fugiam de tal forma, das perseguições do
catolicismo, então religião oficial. A IURD configurou-se como religião cristã e valeu-se de alguns ritos católicos e
outros. Todas foram hábeis na tentativa de atrair adeptos.
São simples constatações que não pretendem, em absoluto, entrar no mérito de tais comportamentos. Mesmo
porque no passado, o catolicismo em seu esforço de cristianização, também reprimiu e sufocou nossos pajés e
nossos tupãs. As colocações visam apenas focar um dos escopos deste livro, qual seja a redução do consumo de
charutos brasileiros nos terreiros. Só isso.
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A significativa queda das vendas de charutos populares, por força de tais circunstâncias, passou despercebida aos
fabricantes. Mas, não à Souza Cruz que produzia à máquina, em 1985, algo ao redor de 8 milhões unidades ano, de
um charutinho chamado Batuta, líder absoluto entre todas as marcas populares. Mesmo assim, a citada companhia
resolveu sair do mercado charuteiro. O que não deixou, então, de dar breve refresco para os fabricos domésticos e
mesmo para as linhas populares da Suerdieck e da Pimentel.
Vamos, agora, a outra história de vidas e charutos, inserida neste contexto.
Em Nagé, distrito de Maragogipe, vive um carioca, umbandista confesso. Chama-se Leonel Dornelas Souza. Ao vir
para a Bahia em 1989 conhece uma jovem que intermediava vendas de charutos produzidos naquela localidade.
Amor à primeira vista. Casam-se. Concentram-se no negócio no qual Lucivanda – esse o nome da jovem – mantinha,
enquanto solteira.
Conhecendo o Rio e seus centros espíritas, Dornelas enchia o velho fusca e saia, estrada afora, levando charutos de
Nagé. Andou um bocado em suas idas e vindas, sempre com mais charutos.
Com uma clientela carioca formada, volta a morar no Rio, ajudando a promover vendas dos charutos marca Nagé,
produzidos por Dona Leninha, guerreira da qual tratarei no capítulo a seguir.
Tudo prosseguia nos seus conformes até quando, em 1997, sua fornecedora opta por prestigiar a filha que também
ingressava no fabrico e se diz não mais em condições de abastecer Dornelas.
O casal retorna à Bahia. Vai para Muritiba onde em 1999, monta sua própria manufatura. Afinal, os velhos clientes e
amigos do Rio, lá continuavam.
Nasce a Dornelas Charutos e Cigarrilhas Ltda, focada no segmento afro-religioso. Em 2002 decidem-se por voltar às
origens, Nagé, onde permanecem operando.
Engenhoso, para reduzir custos, Dornelas usa papel de seda marrom como capote, em seus charutos de fumo
picado. Para colocação das capas conta com 14 charuteiras externas. Das suas vendas, 90% se destinam ao Rio deJaneiro.
Questionados, ele e sua mulher, quanto ao momento presente, atribuem à Igreja Universal a queda do consumo de
charutos, revelando-se conservadores, mas nem tanto.
São unânimes ao declarar [] de 2002 para cá o negócio caiu uns 40%, mas no momento se apresenta estável [] agora
o pessoal dos terreiros, quase todo, anda com a Bíblia debaixo do braço [] os charutos catarinenses ainda são mais
baratos [] está difícil trabalhar [] não sabemos por quanto tempo vamos suportar [] o cerco está fechando [] não é
mais uma maré, é um tsunami []
Estão se preparando para o pior.
Abriram, ao lado da fábrica, uma academia de ginástica.
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Bravas guerreiras
A meio caminho entre São Félix e Maragogipe, à margem direita do Rio Paraguaçu está Nagé, gente maragogipana
que se dedica à pesca e à manufatura de charutos. No passado, uma das fábricas Dannemann, lá funcionou. Foi nela
que ganharam a vida, pais e tios de Salvelina Santos Matheó, 71 anos, só conhecida por Dona Leninha.
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Casando aos 21 anos, o marido não queria que ela trabalhasse, costume da época. Mulher operosa, não se
conformou e, a conselho de uma das tias, operária da Dannemann, resolveu produzir charutos em casa. Em 1959,
portanto há meio século, com dois animais de carga, parte em direção a Muritiba para comprar fumos.
Cândido Pimentel foi seu primeiro fornecedor. O velho Cândido tinha dessas coisas, gostava de ajudar os outros.
Articula-se também com Marivaldo Souza, precursor dos charutos Ideal.
Em pouco tempo, contava com 26 mulheres trabalhando na manufatura doméstica, mais outras 51 na rua, forma de
referência na região fumageira, às charuteiras que trabalham em suas próprias casas.
O marido de Dona Leninha era saveirista. Dedicava-se ao transporte de mercadorias para Salvador, rio e mar afora. O
problema do transporte para o grande centro estava assim resolvido.
As entregas eram ponto a ponto. De Nagé até a famosa Feira de Água dos Meninos, floresta de mastros de saveiros,
lugar dos cheiros, dos gostos e das coisas da Bahia. Dos charutos populares, também.
Os negócios prosperaram. Seguiam no barco, 70 a 80 mil charutos semanais. Houve semanas de 100 mil. Nenhuma
burocracia. Tudo na base do toma lá, dá cá. A Feira de Água de Meninos não interessava aos fabricantes organizados
da época. Mas, lá se vendiam charutos. E muitos.
Dona Leninha instala-se num confortável nicho. Não que estivesse sozinha, mas competente que era e sem custos de
transporte, sobrepujava os incontáveis atravessadores que intermediavam charutos produzidos no Recôncavo, para
igual negócio.
Em paralelo, com o trabalho de suas charuteiras, muito contribuiu para complementar as produções das firmas
muritibanas Pimentel e Ideal, bem como a da cachoeirense H. Madeiro da Silva (Leite & Alves). Por isso que, muitas
vezes, quando se confrontam os volumes de produção das fábricas com as respectivas quantidades de empregados,
as contas não fecham.
Evoluindo, lançou os charutos Nagé, inspirados no formato e na embalagem da marca Batuta, produzida pela SouzaCruz. Viajavam de ônibus para as lojas de umbanda do Rio e São Paulo.
[] a feira nem bem sabia / se ia pro mar ou sumia / e nem o povo queria / escolher outro lugar / enquanto a feira não
via / a hora de se mudar / tocaram fogo na feira [] por cima da feira, as nuvens / na frente da feira, o mar / atrás do
mar, a marinha / atrás da marinha, o moinho / atrás do moinho, o governo que quis a feira acabar [] (ÁGUA DE
MENINOS, Gilberto Gil e Capinam, 1966).
Os anos passaram. Em 1964 a feira pegou fogo, o consumo de charutos diminuiu, mas Dona Leninha persistiu.
Atualmente trabalha por força do hábito. Instalada em sua aprazível casa em Nagé, contenta-se com seis mil
charutos mensais, produzidos por 11 mulheres.[] O consumo pode até continuar caindo, mas nunca terminará []
enquanto eu viver e até quando os governantes deixarem, vou continuar, assevera.
Em 1997, Lenivalda Matheó, filha primogênita de Dona Leninha, inclina-se para a atividade da mãe e dos avós. A
necessidade de sobrevivência contribuiu para tanto. Lenivalda vinha, antes, cuidando do comércio dos charutos em
São Joaquim, feira que substituíra a de Água de Meninos. Estabelecera valiosos laços comerciais e de amizade. Os
caminhos estavam abertos.
Em sociedade com seu filho, funda em Nagé a empresa Matheó Charutos e Cigarrilhas Ltda, sucedendo Dona
Leninha em seus negócios.
Em 2001 opta por transferir o fabrico para Maragogipe, conseguindo instalar-se – ironia do destino – numa das
dependências ainda não carcomidas pelo tempo, do prédio que pertencera à Suerdieck, abandonado desde 1992.
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E tocou sua vida. A Matheó, atualmente, opera com 10 funcionárias, mais 20 charuteiras externas. Lenivalda, tão
dedicada quanto a mãe, focou-se no mercado afro-religioso e destina cerca de 60% da produção de suas marcas
Ouro da Bahia, Itapoan, Cabaleros e Indi, para o mercado paulista.
Indagada a respeito do futuro é enfática [] de 2000 para cá, caiu muito [] tá difícil [] cada dia fica pior [] vou
empurrando com a barriga enquanto der [] continuar não sei como, mas tenho que continuar []
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4. DESAFIOS
Retrato do presente
Vale insistir que, sendo este trabalho voltado para charutos produzidos na Bahia, destinados ao mercado nacional,
excluindo exportações, há que se compreender a dificuldade para identificar números concretos do consumo
doméstico no passado, bem como para quantificar a presente realidade nacional, nesta incluindo-se charutos
procedentes de outros estados e importados.
Os fabricantes tinham como praxe propagar seus investimentos e lançamentos, suas despesas com pessoal, o
montante dos impostos pagos, os gastos com assistência médica, as dificuldades com transporte, a falta de capital
de giro, a quantidade de empregados, os aumentos da carga tributária, etc, mas no geral, não declaravam as
quantidades produzidas.
São raríssimas as citações encontradas. Quando aparecem, além de eventuais exageros, englobam, num só numero,
charutos e cigarrilhas, destinados tanto ao mercado interno, quanto ao externo. Como pistas, quando muito, nos
finais do século 20, anunciavam quedas percentuais de vendas.
Ao citarem os empregos gerados, para ressaltar a importância do segmento, muitas vezes, tinham por norma não
separar os ligados à manufatura propriamente dita, dos demais, vinculados ao setor de beneficiamento de fumos
para exportação. Fato que torna impossível estimar a produção de charutos com base no número de empregados.Soma-se a isto o processo de mecanização que foi implantado, no caso da Suerdieck.
Sendo assim, os volumes de produção citados neste trabalho, nasceram da garimpagem de dados que obtive por
força da minha atividade profissional, somados e cruzados com informações em entrevistas, periódicos e outras
fontes.
Segundo o JORNAL DO BRASIL, em 1985 o mercado interno consumia 80% da produção total, então formada por 30
milhões de charutos. Ou seja, na realidade o mercado nacional de charutos andaria na casa de 24 milhões de peças,
incluindo-se neste montante, charutos nacionais de procedência não baiana, bem como os importados, por vias
regulares ou não.
[] Hugo Carvalho, diretor da Suerdieck, embarca [] para Cuba [] negociando na área agrícola e manufatureira do
tabaco [] vai a convite do Ministério do Comércio do Exterior de Cuba [] tentará o licenciamento para produção no
Brasil de algumas marcas cubanas (JORNAL DO BRASIL, 1986).
Quando estive em Havana, em reuniões mantidas com os dirigentes do monopólio estatal, então CUBATACO
(Francisco R. Padrón Perez e Juan Moro Sarabia, entre outros), ao quantificar-lhes o mercado brasileiro, se
mostraram surpresos. Creio, até, tenham duvidado, imaginando estivesse escondendo os números reais.
Compreende-se o sucedido. Raciocinavam meus interlocutores, tendo em conta consumo interno cubano e a
população daquele país frente à nossa.
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Afinal, em 1910 com apenas 2,1 milhões de habitantes, o mercado interno cubano consumira 169,2 milhões de
charutos. Algo como 80,5 unidades per-capita ano. Mas, o fato é que no Brasil a situação era bem distinta. Tanto
que, respeitando a proporcionalidade cubana bruta de consumo, no ano 1910 nossos 24 milhões de habitantes,
teriam fumado a majestosa cifra de 193 milhões de charutos, quantidade nunca atingida no mercado interno. Nem
quando do ápice da atividade charuteira baiana.
Em 1930, Cuba apresentava um consumo médio anual por habitante, de 39,5 charutos. O nosso era de 3,5 unidades.
Num raciocínio matemático linear e desconhecendo nossa realidade, tinham razão os cubanos em duvidar.
No pico da produção destinada ao consumo nacional, acontecido no início dos anos 50, nossa média de consumo
bruta (população total) não ultrapassava 2,8 charutos por habitante.
Para se ter uma ideia da inexpressividade do consumo nacional, eis os números do consumo anual (charutos e
cigarrilhas englobados) por habitantes (maiores que 16 anos) de alguns países, nos anos 80. Dinamarca: 175;
Bélgica/Luxemburgo: 106; Holanda: 76; Suíça: 65; França: 45; Alemanha Ocidental: 36; Reino Unido: 34; Espanha: 32;
Suécia: 21 e América do Norte: 20 (STONE, 1983).
Nos dias presentes, quando o consumo nacional global, isto é, computando-se charutos e cigarrilhas, nacionais eimportados, anda no patamar de 30 milhões de peças, se confrontarmos com nossa população maior de 18 anos,
algo a redor de 115 milhões, vê-se que o consumo médio per capita está abaixo de 0,3 peça por ano.
Para detectar o quadro atual, organizei a produção e a demanda partindo de inúmeros pressupostos e análises.
Para tanto dissequei a produção em organizada e subterrânea (fabricos domésticos); os charutos, por sua vez, foram
apurados em premium, médios, populares e para rituais, com base na minha experiência e nas entrevistas com as 17
unidades produtoras baianas, de todos calibres; estimei as produções de outros estados, especialmente Santa
Catarina e São Paulo; levantei as importações regulares, projetando também o sabido contrabando de produtos
estrangeiros.
Em resumo, de tal trabalho posso afirmar.
A produção nacional anual de charutos (todas as categorias), destinada ao mercado interno, anda na casa de 5,8
milhões de unidades. Destas, 4,6 milhões são provenientes da Bahia.
Os charutos provenientes do Exterior, incluído o contrabando, se situam no patamar de 4,2 milhões de unidades.
· Assim sendo, o consumo nacional anual de charutos representa algo ao redor de 10 milhões de
unidades.
A produção nacional anual de cigarrilhas, destinada ao mercado doméstico, é da ordem de 9 milhões de unidades.As importadas, algo ao redor de 11 milhões. Total do consumo anual: 20 milhões.
Quanto aos charutos e suas origens, as duas tabelas, a seguir, falam por si.
MERCADO BRASILEIRO ANUAL
ORIGENS Charutos %
Bahia 4.600.000 46%
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Outros Estados 1.200.000 12%
Estrangeiro 4.200.000 42%
Totais 10.000.000 100%
MERCADO BRASILEIRO ANUAL
ORIGENS Charutos %
Regulares 7.831.000 78%
Clandestinas 2.169.000 22%
Total 10.000.000 100%
Para finalizar este capítulo, registro:
A produção baiana destinada ao consumo interno (4,6 milhões) é representada por 28,3% de charutos premium,
59,1% de charutos médios e populares; 12,6% de charutos para rituais.
O consumo total do mercado interno (10 milhões) é formado por 34,4% pelo segmento de charutos premium, 49,2%
pelo de charutos intermediários e populares e 16,4% pelo de charutos para rituais religiosos.
Eis, sem retoques, o retrato do presente. Pálida imagem do que seria nosso mercado, se o índice de consumo fosse o
verificado nos anos dourados da atividade.
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Remando contra a maré
A Bahia já nos deu régua e compasso, disse o poeta. Deu também, barões do açúcar, do cacau e do tabaco. Para
ficarmos nestes últimos, como comprovação, basta nos debruçarmos sobre as biografias dos pioneiros que se
dedicaram à exportação de fumos e à produção de charutos.
Os tempos do baronato fumageiro eram outros, provinciais, quando empregar muita gente era fator de prestígio e,
tão importante quanto, de se ganhar dinheiro. Falo da época dos chás das cinco, dos fraques, das galochas, dos
pedidos de casamento, do transporte no lombo de burros, dos vapores e das marias-fumaças, dos lampiões a gás,
das educadas galanterias. Do coração saltando boca afora, quando do primeiro beijo.
Tudo isto passou. Restou a aura que, como efêmera fumaça se dissipou, convertendo-se em um esperançoso
saudosismo, que contaminou o sangue daqueles que seguem na labuta, vendo a areia escorrer na ampulheta do
tempo.
Quando me iniciei no mundo mágico dos charutos, Benjamin Menendez, tutor do meu aprendizado, sempre repetia
que charutos feitos à mão eram produzidos por países pobres e consumidos por países ricos.
Estava aí a chave do enigma. Países pobres significavam países de baixa renda per capita, salários reduzidos e,
portanto, custos operacionais mais baixos.
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Nada custa repetir que charutos são formados, fundamentalmente, por dois custos diretos principais. Tabaco e mão-
de-obra. Grande parte do que se fuma ao degustar um charuto não se vê, não se aspira, não se sente o sabor, mas lá
está. O custo do manuseio das folhas de fumo.
Recordemos ainda que os primeiros charutos, no Brasil, surgiram antes da abolição da escravatura. Os pequenos
fabricos pioneiros tinham no primeiro escalão, técnicos estrangeiros; no segundo, uns poucos cidadãos livres e na
parte abaixo, um operariado servil formado por escravos ou quase isto.
Não foi por acaso que, em Cuba, chamou-se galera ao setor do fabrico propriamente dito. Os movimentos, contínuos
e repetitivos, de dezenas e dezenas de mãos manipulando o tabaco, evocavam a mesma monotonia dos escravos, no
andar de baixo das galeras romanas, ao manobrarem os remos propulsores.
Não era exclusividade da atividade charuteira o desamparo dos trabalhadores. Turnos de até 14 horas, emprego de
trabalho de menores, ausência de direitos das gestantes, de férias, do repouso remunerado, de indenizações, de
gratificação natalina, integravam o quadro sócio-econômico da época. Compromissos sociais com a mão-de-obra,
praticamente não existiam. Hoje, ultrapassam a casa dos 100% do valor dos salários.
Dá para se imaginar qual seria então, a representatividade do custo da mão-de-obra?
As inevitáveis e justas conquistas da classe obreira, ao longo do tempo, foram minando os custos, com reflexos
diretos nos preços aos consumidores. Os charutos tornaram-se cada vez mais caros. Falo do Brasil.
Para que melhor isto se compreenda, vejamos alguns números.
De acordo com cânones charuteiros dos anos 60, a mim transmitidos por Benjamin Menendez, o custo da mão-de-
obra direta, em charutos feitos à mão, não deveria ultrapassar o contravalor de 100 dólares por milheiro. No espaço
de 50 anos, chegou-se à casa dos 760 dólares, valor que agora está correspondendo a mais que o dobro do
dispêndio com o tabaco. Fuma-se cada vez mais mão-de-obra. As equações de custos dos fabricantes sofreram
completa reviravolta.
É importante que isso fique claro, para que se entenda boa parte do acontecido com a indústria charuteira baiana,
ao longo do século 20.
Lembremos também que os precursores, alemães em sua maioria, vinham para o Recôncavo Baiano para se
estabelecerem na compra, beneficiamento e enfardamento de fumos para o exterior.
O fumo em folhas foi, em todos os casos dos pioneiros da odisseia charuteira baiana, a base de formação da
atividade, a fonte para o acúmulo de capital, que lhes permitiu se voltarem para a produção de charutos.
Afora isso, até o auge da produção destinada ao mercado doméstico, o Brasil apresentava reduzida renda per-capita.
Em outras palavras, não tinha potencial para consumo de charutos premium. Somente para os das linhas ditas
intermediárias e populares. Isso explica o fato da Suerdieck, considerada num dado momento da sua história, como
uma das maiores unidades artesanais de charutos, não haver logrado êxito com produtos mais sofisticados.
Nunca tivemos um grande público para charutos em geral e, particularmente, para os ditos da linha nobre. A essa
realidade os produtores se ajustavam, pois mercado é mercado.
Acontece que, em tempos de inflação, o empobrecimento gradativo das classes consumidoras dos charutos
intermediários e populares; a concessão de prazos de pagamento dilatados; a crescente carga de impostos, sempre
exigindo mais capital de giro; as altas margens de comercialização que, num dado momento, começaram a ser
praticadas pelas tabacarias; o deslocamento dos consumidores para os cigarros, bem mais baratos; assim como aimpossibilidade de reduzir custos, via mecanização, dado à multiplicidade de opções fabricadas, num mercado em
queda, levaram ao quadro que arruinou as grandes companhias charuteiras baianas do século 20.
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A inflação dos anos 80, corroendo o poder de compra, deu sua parcela de contribuição. Para contornar a
necessidade da contínua edição de listas de preços, em 1984, a Menendez & Amerino, chegou a indexá-los em UPC
(Unidade Padrão de Capital), uma das muitas moedas paralelas que infestavam o mercado financeiro nacional.
Assim, ao menos, reduzia gastos com edições de tabelas. Fui o pai da criança.
Mas isso e nada foi a mesma coisa. Mais na frente, a continuada perda do valor de compra da moeda, levou os
fabricantes a, simplesmente, deixarem de publicar suas listas com sugestões de preços a serem praticados aos
consumidores. Cada qual se virasse como pudesse.
Remar contra a maré sempre fez parte da vida dos fabricantes de charutos.
Duvidam? Vamos então, dar um breve passeio em quatro tempos distintos.
Em 1892, o jornal A PÁTRIA, de São Félix, bradava [] Imposto de Consumo do Fumo por meio de estampilhas []
vexatório imposto que vai recair sobre o país, especialmente sobre o estado da Bahia [] são responsáveis o
Congresso Nacional e o Sr. Floriano Peixoto [] chegamos à conclusão de que [] o imposto federal equivale a uma
nova lei seca, calamitosa, [] porque tem sua origem na vontade despótica dos que atualmente governam o país []
Saltemos meio século.
Em 1944, o jornal CORREIO DE S. FÉLIX, em artigo assinado por Oldemar Santos, estudioso dos problemas da
atividade fumageira na época, registrava: [] quanto ao produto manufaturado podemos estabelecer os seguintes
fatores:
Número ilimitado de marcas em relação ao volume de produção.
Concorrência entre os fabricantes.
Falta de padronização da matéria-prima, garantindo uniformidade das marcas.
Concorrência subterrânea de produtos clandestinos vendidos à margem do fisco.
Ganância dos intermediários distribuidores.
Dificuldade na obtenção de capitais de giro a juros módicos, que permitam o armazenamento maior de matéria-
prima.
[] quando visitamos um retalhista de charutos ficamos espantados com o excessivo número de marcas produzidas []
a diversidade de marcas requer um número variado e infinito de rótulos, caixas, etiquetas, material de propaganda,
que drena os sacrificados lucros da indústria []
Avancemos agora, mais 40 anos.
Na imprensa internacional especializada, Revista TOBACCO REPORTER, lia-se: A fé [] no futuro tem como
fundamento [] a esperança de que não seremos forçados a encarar sucessivos aumentos tributários, nem severas
restrições nas publicidades de charutos, do contrário, [] o consumo de charutos sofrerá e isto, por sua vez, está
sujeito a um efeito negativo nesta indústria que relativamente intensa fonte de mão-de-obra, não só na Holanda,
mas também em outros países (STONE, 1983).
Pulemos outros 25 anos e cheguemos aos dias presentes.
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O pesquisador da conjuntura do fumo e sua manufatura, J. B. NARDI assinala em 2007 que [] O setor, em conjunto
está numa situação extremamente frágil. A perda progressiva de seus mercados [] faz com que esteja à beira de um
colapso, mesmo havendo algumas décadas pela frente, antes de sua provável extinção [] O fumo tem a vantagem de
conhecer o futuro [] tem um grande potencial, mas [] pouco explorado [] Diversos fatores ameaçam [] porém, pode
permanecer ainda muitas décadas, e até se desenvolver em alguns segmentos, mas precisa por isso de
reorganização, pesquisa, estratégias e planejamento.
A atividade fumageira como vimos, sempre se debateu com adversidades.
Ainda no campo das mesmas, anoto que até os anos 80, a presença de charutos oriundos do exterior, era
inexpressiva. Hoje, tais produtos estão respondendo por algo a redor de 42% do abastecimento do mercado interno.
Mais ou menos a metade deste percentual, incluindo-se aí a concorrência subterrânea (contrabando),
correspondente a charutos premium e a outra metade a charutos da linha intermediária, de preços mais reduzidos.
Tais produtos são extensões de marcas de renome, produzidas com charutos short-fillers, feitos à máquina. O
mercado consumidor, todavia não se apercebe da diferença, optando pelos mesmos, em detrimento dos produtos
baianos. Muitos consumidores, em compreensível busca de status, têm se deixado levar.
Por último, mas não em último lugar, assinalo que resistência e discriminação contra os charutos não são coisas
novas. Mesmo nos tempos nos quais fumar era ato politicamente não contestado, os cigarros desfrutavam de
aceitação mais ampla.
Relembro como exemplo marcante, os famosos avisos dentro dos coletivos, É proibido aos passageiros fumar
charuto, cachimbo ou cigarro de palha. Cigarros fumavam-se, sem problemas.
Por tudo isso, com o passar do tempo, o consumo dos charutos no Brasil, foi sendo expulso das camadas mais
populares, a base histórica da sustentação do negócio. Está resistindo, apenas, nos extratos superiores. Tanto que,
com a redução do consumo, aconteceu significativa mudança na configuração da demanda.
Tomando-se por base a estrutura das vendas da Suerdieck no século passado, exemplo mais significativo de
presença no mercado nacional, verificamos que os charutos premium representavam percentualmente, apenas 6%
no cômputo físico geral. Hoje, a análise da demanda brasileira suprida pelo comércio formal, revela que tal índice
anda na casa dos 38%. Numa leitura complementar, conclui-se que o consumo interno das demais categorias caiu de
94% para 62%.
Ao que tudo sinaliza, tal tendência deverá prosseguir, fazendo com que no século 21, os charutos sejam cada vez
mais elitizados. Palestras sobre harmonizações do produto com bebidas diversas e os clubes de aficionados, indicam
outros caminhos e abrem novas perspectivas sempre nesta direção.
Entendo que neste negócio, ante o atual dimensionamento do mercado interno, somente sobreviverão,
empresarialmente organizadas, as fábricas que se dedicarem aos produtos da categoria premium. Aqueles feitos à
mão, com status próprio. Que carregam consigo o toque de sofisticação que transforma cada unidade produzida
numa individualidade à parte.
Importante ainda ser dito, que não adianta somente gerar qualidade. Ante às limitações legais impostas à divulgação
do negócio, faz-se necessária competência para torná-la disponível e desfrutada. Em especial por se tratar de um
produto supérfluo e, cada vez mais, consumido por um público adulto, bem informado e com consciência de saber o
que quer.
Adversidades sempre existiram e sempre existirão. Não se deve remar contra a maré.
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Nisto reside o grande desafio para as atuais empresas do segmento.
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Última página
Opinião de um pesquisador
A ameaça que representa a queda e fim do consumo mundial do fumo devido à Convenção Quadro para Controle doTabaco se situa num horizonte próximo da virada do século XXII, segundo a Organização Mundial da Saúde. Não é
para agora, mas há de se preparar [] (NARDI, 2007).
Opinião de um brasileiro
É utopia achar que vão acabar os fumantes. Havendo fumantes, haverá quem produza tabaco.
Se insistirem em erradicar o tabaco do Brasil, ele fatalmente virá por contrabando. Aí mesmo é que nem o dinheiro
do imposto teremos.
Conseqüentemente, seguido da proibição, virá o tráfico do tabaco, que acabará em tragédias idênticas às do Rio deJaneiro.
Sábio presidente Lula, que declarou “Fuma quem quer”. Concordo plenamente.
Luiz Carlos Pauli, Santa Cruz do Sul, RS.
(VEJA Nº 2079).
E, por falar em fumar
Tem moça que quando vê
Um charuto, perde o prumo
E diz: com esta fumaça
Eu nunca me acostumo...
Mas quando está namorando,
Tá doida pra levar fumo.
(ANTÔNIO SILVA, 1988).
Pensamento final
Charuto é como um grande amor.
Há que saber manter acesa a chama.
Caso contrário, apaga.
Perde o encanto.
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MANANCIAIS
FONTES ORAIS
Altemir dos Santos Dias
Anatália Conceição da Silva
Antônio Leal Sales
Arend Becker
Arturo Eliseo Toraño
Denis Pedreira Velame
Felix Menendez
Fernando Alberto Fraga
Genádio Borges
Hans Joseph Maria Leusen
Hirohilton Vulpian Vivas
Ivonice dos Santos Conceição
Joaquin Velasco Menendez
José Henrique Barreto
Lenivalda Matheó
Leonel Dornelas Souza
Luiz Carlos Sandes
Marcus Roberto Dias Santos
Pedro Manoel da Costa
Pedro Rodrigues de Carvalho Filho
Renato Humberto Madeiro
Ricardo Machado Becker
Rose Mary Schinke Martfeld
Rosivaldo Vieira Oliveira
Salvelina Santana Matheó
Ubaldo Marques Porto Filho
Valdomiro Segedi Bellaguarda de Castro
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ARQUIVOS
Arquivo Histórico Municipal de Salvador
Arquivo Público do Estado da Bahia
Arquivo Público Municipal de Cachoeira
Arquivo Público Municipal de São Félix
Biblioteca Isaias Alves – Depto. História – Universidade Federal da Bahia
Casa da Cultura de Maragogipe
Fundação Gregório de Mattos
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia
Junta Comercial do Estado da Bahia
DOCUMENTOS EMPRESARIAIS
BECKER, Ricardo. Panorama atual da Manufatura Charuteira do Recôncavo Baiano. Palestra proferida na 24ª reunião
da Câmara Setorial do Fumo em Cruz das Almas, novembro, 2008.
MENENDEZ & AMERINO & CIA LTDA. “E hora de conhecer os bons charutos brasileiros” – Catálogo: Algo de Novo no
Mercado, outubro 1984.
SOUZA CRUZ, OITENTA ANOS DE BRASIL. Publicação dos fascículos encartados na revista VEJA nºs 764 a 771, 1983.
SINDITABACO/BA – Sindicato da Indústria do Tabaco no Estado da Bahia. Diversas estatísticas.
Relatório de impacto sócio-econômico das empresas de charutos do Estado da Bahia. Junho, 2008.
SUERDIECK, Gisela. Discurso por ocasião do cinqüentenário da Indústria de Charutos Pimentel, 20/09/1987 –
Arquivos do Autor.
SUERDIECK & CIA. Catálogo ilustrado comemorativo do 30º aniversário da empresa. Detmold, Alemanha:
Klingenberg Irmãos, 1935.
SUERDIECK S/A Charutos e Cigarrilhos. Boletim Suerdieck Trimestral – Coleção: Nº 1, janeiro, 1949 a Nº 43,
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1977 – Fábrica de Charutos Leite e Alves Ltda. (ex-H. Madeiro da Silva)
Menendez Amerino & Cia Ltda.
1981 - Rose Mary Schinke Martfeld (ex-Paraguaçu)
1997 - Manufatura Tabaqueira LeCigar Ltda.
Matheó Charutos e Cigarrilhas Ltda.
1998 - CHABA – Charutos da Bahia Ltda.
1999 - Dornelas Charutos e Cigarrilhas Ltda.
2000 - MR Charutos Ltda.
2001 - Josefina Tabacos do Brasil Indústria e Comércio Ltda.
2002 - Tabacos Internacional da Bahia Ltda.
2003 – Indústria de Tabacos da Bahia Ltda.
Luiz C. Sandes Charutos e Cigarrilhas
2004 - Maria Simões Gomes Velame
2005 - Don Francisco Com. Ind. Import. e Export. de Produtos Vegetais Ltda.
2006 - Manufatura de Charutos São Salvador Ltda.
2007 – R. Vieira Oliveira Charutos
Tabacos Mata Fina Indústria e Comércio Ltda.
OBRAS GERAIS
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PERSONA. “Hans Leusen. A vitória do otimismo”. Outubro, 1988, p 48
SENHOR. “Suerdieck – Volta à nobreza”. Nº 280, 29/07/1986, p 47.
VEJA. Coluna do Leitor. Nº 2079, 24/09/2008.
“Maus cidadãos”. Nº 2078, 17/09/2008.
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“Los cuba(ia)nos”. Nº 576, 12/09/1979.
ANUÁRIOS E ENCICLOPÉDIAS
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Grupo de Comunicações, Santa Cruz do Sul, 2000: 74:81.
ANUÁRIO BRASILEIRO DO TABACO 2008. “Onde há fumaça...”. Cleonice de Carvalho... *et al.+. – Santa Cruz do Sul:
Editora Gazeta Santa Cruz, 2008: 112.
ENCICLOPÉDIA DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS. Vol 20, Rio de Janeiro: IBGE, julho 1958.
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O autor
Hugo Adão de Bittencourt Carvalho nasceu em 1941, Porto Alegre, RS.
1960
Ingressa na indústria de tintas do Grupo Renner – para a qual trabalhou em Porto Alegre, São Paulo e Salvador. Até
1975.
1963
Gradua-se em Economia, pela Faculdade de Ciências Econômicas São Luiz, em São Paulo.
1976
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A convite do empresário Mário Amerino da Silva Portugal elabora projeto para implantação de uma fábrica de
charutos.
1977
Participa, como sócio, da fundação da MENENDEZ AMERINO & CIA LTDA., em São Gonçalo dos Campos, assumindo
uma das diretorias da empresa. Até 1985.
1978
Concomitante ao vínculo com a MENENDEZ presta seus serviços, como diretor e economista, na empresa AGRO
COMERCIAL FUMAGEIRA S/A, Cruz das Almas. Até 1981.
1981
Concomitante ao vínculo com a MENENDEZ presta seus serviços, como economista, na empresa exportadora de
tabacos AMERINO PORTUGAL INDÚSTRIA E COMÉRCIO S/A, Salvador. Até 1984.
1985
Constitui a empresa CHARUTOS & ARTESANATOS DA BAHIA LTDA, dedicada ao marketing direto de charutos para
consumidores.
Inaugura tabacaria no Mercado Modelo em Salvador.
Volta a trabalhar na direção da empresa AGRO COMERCIAL FUMAGEIRA S/A. Até 1987.
1986
A convite de Gisela Suerdieck assume a direção operacional da empresa SUERDIECK – CHARUTOS E CIGARRILHAS
LTDA, com fábricas em Maragogipe e Cruz das Almas. Até 1989.
1987
Assume também a direção da empresa PIMENTEL INDÚSTRIA DE CHARUTOS LTDA, em Muritiba. Até 1989.
1988
Inaugura outra tabacaria no antigo Hotel Le Meridien, em Salvador.
Assume a distribuição atacadista dos produtos Suerdieck no Estado da Bahia.
1991
Desliga-se das duas tabacarias e do comércio atacadista de charutos.
Transfere residência de Salvador para São Gonçalo dos Campos.
1992
Volta a prestar serviços na empresa MENENDEZ AMERINO & CIA LTDA.
1997
Passa a escrever crônicas intituladas FUMAÇAS MÁGICAS.
2004
Aposenta-se.