Aviso aos navegantes
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o www .scielo . br
As publicações científicas brasileiras estão ao alcance de suas mãos. Não importa
em que parte do mundo você esteja
SciELO - Scientific Electronic Library Online é uma biblioteca de revistas científicas disponível na Internet. Uma biblioteca virtual que reúne 55 publicações científicas brasileiras. Sua interface permite o acesso fácil aos textos completos de artigos científicos, por meio das tabelas de conteúdos dos números individuais das revistas ou da recuperação de textos por nome de autor, palavras-chaves, palavras do título ou do resumo.
A SciELO publica também relatórios atualizados do uso e do impacto da coleção e dos títulos individuais das revistas. Os artigos são enriquecidos com enlaces dinâmicos a bases de dados bibliográficas nacionais e internacionais e à Plataforma Lattes no CNPq.
SciELO é produto do projeto cooperativo entre a FAPESP, a BIREME!OPAS/OMS e editores científicos brasileiros, iniciado em 1997, com o objetivo de tornar mais visível, mais acessível e incentivar a consulta das mais conceituadas revistas científicas brasileiras. Em 1998, a coleção SciELO Brasil passa a operar normalmente na Internet e projeta-se rapidamente como modelo de publicação eletrônica de revistas científicas para países em desenvolvimento, em particular da América Latina e Caribe. Ainda em 1998, o modelo é adotado pelo Chile e em 1999 começa a operar a coleção SciELO Saúde Pública, com as melhores revistas científicas de saúde pública ibero-americanas. Outros países estão em processo de incorporar-se à rede de coleções SciELO.
O modelo SciELO destaca e valoriza a comunicação científica brasileira . Ao mesmo tempo, proporciona mecanismos inéditos de avaliação de uso e de impacto das nossas revistas científicas, em consonância com os principais índices internacionais de produção científica.
Adote a SciELO como sua biblioteca científica.
GOVERNO DO ESTADO DE
SÃO PAULO
Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico BIREME I OPAS I OMS www.fapesp.br
6 Muito se falou sobre a
vida política de Mário Covas, morto no
começo do mês. Mas pouco foi dito sobre sua
contribuição para a ciência e tecnologia de
São Paulo e do país. Pesquisa FAPESP presta sua
homenagem ao governante que melhor
soube apoiar o setor
EDITORIAL •••••••••• •••••••••••••• • • S
HOMENAGEM •• •••••••••••••••••• • • • 6
OPINIÃ0 • ••••• • •• • ••••••••••••••••• 11
ÉTICA ............................. 12
POLITICA CIENTÍFICA
E TECNOLÓGICA .................... 14
ESTRATÉGIAS . . .. . .. . . . .... .. .. . . ...... 14
CENSO CIENTÍFICO ........... .. ... .... 18
DEMANDA GARANTIDA ... . . . .. . ....... 20
CONSÓRCIO CONTRA A MALÁRIA . .... . . 21
CIÊNCIA ....•....•.....•••......••. 22
LABORATÓRIO ... . .. . .. . .. . .... . . .. . . . 22
GOLPE NO ORGULHO VÃO ............. 24
MARCADOR DETECTA CÂNCER . .. . .... . 34
ÁGUA, RIQUEZA EM EXAME ............ 35
SEM BICHOS, FLORESTA MORRE . .. . . . .. . 38
PROGRAMADOS PARA VER . ... . .. . •. . .. 44
TECNOLOGIA •••••••••••••••••••••• 48
LINHA DE PRODUÇÃO ..... . .... . ...... 48
VIGIA DE VENTOS E ONDAS . ........... 50
CARTÓRIOS NO MUNDO DIGITAL ....... 56
À PROVA DE TEMPO RUIM .. . .. . .. . .. . .. 58
TRATAMENTO COM QUALIDADE .. . ..... 60
HUMANIDADES ••••••••• • •••••••••• 62
EM BUSCA DO PENSAMENTO PERDIDO .. .. . . . .. . . .. . . . 62
AS ARMADILHAS PARA O REAL .. . ...... 65
LIVROS ••••••..... • .....•. • .. • ..••• 68
LANÇAMENTOS •••••• • ••••••••••••• 69
ARTE FINAL •••••••••• • ••••••• • ••••• 70
Capa: Hélio de Almeida, sobre foto de Michel Filho/Agência O Globo
24 A publicação do seqüenciamento quase completo do genoma humano atesta as semelhanças científicas entre as espécies
38 Pesquisa revela que o desaparecimento de animais dispersares de sementes é mais uma ameaça à Mata Atlântica
50 Grupo do lnpe estuda a formação de ciclones no Atlântico Sul e mantém um serviço de previsões meteorológicas de ventos e ondas para o mar brasileiro
62 Pesquisa recupera a evolução do pensamento científico e tecnológico português e brasileiro do século 16 a 1900
PESQUISA FAPESP • MARÇODElOOI • 3
Correção
Constatei uma incorreção na edição número 59 desta revista, na seção Política Científica e Tecnológica, reportagem sobre o Programa de Políticas Públicas. Na tabela "Os já aprovados para a segunda fase", a instituição proponente do projeto do qual sou coordenador - Diagnóstico agroambiental para gestão e monitoramento da bacia hidrográfica do rio Jundiaí-Mirim- é o Instituto Agronômico de Campinas (SAGRSP/IAC) e não a USP, como foi publicado.
JENER FERNANDO LEITE DE MORAES Instituto Agronômico de Campinas
Campinas, SP
Revista
Sou bióloga formada no Centro de Excelência Barão de Mauá em Ribeirão Preto, SP, e estagiária de Biotecnologia da Unesp de Jaboticabal. Tive acesso a algumas edições desta revista e fiquei entusiasmada com o enfoque sobre tudo o que acontece no mundo da ciência.
SILVANA POMPÉIA DO VAL DE MORAES Ribeirão Preto, SP
Sou aluno do Centro Regional Universitário de Espírito Santo do Pinhal (SP), do curso de Engenharia Agronômica. Vendo a revista Pesquisa FAPESP de um assinante, achei muito interessante os temas abordados e excelente a apresentação deles.
G!OVANI APARECIDO GOMES Guaxupé,MG
Sou estudante de Odontologia da Universidade Federal de Juiz de Fora. Quero parabenizar a revista Pesquisa FAPESP pelo seu sucesso. Leio sempre que posso, pois tenho amigos que a recebem. Seus temas são atuais, importantes e inteligentes.
ARI AzEVEDO CORTES Juiz de Fora, MG
4 · MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
CARTAS
Sou engenheiro agrônomo formado na Universidade Federal de Santa Catarina e gostaria de receber a revista Pesquisa FAPESP, publicação bastante interessante. Parabéns a toda a equipe pelo trabalho.
ALEXANDRE PARIZZOTTO Videira, SC
Parabéns ao grupo responsável pela edição da revista Pesquisa FAPESP, que se tornou uma das minhas leituras preferidas. Numa visita a minha casa, um amigo se interessou pela publicação, levou todos os números que eu tinha e gostou demais. Desde então tenho levado os novos números para ele. Seria possível ele receber regularmente a publicação?
FRANCISCO CARLOS LAVARDA Depto. de Física- Unesp/Bauru
Bauru, SP
Sou estudante da Fatec-Sorocaba/SP e me interesso por tecnologia e pesquisa científica. Li algumas edições da revista Pesquisa FAPESP e me entusiasmei com as matérias publicadas. Estou interessado em recebê-la regularmente, para usá-la na faculdade e uo meu enriquecimento profissional.
EDUARDO JOSÉ DUTRA São Roque, SP
Sou estudante de escola pública e quero participar desse universo fascinante de conhecimento e tecnologias que se encerra no nosso país e em todo o mundo. Gostaria de receber a revista Pesquisa FAPESP para absorver novos conhecimentos e poder multiplicá-los em grupos de discussões. Futuramente estarei cursando Física em uma universidade pública, onde me dedicarei à pesquisa.
RENATA MARTINS Sorocaba, SP
Gostaria de saber como receber a revista Pesquisa FAPESP, valiosa
obra de divulgação científica. Sou estudante do curso de mestrado da Universidade de Uberaba.
Charge
FRANCIELLE SOUZA PARREIRA Uberaba,MG
Lamentei que uma revista como a Pesquisa FAPESP se preste a divulgar matéria de conteúdo sexista, como a que mostra em Arte Final da edição N° 61. Ficam aqui registradas a minha decepção e a minha indignação.
MARIA DO CARMO NICOLETTI Centro de Ciências Exatas
e de Tecnologia/UFSCar São Carlos, SP
Fotos sem crédito
Na edição passada da revista Pesquisa FAPESP, a foto acima foi publicada sem o crédito: Arnaldo Moura Bezerra.
p...~~~.;,;;~;;.;..~~~F.'~-:::=::':'a:.-::! 9
Na mesma edição, a foto acima também foi publicada sem o crédito: Lalo de Almeida/ Agência Folha.
5
PESQUISA FAPESP ~UMA PUBLICAÇÃO MENSAL
DA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PROF. DR. CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ PRESIDENTE
PROF. DR. PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO VICE·PRESIDENTE
CONSELHO SUPERIOR ADILSON AV ANil DE ABREU ALAIN FLORENT STEMPFER
CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO
FLÁVIO FAVA DE MORAEI JOS~ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA MAURICIO PRATES DE CAMPOS FILHO
MOHAMED KHEDER ZEYN NILSON DIAS VIEIRA JUNIOR
PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO RICARDO RENZO BRENTANI
VAHAN AGOPYAN
CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO PROF. DR FRANCISCO ROMEU LANDI
DIRETOR PRESIDENTE
PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENG LER DIRETOR ADMINISTRATIVO
PROF. DR. JOS~ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTIFICO
EQUIPE RESPONSÁVEL
CONSELHO EDITORIAL PROF. DR. FRANCISCO ROMEU LANDI
PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENG LER PROF. DR. JOS~ FERNANDO PEREZ
EDITORA CHEFE MARILUCE MOURA
EDITORES ADJUNTOS MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS
NELDION MARCOLIN
EDITOR DE ARTE H~LIO DE ALMEIDA
EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CitNCIA) CLAUDIA IZIQUE (POLITICA C&D
MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) MÁRIO LEITE FERNANDES (ENCARTES)
EDITOR·AIIIITENTE ADILSON AUGUSTO
REPÓRTER ESPECIAL MARCOS PIVETIA
ARTE JOS~ ROBERTO MEDDA (DIAGRAMAÇÀO)
TÃNIA MARIA DOI SANTOS (DIAGRAMAÇÃO E PRODUÇÃO GRÁFICA)
COLABORADORES ANA MARIA FlORI CRISTINA DURÁN
LUCAS ECHIMENCO OITO FILGUEIRAS ROBERTO TANAKA
SHEILA GRECCO SUZEL TUNES
FOTOLITOS GRAPHBOX-CARAN
IMPRESSÃO GRÁFICA BANDEIRANTES
TIRAGEM: 24.000 EXEMPLARES
FAPESP RUA PIO XI, N° 1500,CEP 05468-901
ALTO DA LAPA- SÃO PAULO- SP TEL. (O- 11 I 3838-4000- FAX: (O- 11 I 3838-4117
ESTE INFORMATIVO ESTA DIIPONIVEL NA HOME-PAGE DA FAPESP:
http://www.fapesp.br e-mail: [email protected]
Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do FAPESP t PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRtVIA AUTORIZAÇÃO
SECRETARIA DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO ECONOMICO
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
EDITORIAL
Exemplo de como apoiar a pesquisa
Quando o governador Mário Covas morreu, no dia 6 de março, sua vida pública e pri
vada foi repassada de alto a baixo. Todas as vozes ouvidas foram unânimes em lembrar a extrema retidão com que ele se portou durante a carreira política, sua coragem na luta contra a ditadura e de como agiu, na medida certa, para reerguer São Paulo nos seis anos em que governou o Estado. Mas o que pouco se falou é de sua atuação a favor da ciência e tecnologia paulista. Sem hesitação e com entusiasmo, Covas valorizou a produção científica das universidades e institutos de pesquisa. E soube ver, como nenhum outro antecessor, a importância do trabalho dos pesquisadores para o desenvolvimento pleno do país. Em outubro de 1999, durante cerimônia para o anúncio dos primeiros projetas aprovados no programa de pesquisas em políticas públicas, ele ressaltou a importância da "sintonia do sistema de pesquisa com a promoção do bem-estar e da justiça social". A revista Pesquisa FAPESP substitui nesta edição a seção Memória pela homenagem ao homem público que sempre enxergou a ciência e tecnologia com clareza, sem subestimar seu papel, prática tão comum em outros governantes (página 6). Exemplo que certamente será seguido pelo governador Geraldo Alckmin, que, por formação, sempre esteve perto e atento às coisas do setor.
A capa da edição deste mês é um exemplo perfeito de como a ciência deve servir ao bem-estar da sociedade, como pregava Covas. Um projeto temático financiado pela FAPESP possibilitou a criação de um serviço que, certamente, já salvou muitas vidas em toda a costa brasileira. Do interior de São Paulo, a partir do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o matemático Valdir Inno-
centini criou um serviço de previsão de ciclones. Quando o Sistema de Previsão de Ondas, desenvolvido por ele e sua equipe, detecta o fenômeno se formando no Atlântico Sul, emissoras de rádio, televisão e jornais do litoral brasileiro são informados para avisar a população da possibilidade da propagação de ondas gigantes nas regiões costeiras. Informados, os pescadores não saem para o mar e as pessoas ficam longe dos penhascos. Em duas ocasiões em 1999, os alertas do time de Innocentini ajudaram a evitar mortes. A reportagem sobre a pesquisa e este belo serviço começa na página 50.
A comemoração na divulgação do seqüenciamento do genoma humano causou uma certa frustração ao fim do anúncio dos dois grupos que trabalhavam no projeto. As equipes de Francis Collins e Craig Venter -respectivamente, líder do consórcio público internacional e da empresa privada norte-americana Celera Genomics - mapearam 95% dos genes humanos e concluíram que eles são em muito menor número do que se pensava. Temos, segundo os dados divulgados, por volta de 30 mil genes, apenas o dobro do que possuem vermes e moscas. Um golpe no orgulho do homo sapiens, como conta a reportagem que detalha o grande trabalho dos dois grupos (página 24) .
Em entrevista exclusiva à Pesquisa FAPESP (página 28), o polêmico Craig Venter esquece a decepção e joga a bola para a frente. Ele acha que o número de genes é uma excelente base para os pesquisadores seguirem adiante e tentar entender melhor como o genoma humano funciona. "Quem só enxerga os genes ou o ambiente sai perdendo", disse. "É preciso ver os dois juntos." Resta aos pesquisadores continuar com as mangas arregaçadas.
PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 • 5
HOMENAGEM
Por um Brasil senhor de si Governador Mário Covas sempre soube que não se faz um país sem ciência e tecnologia
,;
E explicável que nas centenas de textos produzidos sobre o governador Mário Covas des- de 6 de março, ou melhor, desde
o agravamento de seu estado de saúde e conseqüente internação no Incor, em 25 de fevereiro, pra- ticamente nenhuma palavra tenha sido escrita sobre sua influência na história recente da pesquisa científica e tecnológica brasileira. Afinal, na bela biografia do personagem são tantos os elementos emblemáticos para compor o perfil de alguém que
se consagrou por inteiro à Política (com p maiúsculo), que aspectos não exatamente menos importantes, mas um tanto mais discretos -ou menos valorizados pelos que tentam contar dia após dia a história da política no país - terminaram por ficar sob uma certa sombra.
Mário Covas, no entanto, não só deu provas suficientes de visão es-
Com os amigos (é o quarto à direita, agachado) entre os atletas da Associação da Universidade Santista
Momentos depois de dizer "sim" a Lila, no altar da Igreja
Matriz de Santos,
Covas garoto (terceiro da esq. para a dir.) quando nadava no Clube Regatas Saldanha da Gama, em Santos, em 1944
em 1 9 54 L-L!.-'-"" __ .>..l. _ _:______)L.l.L
tratégica no tratamento da ciência e da tecnologia, como desenvolveu ações muito concretas em benefício dessa área, a ponto de merecer do presidente e do diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz e José Fernando Perez, em artigo recente, o epíteto de "governador da pesquisa". Assim, a medalha do Mérito Científico e Tecnológico, que ele instituiu em março de 2000
e distribuiu para as duas centenas de cientistas responsáveis pelo seqüenciamento da X. fastidiosa numa festa memorável, e o troféu Árvore dos Enigmas (escultura de Elvio Becheroni), criado na mesma ocasião e concedido aos 35 laboratórios em que se desenvolveu o projeto, são de certa maneira apenas os produtos mais visíveis de muitos de seus atos em prol da ciência e da
PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2001 • 7
tecnologia à frente do governo do Estado de São Paulo.
No artigo de Brito e Perez são registrados vários outros momentos expressivos do apoio do governador à área de pesquisa. Em palestra no dia 13 de maio na Federação das Sociedades de Biologia Experimental, o diretor científico lembrou que ao anunciar, em outubro passado, o nome dos dez primeiros centros apoiados pelo programa dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid), Covas se declarou disposto a aumentar em 20% a dotação que é destinada à FAPESP.
A revista Pesquisa FAPESP, ao se reunir aos veículos que homenagearam o governador, lembra esse lado de Covas, sua sensibilidade em relação à área de C&T, manifestada inclusive quando, senador, presidiu a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, em 1991, sobre as causas do atraso tecnológico do país. É esse lado que o artigo de seu colaborador de tantos anos, Gerson Ferreira Filho, destaca. Ferreira é coordenador da Unidade de Gestão Estratégica da Secretaria de Governo do Estado de São Paulo.
Pelas sendas do conhecimento GERSON FERREIRA FILHO
Discursando durante
campanha para a
prefeitura de Santos,
em 1960. Covas perdeu
a disputa
Como deputado, em 1968, na luta para defender o Congresso contra a interferência dos militares
Ao lado da mulher, Li la, em 1983, já como
prefeito nomeado de São Paulo
Covas esteve na linha de frente na eleição de Franco Montoro ao
......_ ____ __j'"-'---__ ..__.:.:__ ..l___JL__ __ _.._._L____J governo de São Pau lo, em 1982
Estamos escrevendo estas notas no sétimo dia após a morte de Mário Covas. Tivemos, pois, o azo de ler e ouvir o muito que foi dito sobre a honestidade, a coerência, o exercício diário da dignidade, a coragem na adversidade, a credibilidade de quem não mentia, não prometia o improvável, e podia dispensar adesões condicionais.
Do que não foi dito, porém, há algo que transcende a tudo isso: Mário Covas tinha um amor extremado pelo seu país. Amava-o mais do que a si mesmo, e, portanto, muito mais que ao Santos Futebol
8 • MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
Durante comício pelas
Diretas na Praça
da Sé, em 1984, falando para 1 milhão
de pessoas
Já doente, enfrentando uma manifestação de professores na Praça da República, em junho do ano passado
Na homenagem aos pesquisadores que mapearam a bactéria Xylella, em 2000
Com velhos com pa n hei r os na criação do lançamento do novo partido, o PSDB, em 1988
Clube. Mas o seu país, é claro, não era apenas o que se vê nos mapas e se mede nas estatísticas. Na sua visão apaixonada o Brasil era o conjunto de todos nós e assim, nessa sua unidade geográfica, o Brasil era, também, cada um de nós. Para ele, cada cidadão era um pedaço do seu país; e quem de fato amava ao seu próximo, no contexto das suas vicissitudes, e na perspectiva de um sentimento nacional mais amplo, não tinha saída: tinha que ter vergonha na cara.
Queria ser Presidente? Cremos que sim, mas não a qualquer preço, e apenas para
.. --.-~....,,.....,....--.--..~..,llir---~=-:J suas bandeiras. Para um país ~ {< mais forte, mais solidário e, por .. certo, mais senhor de si. Por ele, ~ bastava estar sendo útil onde o a
Com o presidente da FAPESP, Brito Cruz, ao lançar o Programa de Inovação Tecnológica
em Pequenas Empresas, em 1997
Cumprimentando populares, em dezembro
de 2000, na saída do lncor: coragem reconhecida
país mais precisasse; em toda a sua vida, o poder sempre foi um meio para servir, e mais nada.
Em prol das grandes causas, porém, ele era cônscio da urgência de um esforço coletivo, e mais que isso, diferenciado. Para um país senhor de si, hoje mais do que nunca, há que se trilhar pelas sendas do conhecimento. Essa a explicação que intuímos para o apreço tão grande que Mário Covas tinha pelos cientistas. Amar a sua ciência (e sempre que possível, usá-la como uma alavanca) parece-nos uma forma inteligente que o cientista dispõe para amar ao seu próximo, e também ao seu país.
Cremos, pois, que não corremos riscos ao agradecer, em nome dele, à FAPESP e aos cien
tistas, pelo que vêm fazendo nessa direção; somos testemunhas de que o reconhecimento público aos participantes da aventura do Genoma Xylella foi, para Mário Covas, um dos momentos de maior felicidade pessoal durante o seu governo. Mas sentimos, também, que ele quis fazer daquele evento um marco em favor da criatividade, da solidariedade e da persistência. •
PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 • 9
• --......._ .._ - ,..., - .'<-
" à . . I . G . C O N F E R .
Brazilian lnternational e nome Conference
C T Ministério da Ciência e
BRASIL Tecnologia
~ c.__:::;;T
LUDWIG INSTITUTE FOR CANCER RESEARCH
Março, 26-29, 2001 -Angra dos Reis- Rio de Janeiro- Brasil Temas Abordados: Genômica em Humanos, ltamíferos, Plantas e lticróbios
Pa/estrantes Confirmados:
Sérgio Verjovski-Aimeida, Paulo Arruda, Charles Auffray, Anamaria Camargo, Luiz (amargo,
Phil ip Campbell, Paul Farrell, Terry Gaasterland, Michael Galperin, Walter Gilbert, Philippe Glaser,
Winston Hide, Jõerg Hoheisel, Tim Hubbard, Victor Jongeneel, Oli Kallioniemi, Pui-yan Kwok,
Joshua LaBaer, Rob Martienssen, Sara Melville, Gene Myers, Steve O'Brien, Ross Overbeek,
Svante Paabo, Sergio Pena, Nicole Perna, José F. Perez, John Quackenbush, Mark Ragan,
Fernando Reinach, Luis Fernando Reis, Marcelo Bento Soares, João Setubal, Andrew Simpson,
Richard Simpson, Sandra de Souza, Robert Strausberg, Mike Stratton, Marie-Anne Sluys,
Steve Tanksley, Mathias Uhlen, Julio Collado Vides, James Womack, Kurt Wuthrich.
Patrocinadores
amersham pharmacia biotech
•
Prazo e Taxas
A plied Biosystems
Taxa de Participação: R$200,00- Estudantes: R$ 100,00
OPINIÃO
MAYANA ZATZ
Mulheres na ciência Os difíceis caminhos enfrentados pelas pesquisadoras em todo o mundo
Quando se anunciou que eu havia recebido o prêmio Unesco/L'Oréal for Women in Sciences as perguntas dos jornalistas naci
onais e mternacionais eram: Como é ser uma mulher na ciência? Quais as dificuldades que uma mulher cientista enfrenta no Brasil? Que conselhos você daria às jovens que querem ingressar na carreira científica?
Para surpresa geral, respondi que as dificuldades enfrentadas na minha carreira científica foram as mesmas que um homem enfrentaria, pois nunca me
coordenadoras de projetas temáticos da FAPESP e menos de 10% dos professores titulares da Universidade de São Paulo ou dos membros da Academia Brasileira de Ciências são mulheres.
Será que isso ocorre porque há uma discriminação contra aquelas que tentam galgar posições mais elevadas ou é uma opção das próprias mulheres que querem trabalhar menos após uma certa idade? A participação feminina diminui após os
34 anos, que coincide com o período no qual, hoje, muitas decidem ter filhos. Enfrentar a dupla jorna-
senti discriminada por ser mulher no Brasil. Mas será que isso é verdade para todas as pesquisadoras? Dados da Unesco mostram que apenas 5% a 10% das mulheres no mundo galgam funções de responsabilidade no campo das ciências.
1
' "Mesmo nos Estados Unidos
da de mãe e profissional certamente não é fácil e muitas não conseguem se dedicar tanto à pesquisa como gostariam ou deveriam.
Ainda hoje, mesmo na Europa e nos Estados Unidos, as mulheres são minoritárias em ciências. Na França, são 32% no CNRS ( Conselho Nacional de Pesquisa) enquanto nos Estados Unidos a participação das mulheres é em média de
e na Europa, ainda somos um grupo minoritário no campo das
A meu ver, as jovens mulheres que se iniciam na carreira científica não devem abdicar da experiência fantástica de ter filhos, apesar das dificuldades de se conciliar a carrei-ra com a maternidade. Acreditar que podemos contribuir e ousar,
ciências,
-
30%, variando de acordo com a disciplina (de 10% na matemática a 48% na psicologia). De acordo com uma pesquisa recente (Nature, dezembro de 2000), na Itália, os homens têm três vezes mais chances de atingir posições de chefia. E dentre aquelas que são líderes de pesquisa cerca de 40% não têm filhos.
No Brasil, de acordo com o CNPq, as mulheres constituem 43,7% das pesquisadoras, apesar de a proporção relativa diminuir com o aumento da faixa etária: 45,9% a 41,5% no grupo de 35 a 54 anos e ao redor de 30% entre 55 e 64 anos. Segundo essa projeção, o número de mulheres vai superar o de homens até o final da década. A questão é: será que isso também vai ocorrer nos postos de liderança? Quando se analisa a porcentagem de mulheres que lideram pesquisas, a desproporção sexual é gritante. Apenas 21 o/o das mulheres são
· sem medo de receber um não ao submeter um projeto de pesquisa ou um trabalho para publicação.
Se optamos pela carreira cientí-fica porque temos um verdadeiro
questionamento interior, se vibramos a cada nova descoberta ao mesmo tempo que abrimos um leque de novas questões, se trabalhamos incansavelmente em um problema simplesmente porque queremos compreender, porque queremos ajudar, certamente teremos nosso trabalho reconhecido mais cedo ou mais tarde. O sentimento de tentar contribuir para uma maior compreensão de um problema científico, para um mundo melhor e mais justo será certamente, independentemente de nossa posição hierárquica, a maior recompensa.
M AYANA Z ATZ é professora do Instituto de Biociências da USP e coordenadora do Centro de Estudos do Genoma
Humano (Cepid-FAPESP)
PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 • 11
ÉTICA
LUI Z H ENRIQUE LOPES DOS SANTOS E JOSÉ FERNANDO PEREZ
Conflito de interesses: um desafio inevitável
Na exata medida em que vem crescendo a importância da pesquisa científica e tecnológica no contexto da vida econômica, tor
nam-se mais freqüentes situações em que os resultados do desenvolvimento de projetas de pesquisa promovem ou contrariam interesses econômicos objetivos, seja dos pesquisadores neles envolvidos, seja de empresas ou instituições responsáveis por seu financiamento, ainda que parcial. Até que ponto essa situação interfere na fidedignidade científica desses resultados? Como medir o grau dessa fidedignidade em cada caso? Quais os parâmetros relevantes para medi-lo? Em todo o mundo, há hoje um de-
tos colaterais tenham sido adequadamente avaliados. Esses múltiplos interesses podem, é certo, convergir - mas também é certo que podem divergir. Seja como for, configura-se uma situação, bem descrita pelo termo "potencial conflito de interesses': cujas ressonâncias tanto éticas quanto propriamente científicas não podem ser subestimadas.
Suponhamos que alguém seja encarregado de apitar um jogo de futebol de que participe seu filho. Tratando-se de uma pessoa absolutamente íntegra, o potencial conflito de interesses é extremo: o
desejo de que o filho tenha sucesso pode conflitar com o desejo de conduzir-se de maneira completamente
bate intenso e salutar sobre essas questões, envolvendo agências de fomento, publicações científicas, universidades, pesquisadores, empresas e governos. Por exemplo, o New England Journal of Medicine, um dos mais importantes periódicos científicos do mundo, tem publicado vários artigos a esse respeito.
" O exercício da capacidade
imparcial. Se todas as decisões de um juiz de futebol pudessem ser tomadas mediante a aplicação mecânica de regras explícitas, a existência desse conflito, na hipótese da integridade do juiz, em nada poderia interferir no resultado final do jogo. Ocorre, porém, que muitas dessas decisões dependem de avaliações que comportam boa dose de subjeti-
de julgar pode ser i nvol unta ria mente afetado por potenciais conflitos de interesses,
Para melhor ilustrar a complexidade do problema e a relevância desse debate, consideremos um caso típico e ordinário. Antes de ser colo-cado no mercado, por uma empresa farmacêutica, um novo medicamen-to, pesquisas devem ser realizadas a fim de determinar se ele é realmente eficaz e se não tem efeitos colaterais nocivos. Via de regra, tais pesquisas contam com financiamento da empresa -objetivamente interessada em demonstrar que seu produto é bom e inofensivo - e, muitas vezes, são realizadas por pesquisadores por ela empregados ou contratados- objetivamente interessados no sucesso financeiro da empresa, de que depende, por exemplo, a manutenção de seus empregos ou a obtenção de futuros contratos e financiamentos. A esses interesses, soma-se o interesse ético e profissional dos pesquisadores em realizar seu trabalho segundo a boa metodologia científica, bem como o interesse da sociedade em dispor de um produto apto a resolver problemas de saúde, mas com garantias razoáveis de que os riscos de possíveis efei-
12 • MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
vidade e é precisamente aí que o potencial conflito faz sentir seus efeitos: involuntariamente, pode ser tomada uma decisão favorável ao filho, que não seria tomada em outras circunstâncias; ou, pelo contrário, na ânsia
de agir com isenção, o juiz pode tomar uma decisão prejudicial ao filho, que não seria tomada em outras circunstâncias. Em suma, o potencial conflito de interesses pode interferir no exercício da capacidade de julgar do juiz, de uma maneira que não pode, por princípio, ser por ele precisamente identificada, controlada ou evitada. Ainda que, de fato, não interfira, a percepção do grau de isenção de suas decisões será inevitavelmente afetada pela existência do potencial conflito de interesse.
Em muitos aspectos, as conseqüências de um potencial conflito de interesses na pesquisa científica e tecnológica são da mesma espécie. Com efeito, em vários momentos de seu trabalho, os pesquisadores são obrigados a tomar decisões cuja correção não se pode medir, de antemão, por nenhum con-
junto de regras precisas e explícitas- decisões relativas, por exemplo, a estratégias alternativas de condução da pesquisa ou à determinação do valor de dados certamente relevantes, porém não inteiramente conclusivos, ou até mesmo conflitantes entre si. Nesses momentos, a qualidade das decisões tomadas depende essencialmente de uma capacidade de julgar dos pesquisadores que se poderia chamar de "bom senso metodológico", fruto principalmente da conjugação de sua experiência com seu talento. É o exercício dessa capacidade que pode ser involuntariamente afetado por potenciais conflitos de interesses - de uma maneira que não pode, por princípio, ser por eles precisamente identificada, controlada ou evitada. Também aqui, a percepção do grau de isenção das decisões tomadas pode ser afetada pela existência de potenciais conflitos de interesses.
O modo mais simples de afastar os riscos de uma situação de conflito de interesses é impedir seu aparecimento: o pai não apitará um jogo de que participe seu filho, o pesquisador não desenvolverá um projeto cujos resultados possam contrariar seus interesses pessoais, uma empresa ou instituição não financiará um projeto cujos resultados possam
Normas da FAPESP relativas a potenciais conflitos de interesses
1) Ao apresentar um projeto à FAPESP. o pesquisador deve listar todas as fontes de financiamento, públicas ou privadas, com que conta ou espera contar para desenvolvê-lo.
2) O pesquisador deve consultar a FAPESP antes de aceitar qualquer apoio financeiro de qualquer outra fonte de financiamento, pública ou privada, para o desenvolvimento do projeto de pesquisa a que concerne o auxílio concedido.
3) Caso o desenvolvimento do projeto de pesquisa a que concerne o auxílio concedido tenha recebido apoio financeiro de qualquer outra fonte de financiamento, pública ou privada, o pesquisador obrigase a fazer referência expressa a esse apoio, com a identificação clara de sua fonte, em todas as formas de divulgação dos resultados obtidos (artigos, livros, teses, dissertações, trabalhos ou resumos apresentados em reuniões, etc.).
4) Em situações em que a assessoria da FAPESP identifique potenciais conflitos de interesse, poderá será exigido contratualmente que se garanta a outros pesquisadores, a órgãos ou agências governamentais e a associações não governamentais o direito de amplo acesso a todos os dados coligidos e procedimentos adotados, para eventual auditoria visando determinar se o projeto foi conduzido em consonância com as exigências da boa prática científica.
contrariar seus interesses econômicos ou institucionais. Ocorre, porém, que essa solução pode ser demasiadamente simples, sendo no mais das vezes inviável, e até mesmo indesejável.
De fato, a recusa em apitar o jogo pode implicar seu cancelamento, de modo que os jogadores podem preferir correr o risco de submeter-se a um juiz involuntariamente enviesado. Analogamente, o teste clínico de um medicamento pode não ser materialmente viável sem o apoio da empresa interessada em sua comercialização, o que poderia significar a privação do acesso a um valioso instrumento terapêutico. Além disso, parece razoável que uma boa parte dos custos do processo de elaboração de um produto comercial sejam assumidos pela empresa que lucrará com sua comercialização, e não, por exemplo, por órgãos ou agências alimentadas por recursos públicos.
Por essa razão, não nos resta senão lidar com potenciais conflitos de interesses por meio de estratégias mais complicadas, que muitas vezes só podem ser completamente definidas caso a caso. No entanto, dois princípios devem articular, em todos os casos, a formulação dessas estratégias: o princípio da plena informação e o princípio da plena verificabilidade.
Não apenas a comunidade dos pesquisadores, mas toda a sociedade, deve ser informada sobre todas as circunstâncias de realização de um projeto que possa acarretar a existência de potenciais conflitos de interesse. Apenas assim poderá ser definido o grau de fidedignidade a priori dos resultados obtidos, que vai determinar em que medida tais resultados devem se submeter a tratamento crítico antes de serem incorporados como resultados cientificamente validados. A revista Nature, por exemplo, passará a exigir que, dos artigos por ela publicados, constem todas as fontes de financiamento das pesquisas que neles resultaram.
Para que esse tratamento crítico seja possível, todos os dados e procedimentos utilizados pelos pesquisadores na realização de seu projeto devem estar disponíveis para verificação de auditores independentes, por iniciativa seja de outros pesquisadores, seja de órgãos ou agências governamentais, seja de associações não governamentais. A aplicação desses princípios em casos particulares pode não ser uma coisa simples, mas é um desafio que o perfil e a motivação de boa parte da pesquisa científica e tecnológica contemporânea nos destina a enfrentar. •
LUIZ H ENRIQUE LOPES DOS SANTOS é assessor científico da FAPESP E j osE FERNANDO P EREZ é diretor científico
PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 • 13
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
Instituto do Sem i-Árido começa a funcionar O Programa Xingó ganhou a chancela oficial que faltava para ser reconhecido como um produtor de pesquisa e de desenvolvimento na Região Nordeste. Em fevereiro, o ministro da Ciência e Tecnologia (MCT), Ronaldo Sardenberg, anunciou a criação do Instituto do Semi-Árido, a primeira unidade de pesquisa do ministério para o Nordeste. Embrião do instituto, o Programa Xingó existe desde 1996, quando foi criado por iniciativa da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Programa Comunidade Solidária, além de receber o apoio de sete universidades federais e estaduais de quatro Estados e de outros órgãos de pesquisa de outras regiões. O programa utilizou a infra-estrutura montada pela Chesf na construção da hidrelétrica para realizar ações de caráter multidisciplinar que possam desenvolver os 29 municípios do semi-árido nordestino. A região, que fica no trecho do Rio São Francisco entre Itaparica e Xingó, abrange Alagoas, Bahia, Pernambuco e Sergipe, numa área de 14 mil quilômetros quadrados, com cerca de SOO mil habitantes. Hoje, 200 pesquisadores trabalham em um projeto piloto em dez cidades nas áreas de educação, arqueologia e patrimônio históri-
14 · MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
co, aqüicultura, atividades agropastoris, biodiversidade, fontes alternativas de energia, gestão do trabalho, recursos hídricos e turismo. Agora, com a definitiva institucionalização do programa, os projetos entram numa nova fase. O investimento do MCT no Instituto do Semi-Árido será de R$ 5 milhões em 2001. Isso sem contar com o apoio do Serviço de Apoio à Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), de mais R$ 7 milhões, para organizar e capacitar os pequenos produtores. O principal objetivo é transformar a região num pólo turistíco, com melhorias
curso de man ipulação de plantas medicina is:
socioeconômicas. Aos poucos, essa meta vem sendo atingida. No ano passado, o sítio arqueológico e o reservatório da Hidrelétrica de Xingó atraíram 40 mil visitantes. Até o momento, com a instalação de sistemas de bombeamento de água e de energização de prédios públicos, mais de 250 famílias foram beneficiadas. Também o núcleo de biodiversidade auxilia a comunidade a gerir os recursos naturais. Foram criados um herbário de plantas da caatinga e uma oficina de manipulação para testar e produzir fitoterápicos. •
• Unesco premia Ernst Hamburger
Ernst Wolfgang Hamburger, diretor da Estação Ciência, ligada à Universidade de São Paulo (USP), recebeu no dia 26 de fevereiro o Prêmio Kalinga pela Popularização da Ciência, dado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) . Professor do :~:
Instituto de ~ o
Física da USP, ifl iii
Hamburger trabalha há 40 anos pela educação e divulgação científica. O prêmio existe desde 1951,
5
~
Hamburger: reconheci mento
patrocinado pela Fundação Kalinga, da Índia. O físico foi indicado pela Academia Brasileira de Ciências e escolhido por um júri internacional. Entre os premiados no passado houve seis ganhadores do Nobel e três brasileiros: José Reis (1974), Oswaldo FrotaPessoa (1982) e Ennio Candotti (1998). Hamburger, de 67 anos, está à frente da Estação Ciência há sete anos, mas sempre trabalhou com divulgação científica. Foi, por exemplo, um dos criadores da série Minuto Científico, exibida pela TV Cultura de São Paulo, em 1997. •
• Amazônia no foco de reunião da SBPC
A Amazônia e sua imensa diversidade biológica continuam na ordem do dia de pesquisadores e ambientalistas. A 7• Reunião Especial da Sociedade Brasileira para o Progresso
Base de pesquisa na floresta amazônica: reunião especial
uma linha especial de apoio às micro e pequenas empresas mineiras e vai financiar R$ 1 milhão este ano para os pequenos empresários do setor. O objetivo do Programa de Apoio Financeiro às Micro e Pequenas Empresas de Base Tecnológica (Promitec) é melhorar as condições das empresas emergentes e nascentes de base tecnológica. O Banco
de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) participará dos projetas como o agente financeiro da Fapemig. É a primeira vez que a fundação mineira lança um programa desse tipo para pesquisa tecnológica. Até então, as linhas eram institucionais, todas de custeio, sem retorno financeiro - agora não, a negociação será feita diretamente com o empresário. O Promitec é semelhante ao Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas PIPE, criado em 1997 pela FAPESP, que dá apoio à pesquisa para inovação diretamente na empresa, por meio da concessão de financiamento ao pesquisador a ela vinculado ou associado. O alvo do PIPE são empresas com até 100 empregados, dispostas a investir na pesquisa de novos produtos de alto conteúdo tecnológico ou processos produtivos inovadores. •
1 Medalha Instituto Butantan
O Instituto Butantan de São Paulo homenageou 25 cientistas e políticos que contribuíram para o desenvolvimento da instituição e para o avanço das ciências biomédicas no Estado. A Medalha Instituto Butantan, criada em 1981, foi outorgada às personalidades no dia 19 de fevereiro. Entre elas estavam o físico e engenheiro eletricista José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP, o médico Adib Jatene e o secretário da Saúde do Estado de São Paulo, José da Silva Guedes. Os candidatos são escolhidos pelo conselho da instituição e a lista de laureados é divulgada em decreto do governo. A cerimônia marcou a emissão da Medalha Comemorativa do 1 o
Centenário do Instituto Bu-tantan. •
da Ciência (SBPC) terá como tema A Amazônia no Brasil e no Mundo e será realizada em Manaus, de 25 a 27 de abril. A idéia é debater desenvolvimento sustentável e futuro das pesquisas na região, urbanização e consolidação da cidadania, desmatamento, mudança climática e as relações da Amazônia com o Brasil e o mundo. Além dos simpósios e da apresentação de pôsteres, haverá a sessão especial Vivências Amazônicas, com relatos das experiências de moradores sobre o cotidiano da região. Esta reunião especial é uma parceria entre SBPC, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e Universidade do Amazonas. A 53• Reunião Anual da entidade vai ocorrer entre 13 e 18 de julho na Universidade Federal da Bahia (UFBA), em Salvador. O tema será Nação e Diversidade- Patrimônio do Futuro. As informações sobre os dois encontros, com prazos e fichas de inscrição, estão no site www.sbpcnet.org.br. •
Pesquisa de Campinas mostra força
1 Fapemig cria linha de apoio a empresas
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) instituiu
Campinas será a estrela de uma grande mostra de ciência no segundo semestre deste ano. Onze instituições de pesquisa da região, além de empresas do Brasil e do exterior, estão organizando a Mostra de Ciência e Tecnologia para
Unicamp, Pontifícia Universidade Católica (Puccamp), Institúto Agronômico de Campinas (IAC), Instituto Biológico, Centro de Pesquisas e Desenvolvi-
o Desenvolvimento ./ ~ (Cientec 2001), que V \ I será realizada de 24 de ' agosto a 2 de setembro na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo os idealizadores do evento, o Cientec mostrará a região de Campinas como um pólo diferenciado no cenário brasileiro e latinoamericano em razão da qualidade de suas instituições de pesquisa, como
menta em Telecomunicações (CPqD) e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), entre outras. O Cientec terá exposições temáticas, debates, seminários e, paralelamente ao evento, haverá uma bolsa de negócios e convênios,
com o objetivo de estreitar relações entre o setor de pesquisa e o
produtivo. Não é para menos: a região responde por 9o/o do Produto Interno Bruto (PIB) e de 10% a 15% das pesquisas científicas realizadas no país. Os organizadores querem agora atrair patrocinadores, colaboradores e expositores. Mais informações no site www.cientec200 1.com.br. •
PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 • 15
Banco paralisa pesquisas Uma dívida de US$ 2,5 milhões provocou a paralisação de pesquisas do Instituto de Imunologia de Bogotá (IIB), na Colômbia. O centro é liderado pelo controverso bioquímico Manuel Patarroyo, que trabalha há muitos anos numa vacina contra a malária. O BBVA Banco Ganadero, da Espanha, retirou do local equipamentos em razão de uma dívida com a Fundação Hospital San Juan de Dios, na qual o instituto está instalado. Segundo informa a revista Nature (edição de 1° de fevereiro), em janeiro o banco assumiu o controle de supercomputadores, seqüenciadores de DNA e máquinas de ressonância nuclear magnética usados para determinar estruturas tridimensionais de proteínas. O presidente do BBVA, José Maria Ayala, reconhece que o IIB está apenas associado à fundação, devedora do dinheiro. Mas diz que, depois de numerosas tentativas de receber e de confiscar a propriedade do hospital, "não havia mais nada de valor para ser apreendido". Ayala sugeriu a Patarroyo que deixasse a associação com a fundação e fosse para outro lugar. O cientista reagiu afirmando que o banco não tinha o direito de envolver o IIB nessa briga. E argumentou que o IIB é quase todo in-
Manuel Patarroyo: vítima de
dívidas alheias
16 • MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
dependente da fundação que mantém o hospital e apenas o prédio e metade do salário de 20, entre 168 pesquisadores, são bancados pelo hospital. O instituto recebeu US$ 3 milhões em recursos no ano passado. A atitude do banco deixou revoltados estudantes e pesquisadores. Os jornais colombianos têm publicado cartas de leitores pedindo para correntistas e investidores fecharem contas no BBVA. "O episódio provocou um sentimento anti-Espanha na população", conta Patarroyo. Ayala afirmou que espera achar uma solução que permita devolver os equipamentos, talvez com a intervenção da Presidência da Colômbia. Patarroyo tornou-se famoso quando criou uma vacina sintética a partir de proteínas do protozoário Plasmodium falciparum, mas foi criticado pela comunidade científica ao usar uma metodologia considerada duvidosa e envolver 20 mil colombianos em testes. O pesquisador trabalha em uma nova vacina e espera fazer testes clínicos em dois anos. •
• Pós dos EUA têm mais estrangeiros
Uma análise das últimas estatísticas disponíveis da Fundação Nacional de Ciência (NSF) dos Estados Unidos revelou dois dados importantes- um alentador e outro preocupante. A m elhor informação é que o número de estudantes de pós-graduação das áreas de ciência e engenharia subiu 2% em 1999, depois de cinco anos de declínio, segundo a revista Business Week (edição de 5 de março). O curso com m elhor desempenho foi o de computação, com 12% de aumento. A procura pelos cursos de engenharia subiu 1 o/o - o prim eiro crescim ento desde 1983. O núm ero de estrangeiros na pós cresceu em cerca de 8 mil e ficou em 11 O mil, enquanto o de am ericanos caiu em 1.000 e e estacionou em 300 mil. O que não agradou aos am ericanos foi o fato de estudantes est rangeiros com visto de permanência temporário serem os responsáveis pelo maior preenchim ento das vagas do setor. O problema é que estudantes estrangeiros normalmente voltam para seus países de origem e deixam de contribuir para a economia do país
visitante. Na última pesquisa feita pela NSF sobre o assunto, em 1994, descobriu-se que apenas 48% dos alunos estrangeiros que fizeram doutorado em ciência e engenharia ainda ficavam no país por um ano ou ma1s.
• UsodeDNA preocupa Austrália
•
O boom de negócios envolvendo biotecnologia e pesquisas sobre o genoma humana levaram autoridades da Austrália a tomar medidas para evitar problemas no futuro. Os australianos tem em que o seqüenciamento do genoma, divulgado em fevereiro, provoque uma "invasão de privacidade" na vida dos cidadãos. Por isso, o governo começou uma pesquisa nacional para avaliar as questões éticas e legais envolvidas na questão. O objetivo é saber se a atual legislação tem meios de proteger os m oradores do país con tra o possível mau uso das informações genéticas. Dois grupos vão revisar as leis sobre o tema: a Comissão para a Reforma da Legislação Australiana e a Comissão de Ética em Saúde, que devem terminar o trabalho até meados de 2002. •
Ciência na web
Envie sua sugestão de site científico para [email protected]
ÁGUA SUBTERRÂNEA
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www.aguasubterranea.hpg.com.br
Um mar de problemas matemáticos, aparentemente insolúveis. Ótimo para quem gosta de exercícios.
Site turbinado com muitas informações, finks e algumas ferramentas (softwares) para estudar hemoglobina.
Dados sobre água subterrânea: tipos de aqüíferos, poluição, qualidade química, legislação, entre outras informações.
• Taiwan quer atrair cientistas da China
Taiwan (Formosa) e China vivem em eterna posição de alerta, tentando resolver uma pendência política de cinco décadas. Mas, agora, as autoridades de Taiwan querem desfazer alguns nós entre as instituições da ilha e do continente. O esforço mais recente é para mudar regras que permitam aos pesquisadores da China trabalhar nas instituições insulares. Em fevereiro, as autoridades de Taiwan aumentaram o tempo máximo de permanência que os pesquisadores visitantes do continente têm para ficar na ilha, de dois para três anos. Outras mudanças são esperadas, como a adoção de vistos especiais e a possibilidade de transferência direta de dinheiro para bancos no continente, segundo afirmou para a revista Nature (edição de 15 de fevereiro) KuanHsiu Hsiao, do Conselho Nacional de Ciência de Taiwan. Os pesquisadores dizem que os vistos especiais são essenciais para o intercâmbio. Normalmente, os visitantes do continente perdem vários
meses para obter um visto de entrada em Taiwan por causa da burocracia excessiva. •
• Italianos exigem pesquisa livre
A pressão de 1.500 cientistas da Itália levou o governo daquele país a voltar atrás na decisão de proibir até mesmo pesquisas com alimentos transgênicos (plantas geneticamente modificadas). As autoridades decidiram proibir os estu
Afonso Pecoraro, acusado de atrasar a pesquisa italiana em agrobiotecnologia sem nenhuma base concreta. Alguns dias depois da divulgação do manifesto, o governo voltou a permitir esse tipo de trabalho científico. Também no mês passado,
dos seguindo a Dulbecco: contra tendência de to- veto do governo
foi aprovado um conjunto de regras para pesquisa, plantio e comercialização desses alimentos na Europa. A regulamentação precisará ser ratificada nos próximos 18 meses por 15 países membros da UE.
dos os países da União Européia (UE) de proibir o cultivo de transgênicos. Pesquisadores de grande prestígio, como os laureados com o Nobel de Medicina Renato Dulbecco, em 1975, e Rita Levi-Montalcini, em 1986, encabeçaram um manifesto, em fevereiro, exigindo liberdade para pesquisa e contra o veto a experimentos com transgênicos. O principal alvo do documento foi o ministro da Agricultura,
Ocorre que al-guns países, como França, Grécia, Dinamarca, Luxemburgo, Itália e Áustria, querem mais restrições para aceitar o fim definitivo do embargo. A disputa ainda parece longe do fim. •
• Orçamento da Estação Espacial encolhe
O governo do presidente norte-americano George Bush determinou cortes no gasto
com a Estação Espacial Internacional (ISS) no final de fevereiro. A Nasa, agência espacial, já estourou em US$ 4 bilhões o orçamento da fase atual do programa. Com os cortes, a tripulação que permanecerá no espaço cairá de sete para três astronautas, o número de vôos em 2001 será de seis e não mais oito e alguns equipamentos deixarão de ser instalados este ano. Como as mudanças, também as pesquisas científicas terão de ser limitadas durante certo período. Técnicos da Nasa dizem que a montagem total da ISS e sua colocação em operação custarão, no total, US$ 95 bilhões e poderão levar dez anos ou mais. Apesar dos cortes na ISS, o orçamento para 2001 da Nasa não foi diminuído. Pelo contrário, cresceu 2% em relação a 2000 e ficou em US$ 14,5 bilhões. No começo de março, a agência anunciou também a desistência de continuar o projeto do avião X-33, um sucessor mais barato dos ônibus espaciais. O aparelho nunca fez nenhum vôo de teste, mas consumiu US$ 912 milhões da Nasa e US$ 357 milhões da Lockheed Martin. •
PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 17
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
BANCO DE DADOS
Censo científico Levantamento do CNPq radiografa grupos de pesquisa no país
Aquarta versão do Diretório dos Grupos de Pesquisa, uma espé
cie de censo da atividade científica promovido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), constatou, no ano 2000, que estavam em ação no país 11.7 60 grupos de trabalho, com um total de 48.781 pesquisadores, vinculados a 224 universidades e instituições, públicas e privadas. As universidades públicas, de acordo com esse levantamento, concentram 80% dos grupos de pesquisa. Do ponto de vista regional, o destaque é para o Sudeste, que abriga 57% da produção científica nacional. São Paulo segue na liderança, com 31% dos grupos de pesquisas. A Região Sul reúne 20% dos grupos; o Nordeste, 15%; o Centro-Oeste, 5%, e na Região Norte, foi constatada a existência de 3% do total dos grupos de pesquisa.
Na primeira versão do Diretório, publicada em 1993, foram registradas as atividades de 4.404 grupos de pesquisa. Em 1995, esse número saltou para 7.271, e em 1997, na terceira versão, para 8.632. O crescimento do número de grupos de pesquisa expressa o aumento da base de dados que, além de estender a coleta a todas as unidades da Federação, passou a contabilizar também, a partir de 2000, as atividades de pesquisa de instituições privadas. "O Diretório cobre, atualmente, 80% da capacidade instalada de pesquisa no país", diz Reinaldo Guimarães, consultor do CNPq e coordenador do projeto. O primeiro levantamento, realizado em
18 · MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
1993, teve uma cobertura estimada em 40% do total dos grupos em atividade no país. A ampliação da cobertura do Diretório também foi responsável pela diminuição da posição relativa do Sudeste no conjunto da pesquisa no país, e de São Paulo, cuja participação caiu de 40%, em 1995, para os atuais 31%.
Estratificação - Nesta última versão, apoiado em critérios de estratificação, o Diretório classificou os grupos de pesquisa conforme a qualidade da produção científica, usando basicamente dois critérios: o número de bolsistas do CNPq e de docentes de pós-graduação avaliados pela Coordenadoria de Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior (Capes) que integravam os grupos. A partir desses parâmetros, foi possível distinguir os grupos de e;_celência (A) e consolidados (A+B), aqueles em consolidação (C+ D) e os grupos em formação (E). De acordo com Guimarães, cerca de 10% dos grupos se enquadraram no estrato A e 20% obtiveram A+B, 40% foram classificados como C+D e 30% se enquadraram na categoria E. Mais de 80% dos grupos considerados de excelência e consolidados estão localizados no Sudeste, principalmente nas universidades e institutos de pesquisas paulistas. Em São Paulo, 46% dos grupos estão no estrato A+B, 42% no C+D e 12% no A.
Do total de grupos de pesquisa em atividade no Estado de São Paulo, 11,5% estão na Universidade de São Paulo (USP), 4,6% na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ),
3,1% na Universidade Estadual Paulista (Unesp ), 1,5% na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e 1,3% na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), apenas para citar alguns exemplos.
Os grupos paulistas, ainda segundo os dados coletados pelo Diretório, reúnem 15.129 pesquisadores; 68% com doutorado, 19% com mestrado, 9% com graduação e 4% com especialização na sua área de atividade.
O mapeamento do CNPq constatou que 31% das pesquisas desenvolvidas pelos 11.760 grupos em todo o país se concentram no setor de Saúde, seguidas de perto pelo de Educação, com 30%. Mais da metade dos pesquisadores têm doutorado (56,7%) e quase 65% têm artigos publicados em revistas especializadas, de circulação nacional e internacional, livros ou capítulos ou outras publicações.
Grupos e lideranças -A idéia de mapear as atividades de pesquisas no país surgiu em 1990, no Fórum de Pró-reitores de Pesquisa, estimulada por um desafio do então secretário Nacional de Ciência e Tecnologia José Goldemberg. "Ele nos pediu que apontássemos os bons grupos de
pesquisa existentes no país", lembra Guimarães, na época pró-reitor de Pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) . "Não tínhamos como identificar os bons, sem identificar todos. O projeto de um censo de pesquisa no país amadureceu e foi apresentado ao CNPq em 1992. O primeiro levantamento foi realizado em 1993 com três objetivos: preservar a memória da pesquisa no país, promover intercâmbio entre grupos de pesquisadores e subsidiar as políticas de ciência e tecnologia no país!'
"Desde o início, defendemos a idéia de trabalhar com grupos de pesquisa como unidade de análise, apesar deste não ser um modelo tradicional no país, já que a relação dos órgãos de fomento é com os pesquisadores': diz Guimarães. O pressuposto, ele justifica, é que os grupos de pesquisa se organizam hierarquicamente em torno de uma liderança que será a fonte de informações para a base de dados. "Desde 1993, consideramos difícil estabelecer relações individuais, a começar pela identificação dos líderes. Quem tem cumprido esse papel são as autoridades máximas de pesquisa nas instituições!'
Orientados pela equipe responsável pelo projeto, os pró-reitores, superintendentes, diretores ou vice-presidentes de pesquisa das universidades e instituições identificam os líderes de pesquisa, remetem a estes os questionários e se encarregam de seu recolhimento e envio ao CNPq.
A meta inicial era realizar levantamentos bianuais. "Mas, em 1999, o CNPq iniciou a implementação da Plataforma Lattes - um sistema operacional que integra a sua base de dados com os mais de 70 mil currículos Lattes e a gerência de fomento. Por isso tivemos que fazer a quarta versão em 2000." No próximo censo, em
2002, já estão previstas algumas mudanças. "A partir da quinta versão, os líderes poderão atualizar as informações de pesquisa ao longo do biênio. Hoje, só é possível fazer alterações quando a base de dados é renovada. Vamos separar a coleta de informações do processo de divulgação", ele explica.
O site do CNPq, com a quarta versão do Diretório, recebeu um total de 8 mil visitas, entre dezembro do ano passado e fevereiro último, uma média de cem visitas por mês. "As informações reunidas nesta base de dados já podem orientar as políticas de fomento': diz Guimarães. •
Distribuição dos grupos de pesquisa por unidade da Federação
UNIDADES DA FEDERAÇÃO
São Paulo
Rio de Janeiro
Rio Grande do Sul
Minas Gerais
Paraná
Pernambuco
Santa Catarina
Distrito Federal
Bahia
Ceará
Paraíba
Pará
Goiás
Espírito Santo
Mato Grosso do Sul
Maranhão
Rio Grande do Norte
Amazonas
Sergipe
Alagoas
Piauí
Mato Grosso
Tocantins
Acre
Rondônia
Amapá
Brasil
Fonte: CNPq
N° DE GRU POS
3.645
1.922
1.199
1.026
701
509
417
334
330
253
224
176
163
140
109
108
101
95
75
67
53
30
28
27
27
1 1.760
% SOBRE TOTAL DE GRUPOS
31
16,3
10,2
8,7
6,0
4,3
3,6
2,8
2,8
2,2
1,9
1,5
1,4
1,2
0,9
0,9
0,9
0,8
0,6
0,6
0,5
0,3
0,2
0,2
0,2
0,0
100,00
PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 • 19
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
INCUBADORAS
Demanda garantida Pequenas empresas vão disputar mercado de genéricos
OParque de Desenvolvimento Tecnológico (Padetec), do
Ceará, e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) estão criando incubadoras para abrigar pequenas empresas produtoras de medicamentos genéricos. As duas iniciativas são piloto, contam com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e passaram a integrar o Projeto Nacional de Incubadoras de Empresas de Base Tecnológica. O CNPq vai financiar a compra dos equipamentos e material de consumo, de acordo com Kumiko Mizuta, coordenador-geral de Pesquisa Agropecuária e de Biotecnologia
que está se instalando no Ceará. O mercado também está garantido: o governo do Estado do Ceará, que compra uma média de R$ 7 milhões em genéricos, vai absorver a produção de medicamentos e garantir às novas empresas um faturamento médio de R$ 1 milhão por ano, nas contas de Afrânio Craveiro, superintendente do Padetec. "O governo, interessado em estimular a criação
certificados pela Unidade de Farmacologia Clínica, a ser inaugurada no dia 23 de março deste ano, que será responsável pela realização dos testes de bioequivalência dos genéricos.
Medicamentos "órfãos"- Na UFRGS, a idéia de criar uma incubadora para a produção de genéricos e de medicamentos "órfãos" - que não estão no mercado com apresentação desejada, como, por exemplo, remédios sem apresentação pediátrica -surgiu há três anos, antes mesmo da regulamentação desses medicamentos. "A Faculdade de Farmácia já tinha laboratório industrial e pretendia qualificá-lo para o desenvol
vimento de novas tecnologias e para abrigar uma incubadora que aumentasse as chances de aplicação comercial da pesquisa acadêmica", diz Paulo Mayorga, coordenador do projeto na universidade.
do CNPq. Os dois contratos, já firmados, têm validade de dois anos, podendo ser prorrogados.
Medicamentos: apoio das universidades e do CNPq
A UFRGS vai investir R$ 400 mil na construção de área física, adequada às normas de produção de medicamentos, para abrigar empresas novas ou já constituídas. O projeto terá uma planta para atender a medicamentos de forma sólida (comprimidos, cápsulas, granulados, etc.) e um laboratório para o desenvolvimento de medicamentos que será compartilhado pe
A expectativa do CNPq é que os projetos contemplem toda a cadeia produtiva dos genéricos, inclusive a sintetização de princípios ativos desses medicamentos. Atualmente, apenas 15% dos princípios ativos dos genéricos são produzidos no país. As novas empresas vão produzir medicamentos com grande demanda como o captopril, ampicilina, cefalexina, cetoconazol e verapamil.
Mercado garantido- No Padetec estão incubadas 17 empresas, sete delas com competência para produzir genéricos. O princípio ativo dos medicamentos será desenvolvido pela Polifarma, empresa farmacêutica
20 • MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
de um pólo farmacêutico no Estado, vai apoiar o start up dessas empresas, adquirindo os seus produtos e por meio de incentivos à produção", diz. O Padetec, que contará com R$ 750 mil do CNPq, ao longo de dois anos, pretende também estimular o desenvolvimento de empresas com capacidade de desenvolver princípio ativo de medicamentos, como é o caso da Procariri, que vai produzir o L-Zopa, utilizado no tratamento do mal de Parkinson.
Os genéricos produzidos pelas empresas incubadas no Parque deverão chegar ao mercado em junho, quando também entrará em operação a fábrica da Polifarma. Serão
las empresas incubadas. O CNPq aportará outros R$ 350 mil, ao longo de dois anos. "Já existem vários grupos interessados. Publicaremos o edital para a seleção das empresas até o final do primeiro semestre e as propostas serão avaliadas por sua viabilidade técnica e perspectivas do mercado", afirma Mayorga. A meta é sincronizar o empreendimento com as demandas do Sistema de Saúde. "Estamos buscando o apoio do Estado. A evolução natural é que o projeto seja um núcleo gerador de novas tecnologias, dê origem a um parque tecnológico, criando novos empregos e ampliando a receita re~onal: •
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
GENÔMICA
Consórcio contra a malária ONSA integra rede internacional da laboratórios que vai seqüenciar o genoma do Anopheles gambiae
Os laboratórios integrados à Rede ONSA (Organização pa
ra Seqüenciamento e Análise de Nucleotídeos), montada pela FAPESP, deverão participar de um consórcio internacional que realizará o seqüenciamento genético do genoma do mosquito Anopheles gambiae, o principal responsável pela transmissão da malária na África. Também integrarão o consórcio a Celera Genomics, dos Estados Unidos; o Instituto Pasteur, da França; o Laboratório Europeu de Biologia Molecular, com sede na Alemanha, entre outros. O projeto tem o apoio do Programa Especial de Pesquisa e Treinamento de Doenças Tropicais, da Organização Mundial de Saúde (OMS). A cooperação brasileira foi acertada em reunião realizada no início de março, no Instituto Pasteur, em Paris. De acordo com José Fernando Perez, diretor-científico da FAPESP, os termos da participação brasileira ainda devem ser definidos.
O projeto tem como objetivo seqüenciar integralmente, ainda este ano, os 260 milhões de pares de base do genoma do Anopheles gambiae, utilizando a técnica shotgun, aperfeiçoada pela Celera Genomics. O início do seqüenciamento será feito pela Celera Genomics e pelo Centro Francês de Seqüenciamento (Genoscope); a junção dos fragmentos do genoma será feita também pela Celera Genomics, e a finalização ficará sob a responsabilidade do Genoscope, do Ins-
ficar novos mecanismos de controle do ciclo da malária.
Anopheles gambiae: mais agressivo que o darlingi
Vetor agressivo- A malária atinge, anualmente, 300 milhões de pessoas, principalmente na região subsaariana, e é responsável pela morte de um milhão de crianças. O Anopheles gambiae é o seu principal vetar. A incidência da doença cresce junto com a população do mosquito, que desenvolveu resistência a inseticidas. O mosquito africano é parente próximo do Anopheles darlingi, transmissor da doença no Brasil. "A principal diferença é que o gambiae é muito mais ávido e agressivo. Pica mais e por um maior período de tem
tituto de Pesquisa Genômica (TIGR), entre outros. A Rede ONSA participará da anotação do seqüenciamento, junto com outros sete laboratórios. O projeto também prevê o seqüenciamento de outras variedades de mosquito transmissor da doença, entre eles a do Anopheles darlingi, existente no Brasil.
Três organismos integram o ciclo da doença: o ser humano, o mosquito do gênero Anopheles e o protozoário que causa a doença, o Plasmodium falciparum, cujo seqüenciamento genético está em fase de conclusão, nos Estados Unidos. O seqüenciamento do genoma do mosquito, juntamente com o do parasita Plasmodium e do hospedeiro humano permitirá aos pesquisadores identi-
po': explica Marcos Boulos, chefe do Departamento de Doenças Infeciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Enquanto o darlingi ataca, geralmente, no início da noite, o gambiae faz suas vítimas noite adentro e até o início da manhã. O resultado é que, aqui, o número de vítimas é bem menor - atingiu 600 mil pessoas, em 1999, e a mortalidade é pequena. "Pelo menos 80% dos casos são benignos", diz Boulos.
A região Nordeste do Brasil já conviveu com o Anopheles gambiae, no início do século, por volta dos anos 30. O mosquito foi erradicado, segundo Boulos, numa da maiores vitórias da Saúde Pública no país, com o apoio da Fundação Rockfeller. •
PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 • 21
CIÊNCIA
Expansão da soja prejudica o Cerrado Destruição da vegetação nativa, comprometimento de importantes bacias hidrográficas, maior concentração da propriedade da terra e redução dos postos de trabalho agrícola são conseqüências da grande expansão da cultura de soja no Cerrado. As conclusões estão no estudo Expansão Agrícola e Perda de Diversidade
Soja no Centro-Oeste: o Cerrado está apenas com 20% da área original
nascentes das três principais bacias hidrográficas brasileiras estão localizadas no Cerrado': Ele sugere um macrozoneamento ecológico-eco-nômico na região. •
• Bacilo da hanseníase é mapeado
Agora foi a vez do bacilo da hanseníase (Mycobacterium leprae), seqüenciado por pes-
quisadores franceses e britânicos. O trabalho trouxe a esperança de desenvolvimento de novos testes de diagnosticar, mais rápidos e eficazes do que os atuais. As pesquisas sobre o bacilo são especialmente importantes em razão do grande número de casos em todo o mundo. A cada ano, são cerca de 700 mil novos doentes - mais de 40 mil deles apenas no Brasil. O estudo revelou que o genoma da bacilo da hanseníase é muito parecido com o da tuberculose: 93% dos genes são iguais. A principal diferença é que o de Hansen parece ter perdido metade de seus genes não essenciais (que não produzem proteína). "Há um total de 1.604 genes", diz Stewart Cole, do Instituto Pasteur, de Paris. Com menos genes, será mais fácil identifi-car os mais importantes. •
no Cerrado: Origens Históricas e o Papel do Comércio Internacional, lançado em fevereiro pelo WWF Brasil (Fundo para a Natureza), em Brasília. O Brasil é o segundo maior produtor de soja do mundo e 45% dela sai do Cerrado, na região central. Dos cerca de 30 milhões de toneladas produzidas anualmente, metade é exportada. O trabalho dos pesquisadores mostra que entre 1985 e 1996 houve uma redução de 19% dos postos de trabalho no Centro-Oeste, enquanto aumentava o número de propriedades entre 100 e 1.000 hectares. O Cerrado está com 20% de sua área original. "Queremos que o Brasil seja o maior produtor de soja e de carne bovina do mundo, mas a produção e o sistema de transportes para seu escoamento devem ser acompanhados de práticas conservacionistas", adverte o técnico do WWF Álvaro Luchiezi Jr. E exemplifica: "As
Bromélias são foco de Aedes aegypti
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A crescente utilização de bromélias na decoração de ambientes em casas pode se tornar um problema de saúde pública. Um estudo realizado no ano passado mostrou que essa planta é um provável foco do mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue e da febre amarela O professor Oswaldo Paulo Forattini, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), e Gisela Rita Marques, da Superintendência de Controle de Endemias (Sucen), da Secretaria Estadual de Saúde,
fizeram o alérta ao descobrir larvas do mosquito em bromélia domesticada na cidade de Potim, a 150 quilômetros de São Paulo. "Atualmente, é muito comum ter esse tipo de planta em casa", diz Forattini. Para o pesquisador, os efeitos ainda não são sentidos em São Paulo porque a presença do Aedes ainda é pe-
Bromélia: decoração pode virar foco
de mosquito
quena na capital paulista, mas crescente em outras cidades. A principal dificuldade para prevenir o problema é a questão cultural. "Qual pessoa deixa jogar inseticida ou jogar fora as próprias bromélias?", pergunta Forattini. O objetivo dos pesquisadores é alertar as autoridades para a campanha de combate à dengue. •
• O plástico que vem da bactéria
Graças às atividades digestivas pouco usuais de uma bactéria, a Ralstonia eutropha, o pesquisador Alexander Steinbüchel, da Universidade de Münster, Alemanha, conseguiu criar um biopolímero que deverá ser usado em implantes e instrumentos cirúrgicos invasivos. Conhecida por sua capacidade de digerir zinco e chumbo, a bactéria foi alimentada pelo cientista alemão com ácido carbônico e, como resultado dessa dieta, produziu um poliéster rico em enxofre. Como esse elemento químico apresenta propriedades antibacterianas, Steinbüchel acredita que o plástico poderá servir para diversas aplicações médicas, nos próximos anos. Cateteres e sondas feitos com o biopolímero poderiam provocar menos rejeição no organismo humano, por exemplo. O estudo sobre essa propriedade da Ralstonia foi publicado na edição de fevereiro da revista Microbiology. •
• Um camelo que bebe água salgada
Uma espécie nova de mamífero foi descoberta por uma expedição de pesquisadores chineses e britânicos e anunciada no começo de fevereiro pelo Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (Pnuma). Trata-se de um camelo diferente de todos os tipos conhecidos: ele bebe água salgada, tem corcovas mais separadas e é mais peludo. Sobrevive entre as dunas de areia de Kum Tagh, no deserto entre o Tibete e a China, uma região tão remota que foi usada de 1955 a 1996 para testes nu-
Universo tem 13,5 bilhões de anos Um grupo de astrônomos liderados pelo francês Roger Cayrel, do Observatório de Paris, estimou a nova idade do Universo: 13,5 bilhões de anos. Eles descobriram uma das estrelas mais antigas da Via-Láctea, a gigante CS 31082-001, e detectaram nela a presença de urânio-238, pela análise de sua luz. "É a primeira vez que detectamos urânio fora do Sistema Solar", diz Beatriz Barbuy, do Instituto Astronômico e Geofísico da Universidade de São Paulo (IAG/USP), que participou do trabalho, publicado na revista Nature (edição de 8 de fevereiro). A descoberta, feita por meio do Very Large Telescope do Observatório Austral Europeu (ESO), instalado em Paranal, no Chile, e um espectrômetro tipo UVES, é importante porque a presença de elementos radioativos como urânio e tório (este também detectado) permite calcular a idade da
cleares. Por tratar-se de um mamífero, tipo de animal muito estudado, o achado foi considerado o mais importante dos últimos dez
A nebulosa M 16, fotografada em 1995, fascina os astrônomos e ficou conhecida como "Pilares da Criação"
estrela: é que o decaimento dos átomos desses elementos- processo pelo qual se tornam mais leves e estáveis- ocorre a uma velocidade conhecida. Como a desintegração do urânio é três vezes mais rápida que a do tório, sua detecção permite um cálculo mais preciso: assim, fixou-se a idade da Via.-Láctea em
anos pelos especialistas. Agora, os cientistas querem saber como rins, fígado e pulmões desses camelos resistem à água salgada. "Testes
12,5 bilhões de anos. "O Big Bang deve ter ocorrido mais ou menos 1 bilhão de anos antes da formação da galáxia, tendo, portanto, cerca de 13,5 bilhões de anos", estima Beatriz Barbuy. Os cálculos anteriores, feitos pelo decaimento do tório, mostram uma grande grande variação - entre 10 e 18 bilhões de anos. •
Camelo e filhote descobertos no deserto entre China e Tibete
genéticos feitos com os animais indicaram uma diferença de 3% entre os genomas do camelo domesticado e o do selvagem", diz John Hare, líder da expedição e criador da Fundação de Proteção do Camelo Selvagem. A população desses animais é estimada em cerca de mil espécimes, menor do que a dos pandas gigantes. E deve diminuir mais ainda. Freqüentemente, para chegar até os poços com água salgada, a única existente na região, eles têm de atravessar áreas coalhadas de minas colocadas por caçadores. •
PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 23
CIÊNCIA
BIOLOGIA
O seqüenciamento do genoma humano atesta as semelhanças científicas entre animais, plantas e bactérias e alimenta a idéia de que somos apenas uma espécie a mais sobre a Terra
CARLOS FJORAVANTI E MARCOS PIVETTA
P or um momento, o homem se sentiu pequeno. Exatamente no mesmo dia, 12 de fevereiro, os ~ois grupos ~ue se d~gl~di_avam há ~nos pelo feito de termmar ma1s rap1do o sequenciamento de todo o genoma humano - o
consórcio público internacional e a empresa privada norte-americana Celera Genomics - divulgaram, de forma separada e em publicações distintas, a mesma e surpreendente notícia. Depois de mapearem cerca de 95% do código genético humano, estimaram que o homem tem cerca de 30 mil genes, três a quatro vezes menos do que imaginavam. No emaranhado de dados, análises e opiniões que recheavam as duas radiografias iniciais do nosso genoma, impressas nas páginas da britânica Nature (consórcio público) e da norte-americana Science ( Celera), esse número chamou a atenção de todos. Apenas 30 mil genes! A espécie que domina o planeta, o ser capaz de cravar sua bandeira na Lua e voltar à Terra, abriga em cada célula pouco mais que o dobro do número de genes de vermes e moscas. A reação da sociedade foi imediata. Espanto geral e piadinhas comparando o Homo sapiens a pequenos seres alados e rastejantes. Então seria essa a principal conclusão de um dos mais badalados e caros programas científicos já realizados pela humanidade?
Além dessa constatação, os dados do genoma mostraram que os genes são distribuídos de forma irregular pelos 23 pares de cromossomas, que formam o genoma humano. Há cromossomas com alta incidência de genes e outros com pouquísimos (ver pág. 35). Também se notou a predominância de seqüências repetidas, o chamado DNA-lixo, cuja função ainda é pouco conhecida. Por enquanto, é interpretado como uma evidência de que nosso código genético incorporou seqüências de outro seres (bactérias, por exemplo) e ainda não se livrou desse material de utilidade duvidosa. O fim de um grande trabalho científico pode freqüentemente produzir
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mais dúvidas do que certezas. Foi o que se deu com o genoma humano, disseminando um efeito aparentemente- apenas aparentemente- oposto ao que inicialmente se esperava. À medida que se analisam as informações dos dois rascunhos do nosso DNA, uma série de novas- e velhas - questões entra na ordem do dia. A seguir, algumas delas:
O fim do começo ainda não terminou
É preciso deixar bem claro: o mapa do seqüenciamento, tal qual ganhou as páginas da Nature e da Science, é ainda um rascunho (o segundo) do nosso DNA, embora já exibindo contornos muito próximos da forma final. É como se a humanidade tivesse recebido uma enorme biblioteca com um catálogo ainda precário, que não permite saber quantos livros existem em todas as estantes nem separar as obras importantes das medianas e das quase sem valor. Nenhum dos resultados apontados pelos estudos publicados nas duas revistas é definitivo e inquestionável. Os números são provisórios e precisam ser mais bem calculados, as análises ainda carecem de refinamento e há uma série de questões em aberto. "Gerada por programas de computador, a atual configuração do genoma, com esse reduzido número de genes, é uma ótima hipótese de como deve ser o nosso DNA, mas ainda é uma hipótese': pondera Marcelo Briones, professor de biologia e evolução molecular da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Esses senões são necessários por um motivo simples. A rigor, os pesquisadores dos dois grupos ainda não botaram ponto final no gigantesco trabalho a que se propuseram: estabelecer a ordem correta dos 3,2 bilhões de bases nitrogenadas - adenina, citosina, guanina e timina, representadas respectivamente pelas letras A, C, G e T -dispersas pelos cromossomas. Em junho do ano passado, já haviam anunciado a conclusão de mais de 80% do seqüenciamento do genoma humano, mas, na ocasião, não botaram no papel os seus achados. Agora, deram um
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Fonte: DOGS - Data base of Genome Sizes
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passo adiante. Aprimoraram o rascunho inicial e escreveram páginas e páginas nas duas revistas científicas mais influentes do planeta sobre o que encontraram.
O consórcio público afirma ter decifrado a ordem de 94% da seqüência de bases nitrogenadas, um ponto percentual a menos do que aCelera. Ou seja, ainda há buracos consideráveis em nosso genoma - buracos que podem fazer a diferença, ainda mais quando se sabe que apenas 2% do matérial genético do homem é diferente do DNA do chimpanzé. Além disso, pouco mais de um terço dos genes identificados tem função desconhecida. O fim do começo - jogo de palavras usado por muitos cientistas para dizer que o seqüenciamento do genoma humano é a primeira etapa, não a última, da busca pela decifração de nosso DNA- definitivamente não terminou. Tanto que o consórcio público admite no artigo da Nature que apenas em 2003 deve ter uma seqüência do genoma com menos buracos.
A 2003 era a data prevista para a divulgação mapeamento completo do genoma. Mas,
orno aCelera se antecipou e resolveu publicar na Science o seu trabalho, ainda que não terminado, o consórcio público também
decidiu divulgar seu material, antes do programado, na Nature, principal concorrente da revista norte-america-na. "Não podíamos deixar uma sociedade privada reclamar o crédito de um trabalho que ela não poderia realizar sem se apoiar nos dados do esforço público", afirma Jean Weissenbach, diretor do Centro Nacional de Seqüenciamento da França, justificando a atitude da iniciativa pública. Os dados do consórcio - rede formada oficialmente por laboratórios de seis países (Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha, Japão e China), mas na prática abastecida por mais nações, como oBrasil- puderam ser usados - e de fato foram - pela Celera.
cepa grega ria bufo mays
Afinal, quantos genes temos?
Os dois artigos, da Nature e Science, situam o número de genes do Homo sapiens entre 26 mil e 40 mil. A tão comentada cifra de 30 mil genes humanos é uma espécie de média de consenso, que parece ter agradado tanto aos cientistas do consórcio público quanto aos da Celera. Antes da publicação, estimava-se que nossa espécie tinha cerca de 100 mil genes. Algumas previsões falavam em até 120 mil, 140 mil genes.
No entanto, há quem diga que a atual previsão de 30 mil genes é tão cristalina e indiscutível quanto o resultado da última eleição para presidente dos Estados Unidos. Eles apostam que - mais dia, menos dia -vai haver uma recontagem. Cientistas que participam de projetas genômicos no Brasil acreditam que podem existir mais genes ainda não detectados pelos modelos matemáticocomputacionais da Celera e do consórcio público. O total, dizem, pode chegar a 50 mil, se forem considerados os chamados genes transcritos, que formam as moléculas de ácido ribonucléico (RNA), a base da síntese das proteínas.
Andrew Simpson, coordenador do Genoma Humano do Câncer (GHC), projeto financiado pela FAPESP e pelo Instituto Ludwig, é um dos que sustentam essa projeção. No ano passado, sua equipe aplicou no cromossoma 22, um dos menores e dos primeiros a ser decifrado, a técnica usada pelo GHC, as ESTs ou etiquetas de seqüências expressas, que indica apenas os trechos atuantes da molécula de ácido desoxirribonucléico (DNA). Resultado: o grupo paulista encontrou 219 novas regiões transcritas, que parecem corresponder a cerca de 100 genes que ainda não haviam sido descritos. De tão relevante, a descoberta ganhou as páginas da edição de 7 de novembro de 2000 da Proceedings of the National Academy of Sciences, dos Estados Unidos. "Nosso
4 3,6 3,6 3,3
trabalho, se continuar bem feito, pode contribuir para determinar com precisão o número de genes do genoma humano", comenta Simpson.
Outra indicação de que o número de genes humanos pode estar sujeito a ajustes vem da equipe paulista do recém-concluído genoma da cana-de-açúcar, que mapeou parcialmente o DNA dessa planta e rastreou cerca de 80 mil genes (ver Pesquisa FAPESP no 59). Cruzando as informações obtidas no seqüenciamento da cana-deaçúcar com as disponíveis no GenBank, banco de dados sobre todos os genomas concluídos ou em andamento, os pesquisadores ligados ao projeto da FAPESP encontraram- quem diria- de 200 a 1.000 genes ainda não identificados na Arabidopsis thaliana, a primeira planta inteiramente seqüenciada, no final do ano passado. Ainda que sujeito a valores mais precisos, o resultado da comparação pode aumentar em até 5% o total de genes (25 mil) previstos na Arabidopsis. Se foram encontrados novos genes nessa planta, por que o mesmo não pode acontecer com o ser humano?
Determinismo genético versus fatores ambientais
A hipótese de o ser humano ter apenas 30 mil genes reavivou esse velho debate. Os críticos do determinismo genético, em geral pessoas e cientistas da área de humanas, mas também ilustres biólogos como Richard Lewontin, da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, ganharam alguns reforços com a notícia da suposta escassez de genes do Homo sapiens. Com tão poucos genes, como podemos creditar tudo que somos- aparência física, propensão a doenças e gostos pessoais- apenas ao DNA e relegar a segundo plano o papel do ambiente? Críticos mais incisivos decretaram a morte do conceito de gene, como fez a Folha de·s. Paulo em um editorial logo após a publicação dos dados do consórcio público e da Celera.
3,3
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cação do artigo de sua eqmpe, Collins participou da reumao anual da Associação Americana para o Progresso da Ciência, em São Francisco, nos Estados Unidos, e insistiu em difundir a idéia-clichê de que o DNA é o "livro da vida': metáfora que Venter, também presente no encontro científico, fez questão de rechaçar. Os dois, que sempre tiveram tantas divergências- acerca do patenteamento e dos métodos de seqüenciamento de genes -, conseguiram acrescentar mais um item em sua lista de diferenças.
No que parece ser uma mudança de postura, Craig Venter, dono e principal cientista da Celera, certamente um dos homens que mais sonham em ganhar dinheiro com o estudo dos genes, começou a proferir uma série de afirmações antibombásticas sobre o peso das seqüências de As, Cs, Gs e Ts em nossa existência, após a publicação do artigo de sua companhia. ''A montagem da seqüência do genoma humano é apenas o primeiro e hesitante passo de uma longa e excitante jornada na direção do entendimento do papel do genoma na biologia humana", disse. Ou: "Duas falácias devem ser evitadas: o determinismo, a idéia de que todas as características de um ser são ditadas
Collins: concorrência e resultados antecipados Genômica comparativa
pelo genoma; e o reducionismo, (acreditar que) agora que a seqüência humana é totalmente conhecida é apenas uma questão de tempo entendermos as funções e interações dos genes que darão uma completa descrição causal da variabilidade humana" (ver entrevista abaixo).
Uma área que sai em alta com a publicação das seqüências presentes em nosso DNA, por mais que as analogias tendam a jogar por terra o antropocentrismo humano, é a genômica comparativa. Já se sabia que o tamanho do genoma- a quantidade de pares de bases- não guarda relação com o status evolutivo de um organismo. Um protozoário, a Amoeba dubia, tem 670 bilhões de pares de bases em seu genoma- 220 vezes maior que o humano. E não é só esse ser que bate
Francis Collins, principal coordenador do trabalho do consórcio público do genoma humano, não acompanhou Venter no discurso moderado. Dias após a publi-
ENTREVISTA
CRAI G V ENTE R
Forças equivalentes O ambiente pode ser tão determinante quanto os genes
Pode-se não gostar do irrequieto Craig Venter, o fundador da Celera Genomics, a empresa norte-americana que publicou no mês passado sua versão do genoma humano na revista Nature enquanto o consórcio público fazia o mesmo nas páginas da Science. Mas é impossível ignorar sua influência nos destinos da pesquisa genômica nos últimos dez anos. Em 1992, inconformado com a burocracia dos NIH (National Institutes of Health) dos Estados Unidos, ele decidiu fundar um instituto de pesquisa genômica. Nascia em Rockville, no Estado de Maryland, a meia hora da capital, Washington, o TIGR (The Institute for Genomic Research), que
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se tornou um produtivo centro de estudos e seqüenciamento.
Em 1998, Venter começou a escrever definitivamente seu nome na história da genômica. Nessa data, fundou aCelera, também em Rockville, com um propósito claro: estabelecer a ordem correta dos 3 bilhões de pares de bases que formam o genoma humano num prazo máximo de três anos, bem menos tempo do que o inicialmente proposto pelo consórcio público internacional, que planejava atingir esse nível apenas em 2005. A entrada da Celera- uma companhia disposta a impor um ritmo frenético nas pesquisas e, assim, ganhar dinheiro com suas descaber-
tas - causou muita polêmica e acirrou o debate ético. Mas, sem dúvida, fez o consórcio público rever o seu cronograma de trabalho. De 2005, o consórcio passou a prometer o seqüenciamento completo para 2003.
Com a chegada de 2001, pode-se dizer que aCelera cumpriu a sua promessa, ainda que não de forma integral. A empresa publicou uma versão do genoma humano, que ainda contém buracos e não é a definitiva - a exemplo do que ocorreu com o trabalho do consórcio público. Duas semanas após divulgar parcialmente os dados de seu rascunho do genoma -só tem acesso integral às informações da Celera quem virar assinante do banco de dados da empresa -, Venter deu a seguinte entrevista a Marcos Pivetta, por telefone:
• A revelação de que o genoma humano tem menos genes do que o esperado é uma notícia boa ou ruim? - Bem, não é necessariamente nem uma coisa nem outra. Mas diria que é uma boa notícia porque agora sabe-
o Homo sapiens. Até o cachorro, nosso melhor amigo, deixa o homem para trás: o Canis familiares deve ter uns 100 milhões de pares a mais que seus donos.
ossa quantidade de genes, depois das novas projeções rebaixada para 30 mil, também deixou de ser, por si só, motivo de orgulho para a espécie. A popular moscada-fruta (Drosophila melanogaster) tem
mais de 13 mil genes; o verme Caenorhabditis elegans, 19 mil; e a Arabidopsis, 25 mil. Sem falar na cana-de-açúcar, mapeada parcialmente em São Paulo e já com cerca de 80 mil genes. Para quem acredita que o homem é um ser único, as más notícias brotam de todos os lados. Segundo o consórcio público, os cromossomas humano e do camundongo apresentam muitas semelhanças: há no mínimo 200 segmentos com pelo menos dois genes comuns e na mesma ordem. "As comparações com o camundongo vão ajudar a identificar novos genes humanos", diz Sandro José de Souza, co-ordenador de bioinformática do Ge-noma Humano do Câncer.
Na genômica comparativa, o DNA do ser humano é colocado lado a lado com o de outros organis-
mos qual é a resposta (para o número de genes). É uma ótima base para os pesquisadores seguirem adiante.
• Mas isso quer dizer que vai ser mais fácil ou difícil entender o genoma?
mos. As conclusões podem ser surpreendentes. "Geneticamente, nós nos parecemos mais com as plantas do que com os fungos, diferentemente da filogenia, que põe as plantas e os fungos juntos", comenta Carlos Frederico Martins Menck, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP). Após analisar 120 genes de reparo de DNA- os guardiães do genoma, que consertam os danos que ocorrem nessa molécula -, ele e sua equipe encontraram notáveis semelhanças e, ao mesmo tempo, nítidas diferenças entre os genomas do homem, animais, leveduras (fungos), bactérias e plantas (cana-de-açúcar e Arabidopsis).
Um mesmo gene pode ser encontrado em diversas espécies, mas as plantas, por exemplo, podem ter genes só encontrados no homem ou típicos de bactéria - ou não ter genes indispensáveis a outros organismos. "O pior é quando a gente não encontra nada nessas comparações de genoma. Nesses casos, temos de procurar
novamente até ter a certeza de que não existe nada em comum mesmo", comenta Valéria Rodrigues de Oliveira, da equipe de Menck. No final do ano passado, ela encontrou pela primeira vez um gene de reparo de
- Ironicamente, o baixo número de genes mostra que a biologia é mais complicada do que muitas pessoas gostariam que fosse. Muita gente pensava na base de "um gene, uma proteína, uma função biológica, uma doença". Mas as coisas não funcionam dessa forma. Acho que o seqüenciamento do genoma ajuda a demonstrar algo que muitos de nós já sabíamos, mas não tínhamos a noção da extensão dessas complicações. A biologia ainda é a mesma de antes de seqüenciarmos o genoma. Só que agora temos uma melhor avaliação de sua complexidade.
ra está fazendo. Nunca foi. Nosso objetivo é ajudar o resto da comunidade científica, farmacológica e farmacêutica a entender como usar o genoma humano para desenvolver melhores diagnósticos e terapias. Esse é nosso único objetivo, desenvolver novos tratamentos para as doenças.
citando. Espero que eu conconde com isso (rindo). Há muitos termos diferentes usados para qualificar o genoma: livro da vida, fotografia da humanidade. O código genético não é o retrato de um ser humano, não é um dicionário da vida. Ele tem importantes partes de nossa história, importantes instruções para nossas células, sobre como modificá-las. Mas você não pode ir em um cromossoma e encontrar lá as instruções para fazer o coração, o cérebro. Essa discussão tem a ver com a questão anterior, sobre a complexidade do ser humano. A informação está nos níveis seguintes, nas interações entre as proteínas, entre as estruturas das células. Tudo isso não está diretamente codificado no nosso DNA.
• Menos genes no ser humano quer dizer menos genes para serem patenteados. Como a Celera vê essa questão? - Isso é irrelevante. Patentear genes não é uma parte-chave do que a Cele-
• O genoma ainda pode ser considerado o "livro da vida"? O senhor concorda com os pesquisadores que dizem que as informações do genoma são um duro golpe no determinismo genético? - Sou uma das pessoas que você está
• Daqui para a frente, a influência do ambiente vai ser reavaliada no aparecimento de doenças? - Nossos estudos mostram que, de uma forma geral, os genes e o ambiente têm provavelmente a mesma importância. Em cada doença, em cada
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bactéria em humanos - o mesmo que, depois se viu, funciona em cloroplastos, compartimentos das células vegetais em que se realiza a fotossíntese. "A troca de genes entre organismos é muito mais intensa do que pensávamos", afirma Menck. "Genomas são misturas de genomas."
maiores do que entre dois indivíduos de raças distintas.
A notícia, obviamente, é boa e contribui- espera-se- para diminuir o preconceito racial. Mas não se pode interpretá-la de forma errada. Sim, somos todos extremamente parecidos no interior de nosso DNA. Mas isso não quer dizer que cada grupo étnico não tenha predisposições genéticas específicas, o que pode aumentar ou diminuir a ocorrência de certas moléstias nessas populações. Causada por uma modificação na hemoglobina, resultante de alterações em um gene, a anemia falciforme tem, por exemplo, maior ocorrência na população negra. Já
A questão das raças
As duas seqüências quase completas do genoma humano trouxeram novas evidências de que, pelo menos do ponto Menck:"Genomas são de vista genético, não há diferenças sig- misturas de genomas"
nificativas que justifiquem a noção de raça para qualificar seres humanos. O genoma de uma pessoa é igual em 99,99% de sua composição quando confrontado com o DNA de qualquer outro indivíduo na face da Terra -branco, preto, amarelo ou de origem indígena. ACelera estima que as diferenças entre o genoma de duas pessoas se resumam a 1.250 pares de bases com "letras" distintas. O artigo da empresa afirma que as diferenças genéticas entre pessoas que pertencem a uma mesma etnia podem até ser
o outro tipo de anemia, a talassemia, também provocada por alterações genéticas beta, apresenta maior incidência em indivíduos de origem mediterrânea. "Em alguns casos, pessoas de diferentes etnias podem ter respostas distintas para uma mesma droga. Isso tem de ser levado em conta na hora de se desenvol-
ENTREVISTA
condição humana, há um equilíbrio diferente da influência desses dois fatores. A biologia molecular provou que o ambiente é realmente uma parte essencial da vida, da biologia. Eles não são separáveis. As pessoas que só enxergam os genes ou apenas o ambiente saem perdendo. Tem de ser os dois juntos por definição.
• O senhor acha que essa idéia é aceita pela maioria dos pesquisadores? -Isso é algo que eu não tenho como assegurar. Eu esperaria que sim. Mas suspeito que ainda seja necessário muito tempo para as pessoas absorverem toda essa informação. Eu tive a oportunidade de pensar sobre isso muito mais do que a maioria das pessoas.
• O que vem depois do genoma? -Vem todo o resto da biologia. Não há um passo único que vai resolver tudo. Temos de integrar toda a informação para entender a biologia.
• Muita gente tem falado do proteoma
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ver medicamentos", diz Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano e pesquisadora do Instituto de Biociências da USP.
como o passo seguinte da genômica? - Temos grandes pesquisas em desenvolvimento na separação e seqüenciamento de proteínas. Estamos construindo a maior unidade do mundo de seqüenciamento de proteínas. Temos feito pesquisas na ~rea de proteômica há um bom tempo.
• Como o senhor compara os dados da Celera e do consórcio público? -Achamos que o consórcio público fez um grande trabalho. Mas o banco de dados da Celera é substancialmente mais acurado. Nossa seqüência está numa ordem mais correta, algo que o consórcio público ainda vai demorar dois ou três anos para fazer. Uma coisa é ter as partes da seqüência, outra é colocar tudo na ordem certa e obter a seqüência correta dos genes. É por isso que o banco de dados da Celera é tão popular entre os cientistas. Eles sabem, de longe, que temos o melhor dado.
• Quantos assinantes tem o banco de dados da Celera?
-Até ontem (l o de março), tínhamos 37 assinantes, incluindo grandes escolas de medicina e instituições acadêmicas, como o Rockfeller Institute. Cientistas de todo o mundo, do Instituto Karolinska (da Suécia) , do Instituto Max Planck, confiam na nossa informação.
• Esse número de assinantes já é suficiente para o senhor? - A Celera tem apenas dois anos e meio. Nesse tempo, seqüenciamos a Drosophila melanogaster (mosca-dafruta), o genoma humano e agora o do camundongo. Tudo isso em dois anos e meio. Já temos um número substancial de assinantes. Estamos apenas no começo. Estamos esperando o Brasil assinar nosso serviço.
• Pesquisadores brasileiros, a maioria financiada pela FAPESP, produziram uma grande quantidade de dados sobre o genoma humano, um milhão de ESTs de regiões codificadoras de genes. Como o senhor avalia a qualidade dessas informações?
Matéria-prima para as ciências
Embora não sejam a versão final do genoma humano, os dois rascunhos do nosso DNA contêm dados em quantidade e qualidade suficientes para impulsionar pesquisas nas mais variadas áreas por anos e anos. "Agora vamos poder fazer a medicina do século 21", diz Briones:"Uma ótima Sérgio Danilo Pena, pro- hipótese sobre nosso DNA"
fessor da- Imunologia da
Anamaria:"Ainda temos muitos genes para encontrar"
Ribeirão Preto. "Grupos do mundo inteiro vão divulgar trabalhos usando as informações das sequências:'
Assim que saíram os artigos da Science e Nature, o físico Murilo da Silva Baptista, do Instituto de Física da USP, ligou para os biólogos que conhecia. Não os deixou em paz até conseguir a seqüência completa do cromossoma X, um dos menores. Seu plano: estudar padrões de organização
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e diretor do Centro de Análise e Tipagem de Genomas do Hospital do Câncer A.C. Camargo, em São Paulo.
da molécula de DNA e ciclos de repetição de códons, conjunto de três bases que forma aminoácidos, componentes das proteínas.
É uma matéria-prima abundante também para engenheiros, especialistas em computação, matemáticos e filósofos. "Nos próximos meses, vamos começar a sentir o impacto do genoma, talvez de forma diluída", prevê Marco Antonio Zaga, da Faculdade de Medicina da USP de
A comprovação da existência de uma regra que controla a ocorrência de códons pode ajudar a prever quando um deles deve aparecer novamente. "O genoma humano é um terreno extremamente fértil e só precisamos pôr as sementes", diz o físico, que, no ano passado, encontrou esses padrões de repetição ao analisar os geno-
- Não tenho conhecimento específico sobre as ESTs humanas produzidas no Brasil. Mas sei que outras seqüências de ESTs, as primeiras que foram conseguidas em seus país e que foram produzidas em colaboração com o meu instituto (TIGR, The Institute for Genomic Research), eram de alta qualidade. Os cientistas brasileiros fizeram um grande trabalho no seqüenciamento do primeiro patógeno de plantas (a Xylella fastidiosa).
• No Brasil, os pesquisadores têm falado mais no estudo do transcriptoma do que no do proteoma nos próximos anos, diferentemente do que ocorre no exterior. Por que isso está acontendo e qual a importância do transcriptoma? - É um termo que ninguém reconhece, até onde eu saiba, como um termo válido do ponto de vista científico. É por isso que não se ouve muito falar dele. Acho que nunca usei essa palavra nesse sentido. As pessoas estão estudando o RNA todo o tempo. É um intermediário que pode ajudar com algumas indicações sobre
"O baixo número de genes mostra
que a biologia é mais complicada do que
muitas pessoas gostariam que fosse"
as variações nas proteínas, mas ele não pode dizer com grande precisão o que acontece com as proteínas.
• O senhor considera então muito mais importante o estudo do proteoma do que do transcriptoma? -Minha posição é adotar uma visão holística da biologia. Tento não fazer julgamentos ... Você não teria nenhuma proteína no corpo sem o RNA e nenhum RNA sem o genoma. Tudo é importante e precisa ser estudado e entendido. A maior parte da biologia ocorre no nível das proteínas. As pessoas medem RNA para geralmente tentar adivinhar quanta proteína existe. Agora, temos novas técnicas
para medir as proteínas diretamente. Mas ainda há interesse acadêmico em medir o RNA em alguns lugares. As duas técnicas são muito importantes.
• O senhor acha que os softwares usados para seqüenciar o genoma humano também podem ser usados no estudo das proteínas? - Estamos desenvolvendo novos softwares para lidar com proteínas, mas entendê-las está totalmente baseado em entender o genoma. Quando se lida com um sistema integrado, todos os componentes são necessários. Mas definitivamente vamos precisar de novos e melhores softwares e computadores.
• Tudo o que foi publicado na Nature e na Science sobre o genoma humano fez o senhor mudar alguma de suas crenças mais íntimas, como em Deus, no destino ou na evolução humana? -Não. Nenhuma das minhas crenças mudou. Ainda sou a mesma pessoa. Apenas me dei ainda mais conta das complexidades da biologia.
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mas da drosófila e da bactéria Mycoplasma genitalium. São sistemas com regras próprias, mas que, sabe-se lá por quê, apresentam características matemáticas em comum com a oscilação dos índices econômicos das bolsas devalores e com o comportamento de partículas atômicas carregadas eletricamente, o chamado plasma.
A era pós-genômica: transcriptoma e proteoma
Com o trabalho de determinação da ordem dos 3 bilhões de pares de bases já bem encaminhado, a nova onda na área genômica - ou pós-genômica - é o estudo do proteoma, o conjunto de proteínas de um organismo. Como se sabe, os genes produzem proteínas, as moléculas que formam as células e os tecidos, cujo excesso ou falta pode causar doenças. Muitas moléculas conhecidas são proteínas: hemoglobina, insulina, hormônios e neurotransmissores como a dopamina e a serotonina - sem mencionar as enzimas, indispensáveis para as reações químicas. As proteínas representam cerca de 90% do peso seco do sangue, 80% dos músculos e 70% da pele.
No homem, o estudo da interação das proteínas promete ser uma tarefa ainda mais complicada do que o deciframento do genoma. Um dos motivos: ninguém tem uma idéia muito clara do tamanho do nosso proteoma. Ao contrário do DNA, idêntico em qualquer parte do corpo, as proteínas produzidas num tipo de célula não são as mesmas encontradas em outras. Como o homem tem cerca de 100 trilhões de células, desta vez será difícil chegar logo a um número de consenso. Desde já, as estimativas vão de 100 mil a um milhão de proteínas. Tanto o consórcio público quanto a Celera já começaram a pesquisar nesse campo. No Brasil, há poucos grupos especializados. Fora de São Paulo, um dos únicos é o Centro Brasileiro de Serviços e Pesquisas em Proteínas da Universidade de Brasília (UnB).
Para alguns cientistas, a corrida rumo ao proteoma é inevitável, mas está ocorrendo de forma precipitada. "Deveríamos fazer diferente", afirma Simpson. Antes de se debruçar sobre as proteínas, dizem, convém entender o transcriptoma, o conjunto de genes que por serem expressos geram moléculas de RNA, necessárias para a síntese de proteínas. Quando conseguem demonstrar que uma região do DNA é transcrita, os pesquisadores comprovam que ali há um ou mais genes. A Iniciativa para Validação do Transcriptoma Humano, um recéminiciado projeto conjunto da FAPESP e do Instituto Ludwig, pretende encontrar 4 mil genes transcritos nos próximos dois anos. Trinta e um laboratórios participam do projeto, orçado em US$ 1 milhão. "Para nós, o fato de aCelera e o consórcio público não terem terminado todo o trabalho foi uma ótima notícia", afirma Anamaria Aranha Camargo, do Ludwig, uma das coordenadoras do Transcriptoma Humano. ''Ainda temos muitos genes para encontrar e validar."
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Entre cidades e desertos
em todos aderiram aos gráficos, tabelas e longos relatos científicos para entender o genoma humano. Bob Waterson, diretor do Centro de Genoma da Universidade de Washington em St. Louis, Estados
Unidos, não hesitou em lançar mão de metáforas com o propósito de deixar clara a irregularidade com que os genes se distribuem ao longo dos cromossomas humanos (ver tabela). "Em algumas regiões, os genes estão bastante amontoados, como os prédios nas cidades': disse ele. "Há também grandes desertos, onde o DNAlixo pode ser encontrado, e cada região contém informações únicas sobre a história de nossa espécie". Esse cenário contrasta fortemente com o genoma de outras espécies, como a Arabidopsis, o C. elegans ou a Drosophila - bem mais uniformes, esparramando-se em subúrbios, com uma distribuição relativamente regular de genes nos cromossomas.
Os centros urbanos, densos em genes, são constituídos predominantemente por blocos de duas bases nitrogenadas, guanina e citosina, G e C. Já os desertos ou DNA-lixo são ricos em adeninas e timinas, A e T. Em cada cromossoma, há longos trechos de GC, um com uma densidade de 60% e outro somente com 30%, por exemplo. Nunca ocorrem de modo padronizado e constituem o que Waterson chama de vizinhanças, com sotaques distintos.
"É como se as regiões de genes e o DNA-lixo tivessem feito um acordo, de modo que os primeiros ocupassem as cidades, e o outro, os desertos", diz Eric Lander, diretor do Centro de Pesquisa do Genoma do Whitehead Institute, Estados Unidos. Próximqs às cidades, há trechos nos quais somente as bases G e C se
repetem 30 mil vezes ou mais. São as ilhas CpG, pouco representadas ao longo do genoma, que ajudam a regular as funções dos genes.
Outra peculiaridade: cada gene humano pode originar, na média, três proteínas, mais que as dos vermes e das moscas. É uma decorrência do chamado splicing alternativo, no qual as partes de uma proteína podem ser rearranjadas de modo diferente- ABC, CBA ou BAC, no caso hipotético de apenas três elementos-, como peças de um brinquedo de montar. Esse processo é possível porque os genes estão espalhados ao longo do DNA e as regiões que codificam proteínas não são necessariamente contínuas.
A espécie humana também expandiu as famílias de proteínas. Calcula-se que cerca de 60% das famílias de proteínas humanas contenham mais elementos que em qualquer outra espécie. E a maioria dos grupos de proteínas está associada a funções fisiológicas mais desenvolvidas nos vertebrados. O artigo da Science lista 247 genes reguladores do desenvolvimento ou associados ao sistema nervoso, à interação de proteínas, a moléculas de sinalização ou a respostas do sistema imunológico, no homem, na Drosophila, no C. elegans, na levedura e na Arabidopsis- com soberba vantagem para nós.
refinamento é evidente: só o organismo humano, entre os estudados, produz os genes da interleucina, um tipo de anticorpo. Também temos cerca de três vezes mais que as drosófilas e os vermes um
grupo de proteínas que regula a resposta a infecções, as imunoglobulinas, ausentes em fungos e plantas. E temos pelo menos dez genes que pertencem a quatro famílias de proteínas envolvidas na produção de mielina, o revestimento dos nervos; as drosófilas têm apenas um desses genes, e o C. elegans, nenhum.
A análise do genoma detectou a presença de remanescentes de uma migração que ocorreu nos primeiros ancestrais vertebrados. Como tinham poucas defesas contra parasitas invasores, as bactérias podiam tornar-se resistentes no interior dos organismos. O resultado dessa coexistência é que o genoma humano abriga cerca de 200 genes que parecem provir de bactérias ou de genomas intermediários de vírus, embora não se descarte inteiramente a hipótese que as bactérias possam também ter furtado genes de ancestrais vertebrados. De acordo com o artigo da Nature, cerca de metade do genoma deriva dos chamados elementos transponíveis ou transposons - genes que saltam de um ponto a outro do cromossoma ou mesmo de um cromossoma para outro e regulam a função de outros genes.
Outro ponto interessante é o que os cientistas estão chamando de "mania de colecionar quinquilharias", em contraste com outras espécies. A quantidade de lixo acumulado em nosso genoma excede o de espécies mais
antigas, com exceção da ameba. Há repetições em metade de nosso genoma, muito mais que na Arabidopsis (11%), no C. elegans (7%) e na drosófila (3% ). "Esse fato sugere que fomos muito lerdos ao fazer a limpeza de casa", compara Arian Smit, bioinformata do Instituto de Biologia de Sistemas. Calcula-se que a drosófila tenha limpado a casa há cerca de 12 milhões de anos, enquanto os mamíferos há 800 milhões. •
Lógica peculiar Nem sempre os maiores cromossomas
contêm mais genes, nem os menores, menos
CROMOSSOMO TAMANHO* NÚMERO DENSIDADE (EM MILHÕES DE GENES** (GENES POR DE PARES MILHAO DE OE BASES) PARES OE BASES)
1 220 2.453 11
2 240 1816 7
3 200 1611 8
4 186 1145 6
5 182 1366 7
6 172 1467 8
7 146 1219 8
8 146 940 6
9 113 1018 8
10 130 1027 7
11 132 1586 12
12 134 1342 10
13 99 582 5
14 87 873 10
15 80 804 10
16 75 995 12
17 78 1210 15
18 79 472 6
19 58 1409 23
20 61 697 11
21 33 286 8
22 36 641 17
X 128 992 7 y 19 104 5
Total 2907*** 26.383 9
*Estimativa. ** Considerando a estimativa mais baixa de genes humanos, na qual se incluem 328 genes que a Celera ainda não conseguiu associar a nenhum dos cromossomas humanos. *** Incluindo os 75 milhões de pares de bases que a Celera ainda não conseguiu associar a nenhum dos cromossomas humanos.
Fonte: Science
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CIÊNCIA
MEDICINA
Marcador detecta câncer Proteína pode identificar câncer de bexiga com precisão em exame de urina
Com o objetivo de saber, já no momento do diagnóstico,
qual será a evolução da doença em cada paciente - o que simplifica a escolha do tratamento -, o urologista Marco Aurélio Silva Lipay, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp ), estudou a glicoproteína CD44 como marcador molecular para câncer de bexiga. Substância que participa da arquitetura dos tecidos e une as membranas das células- como o cimento numa parede -, ela já é usada em diagnósticos de câncer de rim e mama.
Segundo Lipay, cujo estudo foi financiado pela FAPESP, o câncer de bexiga é o quarto de maior incidência nos Estados Unidos, onde se diagnosticam cerca de 50 mil novos casos por ano. No Brasil, a estimativa oficial foi de 7.550 novos casos em 1999, "mas ela pode estar subestimada".
Quando a glicoproteína CD44 não está expressa num tecido, é sinal de que há uma desorganização na estrutura dele, que as células começam a desprender-se desordenadamente. Como o câncer é uma doença de multiplicação desordenada de células, supõe-se que a falta de um elemento integrador, como a CD44, aponte para um prognóstico ruim, pois o grau de agressividade do câncer está diretamente relacionado à produção de células metas-
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táticas, que se desgarram do tumor original.
Ainda em fase experimental, o método da CD44 depende de biópsia - retirada de uma amostra da região afetada para análise. Lipay pretende aumentar a sensibilidade do teste e torná-lo não invasivo, detectando a expressão ou ausência da CD44 na urina. Coletada a urina, é feita uma centrifugação, para obter as células que descamaram da mucosa interna da bexiga. O RNA
Lipay e Mônica: objetivo é ter um poo/ de marcadores tumorais
Análise de célula superficial da bexiga com CD44 expressa (no alto) e ausente (ao lado)
(ácido ribonucléico) dessas células é extraído e amplificado por reação em cadeia de polimerase. Se a CD44 estiver expressa, o RNA que promove sua produção também será amplificado pela reação.
Alterações genéticas - Lipay diz que o gene que codifica a glicoproteína CD44 está mapeado no braço curto do cromossoma 11. "Existem outros marcadores de tumor de bexiga em estudo. O ideal seria termos um único marcador." O câncer de bexiga
começa geralmente na mucosa e, no momento do diagnóstico, é impossível saber se o paciente vai ficar curado ou não. "O câncer é uma doença genética no nível somático: ou seja, antes que a doença se manifeste, a célula passa por diversos passos de alterações moleculares", explica.
A geneticista Mônica Vanucci Nunes Lipay, que orientou o projeto juntamente com o urologista Flávio Hering, ambos da Unifesp, acrescenta: "Fatores não genéticos, como o tabagismo, podem interferir no processo, facilitando essas alterações. O câncer é uma doença de
múltiplos passos. Se um indivíduo tiver uma alteração genética que indique uma tendência de desenvolver a doença, mas não for exposto a agentes agressores, pode ser que nunca venha a desenvolver o câncer".
Lipay continuará em sua linha de pesquisa rumo à criação de um pool de marcadores tumorais que representem o quadro real do paciente. •
O PROJETO
Estudo da Expressão da Glicoproteína CD44 Padrão, por Técnica lmunohistoquímica, como Fator Prognóstico na Neop/asia Urotelial da Bexiga
MODALIDADE Auxílio a projeto de pesquisa
COORDENADOR FLAVIO LUIZ ÜRTIZ HERING - Unifesp
INVESTIMENTO R$ 36.043,75
CIÊNCIA
GEOLOGIA
I
Agua, riqueza em exame O maior reservatório de água da América do Sul pode ter excesso de radioatividade
Oimenso manancial de águas subterrâneas Aqüífero Guara
ni, uma riqueza pouco divulgada dos quatro países do Mercosul, tem sido objeto de estudos que devem facilitar sua preservação e aproveitamento seguro pelas populações da vasta região que cobre. A qualidade da água é considerada boa em muitas áreas, mas o físico Daniel Marcos Bonotto, professor de Geoquímica no Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista (Unesp ), em Rio Claro, aponta al-
Mar oculto
guns problemas. Em diversos poços, ele encontrou teores excessivos de elementos radioativos, rádio e radônio, associados a câncer pulmonar e estomacal. Outra conclusão é que nas zonas de menor profundidade o manancial está sendo contaminado por dejetos de suinocultura, mineração de carvão e produtos tóxicos de origem industrial ou agrícola. "Percebemos até um aumento de nitrato nas águas de um poço em Ribeirão Preto, e a fonte são esgotos não tratados:'
Um dos maiores reservatórios subterrâneos do mundo, o Aqüífero Guarani estende-se sob uma área de 1,2 milhão de quilômetros quadrados, dois terços dela no Brasil -partes dos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do
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Sul, Goiás, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul - e o restante no noroeste da Argentina, leste do Paraguai e norte do Uruguai. Equivale ao território somado de Peru, Espanha, França e Grã-Bretanha.
O manancial é estimado em 50 mil quilômetros cúbicos de água doce - suficientes para o mundo todo por dez anos. Seu uso para consumo humano deve basear-se em estudos que atestem a potabilidade ou apontem a necessidade de prévio tratamento. No Brasil, as pesquisas sobre esse manancial se desenvolveram sobretudo a partir dos anos 70 pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) do Estado.
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Maior reserva de água subterrânea da América do Sul, o Aqüífero Guarani se estende por quatro países. No Estado de São Paulo, abastece indústrias e moradores de cerca de 400 municípios.
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FORMAÇÃO SERRA GERAL
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Fonte: Journal of Hidrology 29,165· 179
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500 1000km
R;o Grande MINAS GERAIS
PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 • 3S
Mas ainda faltam dados hidrogeológicos mais precisos sobre essas reservas. Por isso, o Brasil e demais países do Mercosul iniciam em 2001 um projeto para aprofundar estudos e criar um modelo de gestão do uso das águas do aqüífero e sua proteção ambiental. O projeto é apoiado pelo Fundo Mundial para o Meio Ambiente (Global Environment Facility-GEF) e contará até 2005
Bonotto: análises, cu idados no uso e controle do Mercosul
ção do DAEE em São Paulo e Araraquara e da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) em São Paulo e Porto Alegre. A pesquisa também levou em conta informações geradas em trabalhos do gênero conduzidos no Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP) sob a coordenação do professor Aldo da Cunha Rebouças, considerado uma das maio
com investimento de US$ 25 milhões dos países envolvidos.
do um investimento de US$ 47,7 mil para compra de equipamentos e modernização do laboratório.
Radiação e poluição- Bonotto dedica-se desde 1991 à investigação radiométrica - detecção de radioatividade - do aqüífero, com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ( CNPq) do Ministério da Ciência e Tecnologia, da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), em Viena, e da FAPESP, que já liberou recursos para três projetos, incluin-
Os sinais de radiação tornaramse evidentes depois de nove anos de trabalho de campo (ver quadro) . O pesquisador coletou e analisou quimicamente, por três vezes, 80 amostras de águas subterrâneas de poços tubulares do aqüífero em quase 70 municípios de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A seleção dos poços foi feita com a colabora-
·-
As medições e os cuidados necessários
No caso do urânio, Daniel Bonotto constatou que a radioatividade medida nas 80 amostras de água analisadas é bem inferior ao nível máximo recomendado, o que atesta a potabilidade da água em relação aos isótopos de urânio 238 e 234. Mas em algumas amostras encontrou metais pesados, como o cádmio, considerado cancerígeno e identificado na água de um poço de 124 metros de profundidade, usada para abastecimento pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Naquele ponto, o teor de cádmio excedia em mais de 20 vezes o limite m áximo de concentração estabelecido pela Norma Técnica Especial (NTA-60) sobre águas de consumo alimentar no Estado de
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São Paulo, aprovada pelo Decreto Estadual n? 12.486.
De radônio, o pesquisador encontrou níveis elevados nas águas da maioria dos poços analisados. Como não há no Brasil legislação sobre ingestão de radônio, Bonotto comparou os resultados com o limite de 300 pCi/1 (picoCuries por litro) proposto em 1991 pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (Usepa). Mais da metade dos poços analisados, inclusive alguns usados para consumo humano, ultrapassavam esse limite.
Havia teores elevados de radônio em águas de poços de Maringá (3.303 pCi!l), Londrina (2.453 pCi/1) e Cornélio Procópio (2.408 pCi/1), no Paraná, mas nenhum deles era usado para consumo da po-
res autoridades no assunto.
Precauções - Para Rebouças, os dados podem não ser representativos, dada a possibilidade de contaminação em laboratório. Acha conveniente coletar nova série de amostras de cada poço, para comprovar as análises. Bonotto não crê na possibilidade de contaminação em laboratório e avalia que, no caso do rádio, os valores encontrados podem estar até subestimados, devido a perdas que ocorrem no processo.
pulação. Em São Paulo, no entanto, águas de poços usados para consumo humano revelaram níveis deradônio superiores ao limite estabelecido pela legislação internacional em Fernandópolis (2.902 pCi/1), São José do Rio Preto (1.272 pCi/1), Catanduva (1.272 pCi/1), Lins (1.516 pCi/1) e Ribeirão Preto (718 pCi/1).
Bonotto tranqüiliza com uma ressalva: a meia-vida - tempo de desintegração de metade da quantidade original - do radônio é de no máximo quatro dias e, quando a água é tratada ou mesmo apenas armazenada em piscinas, como acontece freqüentemente, há um processo de aeração que diminui os teores de radônio, eliminando os riscos da radiação. Aldo Rebouças acrescenta: como o tempo de vida do radônio é muito curto, até a água ser ingerida pelas pessoas o gás já desapareceu. De qualquer
-
.-
De qualquer modo, como os resultados parciais mostram que ovalor de referência do rádio é alto em muitos municípios, isso pode significar o comprometimento do uso das águas do aqüífero para consumo humano em algumas lo-
dade superior a 1.000 metros. Pelo menos 200 municípios paulistas são abastecidos total ou parcialmente pelo aqüífero, também usado em irrigação e indústrias de alimentos, bebidas e têxteis.
calidades. Bonotto considera fundamental um controle radiométrico efetivo pelos órgãos sanitaristas responsáveis pela distribuição de água à população e a definição das regiões onde é apropriada para consumo, para banhos ou para agricultura.
Água na superfície
Para ele, a amostragem é boa e representativa, mas acha preciso analisar a água dos 15 mil poços tubulares que já captam águas do Aqüífero Guarani, muitos em profundi-
·--... ......... ....,.Assunção
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forma, ele concorda que é preciso fazer tratamento no caso das águas que são retiradas dos poços e canalizadas imediatamente para as redes de distribuição. E, mesmo assim, segundo o pesquisador da Unesp, mesmo quan
ARGENTINA
do o radônio desaparece das águas armazenadas em reservatórios ou piscinas, pode ficar o chumbo radioativo, que é um dos seus filhos.
Como o radônio está alto, Bonotto suspeitou que o elemento que lhe dá origem, o rádio, poderia estar alto também e fez outra coleta de amostras de águas nos 80 poços. As análises confirmaram a suspeita em alguns poços, com teores de rádio superiores até quatro vezes o limite máximo estabelecido pela legislação brasileira para a radioatividade alfa
-- Limite do aqüífero
Ponto de amostragem •
O 50 150 250 km ----- 34°Fonte: laury Medeiros Araújo e outros, Universidade Federal do Paraná (UFPR)
46°
total emitida por elementos radioativos, entre eles o rádio 226.
Bonotto explica que o rádio tem alto grau de radiotoxicidade, grande tendência de fixar-se nos ossos, longa meia-vida de 1.622 anos e grande potencial de produzir dano biológico por ser emissor de radioatividade alfa. Segundo ele, a máxima concentração de rádio 226 nas águas, sugerida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), é de 1 Bequerel por litro (Bq/1). O critério empregado no Brasil é baseado na
Bonotto preocupa-se ainda com a exploração abusiva do aqüífero: "Se perfurarem muito ou tirarem água em demasia, pode ocorrer acomodação de terreno". Assim, a utilização de águas subterrâneas tem de ser dosada: "Temos de fazer um estudo para saber o quanto de água pode ser retirado da reserva, principalmente porque as bacias de extração são concentradas em alguns locais e em outros não". •
OS PROJETOS
O Rádio no Aqüífero Guarani
INVESTIMENTO
R$ 18.000,00
Comportamento Geoquímica do Radônio em Águas Subterrâneas da Bacia Sedimentar do Paraná
INVESTIMENTO
R$ 11 .000,00
MODALIDADE
Auxílio a projeto de pesquisa
COORDENADOR
D ANIEL M ARCOS BONOTTO- Unesp de Rio Claro
Portaria n° 36 de 19 de janeiro de 1990 do Ministério da Saúde, que estabelece o valor de referência de O, 1 Bq/1 (cerca de 2, 7 pCi/1) para a radioatividade alfa total e de 1 Bq/1 para a atividade beta total.
Os teores encontrados nas amostras de alguns poços estão acima dos limites sugeridos pela
OMS e bem superiores ao valor máximo de 0,1 Bq/1 para a radioatividade alfa total na água- no qual o rádio se inclui- estabelecido pela legislação brasileira. Em São Paulo, o pesquisador constatou, por exemplo, que o teor de rádio num poço em Catanduva é de 1,8 Bq/1, quase 20 vezes acima do nível permitido pela legislação brasileira. Num poço em Monte Alto o teor de rádio é de 0,7 Bq/1, em Ribeirão Preto de 0,5 Bq/1 e em São Simão de 0,5 Bq/1.
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Imitando essa estratégia, Galetti e as alunas Eliana Cazeta e Cecília Costa fizeram frutos artificiais com massa de modelar para verificar alterações no comportamento das Erva-de-passarinho: estratégia Olho-de-cabra: imitando fruta
rimento demonstra, pela primeira vez, que a fragmentação de uma floresta afeta a probabilidade de um fruto ser disperso por uma ave, dependendo da cor do fruto e de onde
aves que comem frutos de plantas arbustivas. Distribuíram frutos artificiais brancos, vermelhos e pretos - cores dos frutos que as aves comem - nas bordas e no interior dos fragmentos de mata. Escolheram a faixa de sub-bosque porque nela, de mata mais baixa, cerca de 85% das plantas são dispersas por aves ou morcegos e só 15% por um mecanismo da própria plantacomo o de explosão, que joga a semente longe. Na faixa de árvores altas - como o jequitibá ( Cariniana legalis), com 30 a 40 metros de altura - os animais só dispersam as sementes de metade das espécies: na outra metade a dispersão é feita pelo vento ou pela própria planta.
"Os resultados", diz Galetti, "mostraram que as matas maiores tiveram
Os fragmentos Foram estes os oito fragmen
tos de Mata Atlântica estudados no interior do Estado por Galetti e sua equipe:
• Parque Estadual do Morro do Diabo, em Teodoro Sampaio. É o maior dos fragmentos, com 35.000 hectares e preserva sua fauna completa, inclusive onças.
• Estação Ecológica de Caetetus, em Gália, perto de Bauru. Tem cerca de 2.100 hectares e fauna quase inalterada, menos cutias e onças.
• Fazenda Barreiro Rico em Anhembi, Piracicaba. São cerca de 1.800 hectares, tem muita caça, mas é baixa a densidade de cutias e não há antas.
• Fazenda Mosquito, no Pon-
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O passarinho da erva: interação delicada
mais frutos bicados e removidos que as menores, indicando uma provável diminuição da dispersão de sementes por aves em fragmentos pequenos. Além disso, frutos pretos são menos bicados pelas aves no interior da mata do que na borda, enquanto para os frutos vermelhos não há diferença entre borda e mata. Esse expe-
tal do Paranapanema, perto de Presidente Prudente, com cerca de 2.000 hectares. Tem toda a fauna preservada.
• Mata São José, em Rio Claro. São 230 hectares, sem cutia nem anta, com poucos exemplares de macaco-prego ( Cebus apella) e sagüi ( Callithrix aurita)
• Mata de Santa Genebra. Reserva Municipal de Campinas com 250 hectares. Não tem cutia nem anta, só macaco-prego e bugio (Aloutta fusca).
• Mata do Ribeirão Cachoeira, em Campinas, com cerca de 230 hectares. Só tem bugio.
• Fazenda Igurê, em Gália. Cerca de 320 hectares, sem cutias nem antas, mas com aves dispersaras como tucanos (família Ramphastidae) e arapongas (Procnias nudicolis).
a planta está localizada no ambiente. Por isso, espera-se que fragmentos pequenos possuam mais arbustos com frutos pretos na borda que matas pouco alteradas. Ninguém imaginava que a fragmentação florestal pudesse afetar diferentemente as espécies de sub-bosque dependendo da cor do fruto':
Efeito de borda - Esse experimento simples aponta um fator de risco importante para a regeneração de fragmentos florestais : o efeito de borda. Galetti explica que, quando a mata é fragmentada, suas bordas recebem muito mais vento e insolação que o interior, o que diminui muito a umidade, entre outros impactos. Isso facilita a invasão de espécies exóticas, não nativas da mata. Ocapim, por exemplo, não ocorre dentro da mata preservada, onde não tem como competir pela luz. O capim que invade a borda, contudo, impede a regeneração da mata nesse local. E o ciclo prossegue: quanto mais luz na borda, menos umidade, mais invasão do capim ou de outras espécies exóticas. Esse processo de estrangulamento da mata original pode levar muitos fragmentos florestais a desaparecer em menos de cem anos.
O ataque mais ou menos agressivo do efeito de borda sobre um fragmento depende de muitas variáveis, o que requer um estudo de manejo específico em cada área. "Em fragmentos que têm plantações de eucalipto no entorno há menos efeito de borda que nos rodeados por cana-de-açúcar ou pasto. Isso porque os eucaliptos barram a ação do vento, que pode derrubar muitas árvores na borda. Como não há regeneração na borda por causa
do capim, o fragmento vai diminuindo cada vez mais."
A quantidade de variáveis ambientais encontrada foi um tanto frustrante para a equipe: "Procurávamos um padrão sobre os efeitos da fragmentação na dispersão de sementes para as matas semidecíduas de São Paulo, na busca de soluções para seus problemas. Embora existam alguns padrões d aros, como é o caso do jatobá, as variáveis de cada fragmento são tantas que cada área respondeu de uma maneira. Cada fragmento tem seu histórico único de perturbação, tipo de entorno - café, cana ou eucalipto -, pressão de caça e outras perturbações".
Manejo contínuo - Em suma, se não houver animais para fazer o trabalho gratuito de dispersão de sementes, para recompor uma floresta e mantê-la auto-sustentável, será preciso replantar espécies e também reintro-
duzir os bichos. Galetti acrescenta que os fragmentos precisam ser manejados continuamente: inserir no ambiente animais dispersares como a cutia e controlar a caça, por exemplo, pode fazer a população animal aumentar demais e causar outro impacto na cadeia ali-
Os frutos e seus semeadores Cor, tamanho e outras carac
terísticas do fruto são importantes para que se identifiquem os dispersares de sementes. Galetti revela que frutos dispersos por aves são em geral vermelhos ou pretos e adoçicados, como o do pau-viola ( Citharexyllum mirianthum) e a pitanga (Eugenia spp.), ou gordurosos, como a bicuíba (Vi rola spp.). Os dispersos por mamíferos são quase sempre doces, amarelos, cheirosos e polpudos, como o araçá ( Campomanesia spp.) e o bacupari (Rheedia gardneriana). E os dispersos por morcegos são verdes, com cheiro forte e de fácil captura em vôo: figo (Ficus spp.) e chapéu-de-praia ( Terminalia cattapa). Existem até os adaptados à dispersão por for-
Murta: do gênero da pitanga
migas, como a mamona (Riccinus communis) e o capixingui ( Croton spp.), que têm uma pequena recompensa olerosa ( elaiossomo) para os insetos. E há frutos que nem precisam de animais para dispersar suas sementes: usam o vento para isso, pois são dotados de asas ou plumas, como o araribá ( Centrolobium tomentosum), o jequitibá ( Cariniana legalis) e o cedro ( Cedrella fissilis).
Castanheira-do-pará: em trabalho duro e paciente, cutia perfura a blindagem da casca e permite a dispersão das sementes
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mentar. "Uma vez que ocorreu a perturbação da mata, fica difícil re-fazer a natureza."
E no Brasil há pouca gente qualificada para o manejo adequado de fragmentos florestais: "Não existem nas universidades cur-
sos que formem os que nos Estados Unidos são chamados wildlife managers, dedicados ao manejo da vida silvestre. Quem acaba fazendo o manejo é o biólogo ou o engenheiro florestal. Todas as unidades de conservação deveriam ter um grupo de pesquisadores dedicados ao manejo local. Sem manejo adequado, estaremos perdendo cada vez mais nossa biodiversidade. Isso mostra um campo de trabalho gigantesco para biólogos nessa área, muito mais que na biotecnologia".
Ao comparar seu estudo com o Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF), tocado desde 1979 na região Norte pelo Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa) e a Smithsonian Institution dos Estados Unidos, Galetti aponta uma diferença: o PDBFF removeu partes da floresta e deixou blocos simétricos de 1, 10, 100 ou 1.000 hectares isolados da mata contínua, enquanto em São Paulo a fragmentação é muito mais caótica e mais antiga, com matas isoladas há 100 ou 150 anos. "Primeiro, a onda do café derrubou quase todas as matas, principalmente porque o acesso
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era muito fácil, numa região plana. Depois, vieram os ciclos da cana e do eucalipto. Um fragmento isolado num mar de cana não tem como receber sementes e perde diversidade com o tempo."
O projeto abrangeu oito fragmentos: quatro com cerca de 300 hectares e quatro acima de 1.000 hectares (ver quadro) .
No Cerrado, outro ecossistema que- como a Mata Atlântica - consta da lista das 25 áreas de biodiversidade mais ricas e ameaçadas do planeta, segundo a organização preservacionista Conservation International, o biólogo considera a situação menos grave quanto à reprodução das espécies que na mata semidecídua. "Muitas plantas do Cerrado têm reprodução vegetativa, não dependem só dos frutos. Se são cortadas, rebrotam ou lançam uma raiz longa e geram outro indivíduo adiante, enquanto na floresta a maioria das árvores cortadas não rebrota".
Galetti comenta que dispersão de sementes é uma linha de pesquisa muito nova no país. Ele, que doutorou-se na Universidade de Cambridge, Inglaterra, com um estudo de dispersão de sementes de palmito (Euterpe edulis) na Mata Atlântica, também estudou na Indonésia a dispersão feita pelos ursos e calaus (aves de várias espécies e gêneros, semelhantes aos tucanos). Na volta, obteve o incentivo da FAPESP para iniciar em 1997 o atual projeto, que deverá concluir em julho. Em 1998, ao tornar-se docente do Departamento de Ecologia da Unesp em Rio Claro, montou com a professora Patrícia Morellato, do Departamento de Botânica, o Grupo de Fenologia e Dispersão de Sementes.
Além do grupo de Galetti, poucos no Estado dedicam-se à área. Wesley Rodrigues Silva, do Instituto de Biologia da Universidade de Campinas, e Jean Paul Metzger, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), coordenam projetas no programa Biota-
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Ga letti: nova fronteira da ciência a explorar
FAPESP. Ainda rio IB-USP, José Carlos Motta Jr. reúne pesquisadores dedicados ao assunto.
Para atrair mais interessados na área, Galetti e Wesley Silva organizaram o Terceiro Simpósio Internacional de Frugivoria e Dispersão de Se-
OS PROJETOS
Frutos e Frugívoros em Florestas Semidecíduas: Estrutura da Comunidade e Impacto na Dispersão de Sementes em Fragmentos Florestais em São Paulo
MODALIDADE
Programa de Apoio a Jovens Pesquisadores
COORDENADOR
MAURO RODRIGUES GALETII - Instituto de Biociências da Unesp em Rio Claro
INVESTIMENTO
R$ 104.087,00
Demografia e Ecologia da Dispersão de Sementes de Bertholletia excelsa HBK (Lecythidaceae) em Castanhais Silvestres da Amazônia Oriental
MODALIDADE
Auxíl io a projeto de pesquisa
COORDENADOR
CARLOS EDUARDO DA SILVA PERES - USP
INVESTIMENTO
R$ 72.138,19
mentes, reunido de 6 a 11 de agosto passado na estância de São Pedro e que teve mais de 300 participantes de 30 países. Ali, o grupo de Galetti apresentou 15 trabalhos e o prêmio de melhor pôster foi concedido ao trabalho de duas pesquisadoras do IB-USP sobre a dispersão da castanha-dopará pelas cutias.
Cutias e castanhais - O trabalho foi feito em terra indígena caiapó, no sudeste do Pará, como parte do Projeto Pinkaiti. Claúdia Baider trabalhou com demografia e dispersão de sementes, para tese de doutorado, e Maria Luisa da Silva Pinto Jorge fez mestrado sobre área de vida, atividade diária e densidade populacional de cu tias. Orientadas por Carlos Au
gusto da Silva Peres, do IB-USP, pesquisaram num dos poucos castanhais ainda não explorados na Amazônia, a cerca de duas horas de barco da aldeia de A'Ukre, perto da cidade de Redenção.
A floresta do castanhal estudado é aberta, com matas de palmeiras, bambus e cipós. Tem cinco meses de estação seca e em metade dela não cai uma gota de chuva. Cláudia diz que a maior parte das castanheiras está em aglomerados, o que pode resultar do padrão de dispersão das sementes pela cutia. A cutia come as castanhas, mas enterra algumas sementes, que acabam germinando. Ela leva frutos em todas as direções e pode percorrer grandes distâncias, mas distribui a maioria das sementes relativamente perto das árvores.
O fruto, que pesa entre 800 gramas e 1,5 quilograma, é formado por uma casca lenhosa como madeira recoberta por outra de cortiça. É extremamente duro e a cutia leva de 40 a 50 minutos para roer um buraco nele até chegar às castanhas. A castanha-do-pará é importante para a economia extrativista da Amazônia, mas sua extração desenfreada ameaça a sobrevivência das cutias e dos próprios castanhais. •
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CIÊNCIA
MATEMÁTICA
Programados para ver Animais mostram aos computadores como identificar objetos
SUZEL TUNES
Oque se pode aprender com animais tão distintos quanto
uma salamandra, um gato ou uma aranha? Cientistas da Universidade de São Paulo em São Carlos estão aprendendo a ver. O estudo de modelos biológicos tem sido indispensável para desvendar os segredos de uma das mais complexas atribuições do cérebro - a visão -, que depois se pretende ensinar a um computador. Há avanços tanto na teoria quanto na prática. Podemos ainda estar longe de Hal, o sagaz computador de 2001, Uma Odisséia no Espaço ou mesmo dos andróides quase humanos de Blade Runner, mas o Grupo de Pesquisa em Visão Cibernética já exibe neurônios virtuais, que criam vida própria dentro do ambiente virtual e podem ser controlados, de acordo com as regras inferidas da pesquisa com células reais. É o caminho para se fazer o inverso: entender, a partir do modelo matemático, como os neurônios naturais interagem entre si -uma tarefa quase impossível pelos meios habituais, pois os neurônios em laboratório só podem ser estudados isoladamente.
O conhecimento acumulado pela equipe tem servido para o desen-
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volvimento de projetos aplicados. Já permitiu a construção de um olho mecânico, concluído no ano passado, com base no sistema visual de uma aranha. Na medicina, subsidia o desenvolvimento de um sistema de diagnóstico de leucemia, que deve ser concluído em quatro anos.
O coordenador do grupo, Luciano da Fontoura Costa, engenheiro eletrônico com especialização em Física, tem prestado consultaria para indústrias nacionais e estrangeiras. Dois exemplos: para a Hewlett Packard do Brasil, criou um sistema de controle de qualidade de monitores de vídeo, e para a Intelligent Network, dos Estados Unidos, um programa de reconhecimento de padrões e inteligência artificial em redes de computadores e Internet.
Laranjas e maçãs- As aplicações práticas da visão computacional, nos mais diversos setores, são imensas e atraem o interesse de empresas e universidades em todo o mundo. Estima-se que, no exterior, essa área movimente cerca de US$ 5 bilhões, mesmo que os mecanismos de visão computacional ainda sofram limitações. Máquinas de inspeção visual já podem, por exemplo, reconhecer bolachas quebradas entre bolachas inteiras, mas ainda têm dificuldades em distinguir objetos de contornos semelhantes, como laranjas de maçãs ou rostos masculinos de femininos.
Conscientes da estratégica importância dessa área de pesquisa, o grupo sediado em São Carlos con-
solidou-se como um dos mais profícuos do Brasil, com base na multidisciplinaridade. Fazem parte da equipe especialistas em Computação, Matemática, Física, Engenharia Eletrônica e Mecânica. Há também neurocientistas, médicos, psicólogos e até filósofos. A maioria deles já completou o doutorado, de modo que pode parecer estranho que uma aranha ou uma salamandra ensine a um grupo de qualificados Homo sapiens algo sobre uma capacidade inata e aparentemente tão simples quanto a visão. Afinal, ver parece exigir menos esforço do que fazer cálculos ou tomar decisões, por exemplo.
Não é bem assim. "Há uma tendência a considerar a visão como um processo simples e a imagem que vemos como uma impressão direta do mundo ao nosso redor", diz Costa, que coordenou o recém-encerrado projeto Pesquisa em Visão Cibernética, financiado pela FAPESP. "Na realidade, a visão é um processo refinado, que requer cerca de metade da capacidade do córtex cerebral de um prima ta e consiste na passagem da imagem física para a
interpretação." Trata-se de um conjunto de processos capaz de identificar e localizar os objetos existentes no mundo a partir da informação visual captada por sensores - uma habilidade que nem as máquinas mais sofisticadas ainda conseguiram conquistar, enfim.
Forma e função - Costa tem certeza de que encontrará na natureza as soluções para o desafio de ensinar uma máquina a ver. "Se comparássemos o sistema nervoso a uma máquina", diz ele, "o programa da visão estaria todo codificado nos neurônios." Assim, o primeiro passo da pesquisa consiste no conhecimento e na classificação das células nervosas. ''Antes de criar um bom modelo matemático-computacional, é preciso conhecer a anatomia e fisiologia dessas células e desvendar a relação entre suas formas e funções", comenta. O cérebro humano tem centenas de tipos de neurônios e tudo indica que essas diferenças sejam determinadas por interações internas e externas ao indivíduo, uma vez que nosso material genético não é suficiente para justificar um número tão vasto de formas.
A teoria não é original. No fim do século 19, o médico espanhol Santiago Ramón y Cajal (1852-1934), pioneiro no estudo de tecidos neurais, atribuía a própria inteligência humana à forma dos neurônios. Cajal ganhou, com o italiano Camillo Golgi (1843-1926), o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia de 1906 e passaria à história como criador qa neurociência moderna, mas seu interesse pela forma neuronal não receberia maior atenção no decorrer do século 20.
No Brasil, a chamada neuromorfometria continuaria como um campo de pesquisa praticamente inédito até que o Grupo de Visão Cibernética iniciasse seus estudos de como a forma pode influenciar no comportamento dos neurônios. "A definição da forma de um neurônio pode estar diretamente ligada ao estabelecimento de conexões sinápticas. Células mais complexas, com maiores arborizações dendríticas, conectam-se a um número maior de células. Um dos nossos objetivos é obter parâmetros que possam classificá-las", diz Costa.
O estudo concentrou-se em dois tipos de neurônios, as células gan-
glionares e as piramidais, o primeiro da retina de gato e da salamandra e o outro de rato. Como o laboratório do grupo no Instituto de Física de São Carlos não trabalha com animais, as imagens de neurônios reais foram enviadas por parceiros da pesquisa, como o Departamento de Fisiologia da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A partir das imagens reais, analisadas por métodos estatísticos e de computação gráfica, é que os pesquisadores construíram os sistemas neuronais virtuais. Com eles, podem conhecer melhor o funcionamento dos neurônios, fundamentais à visão, e simular situações reais. É a chamada visão cibernética, a expressão que os pesquisadores adotam por essa área representar a interface entre a visão biológica e a computacional.
Simulações- Mas o que se quer realmente é gerar neurônios realistas, estatisticamente semelhantes aos naturais. Para chegar lá, o primeiro - e talvez mais difícil - desafio é estabelecer padrões de classificação. O
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que faz um neurônio da célula ganglionar da retina do gato distinguirse de qualquer outro? Foi preciso escolher um conjunto de medidas que representassem cada grupo de neurônios, como tamanho, largura, orientação e ângulos dos segmentos dos dendritos, as ramificações desse tipo de célula. Segundo Costa, a escolha desses parâmetros ainda é um problema aberto, que deve levar em conta o que se quer estudar.
A questão da extração de medidas, ponto-chave da criação do sistema nervoso virtual, também é fundamental para o desenvolvimento de um mecanismo visual cibernético. A partir de uma cena qualquer, o computador terá de captar a imagem que lhe interessa- como faz o olho biológico - e dela extrair os atributos (ou medidas) necessários para seu reconhecimento. O segredo é saber que medidas são essas capazes de transformar a imagem em eficientes algoritmos (modelos ou expressões matemáticos) de identificação. No meio de um grupo de pessoas, por exemplo, o que torna homens e mulheres estatisticamente diferentes entre si? Altura, comprimento de cabelo, ângulos das feições? O que ao animal parece instintivo, o computador terá de aprender passo a passo.
O olho da aranha - Desenvolver um sistema de reconhecimento mais eficiente foi o objetivo de um dos primeiros trabalhos práticos realizados pelo Grupo de Pesquisa em Visão Cibernética, a construção de um olho mecânico. O trabalho começou em 1993, quando Costa voltou do doutorado no King's College, de Londres, e terminou no ano passado. O modelo utilizado foi o sistema visual de várias espécies de aranha saltadora, da família Salticidae, escolhida por ter a visão bastante evoluída. Segundo Costa, essa espécie
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possui o sistema visual mais desenvolvido entre os invertebrados terrestres e, incluindo os aquáticos, só perde para o polvo. Além disso, consegue detectar segmentos de reta, uma habilidade ideal para o desenvolvimento de um olho mecânico, por facilitar o armazenamento das informações.
Olhar seletivo - O trabalho começou com a observação do comportamento da aranha. Presa diante de uma tela de computador, ela assistia a imagens de hipotéticas presas e
predadores e os pesquisadores observavam suas reações.
Costa agora reconhece que esse tipo de abordagem tinha uma falha: a observação humana é subjetiva, ou seja, diferentes observadores podem chegar a diferentes conclusões. Por isso, logo o trabalho se sofisticou, com a inclusão de um estetoscópio eletrônico. Colocado sobre o abdome da aranha, o aparelho mediu os micromovimentos abdominais- onde fica o coração desse animal - e obteve uma medição mais objetiva da resposta aos estímulos. Os pesquisadores observaram que a aranha saltadora era capaz de reconhecer, rapidamente, se a imagem projetada na tela era de outra aranha ou não.
A retina da aranha saltadora, com a forma alongada como a de um bumerangue e a capacidade de se mexer, enquanto a córnea permanece fixa (ao contrário do olho humano), serviu de modelo para a criação de um protótipo de olho mecânico que detectasse retas com
grande eficiência para reconhecer objetos de imediato. Essa abordagem levou também à interpretação do reconhecimento de retas como sendo um problema de otimização matemática.
Outra aplicação prática da pesquisa de visão cibernética envolveu aplicações experimentais nas estações ferroviárias de Londres, num trabalho em colaboração com o King's College. Trata-se de um sistema de estimativa de densidade populacional, para monitorar áreas onde se agrupam multidões. Como numa
multidão aparecem apenas pedaços de corpos, o computador não chega a reconhecer seres humanos individualmente. A técnica é baseada em diferenças de padrões de textura. Imagens de baixa densidade de pessoas tendem a apresentar textura grossa, enquanto imagens mais densas
apresentam texturas mais finas. Desse modo, as imagens são classificadas em diferentes categorias de texturas. Depois, empregam-se estatísticas dessas classes para estimar o número de pessoas.
Computador também escolhe - Ainda mais surpreendente é o programa que avalia a percepção visual, um atributo ainda pouco conhecido dos cientistas e bastante influenciado pelo ambiente, contexto sociocultural e emoções. "A imagem da TV é enviada aos aparelhos com perda de qualidade", exemplifica Costa. "Se nossa percepção fosse linear, bastaria medir a imagem original, tirar a diferença e estabelecer padrões de qualidade." Mas a imagem pode ter distorções e ainda assim ser agradável. Um modelo adequado para avaliar a qualidade das imagens teria de ser capaz de considerar as sutilezas do sistema visual humano.
Foi exatamente isso o que o computador fez. No ano passado, os pesquisadores convidaram um
grupo de 20 pessoas de diferentes segmentos sociais a atribuir notas a cerca de 50 imagens. A partir das notas, associadas a medidas como dimensões, contraste e cor, os especialistas elaboraram um algoritmo que permitisse ao computador avaliar outras imagens. Em seguida, compararam os dois julgamentos. Hu-
Atualmente, o grupo de São Carlos trabalha num programa de diagnóstico semi-automático de leucemia, em colaboração com os hematologistas Marco Zago, da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, e Sérgio Martins, do Hemocentro também de Ribeirão. O objetivo é criar um software de
manos e máquinas ~r--------------, apoio ao médico para valorizaram pontos ~ o reconhecimento de como qualidade ar- ~ células anormais, dis-tística e originalida- j tintas por alterações de, atributos direta- ~ de formato. "Primeiro, mente relacionados ~ o computador precisa com o contexto cul-tural. A maior surpresa: as notas dadas pelos humanos e em seguida pelo modelo computacional mostraram-se bastante parecidas.
~ "
Respostas rápidas - Como as imagens ficavam na tela por poucos segundos, uma justificativa possível para a incrível concordância é que tenham sido avaliadas medidas mais primitivas. No ser humano, a informação visual passa primeiro pela base do lobo occipital, região do córtex cerebral localizada próximo à nuca e responsável pelo reconhecimento de segmentos de reta, que faz o processamento primário da informação visual. Se a imagem ficasse na tela por mais tempo, a informação caminharia para regiões cerebrais mais influenciadas pelas emoções e contextos culturais, o que poderia causar distorções em relação à avaliação do computador. Segundo Costa, esse detalhe não inviabiliza uma possível aplicação do experimento, sobretudo para a avaliação de conteúdos visuais que devem provocar impacto ou agradabilidade imediata, como outdoors, páginas de Internet ou mesmo anúncios publicitários de televisão. "Um dos benefícios dessa pesquisa é a identificação da importância específica dos diversos atributos visuais no processo de percepção", diz ele.
Um neurônio virtual e Costa: pessoas e máquinas com gostos semelhantes
OS PROJETOS
Pesquisa em Visão Cibernética
MODALIDADE
Programa de Apoio a Jovem Pesquisador
INVESTIMENTO
R$ 81.300,00 mais US$ S.OOO,OO
Desenvolvimento e Avaliação de Métodos Originais e Precisos em Análise de Formas e Imagens e Visão Computacional
MODALIDADE
Projeto temático
INVESTIMENTO
R$ 325.000,00 mais US$ 130.000,00
COORDENADOR
LUCIANO DA FONTOURA C OSTA -
Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo
separar os tipos de célula do sangue, reconhecer os leucócitos e só então fazer as medições", diz Costa. Hoje, o diagnóstico é feito de forma visual - e um tanto subjetiva.
Facilidades - Costa acredita que o diagnóstico ficará não apenas mais rápido, mas também mais preciso e objetivo. "Certos tipos de leucemia associam-se a alterações morfológicas bastante típicas, como anormalidades na forma do núcleo e citoplasma da célula", comenta. Por esse motivo, parece possível relacionar rapidamente a forma da célula com o tipo de doença e, cruzando o resultado com os dados clínicos, tomar decisões ainda mais
precisas na forma de tratamento.
Recentemente, o grupo de São Carlos integrou-se ao Projeto Genoma Humano do Câncer. Uma de suas tarefas, já definidas, é aplicar técnicas de processamento de . . .
sma1s e Imagens, reconhecimento de padrões, inteligência artificial e mi
neração de dados na análise das informações obtidas nesse projeto financiado em conjunto pela FAPESP e pelo Instituto Ludwig.
Parte dessa trajetória de oito anos está reunida no recém-lançado Shape Analysis and Classification: Theory and Practice, escrito por Costa em parceria com Roberto Marcondes César Jr., do Instituto de Matemática e Estatística da USP de São Paulo, a convite da editora norte-americana CRC Press. Olhando para a frente, a dupla de pesquisadores pretende agora avançar em pesquisas de visão cibernética com aplicações em análise de imagens de microscopia, inspeção visual e reconhecimento de faces, a partir do projeto temático recém-assinado, a ser desenvolvido nos próximos três anos. •
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TECNOLOGIA
LINHA DE PRODUÇÃO
Mais luz nos ambientes, com menos despesas Só há 12 países que não têm regulamentação para impor um padrão de eficiência energética aos prédios - e o Brasil está entre eles. Num país onde a luz natural é abundante o ano todo, a grande maioria das edificações usa durante o dia forte iluminação artificial e consome uma energia que começa a escassear. "Já O Rio de Janeiro iluminado: pouco aproveitamento da luz natural há 30 anos a luz solar é alternativa comum nos Estados Unidos e na Europa. É incompreensível que o Brasil, que possui condições privilegiadas para explorar esse recurso, não o faça", diz Louise Land Bittencourt Lomardo, pesquisadora da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia ( Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em sua tese de doutoramento, ela aponta três parâmetros usados em normas estrangeiras: potência de iluminação por metro quadrado, proporção de janelas na fachada e transmissibilidade térmica das paredes. Louise compara as legislações aplicadas nos Estados Unidos, na Jamaica e em Portugal e aponta medidas simples para os projetos arquitetônicos que economizam energia. A partir desse trabalho, a Coppe asssinou um convênio com as universidades alemãs de Colônia e Berlim, para instalar o Nú-
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cleo de Referência em Prédios de Alto Rendimento. O principal objetivo do acordo entre os institutos é desenvolver tecnologias de uso da energia solar. •
• Aparelho alerta contra excesso de velocidade
Um pequeno aparelho instalado no painel do carro é a novidade para evitar o excesso de velocidade, ato responsável por grande parte dos acidentes de trânsito e por severas baixas nos bolsos dos motoristas multados nesse tipo de infração. Chamado de V-Set, o aparelho foi desenvolvido pela Control Ware, empresa recém-
emancipada da incubadora de empresas do Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico (CDT) da Universidade de Brasília (UnB). A concepção do produto é do desenhista industrial Adriano Braum, que usou o V-Set como trabalho de graduação na UnB, e do engenheiro elétrico Rudi Van Els, professor do curso de Engenharia Mecatrônica da universidade e dono da empresa. O aparelho emite sinais sonoros e visuais após o motorista ter ultrapassado o limite de velocidade escolhido por ele entre as teclas 60, 70 ou 80 km/h. O aparelho está disponível aos consumidores em uma loja de auto-
V-Set: motorista escolhe, nas teclas, a velocidade-limite
som de Brasília, em fase de teste comercial. "Estamos agora captando recursos para iniciar a produção em série do V-Set", explica Eis. A empresa possui também, em fase de conclusão, um tacógrafo digital, aparelho que registra a velocidade, ignição e outras informações de um veículo. •
• DuPont licencia tecnologia genética
A empresa Artemis Pharmaceuticals, de Colônia, Alemanha, obteve licença da DuPont norte-americana para aplicações da tecnologia Cre-Iox de genômica funcional - que permite extrair genes selecionados de células de ratos, desligando uma função biológica. Essa tecnologia é um instrumento para o estudo dos genes, sobretudo os relacionados a doenças humanas, em tecidos e órgãos específicos. "A licença obtida, em combinação com outras tecnologias relativas à genômica funcional que estabelecemos, ajuda a criar uma plataforma otimizada para a identificação rápida da função do gene in vivo em relação a determinada doença", declarou o presidente da Artemis, Peter Stadler. •
• Softwares melhoram a agricultura chinesa
Dois softwares desenvolvidos em Campinas vão ajudar a agricultura chinesa a ter melhor desempenho e produtividade. A empresa Soluções Informatizadas de Referências Agropecuárias (Sira) fechou um acordo com o grupo chinês Beijing Lupeng Technology no valor de US$
Fertilidade: em mandarim
SOO mil para exportação dos softwares Laboratorial e Fertilidade. Com eles é possível acompanhar qualquer cultura desde o plantio até a colheita. "Eles são ferramentas que ajudam a entender as necessidades da cultura a partir da análise do solo, indicando as dosagens certas de fertilizantes", explica Roberto Barducci Camargo, um dos quatro sócios da empresa. O primeiro contato com os chineses aconteceu em 1997 numa missão da Sociedade para Promoção da Excelência de Software Brasileiro (Softex), entidade à qual a Sira está associada. "Durante esses anos os chineses fizeram vários testes com os softwares e conseguiram aumentar os teores de açúcar na uva e melhoraram a produtividade da batata e do algodão." Agora, com contrato assinado, a Sira prepara o software para exportação, traduzindo-o para o dialeto mandarim. •
• Minirrobô pode fazer manobra em moeda
Cientistas do centro de pesquisas Sandia National Laboratories, dos Estados Unidos, comunicaram estar desenvolvendo um robô minúsculo, que é possivelmente o menor já construído e consegue manobrar sobre uma
Usinas de álcool utilizam tese que ganhou prêmio Antes tarde do que nunca. Esse ditado bem que poderia servir para um novo sistema de obtenção de álcool anidro apresentado, em 1987, na tese de doutorado do engenheiro de alimentos Antonio José de Almeida Meirelles, que só agora está sendo utilizado por algumas usinas de álcool da região de Ribeirão Preto. Meirelles também ganhou, em 1989, o prêmio Jovem Cientista instituído pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A
nova técnica substitui o cicloexano pelo etilenoglicol no processo de desidratação do álcool, ou seja, a retirada da água do álcool hidratado (etanol) que se transforma em anidro e é usado como combustível misturado à gasolina. "As vantagens do etilenoglicol são a economia de mais de SOo/o de energia elétrica no processo de destilação, a melhor qualidade do álcool, que deixa de ser contaminado pelo cicloexano, e o fato de não ser inalável pelos trabalhadores da usina",
Esteiras e três baterias de relógio fazem o minirrobô se movimentar
moeda. Alimentado por três baterias de relógio, ele anda sobre esteiras e tem dois motores, microprocessador e sensor de temperatura. Ed Heller, que desenvolveu a parte microeletrônica, prevê que, em sua evolução, o robozinho possa executar tarefas difíceis hoje feitas por robôs bem maiores, como localizar e desarmar minas terrestres ou detectar armas químicas e biológicas. Heiler explica que o avanço na miniaturização foi obtido a partir do uso de componentes eletrônicos isolados, em
vez de dispositivos miniaturizados prontos. Os componentes são montados em módulos sobre um substrato de vidro. Operado pela Sandia Corporation, empresa do grupo Lockheed Martin, o centro de pesquisas que desenvolve o robô trabalha sob contrato para o Departamento de Energia dos EUA .•
• Plástico tem poder de auto-regeneração
Microcápsulas com um agente químico "cicatrizante" e um catalisador são inseri-
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~
afirma Meirelles, hoje professor da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp. O motivo de as usinas usarem somente agora a nova técnica está ligado à extração de energia elétrica do bagaço de cana. As usinas usam a energia e vendem o excedente para as companhias de distribuição. Atualmente, as novas variedades de cana rendem menos bagaço. Assim, a hora é de economizar na produção para se atingir patamares anteriores de energia elétrica. •
das num composto matriz. Se ocorre alguma fissura no material, as cápsulas ali se rompem e liberam o agente, que entra em contato com o catalisador e inicia um processo de polimerização, preenchendo a falha. O novo material plástico foi desenvolvido em pesquisa coordenada por Scott White, pesquisador e professor de engenharia aeronáutica e astronáutica da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. "Ele pode ser usado onde um polímero sintético atua hoje", disse White, segundo o informativo The Daily Illini Online. Com essa capacidade de auto- regeneração, o material feito com polímeros sintéticos teria o tempo de vida útil aumentado. Como o custo de produção previsto ainda é muito alto, as aplicações mais prováveis seriam em setores mais sofisticados, como a indústria aeroespacial. O uso de plásticos auto-regeneráveis é também um sonho antigo da indústria automobilística. •
PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2001 49
CAPA
17 de dezembro de 2000: mapa indica direção e altura das ondas, com
mais de 3 metros, no sul do país
de ventos acima de 15 metros por segundo, equivalentes a 54 km/h, produzem a grande maioria das ondas que chegam às praias.
Ciclones acoplados- Innocentini conta que algumas vezes o ciclone tropical, quando em fase de enfraquecimento, é absorvido por um extratropical, que se intensifica rapidamente. Foi o que aconteceu entre 24 e 26 de outubro de 1999, com o ciclone tro- ~ug picai Irene. Ele se '" originou na costa ~
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da África, atraves- o ~
sou o Atlântico, ul- !;:
trapassou parte da ~ costa da Flórida, seguiu para o norte
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e estava perto de Nova York, perdendo força, quando juntou-se a um extratropical que estava ao largo da costa canadense. Depois da junção, formouse uma região com pistas enormes e velocidade de quase 20 m/s (72 km/h).
As ondas se propagaram em direção sul pelo Atlântico e
Telas do site do lnpe: previsões de ondas e ventos (no alto) e mapa para clicar em certos pontos litorâneos
pesquisador. Ele e sua equipe fizeram um trabalho de reconstituição do episódio com a aplicação de um modelo de geração e propagação de ondas. Com base em equações matemáticas, formuladas para quantificar os processos físicos que influem nas ondas, o modelo combina vá-
chegaram com muita energia ao arquipélago de São Pedro e São Pauloo pequeno conjunto rochoso brasileiro situado 950 quilômetros a nordeste da costa do Rio Grande do Norte, onde a Marinha mantém uma estação científica desde 1998. Dois pesquisadores que estavam na ilha Sudoeste, onde foi instalada a estação, só sobreviveram porque foram para o farol local, único ponto a salvo, mas as ondas destruíram os ninhos das aves e danificaram parte da infra-estrutura da estação e os instrumentos de pesquisa.
O fenômeno é raro: "Só acontece uma ou duas vezes por década", diz o
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rias informações, principalmente as relativas aos ventos de superfície, e calcula a evolução da altura das ondas em cada ponto do oceano.
Agitação no mar - Embora faltassem observações sobre as ondas que chegaram ao arquipélago para confirmar o modelo, o trabalho - Vagas no Litoral Norte do Brasil Geradas por Furacões: Caso 24 de Outubro de 1999- mostra as ondas sendo geradas no extremo norte do Atlântico, cruzando o Equador, propagando-se para o litoral norte brasileiro e atingindo o arquipélago. Pelos resultados do modelo, esse ci-
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clone extratropical gerou ondas com mais de 8 metros de altura em mar aberto próximo da Península Ibérica, do norte da África e dos Açores, que terminaram por chegar ao Brasil.
Apesar das previsões do site do Inpe, ainda há naufrágios e outros desastres. Em 14 de dezembro do ano passado, por exemplo, os pesquisadores fizeram um alerta: nos dias 16 e 17 e na semana seguinte haveria intensa agitação marítima nos litorais de Santa Catarina, Paraná e São Paulo.
resultado é que, naquele final de semana, um veleiro que saíra de Angra dos Reis desapareceu no domin
go, 17, e só foi encontrado à noite no litoral sul do Paraná com apenas um dos três tripulantes. Segundo relato do sobrevivente, o veleiro foi tombado duas vezes por ondas muito altas, que lançaram ao mar os outros tripulantes, considerados navegadores experientes.
No mesmo final de semana, em Ilhabela, um barco naufragou na Ponta dos Castelhanos com 13 pessoas, das quais 12 foram salvas. E, no Rio de Janeiro, 21 pessoas ficavam isoladas em três ilhas: o resgate foi
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feito por helicóptero, pois o mar estava agitado demais.
Matemático formado pela USP, onde fez mestrado em Meteorologia, Innocentini doutorou-se na universidade inglesa de Reading em 1986. Em 1989, começou a trabalhar no Inpe e, ao visitar o instituto de pesquisas da Marinha em Arraial do Cabo, técnicos dali falaram da necessidade de se fazer a previsão de ondas no país. Era preciso superar um
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Modelo de ondas é repassado ao Peru
A Marinha de Guerra do Peru conta desde o ano passado com um modelo de previsão de ondas para todo o Pacífico, implantado por Valdir Innocentini e baseado na tecnologia desenvolvida pelos técnicos no Inpe. O objetivo é saber em detalhes como acontecem os ciclones no Pacífico e ter um modelo de previsão de ondas para as pequenas bacias, diz Fernando Vegas Castafi.eda, tenente da Divisão de Hidrografia e Navegação da marinha peruana. Ele chefia
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grande atraso, atestado nesta frase na página do Inpe na Internet: "Embora a previsão da agitação marítima gerada pelo vento através de técnicas objetivas tenha se iniciado no final dos anos 50, o interesse de pesquisadores brasileiros por este assunto parece ter sido despertado apenas no final dos anos 80".
A previsão era importante para o litoral fluminense, freqüentemente atingido por fortes e inesperadas res-
uma m1ssao de quatro pessoas que chegou ao Brasil em 3 de janeiro último para um estágio de seis meses no Inpe e na USP.
Os peruanos receberam nossa tecnologia e conseguiram ficar à frente do Brasil, comenta Innocentini. É que o modelo de previsão de ondas deles foi inserido no projeto Naylamp (El Nino Anual Y las Amostras Médias del Pacífico) - proposto para estudar o efeito do fenômeno El Nino na costa peruana com financiamento de US$ 5 milhões do Banco Mundial. Essa verba permitiu comprar seis bóias bem equipadas (duas são de reposição) por
17 de dezembro de 2000: ventos com velocidade de mais de 18 m/s (70 km/h} atingem Santa Catarina
sacas. É comum que as pessoas saiam de barco para pescar em algumas ilhas e, quando chega a ressaca, com ondas e ventos muito fortes, não consigam voltar. Por isso, mesmo barcos grandes de 30 a 50 pés ( 1 O a 15 metros de comprimento) naufragam, há mortes e a Marinha é obrigada a fazer resgates com helicóptero.
Além dos naufrágios, Innocentini constatou que, quando as ondas estão muito altas, operações rotineiras nos portos e nas plataformas de petróleo tornam-se difíceis e há alto risco de acidentes.
Modelo avançado- Os problemas provocados por ciclones extratropicais acontecem principalmente entre o Rio Grande do Sul e o Espírito Santo, mas, até o trabalho da equipe do Inpe, o máximo que se fazia era estudar as marés. "Os pesquisadores do Instituto Ocenográfico da Universidade de São Paulo (USP) coletam dados em Ilha Comprida para os estudos das variações de altura do mar e na Escola Politécnica da USP, na capital, os engenheiros fazem projetos que demostram os efeitos das ondas em
U$ 250 mil cada uma e equipamentos de informática para implementar os modelos numéricos de previsão de ondas.
As quatro bóias em atividade contam com sensores que me-dem as ondas detalhadamente, 1
além de diversos parâmetros meteorológicos e oceanográficos. Os pesquisadores peruanos pretendem, com essas informações, estudar e desenvolver métodos pa-ra as previsões do fenômeno El Nifio, que altera periodicamente a situação meteorológica normal 1
no Oceano Pacífico e provoca desastres como inundações e naufrágios na costa peruana.
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PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 • 53
CAPA
diversas localidades da costa brasileira. Mas ninguém trabalha com previsão de ondas geradas pela ação do vento, na faixa de período de 1 a 30 segundos, que é a variação de tempo possível entre a passagem de duas ondas", diz Innocentini.
são de ondas para o Mediterrâneo.
Por isso, entre 1992 e 1994, ele trabalhou num projeto de pesquisa precursor do atual e também
lnnocentini: modelo permite pôr as previsões no site 72 horas antes
Em 1997, Innocentini começou a coordenar o atual projeto temático e, com os recursos obtidos, pôde contar com uma equipe de cinco pesquisadores, além de estações de trabalho (computadores potentes) de última geração conectadas à Internet.
financiado pela FAPESP. Nele, desenvolveu um modelo numérico de ondas baseado em trabalhos publicados em revistas internacionais, para prever a agitação marítima provocada pelos ventos. Contudo, teve dificuldades para aferir se o modelo funcionava bem e se as previsões eram confiáveis, porque não havia dados sobre os fenômenos da costa brasileira.
Mais tarde, o oceanógrafo italiano Luigi Cavaleri, pesquisador do Istituto Studio Dinamica Grandi Massa, de Veneza, Itália, forneceu dados coletados no mar Mediterrâneo referentes a um mês de medidas de ventos e ondas. A partir daí, Innocentini e o pesquisador Ernesto dos Santos Caetano Neto, do IPM da Unesp de Bauru, criaram o modelo de previ-
Vasco da Gama quase descobriu o Brasil
D epois de estudar o diário de bordo da expedição de Vasco
da Gama que descobriu o caminho marítimo para as Índias, a equipe do Inpe conseguiu, com seu modelo matemático, reconstruir as condições meteorológicas da viagem ao longo da costa oeste africana -especialmente as tempestades enfrentadas na transposição do Cabo da Boa Esperança (até então chamado Cabo das Tormentas), tanto na ida como na volta.
O diário de bordo do navegador português, em parte publicado em 1998 na biografia Vasco da Gama feita pela francesa Genevieve Bouchon, tem uma lacuna proposital entre 22 de agosto e 27 de outubro de 1497, dias consumidos na chamada Volta ao Largo: os navios se afastaram da África e se aproximaram muito da então oficialmente desconhecida costa brasileira. Era segredo militar - os espanhóis e outros não podiam conhecer esse caminho.
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No trabalho Possíveis Dificuldades que Acompanharam a Viagem de Vasco da Gama à Índia, a equipe do Inpe explica que "a descoberta do caminho das Índias pelos navegantes portugueses no século 15 foi o resultado de ·várias expedições malsucedidas no Oceano Atlântico". Daí surgiu a estratégica Volta ao Largo, manobra em que a frota guinava para sudoeste depois das ilhas de Cabo Verde: "Embora essa viagem fosse mais longa, era mais rápida, pois as velas inflavam com os ventos do setor oeste do anticiclone subtropical que as empurravam ao extremo sul do continente africano". Além disso, evitavam-se as calmarias próximas do golfo da Guiné, bem como os ventos do flanco direito do anticiclone subtropical que se opõem à navegação rumo ao sul.
A rota traçada por Vasco da Gama utilizou a Volta ao Largo pela primeira vez na história da navega-
Isso permitiu desenvolver um modelo numérico mais avançado, inicialmente baseado nas informações de dois órgãos norteamericanos - National Centers for Environmental Prediction (NCEP) e
ção a vela no Atlântico Sul. Ao rumar para sudoeste, os navios se aproveitaram da corrente do Brasil e dos ventos do flanco esquerdo do anticiclone subtropical do Atlântico, "evitando numerosas dificuldades que encontrariam no percurso ao largo da costa africana."
Restava um grande obstáculo, confirmado pela equipe: "A maior barreira para as expedições era o Cabo da Boa Esperança, onde ciclones extratropicais são bastante intensos e geram extensas regiões
National Oceanic andAtmosphericAdministration (Noaa). Isso foi necessário porque, para fazer uma boa previsão em qualquer parte da costa brasileira, era preciso ter dados de todo o Oceano Atlântico, desde o Canadá e a Grã-Bretanha até as Ilhas Malvinas, pois as ondas que chegam à costa do Brasil são geradas acima da latitude de 40 graus, no Atlântico Norte, e abaixo de 40 graus no Atlântico Sul, em pontos próximos aos pólos.
A equipe concluiu, em 1998, um sistema próprio de previsão de ondas para o Atlântico: o Modelo Atmosférico de Área Limitada (Maal), que abrange a costa brasileira. Nele, trabalham com equações dos movimentos atmosféricos, usam dados -
com ventos fortes e ondas gigantes em mar aberto': O trabalho relata um caso recente com ondas acima de 5 metros geradas por um ciclone no Atlântico Sul que se deslocou para o Cabo da Boa Esperança.
''A expedição de Vasco da Gama foi surpreendida no Cabo da Boa Esperança em novembro de 1497 por uma grande tempestade na viagem de ida às Índias e quase toda a expedição naufragou nessa região na volta, em março de 1499, provavelmente devido a intensos ciclo-
O PROJETO
A Dinâmica da Cic/ogênese sobre o Atlântico Sul
MODALIDADE
Projeto temático
COORDENADOR
VALDIR INNOCENTINI- Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (lnpe)
INVESTIMENTO
R$ 39.230,05 e US$ 265.933,34
pressão atmosférica, umidade relativa, etc. - de várias fontes e prevêem todos os parâmetros meteorológicos, incluindo os ventos que ocorrem 10 metros acima da superfície. Com os ventos previstos pelo modelo atmos-
ÁSIA
férico é possível saber ~z - os locais de geração, ;) ~ propagação, refração e ~ dissipação das ondas
por todo o Atlântico.
Rotas de Gama: estudo mostrou que na ida era preciso afastar-se da costa
nes migratórios de oeste." Na verdade, os navegadores já sabiam dos perigos e planejaram entrar na região depois de outubro, para evitar o pior.
Os pesquisadores do Inpe sentiram as dificuldades dos navegantes portugueses ao analisar o que acontece rotineiramente no Cabo da Boa Esperança e ao estudar um evento específico entre 11 e 14 de junho de 1999, quando dois ciclones geraram ventos e ondas no local. Um deles estava acompanhado de ventos de superfície com velocidade que ultrapassava 20 metros por segundo (72 km/h), suficientes para produzir ondas com altura acima de 5 metros em uma extensa região.
Atualmente os pesquisadores já fornecem informações sobre ventos e ondas que ocorrem diariamente no Atlântico e fazem previsões com até 72 horas de antecedência para toda a costa brasileira, especificamente para o litoral norte de São Paulo. As informações são divulgadas pela TV Vanguarda, do Vale do Paraíba, e pelo site do Inpe. No futuro, Innocentini e equipe pretendem implementar um modelo de ondas mais adequado para o mar raso (com menos de 50 metros de profundidade), que deverá gerar informações ainda mais detalhadas de propagação nas regiões costeiras - primeiro do litoral norte paulista e depois de toda a costa brasileira. Um trabalho que deverá contribuir ainda mais para evitar acidentes e abrirá novos campos de utilização - como facilitar a atracação de navios e até ajudar surfistas a escolher a praia. •
Além da experiência e da bravura dos navegantes, foram as velas latinas idealizadas pelos sábios da Escola de Sagres que ajudaram os aventureiros a atravessar o mar, diz lnnocentini. "As velas latinas eram panos triangulares, capazes de impulsionar os navios em direção perpendicular ao vento. Dessa forma os navegantes tinham condições de vencer os alísios de nordeste que impediam o retorno a Portugal."
Ele lembra ainda que os astrônomos e matemáticos da Escola de Sagres desenvolveram tabelas com a declinação dos astros, bem como eficientes instrumentos de navegação, como o astrolábio e a balestilha, usados para medir a posição dos astros e determinar a posição da embarcação. E conclui: "Todo esse desenvolvimento ocorreu devi-do à necessidade de novas técnicas, pois as então conhecidas foram desenvolvidas para navegar no Mediterrâneo e eram inadequadas para o Atlântico" - o Mar Tenebroso, como era chamado na época.
PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 • SS
TECNOLOGIA
INFORMÁTICA
Cartórios no mundo digital Projeto do PIPE resulta em software para registro e organização de papéis
U m programa inédito capaz de ser utilizado em qualquer
computador promete um futuro melhor para os setores que trabalham com o arquivo de documentos como cartórios, órgãos públicos e câmaras municipais, por exemplo. O aplicativo vai automatizar boa parte do até então dispendioso e complicado processo de arquivamento, organização e atualização de certidões, processos, atas e outros tipos de papéis documentais que contam a história e registram a vida dos cidadãos, das empresas e do poder público. A partir de um scanner, o novo programa vai registrar os papéis, principalmente aqueles antigos feitos com máquinas de escrever, e colocá-los na tela de um computador que tenha a bem disseminada base Windows, da Microsoft.
Pertencente à família dos reconhecedores automáticos de caracteres, conhecidos pela sigla OCR, do inglês Optical Character Recognition, o novo software está sendo preparado pela empresa paulistana Carta Consultaria por meio de um projeto do Programa Inovação Tecnológica em Pequena Empresa (PIPE) da FAPESP. Num primeiro momento, a versão que deverá chegar até o final do ano ao mercado será dedicada às funções de um cartório. Esses estabelecimentos são importantes emissores e depositários de certidões e escrituras e recebem por dia muitas solicitações de informações. Só na cidade de São Paulo, os cartórios realizam uma média de 7 mil buscas de
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documentos durante todos os dias. Ao final do mês, são 140 mil consultas. Uma situação que ainda não conta com ferramentas eficazes para a busca de arquivos em sistemas de computação.
Substituir documentos - Para se ter uma idéia do que representa o avanço do novo programa, bem mais especializado que os seus congêneres, o conteúdo de várias salas com papéis poderia ficar empilhado num punhado de disquetes. É um parâmetro ainda difícil de ser atendido, porque o programa de OCR da Carta Consultaria não pretende, de forma alguma, substituir todos esses documentos. Legalmente, isso ainda não é possível. Cabe-lhe ordenar e facilitar o acesso a todos esses papéis, tanto por parte do funcionário da repartição, quanto na disponibilidade de um serviço melhor ao público. Dessa forma, documentos de papel que circulam nesses locais poderão ser rapidamente transformados em documentos digitais.
Sakamoto, gerente de projetos da Carta. A empresa é uma consultaria de sistemas computacionais, principalmente nas áreas de documentação, geoprocessamento e mapeamento. Durante a fase de elaboração do software, a Carta teve a colaboração importante, na forma de consultaria, do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP), por meio do departamento de Ciência da Computação. "Munido das informações repassadas pelo pessoal do IME, que incluíam um protótipo e indicavam a possibilidade técnica real para o produto, partimos para os estudos de pesquisa de mercado, definindo a viabilidade também financeira para o lançamento de um novo software': conta Sakamoto.
Primeiro alvo- A prospecção de mercado permitiu identificar que os documentos armazenados em cartório
o o o
mereCiam ser o pnme1ro acervo a ter uma versão para o produto. Mesmo que recentemente esses estabele
cimentos já possuam as vanta-O desenvolvi
mento do produto teve a coordenação de Felício
~ gens do arquivo digital, a maior Wil'í- :..1 parte dos docu-
mentos perma-nece armazena-
~-• • ... •
da em livros típicos. E toda vez que se exige uma alteração no conteúdo, por exemplo, é preciso refazer todo o documento. "É um trabalho de redigitação muito grande", justifica Sakamoto. Mas por que dedicar-se a um produto específico, se já existiam poderosos pro-gramas OCR comerciais? "Consultamos alguns res-ponsáveis de cartórios so-
CARTA CONSULTOR!
bre os produtos disponíveis no mercado e eles afirmaram que o desem
Sakamoto:"Nossa inovação é a pré-seleção do documento"
Impressão antiga - Ao tratar-se de documentos antigos, entretanto, a história muda. Com todos os seus borrões, carimbos manchas e a típica imprecisão gráfica das antigas máquinas de escrever, até mesmo os programas OCR comerciais mais gabaritados não conseguem uma eficácia satisfatória. "Fizemos alguns testes com documentos recentes já digitalizados e o melhor dos softwares existentes atingiu 90% e o nosso
penho desses produtos é fraco, por isso desistiram de usá -los."
Tipos de papéis - A inovação do sistema OCR da Carta é a especialização, porque os OCRs comuns não permitem uma pré-seleção da estrutura de documentos. "Escolhemos algumas categorias de papéis e, assim, ganhamos no desempenho': explica Routo Terada, professor de Ciência da Computação da USP e um dos principais consultores envolvidos com o projeto.
O novo programa, portanto, começou a ser desenvolvido partindo dos problemas existentes no mercado a ser atingido. "Aproveitamos a experiência do IME e desenvolvemos uma ferramenta bem mais versátil", explica Junior Barrera, professor do IME-USP.
A etapa a seguir exigiria um longo e paciente processo de programação e de testes que, por fim, tomaria quase 80% de todo o período dedicado ao projeto iniciado em 1997.
Conceitos digitais- Do ponto de vista técnico, existem diversas maneiras de um programa de computador fazer a transformação das imagens, captadas pelo scanner, em caracteres de texto. Na prática, basta entender que os conceitos matemáticos e de geometria, seguidos depois por regras de estatística, são utilizados, neste caso específico, para mapear e trabalhar sobre cada pequenino trecho dos documeptos pré-digitalizados. Para a funcio-
nalidade do computador, qualquer imagem não passa de um
acúmulo seqüencial de números.
98%. Num segundo documento, mais antigo e gerado por máquina de escrever, o índice do programa comercial era muito ruim, cerca de 60%, enquanto o nosso chegou aos 90%", conta Sakamoto, satisfeito.
Na reta final da preparação do programa, a Carta faz os últimos acertos técnicos e dedica-se ao trabalho de marketing e de formatação do produto destinado aos cartórios. Os técnicos acham difícil calcular números sobre possíveis vendas e o faturamento previsto. Mas pode-se estimar facilmente o seu potencial de utilidade. Dentro de um universo de 5 mil municípios em todo o país, é correto imaginar que exista pelo menos um cartório em cada uma dessas localidades. Um mercado carente de inovações eficazes para o arquivo e a organização de documentos. •
O PROJETO
Aplicação de Aprendizagem por Computador e Morfologia Matemática em OCR de Documentos
MODALIDADE
Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE)
COORDENADOR
fEUCIO 5AKAMOTO - Carta
INVESTIMENTO
R$ 75.000,00
PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 • 57
TECNOLOGIA
CONSTRUÇÃO CIVIL
À prova de tempo ruim
Cem anos - Suas pesquisas produziram indagações que deram forma ao projeto. Juntando os dados teóricos do assunto, Martinez imaginou reunir alumínio às resinas conhecidas para uso em impermeabilização. Ele buscava um material metálico resistente à corrosão aliado a uma característica familiar aos engenheiros, a de adesão viscoplástica - capacidade de os materiais permanecerem ligados mesmo em condições adversas.
Novo impermeabilizante reúne resíduos de estireno e aparas de alumínio
Aconstrução civil ganha um novo tipo de impermeabili
zante. O produto leva o nome de resina-compósito e é formado por dois tipos de resíduos industriais. O primeiro é originário da produção do estireno- um produto químico utilizado na indústria de plástico e já presente em resinas para a construção civil. O outro é uma apara de folha de alumínio, material usado na parede interna dos cabos telefônicos junto com um revestimento de plástico. A formulação do novo produto e os testes que aprovaram a ação impermeabilizante foram realizados em um projeto do Programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) financiado pela FAPESP. O estudo conjunto foi realizado entre a Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da Universidade de São Paulo (USP) e a empresa Athena Engenharia da mesma cidade.
Coordenado pelo professor Fazal Hussain Chaudhry, do Departamento de Hidráulica da EESC, o projeto chega ao final e espera a confirmação dos pedidos de patentes realizados no Brasil e nos Estados Unidos com a intermediação técnica e financeira do Núcleo de Patentes e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP.
Consertos demais - A concepção do produto nasceu da experiência do engenheiro Celso Martinez Junior, dono da Athena. Formado em engenharia civil na USP, em 1980, ele concluiu mestrado em 1986 e vol-
58 • MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
tou-se para a aplicação de novos materiais em impermeabilização, preocupado com a freqüente necessidade de reparos em estruturas: "Sempre me incomodou o fato de que boa parte das estruturas impermeabilizadas, nas construções civis, sofria de uma crônica de faz-e-refaz, sem uma solução definitiva".
Com o surgimento do PITE, Martinez procurou Chaudhry, seu
O passo seguinte foi decisivo. Martinez conversou com o professor José Alexandrino de Sousa, da área de estudos de polímeros da Universidade Federal de São Carlos
Apl icação em duas etapas, primeiro a camada de estireno e depois a lâmina de alumínio
antigo professor na USP, para ver se conseguia transformar uma idéia em produto. "Na verdade, a idéia é antiga - descobrir um meio de reaproveitar resíduos industriais-, mas eu pensava em gerar um novo sistema para coberturas, nem pensava em novos produtos", conta Martinez.
Por estudar processos de impermeabilização, Martinez sabia que os produtos usados no mercado precisavam ser melhorados. "Os resultados analisados não correspondiam às exigências técnicas e era preciso usar algum outro material para tornar o produto mais eficiente", lembra o engenheiro.
(UFSCar), que indicou um gerente de uma empresa produtora de alumínio (nome mantido em segredo). Foi assim que ele teve acesso a um compósito especial - a lâmina de alumínio revestida de plástico que tem na durabilidade sua principal característica. "Nós estamos usando as aparas desse alumínio por apresentar uma vida útil de uns cem anos", explica.
Camada de resina - A etapa seguinte foi testar o compósito. De forma rudimentar, usando um maçarico, Martinez soldou duas metades de uma lâmina de compósito para mol-
dar um sistema de impermeabilização junto com uma camada de resina de estireno (disponível no mercado) aplicada sobre uma pequena placa de concreto. Ele deixou este teste piloto exposto a intempéries e começou a estudar os resultados. Constatou que, apesar da construção rudimentar, a peça teve a estrutura preservada: "Não houve descolamento do compósito e os raios ultravioleta não conseguiram arruinar a camada de polímero na emenda das duas metades, conservando a integridade da impermeabilização':
Testes exaustivos -Com a ajuda de Chaudhry, começou a nova etapa do trabalho. O primeiro grande teste foi a cobertura de um corredor do Departamento de Engenharia Civil da própria UFSCar. Com os recursos obtidos da FAPESP, Martinez e Chaudhry puseram em ação um soprador térmico capaz de emitir ar a 500°C, o suficiente para amolecer o plástico e promover a junção das mantas de compósito sem danificar a essência - a fatia de alumínio presente
O PROJETO
Avaliação da Reciclagem de Resíduos Industriais Derivados da Síntese do Estireno, da Alumina e do Alumínio Metálico com Vistas à sua Aplicação na Proteção de Coberturas de Construções Civis
MODALIDADE
Programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE)
COORDENADOR
FAZAL HUSSAIN (HAUDHRY -
Departamento de Hidráulica da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP
INVESTIMENTO
RS 16.025,00 e US$ 399,00
resultados anteriores foram confirmados", relata Chaudhry.
Para comprovar a eficiência do novo produto em relação a impactos, os corpos-de-prova foram submetidos, segundo os padrões convencionais, a choques causados por um tubo cilíndrico de 2,5 kg lançado de 1,10 m de altura. "Então constatamos que, além de funcionar bem naquilo que deveria ser sua função básica, a vedação, o conjunto resina-compósito mostrou ser resistente e durável", afirma Martinez.
Sucesso em obras - O novo processo já foi usado em várias obras na
cidade de São Carlos. "Os resultados estão disponíveis. Nenhum problema ocorreu nas aplicações realizadas por técnicos da Athena. Uma das obras é uma laje de 440 m2 que recebeu uma camada de argila expandida para conferir proteção térmica ao conjunto", explica Martinez.
Para Chaudhry,
no interior da lâmina. Martinez:"Melhoramos o estireno Também fizeram uti lizado na impermeabilização"
Chaud hry: a apara de alu mínio tem boa ca pacidade de aderência
além das vantagens técnicas, o novo material tem o mérito de envolver controle ambiental, ao promover a reciclagem de matecorpos-de-prova (amos-
tras) para testes nos laboratórios do (DEMa) Departamento de Engenharia de Materiais da UFSCar, sob supervisão do professor Elias Hage Junior. Nos primeiros testes, produziram-se simulações para três condições ambientais -luz, calor e chuvafeitas por meio de equipamento provido de uma lâmpada de xenônio, para simular radiação solar, e de aspersão de água. Desse modo, foram simuladas condições de envelhecimento equivalentes a cinco anos. Depois, Martinez e Chaudhry rompiam os corpos-de-provas e analisavam as modificações ocorridas no material.
"Os resultados foram muito bons. Nenhuma emenda - o ponto mais crítico no material - se rom-peu", diz Martinez. Ainda era o início. Desenvolveu-se outro conjunto de corpos-de-prova destinado a uma nova série de testes, agora para simular condições de um dia de verão com sol intenso e em seguida chuva, o que foi feito com jatos de ar quente a 75°C por um minuto e meio, seguidos de jatos d'água a 25°C por seis segundos. "Fizemos testes equivalentes a cinco anos de exposição e de novo, não encontramos nenhum problema: todos os
riais (aparas de alumínio e resíduos de estireno) que normalmente são incinerados e acabam deixando o ar poluído.
Enquanto esperam a confirmação das patentes, Martinez e Chaudhry trabalham para tornar viável a nova tecnologia. "Estamos trabalhando em duas frentes: uma comercial, para definir estratégias de mercado, outra para tornar a idéia operacional." Para isso, buscam financiamento para comprar equipamentos e construir uma fábrica modelo de onde sairá o novo impermeabilizante. •
PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 59
TECNOLOGIA
BIOMATERIAIS
Tratamento com qualidade Método desenvolvido na Unesp garante implantes dentários mais eficientes
U m processo inédito para tratamento da superfície do titânio
que serve de matéria-prima para implantes dentários ganhou inovações importantes no Instituto de Química (IQ) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) no campus de Araraquara. A nova técnica, mantida em segredo por estar em fase de patenteamento, garante uma melhor integração entre o implante e o osso. Ela vai permitir aos fabricantes dos pinos que sustentam o dente implantado um adicional de qualidade nos seus produtos.
Sob a coordenação do professor Antônio Carlos
ção de ossos, há pelo menos 20 anos. Para aprofundar o conhecimento desse material na área odontológica, Guastaldi teve como base o projeto de auxílio à pesquisa financiado pela FAPESP Estudo das Propriedades Mecânicas e de Corrosão do Titânio e das suas Ligas Aplicadas como Biomaterial e a colaboração de vários projetos de mestrado e doutorado.
As pesquisas partem da principal característica do titânio, que é ser um material muito reativo em presença de oxigénio e portanto ca-
O grande desafio dos pesquisadores da Unesp-Araraquara é desenvolver um processo que permita a alteração das características da camada oxidada. O objetivo é ter uma resposta mais adequada dos implantes e das próteses aos requisitos essenciais para um bom uso como biomaterial: ser biocompatível e biofuncional, ter bioadesão e preço compatível com a realidade brasileira.
Ligação sintética - "A nossa preocupação é promover uma mudança na superfície do titânio tornando-o um suporte apropriado, com área específica para se depositar a hidroxiapatita, um material sintético semelhante à parte inorgânica do osso, que faz a ligação entre o im-
Guastaldi, as pesquisas co- Pino de titânio aumentado 35 vezes Detalhe do pino ainda sem revestimento meçaram há quatro anos, acompanhando o desenvolvimento do uso do titânio como biomaterial. Para Guastaldi, o biomaterial é definido como qualquer substância ou combinação de substâncias que não sejam drogas ou fármacos, de origem natural ou sintética. Eles são usados por qualquer período de tempo, co-mo parte ou sistema com- Implante revestido com hidroxiapatita Detalhe do implante aumentado 2 mil vezes pleto, na substituição de tecidos, órgãos ou funções do corpo. Para que a coexistência não desencadeie reações adversas ou incontroláveis nos sistemas biológicos, o material estranho ao corpo humano deve ser biocompatível.
O titânio já é usado como biomaterial na ortopedia, na substitui-
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paz de oxidar-se rapidamente. Com isso, na superfície do metal formase um óxido, com grande estabilidade termodinâmica, que dificulta as reações químicas posteriores. Mesmo assim o titânio é usado com sucesso para aplicação como biomaterial.
plante e o osso, fenômeno este denominado osseointegração", explica Guastaldi.
"As nossas pesquisas direcionam-se por um caminho completamente diferente do que é realizado no resto do mundo", diz ele, acrescentando apenas que o segredo da
técnica está em promover mutações sutis na superfície do titânio.
Mesmo as soluções mais modernas têm limitações. ''A olho nu, os implantes dentários parecem perfeitos': diz Guastaldi. "Mas quando submetidos aos sistemas eletrónicos de análise, como a microscopia eletrónica de varredura com ampliações de 35 a 10 mil vezes, constatam-se imperfeições na superfície dos materiais utilizados que poderão comprometer a tão desejada osseointegração."
Uma das conseqüências é a abertura de frestas milimétricas nas peças implantadas. Nessas frestas, as substâncias existentes na saliva favorecem o crescimento de uma placa bacteriana, responsável pela corrosão induzida por microrganismos, comprometendo dessa forma o desempenho do biomaterial implantado.
Para dar conta desses desafios necessita-se do conhecimento de química básica e química de materiais. Com essas preocupações e necessidades, Guastaldi formou uma equipe, chamada de Grupo de Biomateriais, que inclui químicos, dentistas, farmacêuticos, engenheiros de materiais e matemáticos.
Estudo pioneiro - O primeiro estudo de titânio no Grupo de Biomateriais foi do químico Ivan Ramires com sua tese de doutorado Estudo dos Mecanismos de Corrosão Empregando-se Espectroscopia de Impedância Eletroquímica dos Biomateriais: Titânio e Ligas Metálicas à Base de Titânio, que teve bolsa da FAPESP. Ele
O PROJETO
Estudo das Propriedades Mecânicas e de Corrosão do Titânio e das suas Ligas Aplicadas como Biomaterial
MODALIDADE
Auxílio a projeto de pesquisa
COORDENADOR
ANTÓNIO CARLOS GUASTALDI- Instituto de Química da Unesp-Araraquara
INVESTIMENTO
R$ 1 3.1 73,27 e US$ 34.475,00
Guastaldi: superfície inovadora
investiga, com o auxílio do matemático Jorge Capela, os mecanismos de corrosão e os tipos de filmes formados na superfície do material, quando estes estão em contato com meios que simulam a agressividade da saliva.
A química Luci Cristina de Oliveira estuda em sua tese de doutorado Modificação da Superfície do Titânio e da Liga Ti-6Al-4V para Implantes Dentários, também com bolsa da FAPESP, a modificação da superfície dos materiais, com posterior incorporação de fosfato de cálcio que pode formar a hidroxiapatita, responsável pela osseointegração.
Técnica de plasma - Outro químico, Anselmo Colombo de Alencar, iniciou em 1998 seu doutoramento com o tema Estudo das Modificações na Superfície do Ti c.p. - Titânio Comercialmente Puro e da Liga Ti-6Al-4V Usados como Biomateriais Utilizando-se Deposição por Plasma Spray, com bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ele utilizou a técnica de plasma spray que é uma das formas usadas para o recobrimento de implantes metálicos com gases ionizados por meio de aspersão térmica.
Nessa técnica, o pó do metal que se deseja depositar no material a ser tratado é aspergido junto com uma chama de plasma (o quarto estado da matéria) por meio de uma pistola de alta temperatura e impulsionado pelo gás argónio que é inerte. Assim, o pó metálico é direcionado e fundido na superfície do titânio. O resultado é aumento da durabilidade do revestimento e a melhora da biocompatibilidade.
O problema, em todos os casos, é a instabilidade ou a pouca longevidade do processo de aderência dos depósitos de metal. "Com isso", explica ele, "as peças do implante e os depósitos apresentam propriedades mecânicas diferentes e conseqüentemente trabalham com módulos de elasticidade diferentes: ou seja, em vez de atuarem em movimento harmónico, reagem de modo antagónico durante os movimentos de mastigação, levando o implante ao o " msucesso.
Interesse empresarial - A equipe de Guastaldi espera finalizar os testes dos novos implantes de titânio ao longo deste semestre. "Pode ser que demore até mais, mas vamos tomar todos os cuidados para que a descoberta tenha aplicação prática de forma rápida", diz.
Guastaldi informa também que a empresa brasileira Conexão Sistemas de Prótese, fabricante de material para implantes dentários, está interagindo com o Grupo de Biomateriais e tem grande interesse nos resultados comentados pelos pesquisadores. Depois de ter o método completamente testado e a patente registrada no Brasil e em outros países, processo que terá o apoio da FAPESP, os pesquisadores da Unesp devem negociar o repasse da tecnologia para a Conexão. A empresa tem grande interesse em fabricar peças para implantes que proporcionem maior segurança e qualidade. Se tudo der certo, novos pinos dentários estarão no mercado odontológico em 2002. •
PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2001 • 61
HUMANIDADES
H ISTO RIA
Em busca do pensamento perdido
Pesquisa recupera evolução das idéias científicas de Portugal e do Brasil
Como se articulava o pensamento científico e técnico
português e brasileiro na época do Renascimento? Com a dificuldade de encontrar referências para pesquisa no período, em 1989, o professor Roberto de Andrade Martins, do Grupo de História e Teoria da Ciência, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), decidiu fazer um levantamento sobre o assunto. Curiosamente, deparou com um farto material e, em 1991, começou a desenvolver uma base de da-
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dos informatizada. Trata-se do gigantesco projeto Lusodat, que conta com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ( CNPq) do Brasil e também da Commission on Bibliography and Documentation of the International Union of History and Philosophy of Science.
"O projeto começou pouco ambicioso", admite o pesquisador. "Eu achava inicialmente que haveria menos de mil livros científicos publicados em Portugal e no Brasil anteriores a 1822 e o projeto, em um primeiro momento, iria apenas até a Independência do Brasil", explica. "Desse período existem, na verdade, 7 mil livros", revela. Para sua surpre-
sa, até agora o pesquisador e sua equipe de seis pessoas já registraram mais de 80 mil itens, em um período de pesquisa que foi ampliado do Renascimento para 1900. O trabalho ainda não está concluído e, segundo os cálculos de Martins, poderá ser finalizado com a catalogação de mais de 100 mil publicações que, posteriormente, serão colocadas à disposição pela Internet.
"O motivo básico da pesquisa foi estudar as raízes científicas e técnicas do país", conta Martins. "Obviamente, precisávamos incluir a história da ciência e técnica de Portugal." O pesquisador observa que, ao contrário dos países mais desenvolvidos, no Brasil e em Portugal há uma lacuna quando se trata de saber que gênero de informações científicas
circulava naquele rico período histórico.
"É bastante fácil descobrir o que se publicou nas revistas dos países mais desenvolvidos no século 19 sobre qualquer tema da física, por exemplo, utilizando os elementos bibliográficos existentes", observa ele. "Mas, salvo algumas poucas exceções, as publicações portuguesas ou brasileiras não estão presentes", completa.
forma, dá para se acompanhar o processo histórico dos dois países", observa o pesquisador. "Permite ainda a compreensão dos fatores econômicos, sociais, políticos, que influenciaram o desenvolvimento científico e técnico", explica ele.
Foi a partir de então que o período de pesquisa foi ampliado até 1900. Acrescente-se aos 7 mil livros, publicados do século 15 até 1822,
terminam o grau de publicações relacionadas com o período histórico que se vivia", diz o pesquisador. "Em torno de 1760, por exemplo, com a reforma pombalina e a expulsão dos jesuítas, em Portugal, mudou o sistema educacional", conta. "Pouco depois, foi criada a Academia das Ciências de Lisboa, e a produção científica cresceu como nunca", conclui ele. "Já no Brasil, se obser-
varmos o período da proclamação da República verifica-Pesquisa ampla - O levanta
mento feito por essa equipe da Unicamp é amplo. São documentos primários e secundários sobre todos os assuntos científicos- da medicina, química e zoologia à farmácia, veterinária, antropologia, astronomia, navegação e artes militares, só para citar alguns. Eles procuram apenas os trabalhos de autores portugueses e brasileiros, inéditos ou publicados em qualquer país e idioma. Ficaram de fora obras estrangeiras sobre Portugal e Brasil e referências sobre literatura de ficção, obras jurídicas, religiosas e discursos. Há, no entanto, uma exceção entre os textos religiosos. Trata-se da tradução do Evangelho feita pelos portugueses para o chinês e para o japonês, no século 16. "Ela determina o domínio lingüístico dos portugueses daquela época e entra no gênero filologia", explica Roberto de Andrade Martins.
I G mos, claramente, uma queda ~~~~~---===~================~==~ de 30o/o na produção, que
Geografia do passado: ciência ligada ao histórico
Se, inicialmente, a pesquisa In
cluiu apenas livros impressos até 1822, a partir de 1993 a abrangência do levantamento foi ampliada, incluindo bibliografia secundária, manuscritos do período, mapas, folhetos e teses, artigos de periódicos e dados biográficos sobre os autores das obras incluídas no banco de dados, entre outras.
A partir de 1994, ampliou-se ainda mais a pesquisa, que passou a conter informações históricas e uma cronologia sobre o período. "Dessa
mapas, manuscritos e artigos de revistas e as referências sobre aquele período sobem para 20 mil itens. "De 1823 a 1900 devem existir uns 70 mil itens e outros 10 mil com informações biográficas, literatura secundária, dados históricos, entre outros", calcula o pesquisador. Isso explica por que eles não prosseguirão a pesquisa pelo século 20 adentro. "A partir daí explode o número de obras publicadas e seria um trabalho insano", lamenta.
"Encontramos fases interessantes da produção científica que de-
ainda não conseguimos explicar", compara Martins.
Falta de estudos globais- Esse trabalho é inédito e facilitará, com certeza, a vida dos pesquisadores sobre qualquer um dos gêneros catalogados. Até então, no Brasil, existiam poucos estudos e, normalmente, sobre assuntos específicos. Há os antigos estudos globais editados por Fernando de Azevedo e por Mário Guimarães Ferri e Shozo Motoyama, por exemplo. Mais recentemente, os grupos de História da Universidade de São Paulo (USP) e de Geociências da Unicamp realizaram estudos sobre o desenvolvimento de algumas instituições importantes no século 19. Também há estudos sobre a química nos sécu-
los 18 e 19 e sobre a história da matemática. A Casa de Oswaldo Cruz tem realizado um trabalho de pesquisa de fontes de medicina. O Museu de Astronomia e Ciências Afins realizou levantamento de arquivos no Rio de Janeiro. "Mas cada um procura coletar informações para seus estudos específicos, sem fazer um levantamento sistemático das fontes de pesquisa disponíveis", observa Martins. "Até agora não havia sido planejada, no Brasil, uma pesquisa tão abrangente quanto a desse projeto", completa o professor.
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O pesquisador informa que em Portugal a situação não é muito diferente, embora exista uma tradição mais longa de estudos sobre a história das ciências e das técnicas. ''Apesar de bons estudos sobre temas específicos ou personalidades mais conhecidas, nunca foi possível ter uma visão global da produção do gênero naquele país", completa ele.
ça Philosophica Contra a Opinião do Vulgo: Que a Natureza Não Faz o Homem Senão a Indústria. De João Cointha, foi impresso em Lisboa em 1566.
Não é tarefa fácil Martins: desejo de revelar as raízes cient íficas e técnicas do país
"É uma obra filosófica de autor francês (Jean Cointhe), mas traduzida para o português e publicada em Portugal, por isso foi incluída no nosso projeto", esclarece Martins. A Biblioteca do Rio possui três exemplares dessa obra- um deles, da Real Bibliopesquisar, juntar e or-
ganizar esses milhares de referências bibliográficas. O trabalho da equipe da Unicamp consiste em buscar informações tanto em obras de referência impressas (como bibliografias, catálogos, estudos históricos) quanto na consulta direta a bibliotecas e arquivos. Primeiro, eles usam obras encontradas por meio de bibliografias de bibliografias, pela consulta de fichários de bibliotecas ou por meio de citações achadas em outras obras. Depois, procuram cada um dos itens selecionados no banco de dados para verificar se já não fora registrado. "Se já existir, acrescentamos as novas informações", diz ele. Caso contrário, é criado um novo registro e as informações são digitadas.
Material precário- Dificuldade maior, no entanto, é manusear todo esse material, dado o estado precário em que se encontram as bibliotecas do país. Andrade Martins lembra, por exemplo, que a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro guarda um verdadeiro tesouro histórico. "A instituição recebeu todo o acervo da família real portuguesa", observa o pesquisador. "Mas há muito material deteriorado, atacado por insetos e cupins", avisa Martins.
Os pesquisadores da Unicamp não se deslocam até Portugal para
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consultar seus arquivos - o trabalho é feito por meio da análise dos catálogos da instituição. Mas Martins conta que, no fim do século 19, na Biblioteca Nacional de Lisboa foi feito um inventário de todo o acervo. "Nós dispomos de cópia desse material, é ainda a melhor fonte de informações sobre o acervo antigo da Biblioteca Nacional de Lisboa", conta ele. "As bibliotecas de Portugal, incluindo a Nacional, estão informatizando tudo, mas começando pelas obras que vão sendo adquiridas", afirm~ o professor.
Ainda assim, Andrade Martins encontrou algumas preciosidades na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro que não parecem existir em Portugal. Uma das apontadas pelo pesquisador é Paradoxo ou Senten-
O PROJETO
Projeto Lusodat
MODALIDADE
Auxílio a projeto de pesquisa
COORDENADOR
ROBERTO DE A NDRADE M ARTINS -
Grupo de História e Teoria da Ciência, da Unicamp
INVESTIMENTO
R$ 19.665,00
theca, foi trazido ao Brasil quando a famíla real portuguesa fugiu para o país em 1808. Além desses exemplares, de acordo com o pesquisador, sabe-se que há outro na Universidade de Harvard.
Outra obra daquela biblioteca que merece citação, segundo Martins, é De Regimine Cibi At que Potus, et de Caeterarum Rerum Non Naturalium Usu Nova Enarratio (Nova Narrativa Sobre o Regime dos Alimentos e Bebidas, e do Uso de Outras Coisas Não Naturais), de Henrique Jorge Henriques, impresso em Salamanca (Espanha) em 1594 -vale observar que, na época, Portugal ainda se encontrava sob o domínio da coroa espanhola.
"Essa é uma grande obra médica (444 páginas), de autor português, muito rara", observa. Os exemplos citados pelo pesquisador são das mais importantes obras encontradas na pesquisa do século 16. "Mas poderiam ser citados mais exemplos, como as teses filosóficas do século 18, colecionadas por Diogo Barbosa-Machado, muitas das quais só existem no Rio", ressalta ele. Pelos cálculos de Martins, com a inclusão de todo o material pesquisado na Internet, o projeto só será encerrado em 2005. Informações sobre o Lusodat: www.ifi.unicamp.br/-ghtc/datab.htm •
HUMANIDADES
LITERATURA
As armadilhas para o real Estudos analisam como são relações sociais nas obras de Clarice Lispector
Os textos de Clarice Lispector ( 1920-1977) são material vas
to para deleite tanto de formalistas quanto de conteudistas, mas a recepção crítica, via de regra, tem preferido analisar a forma aos aspectos sociais. Na contramão dessa linha, estão as teses de doutorado de Luiz Antonio Magalhães, Lugar-comum e Percepção em Clarice Lispector, e de Maria Angela Bacellar, Clarice Lispector e as Figurações da Mulher -projetas financiados pela FAPESP.
e elaborar um roteiro de longa-metragem que privilegie a enunciação é o desafio de Maria Angela Bacellar, pesquisadora da área de cinema na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECAUSP). "O narrador clariciano é de extrema modernidade e consciência, desprezar esse aspecto no cinema é negar uma parte significativa da revolução da escritora", observa.
O primeiro desafio dos dois pes-
ali, fez referências a outros textos, como os de Felicidade Clandestina, Onde Estiveste de Noite?, A Hora da Estrela, A Paixão Segundo G.H. e as crônicas de A Descoberta do Mundo. "O lar é o local onde se enraíza o habitual, o costumeiro, como mostra Clarice. É o ambiente do sabido, do previsível, em que estão dispostos objetos que somem aos nossos olhos, porque habituados, já cegos de tanto vê-los. Mas eis que surge a
Se a obra toda de Clarice é um "romance de educação existencial" (termos do crítico Alfredo Bosi), e a palavra é importante para compreender os seus complexos e abstratos escritos, isso não é tudo. "O estudo das relações sociais não foi totalmente explorado pela crítica. A antropologia, a sociologia e a história são fundamentais para enfren
Clarice Lispector: donas de casa rebeldes em romances de crítica social sutil e oculta
tar o desafio interpretativo de uma obra tão rica como a de Clarice", explica Magalhães, pesquisador de teoria literária da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Na obra de Clarice, donas de casa vivem os seus momentos de rebeldia, epifania. Observar essas personagens
quisadores foi selecionar o corpus do trabalho. Clarice deixou uma vasta obra, que abrange de romances, contos e crônicas a livros infantis. Magalhães resolveu expandir sua pesquisa para além do volume de contos Laços de Família. Ele analisou o romance A Maçã no Escuro, mas, aqui e
literatura para provar que pedra é pedra e reinventar a vida", alerta.
Em A Hora da Estrela, livro publicado em 1977, temos a protagonista Macabéa. A carência da personagem é total: ela é descrita como feia; não é branca, nem preta, é pardacenta; tuberculosa; nordestina vi-
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vendo no Rio de Janeiro. Segundo o narrador, ela era "uma incompetente para a vida", "tão jovem e já com ferrugem". Macabéa reúne em si a pobreza econômica, física, intelectual. Esse contexto de miséria parece um prato cheio para incentivar uma leitura social, mas essa é uma armadilha que Magalhães quer evitar. Os pesquisadores, Magalhães e Maria Angela, seguem os conselhos críticos do mestre Antonio Candido: o social não deve ser tomado de fora, exteriormente, mas como fator da própria construção artística.
"O proselitismo dogmático é lamentável em qualquer esfera, sobretudo na literatura, cuja função é filtrar os céus da poeira ideológica tanto quanto possível. Não descarto a crítica feminista, que procura analisar a presença das figuras femininas, tão marcantes na obra de Clarice. Mas, por vezes, concordo que há exageros", destaca Magalhães. "O trabalho de Olga de Sá, A Escritura de Clarice Lispector, já observou os caminhos e descaminhos, entre outros, desse tipo de crítica da obra de Clarice Lispector", observa Maria Angela.
Clarice no cinema - Para Magalhães, as adaptações cinematográficas da obra de Clarice se nortearam por um viés realista. Embora elogie a versão de A Hora da Estrela, pelas mãos de Suzana Amaral em razão das belas e sensíveis interpretações, Magalhães faz suas ressalvas. "É difícil não perceber o quanto a obra perde em complexidade e densidade com a eliminação do narrador, Rodrigo SM, e de seu embate com a linguagem e a vida, com a linguagem como momento de vida e morte", analisa.
A pesquisadora Maria Angela Bacellar concorda com Luiz Antonio Magalhães quanto à simplificação do roteiro ao eliminar os questionamentos do narrador. "Ao não enfrentar a questão do narrador, faz-se uma opção por um cinema convencional, clássico até. E o cinema é, ou
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deveria ser, o palco privilegiado para a concretização de alguns procedimentos narrativos da literatura moderna, como o fluxo de consciência", aponta. "Há pressões de mercado que impedem um tratamento alternativo da linguagem cinematográfica. Perde-se muito com isso, porque Clarice é antes de tudo uma escritora moderna, instigante. Desprezar
abandonando a família (Os Laços de Família) ou têm um final de heroínas trágicas (como ocorre com a protagonista de Os Obedientes).
Maria Angela já havia trabalhado com adaptações cinematográficas em sua dissertação de mestrado, A Chave - Uma Adaptação para o Cinema Baseado em Três Contos de Lygia Fagundes Telles, defendida em 1995, na ECA-USP. Mas sentia que o desafio maior era o de fazer uma tradução intersemiótica em uma obra mais complexa, como a de Clarice. Antes de entrar nos roteiros propriamente ditos, Maria Angela faz um estudo minucioso de algumas traduções intersemióticas da literatura para o cinema, tais como: A Hora da Estrela, de Suzana Amaral, O Corpo, de José Antonio Garcia, e Clandestina Felicidade, curta de Marcelo Gomes.
Seria possível dar conta dos movimentos internos das personagens somente através de recursos visuais? Para conseguir atingir esse
A jovem e enigmática escritora: suas personagens femininas vivem experiências-limite e são tidas pelos homens como loucas
esse aspecto é reduzir a sua ol:ira a um romance do século 19", observa Maria Angela.
Para preencher essa lacuna, Maria Angela diz estar fazendo um roteiro de longa-metragem "à margem do mercado e de qualquer tipo de convenção". No projeto, ela se propõe a fazer a roteirização de dez contos de Clarice Lispector que apresentam mulheres como protagonistas. O que une tantas histórias são os perfis femininos. Trata-se da figura da dona de casa que, submetida a um cotidiano medíocre e banalizado, existencialmente se revela. Mulheres que vivem a experiêncialimite e são tidas como loucas (é o caso de A Imitação da Rosa) que retornam à normalidade (Amor), rompem as convenções socw1s,
estado, a pesquisadora tem se servido, sobretudo, das teorizações modernas do escritor e teórico Gérard Gennete e tem se inspirado em várias produções de Ingmar Bergman. "Seus filmes são cinema em estado puro", diz.
Mistérios de Clarice - A obsessão de Clarice pelo tema das relações familiares teria a ver com a sua própria experiência de vida, de raízes russas e judaicas, mas apaixonada pelo Nordeste brasileiro? "Escrever é procurar entender, reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador", aspecto de autoconhecimento, como definia a escritora em várias de suas crônicas.
Como atestam os biógrafos,
Clarice Lispector nasceu em Tchetchelnik, Ucrânia (ex-URSS), em 1920. "Cidade tão insignificante, que não cabe no mapa", lembrava Clarice. Recém-nascida, veio para o Brasil com os pais, que se estabeleceram no Recife. Em 1934, a família transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde Clarice fez o curso ginasial e os preparatórios. Já na época da Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, causa polêmica com o seu primeiro romance, Perto do Coração Selvagem, recusado, na época, pela editora José Olympio. Publica-o, no ano seguinte, pela editora A Noite e recebe o Prêmio Graça Aranha. Em 1944, vai com o marido para Nápoles, onde presta ajuda num hospital de soldados brasileiros que integravam a Força Expedicionária Brasileira. Voltando para o
"Ciarice Lispector, ao ana lisar o que estamos cegos de tanto ver,
porque habituados, reinventa a vida'~ diz Luiz Magalhães
OS PROJETOS
Lugar-comum e Percepção em Clarice Lispector
MODALIDADE Bolsa de doutorado
COORDENADOR LUIZ ANTONIO MAGALHÃES- Unicamp
INVESTIMENTOS RS 12.000,00
Clarice Lispector e as Figurações da Mulher
MODALIDADE Bolsa de doutorado
COORDENADOR MARIA ANGELA SILVA BACELLAR - ECA- USP
INVESTIMENTOS RS 12.000,00
Brasil, escreve O Lustre, publicado em 1946. Depois de longas estadas na Suíça e nos Estados Unidos, a escritora fixa-se no Rio até a sua morte.
Esse misto de lugares, origens religiosas, influências, a sofrida perda da mãe aos nove anos, as viagens pelo mundo com o marido diplomata, essa vida itinerante te-
ria relação com a obra em que· o tema da família aparece de maneira obsessiva? "Sem dúvida que sim. O movimento que talvez tenha vindo do estruturalismo de riscar a presença do autor da obra já vem sendo revertido. O processo de entender o autor real também pode ajudar muito a compreender a obra em si, o que está dentro e em torno dela", fala.
Mas o pesquisador ressalta os perigos dessa via-crúcis entre autor/vida/obra. O risco é cair no biografismo, explicar a obra por fatos da vida do autor. "Coisas absurdas foram feitas no passado, como propor que a dicção ficcional de Machado de Assis vinha da sua gagueira ou a conclusão de que Augusto dos Anjos teria sido um assassino
em potencial para escrever o que escreveu", explica.
No cinema, algumas adaptações têm corrido esse risco. Maria Angela Bacellar ressalta o filme de Marcelo Gomes, que mistura ficção e biografia. "Trata-se de uma livre adaptação do conto 'Felicidade Clandestina', onde se mesclam referências biográficas, obtidas sobretudo na recente biografia Clarice, Uma Vida que se Conta, de Nádia Batella Gotlib (1995)", explica.
A vida reinventada - Magalhães afirma que escrever algo novo sobre Clarice Lispector - uma das autoras mais estudadas de nossa literaturaé um desafio proporcional à obra. O crítico alerta para a necessidade de democratizar os textos de Clarice e relê-los sobre novos ângulos, sobretudo em tempos de globalização. "Uma obra rica, plural, como a de Clarice, tem sempre algo a render, porque engendra e dissemina sentidos que permitem enorme gama de exploração. Servindo tanto para ler o desencantamento do processo de globalização hoje, quanto esse mundo fundado num tipo de racionalidade que recalca aspectos como a sensualidade e sensibilidade, contrários à lógica", acredita.
No momento, Maria Angela Bacellar finaliza os roteiros. Teremos novas adaptações da obra de Clarice em breve no cinema? "Pretendo, antes de mais nada, terminar a tese e defender o trabalho. Não me importo com o que vier além disso. Já tenho tido uma recepção positiva em seminários e entre pesquisadores, que acham instigante a proposta de roteirizar textos da Clarice, mas tenho plena consciência de que estou na contramão do cinema de apelo comercial", explica.
Magalhães também redige a versão final da tese. Ele pretende publicar trechos do trabalho, no formato de artigos ou ensaios. E, mais do que isso, espera contribuir para "prolongar o máximo possível na inteligência e na sensibilidade dos que o lêem o impacto da obra de arte", o que considera tarefa primeira do crítico. •
PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 67
ANA FRANCISCA PONZ!O
O diálogo das artes entre Ocidente e Oriente Livro analisa influência de tradições cê nicas japonesas em nossa cultura
Em 1986, quando se apresentou no Brasil pela primeira vez, Kazuo
Ohno provocou grande impacto em espectadores e artistas da dança e do teatro. Mesmo escapando à compreensão, o butô interpretado por um de seus mestres precursores passou a influenciar inúmeros criadores brasileiros, além de gerar igual quantidade de equívocos. Contudo, apesar das apropriações e interpretações superficiais, essa expressão japonesa aqui também ganhou estudiosos, entre os quais Christine Greiner, que, hoje, detém um conhecimento singular sobre o assunto.
Desde 1998, quando publicou Butô, Pensamento em Evolução, resultante de sua tese de doutorado em semiótica, Greiner dispôs-se a gerar uma bibliografia pioneira e referencial no Brasil. Com o recém-lançado O Teatro Nô e o Ocidente, a autora amplia as vias de acesso ao butô ao buscar nas tradições cênicas do Japão os germes de um processo evolutivo que se estende até hoje.
Em seu novo livro, Greiner se debruça sobre o diálogo entre Japão e Ocidente, procurando compreender as influências que tal intercâmbio continua a provocar na criação contemporânea. Num complexo jogo de encaixes, a autora tece confluências a partir de uma obra emblemática: At the Hawk's Well ou O Poço da Mulher Falcão, como é geralmente traduzida a primeira peça de dança do dramaturgo irlandês William Butler Yeats, que em 1916 foi coreografada pelo japonês Mishio Ito. A escolha de tal eixo, segundo Greiner, deve-se às correspondências que o texto e a dança da obra de Yeats/Ito estabelecem com a estrutura do teatro nô tradicional e a dramaturgia ocidental.
Antes de analisar a coreografia de I to para a peça de Yeats, Greiner vasculha origens, encontrando as primeiras relações da estética japonesa com a dança ocidental em meados do século 19, nos conceitos proferidos pelos poetas Baudelaire,
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O Teatro Nô e o Ocidente
Christine Greiner
Mallarmé e Valéry. Em seguida, a autora se detém no teatro nô, ressaltando um
Escrituras Editora/ dos elementos mais enigmá-FAPESP ticos para a compreensão 136 páginas RS 1 s,oo dos conceitos de tempo e es-
paço orientais - o ideograma "ma". Presente tanto no teatro nô quanto no butô, o "ma" é tido como o vazio pleno, onde tudo pode acontecer. Transmitida inte-gralmente apenas por atares
experimentados, a noção de "ma" não deve ser confundida com o nada ou a inexistência.
Curioso, no livro de Greiner, é a constatação final de que Michio Ito parece ter se identificado muito mais com as inovações que a dança ocidental propunha em sua época do que com as tradições cênicas de sua própria cultura. Pioneiro na integração da estética japonesa com a dança moderna ocidental, Ito decidiu estudar dança depois de ver Nijinsky dançar em Paris. Naquele fervilhante início de século, também Isadora Duncan impressionou o coreógrafo japonês, que logo rumou para a Alemanha, onde estudou no Instituto Dalcroze ao lado de precursores expressionistas, como Mary Wigman.
Ao coreografar At the Hawk's Well, Ito colocou em prática o vocabulário estético que construiu, a partir do cruzamento entre Oriente e Ocidente. No entanto, Greiner verifica a fragilidade do método deIto, que possuía um conhecimento superficial sobre o teatro nô. Assim como I to, a geração seguinte de coreógrafos japoneses teria no expressionismo alemão o mais vigoroso elo com a dança ocidental. Por essa ponte, a autora chega ao butô, procurando iluminar tanto o entendimento dessa expressão quanto as suas relações com a dança contemporânea ocidental.
ANA FRANC ISCA PONZIO é crítica de dança dos jornais Valor Económico, Folha de S.Paulo e da revista Bravo.
Sistema Físico-Metafísico dos Cometas Museu de Astronomia e Ciências Afins José Monteiro da Rocha 251 páginas I R$ 20,00
Um livro fascinante, na medida em que é um testemunho dos primeiros passos da astronomia brasileira. Escrito em 1759 pelo padre jesuíta português José Monteiro da Rocha, reúne as observações feitas pelo
religioso quando da passagem do cometa de Halley por Salvador, fenômeno natural que confirmava as teorias desenvolvidas por Isaac Newton sobre a gravitação. Impressionado, o jovem escreveu este tratado que, na época, não foi publicado. O livro só é vendido na loja do Museu. Informações: (21) 580-7010, ramal242.
Sinfonia Inacabada Boitempo Antonio Carlos Mazzeo 203 páginas I R$ 20,00
Já é tempo suficiente de se começar a fazer análises críticas sérias sobre a esquerda brasileira e sua atuação entre os anos 70 e 80, coincidentes com os anos de chumbo da ditadura militar. Isso é o que se propõe Antonio Carlos Mazzeo nesse perfil
impressionante da construção da teoria da revolução em terras brasileiras. Baseado em ideais do Komintern, a Internacional Comunista, o movimento nacional queria construir uma revolta em etapas. O livro ainda mostra a influência internacional sobre os nossos socialistas.
Integração do Aluno com Deficiência: Perspectiva e Prática Pedagó.gica Unesp Publicações Ricardo José Manzini (organização) 139 páginas I R$ 10,00
Este livro resultou de um curso de especialização em educação especial, ministrado na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Unesp, e reúne estudos sobre o tema
da integração do aluno deficiente no ensino comum e os desafios a serem vencidos por pais e educadores no trato desses estudantes especiais. Entre os muitos artigos que compõem essa obra estão temas como: a integração de alunos deficientes sob o ponto de vista do diretor da escola; dificuldades de professores de pré-escola na integração de estudantes especiais; entre outros.
REVISTAS
Psicologia USP
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Psicologia USP 2000- número 2- volume 1 1
A publicação semestral do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo traz um dossiê especial sobre um pioneiro da psicologia social no Brasil, Dante Moreira Leite, homenageado com artigos de Ecléa Bosi, Geraldo José de Paiva, Maria Luisa Sandoval
Schmidt e Tatiana Freitas Stockler das Neves. De quebra, a revista oferece quatro textos escritos por Dante Moreira Leite, entre esses um sobre a realidade americana na literatura. Ainda: um artigo sobre o sonho e a literatura no mundo grego e a visão do louco de rua pela literatura.
REVISTA LATINOAMERICANA DE PU,COPATOLOGIA FUNDAMENTAL
Revista Latino Americana de Psicopatologia Fundamental 2000- número4- volume III
Editada trimestralmente pelo Laboratório de Psicopatologia do Núcleo de Psicanálise da PUC-SP e o da Unicamp, o número mais recente desta revista traz os seguintes estudos: Subjetividade, Tempo
e Psicanálise, de Joel Birman; Psicoterapia e Empirismo, de Durval Mazzei Nogueira Filho; O Estupor Melancólico e o Estupor Maníaco, de Rubens Coura; Ideologia e Psicopatologia, uma Discussão Fenomenológica Transcultural, de Virgínia Moreira; Depressão e Melancolia, de Cassandra Pereira França; Reflexões sobre o Sofrimento, de Eugene Minkowski.
ESTUDOS DE
Sociologia
9 Estudos de Sociologia Número 9
A nova edição da revista semestral do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da FCL-Unesp, de Araraquara, traz entre seus artigos: Mariátegui e a Ocidentalização da Política, de Ricardo Bao; Direitos Reprodutivos, Políticas
de Saúde e Gênero, de Lucila Scavone; A Informação e a Comunicação no Capitalismo Contemporâneo, de Alain Herscovici; O Chile de Lagos, o Desafio de um Novo Curso Democrático, de Alberto Aggio; Um Modelo Social para a Mulher Operária, de Michel Ralle; e A Revolução Nacional Isebiana, de Virgílio Roma de Oliveira Filho.
PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 • 69
CÉLLUS
- Corno vão as pesquisas com o fogo? -Mais ou rnenos ... Falta desenvolver urna metodologia de uso.
70 • MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
~ ....-.-.::;; GOVERNO DO ESTADO DE
SÃO PAULO
Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico
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