Através do Espelho - Aprofundamento do Universo Ficcional de Lost por Meio da Narrativa...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA MAÍRA BIANCHINI DOS SANTOS ATRAVÉS DO ESPELHO – APROFUNDAMENTO DO UNIVERSO FICCIONAL DE LOST POR MEIO DA NARRATIVA TRANSMIDIÁTICA Santa Maria 2009

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Trabalho de monografia Através do Espelho - Aprofundamento do Universo Ficcional de Lost por meio da Narrativa Transmidiática

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Page 1: Através do Espelho - Aprofundamento do Universo Ficcional de Lost por Meio da Narrativa Transmidiática

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

MAÍRA BIANCHINI DOS SANTOS

ATRAVÉS DO ESPELHO – APROFUNDAMENTO DO UNIVERSO FICCIONAL DE LOST POR MEIO DA NARRATIVA

TRANSMIDIÁTICA

Santa Maria

2009

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MAÍRA BIANCHINI DOS SANTOS

ATRAVÉS DO ESPELHO – APROFUNDAMENTO DO UNIVERSO FICCIONAL DE LOST POR MEIO DA NARRATIVA

TRANSMIDIÁTICA

Trabalho de Conclusão de Curso Para a obtenção do grau de Bacharel em Jornalismo Universidade Federal de Santa Maria Centro de Ciências Sociais e Humanas Curso de Comunicação Social, habilitação Jornalismo

Orientadora: Luciana Mielniczuk

Santa Maria

2009

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Maíra Bianchini dos Santos

ATRAVÉS DO ESPELHO – APROFUNDAMENTO DO UNIVERSO FICCIONAL DE LOST POR MEIO DA NARRATIVA TRANSMIDIÁTICA

Trabalho de Conclusão de Curso como requisito para obtenção de grau de bacharel em Jornalismo

Universidade Federal de Santa Maria Centro de Ciências Sociais e Humanas

Curso de Comunicação Social habilitação Jornalismo

A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova o

Trabalho de Conclusão de Curso

_____________________________________

Profª. Drª Luciana Mielniczuk

(Presidente/Orientador)

_____________________________________

Profº Iuri Lammel Marques

(UNIFRA)

_____________________________________

Maurício Dias Souza

Mestrando em Comunicação Midiática - UFSM

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais e às minhas irmãs, por compartilharmos uma família cheia de amor,

por serem meus exemplos, por me apoiarem ao longo do caminho. Pai e mãe,

obrigada pelos valores que vocês me ensinaram. Mi e Tai, obrigada pelo

companheirismo e pela amizade. Meu amor mais carinhoso é de vocês, sempre.

Aos tios e tias, por torcerem e amarem como pais. Aos primos e primas, por estarem

ao meu lado como irmãos. Parte de vocês vive em mim também.

Aos amigos que tive a sorte de conquistar no decorrer dos anos, muito obrigada por

terem deixado um pouco de vocês em mim. Ao João, em especial, por ser o irmão

que eu escolhi.

Às amigas com quem compartilhei os últimos quatro anos, Clau, Camila, Lu, Nati,

Nessa, Be, Bru, Naná, Si. Com vocês, eu ri as gargalhadas mais intensas, dancei as

mais divertidas festas, dividi os mais íntimos sentimentos, chorei as mais verdadeiras

lágrimas, vivi a melhor experiência de faculdade que alguém poderia desejar. Ter

dividido isso com vocês vai ser sempre minha lembrança preferida desses anos.

À professora Rejane de Oliveira Pozobon, pelo sorriso incentivador com o qual me

disse: “vai lá, fala com a Luti sobre a monografia que essa ideia rende até um

Mestrado se tu quiseres”. Rendeu mesmo. Obrigada por ter sido a primeira pessoa a

me incentivar nesse caminho.

À Professora Luciana Mielniczuk, pela paciência, pelos conselhos, pela orientação.

Muito obrigada por confiar em mim e por acreditar no meu potencial.

À FACOS e à UFSM, por me acolherem e por terem sido, de certo modo, a minha

casa nos últimos anos.

A todos que acreditaram em mim e que me mandaram boas energias.

Muito obrigada.

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“Nós contamos uns aos outros histórias de heroísmo, traição,

amor, ódio, perda, triunfo. Nós nos compreendemos

mutuamente através dessas histórias, e muitas vezes vivemos

ou morremos pela força que elas possuem”.

Janet H. Murray

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RESUMO

A narrativa transmidiática (Jenkins, 2008) na série televisiva norte-americana Lost é o tema deste trabalho. O objetivo é estudar de que forma a narrativa transmidiática está expressa no seriado. Para isso, em um primeiro momento, é feita a descrição da série na televisão e de seus produtos complementares em outras mídias. Em seguida, aborda-se a trajetória das narrativas seriais de ficção norte-americanas e a narrativa transmidiática, bem como as primeiras iniciativas baseadas no conceito. Delimitou-se como corpus a segunda temporada de Lost, a qual é estudada a partir de três categorias de análise – a presença de portais de acesso, a apresentação de novos conteúdos ficcionais e a participação de consumidores em comunidades de conhecimento. Partindo da análise de 13 portais de acesso entre a história central e as narrativas de quatro mídias auxiliares, foi possível observar como acontece a expressão da narrativa transmidiática em Lost.

Palavras-chave: cultura da convergência; Lost; narrativa transmidiática.

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ABSTRACT

The theme of this paper is the concept of transmedia storytelling in the american television series Lost. The goal is to study how the transmedia storytelling expresses itself in the show. For this, at first it makes a description of the TV show and its complementary products in other media. It then addresses the trajectory of the american television fictional narratives, transmedia storytelling and the first products based on this concept. The sample delimited for the study is the second season of Lost, which will be studied from three categories of analysis – the existence of access portals, the presentation of new fictional content and the participation of consumers in knowledge communities. Based on the analysis of 13 access portals between the main story of the TV show and the narratives from four supporting media, it was possible to observe the presence of transmedia storytelling on Lost. Key-words: convergence culture; Lost; transmedia storytelling.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................... 10 1 LOST........................................................................................................................13 1.1 LOST 101 – INTRODUÇÃO AO MUNDO MISTERIOSO DA SÉRIE...................13 1.2 O UNIVERSO EXTENDIDO DE LOST.................................................................18 1.2.1 Conteúdo na Web.............................................................................................19 1.2.2 Lost University..................................................................................................23 1.2.3 Conteúdo nos DVDs…......................................................................................26 1.2.4 Livros.................................................................................................................26 1.2.5 Alternate Reality Games (ARGs).....................................................................28 1.2.6 Lost: Via Domus…............................................................................................32 1.2.7 Lost: Missing Pieces.........................................................................................32 1.2.8 Produtos Acessórios........................................................................................33 2 NARRATIVAS...........................................................................................................36 2.1 NARRATIVA SERIAL NA TELEVISÃO................................................................36 2.2 A TELEVISÃO COMO PONTO DE PARTIDA PARA A TRANSMIDIALIDADE..49 3 PERCURSO METODOLÓGICO E ANÁLISE DA SÉRIE LOST..............................63 3.1 ESCOLHAS METODOLÓGICAS..........................................................................63 3.2 ANÁLISE DAS NARRATIVAS COMPLEMENTARES EM LOST........................74 3.2.1 Site official de Lost.......................................................................................... 74 3.2.2 Lost: Missing Pieces – Lost no celular.......................................................... 77 3.2.3 The Lost Experience – Lost no Alternate Reality Game................................82 3.2.4 Lost: Via Domus................................................................................................98 CONCLUSÃO............................................................................................................106 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................109 APÊNDICES..............................................................................................................112 ANEXOS....................................................................................................................131

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Página inicial do site de Lost......................................................................21

Figura 2: Carteira de estudante da Lost University....................................................24

Figura 3: Catálogo de disciplinas da Lost University..................................................25

Figura 4: Capa e contracapa do livro Lost: Sinais de Vida.......................................27

Figura 5: Verso dos quatro quebras-cabeça de Lost.................................................34

Figura 6: Propaganda do sabão em pó Super Suds..................................................38

Figura 7: Seção The Legacy do site do filme A Bruxa de Blair.................................51

Figura 8: ‘Falso’ desktop da personagem Joey Potter, de Dawson’s Creek.............53

Figura 9: Esquema estrutural das narrativas complementares de Lost.....................65

Figura 10: Screen capture de diálogo entre Elliott Maslow e Locke em Lost: Via

Domus.....................................................................................................69

Figura 11: Suportes midiáticos cujas histórias complementaram a narrativa da

segunda temporada de Lost...................................................................71

Figura 12: Esquema estrutural dos portais de acesso entre as mídias auxiliares e a

história central de Lost............................................................................73

Figura 13: Estátua da deusa egípcia Taweret............................................................76

Figura 14: Screen capture da propaganda televisiva da Fundação Hanso................85

Figura 15: Página inicial do site da Fundação Hanso.................................................86

Figura 16: Screen capture do Vídeo do Sri Lanka......................................................89

Figura 17: Screen capture de Sawyer lendo o livro Bad Twin...................................92

Figura 18: Comunicado ‘oficial’ da Fundação Hanso.................................................95

Figura 19: Sequenciador de vídeos no site hansoexposed.com................................97

Figura 20: Código do vídeo do Sri Lanka em um campo, em Londres.......................98

Figura 21: Interior da Sala do Incidente, em Lost: Via Domus...............................100

Figura 22: Seção de Curiosidades da página de Lost: Via Domus na Lostpédia...102

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INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o advento das novas tecnologias de informação e de

comunicação provocou mudanças significativas no campo midiático e na relação dos

indivíduos entre si, com os meios e com os produtos que circulam na mídia. Tendo em

vista as novas formas de abordagem de produtores e de consumidores com produtos

de entretenimento da cultura popular, Jenkins (2008) identifica essas mudanças como

o surgimento de um novo paradigma cultural, a cultura da convergência, baseada na

articulação de três conceitos: de convergência dos meios de comunicação, de cultura

participativa e de inteligência coletiva. Para o autor, o termo convergência não se refere

apenas à reunião de funcionalidades em um mesmo aparelho, ao estilo de um celular

que também toca vídeos e música, navega na internet e tira fotografias. Na concepção

do autor, a convergência abrange profundas mudanças sociais, culturais, empresariais

e tecnológicas no modo como nos relacionamos com as mídias.

A noção de cultura da convergência abrange outras duas ideias inerentes ao

novo paradigma, ambas baseadas no envolvimento da audiência com os produtos

midiáticos. No âmbito da cultura participativa, os consumidores passam a ser

considerados como parte ativa da criação e da circulação de novos conteúdos. Já a

inteligência coletiva relaciona-se ao potencial que as comunidades de conhecimento

virtuais têm de alavancar o intelecto individual, ao reunir diversas pessoas com saberes

diferentes em torno de um objeto de interesse em comum, sobre o qual elas estão

dispostas a discutir e construir novos conhecimentos.

Neste cenário, a lógica pela qual a indústria midiática opera está sofrendo

alterações, refletindo no modo como os consumidores processam a notícia e o

entretenimento, e na forma como os produtores abordam os produtos veiculados nos

meios de comunicação. A partir dessa mudança de comportamento, surge a narrativa

transmidiática, definida por Jenkins (2008) como nova forma de se contar histórias na

qual um universo ficcional se desenvolve por meio de diversos suportes midiáticos,

com cada novo texto contribuindo de forma única e valiosa para o todo. Na forma ideal

de narrativa transmidiática, cada mídia contribui com suas características mais fortes,

de modo que uma história pode ser introduzida em um filme, expandida em uma série

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de TV, transformada em um romance ou em uma história em quadrinhos, adaptada

para uma série de curtas-metragens e remodelada para uma aventura de videogame.

Esses suportes midiáticos são ligados por portais de acesso, os quais permitem ao

espectador conhecer novas camadas de significado em um universo narrativo. Como o

Espelho de Alice, no conto infantil Alice Através do Espelho, de Lewis Carroll, os

portais da narrativa transmidiática concedem entrada para uma rica e envolvente

experiência de consumo ficcional.

Neste trabalho, pretende-se estudar a expressão da narrativa transmidiática no

seriado Lost, devido ao impacto positivo do seriado junto ao público e à crítica e às

estratégias usadas na construção narrativa da série. O programa televisivo e seus

produtos complementares são observados para que se possa compreender a forma

como o universo ficcional da série está estruturado. Lost conta a história de um grupo

de pessoas cujas vidas estão misteriosamente ligadas a uma ilha no Oceano Pacífico.

A narrativa da série inicia com a queda do voo 815 da fictícia companhia aérea Oceanic

Airlines, o qual havia saído de Sydney, na Austrália, em direção à Los Angeles, nos

Estados Unidos. Os sobreviventes precisam então lutar pelo bem-estar do grupo,

enquanto percebem que o resgate não irá encontrá-los, e que a ilha onde caíram

guarda diversos mistérios. Além das informações exibidas nos episódios ao longo das

temporadas, a franquia de Lost conta com conteúdo desenvolvido especialmente para

o site e para o lançamento das coleções em DVD, livros, jogo eletrônico, mini-episódios

produzidos para transmissão via celular e ARGs (Alternate Reality Games, ou Jogos de

Realidade Alternativa). Com a quantidade de informações que o universo do seriado

disponibiliza, os fãs deixam de ser espectadores passivos e buscam, por meio da

Internet, pesquisar mais informações, reunir-se em comunidades de interesse e dividir

o conhecimento que adquirem sobre a série.

Nesta pesquisa, o primeiro capítulo é centrado em Lost e apresenta a premissa

do roteiro, a repercussão da série no público e na crítica e o universo expandido por

meio de outras mídias. Com isso, pretende-se criar um contexto sobre o seriado para a

posterior compreensão da presença da narrativa transmidiática nesse universo

ficcional.

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No segundo capítulo, é percorrida a trajetória das séries ficcionais televisivas

norte-americanas ao longo dos anos, desde a criação da primeira sitcom, nos anos

1950, até o desenvolvimento de séries dramáticas com complexa evolução psicológica

das personagens e resolução de histórias ao longo de diversos episódios, ou mesmo

no curso de diversas temporadas. Em um segundo momento deste capítulo, aborda-se

a narrativa transmidiática e o surgimento das primeiras iniciativas baseadas no conceito

de Jenkins (2008) em obras cinematográficas e televisivas, para que seja possível

identificar, posteriormente, os elementos e as situações por meio dos quais a

transmidialidade está expressa em Lost.

O último capítulo apresenta as escolhas metodológicas e a análise do corpus

delimitado para a pesquisa. Optou-se pelo método qualitativo do estudo de caso,

visando compreender como a narrativa transmidiática é operacionalizada em um

produto cultural. A partir das considerações de Jenkins (2008) sobre a narrativa

transmidiática, foram definidas três categorias de análise para avaliar as histórias

desenvolvidas nos diversos suportes midiáticos auxiliares de Lost: a presença de

portais de acesso, a apresentação de novos conteúdos ficcionais nas mídias

complementares e a participação de consumidores em comunidades de conhecimento.

A segunda temporada da série foi escolhida como fio condutor para a realização da

análise, por ela ser a temporada com o número mais significativo de contribuições

narrativas oriundas de outras mídias além da televisiva.

Este trabalho conta também com três apêndices, nos quais é apresentado um

resumo das histórias desenvolvidas ao longo da primeira temporada e tanto os mini-

episódios para celular quanto os episódios da segunda temporada são relatados

detalhadamente. O obejtivo é esclarecer os leitores que não estão familiarizados com o

programa, para que eles possam compreender os elementos do universo narrativo da

série abordados no estudo.

No final do trabalho, pode-se constatar de que forma a narrativa transmidiática

se expressa na construção do universo ficcional de Lost, por meio do desenvolvimento

de histórias nas mídias auxiliares da série.

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1 LOST

Televisão, livros, jogos, celular e, principalmente, internet. O seriado Lost

explora essas mídias para contar a história de um grupo de pessoas cujas vidas estão

ligadas a uma misteriosa ilha no Oceano Pacífico. Cada suporte midiático auxilia de

forma distinta no entendimento do universo da série, como se o conteúdo de cada um

deles correspondesse a uma peça de um imenso quebra-cabeça que inclui dezenas de

personagens, referências culturais, históricas, religiosas, filosóficas e científicas e uma

história que, até o último episódio da quinta temporada, em 2009, abrange

acontecimentos relacionados à ilha ao longo de, no mínimo, 166 anos – de 1842 até

2008.

No entanto, antes de analisar de que forma cada mídia contribui para a história

central de Lost, convém compreender o que é o seriado e algumas das histórias que

foram contadas até agora. O presente capítulo apresenta a premissa do roteiro, a

repercussão do seriado no público e na crítica e o universo expandido por meio de

outras mídias. A primeira parte está centrada no surgimento de Lost na televisão

mundial e nos números de audiência e prêmios da série. Em um segundo momento, os

produtos complementares serão abordados, bem como as histórias que eles contam.

1.1 LOST 101 – INTRODUÇÃO AO MUNDO MISTERIOSO DA SÉRIE

Uma mistura de drama, aventura e ficção científica, com toques de comédia e

romance, Lost é uma narrativa serial que conta a história dos sobreviventes do voo

815 da fictícia companhia aérea Oceanic Airlines, o qual decola de Sydney, na

Austrália, com destino a Los Angeles, nos Estados Unidos. No meio da viagem, porém,

o avião sofre uma pane nos sistemas, parte-se em três pedaços e cai em uma ilha

misteriosa, ao sul do Oceano Pacífico. O grupo precisa então lutar pela sobrevivência,

enquanto percebe que não será resgatado, e que a ilha guarda diversas surpresas e

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enigmas1. Ao longo da história, cada sobrevivente também deverá confrontar os

próprios medos e inseguranças, em uma jornada pessoal de redenção.

Lost foi criado em 2004, quando Lloyd Braun, então presidente do setor de

entretenimento da emissora ABC, teve a ideia de criar um seriado sobre um grupo de

pessoas sobrevivendo em uma ilha após um acidente aéreo, ao estilo do filme

Náufrago (Cast Away, 2001), de Robert Zemeckis, misturado com o reality show

Survivor2 (CBS, 2000-presente), de Mark Burnett, mas em narrativa ficcional televisiva.

Braun contatou Thom Sherman, presidente da produtora Bad Robot Productions3 na

época, e requisitou um roteiro, o qual foi escrito por Jeffrey Lieber4. Os produtores da

emissora não ficaram satisfeitos com o piloto, mas acreditaram no potencial da ideia.

Sherman sugeriu que Braun apresentasse a premissa para J.J. Abrams5, que já havia

criado e dirigido para a ABC o seriado Alias6 (ABC, 2001-2006), um dos maiores

sucessos da emissora até aquele ano. Mesmo envolvido com outros projetos, Abrams

contratou o roteirista e produtor-executivo Damon Lindelof7 para ajudá-lo a idealizar

uma narrativa mais atraente para o seriado. Juntos, eles imaginaram desenvolver a

própria ilha como uma personagem na narrativa, um lugar cercado de mistérios e

povoado por personagens com histórias de vida igualmente intrigantes. Abrams relata

sua primeira impressão com o roteiro: “(...) Comecei a pensar em maneiras de tornar

aquilo emocionante, pelo menos para mim. E se a ilha não fosse apenas uma ilha; e se

você começasse a olhar para o lugar em que eles estavam como se aquilo fosse parte

1 Ler o resumo dos principais acontecimentos da primeira temporada de Lost no Apêndice A. 2 O programa tem uma versão brasileira chamada No Limite, exibido pela Rede Globo. 3 Empresa de produção televisiva e cinematográfica norte-americana criada por J.J. Abrams em 1998, é

responsável por todos os projetos do roteirista e diretor. 4 Jeffrey Lieber é autor da primeira versão do piloto de Lost, a qual foi recusada pela emissora ABC.

Mesmo não trabalhando em Lost, Lieber é creditado como um dos criadores da série. 5 J.J. Abrams é criador, produtor-executivo, roteirista e diretor das séries Felicity (The WB Television

Network, 1998-2002; co-criador: Matt Reeves), Alias (ABC, 2001-2006) e Fringe (FOX, 2008-presente), entre outras. Abrams também dirigiu Missão Impossível III (Mission: Impossible III, 2006) e Star Trek (2009) para o cinema.

6 Alias conta a história de Sydney Bristow (Jennifer Garner), agente da SD-6, divisão secreta da CIA. Quando Sydney revela onde ela trabalha para o noivo, ele é assassinado por ordem do diretor da SD-6, Arvin Sloane (Ron Rifkin). Sydney então descobre a verdade: a SD-6 não faz parte do governo norte-americano. Ela procura a verdadeira Agência Central de Inteligência e passa a trabalhar ao lado do pai, Jack Bristow (Victor Garber), como agente dupla da SD-6 e da CIA.

7 Damon Lindelof, que também é produtor-executivo e principal roteirista de Lost, ao lado de Carlton Cuse, trabalhou como roteirista em Nash Bridges (CBS, 1996-2001) e como roteirista e produtor de Crossing Jordan (NBC, 2001-2007).

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de uma história maior; então ficou cada vez mais claro de que se tratava de uma

grande ideia”. (LAVERY e PORTER, 2007, p. 16).

Acompanhados dos produtores Bryan Burk, Jesse Alexander e Jeff Pinkner, os

quais também trabalharam na produção de Alias, Abrams e Lindelof elaboraram a ideia

geral de Lost e delinearam o que seriam os primeiros cinco anos da série. A partir

disso, os dois roteiristas escreveram um esboço de 25 páginas em cinco dias e

enviaram para Lloyd Braun: “Recebo [o esboço], e minhas mãos tremiam enquanto eu

lia. (...) Era brilhante”8. A série foi aprovada no dia seguinte, e, cinco semanas mais

tarde, a equipe de produção já havia contratado o elenco e começado as filmagens –

primeiro no estúdio da emissora, em Los Angeles, e depois nas locações no Havaí. Em

um período de 12 semanas, o episódio piloto de duas horas de duração havia sido

escrito, gravado e editado.

Lost estreou na ABC no dia 22 de setembro de 2004 – a data também marca o

dia do desaparecimento do voo 815 na série. Desde então, foram transmitidos 103

episódios em cinco temporadas completas – a sexta e última temporada terá 18

episódios e será exibido nos Estados Unidos a partir do dia 02 de fevereiro de 2010,

completando 121 episódios. Além de Lindelof, Abrams, Burk, Alexander e Pinkner, a

série tem como produtores-executivos Jack Bender9 e Carlton Cuse10. Ao longo de

cinco anos, o programa teve vinte e cinco protagonistas e uma longa lista de atores

com papéis secundários, mas recorrentes, alguns deles de grande importância para a

história11.

Na narrativa de Lost, a história dos 14 protagonistas12 é contada de forma

fragmentada, mostrando o passado das personagens por meio de flashbacks

intercalados com a ação no tempo presente da ilha. No final da terceira temporada, foi

8 Comentário retirado do documentário A Origem de Lost, disponível na coleção de DVDs da primeira

temporada completa de Lost. 9 Jack Bender também é o principal diretor do seriado. Ele já dirigiu episódios para as séries Família

Soprano (The Sopranos, HBO, 1999-2007), Boston Public (FOX, 2000-2004), Alias (ABC, 2001- 2006) e Carnivàle (HBO, 2003-2005), entre outras.

10 Carlton Cuse é o criador, roteirista e produtor-executivo da série Nash Bridges (CBS, 1996-2001), na qual trabalhou com Damon Lindelof. Ele também é o co-criador, roteirista e produtor-executivo de The Adventures of Brisco County Jr. (FOX, 1993-1994; co-criador: Jeffrey Boam).

11 Neste trabalho, são consideradas como personagens principais aquelas cujos respectivos atores foram, em uma ou mais temporadas, creditados como parte do elenco regular da série.

12 Número de personagens principais na primeira temporada. Ao longo das temporadas seguintes, outros protagonistas surgiram, e alguns dos integrantes originais do elenco deixaram a série.

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introduzida a técnica de flashforward, a qual acompanha as personagens em

acontecimentos do futuro.

Aclamado pelo público, Lost tornou-se sucesso mundial logo após o seu

lançamento. Somente nos Estados Unidos, o seriado teve uma média de 18,3 milhões

de telespectadores por episódio na primeira temporada13. No episódio de estreia da

segunda temporada, em 21 de setembro de 2005, o índice de audiência chegou a

23,47 milhões de telespectadores, o mais alto marcado pela série até hoje. No Brasil, a

série é transmitida pelo canal AXN, na rede fechada, entre os meses de março e junho,

e na emissora Rede Globo (canal aberto), geralmente durante os meses de janeiro e

fevereiro de cada ano14.

Mesmo com a queda no número de telespectadores norte-americanos nos anos

seguintes – a quinta temporada, em 2009, teve o índice mais baixo de todos, com uma

média de 9,98 milhões de televisores ligados a cada semana –, a série é uma das mais

assistidas pela internet. Segundo o site torrentfreak.com15, na semana da exibição do

último episódio da quinta temporada, entre os dias 11 e 17 de maio de 2009, Lost foi a

série mais baixada ilegalmente pela web, ao marcar 1.720.000 downloads. O segundo

lugar da semana, Prison Break16 (FOX, 2005-2009), alcançou 920.000 downloads. De

acordo com uma pesquisa realizada pela Nielsen VideoCensus (sistema de medição de

audiência nos Estados Unidos), em fevereiro de 2009, a série também alcançou o topo

entre os programas exibidos gratuitamente por meio dos sites das emissoras norte-

americanas17, iniciativa comum no país. Pelos dados da pesquisa, o seriado teve um

total de 48 milhões de streamings no mês.

13 http://pt.lostpedia.wikia.com/wiki/Audiência. Acesso em: 15 dez. 2009. 14 Ambas emissoras e o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) foram contatados na

tentativa de demonstrar os índices de audiência registrados durante a exibição das temporadas inéditas de Lost na televisão brasileira. Tanto a Rede Globo quanto o IBOPE recusaram-se a compartilhar os dados solicitados; o canal pago AXN não retornou o contato. As respostas recebidas estão anexadas no final do trabalho (Anexos A e B).

15 http://tvbythenumbers.com/2009/05/19/most-pirated-tv-shows-on-bittorrent-may-11-17/19118. Acesso em: 15 dez. 2009.

16 Série acompanha a tentativa de fuga dos irmãos Michael Scofield (Wentworth Miller) e Lincoln Borrows (Dominic Purcell) da prisão de segurança máxima Fox River State Penitentiary. Com o objetivo de ser levado para a mesma prisão onde Burrows era mantido, Scofield planejou e executou um crime propositalmente depois de elaborar um plano de fuga para resgatar o irmão, que foi erroneamente condenado à pena de morte.

17 http://tvbythenumbers.com/2009/03/13/abc-has-9-out-of-top-10-series-viewed-online-in-february/14516. Acesso em: 15 dez. 2009.

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Os números comprovam o sucesso de Lost entre o público. Os telespectadores

logo ficaram intrigados com a ilha misteriosa e a história das personagens. Desde a

primeira temporada, o programa conquistou fãs dispostos a elaborar teorias, discutir

ideias e especular sobre os enigmas da ilha e o destino dos sobreviventes. O elenco

internacional ajudou a estabelecer uma relação entre os telespectadores e o programa,

que é transmitido em mais de 200 países18 e apresenta diversas experiências de vida e

pontos de vista entre as personagens, representando múltiplas raças e culturas (Porter

e Lavery, 2007) – como Michael (Harold Perrineau), Walt (Malcolm David Kelley), Rose

(L. Scott Caldwell) e Mr. Eko (Adewale Akinnouye-Agbaje), que são negros, Hurley

(Jorge Garcia) e Ana-Lucia (Michelle Rodriguez), latinos, o casal Sun (Yunjin Kim) e Jin

(Daniel Dae Kim), coreano, e o iraquiano Sayid (Naveen Andrews).

A frente dos mistérios que envolvem a ilha, é a jornada pessoal dos

sobreviventes que está sempre em evidência e que cativa o público, fazendo com que

Lost seja, em primeiro lugar, uma série sobre pessoas. Segundo Porter e Lavery

(2007), o que faz o público identificar-se com o programa é a ideia de que,

eventualmente, todas as pessoas enfrentam problemas interiores e sentem-se

perdidas, emocional ou fisicamente, em determinado ponto da vida. Tanto as

personagens quanto o público anseiam por um novo começo, são “sobreviventes de

uma vida moderna caótica, que ainda buscam respostas para questões fundamentais”

(PORTER e LAVERY, 2007, p. 67). Além de facilitar a relação com a audiência, o

grande número de personagens também permite que a equipe de roteiristas explore

diversas histórias sobre o passado dos sobreviventes, muitas vezes fazendo com que

eles tenham se cruzado em algum ponto da vida pregressa ao acidente – Sawyer (Josh

Holloway), por exemplo, bebeu em um bar na Austrália com o pai de Jack (Matthew

Fox), Christian (John Terry), dias antes da viagem para Los Angeles. Acompanhado de

Ana-Lucia, Christian foi a Sydney com o objetivo de visitar a filha ilegítima, Claire

(Emilie de Ravin), que também estava no voo 815 da Oceanic Airlines.

Em adição à resposta positiva do público e aos altos índices de audiência, Lost

também foi bem recebida pela crítica norte-americana. Em 2005, a série ganhou dois

18 Documentário BAFTA Gets Lost, produzido pela British Academy of Film and Television Arts – BAFTA.

Disponível em: http://www.bafta.org/access-all-areas/videos/bafta-gets-lost,815,BA.html. Acesso em: 15 dez. 2009.

Page 18: Através do Espelho - Aprofundamento do Universo Ficcional de Lost por Meio da Narrativa Transmidiática

18

prêmios Emmy19 – de melhor série dramática e de melhor direção para J.J. Abrams20,

pelo episódio de estreia. Naveen Andrews e Terry O’Quinn, que interpretam as

personagens Sayid Jarrah e John Locke, respectivamente, foram indicados a melhor

ator coadjuvante em série dramática. Terry O’Quinn levou o prêmio em 200721, quando

foi indicado com outro colega de elenco – Michael Emerson, intérprete de Benjamin

Linus, premiado na mesma categoria em 200922.

Ainda em 2005, Lost foi indicado ao Globo de Ouro23 de melhor série dramática

e, no ano seguinte, foi o ganhador na categoria24. Também em 2006, o elenco foi eleito

o melhor em série dramática25 pelo Screen Actors Guild Awards26, e o Writer’s Guild of

America Awards27 premiou o roteiro de Lost como o melhor em série dramática do

ano28.

1.2 O UNIVERSO EXPANDIDO DE LOST

Além do conteúdo que é transmitido nos episódios semanais de Lost ao longo

das temporadas, o seriado aposta no engajamento dos fãs em busca de informações

sobre a história para expandir a narrativa em outros suportes midiáticos. Tendo em

vista aprofundar situações mencionadas superficialmente na história central e

apresentar informações adicionais sobre o universo da série, Lost conta com material

ficcional produzido especialmente para as mídias auxiliares.

19 Os Emmy Awards são concedidos anualmente pela Academy of Television, Arts e Scienses e são

considerados o equivalente televisivo dos Academy Awards (Oscar). 20 http://www.imdb.com/Sections/Awards/Emmy_Awards/2005. Acesso em: 15 dez. 2009. 21 http://www.imdb.com/Sections/Awards/Emmy_Awards/2007. Acesso em: 15 dez. 2009. 22 http://www.imdb.com/features/emmys/2009/nominations. Acesso em: 15 dez. 2009. 23 Prêmio concedido todo ano pela imprensa estrangeira de Hollywood para os melhores profissionais de

cinema e televisão norte-americanos. 24 http://www.goldenglobes.org/browse/year/2005. Acesso em: 15 dez. 2009. 25 http://www.sagawards.org/content/screen-actors-guild-honors-outstanding-film-and-television-

performances-13-categories-12th-a. Acesso em: 15 dez. 2009. 26 O Screen Actors Guild Awards é uma premiação anual concedida pelo Screen Actors Guild, sindicato

norte-americano de atores. 27 O Writer’s Guild of America Awards é o prêmio dado pelo sindicato de roteiristas dos Estados Unidos

para os destaques do ano na categoria. 28 http://www.wga.org/awards/awardssub.aspx?id=1517. Acesso em 15 dez. de 2009.

Page 19: Através do Espelho - Aprofundamento do Universo Ficcional de Lost por Meio da Narrativa Transmidiática

19

Em alguns casos, os conteúdos desenvolvidos para a série em outros suportes

midiáticos confundem os limites entre o mundo real e o universo ficcional de Lost. É o

caso do documentário Mysteries of the Universe – The Dharma Initiative e de algumas

das ações dos Alternate Reality Games da série, os quais introduzem informações

sobre elementos da narrativa da série em um contexto não-ficcional – por exemplo, ao

exibir uma propaganda de uma empresa fictícia mencionada em Lost nos intervalos

comerciais da emissora ABC. A tentativa de confundir os espectadores é proposital e

objetiva atrair os fãs ainda mais em direção às histórias contadas pelo seriado.

A seguir, demonstra-se a extensão da narrativa do programa para outras mídias

por meio da descrição de seus produtos complementares e das histórias que eles

contam. São abordados os conteúdos criados para a web e para as coleções em DVD

de cada temporada, os livros, os Alternate Reality Games (ARGs – Jogos de Realidade

Alternativa), o jogo eletrônico Lost: Via Domus e Lost: Missing Pieces, série de mini-

episódios para celular. Também são mencionados os produtos acessórios da marca

Lost, como quebra-cabeças, jogos para celular e bonecos de ação das personagens.

Mesmo que não apresentem contribuições significativas para a história, esses produtos

ajudam a sustentar a fidelidade dos fãs, muitas vezes agraciando-os com brindes que

remetem a elementos-chave do programa.

1.2.1 Conteúdo na Web

O site oficial de Lost29, hospedado na página da emissora ABC, fornece

conteúdo exclusivo para os fãs do seriado. Além de fotos e informações sobre os

episódios e as personagens, o portal disponibiliza séries de vídeos e podcasts feitos

especialmente para os usuários online e links para: 1) Timeline (Linha do Tempo),

página que mostra a sequencia dos acontecimentos de Lost – em ordem cronológica

ou de exibição nos episódios; 2) Nickname Generator (Gerador de Apelidos),

brincadeira na qual o visitante faz um teste para descobrir qual apelido ganharia de

29 http://www.abc.go.com/shows/lost. Acesso em: 15 dez. 2009.

Page 20: Através do Espelho - Aprofundamento do Universo Ficcional de Lost por Meio da Narrativa Transmidiática

20

Sawyer, caso conhecesse a personagem; 3) Connections (Conexões), subseção que

mostra as ligações entre o passado dos sobreviventes; e 4) Book Club (Clube do Livro),

onde o visitante encontra uma lista de obras literárias cujas histórias influenciaram a

narrativa de Lost – como Alice no País das Maravilhas e Alice Através do Espelho,

de Lewis Carroll, livros que inspiraram o título de dois episódios, White Rabbit (1x05)30,

ou Coelho Branco, e Through the Looking Glass (3x22, 23), traduzido como Através do

Espelho. O site também contém episódios completos das quatro primeiras temporadas

(e mais os seis últimos episódios da quinta temporada)31, fóruns de discussão, cartões

postais online, informações sobre a revista oficial de Lost, publicada nos Estados

Unidos, e uma loja na qual os fãs podem adquirir DVDs, livros, roupas e outros objetos

relacionados ao universo do programa. A figura 1 ilustra a página inicial de Lost na

página da ABC. Na imagem, é possível identificar os destaques do dia sobre a série –

as informações foram retiradas do site no mesmo dia em que o ator Michael Emerson

foi indicado para o Globo de Ouro 2010, na categoria de melhor ator coadjuvante em

programa televisivo, logo, uma seção é dedicada a ele – bem como os links para

conteúdos especiais do site (Lost University, Podcast oficial, Timeline e Dharma

Documentary). O site também direciona o usuário para a loja virtual de Lost e para as

páginas sobre as personagens [no exemplo, o título Fugitive and Grease Monkey

remete à biografia de Kate Austen (Evangeline Lilly)] e sobre acontecimentos da série

(Greatest Hits, por exemplo, apresenta fotos de uma lista de impactos físicos

provocados e/ou sofridos pelos protagonistas).

30 Este código é utilizado no trabalho para identificar a qual temporada e a qual episódio refere-se o título

mencionado. No caso de White Rabbit (1x05), por exemplo, o número ‘1’ significa ‘primeira temporada’, e o número ‘05’, ‘quinto episódio’.

31 Devido a acordos de direitos internacionais de transmissão, os episódios são disponibilizados apenas para os usuários localizados nos Estados Unidos e nos territórios do país.

Page 21: Através do Espelho - Aprofundamento do Universo Ficcional de Lost por Meio da Narrativa Transmidiática

21

Figura 1: Página inicial do site de Lost, na página da emissora ABC. Em destaque, alguns dos conteúdos especiais oferecidos online. Fonte: http://www.abc.go.com/shows/lost.

O conteúdo em áudio e vídeo produzido para o site geralmente apresenta cenas

de bastidores, making-of e entrevistas com a equipe de produção e o elenco de Lost.

Na seção Vídeo (Video), estão localizados os episódios completos do seriado e as

seguintes subseções:

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22

· Featured: abrange uma série de vídeos sobre diversos assuntos, como a

participação dos produtores-executivos e do elenco no painel de Lost na

Comic-Con32 2009, video podcasts dos bastidores da quarta temporada e

os resumos cômicos de Lost Untangled (Lost “Descomplicado”);

· Quick Cuts: episódios resumidos em vídeos de cerca de dois minutos.

Somente os últimos cinco episódios da quinta temporada ganharam

versões compactas;

· Behind the Scenes: um único vídeo relatando os bastidores na Comic-

Con 2008, quando foi lançado o ARG Dharma Initiative Recruiting

Project;

· Dharma Special Access: coleção dos sete vídeos lançados no ARG

Dharma Initiative Recruiting Project, em 2008 [ver detalhes no item

1.2.5 Alternate Reality Games (ARGs)];

· Ask Lost: série de entrevistas com os atores. Em cada uma, um membro

do elenco responde perguntas enviadas pelos fãs do programa;

· Dharma Mysteries: link para os vídeos do documentário fictício Mysteries

of the Universe – The Dharma Initiative (Mistérios do Universo – A

Iniciativa Dharma). O falso documentário é baseado no programa

Mysteries of the Universe, transmitido pela emissora ABC nos anos 1980.

O estilo envelhecido das imagens e o formato de edição e narrativa da

atração original foram recriados pelos produtores de Lost para conferir

uma atmosfera de veracidade nos vídeos, os quais foram desenvolvidos

como peças promocionais da sexta temporada da série. Os seis curtas

documentais foram lançados de julho a dezembro de 2009 – os cinco

primeiros foram disponibilizados no site oficial da série, e o último foi

lançado exclusivamente na coleção de DVD e Blu-ray da quinta

temporada.

Os podcasts oficiais de Lost também foram lançados no site entre novembro de

2005 e abril de 2009. Os arquivos em áudio, no entanto, foram retirados quando a

32 Conferência anual em San Diego, Estados Unidos, para os fãs de histórias em quadrinhos, animes,

videogames e filmes e seriados de televisão de ficção científica ou fantasia.

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23

página de Lost foi reformulada e agora estão disponíveis na loja virtual iTunes, da

Apple. Ao todo, foram produzidos 69 podcasts, apresentados por Damon Lindelof e

Carlton Cuse. Os produtores-executivos comentaram episódios, conversaram com o

elenco e com a equipe, responderam perguntas de fãs e deram dicas sobre o

desenvolvimento da narrativa ao longo das temporadas33.

1.2.2 Lost University

Em julho de 2009, durante a Comic-Con, foi lançada a Lost University34, cujo site

promocional também é hospedado na página da emissora ABC. A Universidade fictícia

tem como objetivo recrutar fãs/alunos que queiram estudar os principais aspectos da

narrativa do seriado. No dia 22 de setembro de 2009, exatamente cinco anos após a

estreia de Lost, a universidade fictícia realizou um teste de seleção para os alunos

interessados, no qual os participantes deveriam responder 23 perguntas sobre o

universo da série. Além de tratar de conhecimentos gerais sobre Lost, as questões

também testaram o envolvimento dos fãs com o conteúdo publicado e discutido online.

Uma das perguntas, por exemplo, questionava a qual divindade egípcia corresponde à

estátua vista no episódio The Incident (5x16, 17). A resposta não havia sido

mencionada na série, mas sim no resumo oficial do episódio, no site de Lost, e foi

repetida por fãs em blogs e fóruns de discussão. Ao final do teste, cada participante

recebeu uma carteira de estudante da Lost University e assistiu a uma aula introdutória

sobre a série, chamada Lost 10135, na qual foram apresentados os assuntos básicos

abordados na série – como a presença de elementos científicos, filosóficos,

psicológicos, sobrenaturais, de sobrevivência e de interações humanas, em dinâmicas

de grupo e entre familiares, entre outros. A Figura 2 mostra a carteira de estudante da

33 Resumos e links para download dos podcasts em:

http://pt.lostpedia.wikia.com/wiki/Podcasts_Oficiais_de_LOST. Acesso em: 15 dez. 2009. 34 http://lostuniversity.org/. Acesso em: 16 dez. de 2009. 35 Lost 101 em versão legendada: http://www.youtube.com/watch?v=1USXKopN7nw. Acesso em: 16 dez.

2009.

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24

Lost University, na qual se pode notar o nome do ‘aluno’ cadastrado e o código PIN

necessário para acessar as aulas na edição em Blu-ray da quinta temporada de Lost.

Figura 2: Carteira de estudante recebida pela orientanda deste trabalho depois de ser aprovada no teste de seleção para a Lost University. Fonte:

http://lostuniversity.org/binder.php. Acesso restrito.

O início oficial das aulas ocorreu em 08 de dezembro de 2009, data de

lançamento da edição em Blu-ray da quinta temporada da série nos Estados Unidos.

Somente os usuários que adquirem esta edição da temporada podem assistir às aulas

dos cursos oferecidos pela Universidade. As disciplinas do primeiro semestre letivo

incluem as opções HIS 101: Ancient Writing on the Wall (Escrita Antiga na Parede),

LAN 101: Foreign Language for Beginners (Língua Estrangeira para Iniciantes), PHI

101: I’m Lost, Therefore I Am (Estou Perdido, Portanto Sou), PHY 101: Introductory

Physics of Time Travel (Física Introdutória Sobre Viagem no Tempo), PHY 301

Seminar: New Physics With Jeremy Davies (Seminário: Nova Física com Jeremy

Davies) e SCI 201: Jungle Survival Basics (Básicos de Sobrevivência na Selva) (Figura

3). Já no catálogo de disciplinas do segundo semestre constam: ART 101 Seminar:

Inspiration & Expression with Jack Bender (Seminário: Inspiração e Expressão com

Jack Bender), LAN 201: Advanced Foreign Language (Língua Estrangeira Avançada),

PHI 201: I’m Right, You’re Wrong: The Us VS. Them Mentality (Eu Estou Certo, Você

Está Errado: A Mentalidade de Nós VS. Eles), PHY 201: Advanced Physics of Time

Travel (Física Avançada Sobre Viagem no Tempo) e PSY 201: Self Discovery Through

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25

Family Relationships (Auto Descoberta Por Meio de Relacionamentos Familiares). Na

figura 3, é possível identificar a lista de cursos oferecidos para os ‘alunos’ do primeiro

semestre da Lost University.

Figura 3: Catálogo de disciplinas disponíveis para o primeiro semestre de aulas na Lost University. Fonte: http://lostuniversity.org/catalog.php. Acesso em: 15 dez. 2009.

Até o encerramento deste trabalho, não foi esclarecido se as aulas seriam

disponibilizadas para os usuários do site oficial de Lost, ou se o conteúdo

permaneceria exclusivo para os espectadores que adquiriram a edição em Blu-ray da

quinta temporada.

Page 26: Através do Espelho - Aprofundamento do Universo Ficcional de Lost por Meio da Narrativa Transmidiática

26

1.2.3 Conteúdo nos DVDs

As coleções das temporadas de Lost em DVD oferecem conteúdo criado

exclusivamente para o formato, em extras que abrangem comentários em áudio da

equipe e do elenco, diversas cenas de bastidores e making-ofs, entrevistas, cenas

deletadas e erros de gravação, entre outros. Parte do que é produzido para o site

também é lançado em DVD – a série Lost: Missing Pieces faz parte da lista de extras

da coleção da quarta temporada, e o documentário Mysteries of the Universe: The

Dharma Initiative foi incluído no DVD da quinta temporada, lançado em novembro de

2009.

1.2.4 Livros

Os livros baseados no roteiro original de Lost têm como objetivo ampliar a

história dos sobreviventes e aproximar a audiência dos personagens secundários, que

não ganham destaque na narrativa central. Ao todo, foram produzidas três obras –

Lost: Identidade Secreta e Lost: Risco de Extinção, de Cathy Hapka36, e Lost: Sinais de Vida, de Frank Thompson37 –, todas lançadas no Brasil pela Editora

Prestígio Editorial, em 2006. A Figura 4 ilustra a capa de Lost: Sinais de Vida, na qual

é possível identificar a presença das marcas AXN e Touchstone Television (produtora

responsável pela distribuição da série no Brasil), sinalizando a relação da obra com o

universo oficial de Lost.

36 Cathy Hapka é novelista e escritora de livros infantis. 37 Frank Thompson é romancista, cineasta e historiador. Já publicou 37 livros nos Estados Unidos.

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27

Figura 4: Capa e contra-capa do livro Lost: Sinais de Vida (2006). Na contra-capa, nota-se as marcas AXN e Touchstone Television.

As histórias dos três livros acompanham sobreviventes que não aparecem

diretamente nos episódios, mas que interagem com as personagens reconhecidas pelo

público, como Jack, Kate e Hurley. O formato da narrativa nos livros é semelhante ao

da televisão: os capítulos intercalam passagens em flashback e na ilha e revelam o

passado das personagens ao mesmo tempo em que elas enfrentam algum dilema

interior no presente. Os três livros têm 23 capítulos – o número faz parte da sequencia

4 8 15 16 23 42, a qual ganha destaque em diversos momentos da série38.

A expansão do universo de Lost satisfaz a curiosidade dos fãs de conhecer

algumas daquelas pessoas que aparecem como figurantes nos episódios, sem que

isso interfira na trama principal. A estratégia de não apresentar essas personagens nos

episódios, mas sim nos livros – e, mais tarde, também no jogo Lost: Via Domus – foi 38 Os números estão gravados na lateral da Escotilha ainda na primeira temporada, e, na segunda

temporada, o código que deve ser digitado no computador de Desmond (Henry Ian Cusack) a cada 108 minutos – valor da soma da sequencia – é formado pelos seis numerais.

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28

mais bem aceita pelo público do que a inserção de personagens similares na narrativa

central do programa. A prova disso ocorreu durante a terceira temporada, entre outubro

de 2006 e maio de 2007, quando dois sobreviventes até então desconhecidos do

público passaram a fazer parte do elenco de protagonistas. Nikki (Kiele Sanchez) e

Paulo (Rodrigo Santoro) foram introduzidos em pequenas expedições com o grupo

principal da ilha e começaram a ganhar espaço nos primeiros episódios do ano três. No

geral, os fãs não gostaram das novas personagens; de acordo com Damon Lindelof e

Carlton Cuse, Nikki e Paulo foram os sobreviventes mais odiados da série39. A

impopularidade foi tão grande que os produtores-executivos resolveram encerrar a

história do casal no episódio Exposé (3x14), no qual Nikki e Paulo ganham um

flashback e acabam morrendo ao serem enterrados vivos – as personagens haviam

sido paralisadas pela picada de uma aranha venenosa e foram erroneamente

declaradas mortas. Em uma votação realizada pelo site Lostpédia para definir os

melhores e os piores momentos da terceira temporada, Exposé foi escolhido o pior

episódio do ano, com 31% dos votos, enquanto na categoria “História mais ‘sem

noção’”, a entrada repentina de Nikki e Paulo ficou em primeiro lugar, com 44% dos

votos40.

1.2.5 Alternate Reality Games (ARGs)

Como uma tentativa de envolver os fãs ainda mais com o universo de Lost, os

produtores-executivos do programa desenvolveram quatro Alternate Reality Games

(ARGs, ou Jogos de Realidade Alternativa) sobre a série: The Lost Experience (2006),

FIND 815 (2007), The Dharma Initiative Recruiting Project (2008) e Damon, Carlton

and a Polar Bear (2009). Os quatro jogos foram lançados de forma que a maior parte

de seu conteúdo fosse revelada no intervalo entre as temporadas do programa (de

39 Item ‘Curiosidades’ dos links: http://pt.lostpedia.wikia.com/wiki/Nikki e

http://pt.lostpedia.wikia.com/wiki/Paulo. Acesso em: 16 dez. 2009. 40 Lostpédia - O Melhor da Terceira Temporada/Resultados. Disponível em:

http://pt.lostpedia.wikia.com/wiki/O_Melhor_da_3ª_Temporada/Resultados. Acesso em: 16 dez. 2009.

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29

maio a setembro de 2006, de dezembro a janeiro de 2007, de maio a novembro de

2008, e de julho a dezembro de 2009, respectivamente). A estratégia era manter os fãs

em contato com o universo narrativo de Lost enquanto episódios inéditos não eram

transmitidos pela televisão.

O ARG é um formato de jogo que potencializa os recursos interativos e de

participação coletiva em rede e é definido como uma narrativa interativa que utiliza

elementos lúdicos e, muitas vezes, une diferentes mídias com o objetivo de contar uma

história, a qual evolui de acordo com a participação e as ações dos jogadores

(SANTOS, 2009). Segundo McGonigal (2004), o drama interativo pode ser jogado

online e em espaços do mundo real durante um período de semanas ou meses e reúne

dezenas, centenas ou até milhares de jogadores em redes sociais cooperativas, todos

trabalhando juntos para resolver um mistério ou problema que seria absolutamente

impossível de solucionar sozinho. No ARG, suportes como sites, comerciais de TV,

anúncios em jornais impressos, e-mails, ligações telefônicas, outdoors, mensagens

SMS, entre outros, têm suas características exploradas para a criação de um padrão

híbrido de construção narrativa. Em alguns casos, as ações desenvolvidas para os

ARGs confundem os limites entre o mundo real e o universo ficcional da série – por

exemplo, ao exibir, uma propaganda da fictícia Fundação Hanso nos intervalos

comerciais de um dos episódios de Lost.

Os ARGs de Lost buscam aprofundar questões mencionadas superficialmente

na história central do seriado, como as pesquisas desenvolvidas pela Iniciativa Dharma

e os ‘números’ – a sequencia 4 8 15 16 23 42.

Tanto The Lost Experience quanto Dharma Initiative Recruiting Project

tinham como ponto central a Iniciativa Dharma e suas pesquisas. O primeiro foi lançado

em maio de 2006, três semanas antes do final da segunda temporada, e estendeu-se

até setembro daquele ano, na véspera do episódio de estreia da terceira temporada da

série. O jogo foi co-desenvolvido por três emissoras de televisão – a australiana

Channel 7 e a inglesa Channel 4, além da norte-americana ABC – e revelou

informações cruciais sobre a série em uma brincadeira que envolvia sites, propagandas

televisivas, podcasts em áudio, anúncios em jornais impressos, livros e interações ao

vivo – como a criação e comercialização das barras de chocolate Apollo, citadas na

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30

série, em cidades dos Estados Unidos, da Inglaterra e da Austrália41. Em The Lost Experience, o público acompanhou as investigações da hacker Persephone, ou

Rachel Blake (Jamie Silberhartz), sobre as verdadeiras intenções dos projetos da

fictícia Fundação Hanso e de seus funcionários. Além do conteúdo relacionado com a

série, elementos do ARG The Lost Experience também apareceram em Lost: Via

Domus; antes da queda do Oceanic 815, Elliott Maslow, protagonista do jogo, estava

investigando um personagem ligado à Fundação Hanso.

Dharma Initiative Recruiting Project, realizado dois anos após The Lost

Experience, era centrado na reestruturação da Iniciativa Dharma, que procurava

recrutas voluntários para participar das pesquisas realizadas pelo projeto. Os jogadores

aplicavam-se para determinados cargos e realizavam uma série de testes por meio do

site DharmaWantsYou.com42. No entanto, o jogo foi interrompido em 25 de novembro

de 2008, quando os participantes receberam uma mensagem via e-mail dos

produtores-executivos Damon Lindelof e Carlton Cuse dizendo que, devido à crise

econômica mundial, o retorno da Iniciativa Dharma havia sido cancelado, e a empresa

havia sido adquirida pela emissora ABC. Eles então criaram o Dharma Special Access,

série de e-mails que seria enviada para os participantes do jogo contendo informações

exclusivas, vídeos de bastidores e depoimentos da equipe e do elenco. Os e-mails

foram enviados semanalmente até a estreia da quinta temporada, em 21 de janeiro de

2009.

No segundo ARG da série, FIND815, os jogadores acompanharam a busca do

personagem Sam Thomas (Rodger Corser) por respostas sobre a queda do voo 815 da

Oceanic Airlines, no qual sua namorada, Sonya, trabalhava como comissária de bordo.

O jogo iniciou com o comunicado ‘oficial’ emitido à imprensa pela fictícia Oceanic

Airlines, em 28 de dezembro de 2007, anunciando o retorno da empresa. No site

‘oficial’ da Oceanic, FlyOceanicair.com43, os usuários encontraram um vídeo da

companhia aérea, o qual havia sido hackeado por Sam e direcionava os jogadores para

o site principal do ARG, Find815.com. A página continha as informações cruciais para o

41 Documentário da emissora inglesa Channel 4 sobre a criação de The Lost Experience disponível em:

http://www.youtube.com/watch?v=6phwqrqlGwE. Acesso: 11 dez. 2009. 42 O site foi desativado após o final do ARG, em novembro de 2008. 43 Após o final do ARG, o site passou a direcionar os usuários para a página Find815.com.

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andamento da história; por meio dela, os jogadores seguiam as pistas recebidas por

Sam via e-mail, que levaram o personagem a embarcar na expedição a bordo do

Christiane I. O barco de resgate trabalhava para o Grupo Maxwell, parte da Corporação

Widmore, e estava à procura do navio negreiro Black Rock44, desaparecido desde

1881. No entanto, depois de Sam alterar a rota de navegação do Christiane I, a

expedição acaba encontrando os destroços do voo 815 da Oceanic Airlines no fundo

do mar. A história de FIND815 chegou ao fim no mesmo dia em que estreou o episódio

The Beginning of the End (4x01), no dia 31 de janeiro de 2008.

O ARG lançado para promover a sexta temporada de Lost, Damon, Carlton

and a Polar Bear, iniciou em julho de 2009, também durante o painel da série na

Comic-Con. Na ocasião, o humorista norte-americano Paul Sheer ofereceu um

presente para os produtores-executivos Damon Lindelof e Carlton Cuse: uma pintura

dos dois roteiristas abraçados por um urso polar. Sheer convidou o público para visitar

o seu site45, no qual iria publicar, ao longo do tempo, outras obras de arte inspiradas

em Lost. A partir disso, Sheer organizou uma campanha para os fãs encontrarem 17

versões online de posteres da série – liberados no decorrer do tempo de duração da

brincadeira – a partir de dicas disponíveis no site, as quais direcionavam os usuários

para lugares reais em busca de pistas para o endereço na web onde cada pôster

estava disponível. Edições limitadas, em tamanho real, das obras de arte inspiradas em

Lost também foram comercializadas por meio do site.

44 Tanto o navio negreiro Black Rock quanto a Corporação Widmore são elementos narrativos

importantes para a história central de Lost. O navio Black Rock é encontrado no meio da floresta ainda na primeira temporada da série. Dentro dele, Jack e Locke encontram dinamites com a ajuda de Danielle Rousseau (Mira Furlan). Até o final da quinta temporada, especulava-se que Richard Alpert (Nestor Carbonell), personagem que misteriosamente não envelhece, havia chegado à ilha a bordo do Black Rock, possivelmente no ano de 1842, mas a informação não havia sido confirmada. Já a Corporação Widmore é um conglomerado de companhias pertencente à família Widmore, o qual está ligado à Fundação Hanso. Ao final da segunda temporada, é revelado que o amor da vida de Desmond, Penny (Sonya Walger), é filha de Charles Widmore (Alan Dale), um dos herdeiros e chefes da Corporação.

45 http://damoncarltonandapolarbear.com. Acesso em: 15 dez. 2009.

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32

1.2.6 Lost: Via Domus

Lost: Via Domus é o primeiro e, até então, único jogo de Lost disponível para

videogames e PC. O jogo foi desenvolvido pela empresa Ubisoft Montreal e lançado

para os consoles Xbox360 e PlayStation 3 e para PC Windows em fevereiro de 2008,

um mês após a estreia da quarta temporada.

Via Domus – do latim, “a caminho de casa” – conta a história de Elliott Maslow,

sobrevivente que perde a memória logo após o acidente. Elliott é um fotojornalista e

tem sua história contada por meio de flashbacks que podem ser jogados e que ajudam

a montar o quebra-cabeça que é a jornada da personagem. Apesar de não apresentar

muitas revelações significativas para a série, Lost: Via Domus permite ao jogador

interagir com as personagens, testemunhar acontecimentos vistos nos episódios e

explorar locais como o acampamento na praia, as cavernas, a Escotilha – também

conhecida como Estação O Cisne –, as estações O Cajado, A Chama e A Hidra e o

navio Black Rock, entre outros.

1.2.7 Lost: Missing Pieces

Lost: Missing Pieces foi uma série de 13 mobisodes46 (ou mobisódios, como

são chamados no Brasil) distribuídos, em um primeiro momento, para os celulares da

empresa de telecomunicações norte-americana Verizon e, mais tarde, no site da série.

A expressão mobisode é uma contração das palavras mobile e episode, “episódio

móvel”, e refere-se aos mini-episódios (cada um com duração entre dois e três

minutos) feitos pela mesma equipe de produção e elenco de Lost.

46 Ler resumo de cada mini-episódio no Apêndice B – Guia de episódios de Lost: Missing Pieces.

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33

Os mini-episódios foram lançados semanalmente entre novembro de 2007 e

janeiro de 2008, sendo o último, So It Begins (13)47, lançado para celular três dias

antes do episódio The Beginning of the End (4x01). A série Lost: Missing Pieces

apresentou novos aspectos das personagens já conhecidos do público, mostrou outra

perspectiva para acontecimentos que já haviam sido exibidos e introduziu o

personagem Neil “Frogurt” (Sean Whalen), o qual apareceu em alguns episódios da

quinta temporada, em 2009.

1.2.8 Produtos Acessórios

Além do material produzido para aprofundar a experiência narrativa dos

telespectadores, Lost também proporciona uma variedade de produtos acessórios para

os fãs mais entusiastas, os quais gostam de colecionar artefatos que remetem à

história e aos personagens. Jogos de tabuleiro e móveis (mobile games), quebra-

cabeças, bonecos de ação das personagens principais e toda sorte de objetos com o

logo da Iniciativa Dharma – de camisetas e macacões a sets de fichas para jogo de

poker e lanternas – e da Lost University estão disponíveis para venda no mercado,

especialmente nos Estados Unidos, por meio da loja virtual da série no site da ABC.

Alguns desses produtos destacam-se por apresentar objetos da série em

detalhes, dando aos fãs a oportunidade de debruçar-se nesses elementos e analisá-los

minuciosamente. Os quatro jogos de quebra-cabeças lançados pela empresa TDC

Games48 nos Estados Unidos, por exemplo, quando montados corretamente

apresentam uma escrita secreta no verso, visível apenas no escuro. O verso de cada

um dos quebra-cabeças temáticos (A Escotilha, Os Outros, Os Números e Antes do

Acidente) representa uma imagem que, combinada com as três restantes, proporciona

uma visão nítida e completa do Mapa da Porta de Segurança da Escotilha, mostrado

47 Os mini-episódios para celular não foram lançados em formato de temporada, portanto o código

sinaliza somente o número do episódio. 48 http://www.tdcgames.com/lostpuzzles.htm. Acesso em: 16 dez. 2009.

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34

brevemente no episódio Lockdown (2x17). A Figura 5 mostra a imagem formada pelo

verso dos quatro quebras-cabeça montados corretamente.

Figura 5: O verso dos quatro quebras-cabeça de Lost revelam o mapa das estações da Iniciativa Dharma na ilha desenhado na Porta de Segurança da Escotilha – Estação Cisne. Fonte: http://lostpedia.wikia.com/wiki/Jigsaw_puzzles. Acesso: 15 dez. 2009.

Os bonecos de ação de Lost capturam as personagens em momentos

marcantes para cada um deles na história, e são acompanhados de um fundo

fotográfico e da reprodução detalhada de objetos que foram mostrados nos episódios.

O boneco de Kate, por exemplo, acompanha uma réplica do pequeno avião que

pertencia a Tom Brennan (Mackenzie Astin), seu amor de infância, e o anel de herança

da família Pace, com as iniciais DS, é o brinde para os fãs que adquirem o boneco de

Charlie (Dominic Monaghan). Ao todo, foram lançados 11 bonecos de ação em duas

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35

séries – Charlie, Shannon (Maggie Grace), Jack, Kate, Locke, Hurley e uma caixa

especial com as quatro últimas personagens no cenário da Escotilha na primeira série,

e Sawyer, Mr. Eko, Sun e Jin na segunda série.

Apesar de não oferecerem contribuições representativas para narrativa central

de Lost, esses produtos ajudam a sustentar a fidelidade da base de fãs, muitas vezes

agraciando-os com brindes que remetem a elementos-chave da série.

Neste capítulo, foram apresentados o seriado Lost e os produtos

complementares desenvolvidos para outros suportes midiáticos, com o objetivo de

expandir o universo narrativo do programa. Na sequência, será analisada a evolução

das narrativas seriais ficcionais na televisão norte-americana, tendo em vista

contextualizar Lost no cenário televisivo atual e demonstrar de que forma essas

histórias têm se tornado mais complexas ao longo dos anos. Depois, será abordado o

conceito de narrativa transmidiática enquanto novo formato para o entretenimento, o

qual surgiu a partir das mudanças culturais provocadas pela introdução de novos

suportes de mídia – como internet e celulares – no cotidiano de produtores e de

consumidores de produtos midiáticos.

Page 36: Através do Espelho - Aprofundamento do Universo Ficcional de Lost por Meio da Narrativa Transmidiática

36

2 NARRATIVAS

Antes do surgimento da narrativa transmidiática em obras cinematográficas e,

em especial, televisivas, as séries ficcionais passaram por diversas mudanças

estéticas, no formato e nas abordagens temáticas. Muitas das características

marcantes de Lost, como o desenvolvimento psicológico das personagens e a

resolução de histórias ao longo de diversos episódios, ou mesmo no curso das

temporadas, surgiram a partir de iniciativas empreendidas por séries dramáticas

criadas nas últimas décadas do século XX.

Neste capítulo, será apresentado um breve histórico das transformações pelas

quais as narrativas seriais televisivas passaram ao longo dos anos, desde a criação da

primeira sitcom, nos anos 1950. Serão abordadas as formas pelas quais as séries

ganharam profundidade de significados e tornaram-se mais complexas e mais

atraentes junto ao público. Em um segundo momento, será apresentado o conceito de

narrativa transmidiática, do estudioso de mídias norte-americano Henry Jenkins (2008),

o qual introduz um novo modo de construção de histórias, por meio da fragmentação

narrativa em diversos suportes midiáticos, cada um contribuindo de forma distinta para

o todo.

2.1 NARRATIVA SERIAL NA TELEVISÃO

Como acontece nos estágios iniciais de qualquer meio de comunicação, a

programação televisiva, em seus primeiros anos, apropriou-se das fórmulas

consagradas em outros produtos culturais, como os provenientes da rádio, do cinema e

da literatura, antes de desenvolver características próprias e estabelecer o nível das

produções atuais. Processo de adaptação semelhante ocorreu com as narrativas

seriadas produzidas para a televisão.

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37

A organização de uma grade de programação consistente surgiu na televisão

norte-americana49 em 1944, nas quatro principais redes abertas do país: ABC

(American Broadcasting Company), CBS (Columbia Broadcasting System) e NBC

(National Broadcasting Company), existentes até hoje, e DuMont Television Network,

que encerrou suas atividades em 1956. Na primeira década de transmissões, a grade

era composta inteiramente por produções “ao vivo”, devido às limitações tecnológicas

de transmissão de sons e de imagens por meio de ondas eletromagnéticas, o que

implicava uma ligação direta entre a gravação que estava sendo exibida e o aparelho

receptor (MOREIRA, 2007). Por causa da restrição técnica, muitos dos primeiros

programas de entretenimento eram derivados do formato teatral, já que implicavam o

uso de poucas câmeras e de um cenário fixo para realizar a gravação – em 1945,

programas como o NBC Television Theater recriavam peças de teatro em estúdio, e

The Hour Glass (NBC, 1946) reunia atrações em um palco, formato que anos mais

tarde originaria os talk shows (STARLING, 2006).

A narrativa ficcional seriada surgiu na televisão nos anos 1940; o princípio

funcional do formato, porém, já havia atraído a atenção do público na literatura no

século XIX, com os folhetins, e no rádio nas primeiras décadas do século XX, com as

radionovelas. O artifício de publicar capítulos em jornais ou revistas ao longo de

determinado intervalo de tempo consolidou uma forma de consumo baseada na

manipulação do interesse e da atenção dos leitores. Semelhante ao que ocorre no

romance, a estrutura narrativa do folhetim também era baseada em capítulos, mas o

produto inovou ao construir o relato ficcional em diversos trechos da história publicados

ao longo de um intervalo de tempo, como ocorreu com o romance A Moreninha, de

Joaquim Manoel de Macedo, publicado em jornais no ano de 1844.

No rádio, a forma mais conhecida de narrativa seriada é a radionovela, que ficou

conhecida como soap opera nos Estados Unidos, nos anos 1930. As “óperas de sabão”

eram transmitidas diariamente e abordavam temáticas de relacionamentos e de dramas

familiares, já que o público-alvo eram as donas de casa norte-americanas. Foi também

por este motivo que as radionovelas ganharam o apelido soap opera: elas eram

49 Optamos por mapear a produção serial televisiva norte-americana, porque a consideramos como a de

alcance mundial mais representativo.

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38

patrocinadas por grandes empresas de produtos de limpeza doméstica, como

detergentes, daí a denominação soap – de sabão – e opera, como alusão aos

exageros dramáticos dessas histórias. Na Figura 6, as personagens da radionovela

Clara Lu and Em, a primeira do gênero nos Estados Unidos, estrelam a propaganda

do sabão em pó Super Suds, patrocinador da atração.

Figura 6: Propaganda do sabão em pó Super Suds, patrocinador da radionovela Clara, Lu and Em. Fonte: http://www.old-time.com/commercials/1930's/Clara,%20Lu,%20&%20Em.html. Acesso em: 16 dez. 2009.

A serialização audiovisual já era usada no cinema desde 1913. Na época, as

condições das salas de cinema eram precárias para os espectadores – os ambientes

de exibição eram pequenos, e os bancos não tinham encosto, o que gerava incômodo

para o público quando a duração do filme era longa (MOREIRA, 2007). Tendo em vista

o problema, convencionou-se exibir os filmes em partes. A técnica fez com que

personagens icônicos, como o vagabundo de Charles Chaplin, protagonizassem

diversas variações de história de um mesmo tipo humano. Em outras ocasiões, como

Page 39: Através do Espelho - Aprofundamento do Universo Ficcional de Lost por Meio da Narrativa Transmidiática

39

nos filmes de faroeste, usava-se o recurso do cliffhanger para aguçar a curiosidade dos

espectadores e instigá-los a retornar ao cinema para assistir ao episódio de

continuação da história (a técnica, também conhecida como gancho ou cliffhanger,

consiste em deixar o público à beira do precipício narrativo, como quando a história

termina, por exemplo, no momento em que o mocinho está amarrado nos trilhos,

prestes a ser atropelado por um trem).

Na televisão, a primeira soap opera, Faraway Hill, estreou na emissora DuMont

em 1946, e a ideia logo foi aceita por público, anunciantes e emissoras concorrentes.

Starling define a união das três forças (produção, publicidade e audiência) como os

elementos que “farão da TV a ponta de lança da sociedade de consumo” (2006, p. 12).

A soap opera televisiva, ou telenovela, é um dos três principais tipos de

serialização ficcional na televisão definidos por Machado (2005) – sendo eles:

telenovela, seriado e séries ou minisséries cujo estilo de cada episódio é semelhante,

mas cada episódio representa uma unidade narrativa diferente. Segundo o autor, a

serialização consiste na “apresentação descontínua e fragmentada do sintagma

televisual”, sendo este o “segmento de uma totalidade maior – o programa como um

todo – que se espalha ao longo de meses, anos, em alguns casos até décadas, sob a

forma de edições diárias, semanais ou mensais” (MACHADO, 2005, p. 83). No caso

das narrativas seriadas, convenciona-se chamar cada sintagma televisual de capítulos

ou episódios.

O primeiro tipo de ficção seriada definido pelo autor ocupa-se de apenas uma

narrativa – ou várias narrativas entrelaçadas – que acontece ao longo de vários

capítulos, normalmente diários, ao final dos quais se dará o fechamento da história. As

telenovelas, os teledramas e algumas séries e minisséries encontram-se nessa

categoria. No segundo tipo, o seriado, cada episódio (geralmente semanal) é uma

história com início, meio e fim, e as personagens principais são os componentes

básicos e constantes de uma narrativa que as envolve em situações variadas a cada

episódio. No terceiro e último tipo de serialização, mantém-se apenas a noção geral da

história, ou a mesma temática, mas os protagonistas, o elenco e até mesmo a equipe

de produção são diferentes (MACHADO, 2005).

Page 40: Através do Espelho - Aprofundamento do Universo Ficcional de Lost por Meio da Narrativa Transmidiática

40

Os três tipos de narrativa seriada, no entanto, podem confundir-se e apresentar

características em comum. Grande parte dos seriados atuais, por exemplo, são

baseados em uma construção narrativa teleológica, assim como nas telenovelas, nas

quais a história se resume fundamentalmente num (ou mais) conflito (s) básico (s), que

estabelece logo de início um desequilíbrio estrutural, e toda evolução posterior dos acontecimentos consiste num empenho em restabelecer o equilíbrio perdido, objetivo que, em geral, só se atinge nos capítulos finais (MACHADO, 2005, p. 84).

O estilo de serialização em episódios surgiu na televisão norte-americana em

1951 (cinco anos depois da primeira soap opera) com o programa I Love Lucy (CBS,

1951-1960), o qual também inaugurou o gênero da sitcom (abreviação de situation

comedy, ou comédia de situações). I Love Lucy foi adaptada de um popular programa

de rádio e apresentou as aventuras de uma dona-de-casa e de seu marido,

interpretados pelos atores Lucille Ball e Desi Arnaz, casados na vida real.

Foi também nos anos 1950 que a televisão começou a desenvolver uma

linguagem própria, com o surgimento do videotape. A tecnologia de edição e de

armazenamento eletrônicos do material captado pelas câmeras permitiu a criação de

novos programas na grade das emissoras. A entrada do videotape no processo de

produção televisivo afetou diretamente as criações ficcionais, com o desenvolvimento

de histórias mais específicas para o suporte midiático e de condições técnicas mais

sofisticadas. Em seriados como I Love Lucy, a tecnologia possibilitou a utilização de

mais câmeras e a edição posterior do material gravado em estúdio, o que permitiu

captar e destacar os pontos de vista e as nuances da atuação do elenco.

A contribuição de I Love Lucy para as narrativas seriadas, no entanto, não se

restringiu a invenção de um gênero televisivo. A série também introduziu a passagem

do tempo como elemento dramático do formato narrativo, ao incorporar a gravidez de

Lucille Ball, e o posterior nascimento de Desi Arnaz Jr., à história do programa. Mais do

que criar novas possibilidades narrativas para I Love Lucy (com a protagonista

dividindo a atenção entre os cuidados com a casa e com o recém-nascido), a entrada

do filho de Lucy na história representa uma marca de desenvolvimento emocional das

personagens – I Love Lucy coloca seus protagonistas na mesma relação com o tempo

que os telespectadores experimentam na vida real, ao apresentar as personagens em

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41

diferentes estágios de um relacionamento, os quais transcorrem de forma semelhante

para a maioria das pessoas (por exemplo, o nascimento do primeiro filho de um casal

geralmente ocorre após determinado tempo de casamento, e assim por diante). Para

Winckler (apud STARLING, 2006), a mudança foi fundamental para diferenciar e

estabelecer o formato serial na televisão, porque fez com que os seriados deixassem

de ser uma miscelânea de fórmulas bem-sucedidas em outros suportes midiáticos

“para se tornar um processo narrativo único, que inclui insensivelmente – mas

inelutavelmente – o triplo envelhecimento do personagem, do ator e do espectador”

(WINCKLER apud STARLING, 2006, p. 15). Acompanhar o crescimento das

personagens ao longo dos episódios e das temporadas torna-se um dos principais

atrativos para o público, o qual desenvolve mecanismos de relação e de projeção nas

histórias que estão sendo contadas.

Outras mudanças substanciais no formato serial surgiriam nos anos seguintes.

Até a década de 1960, grande parte da programação ficcional televisiva abordava

temáticas familiares e politicamente corretas, ignorando as profundas mudanças

sociais e culturais em questões comportamentais, sexuais, raciais e de gênero que

ocorriam na época. A sitcom A Feiticeira (Bewitched, ABC, 1964-1972), por exemplo,

mostrava o cotidiano de uma família de classe média norte-americana formada pelo

marido Darrin50 e a esposa Samantha, dona-de-casa e poderosa feiticeira, e os

episódios geralmente envolviam as intervenções cômicas dos familiares bruxos de

Samantha no relacionamento dela com o marido (PEREIRA, 2008). A situação muda

na década seguinte, com a estreia da série Mary Tyler Moore Show (CBS, 1970-

1977), sobre uma mulher de 30 anos, solteira, independente e bem-sucedida que

trabalha como produtora de um programa jornalístico de televisão. A sitcom marca uma

troca de paradigma ao substituir a família biológica pela família do ambiente

profissional e de amigos.

O sucesso de Mary Tyler Moore Show foi creditado à M.T.M. Enterprises,

produtora estabelecida pela estrela do programa em 1969 e conhecida por dar total

liberdade criativa para os produtores e roteiristas de seriados. Segundo Starling (2006),

50 Na versão transmitida no Brasil, o nome do personagem Darrin Stephens foi substituído por James,

por ser mais fácil de pronunciar e mais masculino para os padrões da língua brasileira (Pereira, 2008).

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a produtora foi o laboratório de grandes mudanças na estrutura narrativa serial a partir

do final dos anos 1970, quando ela se especializa em programas dramáticos com

duração de 60 minutos (incluindo intervalos comerciais).

Em 1978, as soap operas também começam a explorar outros caminhos

narrativos com Dallas (CBS, 1978-1991), novela sobre uma família de milionários do

ramo do petróleo no Texas, cujas histórias giravam ao redor de dinheiro, poder, sexo e

violência. Em adição ao drama tradicional das soap operas, Dallas também abordava

assuntos até então inéditos da televisão, como “política externa e atividades criminosas

de grandes corporações” (WINCKLER apud STARLING, 2006, p. 24). Além da

introdução de temáticas polêmicas, a série investiu em recursos dramáticos para tornar

a narrativa mais densa e complexa. Os cliffhangers passaram a ser usados com

frequência como forma de manter o interesse do público, o qual precisaria retornar toda

semana51 para compreender o desenrolar dos acontecimentos. A partir da segunda

temporada, os episódios de Dallas deixaram de funcionar como unidades fechadas em

si mesmas (com início, meio e fim) para se tornar histórias longas que se desenvolviam

no decorrer de diversos capítulos. Na estrutura dos seriados, a técnica foi uma

mudança significativa que os tornou mais complexos e ricos.

Confiando na capacidade do público de armazenar muitas informações sobre a

história ao longo do tempo, os roteiristas puderam inserir mais personagens na trama e

amadurecer a personalidade e o temperamento deles no decorrer da história, em uma

evolução dramática natural. Aqui reside a principal diferença entre as narrativas

ficcionais televisivas e o cinema: na televisão, o volume de informações que pode ser

trabalhado é imensamente superior ao dos filmes, os quais contam com somente cerca

de duas horas para desenvolver uma narrativa.

A novela Dallas foi a precursora de mudanças ainda mais profundas que

ocorreriam no formato televisivo a partir dos anos 1980. Já no início da década, a

popularização do videocassete, juntamente com o controle remoto televisivo, deu ao

51 Diferente do que acontece no Brasil, onde as telenovelas são exibidas de segunda a sábado,

independente do horário de transmissão, a periodicidade das soap operas norte-americanas varia de acordo com o turno no qual a atração é televisionada. As daytime soap operas são exibidas de segunda à sexta-feira, enquanto as evening soap operas geralmente são transmitidas uma vez por semana. Dallas encaixava-se na segunda categoria. Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Soap_opera. Acesso em: 16 dez. 2009.

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público o poder de escolher o que e quando assistir com um esforço consideravelmente

menor do que antes: se o telespectador não achava o programa interessante, podia

mudar de canal com apenas um toque, e se não estivesse interessado em assistir a

uma série no horário determinado pela emissora, podia optar por gravar a atração e

assisti-la quando quisesse, quantas vezes quisesse. A alteração no comportamento da

audiência fez as emissoras amadurecem as fórmulas narrativas seriais, buscando

capturar a atenção do público.

Foi também durante a década de 1980 que as emissoras de rede fechada

começaram a ganhar destaque. Até então, canais como a HBO (Home Box Office) já

atraiam assinantes simplesmente por transmitirem filmes em qualidade de imagem

superior comparados ao acabamento das séries exibidas pelas três maiores redes

abertas – ABC, CBS e NBC (STARLING, 2006). A partir da metade dos anos 1980, a

HBO passou a produzir conteúdo ficcional próprio e deu total autonomia para os

produtores e roteiristas na criação de novos seriados, estimulando abordagens

ousadas e inovadoras. Nos anos 1990, o resultado dessa busca por um diferencial

criativo tornou-se notável em programas como Oz52 (HBO, 1997-2003), Sex and the City53 (HBO, 1998-2004), Família Soprano54 (The Sopranos, HBO, 1999-2007) e,

mais recentemente, A Sete Palmos55 (Six Feet Under, HBO, 2001-2005) e True

Blood56 (HBO, 2008-presente). Seguindo a linha da HBO, outras emissoras pagas

também investiram em temáticas adultas e tratamentos inéditos na televisão.

52 Oz mostra o cotidiano na prisão de segurança máxima Ozwald State Correctional Facility, ou

simplesmente Oz, e aborda temas como violência, sexo, uso de drogas, pena de morte, religião e política, entre outros, em suas seis temporadas.

53 Baseada no livro homônimo da colunista e autora norte-americana Candace Bushnell, a série acompanha a vida sexual e amorosa de um grupo de amigas – três acima dos trinta anos; uma, acima dos quarenta – bem-sucedidas profissionalmente na Nova York do final dos anos 1990.

54 A Família Soprano conta a história de Anthony “Tony” Soprano (James Gandolfini), mafioso de origem italiana que procura ajuda de uma psiquiatra para aprender a lidar com os problemas familiares e com os negócios da organização criminosa que chefia.

55 A Sete Palmos acompanha o dia-a-dia da família Fisher, dona da Fisher & Sons Funeral Home, casa funerária herdada por Nathaniel “Nate” Fisher Jr. (Peter Krause) e David Fisher (Michael C. Hall) após a morte do pai. O drama trata de assuntos como morte, homossexualismo, infidelidade e religião.

56 True Blood é baseada na série de livros Southern Vampires (2001), da escritora norte-americana Charlaine Harris, e conta a história de Sookie Stackhouse (Anna Paquin), garçonete telepata que se apaixona pelo vampiro Bill Compton (Stephen Moyer), na fictícia cidade de Bon Temps, em Louisiana, onde humanos e vampiros coexistem pacificamente.

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Atualmente, a Showtime aborda tramas controversas em séries como The L Word57

(Showtime, 2004-2009), Weeds58 (Showtime, 2005-presente) e Dexter59 (Showtime,

2006-presente).

Ainda nos anos 1980, a produção de programas singulares nas emissoras de TV

a cabo impulsionou a busca por transformações na estrutura narrativa dos seriados na

rede aberta. Da mesma forma que a TV, ao se transformar em mídia de massa, liberou Hollywood para sair em busca de públicos mais específicos, a popularização do acesso a TVs a cabo, ao provocar a divisão da audiência em muitas partes, estimulou a TV a fazer o mesmo. As redes de TV, assim como os cineastas, deixaram de lado seus próprios códigos de produção assim que sua audiência começou a encolher (STARLING, 2006, p. 21).

É nesse contexto que surge Hill Street Blues (NBC, 1981-1987), considerada

um marco na história das séries televisivas, por seu “inegável valor estético, força

dramatúrgica e penetração crítica” (MACHADO, 2005, p. 22). O programa criado por

Steven Bochco60 e Michael Kozoll61 acompanhava o cotidiano dos oficias de uma

delegacia de polícia no fictício bairro nova-iorquino de Hill Street, inspirado na realidade

pobre e violenta do Bronx. Com 147 episódios exibidos ao longo de sete temporadas, a

série percorreu diversos gêneros – como ação policial, humor, dramas pessoais e

crítica social – e propôs mudanças na forma e no conteúdo dos seriados ficcionais da

televisão.

As mudanças no âmbito estético em Hill Street Blues apresentaram-se no uso

de técnicas documentais de filmagem para a criação de um efeito de realidade no que

se exibia. De acordo com Machado, “câmeras no ombro, iluminação natural,

57 Série dramática sobre grupo de amigas lésbicas e bissexuais que vivem na área de West Hollywood,

na cidade de Los Angeles, Califórnia. 58 Weeds conta a história de Nancy Botwin (Mary-Louise Parker), dona de casa viúva que vive no

subúrbio da Califórnia e torna-se traficante de maconha da vizinhança para sustentar os filhos. 59 Seriado dramático sobre Dexter Morgan (Michael C. Hall), serial killer que segue um rígido código

moral – ele só mata outros assassinos. Dexter trabalha como analista forense especialista em padrões de dispersão de sangue no departamento de polícia do Condado de Miami-Dade, na Flórida.

60 Steven Bochco é criador, produtor-executivo e roteirista das séries L.A. Law (NBC, 1986-1994), Nova York Contra o Crime (NYPD Blue, ABC, 1993-2005) e Commander in Chief (ABC, 2005-2006), entre outras.

61 Michael Kozoll é roteirista e trabalhou no cinema em produções como Rambo – Programado para Matar (First Blood, 1982), de Ted Kotcheff, e Aprendiz de Feiticeiro (The Hard Way, 1991), de John Badham.

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enquadramentos descuidados, negativo granulado, abundância de planos-sequência”

(2005, p. 48) foram construções utilizadas para valorizar o visual realista das histórias.

A contribuição mais significativa da série, no entanto, foi a mudança na estrutura

narrativa dos episódios. Ao contar a jornada de mais de dez protagonistas, feito até

então inédito para uma série ficcional televisiva, Hill Street Blues introduziu o formato

das “narrativas múltiplas entrelaçadas e abertas, com uma complexa galeria de

personagens e situações” (MACHADO, 2005, p. 48). A série passou a desenvolver as

tramas em uma estrutura narrativa modular (STARLING, 2006) com histórias que

recorriam a acontecimentos de episódios anteriores, não eram concluídas em um único

segmento narrativo e só seriam retomadas mais tarde na temporada. A estrutura é

baseada em dois níveis, nos quais “cada episódio possui uma trama principal completa

e uma ou várias tramas secundárias, que serão desenvolvidas ao longo da temporada

ou até mesmo ao longo da série” (STARLING, 2006, p. 27).

A narrativa modular permite que pequenas nuances tanto da personalidade dos

protagonistas quanto da própria história sejam aprofundadas no decorrer da passagem

do tempo, de forma menos imediata do que em formatos como o cinema – e é isso que

torna as séries mais interessantes e mais complexas. Ao explorar as possibilidades

narrativas da estrutura modular, Hill Street Blues inaugurou os ensemble shows,

séries com grande número de protagonistas, nas quais o enfoque é desviado de um

único personagem para recair sobre todo o grupo de pessoas relacionadas diretamente

à história. Séries assim não são guiadas tanto pelo conceito do seriado [chamado

formula show, como o programa C.S.I.62 (CBS, 2000-presente)] quanto são conduzidas

pelos desdobramentos psicológicos dos protagonistas (character-driven), com atenção

especial dada pelos roteiristas aos acontecimentos marcantes e aos padrões de

comportamento ao longo da vida das personagens (STARLING, 2006).

62 C.S.I.: Crime Scene Investigation é uma série criminal dramática sobre grupo de cientistas forenses

do departamento de polícia da cidade de Las Vegas, em Nevada. O programa já gerou dois spin-offs (séries derivadas): C.S.I.: Miami (CBS, 2002-presente) e C.S.I.: NY (CBS, 2004-presente). C.S.I. é guiada por seu conceito de série investigativa, ou seja, os assassinatos são apresentados e desvendados ao longo de um único episódio, com algumas exceções ao longo das temporadas. Nesse tipo de formato, o desenvolvimento psicológico das personagens ocorre de forma mais gradual do que nas séries definidas como character-driven, já que mais tempo é dedicado para focar nas questões pontuais de cada episódio – como a resolução de um crime, no caso de C.S.I..

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Desse modo, as personagens passam a ser pessoas com uma história

completa, com uma vida marcada por decepções, esperanças, crenças, sofrimento e

alegria. A complexidade psicológica da narrativa desperta a identificação do público

com os dramas encenados na televisão e alimenta a necessidade humana primordial

por histórias que nos relacionem com o resto do universo. Ao analisar as maiores

religiões e culturas do mundo, Joseph Campbell identificou uma estrutura comum, o

monomito, compartilhado por pessoas de diferentes épocas e origens por meio do qual

procuramos “harmonizar nossas vidas com a realidade” (1990, p. 4). Para Campbell, os

“mitos são histórias de nossa busca da verdade, de sentido, de significação, através

dos tempos” (1990, p. 5). Murray afirma que a narrativa é um dos mecanismos cognitivos primários para a

compreensão do mundo. É também um dos modos fundamentais pelos quais construímos comunidades, desde a tribo agrupada em volta da fogueira até a comunidade global reunida diante do aparelho de televisão. Nós contamos uns aos outros histórias de heroísmo, traição, amor, ódio, perda, triunfo. Nós nos compreendemos mutuamente através dessas histórias, e muitas vezes vivemos ou morremos pela força que elas possuem (MURRAY, 2003, p.9)

Ao abordar as narrativas no suporte televisivo, Starling (2006) argumenta que o

aprofundamento das questões emocionais e psicológicas das personagens fez com

que as séries despontassem como principal meio do espectador analisar e

compreender os próprios dramas pessoais. “As séries de TV ocuparam um gigantesco

buraco subjetivo deixado aberto pela ficção literária, à medida que as pessoas

reduziram seu interesse pela leitura” (STARLING, 2006, p. 39), de modo que “criadores

e roteiristas, há pelo menos uma década, terem-nas transformado no mais fiel espelho

da sociedade hoje disponível na cultura de massas” (STARLING, 2006, p. 43).

É justamente essa complexidade narrativa que as séries começam a

amadurecer a partir de Hill Street Blues. Segundo Johnson (2005), o programa iniciou

uma espécie de exercício mental para quem assistia a seriados televisivos, ao

aumentar a quantidade de trabalho cognitivo necessário para acompanhar as diversas

ramificações que a história central tinha desenvolvido. Hoje, mais de vinte anos depois

da estreia de Hill Street Blues, o esforço do telespectador não está concentrado

apenas em entender a trama, mas também em analisar as informações oferecidas nos

episódios e, a partir de suas conclusões, preencher as lacunas que foram

deliberadamente deixadas abertas. Para Johnson (2005), o mais surpreendente é que

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quanto mais as narrativas ficam complexas, mais o público gosta. “Os programas mais

exigentes com o público também se revelaram como os mais lucrativos da história da

televisão”63 (JOHNSON, 2005, p. 65). Lost é atualmente um dos exemplos mais

significativos do engajamento do público em acompanhar e tentar compreender os

elementos misteriosos da trama. O movimento da audiência em direção a programas

mais complexos também iniciou com Hill Street Blues – a série foi a primeira a atrair o

público predominantemente adulto, na faixa dos 18 aos 49 anos.

As profundas mudanças técnicas, estéticas e de conteúdo introduzidas pela

série deram origem à denominação quality television, termo concedido à M.T.M.

Enterprises pelo British Film Institute64 na publicação M.T.M.: Quality Television65

como forma de reconhecimento pela abordagem diferenciada da produtora em

programas televisivos, especialmente no seriado policial. De acordo com Machado,

depois de Hill Street Blues ser considerada “televisão de qualidade”, o termo “passa

(...) a ser uma expressão rapidamente tomada como bandeira para uma abordagem

diferenciada na televisão, logo adotada por estudiosos e críticos” (2005, p. 22). O

reconhecimento ao trabalho realizado no seriado encorajou a criação de projetos

inovadores nas outras emissoras, o que resultou no nível de qualidade que as séries

televisivas alcançaram hoje. “Vinte e cinco anos depois do início de Hill Street Blues

[...], o gênero de ‘TV de qualidade’ ocupa quase toda a grade. O sucesso de Lost é

apenas mais um exemplo disso” (STARLING apud MOREIRA, 2007).

A quality television também atraiu diretores renomados do cinema para a

televisão, como o cineasta norte-americano David Lynch. Acompanhado de Mark Frost

– roteirista de Hill Street Blues –, Lynch criou Twin Peaks (ABC, 1990-1991), série

que acompanhava a investigação do agente especial do FBI Dale Cooper sobre o

assassinato de uma jovem estudante chamada Laura Palmer, na cidade de Twin

63 The shows that have made the most demands on their audience have also turned out to be among the

most lucrative in television history (tradução da autora). 64 O British Film Institute é uma organização criada para promover a compreensão e a apreciação da

cultura e da herança televisiva e cinematográfica britânica. O BFI organiza festivais cinematográficos anuais em Londres, apóia iniciativas educacionais na área do cinema, publica revistas, livros e DVDs, mantém salas de cinema e guarda o maior arquivo cinematográfico do mundo, o BFI National Archive, o qual conta com mais de 750 mil obras, entre filmes de ficção, documentários e séries televisivas. Fonte: http://www.bfi.org.uk/about/. Acesso em: 16 dez. 2009.

65 FEUER, Jane; KERR, Paul; VAHIMAGI, Tise (orgs.). M.T.M.: Quality Television. Londres: British Film Institute, 1984.

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48

Peaks, no interior do estado de Washington. Assim, iniciou-se “um verdadeiro

desenrolar de fatos inusitados e bizarros e acontecimentos fantásticos, que acabam

mostrando que todos ali têm algo a esconder” (FERRARAZ, 2007, p. 2). Lynch,

responsável por obras polêmicas no cinema, como Veludo Azul (Blue Velvet, 1986) e

A Cidade dos Sonhos (Mulholland Drive, 2001), levou a excentricidade de suas

obras cinematográficas para a televisão (PEREIRA, 2008), montando em Twin Peaks

um “universo instigante, repleto de anormalidade, de perversões e baixos instintos mal

dominados” (STARLING, 2006, p. 31) e mobilizando o público com a pergunta “Quem

Matou Laura Palmer?”.

O sucesso da série foi favorecido por um fenômeno emergente no início da

década de 1990, um que revolucionaria o fluxo de informações entre pessoas de todo

mundo alguns anos mais tarde, e que também teria imenso impacto na forma de se

contar histórias no final do século XX e início do século XXI: a internet.

Apenas algumas semanas após a estreia de Twin Peaks na televisão, diversos

fãs reuniram-se em comunidades de interesse online para discutir teorias e especular

sobre o assassinato de Laura Palmer. A narrativa cercada de mistérios impulsionava os

fãs a investigar as referências usadas nos episódios, postar artigos de jornais e de

revistas que encontravam sobre a série, gravar os episódios, usando videocassetes, e

analisar as cenas quadro a quadro em busca de pistas, e mapear todos os

acontecimentos referentes à história em busca de respostas. Uma dessas

comunidades, alt.tv.twinpeaks, logo se tornou “uma das maiores e mais ativas listas de

discussões do início da internet, atraindo, segundo estimativas, 25 mil leitores (embora

um número substancialmente menor de pessoas postasse mensagens)” (JENKINS,

2008, p. 60).

Os fãs começavam a descobrir as potencialidades de trabalharem juntos por

meio da internet; com cada pessoa contribuindo com um pequeno pedaço de

informação, ou com uma nova hipótese, os membros da comunidade tinham mais

chances de decifrar o enigma proposto na televisão. Ao final de cada episódio, eles

conectavam-se a internet e emitiam opiniões sobre a história da semana, tentavam

prever o que aconteceria ao longo da temporada e criavam argumentos cada vez mais

elaborados para justificar os acontecimentos da série.

Page 49: Através do Espelho - Aprofundamento do Universo Ficcional de Lost por Meio da Narrativa Transmidiática

49

Para os fãs que participavam das comunidades de interesse sobre Twin Peaks,

a expectativa em torno da resolução do gancho central da história tornou-se grande

demais, a ponto de muitas pessoas ficarem decepcionadas com o desfecho da

narrativa. O trabalho em conjunto dos membros das comunidades implicou novas

exigências por parte do público em relação à complexidade da trama. Munidos com

uma memória virtual comum, uma base de dados online onde podiam arquivar toda e

qualquer informação sobre o programa, os fãs tinham condições de não só

acompanhar a intrincada história, mas também de elaborar teorias conspiratórias mais

aprofundadas do que a narrativa que viam desenrolar-se semanalmente na televisão.

Já na segunda temporada, a série começou a perder audiência, principalmente devido

à insistência da emissora ABC em adiar a revelação do assassino – e, assim, tentar

manter o público interessado na história. Frustrado com a falta de respostas, grande

parte dos espectadores comuns, aqueles que só assistiam à série pela televisão,

abandonou o programa (PORTER e LAVERY, 2007); para os fãs mais engajados, Twin

Peaks perdeu o apelo porque se tornou previsível demais. Do ponto de vista dos

criadores da série, o comportamento dos fãs era algo até então inédito e, portanto,

difícil de corresponder. Eles precisariam explorar novas formas de contar histórias para

satisfazer o tipo de consumidor de produtos midiáticos que surgiu com o advento da

internet. A televisão, em especial, “teria de se tornar mais sofisticada se não quisesse

ficar atrás de seus espectadores mais comprometidos” (JENKINS, 2008, p. 62). Uma

alternativa surgiria com a expansão do universo narrativo ficcional a partir da televisão

para diversos outros suportes midiáticos, item que será tratado no próximo tópico.

2.2 A TELEVISÃO COMO PONTO DE PARTIDA PARA A TRANSMIDIALIDADE

Enquanto a participação dos fãs em comunidades de interesse aos poucos

alterava a forma como eles consumiam os programas de ficção serial televisiva,

mudanças significativas começavam a ocorrer no processo de produção de narrativas

com a criação de novas estratégias para envolver o público e aprofundar a história,

Page 50: Através do Espelho - Aprofundamento do Universo Ficcional de Lost por Meio da Narrativa Transmidiática

50

especialmente por meio da internet. Aspectos dessa narrativa desenvolvida em mais de

um suporte midiático surgiram primeiro no âmbito cinematográfico, durante a

divulgação do filme A Bruxa de Blair (The Blair Witch Project, Daniel Myrick e

Eduardo Sánchez, 1999), fenômeno mundial que já fazia sucesso entre os usuários da

rede mundial de computadores um ano antes de ser lançado nos cinemas. O longa-

metragem acompanha os últimos cinco dias de vida de três estudantes universitários

que desapareceram depois de entrar na floresta de Burkittsville, no estado norte-

americano de Maryland, na tentativa de gravar um documentário sobre a bruxa que

supostamente vivia no local. Um ano depois do desaparecimento dos jovens, as

imagens gravadas por eles na floresta foram encontradas. Apesar de ser uma obra

ficcional, o filme foi editado no estilo de um documentário criado a partir das filmagens

dos estudantes. O site de divulgação66 do filme foi elaborado para alimentar ainda mais

a atmosfera de realidade em torno da Bruxa de Blair: uma linha do tempo demarca os

principais eventos na história da lenda, de 1875 a 1997, data em que as imagens

gravadas na floresta teriam sido entregues à produtora Haxan Films para serem

transformadas em filme. Sessões da página disponibilizam trechos das filmagens e,

como ilustra a figura 7, gravações em áudio e fotografias dos três universitários, das

investigações policiais e dos itens que supostamente haviam sido encontrados pela

polícia na floresta – entre eles, um diário de Heather, diretora do documentário sobre a

Bruxa de Blair, com anotações sobre os últimos dias de vida dos jovens.

66 http://www.blairwitch.com/. Acesso em: 16 dez. 2009.

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51

Figura 7: Seção do site mostra fotos e registros em áudio e em vídeo que supostamente haviam sido encontradas pela polícia na floresta de Burkittsville. Fonte:

http://www.blairwitch.com/legacy.html. Acesso em: 16 dez. 2009.

Todos esses elementos serviam ao propósito de criar uma história convincente

sobre a lenda da Bruxa de Blair. A página da web atraiu uma base de fãs para o projeto

e demonstrou o potencial de envolvimento do público com a narrativa que até então

não havia sido explorado. Pela primeira vez, investia-se na criação de um conteúdo

ficcional que fluía em mais de um suporte midiático (no cinema e na internet) e

demonstrava-se que parte da audiência estava disposta a dedicar tempo e esforço em

busca dessas informações (JENKINS, 2008).

O sucesso de A Bruxa de Blair inspirou outras iniciativas de integração de

conteúdo em diversos suportes midiáticos; na televisão, as emissoras passaram a

investir em meios de usar a internet como forma de promover as séries e de oferecer

informações exclusivas para os espectadores. Com isso em mente, a produtora Sony

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Pictures Entertainment criou o site67 da série Dawson’s Creek (The WB, 1998-2003)68

como uma extensão do universo ficcional transmitido nos episódios semanais. Além

dos elementos básicos para uma página de web sobre seriados (perfil das

personagens principais, do elenco e da equipe de produção, galeria de fotos, guia de

episódios, trailers de episódios que seriam exibidos nas semanas seguintes, cenas

deletadas das edições finais, entrevistas e opção de download de screensavers e de

wallpapers para o computador), o site também permitia ao fã explorar o mundo ficcional

de Dawson’s Creek, o qual era apresentado online como uma extensão da realidade.

Um link direcionava os usuários para a página da fictícia cidade de Capeside, no

estado norte-americano de Massachusetts, cenário do programa. Na quinta temporada

da série, as personagens principais deixaram Capeside para estudar em faculdades de

outros estados, e as universidades fictícias nas quais eles ingressaram também

ganharam páginas na web. Para Bandy (2007), o site de Dawson’s Creek destacou-se

não só pela variedade de conteúdo, mas também pelos muitos elementos que criavam

a sensação de que o universo da série realmente existia. O site de Capeside, por

exemplo, era baseado no modelo de página de uma cidade de verdade, incluindo links

para os negócios locais – como um que levava o usuário para a pousada da família de

Joey Potter, interesse amoroso do personagem-título.

No entanto, a verdadeira inovação introduzida pelo site de Dawson’s Creek foi a

seção Dawson’s Desktop, página que permitia ao usuário explorar a área de trabalho

dos computadores dos protagonistas e acessar seus e-mails, diários, trabalhos

escolares e até mesmo a lixeira e os bilhetes trocados em sala de aula. A Figura 8

mostra o Desktop de Joey Potter quando ela estava na faculdade. Na época, Joey

havia se envolvido com o professor universitário David Wilder (Ken Marino), e seu

desktop mostrava o diário e a caixa de e-mails da personagem, ambos mencionando o

relacionamento dela com o professor.

67 http://www.dawsonscreek.com. Os elementos do site descritos neste texto estavam em funcionamento

quando a série ainda estava no ar. Depois do cancelamento de Dawson’s Creek, algumas seções da página foram retiradas.

68 Série direcionada ao público adolescente sobre a juventude de Dawson Leery (James Van Der Beek) e seu grupo de amigos, Joey Potter (Katie Holmes), Pacey Witter (Joshua Jackson), Jen Lindley (Michelle Williams) e os irmãos Jack (Kerr Smith) e Andie (Meredith Monroe) McPhee, em uma pequena cidade da costa leste norte-americana.

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53

Figura 8: Desktop de Joey Potter mostra caixa de e-mails e diário da personagem. Fonte:

http://www.flickr.com/photos/urlgrl/2859873021/. Acesso em: 15 dez. 2009.

O site funcionava em esquema de rodízio, apresentando o desktop de cada uma

das personagens a cada semana, todos com wallpapers e ícones devidamente

personalizados de acordo com as preferências de cada protagonista. Dawson’s

Desktop era atualizado todos os dias com conteúdo narrativo adicional sobre a vida das

personagens. Os roteiristas do site, os quais trabalhavam em conjunto com os da série,

expandiam o enredo que estava em andamento na temporada e criavam arcos

narrativos exclusivos online. Em alguns casos, os protagonistas trocavam e-mails com

personagens que, alguns dias ou semanas depois, apareciam para uma visita na série.

O conceito de Dawson’s Desktop corresponde ao que Murray (2003) chama de

hiperseriado; imaginando as possibilidades narrativas oportunizadas pela interação no

ciberespaço, a autora sugeriu a criação de ambientes online os quais funcionaram com

uma extensão do conteúdo televisionado, onde seria possível aprofundar linhas

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narrativas, dar pistas sobre acontecimentos futuros e desenvolver histórias mais

substanciais para personagens secundários: Preenchendo as lacunas da narrativa dramática – espaços vazios que

impedem que os espectadores acreditem totalmente nos personagens – e apresentando situações que não se resolvem dentro dos ritmos das séries de televisão, o arquivo hiperseriado poderia estender a melodramática ficção televisiva a um universo narrativo mais complexo (MURRAY, 2003, p. 238-239).

De acordo com os produtores do site, Dawson’s Desktop foi desenvolvido tanto

para manter os telespectadores envolvidos com a série no período entre os episódios

quanto para aprofundar a sensação de proximidade dos fãs com a história, os quais

ganhavam acesso a dimensões mais complexas das interações sociais entre as

personagens (BANDY, 2007; JENKINS, 2008). Os fãs eram convidados não só a

acompanhar as histórias que se desenrolavam por meio do site, mas também a

interagir com os protagonistas, enviando-lhes e-mails como se fossem colegas de aula.

De acordo com Chris Pike, um dos criadores de Dawson’s Desktop, os produtores

criaram um conselho consultivo formado por 25 sites de fãs, com o objetivo de saber se

eles estavam satisfeitos com o conteúdo do site, e assim “integraram a energia criativa

da comunidade de fãs ao desenvolvimento de novos conteúdos, o que, por sua vez,

sustentou o interesse dos fãs” (JENKINS, 2008, p. 163).

Explorar o conteúdo narrativo por meio da internet foi o primeiro passo em

direção a uma estratégia ainda mais inovadora no modo de se desenvolver histórias

em universos ficcionais, a narrativa transmidiática, a qual seria empreendida de forma

inédita pela franquia Matrix, idealizada pelos irmãos Andy e Larry Wachowski. O

primeiro filme da trilogia (Matrix, 1999) funcionou como porta de entrada em um

extenso e complexo mundo ficcional, repleto de diferentes camadas de significados e

de muito mais informações do que uma exibição cinematográfica de duas horas seria

capaz de reter. Na história do longa-metragem, o hacker Thomas “Neo” Anderson

(Keanu Reeves) descobre que o mundo no qual vive é, na verdade, uma simulação

gerada por computador. Quando é retirado da Matrix – programa que cria a realidade

virtual na qual as pessoas são “conectadas” –, Neo aprende que a Terra fora

parcialmente destruída por uma guerra entre civilização humana e máquinas, e que a

maior parte dos humanos é utilizada como fonte de energia para o maquinário

dominante. Apenas uma cidade subterrânea, chamada Zion, ainda representa

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55

resistência ao domínio das máquinas, e é o destino de Neo – acompanhado de

Morpheus (Laurence Fishburne), Trinity (Carrie-Anne Moss) e dos outros tripulantes da

hovercraft69 Nabucodonosor – liderar o grupo na luta pela liberdade da raça humana.

Somente o primeiro dos três filmes já apresentava uma história que abria

possibilidades de múltiplas interpretações, uma obra de ficção científica repleta de

cenas de ação e de efeitos especiais, a qual incluía referências a textos literários,

filosóficos e mitológicos que abriam caminho para densas leituras sobre o significado

do universo ficcional. Matrix foi concebido como um produto cult, um universo ficcional

rico de personagens e de acontecimentos que podiam ser estudados, apreendidos e

citados pelos consumidores mais dedicados.

Matrix, no entanto, não se restringiu a apenas um filme. Além das duas

sequencias cinematográficas (The Matrix Reloaded e The Matrix Revolutions, ambos

de 2003), os irmãos Wachowski também produziram nove curtas-metragens de

animação (Animatrix, lançados em DVD em 2003), 26 histórias em quadrinhos online70

e três jogos eletrônicos – Enter The Matrix (2005), The Matrix Online (2005) e The

Matrix: Path of Neo (2005). Os produtos midiáticos vinculados a Matrix exemplificam

o que Jenkins chama de franquia, ou seja, a “operação coordenada para imprimir uma

marca e um mercado a um conteúdo ficcional, no contexto dos conglomerados

midiáticos” (2008, p. 336).

Na franquia criada pelos irmãos Wachowski, os consumidores foram

incentivados a participar ativamente da construção de sentido do universo narrativo, ao

serem lançados em uma busca por conteúdo crucial para o entendimento da história

em diversos suportes midiáticos. Para compreender determinados aspectos do filme,

os espectadores precisariam jogar o jogo e assistir aos curtas animados. A batalha

entre máquinas e humanos ganhava profundidade narrativa quando os fãs liam as

histórias online, e personagens secundários ganhavam importância em tramas

paralelas que fluíam pelos produtos derivados da franquia.

Jenkins (2008) denomina esse processo de narrativa transmidiática. De acordo

com o autor,

69 Também conhecido como aerodeslizador, é uma espécie de veículo flutuador. 70 http://whatisthematrix.warnerbros.com/rl_cmp/comics_new_front.html. Acesso em: 16 dez. 2009.

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uma história transmidiática se desenrola através de múltiplos suportes midiáticos, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo. Na forma ideal de narrativa transmidiática, cada meio faz o que faz de melhor – a fim de que uma história possa ser introduzida num filme, ser expandida pela televisão, romances e quadrinhos, seu universo possa ser explorado em games ou experimentado como atração de um parque de diversões (JENKINS, 2008, p. 135).

De acordo com o autor, o impulso transmidiático está no centro daquilo que ele

chama de cultura da convergência, nova forma de relação entre produtores e

consumidores com os produtos midiáticos e entre si. Jenkins não se refere à

convergência como a união de múltiplas funções em um único aparelho – como no

caso de um celular que também reproduz arquivos de áudio e de vídeo e oferece

suporte para jogos eletrônicos –, mas sim como uma palavra que define mudanças tecnológicas, industriais, culturais e sociais no modo

como as mídias circulam em nossa cultura. Algumas das idéias comuns expressas por esse termo incluem o fluxo de conteúdos através de vários suportes midiáticos, a cooperação entre as múltiplas indústrias midiáticas, a busca de novas estruturas de financiamento das mídias que recaiam sobre os interstícios entre antigas e novas mídias, e o comportamento migratório da audiência, que vai a qualquer lugar em busca das experiências de entretenimento que deseja (JENKINS, 2008, p. 332-333).

Na cultura da convergência, um universo ficcional bem desenvolvido – e,

consequentemente, uma narrativa transmidiática bem-sucedida – sustenta diversas

histórias e envolve múltiplas personagens, podendo ser expandida em diferentes

suportes midiáticos. Um exemplo de Matrix ajuda a compreender como as histórias

contadas em diferentes suportes midiáticos adicionam novas camadas de significado à

narrativa: no filme The Matrix Reloaded (2003), as personagens comentam a

importância da última mensagem enviada pelos tripulantes da nave Osíris, a qual

alertava sobre o perigo iminente ao qual Zion estava exposta. Para quem apenas

assiste ao longa, não fica claro de que forma essa informação chegou aos

protagonistas; os espectadores que viram o curta-metragem animado The Final Flight

of the Osiris (2003), no entanto, sabem que a tripulação na nave Osíris sacrificou-se

para enviar a mensagem à Nabucodonosor. O curta termina com a protagonista, Jue,

deixando a carta em uma caixa de correio - no jogo Enter the Matrix (2005), a primeira

missão que os jogadores recebem é resgatar a mensagem do correio e entregá-la aos

protagonistas do filme. A nave Osíris e a mensagem deixada por ela ganham

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significados diferentes para quem participa da experiência narrativa nos três suportes

midiáticos.

Matrix representou uma ruptura no formato das narrativas atuais, pois foi a

primeira vez em que um produto de entretenimento exigiu tanto engajamento do

público para a compreensão da história. As peças do quebra-cabeça narrativo não

foram apresentadas todos de uma vez, ou mesmo em um único lugar, e para montar a

imagem completa, os espectadores precisaram agir como detetives em busca de pistas

em diferentes plataformas midiáticas. Em grande parte, esse movimento ativo dos fãs

deve-se à capacidade enciclopédica de universos narrativos complexos como o de

Matrix, pois eles oferecem grandes quantidades de informação e estimulam os

consumidores a explorações adicionais. Segundo Murray, a capacidade enciclopédica

“oferece aos escritores a oportunidade de contar histórias a partir de múltiplas

perspectivas privilegiadas, e de brindar o público com narrativas entrecruzadas que

formam uma rede densa e de grande extensão” (MURRAY, 2003, p. 89).

A complexidade dos universos ficcionais explorados por meio da narrativa

transmidiática exige que os fãs unam-se em comunidades de interesse para

compartilhar informações e opiniões sobre a história e reunir o conhecimento individual

de cada membro sobre o assunto. Muitas vezes, os membros de uma comunidade

criam novos conhecimentos em torno de uma temática sobre a qual não existem

especialistas reconhecidos no grupo, particularmente quando se trata de produtos

midiáticos de entretenimento como os da franquia Matrix. Lévy chama de inteligência

coletiva a “capacidade de comunidades de interesse de alavancar o conhecimento e a

especialização de seus membros, normalmente pela colaboração e discussão em larga

escala” (JENKINS, 2008, p. 327).

A troca de informações entre os membros das comunidades disponibiliza para o

intelecto coletivo todo o conhecimento existente no grupo sobre o objeto de interesse

comum em determinado momento. Esse movimento deve-se especialmente ao fato de

que hoje são colocadas em circulação muito mais informações do que uma única

pessoa consegue processar. O saber da comunidade pensante não é mais um saber comum, pois

doravante é impossível que um só ser humano, ou mesmo um grupo, domine todos os conhecimentos, todas as competências; é um saber coletivo por essência, impossível de reunir em uma só carne. (LÉVY, 1999, p. 181).

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Lévy denomina os produtos midiáticos capazes de elucidar investimentos

intelectuais comuns entre os consumidores de atratores culturais, expressão que define

“os modos como fãs e críticos se aglutinam em torno de textos considerados uma

oportunidade valiosa para a construção de significados e de avaliações“ (LÉVY apud

JENKINS, 2008, p. 330). Para Jenkins, produtos como a franquia Matrix também

podem ser considerados como ativadores culturais, “textos que funcionam como

catalisadores, desencadeando um processo de construção compartilhado de

significados” (2008, p. 330).

Tanto os atratores culturais de Lévy quanto os ativadores culturais de Jenkins

representam os produtos que instigam a curiosidade do público e que investem na

capacidade dos membros de uma comunidade de conhecimento de se envolver

emocionalmente com um produto de entretenimento. Muito do sucesso de franquias

midiáticas como Matrix, Star Wars, de George Lucas, e Harry Potter, de J. K.

Rowling, deve-se à dedicação e ao comprometimento de seus fãs mais inspirados com

a história que acompanham apaixonadamente. Aqui, o conceito de economia afetiva,

da área de marketing, aplica-se ao modo como os produtores midiáticos desenvolvem

produtos que apostam na capacidade de comprometimento dos consumidores: a

estratégia “enfatiza o envolvimento emocional dos consumidores com a marca como

uma motivação fundamental em suas decisões de compra” (JENKINS, 2008, p. 334). A

diferença é que, na narrativa transmidiática, o investimento financeiro dos fãs é

complementado – ou, em alguns casos, substituído – pelo investimento emocional em

um mundo ficcional.

Para que os produtos midiáticos provoquem tamanho envolvimento, no entanto,

é preciso que a obra não seja só uma história, mas sim um universo ficcional, rico e

complexo o suficiente para sustentar o desenvolvimento de toda uma franquia.

Segundo Jenkins, esse universo “deve ser detalhado o bastante para permitir o

surgimento de muitas histórias diferentes, porém suficientemente coerentes para que

cada história dê a impressão de se ajustar às outras” (2008, p. 332). Dividindo

informações do universo ficcional em diversas mídias, os produtores midiáticos

oferecem aos fãs possibilidades de compreensão adicional sobre a narrativa, uma

mudança de perspectiva oportunizada pela introdução de elementos complementares à

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história (JENKINS, 2008). Ao oferecer níveis de compreensão mais aprofundados, as

narrativas transmidiáticas também motivam ainda mais o consumo entre os fãs e

alimentam uma forte relação de cooperação entre os espectadores, tornando o

consumo de um produto de entretenimento um processo coletivo, no qual os membros

do público conseguem processar mais informações sobre a história juntos do que se

assistissem a ela individualmente.

Torna-se importante ressaltar, no entanto, que nem todos espectadores estão

preparados ou mesmo dispostos a participar do processo de construção de significados

de uma narrativa transmidiática. De modo geral, a participação em comunidades de

conhecimento ainda é uma atividade praticada por usuários mais jovens, os quais

cresceram jogando games eletrônicos e acessando a internet nas últimas décadas do

século XX e, portanto, desenvolveram habilidades cognitivas diferentes daquelas

cultivadas pelas gerações anteriores. Jenkins (2008) reforça que cada acesso à

narrativa transmidiática deve ser autônomo, ou seja, uma experiência não deve

depender da outra para fazer sentido ou ser apreciada – fica a critério do espectador

envolver-se profundamente com a história ou não. Para o autor, a franquia Matrix foi

considerada um fracasso pelos críticos porque pecou ao acreditar que todos os

espectadores investiriam tempo e energia tentando montar todas as camadas de

significado disponíveis nos produtos complementares. A maior parte da audiência ainda

não estava preparada para o tipo de experiência proporcionada pela narrativa

transmidiática. Como será demonstrado no próximo capítulo deste trabalho, os

produtores de Lost evitam a estratégia usada em Matrix, pois mantêm as informações

cruciais para o entendimento da série nos episódios exibidos semanalmente pela

televisão, deixando a compreensão adicional como opção para os fãs mais engajados

com a história.

Com a audiência ainda em período de adaptação ao novo modo de se contar

histórias, os produtores midiáticos de obras cinematográficas e, especialmente,

televisivas, começam a introduzir produções complementares com conteúdos mais

significativos do que os criados anteriormente. Séries de sucesso nos últimos anos,

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como ER71 (NBC, 1994-2009), C.S.I., e Grey’s Anatomy72 (ABC, 2005-presente),

ganharam jogos eletrônicos baseados em suas temáticas e personagens, nos quais o

usuário assume papel central em situações semelhantes às que ocorrem nas narrativas

dos seriados – no caso dos exemplos mencionados, o jogador pode atender pacientes

médicos nos hospitais County General Hospital ou Seattle Grace Hospital, ou participar

de investigações de assassinatos em Las Vegas. Personagens secundários das séries

The Office73 (NBC, 2005-presente) e 30 Rock74 (NBC, 2006-presente) têm episódios

para a web disponibilizados regularmente no site da emissora NBC. Em outubro de

2009, Dexter ganhou uma série animada online, Dexter: Early Cuts, a qual acompanha

o personagem-título em sua caça a três vítimas, as quais ele havia mencionado em um

dos episódios televisionados durante a primeira temporada. Os doze episódios para a

web foram disponibilizados semanalmente no site da emissora Showtime75 entre os

meses de outubro de 2009 e janeiro de 2010.

Há séries, no entanto, que já desenvolvem ações mais próximas do conceito de

narrativa transmidiática, como é o caso do programa televisivo Heroes76 (NBC, 2006-

presente). Hospedado na página da emissora NBC, o site oficial da série conta com a

seção Heroes: Evolutions77, dedicado inteiramente ao conteúdo adicional sobre o

universo e a história de Heroes, por meio de links que direcionam a episódios para a

web, histórias interativas em formato de jogo, nas quais as decisões do usuário

influenciam no destino das personagens (iStory), uma série de histórias em quadrinhos

71 Drama médico sobre cotidiano de médicos e enfermeiros que trabalham no pronto-socorro do County

General Hospital na cidade de Chicago, em Illinois. 72 Grey’s Anatomy acompanha a vida de estudantes internos, residentes e atendentes no fictício Seattle

Grace Hospital, em Seattle, Washington. O título é uma brincadeira com o nome da protagonista, Meredith Grey (Ellen Pompeo), e o famoso livro Anatomia de Gray, do cirurgião britânico Henry Gray.

73 Série de comédia em formato de falso documentário sobre o dia-a-dia da fictícia empresa Dunder Mifflin Paper Company e seus funcionários. A série é baseada na versão inglesa de The Office (BBC-2, 2001-2003), criada por Ricky Gervais e Stephen Merchant.

74 Comédia sobre Liz Lemon (Tina Fey), a roteirista-chefe do fictício programa de variedades da NBC TGS with Tracy Morgan que precisa lidar com o ego dos protagonistas, Tracy Morgan e Jenna Maroney (Jane Krakowski), e com Jack Donaghy (Alec Baldwin), executivo da emissora que introduz novas estratégias de marketing no programa. 30 Rock é uma alusão a 30 Rockfeller Center, endereço dos estúdios da NBC em Nova York.

75 http://www.sho.com/site/dexter/earlycuts/home.do. Acesso em: 16 dez. 2009. 76 Heroes acompanha a história de um grupo de pessoas que, após um eclipse solar, descobre ter

habilidades especiais, como capacidade de manipular o tempo, telepatia e habilidade de voar. A cada temporada, elas encontram-se unidas pela missão de evitar algum desastre global, geralmente previsto por um personagem pintor com poder de prever o futuro.

77 http://www.nbc.com/heroes/evolutions/. Acesso em: 16 dez. 2009.

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61

online78 – que podem ou ser assistidas em formato de série animada, ou ser baixadas

para o computador, em versão para impressão – páginas da web de empresas e de

personagens mostradas na série e uma Wikipédia sobre o programa, a Heroes Wiki79,

entre outros segmentos. Outro exemplo bem-sucedido de conteúdo criado para outras

mídias é o seriado Lost, o qual será analisado no próximo capítulo.

No Brasil, uma das primeiras iniciativas transmidiáticas televisivas é a minissérie

infanto-juvenil [email protected], da Rede Globo. A primeira temporada do programa foi

transmitida durante o período de férias escolares de inverno, entre os dias 20 e 24 de

julho de 2009, e alimentou a investigação de um caso de vandalismo no condomínio

que abriga as personagens por meio de pistas e informações divulgadas

exclusivamente no site oficial81, hospedado na página da Rede Globo. Nesse período,

também foi produzida uma série de mini-episódios para a web82. Depois dos cinco

episódios exibidos na televisão e do conteúdo divulgado online, a narrativa de

[email protected] continuou sendo desenvolvida por meio de atualizações frequentes de

textos, fotos e vídeos no site do programa. Em dezembro de 2009, a série retornou à

televisão para a segunda temporada83.

Este capítulo tratou de dois tipos de narrativas, a televisiva e a transmidiática.

Em um primeiro momento, foram abordadas as transformações pelas quais as

narrativas seriadas televisivas passaram ao longo dos anos, desde o surgimento da

primeira sitcom, I Love Lucy, até o desenvolvimento de séries com múltiplos

personagens principais – as ensemble shows –, estrutura narrativa modular e histórias

com significados e personagens psicologicamente mais complexos.

78 Ao todo, já foram lançadas mais de 150 histórias em quadrinhos no site de Heroes; 80 delas foram

publicadas no Brasil em duas edições de capa dura (Heroes – Volumes 1 e 2) pela Editora Panini. 79 http://heroeswiki.com/Main_Page. Acesso em: 16 dez. 2009. 80 A série acompanha a amizade de B Menor (Vítor Mayer), Junior (Jefferson Goulart), Rita (Hanna

Romanazzi), Neca (Sarah Maciel) e Jô (Isabella Camero) no condomínio Praialândia. Ao grupo, unem-se os meninos da banda WWW, formada pelos irmãos Xande e Luke Werneck e os primos deles, Mateus, João e Pedro Werneck, a qual ensaia no condomínio onde se desenrola a série. A banda WWW existe fora do universo ficcional, por isso os jovens integrantes interpretam eles mesmos em [email protected].

81 http://geral.com.globo.com/. Acesso em: 16 dez. 2009. 82 Websérie Liga [email protected]: http://tvglobo.geral.globo.com/webseries. Acesso em: 16 dez. 2009. 83 Diferente do que ocorreu na transmissão da primeira temporada, os episódios da segunda temporada

de [email protected] foram exibidos aos domingos, entre os dias 13 de dezembro de 2009 e 10 de janeiro de 2010.

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62

Já na segunda parte do capítulo, discorreu-se sobre o conceito de narrativa

transmidiática, nova forma de se contar histórias na qual os segmentos narrativos de

determinado universo ficcional são apresentados em diversos suportes midiáticos, cada

um deles contribuindo de forma única para o entendimento da história. O conceito de

narrativa transmidiática está no centro daquilo que Jenkins chama de cultura da

convergência, novo paradigma no qual profundas mudanças sociais, culturais,

empresariais e tecnológicas ocorrem no modo como produtores e consumidores se

relacionam com as mídias.

A cultura participativa e a inteligência coletiva estão intimamente ligadas à noção

de cultura da convergência. A cultura participativa representa o movimento de

engajamento ativo de consumidores na criação e na circulação de novos conteúdos.

Eles passam a unir-se em comunidades de conhecimento para discutir sobre o objeto

de interesse que os aproximou, compartilhar informações e construir novos

conhecimentos sobre determinado universo. Essas comunidades de conhecimento

constituem o que Lévy (1999) chama de inteligência coletiva, ideia relacionada ao

potencial que a união virtual de consumidores tem de alavancar o intelecto individual,

ao reunir diversas pessoas com saberes diferentes em torno de um interesse comum,

para o qual elas estão dispostas a investir capital emocional e sobre a qual procuram

reunir o máximo de informação possível, tendo em vista o conhecimento potencial do

grupo.

A narrativa transmidiática surgiu no âmbito cinematográfico, mas as narrativas

ficcionais televisivas já estão desenvolvendo ações próprias no sentido de produzir

conteúdos adicionais sobre suas histórias, por meio de jogos, sites, histórias em

quadrinhos e episódios para a web, entre outros. A seguir, será analisado de que forma

a narrativa transmidiática está expressa no seriado Lost. Serão tratadas as escolhas

metodológicas deste trabalho e as categorias de análise escolhidas para, depois,

discorrer-se sobre como o conteúdo criado para os produtos complementares da série

apresenta novos pontos de vista e informações sobre o que é exibido nos episódios

televisionados semanalmente nas temporadas do seriado.

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63

3 PERCURSO METODOLÓGICO E ANÁLISE DA SÉRIE LOST

Para realizar o estudo de caso proposto, foi escolhida a segunda temporada de

Lost como fio condutor, porque se observa ser a temporada com o número mais

significativo de contribuições narrativas procedentes de outras mídias além da

televisiva.

A partir das considerações de Jenkins (2008) sobre a narrativa transmidiática,

foram definidas três categorias para avaliar as histórias desenvolvidas nas mídias

auxiliares de Lost: a presença de portais de acesso, a apresentação de novos

conteúdos ficcionais nas mídias complementares e a participação de consumidores em

comunidades de conhecimento.

Os portais de acesso foram identificados como a característica determinante

para expressão da narrativa transmidiática, pois é por meio deles que os consumidores

ganham acesso a informações adicionais sobre o universo narrativo.

A presença da narrativa transmidiática na segunda temporada de Lost é

estudada a partir da identificação de 13 portais de acesso entre o conteúdo da história

televisionada nos episódios da série e o das mídias complementares, entre as quais

foram selecionadas quatro para a análise: internet (site), celular (Lost: Missing

Pieces), ARG (The Lost Experience) e jogo eletrônico (Lost: Via Domus).

3.1 ESCOLHAS METODOLÓGICAS

Tendo em vista a compreensão do fenômeno da narrativa transmidiática em

Lost, optou-se por analisar o objeto empírico por meio do estudo de caso, o qual é um

método qualitativo caracterizado como “estudo profundo e exaustivo de um ou poucos

objetos, de maneira que permita seu amplo e detalhado conhecimento” (MACHADO e

PALACIOS, 2007, p. 204). O estudo de caso busca a compreensão dos eventos e, de

acordo com Yin, pode ser utilizado por diferentes motivos, “incluindo a simples

apresentação de casos individuais ou o desejo de chegar a generalizações amplas

Page 64: Através do Espelho - Aprofundamento do Universo Ficcional de Lost por Meio da Narrativa Transmidiática

64

baseadas em evidências ou estudos de caso” (YIN, 2005, p. 35). Nesta situação, o

mais importante é o que o caso sugere sobre o todo, e não o caso em si.

Como foi demonstrado no capítulo 1, a narrativa do seriado Lost não está

contida apenas no conteúdo televisionado nos episódios de cada temporada. Outros

suportes midiáticos são utilizados para aprofundar a experiência dos fãs com o

universo ficcional da série, e por esse motivo definiu-se Lost como o objeto a ser

observado na avaliação da forma como a narrativa transmidiática se expressa em um

produto de entretenimento.

Por meio da descrição de um processo particular (o caso de Lost), pretende-se

compreender o modo como a transmidialidade oferece diferentes camadas de

significado sobre o conteúdo do seriado para os consumidores que buscam

informações em diversas mídias. Yin afirma que, em estudos de caráter exploratório,

são adequadas perguntas na linha de “como” e “por que”, devido “ao fato de que tais

questões lidam com ligações operacionais que necessitam ser tratadas ao longo do

tempo, em vez de serem encaradas como meras repetições ou incidências” (2005, p.

25).

Lost e as narrativas desenvolvidas em seus suportes midiáticos auxiliares foram

observadas com o objetivo de mapear o uso da transmidialidade ao longo das

temporadas do seriado. Esta observação foi facilitada pelo fato da orientanda deste

trabalho ser fã de Lost e acompanhar a história da série há alguns anos e, portanto, já

estar familiarizada com o conteúdo dos episódios e de algumas das ações

desenvolvidas em outras mídias. No esquema representado pela Figura 9, a estrutura

da narrativa transmidiática de Lost em relação ao conteúdo apresentado nos episódios

televisivos é apresentada visualmente.

Page 65: Através do Espelho - Aprofundamento do Universo Ficcional de Lost por Meio da Narrativa Transmidiática

65

Figura 9: Esquema estrutural das narrativas complementares de Lost em relação à história central do seriado.

No centro da estrutura, na Área A, encontra-se o conteúdo canônico da série,

aquele que é televisionado semanalmente ao longo das temporadas. Agrupados por

tipo de suporte midiático, os produtos complementares da série estão organizados de

acordo com a contribuição narrativa que apresentam para Lost.

· Área B – DVDs e Internet

Os conteúdos disponibilizados por meio da internet e das coleções das

temporadas em DVDs encontram-se na base da estrutura, pois são os suportes que

dão sustentação ao universo da série. O material das coleções proporciona uma visão

aprofundada sobre os bastidores e a produção do programa – por meio do conteúdo

extra das coleções em DVD, por exemplo, os telespectadores podem ver as cenas que

Page 66: Através do Espelho - Aprofundamento do Universo Ficcional de Lost por Meio da Narrativa Transmidiática

66

foram deletadas da versão televisionada dos episódios e assim, conhecer um pouco

mais sobre as personagens:

· Um Pouco do Seu Tempo mostra mais da dinâmica do relacionamento

entre Charlie e Claire e do cuidado do casal com o bebê Aaron;

· em Qual é Sua História?, Libby (Cynthia Watros) revela para Hurley que

já foi casada três vezes;

· na cena Vocês Estão Bem?, Rose conta para Sun que tinha uma filha, a

qual faleceu.

Já as comunidades de conhecimento formadas na rede mundial de

computadores são, inegavelmente, a principal fonte de dados e informações sobre tudo

relacionado ao universo de Lost – a versão brasileira da Lostpédia84, ferramenta wiki85

focada inteiramente na série, contém mais de três mil artigos sobre assuntos como

episódios, personagens, atores, cenários, temas recorrentes, entre outros; na versão

em inglês86, existem mais de cinco mil e quinhentos artigos. Essas comunidades muitas

vezes constroem conhecimentos sobre elementos narrativos apenas mencionados

brevemente ao longo dos episódios. Na versão em inglês da Lostpédia, por exemplo,

existe um extenso artigo sobre a aparição de hieróglifos87 na série, bem como sobre o

possível significado deles. Em um dos tópicos do artigo, é revelado que parte da escrita

gravada na porta secreta da casa de Ben, vista no episódio The Shape of Things to

Come (4x10), pode ser traduzida como “convocar proteção” – no episódio, Ben está em

perigo quando abre a porta e, de alguma forma, “chama” o “monstro de fumaça” para

protegê-lo dos homens de Charles Widmore, contratados para tirar Ben da ilha. Esses

dados não estão disponíveis no episódio. Os telespectadores usam screen captures

das cenas, acessam o intelecto coletivo da comunidade – ao pedir ajuda para

especialistas e estudiosos da língua egípcia, por exemplo – e, assim, criam novos

conhecimentos para o grupo.

84 http://pt.lostpedia.wikia.com/wiki/Pagina_Principal. Acesso em: 16 dez. 2009. 85 Software colaborativo que permite a edição coletiva de documentos utilizando um sistema que não

necessita de revisão antes da publicação. O termo havaiano “wiki wiki” significa “super rápido”. 86 http://lostpedia.wikia.com/wiki/Main_Page. Acesso em: 16 dez. 2009. 87 http://lostpedia.wikia.com/wiki/Hieroglyphs. Acesso em: 16 dez. 2009.

Page 67: Através do Espelho - Aprofundamento do Universo Ficcional de Lost por Meio da Narrativa Transmidiática

67

· Áreas C e D – Celular e ARGs

Localizadas lado a lado da história central, as contribuições dos mini-episódios

para celular e dos ARGs muitas vezes apresentaram informações substanciais para o

entendimento de alguns aspectos da série ou revelaram pontos de vista até então

inéditos para os telespectadores. O mini-episódio So It Begins (13) mostra Christian

Shepard chamando o cachorro Vincent e pedindo a ele para acordar Jack, que está

deitado inconsciente na floresta momentos após a queda do avião na praia. Jack

acorda com o barulho feito por Vincent, na mesma cena que foi mostrada no episódio

Pilot Part I (1x01). Apesar de chegar morto à ilha (Jack estava levando o corpo do pai

para Los Angeles), Christian inexplicavelmente entrou em contato com alguns

sobreviventes na ilha ao longo das temporadas, e a cena do mini-episódio situa-o como

alguém que influencia o desenrolar dos acontecimentos no local.

No ARG FIND815 [(ver detalhes no item 1.2.5 Alternate Reality Games (ARGs)], a história do personagem Sam Thomas acabou apenas horas antes da

transmissão do episódio de estreia da quarta temporada, The Beginning of the End

(4x01), no dia 31 de janeiro de 2008. Na semana seguinte, o vídeo88 que registrava o

momento em que o ROV (Remotely Operated underwater Vehicle, ou Veículo

submarino Operado Remotamente) do Christiane I encontrava o avião da Oceanic

embaixo da água foi recriado e usado como base para a cena de abertura do episódio

Confirmed Dead (4x02)89. Na história do episódio, é revelado que corpos e destroços

de um avião foram plantados no fundo do mar para forjar a morte dos passageiros do

voo 815.

· Áreas E e F – Livros e Jogos Eletrônicos

Finalmente, no topo da Figura 9, pairando sobre a história principal, os livros e o

jogo Lost: Via Domus mostram a história de outros sobreviventes do acidente aéreo,

aqueles que aparecem apenas como figurantes nos episódios. A interação destas

88 Vídeo final do ARG FIND815. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=zGo1PqneIC0. Acesso

em: 16 dez. 2009. 89 Trecho disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=8Vvcobm-tkU. Acesso em: 16 dez. 2009.

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personagens secundárias com os protagonistas proporciona pequenos insights das

personalidades já conhecidas do público por meio da televisão, provocando a sensação

de aproximação entre elas e os consumidores. O trecho a seguir, do livro Lost: Sinais

de Vida, apresenta uma cena entre Hurley e Sawyer pouco antes da chegada de Jeff,

protagonista da história: Hurley examinou o chão com muita atenção. A tensão era opressiva. O

momento era de vida ou morte. Um erro de cálculo e tudo estaria perdido. - Você vai continuar ou não? – resmungou Sawyer, com impaciência. Hurley segurou o taco de golfe com firmeza e fez algumas tentativas

antes de dar uma tacada na bola. - A paciência é uma virtude, cara – disse Hurley. Ele puxou o taco para

trás, e então o abaixou fazendo um arco amplo e perfeito. A bolinha deslizou pelo longo declive, na direção de uma bandeirinha distante.

- Genial! – Hurley gritou, com voz triunfante. - Genial uma ova! – respondeu Sawyer. – Veja e aprenda. Quando Sawyer colocou a bolinha sobre o pequeno monte de areia,

uma voz gritou: - Tacada sensacional! Hurley e Sawyer se viraram, e viram Jeff se aproximando. - Oi, Jeff. Sawyer, esse é o Jeff. Jeff, Sawyer. Jeff ofereceu a mão, mas Sawyer apenas o cumprimentou ligeiramente

com um gesto de cabeça, e voltou a se virar para a bola. - Jogando aqui (THOMPSON, 2006, p. 114).

A personagem Jeff nunca foi mostrada nos episódios de Lost, mas os leitores

podem conhecê-lo por meio do livro e situá-lo em interações com os protagonistas da

série. O local onde eles estão – o campo de golfe – também foi apresentado aos

telespectadores em um episódio de Lost, Solitary (1x09). Nele, Hurley encontrou tacos

e bolas de golfe na bagagem de um dos passageiros do voo e decidiu montar o campo,

porque achou que os sobreviventes precisavam de uma distração na ilha.

No game Lost: Via Domus, quando Elliott Maslow, fotojornalista que

protagoniza o jogo, conversa com Locke sobre a natureza da ilha, é possível ver as

crenças da personagem da série em sua fala, de forma semelhante a como é mostrado

nos episódios. A figura 10 mostra um diálogo entre Elliott e Locke.

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69

Figura 10: No episódio 4 de Lost: Via Domus, chamado Forty-Two, o diálogo90 demonstra a fé de Locke nos poderes do destino e da ilha. Fonte: screen capture de Lost: Via Domus feito

pela autora.

Para quem assiste aos episódios da série, é possível identificar traços da

personalidade de Locke em Lost: Via Domus por meio de suas palavras e no modo

como expressa suas crenças.

Nos produtos das duas mídias, também é possível acompanhar acontecimentos

vistos nos episódios pelo ponto de vista das personagens figurantes. No livro Lost:

Risco de Extinção, Kate conversa com a protagonista, Faith, e com Locke e refere-se

à tentativa de transmissão via rádio de um pedido de socorro realizada no episódio

Pilot Part II (1x02):

90 Você acha que caímos aqui por coincidência? Esse não é um lugar comum. Cada um de nós foi

trazido até aqui por um motivo. É por isso que você precisa lembrar quem você é. (Tradução da autora).

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70

- Oi, meu nome é Kate. – Ela protegeu os olhos com uma mão e parou na frente de Faith e de Locke. – Vocês estão vasculhando a bagagem, não é? Preciso de uma mochila. Alguma coisa leve, mas resistente.

- Mochila? – Faith a olhou sem entender, ainda meio perdida em seus próprios pensamentos. – Por quê?

Kate pareceu um pouco surpresa por ser questionada. – Vamos fazer uma caminhada – respondeu. – Sayid e eu.

Para Faith, aquilo não era bem uma resposta. Quem faria uma caminhada uma hora dessas? Mas não conseguiu se importar o suficiente para perguntar mais. Se Kate e Sayid queriam se arriscar a perder o avião de resgate por estarem se aventurando pela selva, era problema deles (HAPKA, 2006, p. 106).

Assim como Jeff, de Lost: Sinais de Vida, Faith também não foi apresentada

nos episódios da série, mas aqui a personagem é mostrada interagindo com os

protagonistas, e a presença dela é contextualizada em relação a um dos

acontecimentos exibidos nos episódios televisionados.

Decidiu-se delimitar uma temporada de Lost para avaliar a expressão da

narrativa transmidiática no seriado. O conteúdo da segunda temporada foi escolhido

como orientação para o estudo, porque se observou ser a temporada com o número

mais significativo de contribuições narrativas oriundas de outras mídias além da

televisiva. Para a realização da análise, foram identificados quatro suportes midiáticos

complementares: internet (site), celular (Lost: Missing Pieces), ARG (The Lost

Experience) e jogo eletrônico (Lost: Via Domus). A Figura 11 ilustra as mídias

complementares que contribuíram com a narrativa da segunda temporada, as quais

estão destacadas na imagem e serão analisadas no próximo item.

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71

FIGURA 11: Relação dos suportes midiáticos cujas histórias complementam a narrativa da segunda temporada de Lost destacada em negrito.

Tendo em vista as considerações de Jenkins (2008) sobre a narrativa

transmidiática, foram destacadas três categorias de análise para o estudo: a presença

de portais de acesso, a apresentação de novos conteúdos ficcionais nas mídias

complementares e a participação de consumidores em comunidades de conhecimento.

Os portais de acesso criam a conexão entre as histórias de cada suporte

midiático. Dias Souza e Mielniczuk, ao abordarem a presença da narrativa

transmidiática no jornalismo da revista Época, afirmam que os portais de acesso são

caracterizados por “elementos que vinculam, por meio de um determinado conteúdo,

um suporte midiático ao outro, fazendo com que o leitor busque outra mídia ou

ferramenta de comunicação para complementar ou acrescentar informações” (DIAS

SOUZA e MIELNICZUK, 2009, p. 5). Os portais são a forma de ligação entre os

conteúdos da narrativa transmidiática e representam os meios pelos quais os

consumidores transitam entre as histórias das múltiplas mídias.

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Por meio dos portais de acesso, tornam-se disponíveis novos conteúdos

ficcionais nas mídias complementares, os quais implicam compreensão adicional para

os consumidores que procuram por esses produtos. No entanto, identificar os portais

de acesso para os conteúdos inéditos de uma narrativa transmidiática nem sempre é

fácil para os consumidores. Muitas vezes, eles enfrentam dificuldades para encontrar

ou compreender determinados elementos narrativos, ou mesmo não sabem da

existência deles. Nesse sentido, torna-se de extrema importância para a narrativa

transmidiática a participação de consumidores em comunidades de conhecimento, nas

quais eles entram em contato com novos conteúdos e reúnem todas as informações

disponíveis sobre o universo da série.

Neste trabalho, os portais de acesso que ligam as histórias distribuídas em

múltiplas mídias são considerados como o eixo de sustentação da narrativa

transmidiática, pois eles representam o modo pelo qual um universo ficcional rico e

complexo transpõe as limitações de um único suporte – a televisão – e perpassa outras

mídias para oferecer conteúdo adicional aos consumidores e, consequentemente,

incentivá-los a participar de comunidades de interesse e a compartilhar informações

com outros telespectadores.

Dessa forma, a partir das ligações formadas entre os portais de acesso, pode-se

mapear a presença da narrativa transmidiática na segunda temporada de Lost, período

determinado como fio condutor para a análise. Por meio de alguns episódios da

segunda temporada, é avaliado de que forma a história contada em cada uma das

mídias complementares apresenta novas informações e novos pontos de vista sobre o

que foi exibido na narrativa dos 24 episódios do segundo ano da série91.

A análise será realizada a partir de cada ligação entre os portais das múltiplas

mídias utilizadas no seriado. Ao todo, identificamos 13 portais de acesso entre as

histórias contadas na segunda temporada de Lost para a televisão e a narrativa

desenvolvida nos produtos complementares selecionados. Para facilitar o

entendimento, os portais são descritos conforme a ilustração da Figura 12, a qual

91 Leia o resumo de cada um dos episódios no Apêndice C – Guia de Episódios da 2ª Temporada de

Lost.

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73

representa o esquema estrutural de como as histórias estão interligadas no universo

narrativo de Lost.

FIGURA 12: Esquema estrutural dos portais de acesso que representam as conexões narrativas entre as mídias auxiliares e a história central de Lost.

Os portais AB, AC1 a AC3, AD1 a AD4, AF e ADF correspondem às

contribuições dos suportes midiáticos complementares para a narrativa central do

seriado. Já os portais BC, BD e BF representam um exemplo da influência da

participação de consumidores em comunidades de conhecimento para a construção de

significado sobre o conteúdo de cada uma das mídias adicionais. No próximo item, será

descrita a forma como cada portal apresenta-se em Lost.

Page 74: Através do Espelho - Aprofundamento do Universo Ficcional de Lost por Meio da Narrativa Transmidiática

74

3.2 ANÁLISE DAS NARRATIVAS COMPLEMENTARES EM LOST

Os conteúdos adicionais disponibilizados pelo site da série e por meio dos

produtos Lost: Missing Pieces, The Lost Experience e Lost: Via Domus e o modo

como eles complementam a história contada nos episódios de Lost contribuem para a

compreensão da forma pela qual a narrativa transmidiática se constrói dentro de uma

franquia. A partir dos portais de acesso e das categorias delimitadas no item anterior,

será apresentado, a seguir, a expressão das características da narrativa transmidiática

nos produtos escolhidos para a análise.

3.2.1 Site oficial de Lost

O site oficial de Lost e as páginas da web criadas por fãs da série são,

inegavelmente, a maior e mais detalhada fonte de informações sobre todo o universo

ficcional e não-ficcional do programa. Embora funcione majoritariamente como um

extenso arquivo das informações disponibilizadas em outros suportes midiáticos, a

internet92 por vezes fornece conteúdo oficial inédito para os fãs, como será

demonstrado no Portal AB – Live Together, Die Alone (2x23, 24) e site de Lost.

Portal AB – episódio Live Together, Die Alone (2x23, 24) e site de Lost

· Suportes midiáticos envolvidos: televisão e internet.

· Evento do episódio televisivo: Sayid, Jin e Sun avistam o que sobrou

de uma gigantesca estátua de pedra – um pé com quatro dedos.

92 Quando abordamos o conteúdo inédito postado na internet no item 3.2.1, não levamos em

consideração as informações disponibilizadas em sites que fizeram parte dos ARGs da série. Neste trabalho, tais páginas da web são avaliadas dentro do contexto dos respectivos jogos como elementos de uma unidade – o ARG.

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75

· Contribuição narrativa da mídia complementar: o resumo online do

episódio The Incident (5x16, 17) revela a identidade da estátua – a deusa

egípcia da fertilidade, Taweret.

No episódio Live Together, Die Alone (2x23, 24), enquanto Kate, Sawyer e

Hurley preparam-se para acompanhar Michael na tentativa de encontrar o falso Henry

Gale, Jack e Sayid traçam um plano para proteger o grupo dos “Outros” – Jack seguirá

pela floresta com Michael e os outros, ao mesmo tempo em que Sayid, Jin e Sun

contornarão a ilha pelo mar, a bordo do barco de Desmond. No meio do caminho ao

redor da ilha, Sayid Jin e Sun avistam uma estátua de um pé com quatro dedos, único

pedaço restante do que aparenta ter sido um gigantesco artefato de pedra.

A versão completa da estátua só é mostrada três anos mais tarde, no episódio

The Incident (5x16, 17), quando, em algum momento do século XIX, Jacob está

sentado na praia, observando a chegada do navio Black Rock à ilha. A figura 13 mostra

o momento do episódio em que a estátua inteira é revelada.

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Figura 13: A estátua da deusa egípcia da fertilidade, Taweret, vista no episódio The Incident (5x16, 17). Fonte: http://pt.lostpedia.wikia.com/wiki/Estátua_de_Taweret. Acesso: 16 dez.

2009.

Nenhuma menção, no entanto, é feita sobre o nome da divindade cuja estátua

foi erguida na praia. Somente no resumo oficial do episódio, no site de Lost, foi

esclarecido que se trata da imagem da deusa egípcia da fertilidade, Taweret. A

informação foi rapidamente disseminada pela internet por meio de blogs, fóruns de

discussão e outras mídias sociais sobre a série.

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77

3.2.2 Lost: Missing Pieces – Lost no celular

Três dos 13 mini-episódios para celular da série Lost: Missing Pieces estão

situados entre os eventos da segunda temporada: The Adventures of Hurley and

Frogurt (06), The Deal (04) e Room 23 (06). Para a análise de cada um deles, foram

definidos três portais de acesso entre os episódios e o conteúdo do suporte

complementar:

· Portal AC1 – ponto que une os acontecimentos do episódio Two For the

Road (2x20) à história do mini-episódio The Adventures of Hurley and

Frogurt (02);

· Portal AC2 – ligação entre o flashback de Michael exibido em Three

Minutes (2x22) e o mini-episódio The Deal (04);

· Portal AC3 – encontro entre as narrativas do episódio Three Minutes

(2x22) e do mini-episódio Room 23 (06).

· Portal BC – caracterizado pela apropriação e edição dos mini-episódios

de Lost: Missing Pieces.

Os três primeiros portais (AC1, AC2 e AC3) representam pontos de conexão

entre os episódios da segunda temporada de Lost e os três mini-episódios para

celular. Já o portal BC representa a ação da comunidade de conhecimento da série na

compreensão do conteúdo de Lost: Missing Pieces.

Portal AC1 – episódio Two For the Road (2x20) e mini-episódio The Adventures

of Hurley and Frogurt (02)

· Suportes midiáticos envolvidos: televisão e celular.

· Evento do episódio televisivo: Hurley e Libby combinam um piquenique

romântico na praia. Libby vai buscar as toalhas na Escotilha, mas é

assassinada por Michael.

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· Contribuição narrativa da mídia complementar: Enquanto Libby vai até

a Escotilha, Hurley conversa com Neil “Frogurt” na praia sobre a garota.

Em Two For the Road (2x20), Hurley quer planejar uma surpresa romântica para

Libby. Sayid sugere que Hurley leve a moça para um piquenique na praia e conta sobre

um lugar privado onde ele levou Shannon ainda na primeira temporada, no episódio

Deus Ex Machina (1x19). Quando Hurley está estocando comida para o piquenique, ele

é pego de surpresa por Libby e revela o plano de levá-la para um encontro. O casal sai

em direção à praia secreta indicada por Sayid, mas Hurley acaba perdido na floresta, e

eles retornam para o mesmo lugar de que partiram. Além de não conseguir encontrar o

lugar para o qual queria levar Libby, Hurley também se esqueceu de levar toalhas e

bebidas para o encontro. Libby sugere que ela busque as toalhas na Escotilha,

enquanto Hurley pede uma garrafa de vinho para Bernard e Rose. Na Escotilha, Libby

está segurando as toalhas quando surpreende Michael segundos depois de ele

assassinar Ana-Lucia e acaba sendo morta também. Hurley só é visto novamente no

episódio seguinte, ? (2x21), e não é mostrado o que ele estava fazendo enquanto Libby

foi até a Escotilha.

O mini-episódio The Adventures of Hurley and Frogurt (02) inicia com Hurley

saindo da cabana de Bernard e Rose com uma garrafa de vinho na mochila. Ele

encontra Neil “Frogurt” e é questionado sobre seu relacionamento com Libby – Neil

também está interessado nela. Hurley mostra-se satisfeito consigo mesmo por

finalmente ter conseguido convidar Libby para um encontro e afirma que ela foi buscar

toalhas para o piquenique deles. Neil não se deixa abalar e diz que se Hurley não

“fechar o negócio” com ela, será a vez dele agir. Além de mostrar onde estava Hurley

enquanto Libby era baleada por Michael, o mini-episódio também destaca o traço rude

da personalidade de Neil – quando ele aparece no episódio Because You Left (5x01),

os espectadores que acompanharam a série Lost: Missing Pieces já sabem que Neil

pode ser implicante e desagradável quando não está satisfeito com alguma situação,

como acontece ao provocar uma discussão e insultar os outros sobreviventes, logo

antes de assassinado em um ataque de flechas em chamas no episódio The Lie

(5x02).

Page 79: Através do Espelho - Aprofundamento do Universo Ficcional de Lost por Meio da Narrativa Transmidiática

79

Portal AC2 – episódio Three Minutes (2x22) e mini-episódio The Deal (04)

· Suportes midiáticos envolvidos: televisão e celular.

· Evento do episódio televisivo: Bea Klugh propõe um acordo para

Michael em troca da liberdade dele e de Walt. Michael concorda, mas

com uma condição: ele quer o barco dos “Outros”.

· Contribuição narrativa da mídia complementar: momentos depois da

conversa entre Michael e Bea, Juliet informa a Michael que ele receberá o

barco, e eles conversam sobre Walt, Ben e Rachel, irmã de Juliet.

No flashback que mostra o que aconteceu com Michael depois de ele abandonar

o grupo de sobreviventes para tentar encontrar Walt no episódio The Hunting Party

(2x11), é revelado que ele foi sequestrado pelos “Outros” e mantido como prisioneiro

em um dos acampamentos do grupo. Três dias antes de reencontrar Jack e Kate na

floresta, em S.O.S. (2x19), Michael está amarrado a um pilar de madeira dentro de uma

cabana. Ele recebe a visita de Bea Klugh (April Grace), que aparenta ser uma das

líderes do grupo e que propõe um acordo com Michael: em troca da liberdade dele e de

Walt, Michael deve retornar ao acampamento dos sobreviventes e libertar o homem

que Sayid, Jack e Locke tomaram como prisioneiro no episódio One of Them (2x14).

Além disso, Bea também pede que Michael entregue Jack, Kate, Sawyer e Hurley para

os “Outros”. Michael concorda, sob a condição de que o barco usado para sequestrar

Walt em Exodus Part II (1x24, 25) seja entregue para ele. Essa cena é o último

flashback do período em que Michael esteve desaparecido a qual é mostrada nos

episódios.

O mini-episódio The Deal (04) inicia momentos depois da conversa entre

Michael e Bea Klugh. Juliet (Elizabeth Mitchell) entra na cabana e diz para Michael que

os “Outros” concordaram em conceder o barco para ele. Ela afirma estar feliz por

Michael estar prestes a tirar Walt da ilha, pois ele é um garoto muito especial. Juliet

também fala sobre o homem mantido prisioneiro no acampamento dos sobreviventes,

Ben Linus, e sobre o acordo que fez com ele em troca do bem-estar de sua irmã,

Rachel (Robin Weigert). A conversa com Juliet parece incentivar Michael a cumprir com

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80

sua parte do acordo, já que ela confirma a capacidade de Ben de tirar Michael e Walt

da ilha. Além disso, a história do mini-episódio situa Juliet em acontecimentos

anteriores ao episódio A Tale of Two Cities (3x01) – a personagem foi introduzida na

série durante a terceira temporada.

Portal AC3 – episódio Three Minutes (2x22) e mini-episódio Room 23 (06)

· Suportes midiáticos envolvidos: televisão e celular.

· Evento do episódio televisivo: Walt fica assustado quando Bea Klugh

ameaça colocá-lo na “sala” novamente.

· Contribuição narrativa da mídia complementar: Walt causa pânico nos

“Outros” e provoca a morte de diversos pássaros quando é trancado na

Sala 23.

No mesmo flashback de Michael comentado no Portal AC2, Bea Klugh autoriza

um breve encontro entre o personagem e seu filho, Walt. O garoto avisa o pai que os

“Outros” não são quem eles parecem ser, eles estão fingindo – o acampamento deles

foi montado para parecer que o grupo é frágil e, portanto, induzir Michael a acreditar

que os sobreviventes poderiam vencê-los facilmente em um confronto armado. O

comentário irrita Bea Klugh, e ela pergunta para Walt se ele quer ser colocado na “sala”

novamente, a que o garoto se cala aterrorizado. Walt despede-se do pai e é levado

embora, e a “sala” não é mencionada novamente nos episódios seguintes.

No mini-episódio Room 23 (06), em algum lugar das instalações da Iniciativa

Dharma, Juliet chama Ben até o lado de fora da sala 23, onde alarmes estão soando e

pessoas estão correndo pelos corredores. Juliet afirma que “ele fez de novo”, referindo-

se a Walt e a algo que aparentemente ele faz com frequência e que causa medo nos

“Outros” – ela recusa-se a entrar na sala e afirma que Bea Klugh e Tom Friendly (M.C.

Gainey) também não querem enfrentar o garoto. Juliet diz que Walt é perigoso e

sugere que eles devolvam o menino para Michael, mas Ben responde que, apesar de

Jacob o querer ali e de Walt ser especial, ele é apenas uma criança. Juliet então o leva

até o lado de fora da sala, onde vários pássaros estão mortos no chão – o

acontecimento é uma referência ao episódio Special (1x14), cujo flashback revela que,

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81

em um momento de frustração, Walt fez com que um pássaro se atirasse com violência

contra a janela de vidro do apartamento onde ele morava com a mãe e o padrasto na

Austrália. O mini-episódio também faz referência a Not In Portland (3x07), episódio no

qual Sawyer e Kate encontram Karl (Blake Bashoff), namorado da filha de Ben, Alex

(Tania Raymonde), exposto à técnica de lavagem cerebral dentro da Sala 23.

Portal BC – Apropriação e edição dos mini-episódios de Lost: Missing Pieces

· Suportes midiáticos envolvidos: internet e celular.

· Situação cuja ação do intelecto coletivo foi necessária: mini-episódios

foram liberados somente para aparelhos celulares e no site de Lost.

· Contribuição da comunidade de conhecimento: disponibilização dos

mini-episódios no YouTube; no Brasil, criação e postagem de vídeos com

legendas em português.

Os mini-episódios de Lost: Missing Pieces, que haviam sido disponibilizados

para aparelhos celulares e no site de Lost93, foram baixados da página da série e

postados no YouTube para o público mundial, por meio da ação dos membros das

comunidades de conhecimento do seriado. No caso das comunidades brasileiras, o

intelecto coletivo dos fãs foi utilizado para baixar novamente os mini-episódios, a partir

dos vídeos no YouTube, traduzir os diálogos, inserir legendas nos vídeos, postá-los

mais uma vez na internet e disseminar a informação por meio de blogs, fóruns de

discussão e redes sociais.

No Brasil, é comum a atuação da inteligência coletiva de comunidades de

conhecimento na criação de legendas para séries e filmes em geral. No caso de Lost,

equipes de fãs são formadas para traduzir e legendar os episódios logo depois de eles

serem transmitidos nos Estados Unidos. Em alguns casos, tanto os episódios quanto

93 Os mini-episódios de Lost: Missing Pieces foram retirados do site de Lost quando a ABC reformulou

as páginas da web de toda a grade de programação da emissora, em 2009.

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82

as legendas em português foram disponibilizados para download na internet menos de

12 horas depois de serem televisionados pela ABC94.

3.2.3 The Lost Experience – Lost no Alternate Reality Game

As questões abordadas por The Lost Experience apresentaram explicações

para algumas das lacunas narrativas que haviam sido deixadas em aberto ao longo da

segunda temporada. Delimitamos quatro dessas situações nos seguintes portais:

· Portal AD1 – informações sobre a Fundação Hanso, organização

mencionada no episódio Orientation (2x03);

· Portal AD2 – dados sobre a Iniciativa Dharma, projeto científico da

Fundação Hanso realizado na ilha onde o voo 815 da Oceanic Airlines

caiu;

· Portal AD3 – explicação sobre o significado da sequencia numérica 4 8

15 16 23 42, introduzida no episódio Numbers (1x18) e relacionada à

Iniciativa Dharma em Orientation (2x03);

· Portal AD4 – menção do livro Bad Twin, de Gary Troup, no episódio Two

For the Road (2x20) e em The Lost Experience.

Na história do ARG, o público acompanhou e participou das investigações da

hacker Persephone, ou Rachel Blake (Jamie Silberhartz) sobre as verdadeiras

intenções por trás dos projetos de pesquisa da fictícia Fundação Hanso e de seus

funcionários, entre eles o Dr. Alvar Hanso (Ian Patrick Williams), proprietário e fundador

da Hanso, e o Dr. Thomas Mittelwerk (Robert Greygrass), presidente e chefe

tecnológico da Fundação. Tanto a Fundação Hanso quanto a Iniciativa Dharma foram

introduzidas no universo narrativo de Lost durante a segunda temporada da série, mas 94 Novamente, torna-se importante ressaltar o fato da orientanda que participou desta pesquisa

acompanhar a série há alguns anos e estar habituada a assistir aos episódios tão logo eles e as legendas são postados nas comunidades de conhecimento sobre Lost.

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poucas informações foram divulgadas nos episódios sobre as duas organizações e

sobre as motivações que levaram à criação delas. Além das descobertas sobre a

Hanso, a Dharma e a sequencia numérica 4 8 15 16 23 42, Rachel também revela no

ARG que Thomas Mittelwerk sequestrou Alvar Hanso e tomou controle da Fundação.

Ele planeja realizar testes com um vírus mortal em humanos no Sri Lanka quando é

flagrado por Rachel. O jogo termina com a jovem encontrando Alvar Hanso, seu

verdadeiro pai, e revelando a verdade sobre Mittelwerk e seu trabalho na Fundação.

Como mencionamos no primeiro capítulo deste trabalho, o ARG é um jogo cuja

resolução depende da participação coletiva em rede dos usuários – a história contada

por um ARG só avança a partir das respostas e do engajamento do público. Por esse

motivo, a participação dos consumidores em comunidades de conhecimento torna-se

crucial para o desenvolvimento do ARG. Nesta pesquisa, o Portal BD, o qual será

abordado na sequencia, representa um exemplo da construção narrativa de The Lost Experience a partir da ação de diversos jogadores, que também se relacionam entre

si, em resposta a um mistério proposto pelo jogo.

Portal AD1 – episódio Orientation (2x03) e ARG The Lost Experience –

Fundação Hanso

· Suportes midiáticos envolvidos: televisão e ARG.

· Evento do episódio televisivo: Jack e Locke assistem ao vídeo de

Orientação de uma das estações da Iniciativa Dharma, projeto científico

da Fundação Hanso.

· Contribuição narrativa da mídia complementar: a Fundação Hanso foi

criada por Alvar Hanso e tem como objetivo desenvolver projetos de

pesquisa científica que promovam o bem-estar global e a preservação da

vida humana.

No episódio Man of Science, Man of Faith (2x01), Jack, Locke e Kate encontram

um homem chamado Desmond morando dentro da Escotilha. Em Orientation (2x03),

Desmond explica que o local é equipado com um computador no qual uma sequencia

numérica (4 8 15 16 23 42) deve ser apertada a cada 108 minutos com o objetivo de

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“salvar o mundo”. Jack e Locke não compreendem o que isso significa ou mesmo o que

é aquele lugar. Desmond diz a eles para assistiram ao filme de Orientação. O vídeo

inicia com os dizeres “Iniciativa Dharma – Estação 3 de 6” e “Orientação – Estação 3 –

O Cisne”. Um homem identifica-se como Dr. Marvin Candle (François Chau) e explica

que o filme tem a finalidade de comunicar as instruções necessárias para que os

habitantes da Estação possam cumprir com suas responsabilidades.

Dr. Marvin Candle também afirma que a Estação 3 – O Cisne foi construída

como um laboratório onde cientistas poderiam estudar as “flutuações magnéticas

singulares que emanam desta parte da ilha”95; depois do “incidente”, no entanto, um

protocolo de segurança foi adotado na Estação: a cada 108 minutos, os números 4 8

15 16 23 42 devem ser digitados no computador. Ele encerra o vídeo desejando boa

sorte para os responsáveis pelo trabalho na Estação. Quando o filme chega ao fim, lê-

se a mensagem: “Fundação Hanso, 1980. Todos os direitos reservados”.

O ARG The Lost Experience iniciou com uma propaganda televisiva da

Fundação Hanso96 (Figura 14) exibida durante os intervalos comerciais do episódio

Two For the Road (2x22), no dia 03 de maio de 2006. A propaganda direcionava os

telespectadores para um número telefônico que, por sua vez, indicava o endereço do

site da organização97.

95 Vídeo de Orientação da Estação Cisne. Disponível em:

http://www.youtube.com/watch?v=EYJf5rZQgb0. Acesso em: 11 dez. 2009. 96 Propaganda Fundação Hanso. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=6AIr5NhCON8.

Acesso em: 11 dez. 2009. 97 http://www.thehansofoundation.org/. Acesso em: 11 dez. 2009.

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Figura 14: Telefone da Fundação Hanso mostrado na propaganda da organização. Fonte:

screen capture do vídeo feito pela autora.

A página98 apresentava os objetivos de preservação da vida humana e de

promoção do bem-estar mundial e contava com seções com informações detalhadas

sobre os projetos e os funcionários da Hanso (Figura 15).

98 Quando o ARG chegou ao fim, todas as seções da página foram substituídas por um pronunciamento

oficial de Alvar Hanso lamentando as ações de Thomas Mittelwerk e de outros colegas e prometendo uma mudança nos métodos da Fundação. As informações sobre a Fundação Hanso utilizadas neste trabalho foram retiradas da página: http://pt.lostpedia.wikia.com/wiki/Fundação_Hanso. Acesso em: 11 dez. 2009.

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Figura 15: Página inicial do site da Fundação Hanso. O canto superior direito destaca o Projeto de Extensão de Vida da organização. Fonte:

http://pt.lostpedia.wikia.com/wiki/Thehansofoundation.org. Acesso em: 16 dez. 2009.

No livro Bad Twin, um dos produtos lançados no decorrer de The Lost Experience (ver detalhes no item Portal AD4), a Fundação Hanso é mencionada

quando o protagonista da obra, o detetive particular Paul Artisan, entra acidentalmente

nos escritórios da organização. Em um trecho do livro, Artisan lê os dizeres em uma

placa na recepção da Fundação Hanso: A Fundação Hanso é líder em pesquisas sociais e científicas para o avanço da raça humana. Durante quarenta anos, tem doado bolsas para a realização de experiências destinadas a promover a evolução da humanidade e fornecer soluções tecnológicas aos problemas mais prementes da nossa época. Fundação Hanso: um compromisso com o estímulo da ciência e da tecnologia e com a promoção da causa do desenvolvimento do ser humano (TROUP, 2007, p. 46).

No jogo, Rachel Blake, adotando o pseudônimo Persephone, hackeou o site da

Fundação e implantou pistas que questionavam as motivações supostamente altruístas

da organização. Mais tarde no ARG, Rachel revela a verdadeira intenção de Thomas

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Mittelwerk ao tomar controle da Hanso – testar um vírus mortal em humanos no Sri

Lanka.

Portal AD2 – episódio Orientation (2x03) e ARG The Lost Experience –

Iniciativa Dharma

· Suportes midiáticos envolvidos: televisão e ARG.

· Evento do episódio televisivo: a Iniciativa Dharma é apresentada como

o projeto de pesquisa científica responsável pela Estação 3 – O Cisne e

por outras estações na ilha.

· Contribuição narrativa da mídia complementar: no vídeo do Sri Lanka,

Alvar Hanso explica as motivações que levaram à criação da Iniciativa

Dharma.

A Iniciativa Dharma é mencionada pela primeira vez em Lost no episódio

Orientation (2x03) durante o vídeo de Orientação da Escotilha, ou Estação 3 – O Cisne.

No filme, o Dr. Marvin Candle conta um pouco sobre a história do projeto de pesquisa

científica:

A Iniciativa Dharma foi criada em 1970 por Gerald e Karen DeGroot, dois

candidatos a doutores na Universidade de Michigan. Seguindo os passos de visionários

como BF Skinner, imaginaram um centro de pesquisas comunitário de larga escala,

onde cientistas e mentes abertas de todo o planeta pudessem pesquisar meteorologia,

psicologia, parapsicologia, zoologia, eletromagnetismo e utopia social. (...) industrial

dinamarquês e magnata das armas, Alvar Hanso, cuja participação financeira fez deste

sonho de um centro de pesquisa de ciência social uma realidade.99

Novas estações da Iniciativa Dharma foram mostradas ao longo da segunda

temporada, como A Flecha [The Other 48 Days (2x07)], O Cajado [Maternity Leave

(2x15)] e A Pérola [? (2x21)], mas poucas explicações foram dadas sobre o histórico e

99 Vídeo de Orientação da Estação Cisne. Disponível em:

http://www.youtube.com/watch?v=EYJf5rZQgb0. Acesso em: 11 dez. 2009.

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o propósito delas na ilha. Nas temporadas seguintes, foi revelado que os membros da

Iniciativa Dharma foram assassinados por Ben Linus na Purgação [evento revelado em

The Man Behind the Curtain (3x20)], em 1992, e, desde então, o grupo conhecido

como Hostis passou a ocupar a Vila e as estações nas quais os pesquisadores do

projeto viviam e trabalhavam.

Informações adicionais sobre os primeiros anos da Dharma surgiram por meio

do ARG The Lost Experience. Em um dos estágios do jogo, Rachel Blake liberou um

vídeo clandestino gravado no Sri Lanka, o qual é dividido em duas partes: a primeira é

o vídeo de Orientação da Iniciativa Dharma de 1975, apresentado por Alvar Hanso, e a

segunda é uma gravação feita por Rachel de uma reunião da equipe da Fundação

Hanso em 2006, na qual Thomas Mittelwerk apresenta o novo modo de operação do

projeto.

O vídeo de Orientação da Dharma é direcionado para os novos pesquisadores

do grupo e mostra por qual motivo o projeto de pesquisa científica foi criado – para

salvar o mundo. Segundo Alvar Hanso, os motivos históricos e políticos que resultaram

na Dharma datam de 1962, quando o mundo estava à beira de uma guerra nuclear

entre Estados Unidos e União Soviética. As tentativas de destruição mútua das duas

potências mundiais continuaram durante a Guerra Fria e, depois da Crise dos Mísseis

em Cuba, ambas as nações decidiram encontrar uma solução. Assim surgiu a Equação

de Valenzetti, teoroma matemático que prevê o número exato de anos e meses até que

a humanidade se destrua. Os números da Equação, 4 8 15 16 23 42, correspondem a

fatores ambientais e humanos os quais culminariam na destruição da Terra (ver

detalhes no item Portal AD3). De acordo com Hanso, a humanidade pode ser salva por

meio de manipulações no meio-ambiente e consequente alteração nos números da

Equação de Valenzetti, e foi com esse objetivo que a Iniciativa Dharma foi criada.

Dharma é um acrônimo para Department of Heuristics and Research on Material

Applications, ou Departamento de Heurística e Pesquisas em Aplicações Materiais

(PORTER, LAVERY e ROBSON, 2008, p. 153) (Figura 16). Segundo Alvar Hanso,

Dharma também significa O Caminho Verdadeiro, o que pode ser relacionado com o

significado espiritual da palavra para algumas religiões orientais – Caminho para a

Verdade Superior. O projeto de pesquisa científica foi instalado na ilha onde os

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sobreviventes do voo 815 caíram devido às propriedades únicas do local,

especialmente em eletromagnetismo.

Figura 16: Alvar Hanso explica a origem da Iniciativa Dharma no vídeo do Sri Lanka. Fonte: screen capture do vídeo feito pela autora.

No filme de Orientação, Hanso também aborda as instalações da Iniciativa

Dharma na ilha:

Nós construímos diversas estações na ilha, laboratórios subterrâneos com as

instalações que você irá precisar para realizar sua pesquisa da forma mais rápida (...)

todo o apoio que você irá precisar, incluindo envio regular de remédios e de alimentos,

o qual será realizado perpetuamente. Um transmissor de rádio também foi instalado na

ilha, transmitindo em uma frequência e encriptação conhecida apenas por nós. O

transmissor irá emitir apenas os valores nucleares numéricos da Equação de

Valenzetti.100

100 Vídeo do Sri Lanka, The Lost Experience. Versão com legendas disponível em:

http://www.youtube.com/watch?v=VUJJz6NQ9qQ. Acesso: 12 de dez. 2009. (Tradução adaptada pela autora).

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Novamente, o vídeo liberado no ARG esclarece questões deixadas em aberto

nos episódios de Lost ao explicar a origem do envio de carregamentos de comida para

a ilha, como foi visto no episódio Lockdown (2x17), quando Jack e Kate encontram

suprimentos enviados de pára-quedas para ilha na floresta, depois de o sistema de

segurança Lockdown da Escotilha ser ativado. Conforme Alvar Hanso explica no vídeo,

parte do apoio da Iniciativa Dharma para os pesquisadores incluía o envio perpétuo de

remédios e de alimentos.

O vídeo gravado por Rachel no Sri Lanka também revela que a Iniciativa

Dharma foi considerada um fracasso pela Fundação Hanso. No entanto, os números

da Equação de Valenzetti continuaram influenciando as pesquisas da organização,

enquanto alguns dos objetivos da Dharma foram deturpados em favor de medidas

radicais, as quais Thomas Mittelwerk explica para um grupo de cientistas: eles irão

testar um vírus mortal na população de dois vilarejos no Sri Lanka, a qual irá acreditar

estar recebendo uma vacina contra uma doença local. Segundo Mittelwerk, a taxa de

mortalidade deverá ser de 30%, não mais nem menos do que isso, para que não sejam

sacrificadas mais vidas do que necessário, e justifica suas ações afirmando ser o valor

pago em troca da salvação da humanidade. No ARG, Rachel expõe o plano de

Mittelwerk para o mundo por meio da divulgação do vídeo do Sri Lanka e, assim,

impede a continuação do projeto da Fundação Hanso.

Portal AD3 – episódio 2x03 – Orientation e ARG The Lost Experience – 4 8 15

16 23 42

· Suportes midiáticos envolvidos: televisão e ARG.

· Evento do episódio televisivo: no vídeo de Orientação da Estação 3 –

O Cisne, o Dr. Marvin Candle explica que os números 4 8 15 16 23 42

devem ser digitados no computador a cada 108 minutos.

· Contribuição narrativa da mídia complementar: no vídeo do Sri Lanka,

Alvar Hanso afirma que os números 4 8 15 16 23 42 representam os

fatores ambientais e humanos nucleares da Equação de Valenzetti.

Page 91: Através do Espelho - Aprofundamento do Universo Ficcional de Lost por Meio da Narrativa Transmidiática

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No filme de Orientação da Estação 3 – O Cisne, o Dr. Marvin Candle explica o

protocolo de segurança adotado desde o “incidente”: a cada 108 minutos, a sequencia

numérica 4 8 15 16 23 42 deve ser executada no computador. Em Lost, os ‘números’

apareceram pela primeira vez no episódio Numbers (1x18), quando é revelado que,

antes do acidente do voo 815 da Oceanic Airlines, Hurley ganhou na loteria apostando

a sequencia numérica. Depois disso, no entanto, ele acredita ter sido amaldiçoado

pelos ‘números’ quando coisas ruins começam a acontecer ao seu redor: o avô de

Hurley morre alguns dias depois do jovem ganhar na loteria, seu irmão é abandonado

pela namorada em troca de outra mulher e, quando Hurley decide comprar uma casa

nova para a mãe, a senhora Reyes (Lillian Hurst) quebra o tornozelo pouco antes da

residência pegar fogo e de Hurley ser preso pela polícia, que o confunde com um

traficante de drogas. Hurley decide descobrir a origem dos ‘números’ e questiona o

homem de quem ele ouviu a sequencia pela primeira vez, Leonard Simms (Ron

Bottitta), paciente do Instituto Mental Santa Rosa. Hurley conheceu Leonard quando

ambos eram pacientes no local. O jovem aprende que, 16 anos antes, Leonard era um

oficial naval dos Estados Unidos que, acompanhado de Sam Toomey, estava em uma

estação de monitoramento no Oceano Pacífico quando ouviu a sequencia numérica

tocando em loop por meio de uma transmissão de rádio. Na cena final de Numbers

(1x18), é possível ver a sequencia numérica gravada na lateral da Escotilha – os

‘números’ também estão presentes na ilha.

O episódio Orientation (2x03) faz a ligação entre os ‘números’ e a Iniciativa

Dharma, mas não apresenta explicações sobre a origem ou a importância deles. A

resposta para essa questão é apresentada no vídeo do Sri Lanka, do ARG The Lost

Experience. No filme, Alvar Hanso explica que, em uma tentativa de encontrar a

solução para o embate entre os Estados Unidos e a União Soviética, foi criada a

Equação de Valenzetti:

Autorizada sob o mais alto sigilo, por meio do Conselho de Segurança da ONU,

a equação é a ideia original do matemático italiano Enzo Valenzetti. Ela prediz o exato

número de anos e meses até que a humanidade extermine-se. Quer seja por ataque

nuclear, armamento químico ou biológico, armamento convencional, pandemias,

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superpopulação, fome (...) os resultados são arrepiantes, e deve ser dada atenção para

eles.

Valenzetti deu valores numéricos aos fatores ambientais e humanos nucleares

em sua equação: 4 8 15 16 23 42. Apenas manipulando o ambiente, encontrando

soluções científicas para todos os nossos problemas, conseguiremos mudar esses

fatores nucleares e dar à humanidade uma chance de sobreviver.101

Além de esclarecer a origem da sequencia numérica, o vídeo do Sri Lanka

também explica como Leonard Simms e Sam Toomey ouviram a transmissão de rádio

dos números em alto mar – segundo Alvar Hanso, o transmissor da ilha estava

programado para tocar somente a sequencia, e os dois oficiais navais deveriam estar

próximos o suficiente da ilha para captar o sinal.

Portal AD4 – episódio Two For the Road (2x20) e ARG The Lost Experience –

Bad Twin

· Suportes midiáticos envolvidos: televisão e ARG.

· Evento do episódio televisivo: Sawyer está lendo o manuscrito de Bad

Twin, de Gary Troup, quando é interrompido por Jack.

· Contribuição narrativa da mídia complementar: Bad Twin foi

publicado como parte de The Lost Experience e apresentou informações

sobre a Fundação Hanso e sobre Thomas Mittelwerk.

No episódio Two For the Road (2x20), quando Jack, Locke e Kate decidem

buscar vingança pela morte de Ana-Lucia e Libby – sem saberem que o culpado, na

verdade, foi Michael –, eles procuram Sawyer, que tomou controle de todas as armas

de fogo do grupo. Sawyer está sentado na praia lendo o manuscrito de um livro: Bad

Twin, por Gary Troup (Figura 17). Durante os intervalos comerciais do episódio, no dia

03 de maio de 2006, foi exibida a propaganda da Fundação Hanso que iniciou o ARG

101 Vídeo do Sri Lanka, The Lost Experience. Versão com legendas disponível em:

http://www.youtube.com/watch?v=VUJJz6NQ9qQ. Acesso: 12 de dez. 2009. (Tradução adaptada pela autora).

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93

The Lost Experience, e, dias depois, o livro Bad Twin foi lançado em diversas livrarias

dos Estados Unidos como parte do jogo.

Figura 17: Sawyer é visto lendo o manuscrito de Bad Twin, de Gary Troup, no episódio Two For the Road (2x20). Fonte: http://pt.lostpedia.wikia.com/wiki/Gary_Troup. Acesso: 16 dez.

2009.

Na história da obra, Paul Artisan é um decadente detetive particular que recebe

uma chance de superação pessoal quando é contratado para encontrar Zander

Widmore, renegado herdeiro da rica e poderosa família Widmore o qual está

desaparecido há quatro meses. Zander é irmão gêmeo de Cliff Widmore, bem-sucedido

empresário e CEO da Corporação Widmore, comandada pelo pai dos gêmeos, Arthur

Widmore. Contratado por Cliff, Artisan inicia a busca por Zander e visita cidades dos

Estados Unidos, de Cuba e da Austrália em uma história de aventura, mistério e, por

vezes, romance.

Escrito pelo romancista Laurance Shames, Bad Twin é creditado ao escritor

fictício Gary Troup, personagem do universo ficcional de Lost que faz uma aparição em

Pilot Part I (1x01)– na primeira cena do episódio, ele é sugado por uma das turbinas do

avião, o que provoca uma grande explosão na praia. Troup dedica a obra ao seu “anjo

que voa mais alto” (TROUP, 2007, p. 5), referindo-se à aeromoça Cindy Chandler

(Kimberley Joseph), que estava na seção traseira do voo 815 da Oceanic Airlines no

momento do acidente, como é mostrado em The Other 48 Days (2x07).

Page 94: Através do Espelho - Aprofundamento do Universo Ficcional de Lost por Meio da Narrativa Transmidiática

94

Em um trecho de Bad Twin, é relevado que a Corporação Widmore está ligada

de alguma forma à Fundação Hanso. A Fundação recentemente mudou de diretor, e

Arthur Widmore não está feliz com a pessoa escolhida para substituir Alvar Hanso: - Se você quer saber – dizia Arthur Widmore –, o conselho está ficando

democrático demais. Todo mundo tem opinião, todo mundo está cheio de conselhos para dar.

- É por isso que temos um conselho, pai. - Então, por quê temos um presidente? – contrapôs o pai. – Eu lhe digo

por quê. Porque no final do dia, alguém tem de ser o responsável. Essa palavra suja, hierarquia. O que há de errado com ela? Alguém tem que estar no comando, e você não pode pedir a ninguém para ser o responsável e ao mesmo tempo negar-lhe o direito de ver as coisas do seu modo. As Velhas Leis, na sua sabedoria, reconhecem isso.

- Pai, essas leis podem ter funcionado na Escócia feudal... - É verdade, funcionavam! E esse novo rapaz da Hanso – Mudworm,

verme de lama... ou seja lá como ele se chama... - Mittelwerk – corrigiu o filho. - Que seja. Não confio nele. É servil. Eu preferia muito mais ter Alvar

no conselho. Alvar é um cavalheiro. - Verdade? – cutucou Cliff. – O que faz dele um cavalheiro? O fato de

vocês terem ganho uma montanha de dinheiro juntos? Se for essa a definição, então Mittelwerk é um cavalheiro. Ele tem boas ideias, ambição...

- Tem tudo, menos moral – interrompeu o velho. – Tudo, menos uma consciência (TROUP, 2007, p. 161).

O comentário de Arthur é uma acusação direta a Thomas Mittelwerk, que

assumiu a Fundação Hanso depois do desaparecimento de Alvar Hanso – mais tarde,

revelou-se que Mittelwerk havia sequestrado Hanso e o mantido em cativeiro na

Noruega. Depois do lançamento de Bad Twin, a fictícia Fundação Hanso publicou um

comunicado ‘oficial’ em importantes jornais norte-americanos, como The Washington

Post e Chicago Tribune, com o título Não Acredite no “Bad Twin”. O conteúdo da

mensagem era de repúdio às acusações feitas no livro contra a Fundação Hanso. O

comunicado também foi publicado no site da organização (Figura 18).

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95

Figura 18: Comunicado ‘oficial’ da Fundação Hanso em resposta às acusações feitas no livro Bad Twin102. Fonte: http://pt.lostpedia.wikia.com/wiki/Bad_Twin. Acesso em: 16 dez. 2009.

A disponibilização do livro Bad Twin para a venda em livrarias do mundo real

enriqueceu a experiência do jogo The Lost Experience para os participantes e

102 Uma mensagem de Hugh McIntyre, Diretor de Comunicação da Fundação Hanso. Não Acredite no

“Bad Twin”. Por mais de trinta anos, a Fundação Hanso tem sido sinônimo de compaixão e de inovação, mas hoje, nossa reputação foi atacada pelo romance “Bad Twin”, escrito por Gary Troup e publicado pela Editora Hyperion. Por meio das páginas de “Bad Twin”, os leitores encontraram numerosas passagens mostrando informações erradas sobre a Fundação Hanso e seus parceiros. A Fundação Hanso rejeita fortemente o livro “Bad Twin” e encoraja os leitores a formarem a sua própria opinião. A verdade sobre a Fundação Hanso está disponível em www.TheHansoFoundation.org e não nas páginas de “Bad Twin” de Gary Troup. Experimente por você mesmo. Obrigado e namastê. (Tradução da autora).

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96

ofereceu novas informações sobre a Fundação Hanso e o autor Gary Troup, o qual

também é creditado no ARG como o autor da obra de não-ficção A Equação de

Valenzetti. Diferente do que aconteceu com Bad Twin, no entanto, o livro sobre o

autor Enzo Valenzetti e a equação apocalíptica não foi publicado para a venda.

Portal BD – Participação dos usuários na construção narrativa de The Lost

Experience

· Suportes midiáticos envolvidos: internet e ARG.

· Situação cuja ação do intelecto coletivo foi necessária: a construção

narrativa do ARG se dá a partir das ações dos usuários em resposta aos

mistérios propostos pelo jogo.

· Contribuição da comunidade de conhecimento: uso da internet

permitiu que os usuários construíssem juntos a história do game.

A participação de consumidores em comunidades de conhecimento foi crucial

para o desenvolvimento de The Lost Experience, já que o andamento da história de

um ARG depende das ações dos usuários em resposta aos mistérios propostos pelo

game. No jogo, um dos exemplos mais expressivos de construção narrativa coletiva foi

o vídeo do Sri Lanka. O processo começou quando Rachel Blake participou do painel

de Lost na Comic-Con de 2006 como parte da audiência. No segmento reservado para

perguntas do público, Rachel acusou os produtores-executivos Damon Lindelof e

Carlton Cuse e os atores Daniel Dae Kim e Jorge Garcia de conspirar com a Fundação

Hanso. A intervenção de Rachel confundiu os limites entre vida real e ficção, ao colocar

uma personagem do universo da série Lost no contexto de um evento ao vivo. Em seu

discurso na Comic-Con, Rachel convocou os membros da audiência que estivessem

interessados na verdade a acessar o site hansoexposed.com103 (Figura 19), um editor

de fragmentos audiovisuais no qual os usuários podiam acessar e editar os segmentos

de filme que resultariam no vídeo do Sri Lanka.

103 O site hansoexposed.com foi desativado após o encerramento do ARG The Lost Experience.

Page 97: Através do Espelho - Aprofundamento do Universo Ficcional de Lost por Meio da Narrativa Transmidiática

97

Figura 19: O site hansoexposed.com permitia aos usuários a edição dos 70 fragmentos de vídeo disponibilizados por Rachel Blake. Fonte:

http://img86.imageshack.us/i/hansoexposed4zh2.png/. Acesso: 16 dez. 2009.

Rachel afirmou que, devido ao conteúdo do vídeo, seria muito arriscado liberá-lo

de uma vez só, portanto ela decidiu dividi-lo em 70 segmentos de alguns segundos de

duração cada e disponibilizou-os no site hansoexposed.com. Para liberar os

fragmentos de filme, o usuário deveria se cadastrar no site e digitar os códigos

correspondentes. Entre 22 de julho e 08 de setembro de 2006, 70 códigos foram

liberados por meio de sites, podcasts, revistas, eventos como a Comic-Con e o

programa Jimmy Kimmel Live!104 (ABC, 2003-presente) e até mesmo em cartazes

colados nas ruas. Algumas das pistas para ter acesso aos códigos foram lançadas

apenas em lugares específicos – um deles foi encontrado no chão de um campo, em

Londres, como ilustra a Figura 20 –, fato que reforça a construção coletiva de

significado, já que os fãs dependiam uns dos outros para encontrar os 70 códigos.

104 Talk show norte-americano criado e apresentado pelo comediante Jimmy Kimmel.

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98

Figura 20: Um dos códigos necessários para completar o vídeo do Sri Lanka foi encontrado em um campo em Londres. Fonte: http://lostpedia.wikia.com/wiki/Hansoexposed.

Acesso: 16 dez. 2009.

As 70 sequencias de vídeo não foram liberadas em ordem cronológica, portanto

cabia aos usuários editar os fragmentos até encontrar uma ordem lógica. Novamente,

tornou-se importante a troca de conhecimentos em comunidades de interesse sobre o

ARG, porque, por meio delas, os usuários interagiam entre si para trocar códigos e

construir o significado daquele elemento do jogo.

3.2.4 Lost: Via Domus

Via Domus permite que o usuário interaja com as personagens principais da

série e explore locais exibidos nos episódios, como o acampamento da praia, a

floresta, as cavernas, as Estações da Iniciativa Dharma (O Cisne, A Flecha, A Chama,

A Pérola, A Hidra) e o navio Black Rock, entre outros. Alguns elementos do jogo são

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inéditos para os espectadores de Lost, e dois deles serão abordados nos portais

abaixo:

· Portal AF – episódio Everybody Hates Hugo (2x04) e Lost: Via Domus

· Portal ADF – Orientation (2x03), The Lost Experience e Lost: Via

Domus – Thomas Mittelwerk

Em Lost: Via Domus, os jogadores participam de comunidades de

conhecimento sobre o game com o objetivo de discutir a experiência e acessar o

intelecto coletivo em busca de informações sobre as missões do jogo. O Portal BF irá

abordar a troca de conhecimento entre usuários de Lost: Via Domus, tendo em vista

tornar disponíveis todas as recompensas oferecidas no jogo.

Portal AF – episódio Everybody Hates Hugo (2x04) e Lost: Via Domus

· Suportes midiáticos envolvidos: televisão e jogo eletrônico.

· Evento do episódio televisivo: quando Jack e Sayid investigam as

fundações da Estação 3 – O Cisne, o iraquiano conclui que as paredes de

concreto maciço protegem um gerador geotérmico.

· Contribuição narrativa da mídia complementar: Elliott Maslow explode

a entrada da Sala do Incidente e encontre um gigantesco imã no local.

Em Everybody Hates Hugo (2x04), Jack e Sayid decidem explorar a Escotilha

depois de Desmond fugir e deixar o grupo de sobreviventes responsável pela tarefa de

apertar o botão a cada 108 minutos. Eles exploram as fundações do local e descobrem

que um setor da Escotilha está totalmente selado por uma espessa camada de

concreto. Sayid afirma que a parede provavelmente protege um poderoso gerador

geotérmico – a última vez em que ele viu algo cercado por tanto concreto foi em

Chernobyl. O interior da sala não é revelado nos episódios das temporadas seguintes.

No quinto episódio de Lost: Via Domus, Hotel Persephone, Elliott precisa seguir

o caminho apontado por sua bússola, e o objeto aponta para a Sala do Incidente

(Figura 21), local blindado pelas paredes de concreto vistoriadas por Jack e Sayid em

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Everybody Hates Hugo (2x04). Elliott consegue explodir a porta de entrada da sala com

dinamite, a qual ele retira do navio Black Rock, e encontra um local de escavação em

ruínas, estrago provavelmente causado pelo “incidente” mostrado no episódio The

Incident (5x16, 17), e um enorme imã sob uma cúpula semelhante à da sala do

computador da Estação O Cisne.

Figura 21: Interior da Sala do Incidente, local revelado exclusivamente para os jogadores de Lost: Via Domus. Fonte: http://pt.lostpedia.wikia.com/wiki/Sala_do_Incidente. Acesso: 16 dez.

2009.

Até o final da quinta temporada, a Sala do Incidente não foi exibida nos

episódios televisionados, tornando o conteúdo do cenário exclusivo para quem

participou do game.

Portal ADF – episódio Orientation (2x03), ARG The Lost Experience e Lost:

Via Domus

· Suportes midiáticos envolvidos: televisão, ARG e jogo eletrônico.

· Evento do episódio televisivo: tanto o episódio Orientation (2x03)

quanto o ARG The Lost Experience apresentam informações sobre a

Fundação Hanso e Thomas Mittelwerk no ano de 2006.

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101

· Contribuição narrativa da mídia complementar: o flashback de Elliott

Maslow situa Thomas Mittelwerk trabalhando em atividades ilegais em

2004.

Lost: Via Domus também apresenta informações sobre a Fundação Hanso,

elemento introduzido na narrativa de Lost no episódio Orientation (2x03) e abordado

com mais profundidade no ARG The Lost Experience (ver detalhes no item Portal AD). Na história do jogo, o fotojornalista Elliott Maslow estava investigando uma história

sobre experimentos médicos ilegais realizados por Zoran Savo, presidente do Instituto

de Pesquisa Chenchey, antes do acidente aéreo. O trabalho do Instituto tinha o apoio

da Fundação Hanso, e Savo estava em contato com Thomas Mittelwerk na tentativa de

negociar a compra de um agente químico – gás Sarín – a ser utilizado em

experimentos de percepção extra-sensoriais. Com essas informações, pode-se situar

Mittelwerk em acontecimentos de quase dois anos antes da história do ARG The Lost

Experience, o que demonstra seu histórico de envolvimento em atividades ilícitas.

Portal BF – Acesso ao intelecto coletivo em busca de informações sobre Lost:

Via Domus

· Suportes midiáticos envolvidos: internet e jogo eletrônico.

· Situação cuja ação do intelecto coletivo foi necessária: resolução das

missões do jogo e revelação de conteúdos extra.

· Contribuição da comunidade de conhecimento: consumo como

processo coletivo permite que os membros da comunidade tenham

acesso a todas as informações disponíveis sobre o jogo.

Lost: Via Domus oferece pequenas recompensas, na forma de artes

conceituais do game e de acesso a cenários inéditos, para os jogadores que exploram

virtualmente os espaços do jogo em busca de informações adicionais. Os usuários

encontram-se em comunidades de conhecimento para discutir a experiência e acessar

o intelecto coletivo sobre informações do jogo – por exemplo, quando alguém não sabe

o que fazer para completar uma das missões e posta um tópico pedindo ajuda para os

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102

outros participantes. Ao tornar o consumo do jogo um processo coletivo, as

comunidades permitem que os jogadores compartilhem o conhecimento adquirido

sobre o universo do jogo e, assim, proporcionem conteúdo adicional para todos os

membros do grupo, como ilustra a Figura 22.

Figura 22: Seção de Curiosidades da página de Lost: Via Domus105 conta com indicações disponibilizadas pelos membros da comunidade sobre informações adicionais do jogo (área destacada).

Mesmo que a importância da participação em comunidades de conhecimento

não seja tão crucial para ultrapassar um obstáculo em Lost: Via Domus quanto é nos

exemplos apresentados nos portais BC e BD, a criação de um intelecto coletivo em

torno do game aproxima os jogadores e proporciona a eles uma experiência de

consumo compartilhado do produto, diferente do que acontece para quem apenas

completa as missões do jogo e não entra em contato com outras pessoas que

vivenciaram a mesma experiência.

Este capítulo avaliou o modo como a narrativa transmidiática é expressa no

seriado Lost, por meio do estudo dos 13 portais de acesso que foram identificados

entre as histórias contadas nas mídias complementares e o conteúdo televisionado ao

longo da segunda temporada da série. As tabelas 1 e 2 apresentam, de forma

resumida, a presença da narrativa transmidiática no seriado. A Tabela 1 mostra como

os suportes midiáticos auxiliares de Lost contribuíram para a narrativa central.

105 http://pt.lostpedia.wikia.com/wiki/Lost:_Via_Domus. Acesso em: 12 de dez. 2009.

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103

Tabela 1: Conexões entre o conteúdo narrativo dos episódios de Lost e dos

suportes midiáticos complementares, a partir da definição de portais de acesso entre as

histórias.

Portal Episódio de Lost Suporte Midiático

AB

Live Together, Die Alone (2x23, 24) – Sayid, Jin

e Sun avistam o que sobrou de uma gigantesca

estátua de pedra – um pé com quatro dedos.

Site oficial de Lost – três anos depois do

episódio 2x23, 24, o resumo online do

episódio The Incident (5x16, 17) revela a

identidade da estátua – a deusa egípcia

Taweret.

AC1

Two For the Road (2x20) – Hurley e Libby

combinam um piquenique romântico na praia.

Libby vai buscar as toalhas na Escotilha, mas é

assassinada por Michael.

Mini-episódio The Adventures of Hurley and

Frogurt (02) – enquanto Libby vai até a

Escotilha, Hurley está na praia conversando

com Neil “Frogurt” sobre a garota.

AC2

Three Minutes (2x22) – Bea Klugh propõe um

acordo para Michael em troca da liberdade dele

e de Walt. Michael concorda, mas com uma

condição: ele quer o barco dos “Outros”.

Mini-episódio The Deal (04) – momentos

depois da conversa entre Michael e Bea, Juliet

entra na cabana e informa Michael que ele irá

ganhar o barco. Eles conversam sobre Walt,

Ben e a irmã de Juliet, Rachel.

AC3

Three Minutes (2x22) – Bea Klugh leva Walt

para ver Michael. Quando o garoto diz que os

“Outros” estão fingindo, ela ameaça colocá-lo na

“sala” de novo, o que deixa Walt aterrorizado.

Mini-episódio Room 23 (06) – Walt causa

pânico nos “Outros” e provoca a morte de

diversos pássaros quando é trancado na Sala

23.

AD1

Orientation (2x03) – Jack e Locke assistem ao

vídeo de Orientação da Estação 3 – O Cisne da

Iniciativa Dharma, projeto científico financiado

pela Fundação Hanso.

ARG The Lost Experience – a Fundação

Hanso foi criada por Alvar Hanso e tem como

objetivo desenvolver projetos de pesquisa

científica que promovam o bem-estar global e

a preservação da vida humana. No século

XXI, a Fundação foi tomada por Mittelwerk, e

seus meios de ação foram deturpados.

AD2

Orientation (2x03) – a Iniciativa Dharma é

apresentada como um projeto de pesquisa

científica implantado na ilha e responsável pelo

funcionamento da Estação 3 – O Cisne e de

outras estações no local.

ARG The Lost Experience – no video do Sri

Lanka, Alvar Hanso explica os motivos

históricos e políticos por trás da criação da

Iniciativa Dharma.

Orientation (2x03) – no vídeo de Orientação da

Estação 3 – O Cisne, o Dr. Marvin Candle

explica que os números 4 8 15 16 23 42 devem

ARG The Lost Experience – no video do Sri

Lanka, Alvar Hanso afirma que os números 4

8 15 16 23 42 representam os fatores

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104

AD3 ser executados no computador a cada 108

minutos.

ambientais e humanos nucleares da Equação

de Valenzetti.

AD4

Two For the Road (2x20) – Sawyer está sentado

na praia lendo o manuscrito do livro Bad Twin,

de Gary Troup, quando é interrompido por Jack.

ARG The Lost Experience – Bad Twin foi

publicado como parte do ARG e apresentou

informações sobre a Fundação Hanso e sobre

Thomas Mittelwerk.

AF

Everybody Hates Hugo (2x04) – Jack e Sayid

examinam as fundações da Estação O Cisne.

Sayid conclue que as paredes de concreto

maciço protegem um gerador geotérmico.

Lost: Via Domus – episódio 5 – Hotel

Persephone – Elliott Maslow explode a porta

de entrada da Sala do Incidente e encontra

um gigantesco imã no local.

ADF

Orientation (2x03) e ARG The Lost Experience

– ambos os suportes midiáticos apresentam

informações sobre a Fundação Hanso e Thomas

Mittelwerk no ano de 2006.

Lost: Via Domus – o flashback de Elliott

Maslow situa Thomas Mittelwerk trabalhando

em nome da Fundação Hanso em atividades

ilícitas realizadas durante o ano de 2004.

Já a Tabela 2 apresenta de que forma a participação de consumidores em

comunidades de conhecimento sobre o programa ajudou na compreensão do conteúdo

das histórias contadas em Lost: Missing Pieces, The Lost Experience e Lost: Via

Domus.

Page 105: Através do Espelho - Aprofundamento do Universo Ficcional de Lost por Meio da Narrativa Transmidiática

105

Tabela 2: Contribuição da participação de consumidores em comunidades de

conhecimento para a compreensão do conteúdo das mídias complementares de Lost.

Portal Situação em que o consumidor precisou

recorrer ao intelecto coletivo Contribuição da Comunidade de

Conhecimento

BC

Lost: Missing Pieces – mini-episódios foram

lançados somente para aparelhos celulares da

empresa Verizon e, depois, no site da emissora

ABC.

Disponibilização dos mini-episódios no site

YouTube; no caso da comunidade brasileira,

os mini-episódios foram baixados,

legendados, postados novamente e

divulgados em blogs, redes sociais e fóruns de

discussão.

BD

ARG The Lost Experience – a construção

narrativa do ARG se dá a partir das ações dos

consumidores em resposta aos mistérios

apresentados no jogo.

Uso da internet permitiu que os usuários

buscassem pistas, decodificassem enigmas,

trocassem conhecimentos e construíssem,

juntos, a história do game.

BF

Lost: Via Domus – resolução das missões do

jogo e revelação de conteúdos extra, tais como

algumas das artes conceituais do jogo.

Consumo como processo coletivo permite que

a comunidade tenha acesso a todas as

informações disponíveis sobre o jogo. Se um

jogador descobre algo, divide com o resto do

grupo.

Por meio da análise das histórias contadas no seriado Lost e em suas mídias

complementares, pode-se mapear a presença da narrativa transmidiática ao longo da

segunda temporada da série por meio de 13 portais de acesso, como demonstram as

tabelas 1 e 2. Nos quatro suportes midiáticos selecionados para o estudo – internet

(site), celular (Lost: Missing Pieces), ARG (The Lost Experience) e jogo eletrônico

(Lost: Via Domus), é possível apontar a expressão das três características definidas a

partir das considerações de Jenkins (2008): a presença de portais de acesso, a

apresentação de novos conteúdos ficcionais nas mídias complementares, os quais

oferecem uma compreensão adicional sobre a série, e a participação de consumidores

em comunidades de conhecimento.

Page 106: Através do Espelho - Aprofundamento do Universo Ficcional de Lost por Meio da Narrativa Transmidiática

106

CONCLUSÃO

Essa pesquisa foi motivada pelo interesse tanto nos estudos de Jenkins (2008)

sobre a cultura da convergência quanto na construção narrativa do seriado Lost. De

acordo o autor, presenciamos uma reconfiguração de papéis entre produtores e

consumidores de obras de entretenimento da cultura popular, no contexto midiático de

novas tecnologias de informação e de comunicação e a crescente popularidade de

redes sociais como Orkut, Twitter e YouTube. De um lado, os produtores oferecem

diferentes camadas de significado para os espectadores, cada uma delas exigindo um

nível mais profundo de compreensão sobre o universo ficcional. De outro, uma parcela

dos consumidores recusa o papel de espectador passivo e busca ativamente

conteúdos em outros suportes midiáticos, reunindo-se em comunidades de interesse

para compartilhar as informações que encontra.

A cultura da convergência abrange profundas mudanças sociais, culturais,

empresariais e tecnológicas no modo como nos relacionamos com as mídias. Outras

duas ideias estão intimamente ligadas à esta concepção – a de cultura participativa e a

de inteligência coletiva. No âmbito da cultura participativa, os consumidores passam a

ser considerados como parte ativa da criação e da circulação de novos conteúdos. Já a

inteligência coletiva relaciona-se ao potencial que as comunidades de conhecimento

virtuais têm de alavancar o intelecto individual, ao reunir diversas pessoas com saberes

diferentes em torno de um objeto de interesse comum, sobre o qual elas estão

dispostas a discutir e construir novos saberes.

No contexto do paradigma proposto por Jenkins (2008), consideramos

particularmente interessante o conceito de narrativa transmidiática, nova forma de se

contar histórias na qual os segmentos narrativos de determinado universo ficcional são

apresentados em diversos suportes midiáticos, cada um deles contribuindo de forma

única para o entendimento da história.

Em um primeiro momento deste trabalho, realizamos a contextualização de Lost

com o objetivo de abordar a premissa da série, a resposta do público e da crítica ao

seriado e as mídias auxiliares utilizadas para aprofundar o universo narrativo ficcional

iniciado pelos episódios exibidos na televisão.

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Tendo abordado a série, partimos para as transformações ocorridas no formato

de ficção serial televisiva norte-americana ao longo das últimas seis décadas, desde o

surgimento da primeira sitcom, nos anos 1950. Tal trajetória foi realizada para

demonstrar como as histórias tornaram-se mais complexas do que eram nos primeiros

anos de ficção televisiva. Descritas as mudanças mais significativas nas séries de TV,

abordamos a narrativa transmidiática e exemplificamos o conceito com algumas

iniciativas realizadas por obras cinematográficas e televisivas.

Delimitamos três categorias de análise (Jenkins, 2008): 1) a presença de portais

de acesso, os quais criam a conexão entre as histórias de cada suporte midiático, 2) a

apresentação de novos conteúdos ficcionais nas mídias complementares – o que

resulta em compreensão adicional para os fãs que procuram esses produtos – e 3) a

participação de consumidores em comunidades de conhecimento, nas quais eles

entram em contato com novas informações sobre a série e reúnem todos os dados

disponíveis sobre o universo ficcional no qual estão interessados.

Consideramos os portais de acesso que ligam as histórias por meio de diversas

mídias como o eixo de sustentação da narrativa transmidiática, pois eles representam o

modo pelo qual um universo ficcional rico e complexo transpõe as limitações de um

único suporte e dissemina-se em outras mídias, com o objetivo de oferecer conteúdos

adicionais para os consumidores e, consequentemente, incentivá-los a participar de

comunidades de interesse. Realizamos um mapeamento dos produtos complementares

de Lost e delimitamos uma das temporadas da série para analisar a expressão da

narrativa transmidiática. Optamos avaliar o processo pelo viés do conteúdo

apresentado nos episódios da segunda temporada do seriado, por se tratar da

temporada com o maior número de contribuições narrativas procedentes de outras

mídias além da televisiva. Entre as mídias auxiliares, selecionamos quatro delas para a

realização da análise – internet (site), celular (Lost: Missing Pieces), ARG (The Lost

Experience) e jogo eletrônico (Lost: Via Domus).

Foram identificados 13 portais de acesso entre a história central de Lost, exibida

pela televisão, e as narrativas desenvolvidas nos suportes midiáticos complementares.

Na análise desses portais, demonstramos que as quatro mídias selecionadas

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expressaram claramente as características da narrativa transmidiática delimitadas nas

categorias.

A convergência tecnológica, cultural e social em andamento apresenta

oportunidades de expansão para outros campos, podendo ser explorada, futuramente,

por áreas como a educação, a política, a religião e a cidadania. O campo jornalístico

também pode beneficiar-se dessas mudanças. As redações já caminham em direção a

um jornalismo mais participativo e com maior densidade informativa, no qual o público

possa contribuir com notícias, pautas, fotos e vídeos. A produção de conteúdo

jornalístico procura convergir conteúdo em mais de uma mídia, relacionando matérias

impressas com informações disponíveis online e pelo celular. Quando se pensa o

jornalismo como forma de contar uma história que estabeleça relação entre o leitor e os

fatos do mundo, o formato da narrativa transmidiática ganha ainda mais destaque, pois

representa a chance de proporcionar, por meio da reportagem, uma experiência que

mantém a atenção do consumidor na história narrada.

Mesmo reconhecendo a diferença entre histórias ficcionais e o jornalismo,

Christofoletti (2009) afirma que a experiência narrativa envolvente que é proporcionada

pelas séries de televisão atuais pode oferecer elementos que ajudem a revitalizar os

produtos jornalísticos e torná-los mais prazerosos e interessantes para os

consumidores de informação. Ao espalhar camadas de conteúdo em múltiplas mídias,

o jornalista pode pensar o leitor/telespectador/ouvinte/usuário não apenas como

consumidor, mas também como um parceiro na construção narrativa em uma

experiência informativa. Consideramos ser relevante para o campo jornalístico colocar

em discussão essas novas estratégias, até então utilizadas no entretenimento, para

que se possa refletir sobre a criação de produtos transmidiáticos na área, o que pode

ser tema para estudos futuros.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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LÉVY, Pierre. A Inteligência Coletiva: por uma Antropologia do Ciberespaço. 2 ed. São Paulo: Loyola, 1999. MACHADO, Arlindo. A Televisão Levada a Sério. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2005. MACHADO, Elias; PALACIOS, Marcos. Um modelo híbrido de pesquisa: a metodologia aplicada pelo GJOL. IN: BENETTI, Márcia; LAGO, Claudia (Org.) Metodologia de Pesquisa em Jornalismo. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2008. MCGONIGAL, Jane. Alternate Reality Gaming, 2004. Disponível em: <http://www.avantgame.com/McGonigal_ARG_Austin%20Game%20Conference_Oct2005.pdf> Acesso em: 12 de set. 2009. MOREIRA, Lílian Fontes. A narrativa seriada televisiva: O seriado Mandrake produzido para a TV a cabo HBO. Revista Ciberlegenda. Ano 9. Número 19. Outubro de 2007. Disponível em: <http://www.uff.br/ciberlegenda/artigolilianfinal.pdf> Acesso em: 16 dez. 2009. MURRAY, Janet. Hamlet no Holodeck : o Futuro da Narrativa no Ciberespaço. São Paulo: Itaú Cultural: UNESP. 2003. PEREIRA, Paulo Gustavo. Almanaque dos Seriados. São Paulo: Ediouro, 2008. PORTER, Lynnette; LAVERY, David. Desvendando os Mistérios de Lost: guia não autorizado. Osasco, SP: Novo Século Editora, 2007. PORTER, Lynette; LAVERY, David; ROBSON, Hillary. Tesouros Enterrados de Lost: o guia não-oficial para tudo o que os fãs de Lost precisam saber. Osasco, SP: Novo Século Editora, 2008. SANTOS, Maíra Bianchini dos. Processos Interativos no ARG The Lost Experience. Trabalho apresentado no X Congresso de Ciências da Comunicação da Região Sul. Blumenau, 2009. STARLING, Cássio Carlos. Em tempo real: Lost, 24 Horas, Sex and the City e o impacto das novas séries de TV. São Paulo: Alameda, 2006.

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THOMPSON, Frank. Lost: Sinais de Vida. São Paulo: Prestígio, 2006. TROUP, Gary. Bad Twin. Rio de Janeiro: Prestígio Editorial, 2007. YIN, Robert K. Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. Porto Alegre: Bookman, 2005.

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APÊNDICES

APÊNDICE A – Resumo da primeira temporada de Lost

A primeira temporada de Lost contou com 25 episódios exibidos entre os dias

22 de setembro de 2004 e 25 de maio de 2005, nos Estados Unidos. A história dos

episódios é focada nos sobreviventes da seção intermediária do avião, e ganham

destaque questões de sobrevivência (como procura por alimento e abrigo), tentativas

de resgate e a percepção da natureza única da ilha – nos primeiros dias após o

acidente, os sobreviventes encontram um urso polar na ilha tropical, usam um aparelho

de comunicação dos destroços do avião para captar o pedido de socorro de uma

mulher francesa, o qual é transmitido por uma torre de rádio na ilha há 16 anos, e

notam a presença de um “Monstro” que arranca árvores e emite sons metálicos na

floresta. Os sobreviventes também precisam lidar com o conflito de personalidades no

grupo e aprender a confiar uns nos outros. Surgem algumas relações de hostilidade,

sendo a mais notável entre Jack e Locke, representação do conflito razão versus fé.

Por meio de investigações e expedições na ilha, o grupo encontra a mulher

francesa que emitiu a mensagem de socorro, Danielle Rousseau, um avião modelo

beechcraft nigeriano, cujos passageiros contrabandeavam heroína, um navio do século

XIX chamado Black Rock e uma escotilha enterrada na terra. As personagens também

descobrem a existência dos “Outros” quando um homem (Ethan Rom) que não está na

lista de passageiros do voo infiltra-se no acampamento, sequestra Claire e tenta

assassinar Charlie. Claire consegue escapar e retornar ao acampamento, mas sofre de

amnésia causada pelo trauma de seu sequestro. As memórias sobre o período em que

esteve ausente só retornam para Claire no episódio Maternity Leave (2x15).

Michael é auxiliado por Sawyer e Jin na tentativa de construir uma jangada para

sair da ilha, enquanto Locke e Boone concentram esforços para abrir a Escotilha. Um

acidente provoca a morte de Boone, no mesmo dia em que Claire dá a luz ao filho

Aaron. Michael, Walt, Sawyer e Jin partem na jangada. Quando uma fumaça preta

surge no horizonte, Rousseau avisa os sobreviventes que os “Outros” estão vindo por

eles. Jack e Locke decidem então explodir a porta da Escotilha e esconder todos lá

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dentro. Em alto mar, Walt é levado pelos “Outros”, a jangada é destruída e Michael,

Sawyer e Jin são deixados à deriva.

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Apêndice B – Guia de episódios de Lost: Missing Pieces

Lost: Missing Pieces foi uma série de mini-episódios lançados, em um primeiro

momento, para os celulares da empresa Verizon e depois disponibilizados no site de

Lost. Ao todo, foram produzidos 13 mini-episódios, de dois a três minutos de duração,

liberados semanalmente no período entre os dias 06 de novembro de 2007 e 28 de

janeiro de 2008. O último mini-episódio foi lançado três dias antes da estreia da quarta

temporada de Lost nos Estados Unidos.

Mini-episódio 1 – The Watch

Data de exibição: 06 de novembro de 2007.

Direção: Jack Bender.

Roteiro: Carlton Cuse.

Personagens e Elenco: Christian Shepard (John Terry); Jack Shepard (Matthew Fox).

Resumo: Na véspera do casamento de Jack [episódio Do No Harm (1x20)], Christian

presenteia o filho com o relógio que ganhou de seu pai quando se casou com Margot

Shepard. Jack descobre que o avô não gostava de sua mãe. Christian pede para Jack

ser um pai melhor do que ele foi.

Mini-episódio 2 – The Adventures of Hurley and Frogurt

Data de exibição: 13 de novembro de 2007.

Direção: Jack Bender.

Roteiro: Edward Kitsis e Adam Horowitz.

Personagens e Elenco: Hugo “Hurley” Reyes (Jorge Garcia); Neil “Frogurt” (Sean

Whalen)

Resumo: Neil “Frogurt” (a personagem era fabricante de iogurte congelado, daí a

contração das palavras frozen e yogurt) questiona as intenções de Hurley com Libby,

logo depois do casal combinar um piquenique na praia. O encontro de Hurley com Neil

ocorre pouco antes de Libby ser assassinada por Michael no episódio Two For the

Road (2x20).

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Mini-episódio 3 – King of the Castle

Data de exibição: 20 de novembro de 2007.

Direção: Jack Bender.

Roteiro: Brian K. Vaughan.

Personagens e Elenco: Ben Linus (Michael Emerson); Jack Shepard.

Resumo: Jack e Ben jogam uma partida de xadrez. Ben afirma que a ilha talvez não

deixe Jack partir e que um dia o médico irá desejar nunca ter abandonado o lugar. Jack

zomba dos poderes da ilha. A conversa ocorre antes de Locke explodir o submarino

que levaria Jack e Juliet de volta para casa, no episódio The Man from Tallahassee

(3x13).

Mini-episódio 4 – The Deal

Data de exibição: 26 de novembro de 2007.

Direção: Jack Bender.

Roteiro: Elizabeth Sarnoff.

Personagens e Elenco: Juliet Burke (Elizabeth Mitchell); Michael Dawson (Harold

Perrineau).

Resumo: Juliet e Michael se conhecem. Michael está amarrado depois de ser pego

como prisioneiro pelos “Outros”. Juliet diz que ele terá o barco que pediu e que Walt é

um menino especial. Ela conta a história de sua irmã Rachel e fala sobre confiar em

Ben Linus. A cena se passa logo após um dos flashbacks de Michael em Three

Minutes (2x22).

Mini-episódio 5 – Operation: Sleeper

Data de exibição: 03 de dezembro de 2007.

Direção: Jack Bender.

Roteiro: Brian K. Vaughan.

Personagens e Elenco: Jack Shepard; Juliet Burke.

Resumo: No acampamento da praia, Juliet acorda Jack de madrugada para contar que

ainda trabalha para Ben Linus e que os “Outros” pretendem levar as mulheres grávidas

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do grupo – no caso, Sun Kwon. Juliet diz estar cansada de viver o sonho de Ben. O

encontro ocorre entre os episódios D.O.C. (3x18) e The Brig (3x19).

Mini-episódio 6 – Room 23

Data de exibição: 11 de dezembro de 2007.

Direção: Jack Bender.

Roteiro: Elizabeth Sarnoff.

Personagens e Elenco: Ben Linus; Juliet Burke.

Resumo: Juliet e os “Outros” estão em pânico depois que “ele” (Walt) faz alguma coisa

dentro da sala 23 que faz todos os alarmes ao redor soarem. Ben afirma que Walt é

especial e Jacob o quer ali, mas ele ainda é uma só criança. Juliet leva-o ao lado de

fora da sala e mostra diversos pássaros mortos no chão. Room 23 ocorre em algum

momento entre os episódios The Hunting Party (2x11) e S.O.S. (2x19).

Mini-episódio 7 – Artz & Crafts

Data de exibição: 17 de dezembro de 2007.

Direção: Jack Bender.

Roteiro: Damon Lindelof.

Personagens e Elenco: Hugo “Hurley” Reyes; Jin Kwon (Daniel Dae Kim); Leslie Artz

(Daniel Roebuck); Michael Dawson; Sun Kwon (Yunjin Kim).

Resumo: Artz tenta convencer o casal de coreanos a não se mudar para as cavernas

com Jack [episódio House of the Rising Sun (1x06)] e questiona a liderança do médico.

Hurley e Michael comentam que o casal não entende inglês. Artz muda de ideia e

decide deixar a praia quando ouve o barulho do monstro de fumaça na floresta.

Mini-episódio 8 – Buried Secrets

Data de exibição: 24 de dezembro de 2007.

Direção: Jack Bender.

Roteiro: Christina M. Kim.

Personagens e Elenco: Michael Dawson e Sun Kwon.

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Resumo: Sun tenta enterrar sua carteira de motorista da Califórnia, mas é interrompida

por Michael. Ela explica que ia deixar o marido e fugir para os Estados Unidos, mas

mudou de ideia. Michael a conforta, e ambos quase trocam um beijo antes de serem

surpreendidos por Vincent. A cena acontece em algum momento antes do grupo

descobrir que Sun fala inglês, em ...In Translation (1x17).

Mini-episódio 9 – Tropical Depression

Data de exibição: 31 de dezembro de 2007.

Direção: Jack Bender.

Roteiro: Carlton Cuse.

Personagens e Elenco: Leslie Artz; Michael Dawson.

Resumo: Artz admite para Michael que mentiu sobre a temporada das monções para

tentar acelerar a construção da jangada. Ele conta que foi a Sydney conhecer uma

mulher, mas, quando ela o abandonou sozinho em um restaurante, ele decidiu voltar

mais cedo para casa. A conversa se passa entre os episódios Born To Run (1x22) e

Exodus: Part 1 (1x23).

Mini-episódio 10 – Jack, Meet Ethan. Ethan? Jack

Data de exibição: 07 de janeiro de 2008.

Direção: Jack Bender.

Roteiro: Damon Lindelof.

Personagens e Elenco: Ethan Rom (William Mapother); Jack Shepard.

Resumo: Jack conhece Ethan e ambos demonstram preocupação com o bem-estar do

grupo, especialmente com o de Claire. Ethan aponta que Jack talvez tenha que dar à

luz ao bebê em breve. Ele também revela que sua mulher e filho morreram durante o

parto do bebê. Mobisódio acontece antes de o grupo descobrir que Ethan não estava

no avião, no episódio Raised By Another (1x10).

Mini-episódio 11 – Jin Has a Temper-Tantrum On the Golf Course

Data de exibição: 14 de janeiro de 2008.

Direção: Jack Bender.

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Roteiro: Drew Goddard.

Personagens e Elenco: Hugo “Hurley” Reyes, Jin Kwon e Michael Dawson.

Resumo: Jin fica exasperado após perder uma partida de golfe para Michael. Ele grita

em coreano e reclama sobre o quanto está infeliz na ilha.

Mini-episódio 12 – The Envelope

Data de exibição: 21 de janeiro de 2008.

Direção: Jack Bender.

Roteiro: Damon Lindelof e J.J. Abrams.

Personagens e Elenco: Amelia (Julie Adams) e Juliet Burke.

Resumo: Momentos antes da cena de abertura da terceira temporada [A Tale of Two

Cities (3x01)], Juliet queima a mão ao tentar tirar uma porção de muffins do fogão.

Amelia aparece para visitar e pergunta se está tudo bem entre Juliet e Ben. Juliet diz

que não e está prestes a mostrar o conteúdo de um envelope quando a campainha

toca.

Mini-episódio 13 – So It Begins

Data de exibição: 28 de janeiro de 2008.

Direção: Jack Bender.

Roteiro: Drew Goddard.

Personagens e Elenco: Christian Shepard; Vincent.

Resumo: Em uma cena que ocorre minutos antes de Jack acordar na praia após a

queda do avião [Pilot Part I (01x01)], Vincent corre pela floresta e encontra Christian,

que diz para o cachorro encontrar Jack e acordá-lo, porque o médico tem trabalho a

fazer. Jack então acorda na floresta e vê Vincent.

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Apêndice C – Guia de episódios da 2ª Temporada de Lost

A segunda temporada de Lost contou com 24 episódios, exibidos entre os dias

21 de setembro de 2005 e 24 de maio de 2006, nos Estados Unidos. Os episódios

focaram na resolução de alguns dos mistérios deixados em aberto no final da primeira

temporada, como a abertura da Escotilha e o sequestro de Walt pelos “Outros”, e na

introdução de novos elementos narrativos e personagens, como a Iniciativa Dharma e

suas estações, os ‘números’, os “Outros” e os sobreviventes da cauda do avião.

A lista de atores e atrizes principais da segunda temporada inclui: Adewale

Akinnouye-Agbaje (Mr. Eko), Naveen Andrews (Sayid Jarrah), Emilie de Ravin (Claire

Littleton), Matthew Fox (Jack Shepard), Jorge Garcia (Hugo “Hurley” Reyes), Maggie

Grace (Shannon Rutherford), Josh Holloway (James “Sawyer” Ford), Daniel Dae Kim

(Jin Kwon), Yunjin Kim (Sun Kwon), Evangeline Lilly (Kate Austen), Dominic Monoghan

(Charlie Pace), Terry O’Quinn (John Locke), Harold Perrineau (Michael Dawson),

Michelle Rodriguez (Ana-Lucia Cortez), Cynthia Watros (Libby).

A seguir, estão listados os 24 episódios da temporada, acompanhados de uma

ficha técnica e de um breve resumo.

2x01 Man of Science, Man of Faith (Jack Shepard) Data de exibição: 21 de setembro de 2005.

Direção: Jack Bender.

Roteiro: Damon Lindelof.

Elenco convidado: Julie Bowen (Sarah Shepard), Henry Ian Cusack (Desmond

Hume), Malcolm David Kelley (Walt Lloyd), John Terry (Christian Shepard).

Resumo: Jack não quer entrar na Escotilha. Os sobreviventes discutem sobre a

existência dos “Outros”. Shannon vê um Walt encharcado no meio da floresta. Locke e

Kate entram na Escotilha, seguidos de Jack. Lá dentro, Jack reconhece o rosto de

Desmond de seu passado. Flashback: Jack conhece Desmond e presencia um milagre

quando a cirurgia de Sarah é bem-sucedida.

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2x02 Adrift (Michael Dawson)

Data de exibição: 28 de setembro de 2005.

Direção: Stephen Williams.

Roteiro: Steven Meada e Leonard Dick.

Elenco secundário: Henry Ian Cusick (Desmond Hume), Tamara Taylor (Susan

Lloyd).

Resumo: Enquanto Walt e Jin estão desaparecidos, Michael e Sawyer tentam se

salvar em alto mar depois do ataque dos “Outros”. A entrada de Jack, Locke e Kate na

Escotilha é mostrada novamente, do ponto de vista dos dois últimos. Desmond explica

a Locke como funciona o computador da Escotilha. Kate encontra uma dispensa cheia

de comida no local. Flashback: Michael abre mão da guarda do filho.

2x03

Orientation (John Locke) Data de exibição: 05 de outubro de 2005.

Direção: Jack Bender.

Roteiro: Javier Grillo-Marxuach e Craig Wright.

Elenco secundário: Henry Ian Cusack (Desmond Hume), Kevin Tighe (Anthony

Cooper), Katey Sagal (Helen), François Chau (Marvin Candle).

Resumo: Depois da fuga de Desmond, Jack, Locke e Kate aprendem mais segredos

sobre a Escotilha, ou Estação 3 – O Cisne, da Iniciativa Dharma, ao assistirem o vídeo

de Orientação do local. No outro lado da ilha, Michael, Sawyer e Jin são capturados por

um grupo desconhecido e conhecem Ana-Lucia. Flashback: Locke faz terapia em grupo

para superar a raiva do pai. Ele conhece Helen, mulher com quem tem um

relacionamento amoroso.

2x04

Everybody Hates Hugo (Hugo “Hurley” Reyes) Data de exibição: 12 de outubro de 2005.

Direção: Alan Taylor.

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Roteiro: Edward Kitsis e Adam Horowitz.

Elenco secundário: Sam Anderson (Bernard Nadler), L. Scott Caldwell (Rose Nadler),

Ray Gallion (Randy Nations), Lillian Hurst (Carmen Reyes), Kimberley Joseph (Cindy

Chandler), DJ Qualls (Johnny).

Resumo: Quando Hurley é encarregado de gerenciar o estoque de comida da

Escotilha, ele decide oferecer um banquete aos sobreviventes. No outro lado da ilha,

Michael, Sawyer e Jin são libertados e descobrem que seus captores também estavam

no voo 815. Claire encontra a garrafa com as mensagens dos sobreviventes na praia e

entrega-a para Sun. Flashback: as amizades de Hurley são afetadas depois que ele

ganha na loteria.

2x05

… And Found (Jin Kwon e Sun Kwon) Data de exibição: 18 de outubro de 2005.

Direção: Stephen Williams.

Roteiro: Damon Lindelof e Carlton Cuse.

Elenco secundário: Sam Anderson (Bernard Nadler), Kimberley Joseph (Cindy

Chandler), Tony Lee (Jae Lee), June Kyoko Lu (Mrs. Paik).

Resumo: Sun procura por sua aliança perdida. Ana-Lucia decide levar o grupo para o

acampamento da praia, no outro lado da ilha. Michael entra sozinho na floresta em

busca de Walt, mas é persuadido a ficar com o grupo por Mr. Eko e Jin. Flashback: A

mãe de Sun tenta arranjar a filha com Jae Lee, herdeiro de uma milionária rede

hoteleira, e Jin é empregado de um dos hotéis do jovem candidato a marido. O casal se

conhece por obra do destino.

2x06

Abandoned (Shannon Rutherford) Data de exibição: 09 de novembro de 2005.

Direção: Adam Davidson.

Roteiro: Elizabeth Sarnoff.

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Elenco secundário: Sam Anderson (Bernard Nadler), L. Scott Caldwell (Rose Nadler),

Kimberley Joseph (Cindy Chandler), Malcolm David Kelley (Walt Lloyd), Ian

Somerhalder (Boone Carlyle).

Resumo: Michael, Jin e os sobreviventes da cauda do avião apressam-se para chegar

ao outro lado da ilha quando a infecção do ferimento de Sawyer se agrava. Charlie fica

com ciúmes da amizade entre Locke e Claire. Shannon tem novas visões de Walt.

Sayid também vê o garoto pouco antes de Shannon ser baleada por Ana-Lucia.

Flashback: a vida de Shannon muda para sempre depois da morte do pai, Adam

Rutherford.

2x07 The Other 48 Days (Flashback dos primeiros 48 dias dos sobreviventes da cauda do avião, no outro lado da ilha) Data de exibição: 16 de novembro de 2005.

Direção: Eric Laneuville.

Roteiro: Damon Lindelof e Carlton Cuse.

Elenco secundário: Sam Anderson (Bernard Nadler), Brett Cullen (Goodwin

Stanhope), Mickley Graue (Zack), Kiersten Havelock (Emma), Kimberley Joseph (Cindy

Chandler), Glenn Lehmann (Donald), Josh Randall (Nathan).

Resumo: Ao longo dos primeiros 48 dias dos sobreviventes da cauda do avião na ilha,

diversas pessoas são levadas do acampamento pelos “Outros”, e a suspeita de uma

pessoa infiltrada no grupo leva Ana-Lucia a torturar outro sobrevivente, Nathan.

Goodwin mata Nathan, e Ana-Lucia assassina Goodwin quando descobre que ele é, na

verdade, um dos “Outros”. O grupo procura abrigo em uma das estações da Iniciativa

Dharma, A Flecha.

2x08 Collision (Ana-Lucia Cortez) Data de exibição: 23 de novembro de 2005.

Direção: Stephen Williams.

Roteiro: Javier Grillo-Marxuach e Leonard Dick.

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Elenco secundário: Sam Anderson (Bernard Nadler), L. Scott Caldwell (Rose Nadler),

Rachel Ticotin (Teresa Cortez).

Resumo: Sayid reage com violência à morte de Shannon. Ana-Lucia ordena que ele

seja amarrado a uma árvore e faz um interrogatório sobre o passado do terrorista. Mr.

Eko leva Sawyer para Jack e Kate. Ana-Lucia liberta Sayid. Na praia, os casais Jin e

Sun e Bernard e Rose reencontram-se. Flashback: Ana-Lucia assassina o homem que,

meses antes, atirou nela quatro vezes durante uma investigação da polícia de Los

Angeles. Ela estava grávida na época.

2x09

What Kate Did (Kate Austen) Data de exibição: 30 de novembro de 2005.

Direção: Paul Edwards.

Roteiro: Steven Meada e Craig Wright.

Elenco secundário: Sam Anderson (Bernard Nadler), Beth Broderick (Diane Janssen),

L. Scott Caldwell (Rose Nadler), François Chau (Marvin Candle), Lindsey Ginter (Sam

Austen), Fredric Lehne (Edward Mars).

Resumo: Sayid e os sobreviventes enterram Shannon. Kate cuida de um febril Sawyer

na Escotilha. Na floresta, ela vê o mesmo cavalo negro que encontrou na primeira vez

em que fugiu de Edward Mars, o agente federal. Kate beija Jack. Mr. Eko mostra a

Locke um pedaço do filme de Orientação que estava faltando. Michael fala com Walt

pelo computador da Escotilha. Flashback: é revelado o primeiro crime de Kate – ela

matou o padrasto Wayne, que na realidade era seu pai biológico.

2x10 The 23rd Psalm (Mr. Eko)

Data de exibição: 11 de janeiro de 2006.

Direção: Matt Earl Beesley.

Roteiro: Carlton Cuse e Damon Lindelof.

Elenco secundário: Adetokumboh McCormack (Yemi Tunde).

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Resumo: Mr. Eko questiona Charlie sobre a origem das estátuas da Virgem Maria, as

quais estão recheadas de heroína. Claire descobre o segredo de Charlie. O jovem

roqueiro leva Mr. Eko ao beechcraft nigeriano, e Mr. Eko afirma que seu irmão Yemi

estava no avião. Flashback: Mr. Eko era traficante de drogas na Nigéria, e seu irmão,

Yemi, era padre.

2x11 The Hunting Party (Jack Shepard) Data de exibição: 18 de janeiro de 2006.

Direção: Stephen Williams.

Roteiro: Elizabeth Sarnoff e Christina M. Kim.

Elenco secundário: Julie Bowen (Sarah Shepard), M. C. Gainey (Tom Friendly), John

Terry (Christian Shepard).

Resumo: Michael rouba armas da Escotilha e entra na floresta atrás de Walt. Jack,

Locke e Sawyer vão atrás de Michael. Jin é impedido de acompanhar o grupo por Sun.

Escondida, Kate segue Jack, Locke e Sawyer, mas é encontrada pelos “Outros”, o que

acaba com o plano de resgate de Michael. Flashback: o casamento de Jack termina

depois de ele se afastar da esposa Sarah.

2x12 Fire + Water (Charlie Pace) Data de exibição: 25 de janeiro de 2006.

Direção: Jack Bender.

Roteiro: Adam Horowitz e Edward Kitsis. Elenco secundário: Neil Hopkins (Liam Pace), Jeremy Shada (jovem Charlie Pace),

Zack Shada (jovem Liam Pace).

Resumo: Charlie tem estranhos sonhos envolvendo Aaron e acredita que o bebê

precisa ser salvo. O comportamento do jovem leva Locke a acreditar que Charlie está

usando drogas de novo. Locke afasta Charlie de Claire e Aaron. Claire pede para Mr.

Eko batizar Aaron. Sawyer encoraja Hurley a se aproximar de Libby. Flashback: Charlie

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vê sua família se desintegrar quando Liam torna-se viciado em drogas e, mais tarde, o

abandona para viver na Austrália com a mulher e a filha.

2x13 The Long Con (James “Sawyer” Ford) Data de exibição: 08 de fevereiro de 2006.

Direção: Roxann Dawson.

Roteiro: Steve Meada e Leonard Dick.

Elenco secundário: Beth Broderick (Diane Janssen), Kim Dickens (Cassidy Phillips),

Kevin Dunn (Gordy).

Resumo: Os sobreviventes temem o retorno dos “Outros” quando Sun consegue

escapar de uma tentativa de sequestro. Enquanto Jack, Locke, Kate e Ana-Lucia

debatem sobre como responder ao ataque, Sawyer toma controle das armas e,

consequentemente, ganha poder no grupo. Flashback: Sawyer aplica um golpe de

mestre em Cassidy, mulher com quem esteve envolvido durante meses.

2x14 One of Them (Sayid Jarrah)

Data de exibição: 15 de fevereiro de 2006.

Direção: Stephen Williams.

Roteiro: Damon Lindelof e Carlton Cuse.

Elenco secundário: Clancy Brown (Kelvin Joe Inman), Michael Emerson (Henry Gale),

Mira Furlan (Danielle Rousseau), Lindsey Ginter (Sam Austen).

Resumo: Rousseau revela a Sayid um homem que ela fez prisioneiro na floresta. O

homem afirma ser Henry Gale, mas Rousseau e Sayid não acreditam nele. Sayid leva

um ferido Henry Gale para a Escotilha e o tortura em busca de respostas. Flashback:

Na Guerra do Golfo, Sayid ajuda os americanos a conseguir informações sobre a

Guarda Republicana.

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2x15 Maternity Leave (Claire Littleton)

Data de exibição: 1º de março de 2006.

Direção: Jack Bender.

Roteiro: Dawn Lambertsen Kelly e Matt Ragghianti.

Elenco secundário: Michael Emerson (Henry Gale), Mira Furlan (Danielle Rousseau),

M. C. Gainey (Tom Friendly), William Mapother (Ethan Rom), Tania Raymonde (Alex).

Resumo: Quando Aaron fica doente, Kate e Rousseau ajudam Claire a retornar à

estação médica da Iniciativa Dharma em busca de remédios para o bebê. Na Escotilha,

Jack e Locke têm dificuldades para manter o prisioneiro Henry Gale em segredo.

Flashback: o período em que Claire esteve desaparecida na primeira temporada é

revelado – ela foi salva por uma jovem menina (Alex) e por Rousseau.

2x16 The Whole Truth (Jin Kwon e Sun Kwon) Data de exibição: 22 de março de 2006.

Direção: Karen Gaviola.

Roteiro: Elizabeth Sarnoff e Christina M. Kim.

Elenco secundário: Sam Anderson (Bernard Nadler), L. Scott Caldwell (Rose Nadler),

Michael Emerson (Henry Gale), Tony Lee (Jae Lee).

Resumo: Sun descobre que está grávida e afirma ser um milagre, devido à infertilidade

de Jin. Locke pede a ajuda de Ana-Lucia para interrogar Henry Gale. Ela, Sayid e

Charlie entram na floresta em busca do balão de Gale. Flashback: Sun e Jin tentaram

ter um filho diversas vezes, mas não conseguiram porque Jin é infértil.

2x17 Lockdown (John Locke) Data de exibição: 29 de março de 2006.

Direção: Stephen Williams.

Roteiro: Carlton Cuse e Damon Lindelof.

Elenco secundário: Michael Emerson (Henry Gale), Andrea Gabriel (Nadia), Katey

Sagal (Helen), Kevin Tighe (Anthony Cooper).

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Resumo: Quando a Escotilha entra em Lockdown, sistema de segurança no qual

portas de aço selam toda a Estação, Locke pede a ajuda de Henry Gale para digitar o

botão do computador. O Mapa da Porta de Segurança da Escotilha é revelado. Jack e

Kate encontram suprimentos da Iniciativa Dharma na floresta. Sayid, Charlie e Ana-

Lucia descobrem o balão de Henry Gale. Flashback: o relacionamento de Locke com

Helen termina quando ele envolve-se com Anthony Cooper novamente.

2x18 Dave (Hugo “Hurley” Reyes) Data de exibição: 05 de abril de 2006.

Direção: Jack Bender.

Roteiro: Edward Kitsis e Adam Horowitz.

Elenco secundário: Ron Bottitta (Leonard Simms), Bruce Davison (Dr. Brooks),

Michael Emerson (Henry Gale), Evan Handler (Dave).

Resumo: Libby ajuda Hurley quando ele começa a ver Dave, seu amigo imaginário, o

qual tenta convencê-lo que a ilha é uma grande alucinação. Libby beija Hurley. Na

Escotilha, Sayid e Ana-Lucia revelam ter encontrado o verdadeiro “Henry Gale”

enterrado na floresta. O falso “Henry” admite ser um dos “Outros”. Flashback: Hurley

esteve internado em um hospício depois de acreditar ser responsável por um acidente

que provocou a morte de duas pessoas.

2x19

S.O.S. (Bernard Nadler e Rose Nadler) Data de exibição: 12 de abril de 2006.

Direção: Eric Laneuville.

Roteiro: Steven Meada e Leonard Dick.

Elenco secundário: Sam Anderson (Bernard Nadler), L. Scott Caldwell (Rose Nadler),

Michael Emerson (Henry Gale).

Resumo: Bernard decide construir um sinal de “S.O.S.” na praia, mas Rose opõe-se ao

plano do marido – a ilha a curou. Jack e Kate dividem um momento romântico quando

entram na floresta buscando propor um acordo com os “Outros”. Locke questiona sua

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fé na ilha depois que o falso Henry Gale afirmar que nada acontece quando o contador

da Escotilha chega a zero. Michael retorna. Flashback: Rose tinha câncer terminal

quando chegou à ilha.

2x20 Two for the Road (Ana-Lucia Cortez)

Data de exibição: 03 de maio de 2006.

Direção: Paul Edwards.

Roteiro: Elizabeth Sarnoff e Christina M. Kim.

Elenco secundário: Michael Emerson (Henry Gale), Gabrielle Fitzpatrick (Lindsey

Littleton), John Terry (Christian Shepard), Rachel Ticotin (Teresa Cortez).

Resumo: Hurley planeja um piquenique para Libby. Jack e Kate levam Michael de volta

ao acampamento, e ele tem novidades sobre os “Outros”. Ana-Lucia tenta fazer com

que o falso Henry Gale revele quem é. Michael mata Ana-Lucia e Libby e dá um tiro no

próprio braço. Flashback: depois de abandonar a polícia, Ana-Lucia viaja à Austrália

acompanhando Christian Shepard, que se apresenta para ela como Tom.

2x21

? (Mr. Eko) Data de exibição: 10 de maio de 2006.

Direção: Deran Sarafian.

Roteiro: Carlton Cuse e Damon Lindelof.

Elenco secundário: Brooke Mikey Anderson (Charlotte Malkin), François Chau (Mark

Wickmund), Nick Jameson (Richard Malkin), Adetokumboh McCormack (Yemi Tunde).

Resumo: Mr. Eko e Locke procuram pelo ponto de interrogação (“?”), local que estava

no centro do Mapa de Segurança da Escotilha. Lá, eles encontram a estação Pérola, e

Locke acredita que o trabalho na Escotilha é uma experiência psicológica. Michael

afirma ter sido atacado pelo falso Henry Gale, o qual fugiu. Flashback: Mr. Eko

investiga um possível milagre na Austrália e recebe um recado de seu falecido irmão.

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2x22 Three Minutes (Michael Dawson)

Data de exibição: 17 de maio de 2006.

Direção: Stephen Williams.

Roteiro: Edward Kitsis e Adam Horowitz.

Elenco secundário: Michael Bowen (Danny Pickett), M. C. Gainey (Tom Friendly),

April Grace (Bea Klugh), Malcolm David Kelley (Walt Lloyd), Tania Raymonde (Alex).

Resumo: Michael convence Jack, Kate, Sawyer e Hurley a ajudá-lo a resgatar Walt

dos “Outros”. Sayid suspeita do comportamento de Michael. Os sobreviventes avistam

um barco próximo à praia. Flashback: o tempo em que Michael esteve ausente é

revelado. Ele foi levado pelos “Outros”, os quais propõem um acordo: se Michael

libertar Henry Gale e entregar Jack, Kate, Sawyer e Hurley para eles, poderá levar Walt

para casa.

2x23, 24 Live Together, Die Alone (Desmond Hume) Data de exibição: 24 de maio de 2006.

Direção: Jack Bender.

Roteiro: Carlton Cuse e Damon Lindelof.

Elenco secundário: Sam Anderson (Bernard Nadler), Michael Bowen (Danny Pickett),

Clancy Brown (Kelvin Joe Inman), Henry Ian Cusack (Desmond Hume), Alan Dale

(Charles Widmore), Michael Emerson (Henry Gale), M. C. Gainey (Tom Friendly), April

Grace (Bea Klugh), Malcolm David Kelley (Walt Lloyd), Tania Raymonde (Alex), Sonya

Walger (Penny Widmore).

Resumo: Desmond retorna à ilha. Jack e Sayid elaboram um plano contra os “Outros”.

Jack, Kate, Sawyer e Hurley acompanham Michael pela floresta, enquanto Sayid, Jin e

Sun contornam a ilha no barco de Desmond. Os três avistam o que sobrou de uma

gigantesca estátua – um pé com quatro dedos. Jack, Kate, Sawyer e Hurley são

atacados e levados pelos “Outros”, e Henry Gale revela-se como líder do grupo.

Michael e Walt deixam a ilha. Hurley é libertado. Na Escotilha, Locke e Desmond

decidem não apertar o botão. Quando o contador chega a zero, Desmond precisa

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tomar medidas extremas. O céu fica roxo, e a Escotilha explode. Fora da ilha, Penelope

Widmore é informada que seus cientistas talvez tenham encontrado o local. Flashback:

Desmond foi afastado do amor de sua vida, Penelope Widmore, pelo pai da moça,

Charles Widmore, poderoso homem de negócios. Ele decide participar de uma corrida

de barco ao redor do mundo para provar que pode ficar com Penny. O barco quebra, e

Desmond vai parar na ilha. Lá, é resgatado por Radzinsky, conhece a Escotilha e

aprende a rotina de apertar o botão. Quando Radzinsky age de forma estranha,

Desmond descobre que a “Quarentena” é uma mentira, e deixa de apertar o botão

tempo suficiente para derrubar o voo 815 da Oceanic Airlines.

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ANEXOS

Anexo A – E-mail de resposta do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE)

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Anexo B – E-mail de resposta da Rede Globo