ATIVIDADE ORIENTADORA DE ENSINO COMO PRINCÍPIO...
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ATIVIDADE ORIENTADORA DE ENSINO COMO PRINCÍPIO DE
FORMAÇÃO CONTÍNUA SOB UMA PERSPECTIVA DA TEORIA
HISTÓRICO-CULTURAL
Resumo:
As três pesquisas que compõe o painel aqui proposto, encontram-se ancoradas nos
pressupostos da teoria histórico-cultural, com ênfase na teoria da atividade. O foco está
na atividade de formação contínua de professores. São apoiadas nos estudos de
Vigotski, Leontiev, Davidov e seus seguidores, onde os pesquisadores buscam
importantes contribuições para análise e compreensão das ações que estruturam a
atividade docente e que, a partir dos movimentos de formação realizados no decorrer de
cada investigação, desencadeiam singulares processos de significação. A primeira
pesquisa investigou o processo de significação da atividade de ensino de matemática
que pode emergir durante uma atividade de formação contínua e que é desencadeado
pela mediação proporcionada pela atividade orientadora de ensino. A segunda busca
analisar forma e conteúdo da atividade de formação, nas evidências emergentes das
atividades de planejamento e organização do ensino, tomadas como elementos da
dialética em Kopnin e de atividade em Leontiev. Ambas possuem como protagonistas
professores que ensinam matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental. A
terceira pesquisa, voltada a professores da Educação Infantil, buscou evidenciar as
contribuições do conceito de “atividade orientadora de ensino” como desencadeador da
mudança das práticas de tais professores. São utilizadas unidades de análise, tal como
descreve Vigotski, e episódios de formação que evidenciam como as pesquisas aqui
abordadas se materializam. Das análises apresentadas, conclui-se que há significação da
atividade de ensino quando os professores se tornam sujeitos da atividade de formação e
em tal condição, passam a desenvolver suas atividades pedagógicas fundamentadas na
perspectiva de um ensino capaz de impulsionar o desenvolvimento psíquico e humano
de seus alunos. Para isso, é preciso que o movimento de formação contribua para que o
professor passe a compreender seu trabalho como “atividade” sendo tal movimento
estruturado como tal, na perspectiva de Leontiev.
Palavras-chave: Atividade orientadora de ensino. Formação continuada de professores.
Teoria histórico-cultural.
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A SIGNIFICAÇÃO DA ATIVIDADE DE ENSINO DE MATEMÁTICA EM
UMA ATIVIDADE DE FORMAÇÃO
Ana Paula Gladcheff
Faculdade de Educação – Universidade de São Paulo – FEUSP
Manoel Oriosvaldo de Moura
Faculdade de Educação – Universidade de São Paulo – FEUSP
Resumo: Esta comunicação, ancorada na perspectiva da teoria histórico-cultural, expõe
parte de uma pesquisa de doutorado de um dos autores concluída em dezembro de 2015.
Foi investigado o processo de significação da atividade de ensino de matemática que
pode emergir durante uma atividade de formação contínua para professores que ensinam
matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Tal atividade de formação,
integrada ao Programa Observatório da Educação da CAPES, foi desenvolvida durante
quatro anos e dela participaram professores e coordenadores pedagógicos de escolas
públicas da cidade de São Paulo. A tese defendida foi a de que em uma atividade de
formação de professores, na perspectiva da teoria histórico-cultural, a significação da
atividade de ensino de matemática desenvolve-se nos sujeitos a partir das ações que
realizam coletivamente para objetivar a aprendizagem teórica de conhecimentos
matemáticos. O trabalho teve, portanto, como objeto de investigação, as ações propostas
e realizadas em uma atividade de formação de professores no processo de significação
da atividade de ensino de matemática a partir dos princípios teóricos metodológicos da
Atividade Orientadora de Ensino – AOE. As análises dos dados da pesquisa,
fundamentadas teoricamente com base nos princípios teórico-metodológicos da teoria
histórico-cultural e da teoria da atividade, ressaltam o modo como uma atividade de
formação em matemática pode ser estruturada e evidenciam como os professores se
mobilizaram e agiram ao realizar as ações do projeto. Neste artigo, o foco está nas ações
dos professores ao desenvolverem coletivamente a tarefa proposta e são destacadas as
fases que a compõe evidenciando os princípios teórico-metodológicos da AOE.
Destaca-se, dessa forma, que a organização que sustentará o processo de significação,
convergindo para o significado social da atividade de ensino, construído coletivamente
por sujeitos orientados pela mesma perspectiva teórica que fundamenta tal formação,
deve ser estruturada como atividade, na perspectiva de Leontiev.
Palavras-chave: Atividade orientadora de ensino. Formação continuada em
matemática. Significação.
Introdução
Na perspectiva da teoria histórico-cultural, a educação escolar deve ser
compreendida como uma via para o desenvolvimento psíquico e principalmente
humano, por meio da socialização do saber produzido ao longo da história, visando à
máxima humanização dos indivíduos (MARTINS, 2007). Esse saber, expresso em
conceitos científicos, é apropriado pelo sujeito por meio de uma atividade cuja
finalidade básica é a própria aprendizagem. Tal atividade, identificada como atividade
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de estudo, é caracterizada por possuir conteúdo e estrutura especiais, na qual se permite
o surgimento das funções psíquicas, e resulta no desenvolvimento psíquico e na
formação da personalidade do indivíduo (DAVIDOV, MÁRKOVA, 1987). Dessa
forma, o ensino torna-se desenvolvimental, ou seja, capaz de impulsionar o
desenvolvimento, tal como o designa Davidov.
Nesse sentido, a escola é compreendida como um espaço privilegiado para
apropriação do conhecimento mais elaborado pela humanidade, tido como
conhecimento teórico ou científico, permitindo que o indivíduo transforme a forma e o
conteúdo do seu pensamento na direção do desenvolvimento do pensamento teórico
(DAVIDOV, 1988). Para isso, o ensino deve ser organizado por meio de um movimento
de aprendizagem decorrente de uma atividade intencional, sistematizada e organizada,
que tem como objetivo a formação do pensamento teórico nos alunos. Tal atividade,
designada ao professor, constitui, na perspectiva dialética da relação teoria e prática, a
sua atividade: a atividade de ensino. O professor, portanto, sendo sujeito da atividade
pedagógica, é o responsável pela transmissão do saber historicamente acumulado, e é
possível compreender que seu trabalho, como mediador entre os alunos e o
conhecimento, possui especificidades dentro do processo educativo na educação formal,
já que sua finalidade é garantir que eles se apropriem do conhecimento elaborado e não
do conhecimento espontâneo; do saber sistematizado e não do saber fragmentado; da
cultura erudita e não da cultura popular (SAVIANI, 2011). Cabe a ele planejar
atividades de ensino que, além de garantir a apropriação do conhecimento pelo aluno,
possibilite a este acesso ao processo de produção desse conhecimento para que, assim, o
aluno torne-se sujeito e constitua-se como tal ao participar ativa e intencionalmente do
processo de apropriação do saber, superando o modo espontâneo e cotidiano do
conhecer (BASSO, 1998).
Mas a essência do movimento de formação do pensamento teórico (que
envolve a análise, a reflexão e o plano interior das ações) “se trata de um procedimento
especial com o qual o homem enfoca a compreensão das coisas e dos acontecimentos
por via da análise das condições de sua origem e desenvolvimento” (DAVIDOV, 1988,
p.6, tradução nossa, grifos do autor) e, tal como afirmam Rosa et al. (2010), a
perspectiva de ensino encontrada nas escolas é a de que o processo de apropriação dos
conhecimentos científicos esteja baseado na observação refletindo apenas propriedades
exteriores, construídas a partir de comparações entre objetos.
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Por isso, entende-se a necessidade de se compreender, cada vez mais, como são
desenvolvidos os processos de formação, sejam eles iniciais ou contínuos, a fim de que
se verifique a possibilidade de que o professor, ao participar do processo, entre em
atividade desenvolvendo o pensamento teórico em suas ações de ensino para, assim,
sistematiza-las com o objetivo de desenvolver o pensamento teórico nos estudantes.
Ancorada na perspectiva da teoria histórico-cultural, com ênfase na teoria da
atividade, a pesquisa que ora apresentamos investigou o processo de significação da
atividade de ensino de matemática que pode emergir durante uma atividade de formação
contínua realizada com professores que ensinam matemática nos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Significação, nesse caso, compreendida pela perspectiva de Leontiev, que
a interpreta como um processo, isto é, como “a forma em que um homem determinado
chega a dominar a experiência da humanidade” (LEONTIEV, 1983, p. 225, tradução
nossa).
A tese defendida é a de que em uma atividade de formação contínua de
professores, na perspectiva da teoria histórico-cultural, a significação da atividade de
ensino de matemática desenvolve-se nos sujeitos a partir das ações que realizam
coletivamente para objetivar a aprendizagem teórica de conhecimentos matemáticos.
Nesta comunicação, o foco encontra-se nas ações dos professores durante uma
atividade de formação em matemática, considerada o cenário para a investigação,
destacando-se as fases que a compõe e evidenciando os princípios teórico-
metodológicos da atividade orientadora de ensino (AOE).
O processo de formação contínua como atividade
O sentido que atribuímos ao conceito de atividade está baseado na concepção
sistematizada por Leontiev (2010), aos princípios da teoria da atividade. Orientado
pelos pressupostos teóricos estabelecidos por Vigotski, o autor define atividade como
“os processos psicologicamente caracterizados por aquilo a que o processo, como um
todo, se dirige (seu objeto), coincidindo sempre com o objetivo que estimula o sujeito a
executar esta atividade, isto é, o motivo” (LEONTIEV, 2010, p.68). O conceito exposto
é estruturado, segundo o mesmo, por elementos de orientação (objeto, necessidade e
motivo da atividade) e de execução (ações, operações e objetivos da atividade) que
devem ser compreendidos em uma relação indissociável. E complementa que há, entre
eles, uma interconexão e um dinamismo que podem fazer com que se transformem
reciprocamente no decorrer do processo (LEONTIEV, 1983).
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No contexto da pesquisa aqui relatada, ao compreendermos o trabalho do
professor como atividade, podemos inferir que esta compreende ações e operações –
uma delas o estudo – que, nas condições de uma atividade de formação contínua,
apresenta-se como uma proposta formativa coletiva. Formação contínua por nós
entendida como a descreve Moretti (2007), sendo “um processo que ocorre na
continuidade da formação inicial e que visa à transformação da realidade escolar por
meio da articulação entre teoria e prática docente” (p.24). Nessa formação, o professor
deve ser “sujeito” a fim de que reflita sobre suas ações e se perceba como o organizador
do conteúdo teórico, na sua ação pedagógica, que é o elemento mediador entre o aluno e
a sua aprendizagem. Na pesquisa, investigamos, como já mencionado, o processo de
significação da atividade de ensino de matemática que pode emergir durante uma
atividade de formação contínua realizada com professores que ensinam matemática nos
anos iniciais do Ensino Fundamental, portanto, apresentamos inicialmente a Figura I,
que ilustra um esboço do esquema que representa a nossa compreensão de como deve
ser estruturada uma atividade de formação contínua em matemática.
O esquema (Figura I) está baseado nas ideias de Leontiev, sobre a estrutura da
atividade humana, e nos princípios teórico-metodológicos que orientaram o processo de
formação que foi desenvolvido no decorrer da investigação. Neste, encontra-se
sintetizado o que entendemos por cada elemento que compõe a atividade e que, por sua
Figura I: : Estrutura interna de uma atividade de formação contínua em matemática, formulada
pelos autores.
operações
Leituras; discussões;
intervenção no processo
educativo
objeto
Organização
do ensino
sujeito
Professor atividade
Formação contínua necessidade
Intervir no
processo educativo
motivo
Intervir no processo educativo
por meio da articulação entre
teoria e prática
objetivo
Apropriar o conhecimento
teórico e prático para intervir
no processo educativo
ações
Apropriar conceitos teórico-
metodológicos da THC e da TA;
apropriar conhecimento teórico
matemático; planejar atividades de
ensino
condições
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vez, medeia a relação entre o sujeito (professor) e seu objeto de trabalho (organização
do ensino de matemática).
Leontiev assinala que as ações, mediante as quais se realiza a atividade,
constituem seus componentes fundamentais ao afirmar que “a atividade humana não
pode existir de outra maneira, senão na forma de ações ou grupo de ações”
(LEONTIEV, 1983, p.84, tradução nossa). Podemos perceber, portanto, o quanto as
ações que compõem uma atividade de formação contínua podem ser reveladoras das
mudanças nas ações dos professores relacionadas à sua atividade de ensino, ou seja, o
processo de significação da atividade de ensino do professor pode ser desencadeado
pelas ações organizadas na atividade de formação contínua, que possui uma estrutura na
qual o trabalho coletivo é constituído e constitutivo. O coletivo é o modo como a
produção se integra às necessidades dos sujeitos que dele fazem parte. Essas ações, por
sua vez, devem seguir metodologia e procedimento sistemáticos que visem ao
desenvolvimento do pensamento teórico dos professores, envolvendo-os em atividade.
Isso significa que, ao participarem da atividade de formação, os professores
desenvolvem ações de estudo, orientados pelas ações que são organizadas e realizadas
durante o processo de formação, e que devem possibilitar que os sentidos atribuídos por
eles à atividade de ensino, gerados no decorrer do processo, não se formem
espontaneamente, mas na direção da perspectiva teórico-metodológica da teoria
histórico-cultural, de modo a contribuir para que seu trabalho passe a ser entendido
como atividade, na perspectiva de Leontiev. Tal processo, sendo estruturado como
atividade, compreende ações individuais com resultados intermediários que juntos
levam à satisfação de uma necessidade do grupo que busca um resultado comum, e isso
significa que podem convergir para uma mesma objetivação, uma vez que a atividade
(coletiva) “envolve parcerias, divisão de trabalho e busca comum de resultados”
(MOURA, 2012, p.156).
Nesse movimento, destacamos o papel atribuído à atividade orientadora de
ensino (AOE) proposta por Moura (1996, 2012) ao focar a prática pedagógica
baseando-se no conceito psicológico de atividade. Segundo o autor, a AOE se estrutura:
[...] de modo a permitir que sujeitos interajam, mediados por um conteúdo
negociando significados, com o objetivo de solucionar coletivamente uma
situação-problema (MOURA, 1996). É atividade orientadora porque define
os elementos essenciais da ação educativa e respeita a dinâmica das
interações que nem sempre chegam a resultados esperados pelo professor.
Este estabelece os objetivos, define as ações e elege os instrumentos
auxiliares de ensino, porém não detém todo o processo, justamente porque
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aceita que os sujeitos em interação partilhem significados que se modificam
diante do objeto de conhecimento em discussão.
Os princípios que regem a atividade orientadora de ensino proporcionam
atenção às diferenças individuais, às particularidades do problema colocado em ação e
aos vários conhecimentos presentes no ambiente educativo. Dessa forma, uma
particularidade extremamente relevante que a constitui é a intencionalidade, o que,
segundo Moura (2012), imprime uma responsabilidade ímpar aos que organizam o
ensino. É com essa perspectiva que o movimento da pesquisa é apresentado a seguir.
O movimento da pesquisa e as ações dos professores para a realização da tarefa
proposta durante a atividade de formação
Entendemos que o processo de significação da atividade de ensino de
matemática dos professores é orientado pelas ações organizadas e praticadas na
atividade de formação, e tal movimento ocorre ao assumirmos os pressupostos
vigotskianos e davidovianos sobre a aprendizagem e o desenvolvimento, e marxiano
sobre o trabalho. No caso de Vigotski e Davidov, em especial, entendendo que a
apropriação do conhecimento teórico na direção do desenvolvimento do sujeito é
considerada o objetivo essencial no processo educativo, e que essa apropriação se dá no
movimento do interpsíquico ao intrapsíquico. Isso significa que, para se apropriar de um
novo conceito, o sujeito primeiro se relaciona com ele por meio das atividades sociais
(interpsíquico) para depois torná-lo para si (intrapsíquico) (VIGOTSKI, 2009).
Ao compreendermos significação como um processo, orientamos a investigação
pelos princípios metodológicos elaborados por Vigotski ao estudar as formas
caracteristicamente humanas de atividade psicológica, e entendendo o pressuposto de
Leontiev ao estabelecer a atividade humana como unidade básica para compreensão do
psiquismo. Tais princípios contêm, nas palavras do autor:
(1) Uma análise do processo em oposição a uma análise do objeto; (2) uma
análise que revela as relações dinâmicas ou causais, reais, em oposição à
enumeração das características externas de um processo, isto é, uma análise
explicativa, e não descritiva; e (3) uma análise do desenvolvimento que
reconstrói todos os pontos e faz retornar à origem o desenvolvimento de uma
determinada estrutura (VIGOTSKI, 2007, p.69).
Assim, realizamos uma análise do fenômeno de forma dinâmica, visando à
busca da essência do objeto de investigação. Identificamos, no decorrer do movimento
realizado durante um processo de formação, a ocorrência de mudança de qualidade nas
ações relacionadas à atividade de ensino de matemática dos professores. Isso por
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entendermos serem as ações dos professores reveladoras do sentido que estão atribuindo
à atividade de ensino e por ser desta forma que se dá o processo de significação.
O projeto de pesquisa que constituiu o cenário da investigação fez parte do
Programa Observatório da Educação da CAPES, e trabalhou com formação contínua em
matemática, orientado pela perspectiva da teoria histórico-cultural, tendo como título
“Educação matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental: princípios e práticas
da organização do ensino”. Composto por quatro núcleos de investigação, situados em
quatro diferentes universidades, tal projeto possuiu uma organização fundamentada nos
pressupostos da teoria da atividade partindo das premissas de que se aprende no
coletivo e o sujeito se faz ao construir seu objeto. Por isso, proporcionava-se momentos
de discussão coletiva em todos os encontros, para que o processo de significação da
atividade de ensino de matemática dos professores se encontrasse em movimento para
uma atividade coletiva desde seu início. O núcleo escolhido, como campo empírico, foi
o de São Paulo, o qual promoveu, durante quatro anos, 134 encontros semanais de três
horas, e contou com a participação efetiva de quatro escolas públicas da capital. Nesses
encontros, estiveram presentes o coordenador geral do projeto, quatro coordenadores
pedagógicos (que atuavam nas escolas participantes), 14 professoras do Ensino
Fundamental, três alunas do curso de Pedagogia com projetos de iniciação científica,
três doutorandos e um mestrando, com pesquisas integradas ao projeto.
Foi no decorrer dos encontros realizados semanalmente que buscamos apreender
o movimento de significação da atividade de ensino de matemática dos professores.
Suas ações e reflexões foram observadas com o intuito de identificar mudanças nos
modos de ação relativos à organização do ensino de matemática, caracterizando a
significação de sua atividade de ensino de matemática. As mesmas eram observadas por
meio de intervenções realizadas nos encontros coletivos de formação, nas manifestações
e ações dos professores durante os encontros e nas apresentações de suas ações na
prática educativa. Utilizamos, para isso, os instrumentos de vídeo-gravações, realizadas
nos encontros de formação; gravações em áudio, utilizadas quando o trabalho era
realizado em subgrupos; anotações de campo, feitas durante os encontros. Ressaltamos
aqui a participação da pesquisadora em todos os encontros de formação, a partir do
segundo semestre de desenvolvimento da atividade de formação. Na finalização da
atividade, foram realizadas entrevistas com o objetivo de revalidar dados apreendidos
e/ou complementar dados que não foram explicitados em outros momentos. Por fim,
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foram aproveitados dados relatados pelos professores e coordenadores durante uma
sessão reflexiva da qual participaram todos os integrantes do núcleo São Paulo. Nesta
última, alguns pesquisadores propuseram questões para o grupo geral, abordando a
atividade de formação, e o grupo era estimulado a relatar sua opinião sobre o que estava
sendo perguntado. Com base nisso, os professores e coordenadores faziam relatos sobre
sua participação nas várias ações do projeto.
Junto aos princípios metodológicos elaborados por Vigotski, foi utilizada a ideia
do método de análise por unidades proposto pelo mesmo autor (VIGOTSKI, 2009).
Como já descrito, entendemos que a organização do processo de formação de
professores, na perspectiva da teoria histórico-cultural, deve compor um movimento que
se estruture como atividade. Deve, portanto, fundamentar-se nas premissas de que se
aprende no coletivo e que o sujeito se faz ao construir seu objeto. Por outro lado, por
ser o trabalho a atividade criadora do homem e constituir a unidade de análise de seu
desenvolvimento, ao analisarmos o trabalho dos professores, podemos inferir que essa
unidade encontra-se na organização do ensino desses professores que, ao organizarem o
ensino de matemática, orientados pelos princípios da AOE, possuem como elementos
essenciais o conhecimento teórico matemático e a intencionalidade pedagógica no
planejamento das suas ações de ensino. Temos, portanto, a justificativa para que a
estruturação da atividade de formação e a organização do ensino de matemática,
fossem consideradas as duas unidades de análise para a apreensão do processo de
significação da atividade de ensino de matemática dos professores.
No movimento do processo de formação estruturado como atividade, há um
destaque atribuído à AOE. Esta, por ser constituída como a unidade de formação do
professor e do aluno, possui, nesse contexto, o papel de desencadeadora do processo de
aprendizagem do professor, pois
[...] a AOE constitui-se em um modo geral de organização do ensino, em que
seu conteúdo principal é o conhecimento teórico e seu objeto é a constituição
do pensamento teórico do indivíduo no movimento de apropriação do
conhecimento. Assim o professor, ao organizar as ações que objetivam o
ensinar, também requalifica seus conhecimentos, e é esse processo que
caracteriza a AOE como unidade de formação do professor e do estudante
(MOURA et al., 2010).
Dessa forma, fez parte de tal atividade de formação em matemática uma ação
que pode ser considerada como central no movimento formador: desenvolver atividades
de ensino para conceitos matemáticos, fundamentadas na perspectiva de um ensino
capaz de impulsionar o desenvolvimento psíquico e humano dos alunos, com o objetivo
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de organizar o ensino. Isso, porque desenvolver atividades de ensino, que se
concretizam na escola, é o núcleo da atividade do professor, é o que o forma. E os
princípios teórico-metodológicos da AOE, como pode ser constatado, possibilitam que
as atividades objetivem o desenvolvimento do pensamento teórico nos alunos.
Na atividade de formação, constituída como o campo de investigação dessa
pesquisa, os professores foram colocados no movimento de desenvolvimento de
atividades de ensino, como pode ser observado na Figura II.
Para executar a tarefa constituída por desenvolver atividades de ensino para o
conceito de medida de determinadas grandezas, elaboradas com o objetivo de organizar
a atividade de estudo dos seus alunos, os professores deveriam percorrer as orientações
teórico-metodológicas dadas pelos princípios da AOE, tal como apresentado na Figura
II. Em tal esboço, evidenciamos que o processo inicia com o grupo de formação sendo
dividido em subgrupos, cada um com a tarefa de desenvolver atividades de ensino para
o conceito de medida de uma determinada grandeza. Para isso, seguindo as orientações
teórico-metodológicas da AOE, o professor deveria: estudar o processo de
desenvolvimento da atividade humana que foi encarnada no conceito a ser trabalhado,
para assim, explicitar, através do histórico, a essência das necessidades humanas que
motivaram a produção do conceito e, através do lógico, a sistematização lógica do
conceito, ou seja, a lógica formal que evidencia as respostas que o ser humano criou
Figura II: Movimento concretizado pela tarefa dada aos professores durante a atividade de
formação. Elaborado pelos autores.
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para satisfazer tais necessidades; elaborar, com isso, uma situação desencadeadora de
aprendizagem criando um problema desencadeador de aprendizagem que contém a
gênese do conceito a ser trabalhado, e que reproduz a necessidade humana que motivou
a criação de tal conceito, e planejando ações de ensino que orientam os alunos à solução
do problema, colocando o conceito em movimento para que seja apropriado por eles;
levar à sua prática a atividade de ensino planejada e, com ela, modificar o pensar de
seus alunos, mas, também, aprender e transformar seu conhecimento e a si mesmo, num
processo dialético; em seguida, refletir e avaliar o vivenciado na escola mediado pelo
coletivo proporcionado na atividade de formação, trazendo mudanças na atividade de
ensino desenvolvida.
Esse modo de desenvolvimento permitiu aos professores apropriarem-se do
conhecimento teórico matemático a ser ensinado, levando-os à prática educativa na
forma de situações desencadeadoras de aprendizagem, pois, pelas orientações dadas,
“para reelaborar a gênese do conceito ou o problema desencadeador em forma de
atividade de estudo”, precisaram “esboçar o percurso de ensino e de aprendizagem que
educador e educandos” iriam trilhar (NASCIMENTO, 2010 , p.95).
Como é possível evidenciar, os princípios teórico-metodológicos que orientam o
desenvolvimento de atividades de ensino, segundo a AOE, tornam-se mediadores na
relação entre o conhecimento teórico matemático e o planejamento das ações de ensino.
Nesse movimento, os professores, mediados pela possibilidade de trabalho coletivo,
significaram sua atividade de ensino alternando momentos de reflexão teórica e ação
prática em seu trabalho docente, o que pode ser observado por meio de alguns relatos
expostos a seguir.
Professora 1: Me senti mais segura em relação a trabalhar com matemática na sala de
aula e me deu mais condições de buscar mais conhecimento, de pesquisar mais, de ler
mais... o grupo me dava segurança, tirava minhas dúvidas... O fato de eu aplicar as
atividades em sala de aula e trazer as minhas dúvidas tanto me ajudava a refletir sobre o
processo de aprendizagem dos alunos e eu acho que ajudava ao grupo porque eles
tentavam solucionar minhas dúvidas, o que acontecia na sala que é um tanto
imprevisível. [...]só foi me dando segurança e a certeza de que eu preciso estudar muito
mais, buscar muito mais (Sessão Reflexiva, 2/12/2014).
Professora 2: [...] A gente, enquanto professor, a gente precisa se respeitar e respeitar
os alunos, com esse tempo. Às vezes a gente fica muito ansioso, a gente quer passar
logo aquilo ali sem refletir se o aluno realmente aprendeu, tomou posse daquele
conceito. É muito prazeroso, gratificante. Hoje eu já não sei mais trabalhar de outro
jeito (Encontro de Formação, 8/10/2013).
Professora 3: Esse trabalho no coletivo ficou muito. Não que eu era individualista.
Mas, hoje em dia eu penso muito no coletivo. E isso eu peguei muito de vocês e do
professor. E é o que dá certo. Quando eu fiz parceria com a minha colega na escola,
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nossa, eu vi, eu não penso sozinha. Vem outra pessoa e te mostra o caminho. É muito
boa essa troca. Isso eu levo comigo. A aprendizagem que tive aqui, levo comigo pelo
resto da vida. Hoje sou outra pessoa. Mudei totalmente. (Entrevista, 9/12/2014).
Defendemos, portanto, com essa investigação, que o processo de significação da
atividade de ensino de matemática é desenvolvido durante a execução da tarefa
designada aos professores: organizar o ensino. No entanto, compreendemos que não é
“qualquer” forma de organização que sustentará a atribuição de sentido às ações que
possuem potencial para desencadear o processo de significação. É preciso que a
significação convirja para o significado social da atividade de ensino fundamentado na
teoria histórico-cultural e, para isso, é necessário que o desenvolvimento das atividades
de ensino esteja integrado a um processo de formação estruturado como atividade. Mais
do que isso, que a execução da ação dada pela tarefa ressaltada seja mediada pelos
fundamentos teórico-metodológicos da atividade orientadora de ensino (AOE).
Considerações finais
No recorte de pesquisa de doutorado aqui apresentada, defendemos que as ações
de estudo dos professores, orientadas pelas ações organizadas e praticadas durante um
processo de formação estruturado como atividade, constituíram-se como modos de
estudo incorporando as ações coletivas como conteúdo, e modo geral de ação para as
ações dos professores. Isso significa que as ações dos professores, na sua atividade de
ensino, incorporaram as ações coletivas praticadas na atividade de formação de maneira
singular e foram influenciadas tanto pela sua relação com o conhecimento teórico
matemático como com o planejamento de suas ações de ensino. Todo esse movimento
convergiu para a formação do pensamento teórico dos professores, dado pela articulação
entre a teoria e a prática, e fez com que o processo de significação da atividade de
ensino emergisse. Este processo, por sua vez, convergindo para o significado social da
atividade de ensino proposto na atividade de formação que foi baseada nos pressupostos
da teoria histórico-cultural, em especial da teoria da atividade. Foi possível evidenciar a
relação de unidade que existe entre as ações de estudo e as ações de ensino, mediada
pelos princípios da AOE. Com isso, pudemos concluir que as ações praticadas e
organizadas durante a atividade de formação, caracterizadas pelas ações de estudo dos
professores, devem ser sistemáticas e interdependentes, que se concretizam com o
objetivo central da atividade de formação: desenvolver o pensamento teórico dos
professores dado pela articulação entre a teoria e a prática educativa.
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FORMA E CONTEÚDO DA ATIVIDADE DE FORMAÇÃO DO PROFESSOR
QUE ENSINA MATEMÁTICA NOS ANOS INICIAIS
Anelisa Kisielevski Esteves
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS
Neusa Maria Marques de Souza
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS
Resumo: Este artigo é referenciado em uma pesquisa de doutorado, em que se
investiga a forma e conteúdo da atividade de formação do professor, que ensina
Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Nas evidências emergentes das
atividades de planejamento e organização do ensino, os elementos forma e conteúdo
são tomados na perspectiva da dialética em Kopnin e em consonância com o conceito
de atividade em Leontiev. Com base no que revelam as ações observadas no
movimento de formação dos professores, são discutidos os formatos que assumem as
atividades de ensino dos professores e as possibilidades de novas significações a partir
do conceito de Atividade Orientadora de Ensino (AOE). O trabalho de formação
continuada que abarcou as ações em pauta foi desenvolvido pela pesquisadora, durante
os anos de 2013 e 2014, junto a um grupo professores de uma escola municipal, em
tempo integral, no município de Campo Grande/MS. Foram propiciadas ações de
discussão acerca de conhecimentos matemáticos, análise das práticas pedagógicas dos
participantes, planejamento coletivo de atividades de ensino a serem desenvolvidas,
além da partilha de suas experiências. O trabalho desenvolvido junto a esse grupo de
professores e as análises realizadas fundamenta-se nos princípios teórico-
metodológicos da teoria histórico-cultural, com enfoque na teoria da atividade e no
método em Vigotski. Os dados analisados revelam que ao se tomar o conhecimento
científico como conteúdo da atividade de formação do professor, objetivando o
desenvolvimento de seu pensamento teórico, as ações realizadas – visando à
apropriação de novas significações acerca da organização do ensino de Matemática –
propiciam que ocorram mudanças na forma e no conteúdo da atividade de ensino dos
professores envolvidos.
Palavras-chave: Forma e conteúdo da atividade de formação. Organização do ensino
de Matemática. Teoria da Atividade.
Introdução
Os processos de formação contínua, intensificados no Brasil a partir da década
de noventa, principalmente os que têm sido destinados aos professores da Educação
Básica, tem se mostrado insuficientes como solução para os baixos índices de
desempenho dos alunos desse nível de ensino, ou mesmo para cumprir o papel de
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complemento do processo de formação inicial, como lhes atribuem alguns setores
responsáveis por esses processos.
As análises do quadro geral em que interferem as atuais políticas para formação
contínua de professores desenvolvidas nas pesquisas de Gatti e Barreto (2009) apontam
que, de modo geral, essas formações – tanto programas desenvolvidos pelo governo
federal como propostas de formação organizadas pelas próprias secretarias de educação
– têm contribuído pouco para mudanças significativas nos processos de ensino e de
aprendizagem.
Ainda nesse campo, ao discutir sobre o legado do século XX para a formação
de professores, Martins (2010) chama atenção para o modo de organização da maioria
dos processos de formação docente, nos quais se privilegia a forma em detrimento do
conteúdo supervalorizando as dimensões técnicas da prática de ensino em detrimento
de seus próprios fundamentos, como se bastasse aos professores apropriarem-se de
metodologias de ensino.
Tais constatações nos sugerem a necessidade de repensar a formação contínua
do professor a partir de um referencial teórico e metodológico que considere a atividade
de ensino, que é objeto do trabalho do professor, a partir do conceito de atividade
proposto por Leontiev (1983, 2004), fundamental para o entendimento do trabalho do
professor enquanto sujeito do ato de ensinar.
A teoria da atividade traz, assim, – com base nos princípios da teoria histórico-
cultural – contribuições importantes para repensarmos o papel da educação no
desenvolvimento humano, com especial atenção à educação escolar, consequentemente
à formação de professores.
Nesse sentido, os processos formativos devem possibilitar que o professor entre
em atividade de formação, para que assim, possa apropriar-se tanto de conhecimentos
relativos ao conteúdo a ser ensinado como às formas de organização do ensino. Devem,
ainda, subsidiar aos professores o acesso aos saberes do espaço educacional e propiciar
o envolvimento na busca constante de conhecimentos balizadores da organização do
ensino e da concretização de um projeto educativo proposto pelo coletivo escolar.
(MOURA, 1996).
Como proposta teórica, a teoria histórico-cultural direcionou nosso propósito de
observar e discutir os formatos que assumem as atividades de ensino dos professores
em um movimento de formação, e as possíveis vias que lhes permitem o acesso a novas
significações em tal contexto que se constituiu em campo de coleta de nossa pesquisa
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de doutorado, cujo recorte das análises será apresentado neste artigo, por meio do caso
singular de uma das professoras participantes.
Atividade de formação e o desenvolvimento do pensamento teórico do professor
Conforme estudos de Leontiev (1983, 2004), a atividade do sujeito nasce de
uma necessidade, orientada para um objeto, o que gera um motivo, o qual impulsiona o
sujeito a agir, por meio de ações e operações, que visam atingir um determinado
objetivo. A partir desse entendimento, um movimento formativo que pretende se
consolidar como atividade de formação demanda estruturas organizacionais que
propiciem aos professores estarem em atividade.
Ao considerar as necessidades dos professores, frequentemente relacionadas à
sua atividade de ensino cujo objeto consiste na aprendizagem dos alunos, os processos
de formação contínua podem assumir modos de organização pensados a partir da
estrutura da atividade, que se materializem por meio de situações geradoras de motivos
que os impulsionem a agir coletivamente, através de ações e operações que envolvam
estudo, planejamento e avaliação do trabalho que desenvolvem em sala de aula.
Para tanto, as ações propostas devem ser planejadas com o objetivo de propiciar
aos professores a articulação dos conceitos teóricos específicos do campo de formação
em questão com os tocantes aos aspectos metodológicos, considerando as
aproximações com o objeto do conhecimento voltado à atividade de ensino e
aprendizagem, nos vários aspectos de sua organização teórica e prática.
Neste sentido, o objetivo de investigar a forma e o conteúdo da atividade de
formação do professor que ensina Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental,
se estabelece para a pesquisa de doutorado que realizamos junto a um grupo de
professores e coordenadores pedagógicos de 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, que
lecionam em uma escola municipal em tempo integral, em Campo Grande/MS.
Iniciou-se nessa escola um processo que denominaremos por movimento
formativo, desenvolvido a partir do segundo semestre de 2013 e finalizado no
encerramento do segundo semestre de 2014, com participação de dezesseis professores
e três coordenadores pedagógicos, que atuavam nas turmas de 1º ao 5º ano do Ensino
Fundamental.
Este movimento formativo – que objetivou se tornar atividade de formação –
propiciou momentos de discussão de questões relacionadas aos conhecimentos
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matemáticos em si, de análise das práticas pedagógicas dos participantes, de
planejamento coletivo das atividades de ensino a serem desenvolvidas, além da partilha
de suas experiências.
Os pressupostos da teoria histórico-cultural – consequentemente os princípios do
materialismo histórico dialético – foram ponto de partida e de chegada desde as ações
desenvolvidas até a apreensão e análise dos dados. No desenvolvimento de nossa
investigação também consideramos, como defendido por Vigotski (2001), a necessidade
de estudarmos o fenômeno em movimento.
Para tanto, ao longo da pesquisa, procuramos direcionar nossa atenção para as
ações desenvolvidas pelos professores ao longo do processo de formação, de modo a
apreender possíveis mudanças na forma e conteúdo de sua atividade de ensino, no
percurso estabelecido pelo grupo em formação, referenciado no conceito de Atividade
Orientadora de Ensino (MOURA, 1996, 2002).
A atividade orientadora de ensino (AOE) mantém os elementos da estrutura da
atividade (necessidade, motivos, objetivos, ações e operações), mediando a dimensão
teórica e prática da atividade do professor e do aluno, podendo, assim desencadear
tanto a formação do aluno como a do próprio professor. (MOURA et al, 2010). Ao
referenciar as ações desenvolvidas no movimento de formação na AOE, consideramos
seus princípios como orientação teórico-metodológica, principalmente, no que se refere
à organização do ensino, ao compartilhamento das ações desenvolvidas e à
intencionalidade da atividade de ensino.
No processo em que se desenvolve a pesquisa objeto dessa narrativa,
compreendemo-nos como pesquisadores aliados na busca de possíveis soluções para
problemas enfrentados pelos professores na escola, contribuindo, por meio de uma ação
mediadora, pesquisadora-conhecimento-professores, para o desenvolvimento do
pensamento teórico do professor e para uma educação escolar que seja propulsora do
desenvolvimento humano.
O pensamento teórico é aqui entendido com base nos estudos de Davídov (1982,
1988), que ao considerar as diferenças entre os processos de formação dos conceitos
espontâneos e dos conceitos científicos, analisa o desenvolvimento de dois tipos de
pensamento: o empírico e o teórico.
Segundo o autor, o pensamento empírico “[...] se constitui como uma forma
transformada e expressa verbalmente da atividade dos órgãos dos sentidos, ligada com a
vida real; é derivado diretamente da atividade objetal-sensorial das pessoas”.
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(DAVÍDOV, 1988, p. 123, tradução nossa). Já o pensamento teórico tem como
conteúdo a existência mediatizada, refletida, essencial e consiste em “[...] um processo
de idealização de um dos aspectos da atividade objetal-prática, a reprodução, que
representa as formas universais dos objetos.” (DAVÍDOV, 1988, p. 125, tradução
nossa).
Para Kopnin (1978, p.152-153), “tanto o empírico como o teórico são níveis do
movimento do pensamento”. Ele considera que é apenas no nível teórico que “o
conhecimento assume caráter realmente universal e procura produzir a verdade em toda
a concretude e objetividade do conteúdo desta”. Deste modo, considerando a dialética
entre forma e conteúdo, é o desenvolvimento do pensamento teórico que possibilita o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores em sua máxima potencialidade.
Tarefa esta que cabe à educação escolar e que por isso é conteúdo da atividade de
ensino.
Mudanças na forma e conteúdo da atividade de ensino do professor
Ao considerarmos que o desenvolvimento ocorre em função da mudança de
conteúdo (KOPNIN, 1978) e que o conteúdo da atividade de ensino é o conhecimento
teórico, analisaremos, por meio do caso singular de uma das professoras participantes
de nossa pesquisa, os novos formatos que assumem sua atividade de ensino, a partir do
movimento de formação desenvolvido, o qual foi concebido como uma atividade de
formação.
Para realização desta análise, destacamos algumas reflexões da professora,
identificada nesta pesquisa por P4A, apreendidas por meio dos diálogos realizados ao
longo do movimento formativo.
É importante destacarmos que as falas da professora P4A apresentadas neste
artigo estão relacionadas ao trabalho desenvolvido pelas professoras do 4º ano do
Ensino Fundamental, durante o segundo semestre de 2014, a partir do jogo “Caracol do
Resto”. As professoras do 4º ano, ao final do 1º semestre de 2014, apontaram a
dificuldade de muitos de seus alunos em compreender o algoritmo da divisão. Então,
durante nossos encontros, que aconteceram no horário de planejamento, surgiu a
necessidade de repensarmos o ensino da divisão e, a partir dessas discussões, foi
proposto o planejamento de uma atividade de ensino a ser desenvolvida com os alunos
do 4º ano.
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Para o planejamento dessa atividade de ensino, o jogo foi escolhido como uma
situação desencadeadora. Também foram realizados alguns estudos acerca do ensino e
aprendizagem da divisão e de seu algoritmo. O planejamento coletivo das ações foi
realizado pelo grupo de professoras de 4º ano em parceria com a pesquisadora.
Durante a realização dessas ações, que antecederam o trabalho em sala de aula,
o estudo sobre ensino e aprendizagem da divisão e de seu algoritmo foi fundamental
para o planejamento da atividade de ensino, pois consideramos ao longo de todo
movimento formativo, que
O conhecimento é necessário ao homem para ação prática, deve conduzir a
essa ação, converter-se nela. E para atuar com êxito à base do conhecimento,
o homem deve estar convencido da veracidade desse conhecimento e da
verdade do plano de sua ação prática. O homem que empreende uma ação
prática sem convicção na veracidade da ideia que ele se propõe a realizar na
vida, carece de vontade, clareza de objetivos e motivação emocional, tão
necessárias para a feliz realização dessa ação. (KOPNIN, 1978, p. 347).
Assim, para que as professoras pudessem organizar sua atividade de ensino,
planejar ações com objetivo de possibilitar aos alunos a aprendizagem do conceito de
divisão, mais especificamente a compreensão de seu algoritmo, foi necessário que elas
se apropriassem de conhecimentos acerca do próprio objeto de ensino.
Contudo, para que os conhecimentos apropriados, como exposto na citação
anterior, conduzam sua ação, o professor precisa estar convencido de sua veracidade,
ter convicção desta ideia. Por isso, o desenvolvimento da atividade de ensino planejada
e depois sua avaliação, em conjunto com o grupo de professoras do 4º ano, foram ações
que propiciaram mudanças na forma e conteúdo da atividade de ensino, como revela o
diálogo da professora P4A com a pesquisadora, em um dos encontros em que
avaliamos o trabalho realizado com os alunos, ocorrido em outubro de 2014.
P4A [Ao comentar sobre sua atitude em relação às questões que estavam
sendo discutidas a partir do trabalho que foi desenvolvido em sala de aula]:
Mas engraçado, eu comecei a me envolver mais também, a entender
melhor, eu acho, como estava sendo colocado. Porque geralmente, muitas
vezes, na hora, fica meio confuso pra você entender, não fica? Na formação
[oferecida pela Secretaria Municipal de Educação], não é? Não sei se é o
tempo, se muita coisa [...] Então, depois você vê de novo, você vai ler, vai
refletir... Ligou com o que você falou [se referindo à pesquisadora]. Então,
você já vai construindo outra coisa aqui também [se referindo ao trabalho
de sala de aula], você vai sentido vontade de... Deu-me até vontade de fazer o
mestrado lá [Mestrado em Educação Matemática], mas aí eu falei não, não
vou... [risos]
[...]
Pesquisadora: [...] porque você falou assim: “Eu ouvi isso, mas ouvi lá na
formação [oferecida pela Secretaria Municipal de Educação], mas não tinha
me atentado, então a gente volta, discute de novo”, não é?
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P4A [Referindo-se ao trabalho realizado com jogo “Caracol do Resto”, com
um olhar para os erros cometidos por seus alunos ao realizar o algoritmo de
divisão]: É, e até teve um momento em que eu pensei: é, ele errou, está
errado. Ele errou mesmo, ele errou. Mas depois eu tive que voltar; gente, ele
não errou tanto, olha, ele pensou assim. Então, até o aluno já fica mais
animado. [...] Ele percebe que pensou alguma coisa diferente, que ali era uma
coisa diferente. Ele, então, diz: “eu não errei, eu pensei diferente”.
Pesquisadora: Eu me lembro de um encontro nosso, já faz um tempo, que
você estava estressada com o processo americano [algoritmo não
convencional da divisão], você se lembra? Você disse assim: “Não aguento
mais esses guris desse jeito, eu não quero mais essa divisão”. [risos]
P4A: Eu mudei meu pensamento, já.
Pesquisadora: É, eu me lembro que você estava muito incomodada. Você
olhava para aquilo e via: “olha ele erra, não dá certo”. Mas quando você
percebe e olha que ele só pensou...
P4A: Diferente. Pensou diferente. Pensou mesmo. Ele está se enrolando
porque ele entendeu [...], mas ainda está confuso, não resolveu ainda na
cabeça dele. Por exemplo, esse Lúcio mesmo [referindo-se a um de seus
alunos], ele começou. Quando eu pedia pra ele, faz aí, sozinho, eu quero ver.
O Lúcio começou a querer dividir das unidades, então todo mundo [outros
alunos da turma, disseram]: “Lúcio não tem como você dividir assim”. Mas
ele estava dividindo, só que começando da outra ordem [unidade]. Quer
dizer, não era porque ele não sabia dividir, então. Essas coisas, assim que a
gente foi trabalhando. Não é não sabe, não. Ele começou a pensar de outro
modo, usamos o material dourado [...], ele começou a fazer diferente. [...] Só
que agora também eu vi que ele [Lúcio] ficou mais interessado. Ele não
gostava de ir ao quadro. Só que agora ele já começou a ver que ele vai
errando, mas todo mundo está querendo ajudar, então ele vai.
Pesquisadora: Mas é porque alguma coisa mudou, não é?
P4A: Eu mudei, né. Porque eu sou bem... [Fez cara de brava] [risos]. Mas
depois, eu fui mudando. [...] Mas eu estou aprendendo também muito com
eles. Eu achei legal isto, que a gente está aprendendo juntos.
A professora P4A, ao avaliar o trabalho desenvolvido com seus alunos, sinaliza
algumas mudanças que ocorreram com ela ao longo do processo formativo: “[...]eu
comecei a me envolver mais, a entender melhor”; “[...] mudei meu pensamento, já”.
Ela exemplifica essa mudança no modo de ver os erros cometidos por seus alunos,
identificando a partir deles conhecimentos que já possuíam e a possibilidade de que
eles poderiam “pensar diferente”; indícios de que sua forma de organizar o ensino
também foi alterada.
É importante, contudo, observarmos que essa alteração na forma de organizar o
ensino está relacionada à apropriação, por parte da professora P4A, de conhecimentos
acerca do próprio objeto matemático a ser ensinado, como ela mesma aponta: “Então,
depois você vê de novo, você vai ler, vai refletir... [...] Então, você já vai construindo
outra coisa aqui também [...]”. Essa situação singular corrobora a afirmação de Fisher
(1976, p. 144), ao discutir sobre a dialética forma e conteúdo, de que “[...] o conteúdo
novo rompe os limites estabelecidos pelas velhas formas, criando formas novas”. Cabe
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destacar, entretanto, que esse é um processo que demanda tempo, pois, conforme este
mesmo autor, “sempre e em todas as partes, a forma [...] oferece resistência ao novo”.
Assim considerando, para que haja mudanças na forma da atividade de ensino
do professor é imprescindível que seu conteúdo seja modificado e, como já defendido
por Moretti (2007, p. 187), torna-se
[...] fundamental que sejam propiciados aos professores referenciais teóricos
que possam ser (re)visitados, quando necessário, de modo que, num
movimento entre teoria e prática, os professores produzam propostas de
ensino que, por um lado respondam às necessidades de ensinar e das quais
eles se apropriem e, por outro, criem condições de superação do senso
comum de forma que seus alunos possam apropriar-se do conhecimento
humano construído sócio-historicamente.
As propostas de formação contínua, ao serem estruturadas precisam, então,
estar respaldas no conhecimento científico, possibilitando ao professor o
desenvolvimento de seu pensamento teórico, o que não é feito quando se propõe a eles
cursos centrados em sugestões de novas abordagens para o ensino em sala de aula. As
formações que tem como foco apenas aspectos metodológicos, contribuem pouco para
mudanças na forma de organizar o ensino, como podemos observar na fala da
professora P4A:
Eu lembro lá atrás [no começo do processo de formação, em 2013], eu
pensava: imagina não conseguir fazer nada [risos]. Então, você vê que é
difícil, [...], há uma resistência. [...] Você sempre fica achando que não
precisa. Essa resistência, assim, é horrível, dói demais! Eu aprendi
Matemática, muito sofrido, nunca tirei nota boa em Matemática, nunca,
nunca entendi essas coisas. [...] Mas era uma coisa que me inquietava muito,
eu preciso vencer esse negócio, mas era tudo tão difícil [se referindo aos
conteúdos de Matemática e às formas de ensiná-los]. Então, eu pensava
assim, se eu aprendi desse jeito, isso daí [novas formas de se ensinar
Matemática] não vai me servir, eu posso ensinar do jeito que eu aprendi, não
posso? Eu ignorei tudo [...] Eu vou ensinar do jeito que eu aprendi,
porque o que falavam era muito interessante, mas muito difícil pra mim.
Não é porque eu não queria, era muito difícil, vai que eu não dou conta
desse jeito. Mas hoje em dia, eu acho que isso mudou. (Outubro/2014)
Ao comentar sobre as mudanças no modo de organizar o ensino de Matemática,
ao longo do processo de formação realizado, a professora P4A aponta que a resistência,
que ela tinha – e que muitos professores também demonstram em relação às novas
abordagens para o ensino de Matemática – era consequência de suas dificuldades em
relação ao objeto de conhecimento matemático, o que a levava a repetir os mesmos
modelos a partir do quais havia aprendido.
O motivo que a impedia de mudar sua forma de organizar o ensino de
Matemática, não era o desconhecimento das possibilidades de utilizar novas
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metodologias, mas suas dificuldades em relação aos próprios conhecimentos
matemáticos, e de como se explicitavam as relação dos nexos conceituais do objeto do
conhecimento teórico com as possibilidades de novas abordagens para ensinar, como
ela bem explicita: “Eu ignorei tudo [...] Eu vou ensinar do jeito que eu aprendi, porque
o que falavam era muito interessante, mas muito difícil pra mim. Não é porque eu não
queria, era muito difícil, vai que eu não dou conta desse jeito.”
Esta situação, que não se restringe apenas à professora P4A, mas aparece em
outros momentos no universo geral dos dados de nossa pesquisa, reforça as
preocupações de Facci (2004, p.244) acerca da formação do professor, quando
questiona, “como exigir do professor que ele ensine bem, que ele transmita as formas
mais desenvolvidas do saber objetivo, se ele próprio não teve e continua não tendo
acesso a esse tipo de ensino e de saber?”.
Sendo assim, a apropriação de conhecimentos científicos deve ser também uma
preocupação na formação de professores. Preocupação esta que é contemplada pela
atividade orientadora de ensino (AOE) – entendida aqui como um modo de
organização do ensino – ao dar destaque ao aspecto histórico e lógico do conceito
como elemento constituinte do planejamento de situações desencadeadoras de
aprendizagem.
De acordo com Moura (2014, p. 11):
O ato do educador é o de apreensão do movimento histórico do conceito para
daí retirar o que considera como sendo relevante para ser sistematizado na
escola como conteúdo de ensino. É por isso que a história do conceito deve
ser vista não como ilustradora do que deve ser ensinado. Ela é o verdadeiro
balizador das atividades educativas. Os conceitos são sínteses produzidas na
história humana, já nos dizia Vygotsky. Este ensinamento nos dá o norte do
ensino, da organização curricular, da organização das atividades de ensino.
Ao se apropriar do aspecto histórico e lógico dos objetos de ensino, o professor,
como exposto na citação anterior, poderá identificar a essência do objeto de ensino,
seus nexos conceituais, o que propiciará que ele possa organizar sua atividade de
ensino a partir de outros formatos, superando as formas de ensino de Matemática
baseadas no treino, repetição e memorização, as quais não contribuem para o
desenvolvimento do pensamento teórico.
Destarte, na discussão sobre a dialética entre forma e conteúdo na atividade de
ensino do professor, destacamos o papel determinante do conteúdo – o qual se encontra
em contínuo desenvolvimento – em relação à forma. (ROSENTAL, STRAKS, 1960).
Então, se pretendemos que os processos de formação contínua contribuam para
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mudanças na forma de organização do ensino, é fundamental considerarmos que ao
possibilitar o desenvolvimento do pensamento do teórico do professor, estaremos
propiciando a ele a apropriação dos conceitos científicos que definirão um novo
conteúdo à atividade de ensino, o qual incidirá sobre sua forma.
Considerações Finais
Discutir acerca da formação de professores, seja ela inicial ou contínua, significa
também discutir sobre o papel da escola na sociedade atual. Ao nos basearmos nos
pressupostos da teoria histórico-cultural, acreditamos que a escola deve possibilitar aos
alunos a apropriação de conhecimentos elaborados, os conceitos científicos. Compete à
escola, o ensino do conhecimento historicamente elaborado pela humanidade, de modo
a possibilitar aos alunos o desenvolvimento máximo das potencialidades humanas,
reforçando a tese dos estudos vigotskianos de que o ensino deve promover o
desenvolvimento.
Contudo, não é qualquer ensino que garante desenvolvimento. Frequentemente,
no contexto escolar atual, como apontando por Bernardes (2012), nem os professores
nem os estudantes realizam ações que propiciem o movimento de humanização por
meio da apropriação do conhecimento elaborado historicamente, ou seja, o modo de
organização do ensino atual não tem possibilitado o desenvolvimento das máximas
potencialidades humanas. A preocupação que permeia a escola, na maioria das vezes, é
apenas a preparação dos estudantes para o atendimento das exigências do mercado de
trabalho, objetivo defendido pelos ideários neoliberais presentes nas políticas públicas
da educação brasileira atual. A educação escolar, então, acaba se limitando ao trabalho
com os conceitos espontâneos, não propiciando o desenvolvimento do pensamento
teórico pelos estudantes.
Assim, se pretendemos operar mudanças no quadro atual da escola brasileira,
necessário se faz rever forma e conteúdo dos modos de organização nos processos de
formação de professores, objetivando organizar
[...] ambientes formativos que a eles [professores] possibilitem superar o
pensamento empírico pelo teórico que, na sua continuidade, interação e
complexização promova a mudança dos sentidos que atribuem aos objetos
que sustentam sua ação pedagógica. [...] pois é nos processos de interação
que estes podem se modificar, podem tomar lugar das antigas concepções
novas construções e conhecimentos, movimento que leva o professor à
superação de uma qualidade antiga por uma nova e outra qualidade.
(SOUZA, 2013, p. 43).
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Sendo assim, a superação de uma qualidade antiga por uma nova e outra
qualidade nas ações dos professores envolverá, como defendido ao longo deste artigo,
se tomar o conhecimento científico como conteúdo da atividade de formação do
professor, objetivando o desenvolvimento de seu pensamento teórico, de modo que as
ações realizadas – visando à apropriação de novas significações acerca da organização
do ensino de Matemática – propiciem mudanças na forma e no conteúdo da atividade de
ensino dos professores, considerando, como posto por Fisher (1976, p. 146), que “a
forma [...] está sempre sujeita a ser destruída pelo movimento e pela mudança do
conteúdo”.
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MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL? ATIVIDADE ORIENTADORA
DE ENSINO E A (RE)ORGANIZAÇÃO DA PRÁTICA DOCENTE
Gisele Mendes Amorim
Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP
Vanessa Dias Moretti
Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP
Resumo
O presente trabalho apresenta uma pesquisa de mestrado que buscou evidenciar as
contribuições do conceito de Atividade Orientadora de Ensino como desencadeador da
mudança de prática de professores de Educação Infantil, especificamente na
organização do ensino de noções matemáticas. Partindo de um contexto escolar no qual
as professoras manifestaram dificuldades em organizar e desenvolver atividades
matemáticas que superassem a cotidianização dos conceitos, e ancorando-nos na
psicologia Histórico-Cultural, na Teoria da Atividade e no conceito de Atividade
Orientadora de Ensino, desenvolvemos um curso de extensão, tomado como
experimento didático, com o objetivo de problematizar, a partir de tais pressupostos
teóricos, o processo de ensino da matemática. As ações docentes de planejamento,
desenvolvimento das situações-problema e avaliação, bem como a socialização dessas
ações, constituíram os dados que foram coletados e organizados em três isolados
interdependentes, posteriormente divididos em episódios cuja análise revelou indícios
do movimento de mudança da prática docente na organização do processo de ensino da
matemática. Para os fins deste texto apresentamos o isolado “Conceitos Matemáticos
em Movimento” no qual se revela que as aprendizagens docentes em relação aos
conceitos matemáticos partiam dos conceitos espontâneos ou cotidianos e, ao longo do
experimento didático, foram se transformando mediadas pela apropriação de elementos
do conceito de AOE. A análise dos dados demonstrou que as professoras
ressignificaram o motivo e o sentido de sua atividade, diante de uma reorganização que
se mostrou para elas mais eficaz do que a prática anterior pautada apenas em situações
cotidianas. Desta forma, ao acompanhar o movimento de aprendizagem docente em
experimento didático fundamentado na perspectiva histórico-cultural, esta pesquisa
pôde constatar a potencialidade do conceito de Atividade Orientadora de Ensino como
propiciador de mudança da prática docente a partir de uma nova organização do ensino
da matemática na Educação Infantil.
Palavras-chave: Atividade orientadora de ensino. Formação de professores que
ensinam matemática. Educação infantil.
Motivação para a pesquisa e objetivo
O interesse em tomar como objeto de pesquisa e investigação a Educação
Matemática e, em particular, como o processo de ensino e de aprendizagem da
matemática é realizado nas escolas de Educação Infantil, surgiu da observação escolar
cotidiana de que tal dificuldade costuma ser vivenciada por grande parte dos professores
que atuam nessa etapa da educação. No contexto escolar específico no qual se
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desenvolveu a parte empírica dessa pesquisa, a análise do processo de avaliação coletiva
do plano de ação 2013 da instituição escolar evidenciou a necessidade de
aprimoramento das discussões sobre a prática docente em torno do eixo de matemática
na Educação Infantil uma vez que as professoras apresentavam naquele momento
dificuldades em planejar situações significativas para a exploração de noções
matemáticas de forma lúdica e contextualizada, limitando a educação matemática às
noções de cores e números, focados em uma abordagem cotidiana e utilitária dos
conceitos por meio de exercícios de repetição e memorização.
Em busca de compreender mais profundamente essa realidade e algumas
possiblidades de superação das dificuldades apontadas pelas professoras enveredamos
para o estudo dos referenciais teóricos da psicologia Histórico-Cultural proposta por
Vigotski (2007, 2009), na Teoria da Atividade desenvolvida por Leontiev (1983, 2012)
e no conceito de Atividade Orientadora de Ensino (AOE) proposto por Moura (1996,
2010). Apoiados nesses estudos o objetivo dessa pesquisa constitui-se em investigar a
potencialidade do conceito de Atividade Orientadora de Ensino – AOE (MOURA,
1996, 2010) como propiciador do movimento de mudança da prática docente, a partir de
uma nova organização do ensino da matemática na educação infantil.
Neste texto, apresentamos uma síntese da fundamentação teórica da pesquisa,
sua forma de organização e metodologia, a análise de um dos isolados (CARAÇA,1951)
investigados e as considerações pertinentes a esse isolado.
Teoria Histórico-Cultural e Teoria Da Atividade: Contribuições para a Educação
Infantil
Buscando superar as correntes psicológicas idealista e mecanicista, vigentes no
começo do século XX período pós-revolução russa, Vigotski idealizou a psicologia
histórico-cultural.
Influenciado por Marx, Vigotskii concluiu que as origens das formas
superiores de comportamento consciente deveriam ser achadas nas relações
sociais que o indivíduo mantém com o mundo exterior. Mas o homem não é
apenas um produto do seu ambiente, é também um agente ativo no processo
de criação deste meio. (LURIA, 2012, p. 25)
Tal conclusão justifica a importância dada às relações sociais como pressuposto
fundamental para o processo de aprendizagem e desenvolvimento humano na
perspectiva histórico-cultural, uma vez que o processo de aprendizagem “pressupõe
uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na
vida intelectual daqueles que a cercam” (VIGOTSKI, 2007, p.100). Nesta perspectiva,
Vigotski propõe que a aprendizagem deve estar à frente do desenvolvimento, de modo a
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atuar na zona de desenvolvimento proximal, que são as formas psicológicas mais
sofisticadas que emergem das relações humanas na vida social e que “permite-nos
delinear o futuro imediato da criança e seu estado dinâmico de desenvolvimento,
propiciando o acesso não somente ao que já foi atingido através do desenvolvimento,
como também àquilo que está em processo de maturação” (VIGOTSKI, 2007, p. 98).
Considerando o homem como ser social cujas funções do desenvolvimento
humano aparecem primeiramente no nível social (função interpsicológica), e
posteriormente no nível individual (função intrapsicológica) (VIGOTSKI, 2007), vemos
a importância do trabalho pedagógico para o desenvolvimento humano que se
estabelece por meio do processo de aprendizagem, processo intencional e planejado
com vistas ao desenvolvimento do sujeito.
De acordo com Vigotski (2007) o conhecimento não se dá de forma direta entre
o sujeito e o objeto de conhecimento, mas sempre de forma mediada, o que ocorre por
meio de um signo ou instrumento. O conceito de mediação implica a ideia de que o
homem é capaz de operar mentalmente sobre o mundo, por meio de representações
mentais. O traço fundamental do psiquismo humano é que este se desenvolve por meio
da atividade humana social mediada por signos e instrumentos que se interpõem entre o
sujeito e o objeto. Nesta perspectiva a escola é compreendida como local privilegiado de
apropriação dos conhecimentos historicamente constituídos, onde a organização
intencional do acervo cultural produzido historicamente representa a essência do
trabalho docente, considerada como atividade principal do professor, pois
[...] se, dentro da perspectiva histórico-cultural, o homem se constitui pelo
trabalho, entendendo este como uma atividade humana voltada a um fim e
orientada por objetivos, então o professor constitui-se professor pelo seu
trabalho – atividade de ensino – ou seja, o professor constitui-se professor na
atividade de ensino. (MORETTI, 2007, p. 101)
Assim, a formação docente continuada ancorada na perspectiva histórico-
cultural tem por objetivo o desenvolvimento profissional do professor em atividade de
ensino cuja referência se estabelece nos conhecimentos historicamente constituídos pela
humanidade em constante movimento, de modo que
Não se trata de um desenvolvimento pautado por aquisições meramente
práticas, utilitaristas ou metodológicas, nem tampouco de um
desenvolvimento marcado pelo acúmulo de cursos ou conceitos
desarticulados da prática docente, mas sim de uma formação desencadeada
por necessidades pedagógicas que impulsionam o professor a buscar formas
de modificar ou qualificar o seu trabalho com a finalidade de organizar o
processo de ensino de forma a desenvolver nas crianças as máximas
capacidades humanas. (AMORIM, 2015, p. 63)
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Tais necessidades podem ser compreendidas como premissa para a atividade de
ensino uma vez que Leontiev (2012) afirma que toda atividade nasce de uma
necessidade e dirige-se a um objetivo que se transforma no motivo dessa atividade
(LEONTIEV, 2012, p. 68). Desta forma, a necessidade pedagógica se apresenta como
“mola” propulsora para a atividade de ensino, que por sua vez se relaciona com os
motivos que remetem às ações pedagógicas direcionadas a objetivos.
Assim, se o professor almeja que as crianças se apropriem do conceito de
número e compreendam o sistema de numeração decimal em seu movimento lógico-
histórico, essa necessidade pedagógica passa a mobilizá-lo no sentido de desenvolver
ações condizentes com seu objetivo e sua atividade de ensino passa a se constituir por
meio da apropriação do conceito de número assim como dos meios necessários para
propiciar às crianças essa apropriação. Para tanto, “um elemento essencial na formação
do professor é o conhecimento da história dos conceitos, pois essa história é a história
do desenvolvimento dos problemas e das soluções criadas nas relações humanas”
(MOURA, 2012, p. 188). A partir da necessidade pedagógica de colocar o
conhecimento a ser aprendido como uma necessidade para aquele que aprende
fundamentado no conhecimento do movimento lógico-histórico do conceito, o professor
“lançará mão de instrumentos e de estratégias que lhe permitirão uma maior
aproximação entre sujeitos e objeto de conhecimento” (MOURA, 1996, p. 04), criando
situações desencadeadoras de aprendizagem.
Educação Matemática na Infância
Ao tomarmos os conceitos matemáticos na perspectiva histórico-cultural,
reconhecemos os conceitos matemáticos como produção humana constituída
historicamente a partir de necessidades sociais. Assim, por exemplo, o sistema de
numeração decimal em sua complexidade, embora tenha sua presença no cotidiano
“[...]teve seu inicio na pré-história, [quando] o ser humano utilizou diferentes estratégias
para controlar, registrar e comunicar as quantidades, bem como para realizar cálculos e
operações” (MOURA, 1996, p. 01).
Assim, pensar sobre a produção desse sistema é pressuposto básico para a
apropriação do conhecimento de número, o que diverge totalmente da apropriação do
número de forma mecânica, por meio de memorização. Moura (1996, p.02) alerta para o
fato de que uma tarefa que proponha à criança a contagem de uma determinada
quantidade de palitos a fim de determinar a quantidade existente no conjunto pode não
ser uma necessidade de contagem para a criança, que a realiza apenas pela solicitação
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do professor. Embora a identificação dos números em calendário e contagem de rotina
revelem a função social do número e sua utilidade, compreendemos que a escola se
constitui como espaço de ampliação da experiência humana e, portanto, deve organizar-
se objetivando o acesso aos bens culturais constituídos historicamente.
O ensino da matemática na educação infantil pressupõe a participação da criança
como sujeito ativo em sua complexidade, tanto no aspecto cognitivo quanto corporal, o
que transcende a função motora exercida em uma atividade de grafia de numerais
resultante da contagem de um conjunto de objetos. Além disso, o conceito de número é
constituído de elementos que superam a mera grafia numérica, tais como a
correspondência um a um, a
[...] cardinalidade, ordinalidade, contagem seriada, contagem por
agrupamento, composição e decomposição de quantidade, reconhecimento de
símbolos, representação numérica, operacionalização numérica, percepção de
semelhanças e diferenças, percepção de inclusão e percepção de invariância”
(LORENZATO, 2008, p.31-32).
Desta forma, ao se conceber o sistema de numeração como produção humana
constituída historicamente compreende-se que embora as crianças ingressem na escola
com certo conhecimento sobre números, isso não significa que elas tenham se
apropriado deste complexo sistema e dos elementos que o compõem, e disso decorre a
importância do trabalho do professor na organização do processo de ensino da
matemática, na seleção dos conceitos e nas formas de se abordar esses conhecimentos.
Nesse sentido, Moura (1996, 2010) apresenta a Atividade Orientadora de Ensino
como conceito orientador da organização do ensino da matemática e propõe que ao
desenvolverem-se atividades desencadeadoras de aprendizagem as mesmas deverão
conter a síntese histórica do conceito, os recursos teórico metodológicos do processo de
apropriação do conceito e a análise e a síntese da solução coletiva, mediada pelo
professor. O conceito de Atividade Orientadora de Ensino busca colocar em atividade
tanto o professor, que organiza o ensino com o objetivo de possibilitar ao estudante a
apropriação dos conhecimentos e das experiências histórico-culturais da humanidade,
quanto o estudante, que se envolve no processo de aprendizagem com a finalidade de se
apropriar desses conhecimentos.
A organização da pesquisa e metodologia
Partindo do objetivo já indicado de investigar a potencialidade do conceito de
Atividade Orientadora de Ensino – AOE como propiciador do movimento de mudança
da prática docente na Educação Infantil, desenvolvemos um curso de extensão
universitária tomado como experimento didático (MOURA e CEDRO, 2012). O
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experimento didático fundamenta-se nos estudos de Vigotski (2007) ao propor a
investigação do objeto em movimento e oferece uma possibilidade metodológica na
pesquisa em educação matemática, por se apresentar como
[...] método de investigação psicológica que permite estudar a essência das
relações internas entre os diferentes procedimentos da educação e do ensino e
o correspondente caráter de desenvolvimento psíquico do sujeito. (MOURA e
CEDRO, 2012, p. 31).
No caso da pesquisa apresentada, o experimento didático possibilitou estudar o
desenvolvimento da atividade docente em movimento de modo a compreender a gênese
da mudança ou ressignificação da prática docente a partir da apropriação pelos
professores do conceito de Atividade Orientadora de Ensino (MOURA, 1996, 2010).
Desta etapa empírica da pesquisa resultou um vasto acervo de dados oriundos do
acompanhamento sistemático de oito professoras em vinte e sete encontros didáticos por
meio de conversas individuais, planos de aula, atividades desenvolvidas com as
crianças, análise das atividades realizadas, socialização das atividades produzidas e
relatórios, além do diário de campo da formadora-pesquisadora, com registros de
observação dos encontros didáticos. Tanto a organização dos diferentes encontros e
ações que constituíram o experimento didático quanto a análise dos dados fundamentou-
se no conceito de Atividade Orientadora de Ensino elaborado por Moura (1996, 2010),
sustentado pela Teoria da Atividade (LEONTIEV, 1983, 2012), em coerência com a
perspectiva histórico-cultural (VIGOTSKI, 2007, 2009). Respeitando o sigilo das
identidades, nomeamos as professoras de forma fictícia, a fim de assegurar o seu
anonimato.
Os dados empíricos foram analisados e categorizados em isolados (CARAÇA,
1951) e episódios (MOURA, 2004). Segundo Caraça (1951), os isolados podem ser
compreendidos como uma
[...] secção da realidade, nela recortada arbitrariamente [...] de modo a
compreender nele todos os fatores dominantes, isto é, todos aqueles cuja
acção [sic] de interdependência influi sensivelmente no fenômeno a estudar.
(CARAÇA, 1951, p.112).
Já os episódios permitem o detalhamento do isolado de modo que “revelam a
natureza e qualidade das ações em um isolado” (MOURA, 2004, p. 273). No caso dessa
pesquisa, os isolados organizados para análise buscaram revelar indícios do movimento
de mudança da prática docente decorrente da apropriação do conceito de AOE e
constituíram-se em três: Conceitos Matemáticos em Movimento; Mediação como
elemento fundamental para ensinar e aprender Matemática; e Organização do Ensino da
Matemática na Educação Infantil. Neste artigo nos deteremos no primeiro isolado o qual
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revela o movimento dos conhecimentos docentes e a atribuição de novos sentidos sobre
o processo de organização do ensino de números.
Professores em Atividade de Ensino: conceitos matemáticos em movimento
O isolado “Conceitos Matemáticos em Movimento” foi organizado em dois
episódios: I – Discussões iniciais sobre o processo de ensino da matemática na educação
infantil; II – O Segredo da Canastra.
O primeiro episódio evidencia os motivos das professoras em participar da
formação continuada e suas expectativas em relação à formação com vistas à atuação
pedagógica, o que revelou uma prática pautada em conhecimentos empíricos resultantes
de situações cotidianas por meio de exercícios de repetição, conforme relata a
professora Eva:
Na educação infantil acabamos trabalhando a matemática na rotina não
elaborando uma atividade específica. (EVA, ED 01)
Já o relato da professora Bia, demonstrou a compreensão de que a matemática
está presente nas brincadeiras e em ações cotidianas, mas questionou como explorar os
conceitos decorrentes destas situações:
Penso que trabalhamos matemática todo tempo, mas como chamar a atenção
da criança sobre o fato daquela atividade ser matemática...., por exemplo,
numa brincadeira de pega-pega eu trabalho espaço, mas como evidenciar isso
para o aluno ou levar essa prática para meus registros? (BIA, ED 01)
A partir dos relatos das professoras vimos a necessidade de colocá-las diante de
uma situação que oportunizasse a apropriação de conceitos matemáticos como produto
de um processo histórico e cultural a partir da necessidade humana. Nessa perspectiva é
que desenvolvemos a história virtual “O Segredo da Canastra” (AMORIM, 2015,
p.113), abordada no segundo episódio. A história virtual “O Segredo da Canastra”
apresenta um sistema de numeração fictício, de base quatro, e foi inspirada em uma
situação desencadeadora de aprendizagem denominada “Carta dos Caitités” (MOURA,
1996). Sua elaboração teve por objetivo problematizar o sistema de numeração decimal
como produção histórica decorrente das necessidades humanas, explicitar alguns dos
elementos que compõem, e envolver as professoras na resolução coletiva dessa
situação-problema com vistas à apropriação ou ressignificação desse conceito.
Na resolução da situação desencadeadora de aprendizagem algumas professoras
se revelaram tensas, relatando que seria impossível resolver o problema; outras
professoras tentaram substituir os símbolos contidos na situação por numerais, o que
não propiciou a compreensão do sistema de numeração fictício. Após algumas tentativas
as professoras perceberam a regularidade de variação de símbolos, a base do sistema e a
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importância do valor posicional do número zero de forma análoga ao sistema de
numeração decimal. O compartilhamento da solução da situação desencadeadora de
aprendizagem entre as professoras revela o movimento dos significados do conceito de
sistema de numeração, compartilhados pelo grupo, como podemos identificar nos
relatos das professoras Camila e Eva:
Esse processo de entender como funciona o sistema de numeração decimal
também nos leva a pensar como a gente ensina para a criança, para trabalhar
com o sistema de numeração de base quatro, houve a necessidade de
desconstruir conceitos já concretizados. (CAMILA, ED 03)
Essa exploração do sistema de numeração não acontece nem no ensino
fundamental. (EVA, ED 03)
Esse não seria um dos motivos pelo qual as crianças possuem dificuldade em
matemática? (CAMILA, ED 03)
Isso me fez pensar o quanto foi complexa a construção do sistema de
numeração que hoje utilizamos e ainda como podemos trabalhar esse
conhecimento, essa história com as crianças (EVA, ED 03).
Embora no episódio I as professoras tivessem indicado não terem dificuldade
com a matemática e seu ensino, no episódio II, diante da necessidade do conceito, elas
ressignificam seus conhecimentos ao se depararem com um sistema de numeração com
base diferente da habitual. Esse movimento de apropriação ou ressignificação do
conceito de sistema de numeração só foi possível diante da apropriação conceitual, que
se apresenta como premissa da atividade de ensino, pois se é inerente à docência
propiciar às crianças a apropriação do acervo cultural historicamente constituído,
conhecer os elementos que constituem esse acervo e organizar as formas de acessá-lo
são condições fundamentais da prática docente.
A apropriação ou ressignificação conceitual permite ao professor a ruptura do
processo de ensino direto de conceitos, por meio da compreensão dos conceitos
matemáticos em sua gênese e modos de constituição, o que não se desenvolve
espontaneamente nem por meio de um contato superficial com o conceito. Tal
compreensão caracteriza o professor como aquele que aprende constantemente para
ensinar, em um processo de formação contínua, o qual pressupõe a apropriação tanto
dos conceitos a serem ensinados quanto dos meios para ensinar, direcionando-os às
ações planejadas e conscientes num movimento de reversão de ações ou
comportamentos fossilizados.
A reversão do comportamento fossilizado
As primeiras ações das professoras em relação à organização do processo de
ensino do sistema de numeração decimal (episódio 1) indicavam comportamentos
fossilizados que referem-se a “comportamentos mecanizados ou automatizados que
perderam sua origem ao longo do tempo” (VIGOTSKI, 2007, p. 68); o que dificulta,
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senão impossibilita, “estudar alguma coisa historicamente [...] no processo de mudança
[...] requisito básico do método dialético” (ibidem). No entanto, esse comportamento
fossilizado parece ter se modificado à medida que as professoras começaram a
questionar a compreensão resultante de seu processo de aprendizagem sobre o sistema
de numeração decimal, assim como a atuação na organização do ensino de matemática
na educação infantil, o que pode ser observado nos relatos analisados de Camila e Eva
sobre a realização da situação desencadeadora “O Segredo da Canastra”.
A apropriação do movimento lógico-histórico do conceito de número propiciada
a partir da situação desencadeadora de aprendizagem “O segredo da Canastra”
ocasionou contradições nas compreensões até então apresentadas pelas professoras
sobre o conceito de sistema de numeração e a forma de apresentá-lo às crianças. Ao
mesmo tempo em que as professoras tomavam consciência da necessidade de organizar
o processo de ensino pautado na história do conceito, evidenciando sua criação como
uma produção humana, o trabalho pedagógico realizado de forma expositiva e repetitiva
ressurgia como memória de uma prática enraizada e empírica, num movimento contínuo
de oscilação entre apropriação teórica e ação prática. Assim, muitas vezes um trabalho
pedagógico pautado na exposição, memorização e repetição revela uma prática docente
derivada de uma formação empírica focada em ações procedimentais, embasada no
saber fazer e não na apropriação conceitual que traz em si a gênese do conceito,
tornando-se uma prática de rotina sem a devida reflexão sobre sua origem ou finalidade.
Este comportamento fossilizado pode ser superado quando ocorre a tomada de
consciência sobre esse comportamento, o que se dá por meio da reflexão teórica e de
ações práticas dos professores em atividade de ensino, uma vez que é
[...] oscilando entre momentos de reflexão teórica e ação prática e
complementando-os simultaneamente que o professor vai se constituindo
como profissional por meio de seu trabalho docente, ou seja, da práxis
pedagógica. (MORETTI, 2007, p. 101)
No entanto, ressaltamos que não se trata de uma reflexão qualquer sobre a
prática docente, mas de um processo “mediado por fundamentos ou referenciais que
possibilitem a compreensão do objeto no caminho da solução de problemas da prática”
(RIBEIRO, 2011, p. 74). Trata-se de uma reflexão pautada por referenciais, que neste
trabalho ancora-se na abordagem histórico-cultural.
No caso dessa pesquisa, temos que o movimento de ressignificação conceitual
das professoras sobre o conceito de número impulsionou a mudança da prática docente
decorrente da mudança do sentido atribuído inicialmente ao conceito de número e aos
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meios de ensiná-lo. Se inicialmente havia entre as professoras a convicção de que o
conceito de número poderia ser apresentado às crianças de forma direta por meio de
situações cotidianas e exercícios de repetição, a inserção no processo coletivo de
formação docente e a apropriação de elementos do conceito de AOE direcionaram as
professoras para a reversão de um comportamento que se apresentava fossilizado. Os
motivos manifestos pelas professoras na organização do ensino de número se
transformaram, pois houve uma “nova objetivação de suas necessidades, [...]
compreendidas em um nível mais alto” (LEONTIEV, 2012, p. 71), isto é, a necessidade
da organização do ensino passou a ser propiciar às crianças a apropriação do conceito de
sistema de numeração em sua gênese, e não mais em sua aparência. Com esta
transformação dos motivos, vemos que organização e as ações docentes passam a ser
conscientizadas e coordenadas com os objetivos do ensino.
Diante do movimento de aprendizagem conceitual sobre o sistema de numeração
como conceito derivado de uma necessidade humana que contempla elementos como
correspondência um a um, noção de cardinalidade, ordinalidade, agrupamento,
composição e decomposição de quantidade, reconhecimento de símbolos e
representação numérica, as ações das professoras se alteraram, posto que o objetivo e a
necessidade da atividade de ensino se modificaram. As professoras passaram a ter como
necessidade a requalificação do processo de ensino da matemática na Educação Infantil
visando à apropriação da gênese dos conceitos, sendo motivadas a organizar o processo
de ensino da matemática na perspectiva histórico-cultural.
Nesse sentido, a AOE respaldada pelos aportes teóricos da psicologia histórico-
cultural (VIGOTSKI, 2007) e da Teoria da Atividade (LEONTIEV, 2012) se apresentou
como conceito capaz de propiciar o movimento de mudança da prática docente, a partir
de uma nova organização do ensino da matemática na educação infantil por favorecer o
contínuo movimento de reflexão docente sobre a própria prática e a ressignificação da
atividade de ensino por meio da apropriação conceitual.
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