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Copyright 2011 1 Edio Conselho Nacional de Secretrios de Sade - CONASS Todos os direitos reservados. permitida a reproduo parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte e a autoria e que no seja para venda ou qualquer fim comercial. A Coleo Para Entender a Gesto do SUS 2011 pode ser acessada, na ntegra, na pgina eletrnica do CONASS, www.conass.org.br. Esta coleo faz parte do Programa de Informao e Apoio Tcnico s Equipes Gestoras Estaduais do SUS. Tiragem: 10.000 Impresso no Brasil

Brasil. Conselho Nacional de Secretrios de Sade. Assistncia Farmacutica no SUS / Conselho Nacional de Secretrios de Sade. Braslia : CONASS, 2011. 186 p. (Coleo Para Entender a Gesto do SUS 2011, 7)ISBN: 978-85-89545-67-9

9 788589 545679

1. SUS (BR). 2. Medicamentos. I TtuloNLM WA 525 CDD 20. ed. 362.1068

Diretoria Conass - Gesto 2010/2011 PreSidente

Beatriz dobashi Regio Centro-Oeste irani ribeiro de Moura Regio Nordeste Herbert Motta de almeida Regio Norte osvaldo Leal Regio Sudeste antnio Jorge de Souza Marques Regio Sul roberto eduardo Hess de SouzacoMiSSo FiScaL Vice-PreSidenteS

George antunes de oliveira raimundo Jos arruda Barros Milton Luiz MoreiraSecretrio executiVo

Jurandi Frutuosocoordenadora de ncLeoS

rita de cssia Berto catanelicoordenador de deSenVoLViMento inStitucionaL

ricardo F. Scotti

SecretrioS de eStado da Sade AC osvaldo de Souza Leal Junior Suely de Souza Melo da costa AL Herbert Motta de almeida alexandre de Melo toledo AM agnaldo Gomes da costa Wilson alecrim AP eupdio dias de carvalho evandro costa Gama BA Jorge Jos Santos Pereira Solla CE raimundo Jos arruda Bastos DF Fabola de aguiar nunes rafael de aguiar Barbosa ES anselmo tozi Jos tadeu Marino GO irani ribeiro de Moura antonio Faleiros MA Jos Mrcio Soares Leite ricardo Murad MG antnio Jorge de Souza Marques MS Beatriz Figueiredo dobashi MT augusto carlos Patti do amaral Pedro Henry neto PA Maria Silvia Martins comaru Leal cludio nascimento Valle Hlio Franco de Macedo Jnior PB Jos Maria de Frana Mrio toscano de Brito Filho PE Frederico da costa amncio antnio carlos dos Santos Figueira PI telmo Gomes Mesquita Lilian de almeida Veloso nunes Martins PR carlos augusto Moreira Jnior Michele caputo neto RJ Srgio Luiz crtes RN George antunes de oliveira domcio arruda RO Milton Luiz Moreira alexandre carlos Macedo Muller RR rodolfo Pereira Leocdio Vasconcelos Filho RS arita Gilda ciro carlos emerim Simoni SC roberto eduardo Hess de Souza dalmo claro de oliveira SE Mnica Sampaio de carvalho antonio carlos Guimares Souza Pinto SP Luiz roberto Barradas Barata nilson Ferraz Paschoa Giovanni Guido cerri TO Francisco Melquades neto arnaldo alves nunes

coordenao da coLeo Ren Santos reViSo e atuaLizao do LiVro Lore Lamb coLaBoradoreS* Alberto Beltrame Deise Regina Sprada Pontarolli Eliane Cortez Elisa Brust Rieck Juliane Passos Avena Lore Lamb Marta Agla Pinto (in memorian) reViSo tcnica Ren Santos reViSo ortoGrFica Roberto Arreguy Maia (coord.) edio Tatiana Rosa ProJeto GrFico Fernanda Goulart deSiGner aSSiStente Thales Amorim iLuStraeS Jos Mrcio Lara diaGraMao Ad Hoc Comunicao

* Os crditos referem-se s edies de 2007 e 2011

Apresentao 7

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Assistncia Farmacutica no SUS 10 1.1 Introduo 10 1.2 Gesto da Assistncia Farmacutica 15 1.3 Ciclo da Assistncia Farmacutica 25 1.4 Uso racional de medicamentos 31 1.5 Consideraes finais 35 Assistncia Farmacutica na Ateno Primria 38 2.1 Consideraes iniciais 38 2.2 Antecedentes da Assistncia Farmacutica na Ateno Bsica 39 2.3 Regulamentao da Assistncia Farmacutica na Ateno Bsica 41 2.4 Sistema de informao da Assistncia Farmacutica na Ateno Bsica 51 2.5 Organizao da Assistncia Farmacutica na Ateno Primria 53 2.6 Outras polticas e programas relacionados Assistncia Farmacutica na Ateno Primria 55 Componente Estratgico da Assistncia Farmacutica 66 3.1 Consideraes iniciais 66 3.2 Controle da tuberculose 68 3.3 Controle da hansenase 71 3.4 Controle de endemias 74 3.5 HIV/Aids 75 3.6 Hemoderivados 78 3.7 Vacinas, soros e imunobiolgicos 80 3.8 Controle do tabagismo 82 3.9 Alimentao e nutrio 82 3.10 Talidomida para lpus, mieloma mltiplo e doena do enxerto versus hos pedeiro 82 Componente Especializado da Assistncia Farmacutica 86 4.1 Antecedentes do Componente Especializado da Assistncia Farmacutica

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4.2 4.3 4.4 4.5

Regulamentao do Componente Especializado da Assistncia Farmacutica Financiamento 95 Sistemas de informao 97 Ciclo da Assistncia Farmacutica no Componente Especializado 99

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Protocolos Clnicos e Diretrizes Teraputicas 112 5.1 Consideraes iniciais 112 5.2 Importncia dos Protocolos Clnicos e Diretrizes Teraputicas 114 5.3 Elaborao dos Protocolos Clnicos e Diretrizes Teraputicas 115 5.4 Implantao dos Protocolos Clnicos e Diretrizes Teraputicas 120 5.5 A funo gerencial dos Protocolos Clnicos e Diretrizes Teraputicas 124 5.6 A funo educacional dos Protocolos Clnicos e Diretrizes Teraputicas 124 5.7 A funo legal dos Protocolos Clnicos e Diretrizes Teraputicas 126 5.8 Consideraes finais 127 Demandas Judiciais na Assistncia Farmacutica 130 6.1 Consideraes Iniciais 130 6.2 Principais causas das demandas judiciais 134 6.3 Instituies e setores envolvidos nas demandas judiciais 135 6.4 Definio do fluxo para resposta s demandas judiciais 137 6.5 Aquisio de medicamentos para atendimento das demandas judiciais 144 6.6 Organizao dos dados e cadastro das aes judiciais 149 6.7 Estratgias de defesa 150 6.8 Estratgias para enfrentamento dos processos judiciais 152 Referncias Bibliogrficas 159

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CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011

ApresentAo

A estruturao da Assistncia Farmacutica um dos grandes desafios que se apresenta aos gestores e profissionais do SUS, quer pelos recursos financeiros envolvidos, como pela necessidade de aperfeioamento contnuo com busca de novas estratgias no seu gerenciamento. As aes desenvolvidas nessa rea no devem se limitar apenas aquisio e distribuio de medicamentos, exigindo, para a sua implementao, a elaborao de planos, programas e atividades especficas, de acordo com as competncias estabelecidas para cada esfera de governo. necessrio que os gestores aperfeioem e busquem novas alternativas de atuao, com propostas estruturantes que garantam a eficincia de suas aes, consolidando os vnculos entre os servios e a populao, promovendo, alm do acesso, o uso racional dos medicamentos e a insero efetiva da Assistncia Farmacutica como uma ao de sade. Apesar dos avanos alcanados, grandes so os desafios que se impem na gesto da Assistncia Farmacutica no SUS, tema esse sempre presente nas discusses dos secretrios estaduais de sade e acompanhado de forma permanente pelo CONASS, com destaque para o Componente Especializado da Assistncia Farmacutica, relacionado a medicamentos que normalmente possuem preo elevado, cujo gerenciamento est sob a responsabilidade dos gestores estaduais. A eficcia na gesto dessa rea pressupe, alm da disponibilidade de recursos financeiros para aquisio dos medicamentos, a organizao dos servios e, de forma muito especial, pessoal capacitado para coordenar as aes por ela desenvolvidas. Com a reviso e a atualizao dos temas apresentados neste livro, o CONASS espera contribuir para que os gestores conheam um pouco mais sobre a matria, trazendo, alm de informaes sobre o estgio atual da Assistncia Farmacutica no SUS, orientaes que possam contribuir com seu gerenciamento, tanto nos aspectos tcnicos e ope-

A Assistncia Farmacutica no SUS

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racionais quanto administrativos, subsidiando-os na tomada de decises. Nesse sentido, merece destaque especial o captulo que trata das demandas judiciais para fornecimento de medicamentos, uma questo que preocupao permanente dos gestores do SUS. Ensejamos atingir os objetivos propostos ao elaborarmos este livro, desejando a todos uma tima leitura. Boa leitura. Beatriz Figueiredo Dobashi - Presidente do CONASS

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CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011

11.1 1.2 1.3 1.4 1.5

AssistnciA FArmAcuticA no sus

introduo Gesto da assistncia Farmacutica Ciclo da assistncia Farmacutica Uso racional de medicamentos Consideraes finais

11.1

AssistnciA FArmAcuticA no sus

introduo

Um dos grandes desafios da humanidade sempre foi controlar, reduzir ou eliminar os sofrimentos causados pelas enfermidades. A sade de uma populao no depende apenas dos servios de sade e do uso dos medicamentos1. Entretanto, inegvel sua contribuio e a importncia do mesmo no cuidado sade. Como uma ao de sade pblica e parte integrante do sistema de sade, a Assistncia Farmacutica determinante para a resolubilidade da ateno e dos servios prestados em sade e envolve a alocao de grande volume de recursos pblicos. A Assistncia Farmacutica, como poltica pblica, teve incio em 1971 com a instituio da Central de Medicamentos (Ceme), que tinha como misso o fornecimento de medicamentos populao sem condies econmicas para adquiri-los e se caracterizava por manter uma poltica centralizada de aquisio e de distribuio de medicamentos (BRASIL, 1971). Mudanas de princpios foram introduzidas com a promulgao da Constituio Federal, em 1988. Esta estabeleceu a sade como direito social (Art. 6) e o seu cuidado como competncia comum da Unio, dos estados, do Distrito Federal e dos municpios (Art. 23). O Art. 196 estabelece que:A sade direito de todos e dever do Estado, garantido mediante polticas sociais e econmicas que visem reduo do risco de doena e de outros agravos e ao acesso universal e igualitrio s aes e servios para sua promoo, proteo e recuperao (BRASIL, 1988, p.154).

A regulamentao da Constituio Federal, especfica para a rea da sade, foi estabelecida pela Lei Orgnica da Sade (Lei n. 8080/90), que em seu Artigo 6 determina, como campo de atuao do SUS, aformulao da poltica de medicamentos (...) 1_ Medicamento um produto farmacutico com finalidades profilticas, curativas, paliativas ou para fins de diagnstico (BraSiL, 2002a, p.36).

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Atribui, ainda, ao setor sade a responsabilidade pelaexecuo de aes de assistncia teraputica integral, inclusive farmacutica (BRASIL, 1990).

A Ceme foi responsvel pela Assistncia Farmacutica no Brasil at o ano de 1997, quando foi desativada, sendo suas atribuies transferidas para diferentes rgos e setores do Ministrio da Sade. No que se refere ampliao do acesso aos medicamentos no Brasil, as instncias gestoras e de controle social tm buscado sanar importantes lacunas que foram aprofundadas na dcada de 90, com o crescente e rpido desenvolvimento tcnico e cientfico neste campo. A equidade no acesso aos medicamentos no SUS tem sido discutida a partir da premissa de que o direito assistncia integral farmacutica implica a partilha entre os entes federativos das responsabilidades legais do Estado, de propiciar o acesso igualitrio e universal aos medicamentos e procedimentos teraputicos para a assistncia integral sade dos cidados. A necessidade de apontar aos gestores um rumo para a rea resultou na formao de um grupo de profissionais que atuavam na mesma, o qual discutiu os principais aspectos relacionados aos medicamentos no pas. Foi estabelecida, como resultado dessas discusses, a Poltica Nacional de Medicamentos (PNM), publicada pela Portaria GM/MS n. 3916, em 1998 (BRASIL, 2002a). Essa Poltica estabelece diretrizes e prioridades que resultaram em importantes avanos na regulamentao sanitria, no gerenciamento de medicamentos e na organizao e gesto da Assistncia Farmacutica no SUS, tendo como finalidades principais: A garantia da necessria segurana, da eficcia e da qualidade dos medicamentos. A promoo do uso racional dos medicamentos. O acesso da populao queles medicamentos considerados essenciais.2 A PNM apresenta um conjunto de diretrizes para alcanar os objetivos propostos, quais sejam: Adoo da Relao de Medicamentos Essenciais. Regulamentao sanitria de medicamentos. Reorientao da Assistncia Farmacutica.

2_ Medicamentos essenciais so aqueles que atendem as necessidades prioritrias de sade de uma populao (oMS, 2002, p.1).

A Assistncia Farmacutica no SUS

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Promoo do uso racional de medicamentos. Desenvolvimento cientfico e tecnolgico. Promoo da produo de medicamentos. Garantia da segurana, eficcia e qualidade dos medicamentos. Desenvolvimento e capacitao de recursos humanos. Destas diretrizes, foram consideradas como prioridades a reviso permanente da Relao Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename), a reorientao da Assistncia Farmacutica, a promoo do uso racional de medicamentos e a organizao das atividades de Vigilncia Sanitria de medicamentos para regular esta rea. A implementao dessas diretrizes demandam aes que vm sendo desenvolvidas ao longo dos anos. Um aspecto importante a ser mencionado em relao PNM a explicitao do carter sistmico e multidisciplinar da Assistncia Farmacutica, definindo-a como:Grupo de atividades relacionadas com o medicamento, destinadas a apoiar as aes de sade demandadas por uma comunidade. Envolve o abastecimento de medicamentos em todas e em cada uma de suas etapas constitutivas, a conservao e o controle de qualidade, a segurana e a eficcia teraputica dos medicamentos, o acompanhamento e a avaliao da utilizao, a obteno e a difuso de informao sobre medicamentos e a educao permanente dos profissionais de sade, do paciente e da comunidade para assegurar o uso racional de medicamentos (BRASIL, 2002a, p.34).

Para alcanar um dos objetivos prioritrios estabelecidos pela PNM, relacionado reorientao da Assistncia Farmacutica, faz-se necessrio promover a descentralizao da sua gesto, o desenvolvimento de atividades para assegurar o uso racional dos medicamentos e aes que otimizem e tornem eficaz o sistema de distribuio no setor pblico e iniciativas que possibilitem a reduo nos preos dos produtos (BRASIL, 2002a). Muitas dessas aes foram e esto sendo desenvolvidas na rea de Assistncia Farmacutica no SUS, com a finalidade de atingir esses e outros objetivos que foram se impondo ao longo dos anos. Tambm em relao s responsabilidades estabelecidas pela PNM para cada uma das trs esferas de gesto do SUS, muito se avanou. Especificamente relacionadas gesto estadual, a PNM estabelece que cabe a essa instncia, em carter suplementar, formular, executar, acompanhar e avaliar a poltica de insumos e equipamentos para a sade, sendo de sua responsabilidade: a. coordenar o processo de articulao intersetorial no seu mbito, tendo em vista a implementao desta poltica;

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b. promover a formulao da poltica estadual de medicamentos; c. prestar cooperao tcnica e financeira aos municpios no desenvolvimento das suas atividades e aes relativas Assistncia Farmacutica; d. coordenar e executar a Assistncia Farmacutica no seu mbito; e. apoiar a organizao de consrcios intermunicipais de sade destinados prestao da Assistncia Farmacutica ou estimular a incluso desse tipo de assistncia como objeto de consrcios de sade; f. promover o uso racional de medicamentos junto populao, aos prescritores e aos dispensadores; g. assegurar a adequada dispensao dos medicamentos, promovendo o treinamento dos recursos humanos e a aplicao das normas pertinentes; h. participar da promoo de pesquisas na rea farmacutica, em especial aquelas consideradas estratgicas para a capacitao e o desenvolvimento tecnolgico, bem como do incentivo reviso das tecnologias de formulao farmacuticas; i. investir no desenvolvimento de recursos humanos para a gesto da Assistncia Farmacutica; j. coordenar e monitorar o componente estadual de sistemas nacionais bsicos para a Poltica de Medicamentos, de que so exemplos o de Vigilncia Sanitria, o de Vigilncia Epidemiolgica e o de Rede de Laboratrios de Sade Pblica; k. implementar as aes de vigilncia sanitria sob a sua responsabilidade; l. definir a relao estadual de medicamentos, com base na Rename, e em conformidade com o perfil epidemiolgico do estado; m. definir o elenco de medicamentos que sero adquiridos diretamente pelo Estado, inclusive os de dispensao em carter excepcional3; n. utilizar, prioritariamente, a capacidade instalada dos laboratrios oficiais para o suprimento das necessidades de medicamentos do estado; o. investir em infraestrutura das centrais farmacuticas, visando garantir a qualidade dos produtos at a sua distribuio; p. receber, armazenar e distribuir adequadamente os medicamentos sob sua guarda;

3_ a partir da publicao da Portaria GM/MS n. 2.981, de novembro de 2009, estes medicamentos passaram a integrar o componente especializado da assistncia Farmacutica.

A Assistncia Farmacutica no SUS

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q. orientar e assessorar os municpios em seus processos de aquisio de medicamentos essenciais, contribuindo para que essa aquisio esteja consoante realidade epidemiolgica e para que seja assegurado o abastecimento de forma oportuna, regular e com menor custo; r. coordenar o processo de aquisio de medicamentos pelos municpios, visando assegurar o contido no item anterior e, prioritariamente, que seja utilizada a capacidade instalada dos laboratrios oficiais (BRASIL, 2002a, p.30-31). Em 2003, um amplo debate sobre a Assistncia Farmacutica foi realizado com a sociedade na I Conferncia Nacional de Medicamentos e, com base nas propostas nela emanadas, o Conselho Nacional de Sade (CNS) aprovou e publicou a Resoluo CNS n. 338, de 6 de maio de 2004, que estabelece a Poltica Nacional de Assistncia Farmacutica (PNAF), definindo-a como:Um conjunto de aes voltadas promoo, proteo e recuperao da sade, tanto individual como coletiva, tendo o medicamento como insumo essencial e visando o acesso e seu uso racional. Este conjunto envolve a pesquisa, o desenvolvimento e a produo de medicamentos e insumos, bem como a sua seleo, programao, aquisio, distribuio, dispensao, garantia da qualidade dos produtos e servios, acompanhamento e avaliao de sua utilizao, na perspectiva da obteno de resultados concretos e da melhoria da qualidade de vida da populao (BRASIL, 2004c).

De acordo com a PNAF, a Assistncia Farmacutica no SUS deve ser entendida como poltica pblica norteadora para a formulao de polticas setoriais, tendo como alguns dos seus eixos estratgicos a manuteno e a qualificao dos servios de Assistncia Farmacutica na rede pblica de sade, a qualificao de recursos humanos, bem como a descentralizao das aes. Mais recentemente, os Pactos pela Vida, em Defesa do SUS e de Gesto foram institudos por meio da Portaria GM/MS n. 399, de 22 de fevereiro de 2006. No Pacto de Gesto, definiu-se que o financiamento referente Assistncia Farmacutica de responsabilidade dos trs gestores do SUS, devendo agregar a aquisio de medicamentos e insumos e a organizao das aes de Assistncia Farmacutica necessrias, de acordo com a organizao dos servios de sade. A Portaria GM/MS n. 204, de 29 de janeiro de 2007, regulamentou a forma de transferncia dos recursos financeiros federais, estabelecendo, entre outros, o bloco de financiamento da Assistncia Farmacutica, constitudo por trs componentes: o componente bsico, o componente estratgico e o componente especializado. Assegurar o acesso a medicamentos uma das questes cruciais no SUS, constituindo-

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se no eixo norteador das polticas pblicas estabelecidas na rea da Assistncia Farmacutica, considerando que estes insumos so uma interveno teraputica muito utilizada, impactando diretamente sobre a resolubilidade das aes de sade. Nesta rea, em especial aps a publicao da Poltica Nacional de Medicamentos e da Poltica Nacional de Assistncia Farmacutica, muitos foram os avanos e as conquistas. Isto inclui o acesso a medicamentos tanto nos Componentes Bsico e no Estratgico, como o acesso ao tratamento de doenas cujas linhas de cuidado esto estabelecidas em Protocolos Clnicos e Diretrizes Teraputicas, disponibilizados no Componente Especializado da Assistncia Farmacutica. Paralelamente necessidade de se dar acesso aos medicamentos queles que deles necessitam, preciso ficar alerta para o uso indiscriminado que vem ocorrendo em nossa sociedade, que tem, entre outras causas, a fragilidade da regulamentao e a atuao das empresas farmacuticas. Mesmo com os avanos no acesso aos medicamentos no SUS, observa-se procura crescente pelo seu fornecimento por demanda judicial. Estas requerem desde o fornecimento de medicamentos bsicos, no includos na Relao Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename), at medicamentos prescritos para indicaes no previstas em bula, experimentais e sem registro no pas. Significativos desafios colocam-se aos gestores do sistema, para que se possa obter um uso adequado das tecnologias em sade, um cuidado efetivo sade das pessoas e uma utilizao mais adequada, do ponto de vista dos custos, dos recursos disponveis. Trabalhar de forma conjunta na perspectiva de uma Assistncia Farmacutica que, alm do acesso, assegure o uso racional dos medicamentos papel a ser assumido por todos: gestores, prescritores, rgos de vigilncia e controle e populao em geral. Estes temas so abordados de forma especfica nos captulos relacionados a cada um deles.

1.2

Gesto da assistncia Farmacutica

A Assistncia Farmacutica representa hoje uma das reas com maior impacto financeiro no mbito do SUS de uma forma geral, o que tambm uma realidade nas secretarias estaduais de sade (SES) e sua gesto neste mbito se reveste de fundamental importncia. A demanda por medicamentos crescente e as tendncias no apontam para alteraes nesta rea. A disponibilizao destes insumos envolve um aporte elevado de recursos financeiros e a ausncia de um gerenciamento efetivo pode acarretar grandes desperdcios dos mesmos, que podem ser considerados como cruciais (MSH, 1997). Assim, imprescindvel que esta rea seja gerenciada adequadamente, entendendo que gerenciar

A Assistncia Farmacutica no SUS

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alcanar resultados por meio de pessoas, utilizando eficientemente os recursos disponveis. Um bom gerenciamento fruto de conhecimentos, habilidades e atitudes. Abrange aes de planejamento, de execuo, de acompanhamento e de avaliao dos resultados, sendo esta de carter permanente, pois incorrer em novo planejamento, nova execuo, novo acompanhamento e nova avaliao (MARIN et al, 2003). A qualificao do gerenciamento da Assistncia Farmacutica possvel a partir do planejamento, da organizao e da estruturao do conjunto das atividades desenvolvidas, visando aperfeioar os servios ofertados populao. As aes de Assistncia Farmacutica devem ser realizadas com base nos princpios estabelecidos no Artigo 198 da Constituio Federal e no Artigo 7 da Lei Orgnica da Sade, bem como em preceitos inerentes Assistncia Farmacutica, sendo destacados: Universalidade e equidade. Integralidade. Descentralizao, com direo nica em cada esfera de governo. Regionalizao e hierarquizao da rede de servios de sade. Multidisciplinaridade e intersetorialidade. Garantia da qualidade. Estruturao e organizao dos servios farmacuticos, com capacidade de resoluo. Normalizao dos servios farmacuticos. Enfoque sistmico, isto , aes articuladas e sincronizadas (BRASIL, 1990). Sendo uma das diretrizes prioritrias da Poltica Nacional de Medicamentos, o desenvolvimento da Assistncia Farmacutica agrega valor s aes e servios de sade. Planejar, organizar, coordenar, acompanhar e avaliar as aes so atividades inerentes a um bom gerenciamento. Nesse sentido, a seguir so descritas algumas estratgias que podem ser utilizadas para a organizao da Assistncia Farmacutica, as quais devem ser avaliadas e adequadas a cada realidade.

1.2.1

estrutura da assistncia Farmacutica

As SES devem definir a estrutura organizacional que ser responsvel pela Assistncia Farmacutica, seja ela uma superintendncia, coordenao, gerncia ou similar. Para o seu pleno desenvolvimento, o gestor necessita definir sua misso e as atribuies de cada atividade operativa.

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A viabilizao de uma estrutura organizacional para a Assistncia Farmacutica no estado imprescindvel para o desenvolvimento de aes e a execuo das atribuies de competncia desta rea, devendo, para tal, ser dotada de recursos fsicos, humanos e tecnolgicos adequados e compatveis com a necessidade. A estrutura organizacional responsvel pela Assistncia Farmacutica deve estar inserida e formalizada no organograma da SES, para que tenha visibilidade e tenha garantida a execuo da sua funo. A subordinao desta rea, quando informal, dificulta a concretizao e dispersa as aes inerentes a ela. As vrias possibilidades de insero da Assistncia Farmacutica devem ser avaliadas e adaptadas realidade e estruturas adotada em cada SES. As formas de subordinao da rea so distintas e devem ser adequadas a cada situao. Assim, observa-se que podem estar vinculadas: a. ao gabinete do secretrio esta pode ser uma alternativa estratgica, em resposta a um cenrio definido e por um perodo de tempo limitado, at a soluo de uma situao especial. Confere importncia ao setor, favorece a articulao intersetorial e proporciona respostas polticas imediatas. Em contrapartida, h o risco da estrutura organizacional responsvel pela Assistncia Farmacutica se distanciar de suas caractersticas tcnicooperacionais; b. rea responsvel pela coordenao da ateno sade esta vinculao favorece a articulao intrassetorial e d visibilidade ao papel da AF, inserindo-a como poltica de ateno sade. O risco, nesse caso, de que as respostas polticas e administrativas no sejam to imediatas; c. estrutura administrativa pode dar agilidade s tramitaes de compras e outras de carter administrativo. Em contrapartida, a viso apenas administrativa do gerenciamento da Assistncia Farmacutica, em detrimento do seu carter tcnico, pode limitar as suas atividades ao binmio aquisio/distribuio. possvel estruturar a Assistncia Farmacutica e organizar suas atividades de diferentes formas, dependendo da situao de cada estado. Essa organizao pode se dar por meio de ncleos de atividades (aquisio, programao, distribuio, capacitao de recursos humanos, dispensao, entre outros) ou por grupos de medicamentos (bsicos, estratgicos, especializados, hospitalares, imunobiolgicos), entre outros. Qualquer estruturao deve assegurar a possibilidade de desenvolver, na prtica, as atribuies e as competncias estabelecidas. A Assistncia Farmacutica, mesmo tendo o farmacutico como profissional imprescindvel para desenvolver suas aes, deve ser formada por uma equipe multidisciplinar,

A Assistncia Farmacutica no SUS

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capaz de responder pela operacionalizao das atividades, pelo cumprimento das especificaes tcnicas e normas administrativas, pelo cumprimento dos aspectos jurdicos e legais, administrativos e financeiros, pelo sistema de informaes e pela gesto eficiente do estoque. Para que isto seja possvel, necessrio prover a Assistncia Farmacutica dos recursos necessrios e indispensveis para o desenvolvimento de suas atividades.

1.2.2

Definio de uma poltica estadual de assistncia Farmacutica

Entendendo que uma poltica o conjunto de objetivos que do forma a determinado programa de ao governamental e condicionam a sua execuo (AURLIO, 2001), seu estabelecimento para uma determinada rea indica rumos e linhas estratgicas, definindo prioridades de aes no mbito de sua atuao. O Brasil um pas de dimenso continental, no qual cada estado da Federao apresenta peculiaridades relacionadas a caractersticas locorregionais, perfil epidemiolgico, estrutura organizacional, programas especficos para atender a sua realidade, entre outros. Apesar de ser mais restrita e ter carter mais instrumental do que substantivo, a publicao de uma poltica estadual de Assistncia Farmacutica facilita a identificao dos problemas de maior relevncia dentro do contexto estadual, possibilitando a formulao, implantao e desenvolvimento de medidas para a soluo dos mesmos (SANTICH, 1995). Uma poltica estadual de Assistncia Farmacutica deve apresentar as diretrizes e os objetivos estruturais, as estratgias, o financiamento, os critrios mnimos de organizao e de estruturao dos servios nas esferas estadual e municipal; a cooperao tcnica e financeira entre gestores; a otimizao da aplicao dos recursos disponveis; o acompanhamento e a assessoria contnua s gestes municipais; a implantao de sistemas estaduais de informao e de aquisio de medicamentos; entre outros. Ao ser elaborada, esta poltica deve contemplar os elementos-chave recomendados pela Organizao Mundial de Sade (OMS) para as polticas de medicamentos: Seleo de medicamentos essenciais. Disponibilidade de medicamentos. Financiamento dos medicamentos. Sistema de suprimento. Regulao e garantia da qualidade. Uso racional de medicamentos. Pesquisa.

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CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011

Desenvolvimento de recursos humanos. Monitoramento e avaliao (OMS, 2001).

1.2.3

incluso das aes de assistncia Farmacutica no planejamento das ses

Planejar significa orientar a ao do presente para que possamos organizar e estruturar um conjunto de atividades, conforme critrios previamente estabelecidos, visando modificar uma dada realidade (MARIN et al., 2003). No Sistema nico de Sade so adotados como instrumentos bsicos do sistema de planejamento para as secretarias estaduais de sade, o Plano Estadual de Sade (PES); a Programao Anual em Sade que operacionaliza as intenes expressas no PES; e o Relatrio Anual de Gesto. Estes devero ser compatveis com o respectivo Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Oramentrias (LDO) e a Lei Oramentria Anual (LOA) (Brasil, 2009a). A utilizao dos instrumentos de planejamento e o resultado deste processo se constituem em uma importante ferramenta de gesto e gerenciamento. A Assistncia Farmacutica, como ao de sade, ainda no est totalmente inserida no planejamento das SES e tampouco dos instrumentos de planejamento do SUS. preciso buscar a necessria integrao dessa rea com as demais reas que integram o sistema de sade, e sua incluso nos instrumentos de planejamento e gesto. Esta uma forma de obter resultados efetivos na melhoria dos servios farmacuticos.

1.2.4

Modernizao da gesto

Na rea da Assistncia Farmacutica, existe um elo causal entre uma assistncia resolutiva e de qualidade e uma estrutura adequada para efetu-la. Ao longo dos ltimos anos, o financiamento federal para a rea restringiu-se a medicamentos. No houve uma poltica especfica prevendo recursos para a estruturao e a organizao de servios farmacuticos. Apenas em 2006, a partir da publicao da Portaria GM/MS n. 399/2006, que divulga o Pacto pela Sade, e da publicao da Portaria GM/MS n. 699/2006, que regulamenta as Diretrizes Operacionais dos Pactos pela Vida e de Gesto, no Termo de Compromisso de Gesto Estadual que se estabelece que todas as esferas de gesto do SUS so responsveis porpromover a estruturao da Assistncia Farmacutica e garantir, em conjunto com as demais esferas de governo, o acesso da populao aos medicamentos cuja dispensao esteja sob sua responsabilidade, fomentando seu uso racional e observando as normas vigentes e pactuaes estabelecidas (BRASIL, 2006 a,d).

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Com a publicao da Portaria GM/MS n. 204/2007, de 29 de janeiro de 2007, que estabelece a forma de transferncia dos recursos financeiros federais, prevista, no Bloco de Gesto, a possibilidade de financiamento para a estruturao dos servios, podendo inclusive ser utilizado na Assistncia Farmacutica (BRASIL, 2007a). Posteriormente, a Portaria GM/MS n. 837, de 23 de abril de 2009 (BRASIL, 2009c), definiu o Bloco de Investimentos na Rede de Servios de Sade, outro recurso que tambm pode ser utilizado na rea da Assistncia Farmacutica. Considerando que na Assistncia Farmacutica o insumo desempenha papel importante, o armazenamento e a distribuio de medicamentos tm especial relevncia. Alm de adequ-los s recomendaes das Boas Prticas4, importante avaliar de forma permanente a estrutura fsica, a capacidade instalada, os equipamentos e sistemas de informao, ampliando-os e modernizando-os de modo que atendam ao desenvolvimento das atividades da Assistncia Farmacutica. Alm de uma estrutura adequada, imprescindvel que exista um fluxo administrativo gil, simplificado e racional dos processos, conhecido por todos os trabalhadores envolvidos, sendo as competncias e as atribuies de todas as atividades padronizadas atravs da implantao de Procedimentos Operacionais Padro (POP). A padronizao de procedimentos tem o objetivo de qualificar a sua realizao, orientar novos trabalhadores e uniformizar as condutas e os resultados. A elaborao dos POPs uma tarefa trabalhosa, uma vez que descreve todas as etapas do processo e deve ter a participao das pessoas responsveis pela sua execuo, bem como o treinamento de todos os funcionrios envolvidos com sua execuo. Essa medida evita conflitos e problemas, pois cada processo na Assistncia Farmacutica depende de uma atividade anterior que, se mal conduzida, comprometer todos os processos posteriores, com consequncias que podem ser danosas nos resultados finais esperados (CONASS, 2004a).

1.2.5

Financiamento

Desde 2003, o tema subfinanciamento da sade est presente nos debates promovidos pelo CONASS, que tem sido enftico na defesa de um financiamento adequado para o SUS e compatvel com os seus princpios de universalidade e integralidade. A regulamentao da EC n. 29 e a defesa de mais recursos no oramento do Ministrio da Sade tm sido bandeiras de luta do CONASS. O desafio do financiamento da sade no Brasil tem

4_ as Boas Prticas definem as condies, procedimentos e requisitos mnimos exigidos para atividades especficas da rea de medicamentos, tais como: armazenamento, distribuio, transporte, dispensao, entre outros. cada atividade obedece a uma legislao especfica.

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de ser enfrentado em duas vertentes: aumentar o gasto em sade, mas, ao mesmo tempo, melhorar sua qualidade (CONASS, 2009). Este subfinanciamento tem repercusses tambm na rea da Assistncia Farmacutica, e, entre as dificuldades apontadas pelos secretrios, o aumento do custo dos medicamentos no mbito da assistncia e o impacto dos mesmos no oramento da sade sempre so mencionados, sendo um problema comum a todos. Sabe-se que a garantia do acesso aos medicamentos depende de um financiamento sustentado, o qual deve ser assegurado por todas as instncias gestoras do SUS, de acordo com a poltica estabelecida para a Assistncia Farmacutica e para os medicamentos a serem disponibilizados nos diferentes nveis de ateno e programas de sade. Somente com financiamento assegurado possvel disponibilizar os medicamentos necessrios para dar suporte s aes de ateno sade e viabilizar o desenvolvimento e continuidade das aes nesta rea. O financiamento da Assistncia Farmacutica de responsabilidade das trs esferas de gesto do SUS e pactuado na Comisso Intergestores Tripartite (CIT)5. Conforme estabelecido na Portaria GM/MS n. 204/2007 (BRASIL, 2007), atualizada pela Portaria GM/MS n. 837/2009 (BRASIL, 2009c), os recursos federais so repassados na forma de blocos de financiamento, entre os quais o Bloco de Financiamento da Assistncia Farmacutica, que constitudo por trs componentes6: Componente Bsico da Assistncia Farmacutica: destina-se aquisio de medicamentos e insumos no mbito da Ateno Primria em sade e queles relacionados a agravos e programas de sade especficos, inseridos na rede de cuidados deste nvel de ateno. Componente Estratgico da Assistncia Farmacutica: financiamento para o custeio dos medicamentos destinados ao tratamento de patologias que, por sua natureza, possuem abordagem teraputica estabelecida, entre elas a tuberculose; hansenase; malria; leishmaniose; doena de Chagas; e outras doenas endmicas de abrangncia nacional ou regional; antirretrovirais dos Programas de DST/Aids; hemoderivados; e dos imunobiolgicos. Com a publicao da Portaria GM/MS n. 3237/ 2007 (BRASIL, 2007e), relacionada regulamentao do Componente Bsico da

5_ a comisso intergestores tripartite (cit) uma instncia colegiada, rene gestores das trs esferas, representadas pelo Ministrio da Sade, conselho nacional de Secretrios de Sade (conaSS) e conselho nacional de Secretarias Municipais de Sade (conasems). uma instncia de negociao e de deciso e se constitui em canais importantes de pactuao do SuS para a formulao e a implementao da poltica de sade. 6_ a descrio de cada um dos componentes est disponvel nos captulos, 2; 3 e 4 deste volume.

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Assistncia Farmacutica, a partir de janeiro de 2008, passam a integrar este componente os medicamentos para os programas de combate ao tabagismo e de alimentao e nutrio. Este componente financiado pelo Ministrio da Sade, que adquire e distribui os insumos a ele relacionados. Componente Especializado da Assistncia Farmacutica: este componente aprimora e substitui o Componente Medicamentos de Dispensao Excepcional, e tem como principal caracterstica a busca da garantia da integralidade do tratamento medicamentoso, em nvel ambulatorial, de agravos cujas abordagens teraputicas esto estabelecidas em Protocolos Clnicos e Diretrizes Teraputicas (PCDT), publicados pelo Ministrio da Sade. Estes PCDT estabelecem quais so os medicamentos disponibilizados para o tratamento das patologias contempladas e a instncia gestora responsvel pelo seu financiamento.

1.2.6

Gesto de pessoas

Gerenciar pessoas uma tarefa complexa e o conhecimento acumulado, as habilidades e as atitudes de cada trabalhador so determinantes no desempenho de suas atividades. Trabalhadores que entendem o significado do seu trabalho e a finalidade das tarefas que lhes so delegadas tm a tendncia de estar comprometidos e motivados para alcanar melhores resultados. necessrio manter um canal de comunicao permanente e incentivar a participao coletiva, inclusive nas decises, o que influencia positivamente a realizao de tarefas pelos atores envolvidos. Desenvolver estratgias para maximizar talentos individuais de vital importncia para o sucesso de qualquer atividade que utilize equipes de trabalho como parte de sua estrutura organizacional. Entretanto, a implantao de equipes que sejam efetivas no desenvolvimento de suas atividades depende de vrios fatores. Alguns deles podem dificultar o desenvolvimento de uma verdadeira filosofia de trabalho em equipe, podendo-se mencionar as culturas gerenciais baseadas em modelos hierrquicos e autoritrios; a falta de esforo na construo das equipes; e a ausncia de objetivos. Um dos problemas na rea pblica em geral e, consequentemente, no SUS e na Assistncia Farmacutica deve-se dificuldade de contratao de pessoas para incorporar e/ ou repor recursos humanos com agilidade e, muitas vezes, a um processo seletivo inadequado, que no considera as especificidades da rea. Isto se estende tanto escolha de pessoas j incorporadas ao servio ao serem designadas para exercerem novas funes, como seleo para incorporao de novos profissionais, sendo uma das razes das dificuldades em relao constituio de equipes. Os responsveis pelo gerenciamento da Assistncia Farmacutica tm papel importan-

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te em vrios aspectos relacionados ao desempenho adequado de sua equipe, porm no se pode deixar de considerar os problemas que enfrentam nessa rea, como a dificuldade de aplicar uma poltica salarial diferenciada e flexvel para profissionais em diferentes reas de especializao ou a desmotivao dos trabalhadores devido inexistncia de mecanismos que estimulem maior produtividade e qualidade. Esses fatores tambm dificultam a adoo de mecanismos eficientes e resolutivos que qualifiquem a Assistncia Farmacutica e permitam o monitoramento e a avaliao dos resultados. Apesar da rea da Assistncia Farmacutica no poder prescindir do farmacutico, uma atividade multidisciplinar que envolve profissionais de diferentes formaes que devem ter distintas qualificaes na dependncia da equipe que iro compor. Assim, alm de haver necessidade de reavaliar os processos seletivos, a qualificao dos servios somente alcanada atravs da capacitao permanente dos trabalhadores da rea, objetivando resultados em curto, mdio e longo prazos. A maioria das SES conta com uma escola de sade pblica que pode, em conjunto com a instncia responsvel pela Assistncia Farmacutica, desenvolver e implantar projetos especficos com esta finalidade. Tambm a organizao de fruns, seminrios ou oficinas de gesto e gerncia exercem relevante papel como fomentador de capacitao e de apropriao de conhecimentos por parte dos tcnicos que atuam na rea.

1.2.7

acompanhamento e avaliao

O acompanhamento e a avaliao continuada das aes desenvolvidas na Assistncia Farmacutica so outra estratgia para solidificar o modelo adotado para a rea, compartilhado entre Unio, estados e municpios. A implantao de sistemas de informaes gerenciais na Assistncia Farmacutica auxilia na formulao de polticas de medicamentos e subsidia a tomada de decises dos gestores e a racionalizao da aplicao dos recursos. Para um gerenciamento eficiente necessrio que se disponha de sistemas de informaes que reflitam a realidade dos servios, disponibilizando indicadores seletivos e especficos, definidos pelo gestor, que auxiliem na qualificao do processo de deciso e na racionalizao da aplicao dos recursos. O desenvolvimento de indicadores um processo lgico, mas no um processo mgico. Como o prprio nome j explicita, aponta para as principais conquistas, problemas ou obstculos, tornando possvel a elaborao de estratgias para o seu enfrentamento. Os resultados devem ser analisados e discutidos com os diversos atores: gestores, responsveis pelas Assistncias Farmacuticas regionais e municipais, Conselho Estadual de Sade, entre outros.

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A OMS sugere uma srie de indicadores de avaliao e seus mtodos de obteno, com o objetivo de auxiliar o acompanhamento e a avaliao de uma poltica de medicamentos, que devem ser adaptados a cada contexto (OMS, 1999). Os indicadores dos servios farmacuticos podem ser de estrutura, processos ou resultados. A seguir, so apresentados alguns exemplos de indicadores, adaptados das propostas de alguns autores e que podem ser utilizados na rea (MARIN et al., 2003): Organizao do setor sade: existncia da Assistncia Farmacutica na estrutura organizacional, existncia de Comisso ou Comit Estadual de Farmcia e Teraputica, nmero de farmacuticos que atuam na Assistncia Farmacutica etc. Qualificao de pessoas: existncia de projeto/programa de qualificao dos trabalhadores, nmero de servidores em cada atividade etc. Seleo de medicamentos: existncia de Relao Estadual de Medicamentos, porcentagem de medicamentos da Relao Estadual em concordncia com a Relao Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename), existncia de Comisso/ Comit Estadual de Farmcia e Teraputica estruturado e atuante. Programao de medicamentos: porcentagem mdia da programao efetivada. Aquisio de medicamentos: existncia de restrio aquisio de medicamentos e porcentagem de medicamentos adquiridos que no pertencem Relao Estadual de Medicamentos, recursos financeiros para aquisio por fonte de financiamento, recursos gastos por modalidade de aquisio de medicamentos, categoria profissional responsvel pela definio das especificaes tcnicas etc. Armazenamento de medicamentos: adequao da rea de armazenamento, existncia de controle de estoque no almoxarifado, existncia de procedimentos preventivos para evitar a perda de medicamentos por validade, porcentagem do registro de estoque que corresponde contagem fsica dos medicamentos. Distribuio de medicamentos: porcentagem de demanda no atendida. Disponibilidade de acesso: porcentagem de medicamentos atendidos; porcentagem mdia de medicamentos disponveis em estoque no almoxarifado. Qualidade: porcentagem de medicamentos com prazo de validade vencido no almoxarifado. Uso racional: nmero mdio de medicamentos por prescrio etc. Cada indicador pode ser estabelecido pela sua utilidade, descrio, padro, fontes, mtodo, periodicidade de coleta dos dados e clculo. Outros indicadores podem ser utilizados. Deve-se medir o que efetivamente ser usado, evitando-se desperdcio de recursos e de trabalho.

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No mbito do SUS, em especial na Assistncia Farmacutica, poucos so os indicadores de servios de sade propostos, implantados, avaliados e efetivamente sendo utilizados para a melhoria dos servios prestados. Um amplo estudo, promovido pela Organizao Mundial de Sade, coordenado pelo Ministrio da Sade (OMS) e pela Organizao Panamericana de Sade (Opas), apresentou a situao farmacutica do Brasil em 2003. Foi avaliado um conjunto de indicadores organizados em dois nveis: estruturas e processos da situao farmacutica nacional (nvel I) e indicadores de dados de acesso e uso racional de medicamentos (nvel II). Os resultados desse estudo podem ser acessados na publicao Avaliao da Assistncia Farmacutica no Brasil (OPAS, 2005).

1.3

Ciclo da assistncia Farmacutica

No Brasil, o medicamento ainda considerado um bem de consumo e no um insumo bsico de sade, o que favorece a desarticulao dos servios farmacuticos. A organizao da Assistncia Farmacutica, fundamentada no enfoque sistmico, caracteriza-se por aes articuladas e sincronizadas entre as diversas partes que compem o sistema, que influenciam e so influenciadas umas pelas outras (MARIN et al., 2003). As atividades do ciclo da Assistncia Farmacutica ocorrem numa sequncia ordenada. A execuo de uma atividade de forma imprpria prejudica todas as outras, comprometendo seus objetivos e resultados. Como consequncia, os servios no sero prestados adequadamente, acarretando insatisfao dos usurios e, apesar dos esforos despendidos, evidenciam uma m gesto (CONASS, 2004a). Basicamente, as gerncias ou coordenaes estaduais tm a responsabilidade de coordenar as atividades relacionadas ao ciclo da Assistncia Farmacutica, que abrange a seleo, programao, aquisio, armazenamento, distribuio e dispensao de medicamentos, alm do acompanhamento, da avaliao e da superviso das aes. Sero apresentadas, a seguir, estratgias de cada atividade do ciclo, sendo que o aprofundamento de cada processo pode ser encontrado em bibliografia disponvel sobre o tema.

1.3.1

seleo de medicamentos

A seleo de medicamentos a etapa inicial e provavelmente uma das mais importantes do Ciclo da Assistncia Farmacutica, sendo seu eixo, pois todas as outras atividades lhe so decorrentes (MARIN et al., 2003). a atividade responsvel pelo estabelecimento da relao de medicamentos a serem disponibilizados na rede pblica, sendo uma atividade decisiva para assegurar o acesso aos mesmos. A seleo tem por objetivo proporcionar ganhos teraputicos e econmicos e deve ser

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feita criteriosamente, no sendo tarefa a ser assumida por quem no domina a rea. A disponibilidade de medicamentos no mercado, a constante introduo de novos produtos, a influncia da propaganda sobre a prescrio mdica tornam fundamental uma seleo racional de medicamentos, de maneira a proporcionar maior eficincia administrativa e uma adequada resolubilidade teraputica, alm de contribuir para a racionalidade na prescrio e na utilizao de frmacos. Cada estado possui a prerrogativa de determinar quais medicamentos sero selecionados para compor o seu elenco, com base no perfil de morbimortalidade e nas prioridades estabelecidas. A seleo dever se fundamentar em critrios tcnico-cientficos, entre eles, os dados de segurana, a eficcia e a efetividade, selecionando-se aqueles com valor teraputico comprovado. A adoo de protocolos de tratamento desenvolvidos com base em evidncias e critrios administrativos e legais se constituem em fatores decisivos na racionalizao do uso dos medicamentos. A seleo deve ser realizada por uma Comisso ou Comit de Farmcia e Teraputica (CFT) ou Comisso de Padronizao de Medicamentos, com o objetivo de estabelecer relaes nacionais, estaduais e municipais de medicamentos, definindo aqueles que sero disponibilizados pelo SUS para a Ateno Primria, e para a ateno de mdia e alta complexidades. O trabalho do comit ou da comisso deve ser regulamentado por instrumento formal, que defina responsabilidades, produtos, normas e critrios e metodologia para o desenvolvimento das atividades, periodicidade da reviso, entre outros. Devem fazer parte da CFT profissionais com formao adequada e que representem as reas para as quais os medicamentos sero selecionados. O documento deve, entre outros, estabelecer os critrios a serem utilizados para a incluso e a excluso de medicamentos e a definio do nvel de complexidade nos quais podero ser utilizados, dando a necessria transparncia ao processo. Sempre que possvel, a publicao dos elencos deve vir acompanhada de um formulrio teraputico, que contenha as informaes cientficas sobre os medicamentos selecionados, com objetivo de orientar e subsidiar os profissionais de sade na sua prescrio, dispensao e uso. Para tal, o formulrio deve conter informaes sobre as indicaes teraputicas, contraindicaes, precaues, efeitos adversos, interaes, forma e cuidados de administrao, orientaes ao paciente e aspectos farmacuticos relacionados ao medicamento. Na escolha dos medicamentos devem ser privilegiados aqueles de menor toxicidade relativa; de composio perfeitamente conhecida; medicamentos para os quais haja informao suficiente sobre as caractersticas farmacocinticas e de biodisponibilidade,

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aqueles que contenham apenas um princpio ativo, salvo nos casos em que as associaes demonstrarem ser mais eficazes e propiciarem maior comodidade posolgica, o que contribui para a adeso ao tratamento. Outro aspecto a ser observado por ocasio da seleo a condio em que os medicamentos devem ser armazenados, transportados e dispensados, de forma a garantir sua estabilidade. Ao se revisar e atualizar o elenco de medicamentos, deve-se observar que somente sejam includos novos medicamentos em substituio queles j disponibilizados quando apresentarem comprovada superioridade aos j padronizados.

1.3.2

Programao de medicamentos

Atividade que tem como objetivo garantir a disponibilidade dos medicamentos previamente selecionados, nas quantidades adequadas e no tempo oportuno para atender as necessidades da populao (MARIN et al., 2003). Assim, programar consiste em estimar as quantidades a serem adquiridas para atender a necessidade dos servios, por um perodo definido de tempo. A programao deve ser ascendente, levando em conta as necessidades locais de cada servio de sade, evitando compras desnecessrias, falta ou perda de medicamentos na rede de sade. Deve considerar os recursos financeiros disponveis e as prioridades estabelecidas para a rea de sade. imprescindvel a implantao de um sistema de informaes e gesto de estoque eficiente, para que a programao possa ser realizada com base em dados confiveis e que possibilitem a utilizao concomitante de mtodos de programao, tais como perfil epidemiolgico da populao, consumo histrico, consumo ajustado, oferta de servios, entre outros.

1.3.3

aquisio de medicamentos

Consiste em um conjunto de procedimentos pelos quais se efetiva a compra dos medicamentos estabelecidos na programao, com o objetivo de disponibilizar os mesmos em quantidade, qualidade e menor custo, visando manter a regularidade e o funcionamento do sistema. Esta etapa do ciclo envolve diferentes setores tcnicos e administrativos e deve ser permanentemente qualificada, considerando os aspectos jurdicos (cumprimento das formalidades legais), tcnicos (atendimento s especificaes tcnicas), administrativos (cumprimento dos prazos de entrega) e financeiros (disponibilidade oramentria e financeira e avaliao do mercado). Alm da observao dos aspectos legais, estabelecidos pela Lei 8.666, de 1993, e suas atualizaes, a compra de medicamentos deve considerar outros relacionados ao

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planejamento e s estratgias de compra. Vrias so as alternativas para que a aquisio de medicamentos pelas SES e pelos municpios venha a ser atraente, com diminuio dos preos praticados e agilidade no processo. Por exemplo, municpios de menor porte podem se beneficiar quando as compras so feitas em maior escala, que aumenta o poder de negociao e barateia os custos. Alm disso, os gestores podem se beneficiar da infraestrutura proporcionada por essa forma de aquisio. Ao se efetuarem as compras, independentemente da modalidade escolhida ser prego eletrnico ou presencial; realizao de compras anuais consolidadas com entregas parceladas; formao de consrcios entre gestores; processos utilizando o sistema de registro de preos; avaliao do desempenho dos fornecedores, entre outros, deve-se considerar a alternativa mais adequada para a aquisio de cada produto em distintas situaes. Quanto maior a experincia dos atores que executam esta atividade, mais consistentes tendem a ser as decises (CONASS, 2004a). Alm das prerrogativas legais estabelecidas pela Lei 8.666 e suas atualizaes, a Lei n. 9.787/1999 determina que:as aquisies de medicamentos, sob qualquer modalidade de compra, e as prescries mdicas e odontolgicas de medicamentos, no mbito do SUS, adotaro obrigatoriamente a Denominao Comum Brasileira (DCB) ou, na sua falta, a Denominao Comum Internacional (DCI) (artigo 3), sendo que, nas aquisies de medicamentos a que se refere o caput desse artigo, o medicamento genrico, quando houver, ter preferncia sobre os demais em condies de igualdade de preo.

Outro aspecto a ser observado na aquisio de medicamentos por meio de compra pblica a regulamentao contida nas Resolues da Cmara de Regulao do Mercado de Medicamentos CMED7. A inobservncia das resolues pelos fornecedores de medicamentos, quando de compras efetuadas pelo setor pblico, dever se comunicada CMED e aos Ministrios Pblicos Federal e Estadual, sob pena de responsabilizao por aquisio antieconmica e devoluo dos recursos pagos acima do teto estabelecido. A regulamentao exige que nas compras pblicas sejam indicados os preos de referncia dos produtos a serem adquiridos. Uma das fontes de consulta para se estabelecer este valor o Banco de Preos em Sade (BPS). Este banco, disponibilizado pelo Ministrio da Sade, informa os preos pagos, em mbito nacional, por medicamentos e produtos da rea da sade, adquiridos por instituies pblicas e privadas

7_ disponvel em: http://portal.anvisa.gov.br/wps/portal/anvisa/regulacaodemercado.

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cadastradas no sistema. O BPS possibilita conhecer o comportamento dos preos no mercado nacional, pois registra, armazena e disponibiliza esta informao por meio da rede web. Alm de tornar pblicas as informaes sobre os preos, o sistema oferece relatrios gerenciais que podem auxiliar as instituies no gerenciamento de seus recursos financeiros.

1.3.4

transporte, armazenamento e distribuio de medicamentos

O transporte dos medicamentos deve ser feito de forma segura, em meios de transporte que possuam condies adequadas para assegurar sua integridade. Deve-se garantir, ainda, que os servios de transporte sejam avalizados pela autoridade sanitria, em conformidade com o que determinam as Boas Prticas de Fabricao e Controle de Produtos Farmoqumicos, e com as instrues emitidas pelo fabricante. O armazenamento caracterizado por um conjunto de procedimentos tcnicos e administrativos que envolvem as atividades de recebimento, estocagem, segurana e conservao, controle de estoque e entrega dos produtos, garantindo a segurana e a qualidade dos medicamentos at sua dispensao ao usurio. O gerenciamento adequado dessa etapa do ciclo garante a preservao das caractersticas fsico-qumicas e microbiolgicas dos produtos, para que possam produzir os efeitos desejados e evitando perdas que podem causar prejuzos financeiros ao Estado. Para que este objetivo seja alcanado, devem ser desenvolvidas algumas aes e procedimentos, entre os quais se destacam: a. Cumprimento das Boas Prticas de Armazenagem, incluindo limpeza e higienizao; delimitao dos espaos destinados a estocagem, recebimento e expedio de medicamentos, minimizando o risco de trocas; controle de temperatura e umidade; monitoramento da rede de frio; entre outros. b. Qualificao do recebimento de medicamentos, melhorando os processos de conferncia dos quantitativos, lotes e prazos de validade quando da separao dos produtos. c. Elaborao de Procedimentos Operacionais Padro (POP), que descrevam todas as atividades executadas. d. Existncia de um sistema de controle de estoque de medicamentos que disponibilize informaes gerenciais como balancetes, relatrios e grficos. e. Melhoria da capacidade administrativa e da qualificao de pessoas para garantir que todas as atividades sejam desenvolvidas de forma adequada. A distribuio dos medicamentos, de acordo com as necessidades dos solicitantes,

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deve garantir a rapidez na entrega, segurana e eficincia no sistema de informaes, controle e transporte adequado. necessria a formalizao de um cronograma de distribuio, estabelecendo os fluxos, os prazos para a execuo e a periodicidade das entregas de medicamentos. O almoxarifado responsvel, tambm, por assegurar a rastreabilidade dos produtos, mantendo sob seus cuidado a documentao administrativa relacionada a eles, devendo ainda tomar as medidas relacionadas sua segurana patrimonial.

1.3.5

Dispensao de medicamentos

A dispensao de medicamentos foi definida na Poltica Nacional de Medicamentos como: o ato profissional farmacutico de proporcionar um ou mais medicamentos a um paciente, geralmente, como resposta a apresentao de uma receita elaborada por um profissional autorizado. Neste ato o farmacutico informa e orienta o paciente sobre o uso adequado do medicamento. So elementos importantes da orientao, entre outros, a nfase no cumprimento da dosagem, a influncia dos alimentos, a interao com outros medicamentos, o reconhecimento de reaes adversas potenciais e as condies de conservao dos produtos (BRASIL, 2002a).

Nesse conceito, a dispensao no se configura apenas como o fornecimento do medicamento prescrito, devendo atender a aspectos tcnicos, com o objetivo de garantir a entrega do medicamento correto ao usurio, na dosagem e na quantidade prescrita, com instrues suficientes para seu uso adequado e guarda correta. Entre as orientaes a serem repassadas, destaca-se a forma de administrao; a possibilidade de ocorrncia de reaes adversas; interaes com outros medicamentos e com alimentos. Desta forma, o usurio do medicamento ter as informaes necessrias para seu uso seguro e correto (MSH, 1997). Tambm nesta etapa que devem ser observados aspectos relacionados prescrio, entre eles a legibilidade da receita, que no deve deixar dvidas ou dificuldades de interpretao. As normativas sobre prescrio versam que a mesma deve ser legvel e clara, explicitando qual medicamento deve ser fornecido ao paciente, sua dose, posologia e modo como deve ser usado; no deve conter rasuras, trazer abreviaturas, cdigos ou smbolos8. Verificar, ainda, se foi emitida por profissional autorizado e atende os aspectos le-

8_ no Brasil, as principais normas que versam sobre a prescrio de medicamentos so a Lei Federal n. 5.991, de 17 de dezembro de 1973, e o decreto n. 3181, de 23 de setembro de 1999, que regulamenta a Lei n. 9787, de 10 de fevereiro de 1999. ainda deve ser consultada a resoluo n. 357, de 20 de abril de 2001, do conselho Federal de Farmcia (cFF), que define as Boas Prticas em Farmcia.

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gais, considerando que um documento pelo qual se responsabilizam no s aqueles que prescrevem, mas tambm quem dispensa e administra os medicamentos nele registrados. importante que a dispensao seja precedida de uma boa acolhida do paciente, pois o mesmo, ao dirigir-se farmcia, espera encontrar um profissional com conhecimentos tcnicos que possa prestar informaes adequadas sobre os medicamentos. O farmacutico, como integrante da equipe de sade, deve dar os esclarecimentos necessrios sobre a farmacoterapia, ofertando ao paciente suporte e apoio para o cumprimento do tratamento. A abordagem adequada do paciente na farmcia pode contribuir de forma decisiva para a adeso ou no ao tratamento proposto, e o farmacutico deve aproveitar essa oportunidade para estabelecer uma relao de confiana com o usurio, devendo ouvi-lo, respeit-lo e compreend-lo. A implantao do acompanhamento farmacoteraputico dos pacientes nas farmcias pode ser um dos meios disponveis para assegurar a qualificao e a humanizao do atendimento ao usurio. Uma das estratgias adotadas a Ateno Farmacutica, um modelo de prtica profissional a ser desenvolvida nas farmcias, com interao direta do farmacutico com o usurio, visando uma farmacoterapia racional, com objetivo de alcanar resultados teraputicos definidos na sade e na qualidade de vida do paciente (OPAS, 2002).

1.4

Uso racional de medicamentos

Sob o aspecto conceitual, a Poltica Nacional de Medicamentos refere o uso racional de medicamentos como sendoo processo que compreende a prescrio apropriada; a disponibilidade oportuna e a preos acessveis; a dispensao em condies adequadas; e o consumo nas doses indicadas, nos intervalos definidos e no perodo de tempo indicado de medicamentos eficazes, seguros e de qualidade (BRASIL, 2002a).

A Organizao Mundial de Sade considera que h uso racional de medicamentos quando pacientes recebem medicamentos apropriados para suas condies clnicas, em doses adequadas s suas necessidades individuais, por um perodo adequado e ao menor custo para si e para a comunidade. Lidera, em conjunto com outras instituies gestoras e de pesquisa, movimentos que buscam a prescrio e o uso racional de medicamentos, a seleo de medicamentos essenciais e a disponibilizao de informaes cientficas e independentes aos profissionais de sade, por meio de boletins e de formulrios teraputicos (BRASIL, 2007). As diferentes iniciativas para que os medicamentos sejam prescritos e utilizados de

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forma correta, devem-se principalmente ao fato de que, apesar de serem importantes instrumentos de sade, e quando utilizados de forma indevida, podem ser potenciais fontes de agravos e danos sade. No raro que erros de medicao e eventos adversos se constituam em causa de morte. Corroborando esta afirmao, dados da Organizao Mundial de Sade indicam que mais de 50% de todos os medicamentos so prescritos, dispensados ou comercializados de forma inapropriada, sendo que metade dos usurios os utiliza incorretamente (WHO, 2010). Esta situao desencadeou aes mundiais que visam aumentar a segurana no uso dos medicamentos e mostra que a promoo do seu uso racional merece ateno especial por parte dos gestores e responsveis pelo gerenciamento da Assistncia Farmacutica. Vrios so os obstculos para o uso racional de medicamentos no Brasil: nmero excessivo de produtos farmacuticos no mercado; prtica da automedicao; falta de informaes aos usurios; problemas nas prescries (sobreprescrio, prescrio incorreta, prescrio mltipla, subprescrio etc.); disponibilidade ainda insuficiente de diretrizes clnicas tanto no setor privado como pblico; divulgao de informaes inapropriadas sobre os medicamentos; propaganda e marketing de medicamentos, entre outros. Todos esses fatores, alm de poderem trazer consequncias graves para a sade da populao, levam a um dispndio desnecessrio de recursos financeiros, quer sejam eles originrios de desembolso direto ou financiados com recursos pblicos. Algumas estratgias para o uso racional de medicamentos so acessveis e passveis de implementao, como a seleo adequada, a elaborao de formulrio teraputico9, o gerenciamento competente dos servios farmacuticos, a dispensao e o uso apropriado de medicamentos, a farmacovigilncia10, a educao dos usurios quanto aos riscos da automedicao, da interrupo e da troca da medicao prescrita (MARIN et al., 2003). A OMS orienta os pases a implementar programas nacionais para a promoo do uso racional de medicamentos por meio de polticas, estruturao, informao e educao, que incluem: Criao de instncias nacionais para coordenar as polticas de medicamentos e monitorar seu impacto.

9_ Formulrio teraputico: documento que rene os medicamentos disponveis e que apresenta informaes sobre os frmacos, destinadas a promover o uso efetivo, seguro e econmico destes produtos. 10_ Farmacovigilncia: refere-se identificao e avaliao dos efeitos, agudos ou crnicos, do risco do uso dos tratamentos farmacolgicos no conjunto da populao ou em grupos de pacientes expostos a tratamentos especficos.

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Estabelecimento de diretrizes clnicas baseadas em evidncias para capacitao, superviso e para apoiar os tomadores de deciso acerca dos medicamentos. Listas de medicamentos essenciais que sirvam de base para aquisio e reembolso. Comits de Farmcia e Teraputica em distritos e hospitais para monitorar e implementar intervenes que qualifiquem o uso dos medicamentos. Capacitao em farmacoterapia e prescrio, baseada em problemas nos cursos de graduao. Educao mdica continuada em servio como requisito para o registro profissional. Publicao de informaes independentes, isentas e no tendenciosas sobre medicamentos para a equipe de sade e consumidores. Educao do usurio sobre medicamentos. Eliminao de incentivos financeiros que levem a prescries inadequadas. Regulao da propaganda para assegurar que atenda critrios ticos. Financiamento adequado para assegurar a disponibilidade de medicamentos e quadro adequado de funcionrios de sade para atendimento (WHO, 2010). As medidas regulatrias adotadas nos pases tambm contribuem para o uso racional de medicamentos. Podem-se destacar, entre elas, os critrios adotados para a concesso de registro que devem considerar a sua segurana, eficcia e as condies de fabricao. Outra medida a reviso da classificao de medicamentos sob prescrio, restringindo a venda livre de medicamentos que possam apresentar qualquer risco ao usurio (BRASIL, 2007). Neste campo o Brasil vem avanando, podendo-se destacar: a introduo dos medicamentos genricos; a reviso dos critrios de registro para medicamentos sob prescrio e venda livre; a retirada do mercado de medicamentos com composies inadequadas ou que apresentem problemas aps comercializao; a regulao e a monitorao da propaganda de medicamentos e outros produtos sujeitos vigilncia sanitria; a introduo dos medicamentos fracionveis para dispensao ambulatorial; e a regulao econmica de medicamentos. Tais aes tm contribudo para aumentar a segurana dos usurios de medicamentos no pas. Em relao ao fortalecimento da vigilncia ps-registro dos medicamentos, pode-se mencionar o Programa Nacional de Controle da Infeco Hospitalar; a Rede Nacional de Monitoramento da Resistncia Microbiana; a criao dos Hospitais Sentinela; a im-

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plementao e a estruturao da farmacovigilncia no Brasil; a instituio de farmcias notificadoras de reaes adversas a medicamentos; a realizao de aes referentes ampliao das estratgias para o estmulo identificao e notificao e investigao de suspeitas de desvios de qualidade e medicamentos falsificados (BRASIL, 2007). Entre as aes relacionadas promoo do uso racional nos servios farmacuticos, destaca-se o fortalecimento da Assistncia Farmacutica na Ateno Primria; a reviso e a atualizao da Relao Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename); a disponibilizao do Formulrio Teraputico Nacional; o apoio Rede de Centros de Assistncia e Informao Toxicolgica (Renaciat) e o apoio reestruturao dos centros e servios de informao de medicamentos no pas (BRASIL, 2007). Pode-se mencionar ainda, a realizao de cursos nacionais de capacitao de multiplicadores para estratgias de prescrio racional de medicamentos, por meio de parceria entre Opas/OMS, Ministrio da Sade e a Anvisa (BRASIL, 2007). Uma das estratgias mais adequadas para a promoo do uso racional de medicamentos est relacionada produo de conhecimento, elaborao de informaes com base em evidncias e divulgao de fontes confiveis e acessveis de consulta. Iniciativas importantes neste sentido so a elaborao e a publicao do encarte Uso Racional de Medicamentos: Temas Selecionados, em parceria entre a Opas/OMS e o DAF/SCTIE/ Ministrio da Sade; o boletim Evidncia Farmacoteraputica, produzido pelo Centro Brasileiro de Informaes sobre Medicamentos do Conselho Federal de Farmcia (Cebrim/CFF); o Boletim Brasileiro de Avaliao de Tecnologias em Sade (Brats), produzido por parceria da Anvisa com a Secretaria de Cincia, Tecnologia e Insumos Estratgicos do Ministrio da Sade; a realizao e a publicao de diversos estudos de utilizao de medicamentos e, tambm, a realizao dos congressos brasileiros para a promoo do uso racional de medicamentos. Embora tenham sido realizadas diversas aes referentes promoo do uso racional de medicamentos no pas, a rea carecia de uma articulao formal entre os diferentes atores envolvidos com o tema. Nesta perspectiva, foi criado o Comit Nacional para a Promoo do Uso Racional de Medicamentos11, com representaes de diversas instituies e ministrios (BRASIL, 2006j).

1.5

Consideraes finais

Tanto a Poltica Nacional de Medicamentos (PNM) como a Poltica Nacional de Assis11_ institudo pela Portaria GM/MS n. 1.956, de 23 de agosto de 2006, republicada em 25 de agosto de 2006.

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tncia Farmacutica (PNAF) explicitam a importncia estratgica de trs grandes eixos relacionados aos medicamentos a garantia da segurana, eficcia, efetividade e qualidade dos medicamentos; a promoo do uso racional; e o acesso da populao queles medicamentos considerados essenciais. No entanto, para muitos gestores, o conceito da Assistncia Farmacutica ainda permanece centrado no binmio aquisio e distribuio de medicamentos. Ao longo deste captulo, foram apresentadas algumas estratgias e aes que podem contribuir para solidificar as bases da Assistncia Farmacutica no SUS, compartilhada pela Unio, estados e municpios. Muitas outras so possveis, porm, a implantao de qualquer uma delas deve ser entendida como um processo, com o envolvimento de todos na sua construo. Ressalte-se que somente sero factveis aquelas que dispuserem dos meios e do apoio poltico necessrios sua execuo. O desafio de construir uma Assistncia Farmacutica integral ganhou mais concretude com a publicao do Pacto pela Sade, que, entre outros, definiu a forma de transferncia dos recursos financeiros federais na forma de blocos de financiamento, entre eles o da Assistncia Farmacutica com os respectivos componentes e as responsabilidades das instncias gestoras. Tambm a organizao da ateno sade, na forma de redes de ateno sade, superando os sistemas fragmentados, um desafio a ser enfrentado e a rea da Assistncia Farmacutica tem importante papel de apoio a assumir na sua estruturao. Entre outras, faz-se necessria uma ampla discusso do papel a ser desempenhado nesta rea pela esfera estadual, em especial em relao ao apoio e colaborao na estruturao da Assistncia Farmacutica dos municpios. Algumas experincias neste sentido vm sendo desenvolvidas e podem ser avaliadas pelos gestores como possveis modelos a serem adotados em seus estados.

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22.1 2.2 2.3 2.4 2.5 2.6 2.7

AssistnciA FArmAcuticA nA Ateno primriA

Consideraes iniciais antecedentes da assistncia Farmacutica na ateno Bsica regulamentao da assistncia Farmacutica na ateno Bsica sistema de informao da assistncia Farmacutica na ateno Bsica organizao da assistncia Farmacutica na ateno Primria outras polticas e programas relacionados assistncia Farmacutica na ateno Primria Consideraes finais

22.1

AssistnciA FArmAcuticA nA Ateno primriA

Consideraes iniciais

Ao longo dos anos, a ateno primria sade vem assumindo papel relevante no processo de construo do Sistema nico de Sade (SUS) no Brasil, como coordenadora do cuidado no seu territrio. Nesse contexto, necessrio que as aes desenvolvidas na Assistncia Farmacutica, que devem integrar as aes de ateno sade, acompanhem esse processo, capacitando-se para atender as novas demandas que essa realidade impe. Vrios cenrios apontam para a necessidade de uma mudana de paradigma nessa rea, imprescindvel para o enfrentamento dos desafios sanitrios, econmicos e sociais da sade, includa a a Assistncia Farmacutica. Apesar dos avanos alcanados e do esforo para consolidar a Assistncia Farmacutica, com a busca incessante da melhoria do acesso da populao aos medicamentos essenciais, a realidade brasileira ainda se caracteriza por uma situao desigual no que diz respeito ao acesso e ao uso racional deste insumo. Nesse sentido, a Poltica Nacional de Medicamentos (PNM) e a Poltica Nacional de Assistncia Farmacutica (PNAF) so referenciais que podem embasar as mudanas necessrias nesta rea. Entre elas, a superao da fragmentao uma medida que se impe. Medicamentos de distintos componentes usados pelo mesmo paciente, sendo dispensados em farmcias sob responsabilidade de diferentes instncias gestoras exemplo de uma realidade a ser alterada. A insero da Assistncia Farmacutica na lgica de redes de ateno uma das estratgias para melhorar a acessibilidade, porm, necessrio qualific-la para que possa assumir seu papel de ponto de apoio da ateno sade, objetivando assegurar o acesso da populao aos medicamentos. Alm de empreender esforos para melhoria do acesso, tambm se faz necessria a adoo de medidas para racionalizao e otimizao dos recursos financeiros, evitando desperdcios, promovendo a racionalizao no uso dos medicamentos, melhorando o acompanhamento do paciente e estimulando a adeso ao tratamento. Para atingir esses objetivos, preciso que essa rea se estruture, devendo-se prever os recursos humanos, financeiros e materiais necessrios para tal.

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Mudanas esto presentes em vrias reas relacionadas aos medicamentos. A legislao sanitria tem sido atualizada, num movimento para acompanhar e enfrentar as situaes advindas do avano cientfico e tecnolgico; a regulao do mercado farmacutico nacional evoluiu, em especial no relacionado s compras pblicas; o financiamento teve um aumento significativo nos ltimos anos e a descentralizao das aes tem avanado de forma gradativa na Assistncia Farmacutica. Este processo exige que os profissionais desenvolvam novos saberes e habilidades, entre eles, competncia tcnica para gerenciar a rea, otimizar recursos, estabelecer objetivos e metas, medir resultados e promover processo contnuo de melhorias. O gestor estadual da Assistncia Farmacutica tem um papel importante a desempenhar neste processo, apoiando e prestando cooperao tcnica aos municpios. Desta forma, estes podero gerenciar de forma mais apropriada a Assistncia Farmacutica na Ateno Primria, atendendo s exigncias tcnicas previstas para o desenvolvimento dessa atividade.

2.2

antecedentes da assistncia Farmacutica na ateno Bsica

Em 1971, com a criao da Central de Medicamentos (Ceme), a Assistncia Farmacutica no setor pblico passou a ser executada de forma centralizada. Em 1987 foi instituda uma Farmcia Bsica, proposta pelo Governo Federal, para racionalizar o fornecimento de medicamentos para a ateno primria. Previa mdulos padro de medicamentos, de modo a atender as necessidades de uma populao de 3 mil habitantes. Constituda por 48 medicamentos, todos constantes da Relao Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) vigente poca, destinava-se a atender as doenas prevalentes mais comuns, em especial no nvel ambulatorial (COSENDEY, 2000). Concebido como um mdulo padro, no considerava as diversidades regionais, fato este que, aliado descontinuidade no fornecimento, ao envio de medicamentos com validade prxima da expirao e falta de controle sobre os quantitativos, resultou em grandes perdas de medicamento. Estes eventos levaram extino deste programa. No perodo da Ceme, a sua forma de atuao se reproduzia nos estados, responsveis por armazenar, programar e distribuir os medicamentos por ela repassados. Para gerenciar esses medicamentos, as secretarias estaduais de sade estruturaram as Centrais de Medicamentos Bsicos (CMB), e o Instituto Nacional de Assistncia Mdica e Previdncia Social (Inamps), as Centrais de Distribuio de Medicamentos (CDM). Apesar da importncia e do papel estratgico estabelecido para a Ceme, qual cabia a coordenao das atividades que envolviam os medicamentos, a excessiva centralizao de algumas aes trouxe inmeros problemas de abastecimento. Merecem destaque a

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programao, a aquisio e a distribuio de medicamentos em desacordo com as reais necessidades dos estados e municpios. Com a desativao da Ceme, ocorrida em 1997, suas atividades foram pulverizadas em diferentes setores e rgos do Ministrio da Sade (MS). Na continuidade, para suprir as necessidades de medicamentos bsicos, ainda no ano de 1997, o Ministrio da Sade criou o Programa Farmcia Bsica (PFB), sob coordenao da Diretoria de Programas Estratgicos. O mesmo foi desenvolvido com base em parmetros semelhantes aos da Farmcia Bsica da Ceme, modulado para atender 3 mil habitantes em municpios com populao de at 21 mil habitantes. Os medicamentos, adquiridos pelo Ministrio da Sade, eram repassados a polos de distribuio, localizados em cada uma das regies do pas. Posteriormente, o PFB foi reformulado, praticamente excluindo a participao formal da esfera estadual, distanciando-se do emergente processo de organizao da Assistncia Farmacutica, em andamento em vrias Unidades da Federao. J nesse perodo, o CONASS participou ativamente das discusses sobre a Assistncia Farmacutica e, em oficina de trabalho realizada em 1998, solicitou que o MS inserisse o PFB no mbito de uma Poltica Nacional de Assistncia Farmacutica, a ser discutida com as trs esferas de governo, com ajustes e adequaes, de forma que o PFB pudesse ser instrumento para organizao dos servios. A desarticulao da Assistncia Farmacutica no Brasil, em descompasso com as mudanas que vinham ocorrendo na rea da sade, especialmente em relao ao processo de descentralizao das aes do SUS, e a irregularidade no abastecimento de medicamentos destinados rede ambulatorial, entre eles, os medicamentos para Ateno Bsica, contriburam para a formulao de novas diretrizes nessa rea. Esse processo levou ao estabelecimento da Poltica Nacional de Medicamentos (PNM), de 1998 (BRASIL, 2002a). A construo de uma nova gesto de Assistncia Farmacutica no SUS fundamentouse na implementao das diretrizes estabelecidas na PNM nos estados e municpios, entre elas, a reorientao da Assistncia Farmacutica, fundamentada, entre outros, na: descentralizao da gesto; promoo do uso racional de medicamentos; otimizao e na eficcia do sistema de distribuio no setor pblico; desenvolvimento de iniciativas que possibilitassem a reduo dos preos dos produtos, viabilizando, inclusive, o acesso da populao aos mesmos no mbito privado (BRASIL, 2002a).

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Essas diretrizes comportam um conjunto de prioridades e o processo de descentralizao preconizado contempla a padronizao dos produtos, o planejamento adequado e oportuno das necessidades e a redefinio das atribuies das trs instncias de gesto e que:A aquisio e a distribuio, pelo Ministrio, dos produtos componentes da Assistncia Farmacutica bsica sero substitudas pela transferncia regular e automtica, fundo a fundo, dos recursos federais, sob a forma de incentivo agregado ao Piso da Ateno Bsica. Esses recursos sero utilizados prioritariamente para a aquisio, pelos municpios, e sob a coordenao dos estados, dos medicamentos necessrios Ateno Bsica sade de suas populaes (BRASIL, 2002a).

A interrupo no fornecimento de medicamentos do Programa Farmcia Bsica, a publicao da Poltica Nacional de Medicamentos e os diversos debates ocorridos na poca, levaram o Governo Federal elaborao de uma nova proposta para a rea, que resultou na publicao da Portaria GM/MS n. 176, de 8 de maro de 1999, que estabeleceu um incentivo financeiro para a Assistncia Farmacutica nesta rea, bem como critrios e requisitos para a qualificao dos municpios e estados para acess-los com responsabilidades pactuadas entre as trs instncias gestoras do SUS. Este foi o passo inicial no sentido de efetivar a descentralizao da Assistncia Farmacutica na Ateno Bsica no SUS (BRASIL, 1999a).

2.3

regulamentao da assistncia Farmacutica na ateno Bsica

A primeira regulamentao especfica para traar diretrizes para a rea de Assistncia Farmacutica na Ateno Bsica ocorreu no ano de 199912, estabelecendo um financiamento especfico denominado Incentivo Assistncia Farmacutica Bsica (IAFB). A criao deste IAFB foi um avano, pois, diferente do Programa Farmcia Bsica, de 1997, abrangia a totalidade dos municpios, prevendo a participao dos gestores estaduais e municipais no financiamento e no processo de gesto e gerenciamento, mediante pactuao nas respectivas Comisses Intergestores Bipartite13. O valor do IAFB, proposto pelo MS e aprovado pela CIT, foi de R$ 2,00 por habitante/ ano, com repasse de R$ 1,00 per capita/ano pelo gestor federal e contrapartida de, no mnimo, R$ 1,00 per capita/ano a ser pactuada entre os gestores estaduais e municipais nas instncias intergestoras correspondentes.

12_ Publicada pela Portaria GM/MS n. 176, de 8 de maro de 1999. 13_comisses intergestores Bipartite (ciB), instncias colegiadas integradas por representantes das secretarias estaduais de sade e das secretarias municipais de sade, responsveis pela pactuao do financiamento e resoluo de outras questes pertinentes gesto no mbito estadual.

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A descentralizao da Assistncia Farmacutica na Ateno Bsica vinculou o repasse financeiro implementao de atividades relacionadas reorientao nesta rea, entre elas, a de ampliar o acesso dos usurios do SUS aos medicamentos bsicos, promovendo seu uso racional. O atendimento a esses requisitos condicionavam a transferncia do recurso federal aos estados e municpios. Assim, como condio para acessar o IAFB, os estados tiveram que elaborar os Planos Estaduais de Assistncia Farmacutica Bsica, os quais deveriam estar fundamentados: no diagnstico da situao de sade do estado e dos municpios; nos recursos humanos, materiais e financeiros disponveis; na rede de servios existentes, de acordo com o nvel de complexidade; nas atividades de seleo, programao, aquisio, distribuio e dispensao dos medicamentos; nas condies necessrias para o cumprimento das boas prticas de armazenagem para medicamentos; na proposta de capacitao e aperfeioamento permanente dos recursos humanos envolvidos na Assistncia Farmacutica; na permanente avaliao da Assistncia Farmacutica atravs de indicadores especficos que possibilitassem o aprimoramento de sua gesto; na observncia de aspectos que atendessem s peculiaridades regionais e locais, considerando, entre outros, a rede de servios existentes (BRASIL, 2001a). Para gerenciamento do recurso financeiro, deveriam ser adotadas estratgias que levassem otimizao na sua aplicao e, nesse contexto, diferentes iniciativas foram adotadas, tais como a centralizao dos recursos financeiros do gestor federal e estadual nas SES; a descentralizao total dos recursos aos municpios e, ainda, pactuaes que previam situaes individualizadas por municpios, de acordo com seu interesse. Em alguns estados, a estratgia adotada objetivando economia de escala foi a criao de consrcios para realizar a compra conjunta de medicamentos aos municpios participantes. Aps implantao desta Portaria, o Ministrio da Sade avaliou que o elenco de medicamentos constante dos Planos Estaduais de Assistncia Farmacutica Bsica mostrava problemas relacionados seleo dos medicamentos. De acordo com a Gerncia Tcnica de Assistncia Farmacutica (GTAF), poca vinculada ao Departamento de Ateno Bsica da Secretaria de Polticas de Sade, os elencos pactuados pelos estados e municpios apresentavam grande diversidade e, em muitos casos, no contemplavam as ne-

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cessidades da ateno primria. Considerando que esse fato poderia apresentar impacto negativo no atendimento sade prestado pelos municpios, o MS estabeleceu um elenco mnimo e obrigatrio de medicamentos, a ser disponibilizado populao por todos os municpios14 (BRASIL, 2000a). O MS identificou ainda, que os medicamentos para o tratamento de doenas relacionadas sade mental no estavam adequadamente contemplados nos elencos pactuados. Com a finalidade de assegurar o acesso dos pacientes aos mesmos, foi implantado o Programa para a Aquisio dos Medicamentos Essenciais para a rea de Sade Mental15. O valor mnimo de financiamento deste programa para cada estado foi estabelecido com base em dados disponveis no Ministrio da Sade, sendo 80% originrios de recurso federal e, no mnimo, 20% de contrapartida financeira estadual16. O repasse desse recurso s SES estava condicionado ao cumprimento de alguns requisitos estabelecidos pela Portaria, e os medicamentos a serem disponibilizados deveriam ser selecionados com base no grupo farmacolgico relacionado ao Sistema Nervoso Central da Rename vigente poca. A coordenao e a implementao do programa ficaram sob responsabilidade das secretarias estaduais de sade, aps aprovao dos critrios de seleo e distribuio dos medicamentos nas Comisses Intergestores Bipartite (CIB). Ao longo do tempo, a ausncia de qualquer atualizao dos valores financeiros relacionados ao programa levou ocorrncia de uma defasagem financeira do incentivo em relao necessidade, de forma que vrios estados e municpios suplementassem substancialmente esses recursos. Em 2001, estados e municpios encontravam-se na fase de estruturao da Assistncia Farmacutica, com a adequao e a incorporao do elenco mnimo e obrigatrio aos seus elencos, quando voltaram a surgir iniciativas de aquisio centralizada de medicamentos bsicos. A primeira delas, de maro daquele ano, foi criao de um kit, composto por medicamentos destinados a dar suporte a estratgias e aes especficas da Ateno Primria, entre elas, o Programa Sade da Famlia (PSF). Alm de se sobrepor ao elenco disponibilizado com recursos do IAFB, a interlocuo era feita diretamente pelo MS com as equipes do PSF das secretarias municipais de sade, sem participao da instncia estadual. Esta lgica distinta adotada para a distribuio do kit dificultava seu gerenciamento.

14_ o elenco mnimo obrigatrio foi publicado na Portaria SPS/MS n.16, de dezembro de 1999. 15_ Portaria GM/MS n. 1077, de 24 de agosto de 1999. 16_ idem nr 15.

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Em maro de 2002, o mesmo repasse direto aos municpios foi adotada para medicamentos destinados ao tratamento da hipertenso arterial e do diabetes mellitus. De acordo com o MS, a aquisio centralizada de medicamentos destinados ao tratamento de agravos atendidos na ateno primria sade estaria ocorrendo pela constatao de sua indisponibilidade nas unidades bsicas, o que acabava por comprometer a resolubilidade do sistema, principalmente no caso de doenas de enfrentamento prioritrio. Apesar das dificuldades enfrentadas, importante ressaltar que a descentralizao de recursos financeiros, como o IAFB, e a necessidade de desenvolver estratgias para gerenci-los de forma competente, propiciaram um avano significativo no processo de implementao e organizao da Assistncia Farmacutica nos estados e municpios. Por outro lado, avaliaes dos gastos com medicamentos bsicos nos municpios demonstraram que, em muitos casos, o valor do IAFB era insuficiente para atender a demanda, havendo necessidade de sua complementao com recursos financeiros prprios muito superiores ao valor estabelecido como contrapartida municipal. Mudanas polticas ocorridas na esfera federal, em 2003, levaram alterao na estrutura do MS, sendo criada a Secretaria de Cincia Tecnologia e Insumos Estratgicos, qual foi vinculado o Departamento de Assistncia Farmacutica e Insumos Estratgicos (DAF), que passou a agregar as aes relacionadas Assistncia Farmacutica no seu mbito de gesto. A partir do segundo semestre daquele ano, retomou-se o processo de discusso da Assistncia Farmacutica Bsica, com ativa participao do CONASS e apresentao de uma proposta preliminar que procurava superar a fragmentao vigente, resultado da existncia de programas e financiamentos distintos para medicamentos destinados a diferentes programas gerenciados pelos municpios. Como resultado, as trs instncias gestoras do SUS pactuaram ampliar o valor do IAFB a ser aplicado pela Unio, estados, Distrito Federal e municpios, unificar e atualizar elencos e redefinir as responsabilidades. As discusses resultaram na publicao de nova portaria17 com ampliao do valor mnimo no IAFB, dando incio ao processo de descentralizao da aquisio de medicamentos destinados a atender diferentes doenas. Ainda permaneciam sob responsabilidade do Ministrio da Sade medicamentos relacionados aos programas de hipertenso arterial e diabetes mellitus, asma e rinite, sade da mulher, alimentao e nutrio e de combate ao tabagismo. A portaria que passou a regulamentar a Assistncia Farmacutica

17_ Portaria GM/MS n. 1105, de 5 de ju