AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DAS FAMÍLIAS EM ...Escola de Guardas Mirins se dá principalmente pelos...
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ISSN 2176-1396
AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DAS FAMÍLIAS EM
VULNERABILIDADE SOCIAL SOBRE O PAPEL DA ESCOLA
Vânia Oliveira 1
- UEPG
Ademir José Rosso2 - UEPG
Grupo de Trabalho –Formação de Professores e Profissionalização Docente
Agência Financiadora: Capes
Resumo
Os valores atravessam as relações intersubjetivas, são partilhados socialmente e se constituem
em objeto das ações educativas escolares e familiares. O objetivo do texto é apresentar as
Representações Sociais (RS) parentais a respeito da escola e do seu papel na constituição de
valores morais. Na coleta de informações foram realizadas entrevistas (N = 45) com pais de
alunos, em situação de vulnerabilidade, atendidos no contraturno social na cidade de Ponta
Grossa, Paraná. O estudo é exploratório e faz parte de uma investigação mais ampla, sendo, as
RS das famílias atendidas em contratuno social, sobre a educação de valores na relação:
família e escola. O referencial teórico utilizado são as Representações Sociais (MOSCOVICI,
2012, GILLY, 2002, DURAN, 2012). A relação família e escola discutida a partir de autores
que problematizam esse fenômeno (ASSIS, LIMA, 2011; CARVALHO, 2004; POLONIA e
DESSEN, 2005; ROMANELLI, NOGUEIRA e ZAGO, 2013; SERPE e ROSSO, 2011;
SOUZA e ASINELI-LUZ, 2014; SOUZA e FILHO, 2008). E ao tratarmos sobre a
educação de valores nos baseamos em (SANTOS e ROSSO, 2012; VINHA e TOGNETTA,
2009). As informações obtidas por meio da entrevista foram transcritas e processadas pelo
software ALCESTE (Análise Lexical Contextual de Segmentos de Texto; CAMARGO,
2005), associada à análise de conteúdo de (BARDIN, 2011) com o levantamento das
dimensões: imagens e atitudes encontradas dos pais a respeito da escola. Os achados iniciais
de pesquisa revelam que os pais percebem a importância da relação família-escola na
formação dos valores e que a responsabilidade maior cabe às famílias com a ação
complementar da escola.
Palavras-chave: Família-Escola. Formação de valores. Representações Sociais.
1 Aluna de Mestrado em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa. E-mail: [email protected]. 2 Licenciado em Ciências e Biologia. Doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Professor da Licenciatura de Biologia e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual
de Ponta Grosa. E-mail: [email protected] – Ponta Grossa, Paraná, Brasil.
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Introdução
As afirmações circulantes no ambiente escolar de que a “educação vem de casa” e que
a função da “escola é ensinar” tem implícita uma divisão e/ou evasão das responsabilidades
na construção de valores morais. Nesse debate, mesmo que os atores escolares abdiquem
dessa função ela está presente nas relações e intensões pedagógicas e atravessam o processo
educacional.
O que caracteriza o sujeito viver em condições de vulnerabilidade social é a exclusão
social, moradia e saneamento precário, carências nutricionais, mães que moram sozinhas com
seus filhos e não têm vínculos e condições de trabalho estáveis (ALMEIDA; ORNAT,
2014a). Nesse âmbito, “as instituições sociais que funcionam em contraturno promovem
ações que beneficiam a vida de muitas crianças e adolescentes nesta situação” (SERPE;
ROSSO, 2011, p. 1). A Guarda Mirim atende alunos vindos de escolas públicas municipais e
estaduais da cidade de Ponta Grossa- Paraná.
Os relatos da Escola de Guardas Mirins ‘Tenente Antônio João’ indicam que as
famílias a procuram para melhorar o comportamento das crianças e adolescentes assistidos. A
Guarda Mirim é uma das maiores instituições de contraturno social da cidade de Ponta
Grossa, atendendo cerca de 250 alunos, que se caracterizam por advierem, em sua maioria, de
famílias monoparentais femininas, constituindo-se em um dos principais motivos pela busca
do apoio social. Almeida e Ornat (2014b) apontam em seus estudos que a busca principal pela
Escola de Guardas Mirins se dá principalmente pelos motivos: não deixar seus filhos sozinhos
em casa ou na rua e buscar aprendizagem, disciplina, profissão e melhor futuro, destacando
ainda que mais de 85% destas famílias sofreram dissolução conjugal, o que caracteriza esse
grupo socialmente vulnerável.
A teoria da Representação Social analisa a relação entre indivíduo e sociedade em uma
perspectiva dialética. Moscovici (2012, p. 2) afirma que “indivíduos e grupos são qualquer
coisa, menos receptores passivos, e que eles pensam de forma autônoma, constantemente
produzindo e reproduzindo representações”. Portanto é nas relações de experiência do dia a
dia, através da linguagem, da comunicação que os conhecimentos fundamentam as RS.
(DURAN, 2012).
No campo educativo as representações sociais corroboram na compreensão das
situações sociais e suas interações com os processos educativos. Os diferentes discursos sobre
a escola caracterizam os aspectos da representação social do ambiente escolar vinculados,
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entre outros, aos desempenhos escolares, das interações da escola com as diferentes instâncias
sociais e seus atores. Portanto, trata-se de análises psicossociológicas com intuito de
considerar as posições ideológicas e priorizar a garantia científica nas ciências humanas e
sociais. (GILLY, 2002).
O estudo é exploratório, e apresenta um recorte da fala dos pais de alunos sobre os
papéis da família, escola e contraturno na formação de valores. O recorte compõe o banco de
dados de uma investigação mais ampla que se refere ao questionamento sobre: quais são os
papéis da família, da escola e da Guarda Mirim na formação dos valores? O objetivo deste
estudo exploratório é destacar a representação que os responsáveis das famílias vulneráveis
possuem referente à escola.
O papel da escola na formação de valores
Apesar de todas as críticas feitas ao sistema educacional as informações disponíveis
indicam que sem uma escolarização mínima as pessoas enfrentarão mais riscos e dificuldades
sociais. Nas palavras de Souza e Asineli-luz (2014, p.28):
A escola, sem deixar para segundo plano sua função principal, a de possibilitar ao
aluno aprendizagens significativas, é a instituição que reúne todas as condições para
estabelecer com a família um modelo de educação participativa, que envolve pais,
professores e alunos.
Para as autoras a escola necessitaria estabelecer uma interação mais aberta com a
família, proporcionar momentos de diálogos e discussões, aproveitando os encontros para
reflexões mais profundas sobre questões educacionais em geral e não somente para a
verificação das notas e assinaturas de boletins. Porém, a ideia de que o aluno tem um valor de
nota ou conceito em função da avaliação equipara a escola a uma linha de produção. Daí
infere-se que a vida do aluno dentro da escola é tratada em função do seu desempenho, ele
pode se tornar um aluno aprovado ou reprovado, nem sempre considerando a sua história de
vida. (SOUZA e FILHO, 2008).
Já para Polônia e Dessen (2005) a escola tem como foco transmitir os conhecimentos
historicamente organizados bem como as áreas específicas de conhecimento, mas também
cabe a ela resgatar as noções de cidadania, convívio social, valorizar as ações políticas na
busca da formação de um cidadão que respeita e que transforma. Somado a isso, a escola é um
espaço de cidadania, tendo um papel fundamental nesse processo, porém não é a única a ter
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essa responsabilidade, mas é uma instituição central na formação de valores (ASSIS e LIMA,
2011).
Os estudos de Carvalho (2004) sobre os modos de educação, gênero e relações escola
e família, apontam que a visão da escola em relação à participação dos pais está ligada ao
acompanhamento das tarefas de casa, das notas e no pronto atendimento às demandas da
escola. Para a autora isso acontece quando a professora se sente impotente diante daquele
aluno que apresenta dificuldade de aprendizagem e no comportamento. Porém se é aquele
aluno que não apresenta nenhum tipo de dificuldade para a professora, os pais nem precisam
comparecer a escola, e, esses dão preferência em deixar que a professora ensine o currículo
escolar.
Gilly (2002) em seu artigo sobre as representações sociais no campo educativo destaca
que os pais falam da escola, e que existe diferença na fala das famílias segundo sua origem
social. O discurso das famílias menos favorecidas denota conformismo, entendem que a
função da escola está relacionada com fatores tradicionais como a instrução, os saberes de
base, ao invés das funções mais amplas como da formação social. Essa visão dos pais – em
dar preferências aos saberes de base, está associada à esperança de que seus filhos tenham a
possibilidade de um futuro melhor que o seu, através da inserção dos filhos no mercado de
trabalho.
Existem várias frentes de discussão sobre o papel da escola, e é de extrema
importância integrar todos os envolvidos neste processo. O presente estudo limita-se em ouvir
as famílias e trazer para a discussão as representações sociais que estas têm sobre a escola.
Metodologia
Para este estudo foram selecionados os sujeitos que apresentam instabilidade na renda
familiar e baixa escolaridade. As informações foram obtidas através do cadastro interno da
escola de Guarda Mirins. Os 45 pais convidados a participar da entrevista assinaram o termo
de consentimento livre e esclarecido. Após a realização das entrevistas, foi elaborado um
banco de dados, o qual contemplou a primeira parte com dados censitários a fim de identificar
os sujeitos, a segunda, com perguntas relacionadas ao que pensam e ao que comparam sobre a
escola na formação de valores.
Esse banco de dados destina-se ao exame de conteúdo das falas, através da análise
lexical através do software ALCESTE (Análise Lexical Contextual de um Conjunto de
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Segmentos de Texto), o qual se caracteriza por ser um programa informático amplamente
utilizado para a análise de dados textuais (CAMARGO, 2005) e da análise de conteúdo
(BARDIN, 2011). O software organiza as informações do corpus por contexto, cada termo é
considerado uma unidade de contexto elementar (UCE) e cada segmento de texto equivale a
uma unidade de contexto inicial (UCI) a qual, neste estudo, é designada pelas falas dos
sujeitos. Nesse sentido, as classes são organizadas de acordo com o contexto das falas dos
informantes.
Resultados de pesquisa
O instrumento de pesquisa utilizado para coleta de dados das representações das
famílias é através da entrevista. O relatório deu origem a cinco classes.
A figura 1 apresenta as cinco classes de segmentos de textos obtidas pela classificação
hierárquica descendente do conjunto de comentários. O corpus originou duas partições, das
quais a primeira deu origem a classe 1 (55,46%) e 3 (12,39%), a segunda partição deu origem
às classes 2 (14,45%), 4 (10,91%) e 5 (6,78%).
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Figura 1: Dendograma da classificação hierárquica descendente.
Palavras Freq X²
conjunto 3 22,72
Palavras Freq X² Palavras F X² estrutura 3 22,72
presenca 25 173,85 Publica 19 11,11 Palavras Freq X² Palavras Freq X² casa 11 20,05
responsavel 22 157,59 estadual 12 9,99 Converso 25 81,64 conteudo 6 29,56 lugar 4 17,97
solicita 22 149,55 Futuro 11 9,13 Sala 10 31,35 poder 4 24,91 deve 5 14,49
vou 27 99,1 Gosto 21 8,9 Reunião 12 26,39 problema 10 23,48 muita 5 13,25
pega 8 30,08 Pessoa 16 8,6 Dou 6 24,29 falta 8 20,14 antigamente 3 12,22
boletim 6 29,59 Depende 10 8,28 chamada 22 20,56 crianca 12 17,87 ensinamento 2 11,95
chama 22 29,46 Achar 83 8,05 falvez 20 19,45 atitude 3 17,1 entrego 2 11,95
ir 8 21,88 Sabe 23 7,3 teve 7 19,37 feito 3 17,1 principalmente 2 11,95
jeito 3 21,4 Deixar 14 6,98 reclamcão 8 15,39 pode 10 15,03 familia 6 11,05
causa 4 21,37 Aprende 18 6,62 aula 7 14,92 tivesse 3 12,58 gente 8 10,39
assinar 7 19,03 acontece 15 5,98 deu 9 13,32 Acaba 5 12,1 papel 5 10,26
pai 9 16,26 vao 17 5,89 melhora 9 13,32 passar 9 11,52 ensinar 6 9,7
hora 5 13,43 Nesse 7 5,74 Geral 7 13,17 Educar 10 11,09 dar 3 7,55
possa 4 13,19 particular 7 5,74 castigo 5 12,63 Achar 23 10,81 rua 2 6,81
comportou 6 11,02 alunos 39 5,46 Tarefas 5 12,63 Livro 5 10,55 sociedade 2 6,81
tranquila 2 8,22 Ligam 12 5,41 disso 8 12,45 funcionarios 2 9,68 tempo 4 5,87
marido 3 7,96 Ve 9 4,98 ia 3 8,51 complicado 4 8,96 dinheiro 2 5,36
parece 3 7,96 Valorizo 6 4,91 roubar 3 8,51 pais 10 8,2 aprende 4 4,83
sair 3 7,96 quer 21 4,72 mudar 4 8,37 dar 4 7,57 deu 4 4,83
colabora 3 6,11 Professores 69 4,56 chego 6 8,28 meio 3 7,5 comparo 3 4,33
devido 3 4,76 Lembro 8 4,18 adianta 5 7,45 preocupar 3 7,5 fazendo 2 4,3
mesma 4 4,21 Ruim 8 4,18 digo 5 7,45 seja 3 7,5 mae 6 4
Explicou 5 4,08 tempo 7 7,26 dizer 6 7,18
Igual 5 4,08 Dificilmente 6 7,21 parte 3 5,96
Interessante 5 4,08 ficar 11 6,74 filhos 7 5,22
Alimentação 5 4,08 atencao 6 6,29 questão 3 4,78
Perfeita 5 4,08 oriento 3 6,24 vida 7 4,78
Profissional 5 4,08 brigas 4 5,44 aula 4 4,68
Manda 10 3,91 celular 3 4,66 familia 6 3,86
pergunta 10 3,91 entro 3 4,66
indo 3 4,66
notas 3 4,66
Comportou 5 4,52
problema 7 4,01
Corpus ESCOLA , 45 UCI, 339 UCE,
82,48%
Classe 5, VALORES, 23
UCEs, 6,78%
Classe 3, PAIS NA ESCOLA, 42
UCEs, 12,39%
Classe 1, ESTUDAR,
188 UCEs, 55,46% Classe 2, DIÁLOGO , 49
UCEs, 14,45%
Classe 4, PAPEL DA
ESCOLA 37 UCEs,
Fonte: Os autores.
A classe 1 contempla 55,46% do total das informações analisadas, recebeu a
denominação “estudar”. Essa classe teve maior contribuição dos sujeitos 5, 6 e 8, e se destaca
das demais porque os elementos que a compõe se referem ao que os pais relatam ser
importante na escola. Os sujeitos a que se refere são pessoa, alunos e professores; o primeiro,
qualquer sujeito, escolarizado ou não; professor e aluno atores centrais do processo educativo.
As palavras pública, estadual e particular referem-se às escolas frequentadas ou tidas como
padrão de qualidade reproduzem as conversas e noticiários sobre a educação. Os adjetivos que
se apresentam são: ruim, interessante, perfeita e profissional expressam conflitos avaliativos.
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Os verbos estudar, depende(r), achar, deixar, aprender, acontecer, vão(ir), ligam(r),
valorizo(ar), lembro(ar), explicou(ar), manda(ar) expressam as ações mais correntes que são
relatadas.
Todos esses elementos demonstram que os pais esperam que a escola direcione e
mostre a distinção do que é certo e errado para os alunos, também esperam que a escola
realize um sistema de controle do que o aluno faz e ou deixa de fazer, para que possam seguir
um caminho correto e como consequência ter um futuro profissional melhor que o seu. Isso
vai ao encontro do que apresenta Gilly (2002) ao referir-se sobre a fala das famílias menos
favorecidas que denotam conformismo ao darem preferência aos saberes de base e deixarem
em segundo plano as funções mais amplas. Essa escolha justifica-se pelo entendimento de que
tais saberes garantirão uma inserção de seus filhos com mais facilidade ao mercado de
trabalho. Em resumo, essa classe com mais da metade das informações analisadas indica a
aposta e/ou ideologia da sociedade sobre a escolarização como garantia de sucesso, futuro.
Vejamos alguns segmentos de texto que compõem as UCEs dessa classe:
Eu acho a escola muito importante, eu vejo que eu perdi muitas oportunidades de emprego e isso tudo por falta de estudo. (suj.5)
Acho a escola importante porque quanto mais estudar melhor para o futuro deles,
quando os alunos fazem alguma coisa errada, a escola manda bilhete me avisando, por exemplo, perdeu o lanche, o desenho, a educação física, acho que deveria fazer
isso mesmo, não tem muito o que se fazer sabe, é quase igual na casa mesmo. (suj.8)
A classe 2, que recebeu a denominação “Diálogo”, correspondeu a 49 UCEs, 14,45%.
Os substantivos apresentados foram: sala, reunião, chamada, reclamação, geral, castigo,
tarefas, tempo, comportamento, lei, problema, celular, brigas. As ações que demonstram
como se dá o diálogo entre as famílias e a escola são: pergunta, converso, dou, roubar,
mudar, adiantar, copiar, oriento, entro, indo, assustei, voltam, teve, melhora, chego, digo.
Tais ações denotam que os pais vão até a escola quando são chamados, por motivos
relacionados à reclamações de brigas, roubos, mas que gostariam que a escola tivesse mais
atitude diante de alguns casos. Demonstra também que mesmo que a escola não solicite a
presença dos familiares, alguns mesmo assim comparecem nesse ambiente. Comparada à
classe anterior, que predominavam as ações, nessa se destacam os objetos do ir e vir e das
ações/correções/controles educativos e os adjetivos com a avaliação dessas ações.
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Desses tempos para cá eu não fui muito chamada na escola, mas antes eu era. O
meu filho sempre deu umas aprontadas na escola, e tem reclamações dele ser muito
desligado, ele tem mania de ficar só desenhando na sala de aula, os professores
ficam irritados. (suj. 20)
Esses tempos um menino da sala do Luiz quis roubar o boné dele, e ele deu um soco no menino e jogou uma cadeira nele, os pais foram chamados na escola e
conversamos. Eu conversei muito com meu filho, e ele ficou com medo, eu assustei
bastante ele. (suj. 17)
Hoje em dia nós vemos muitas famílias separadas e que não tem condições de
passar nenhum valor para os filhos, quando a escola chama em um horário que eu
possa participar eu vou, mas se eu não conseguir sair eu peço para o meu marido ir até a escola. (suj. 20)
A classe 3, que recebeu a denominação “Os pais na Escola”, correspondeu a 42
UCEs, 12,39%. Apresenta os substantivos: presença, boletim, jeito, causa, pai, hora,
comportamento, marido, mesma. Os adjetivos são: responsável, tranquila, grave. Infere-se
que a presença dos pais na escola está relacionado à assinatura do boletim escolar, evidencia-
se através das ações: vou, chama, ir, assinar, possa, sair, colabora, pede. Denota que os
familiares são chamados a comparecer na escola apenas para assinatura do boletim escolar, e
quando o aluno apresenta mau comportamento, mas que não se articula momentos de diálogo
para outras discussões.
No entanto, quando o aluno vai bem o diálogo é mais restrito ainda, aliando-se a ideia
de que o aluno tem um valor de nota e ou conceito, e que a escola ignora sua trajetória de vida
ao tratá-lo mecanicamente (SOUZA; FILHO, 2008). Nesse sentido, se o aluno vai bem é
melhor para a escola e para os pais, e mesmo que a escola solicite a presença desses será
apenas em dia de assinatura de boletim. Porém, quando o aluno apresenta notas abaixo da
média ou comportamento inapropriado, a escola chama os pais, mas em nenhuma das falas
dos sujeitos desse estudo foi observado que a escola chamou os pais para um debate mais
amplo. Tendo em vista o que afirmam Polônia e Dessen (2005) que mesmo o foco da escola
ser, transmitir os conhecimentos organizados, não pode deixar de promover debates mais
amplos voltados para as noções de cidadania, convívio social, estímulo para a participação
dos familiares e comunidade em geral para uma transformação efetiva da escola.
Muito difícil eu ser chamada, apenas nas reuniões bimestrais, eles falam que meu
filho é muito desligado, a única reclamação que eu tenho dele. (suj. 37)
Geralmente vou para reuniões e apenas isso, não muda muito, nunca me chamaram
para falar nada de errado. O meu filho é bom aluno, é até monitor de sala, eu não
tenho reclamações da escola. (suj. 38)
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Hoje em dia vemos muitas famílias separadas e que não tem condições de passar
nenhum valor para os filhos. (suj. 16)
A classe 4, que recebeu a denominação “Papel da escola”, correspondeu a 37 UCEs,
10,91%. No dendograma se destacam os substantivos: valor, problema, falta, atitude, livro,
funcionário, pais, criança, falha, lei, maneira, parte, filhos, esses elementos demonstram que
o papel da escola passa pelo campo material e pelo campo subjetivo. Os adjetivos que se
apresentam são: papel, conteúdo, meio, complicado. As ações relacionadas ao que pensam os
pais sobre o papel da escola são: transmitir, fazer, poderia, feito, pode, tivesse, acaba, passar,
educar, acho, dar, preocupar, dizer, suprir.
É um papel em conjunto, escola e pais e sociedade. A escola pública pode faltar
algo, como a falta de livro, que por isso tem que estudar com o colega. (suj.10)
Eu acho que a escola poderia resolver certos problemas sem os pais, não precisa
chamar por tudo o pai e a mãe, a escola também tem que fazer o papel dela, tem
que saber educar os alunos. (suj. 10)
Eu acho que às vezes a escola deveria transmitir os valores, fazer mais o papel dela,
procurar até educar no bom sentido os alunos. Falta muito os valores hoje em dia,
falta nas escolas um afeto por parte dos funcionários, eu acho que a profissão de
professor é difícil, mas cada um escolhe o que quer para a sua vida. (suj.10)
Sim, claro, acho que é papel da escola transmitir os valores, apesar da educação vir
de casa. Eu vejo a escola pública, pelo o que a gente vê nos jornais, a situação é bem precária. (suj.10)
Se a família fizesse o papel dela evitaria muitos problemas, mas como isso é bem
complicado a escola tem que fazer o papel de família, educar mesmo as crianças.
(suj. 9)
Para finalizar, a classe 5 denominada como “Valores”, apresenta 23 UCEs, 6,78%. Os
substantivos que se apresentam nessa última classe são: valores, estrutura, casa, lugar, muita,
ensinamento, família, gente, rua, sociedade, tempo, dinheiro, mãe, esses elementos
correspondem ao que pensam as famílias entrevistadas sobre a função da escola e se a ela
cabe transmitir os valores aos seus filhos, além do conteúdo. Observa-se através dos
segmentos do texto que compõem a última classe, que os pais percebem a importância da
relação entre a família e a escola, mas que o papel de transmitir os valores para os alunos não
cabe à escola e sim aos pais.
Eu acho importante a relação escola e família, mas vejo muitos pais que não tem muito compromisso, não se dispõe a fazer a parte deles, acham que a escola tem
que educar seus filhos, mas tem que educar para a questão de conteúdo. (suj. 18)
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Não é papel da escola em transmitir os valores porque a escola é somente um
reforço, a escola tem que passar os conteúdos, eu acho que boas maneiras e boa
educação deve se aprender em casa. (suj. 9)
Não acho que seja responsabilidade da escola em transmitir os valores acho que o
grande problema é que não há mais a educação vinda de casa, isso acaba afetando as crianças. (suj. 18)
Não sei se é o papel da escola transmitir os valores, eu acho que é complicado para
os professores da escola, porque eles tem que educar os filhos dos outros, na
verdade eles só teriam que passar o conteúdo. (suj. 16)
As falas dessas famílias vão ao encontro do que discutem Assis e Lima (2011) ao
enfatizarem que a escola não é o único espaço de cidadania, mas deveria ser um dos seus
pilares mais importantes na formação de valores. Percebe-se dessa forma em algumas falas
dos familiares a preocupação desses em não achar que a responsabilidade da transmissão de
valores seja da escola, mas que o grande problema está em que muitas famílias não assumem
mais esse papel, dessa forma é que justifica-se a pesquisa que está em andamento ao
questionar de quem é a responsabilidade em transmitir os valores morais às crianças: a escola,
a família e/ou o contraturno?
Imagens e atitudes dos pais frente à escola
Considerando que para Moscovici (2012), os indivíduos não são passivos, mas ativos
em suas relações, dessa forma, nessa relação família-escola, entende-se que os pais
apresentam imagens e atitudes sobre o que pensam da escola. A “atitude é considerada
unicamente do lado da resposta e enquanto preparação da ação, é considerada comportamento
em miniatura” (MOSCOVICI, 2012, p.44). Por sua vez a “imagem é concebida como um
reflexo interno da realidade externa, cópia conforme no pensamento daquilo que se encontra
fora dele, assim, é reprodução passiva do dado imediato” (MOSCOVICI, 2012, p.44).
Assim, realizou-se uma análise de conteúdo (BARDIN, 2011) no levantamento das
imagens e atitudes. Primeiramente, ao falarem sobre a escola; ao que comparam a escola; se
acham a escola importante; questionou-se ainda, se os pais sabem quando seu filho faz
alguma coisa errada na escola, o que essa faz; o que acham que deveria ser feito; e por último,
se os pais acham que é o papel da escola/professores em transmitir os valores.
Organizou-se o material de acordo com as respostas dos pais, a partir da
homogeneidade das informações. Sendo assim, apresenta-se duas categorias: 1. A escola na
visão dos pais 2. O que a escola faz diante do mau comportamento dos alunos.
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A categoria “a escola na visão dos pais” demonstra como esses sujeitos enxergam e
comparam a escola. As respostas dos pais apresentam atitudes de descontentamento frente à
escola, através das palavras, “violência”, “fraca”, “complicada’, “antes era melhor”,
“empurra as crianças”, “as escolas estão esquecidas”. Assim, conforme Romaneli, Nogueira
e Zago, (2013, p.18) “a postura dos pais frente à escola evidencia mudanças nos processos de
escolha do estabelecimento de ensino, revelando desejo em oferecer aos filhos oportunidades
educativas que consideram superiores às ofertadas pelas escolas públicas”. Os autores
analisam essas atitudes dos pais referente ao descontentamento com a escola pública, sendo
que, se os pais tivessem melhores condições econômicas, optariam por escolas privadas,
devido a acreditarem que essas possuem melhor qualidade de ensino.
Reafirmando a atitude dos pais em priorizar a qualidade no ensino dos seus filhos, as
imagens que eles têm da escola, se configuram em “segunda família”, “um lugar de
formação”, “para ter um melhor futuro”, “lugar que deveria ter disciplina”. Denota que os
pais sustentam uma crença em relação à escola, acreditam que é um mecanismo de
transformação e de ascensão para um futuro melhor. Uma vez que a representação dos pais
sobre a importância da escola, está voltada em ter “um futuro”, “uma profissão”, “lugar de
socialização”, “evitar deixar as crianças na rua e livrá-las das drogas”. Portanto, para os
pais a escola deveria ser também, um lugar seguro.
Já a categoria “o que a escola faz diante do mau comportamento dos alunos” revela a
limitação em que a escola tem tratado os conflitos internos existentes, sendo que as respostas
dadas pelos pais são “a escola deixa de castigo”, “expulsa o aluno”, “assina o livro”,
“conversa”, “chama os pais”, ou “não sei a atitude da escola”. Para Vinha, Tognetta (2009,
p.530), o que ocorre frequentemente “é que, no cotidiano da escola e das famílias, os adultos
utilizam procedimentos que levam as crianças e jovens a se submeterem as normas porque
uma autoridade (pais, professores etc.) assim o quer”. Portanto, percebe-se que, o que é
priorizado nas escolas são atitudes de coação, e não atitudes que proporcionem um momento
que estimule o diálogo, a comunicação para a resolução de conflitos.
Considerações Finais
As Representações Sociais emergem de um olhar para as relações existentes no campo
social e como essas refletem no campo educacional. Se para Moscovici (2012) os indivíduos e
grupos pensam e agem de maneira autônoma e não são meros receptores passivos, reafirma-se
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esta ideia através da discussão em tela, uma vez que é perceptível as dimensões existentes
nessa relação aluno, família e escola e que cada umas dessas dimensões estão relacionadas
entre si. E que aos se relacionarem através da linguagem e comunicação representam
conhecimentos importantes e necessários para a contribuição de novos olhares no campo
educacional.
Souza e Asineli-Luz (2014) afirmam que a escola deveria envolver alunos, pais e
professores, ou seja, ter um modelo de educação participativa. Porém, é notório nas falas das
famílias que são chamadas até a escola para assinatura de boletim escolar ou por motivos de
indisciplina de seus filhos, e que algumas se limitam a participar apenas de reuniões de final
de bimestre sendo que seus filhos não apresentam mau comportamento e dessa forma não há a
necessidade de serem chamadas. Infere-se desta maneira nesse recorte educacional que a
escola não promove interação para momentos de diálogos e reflexões mais profundas.
Os comentários das famílias revelam que essas acreditam que a escola tem a função de
transmitir os valores, mas que primeiramente essa responsabilidade é da família, porém
percebem que muitas dessas famílias não assumem mais esse papel. Portanto, entende-se que
há ainda uma lacuna no campo educacional, uma dimensão que vai além dos muros da escola
e ou além do currículo escolar, sendo que existe a necessidade da educação dos valores aos
alunos, mas que ainda permeia-se um emaranhado de incertezas de quem realmente seria essa
função, uma vez que, a falta de tais valores refletem no ambiente escolar através da
indisciplina. Santos e Rosso (2012), evidenciam, que os docentes descrevem seus alunos com
inúmeros déficits morais, e que o ambiente familiar é a razão primeira da indisciplina.
Por fim, percebe-se que ao trazer para a discussão a fala das famílias sobre o que
pensam da escola, emergem outros elementos que compõem a dimensão aluno, família,
escola, sendo que de um lado a escola atribui a culpa da indisciplina na família sem ao menos
considerar o aspecto voltado ao despreparo dos professores diante da indisciplina como
apresentado por Carvalho (2004), quando a professora se sente impotente diante daquele
aluno que apresenta dificuldade na aprendizagem e no comportamento, atribuindo a culpa à
família. E de outro lado a família assume que é sua a responsabilidade de transmitir os
valores, mas que não consegue realizar essa tarefa devido a vários fatores sociais e políticos
como: problemas familiares, jornada de trabalho, nível de escolarização, entre outros.
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